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Restrição Jurídica da
Linguagem
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Restrição Jurídica da Linguagem - Direito da Cultura
Índice
Direito, Cultura e Linguagem...............................................................................................................3
1. Linguagem e Cultura........................................................................................................................5
1.1. Cultura como Linguagem.........................................................................................................5
1.2. A Necessidade de uma Realidade.............................................................................................6
1.3. Linguagem como Bem Cultural................................................................................................6
1.4. O que é a Linguagem................................................................................................................7
2. Direito e Linguagem.........................................................................................................................9
2.1. O Direito como Linguagem......................................................................................................9
2.2. A Definição da Indefinição.......................................................................................................9
2.3. Direito à Linguagem...............................................................................................................11
2.3.1. Protecção Objectiva........................................................................................................11
2.3.2. Protecção Subjectiva.......................................................................................................12
2.3.2.1. Como Direito Fundamental e Direito Subjectio Público.........................................12
2.4. Conteúdos do Direito..............................................................................................................13
2.4.1. Descrição.........................................................................................................................13
2.4.1.1...................................................................................................................................14
3. Restrição Jurídica da Linguagem...................................................................................................14
3.1. A Definição.............................................................................................................................15
3.2. A Preterição e a Protecção......................................................................................................17
3.3. A Aplicação............................................................................................................................17
Conclusão...........................................................................................................................................19
Bibliografia:........................................................................................................................................20
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Heródoto, no segundo volume da sua obra histórica, afirma que o Faraó Psamético I
experimentou deixar dois recém nascidos sem quaisquer influências linguísticas, vivendo
longe das pessoas e sendo alimentados em silêncio. Sem influências exteriores, a sua
primeira palavra seria numa língua natural, decorrente da humanidade e “geneticamente”
comum a todos os seres humanos. Conta a lenda que a primeira palavra foi “bekos”, que
em Frígio significa pão. Embora existam diversos mitos sobre a origem da Linguagem,
todos a afirmam como uma dádiva exterior ao Homem que depois, por sua culpa, se
dividiu.1
Este trabalho apresenta-se como descritivo das bases que motivam uma limitação
normativa à anarquia linguística sem que se entre numa instrumentalização política da
Linguagem, de forma a permitir a comunicação, a busca de um Eu fora do egoísmo, ou
seja, da vida. Não apenas uma vida em sociedade, mas da própria vida, na acepção
ampla do termo, aquela acepção de onde decorre todo o Direito e toda a Linguagem.
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1. Linguagem e Cultura
Abordaremos neste ponto as várias relações entre Linguagem e Cultura e as suas
definições.
As diferenças Culturais podem levar um Húngaro a afirmar que o seu veículo está cheio
de enguias ao pedir cigarros em Inglaterra , quando o livro de tradução tem gralhas, mas
isto só é possível porque existem duas Culturas e duas linguagens diferentes.
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Esta situação torna-se mais clara se imaginarmos um mundo incorpóreo onde apenas
existiriam nuvens, representado ideias. Não havendo noção de espaço físico seria
impossível delimitar que ideias pertenciam a que sujeito ou de onde cada nuvem tinha
aparecido, criando apenas uma tempestade impessoal.
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A Linguagem pode ainda ser vista de uma outra perspectiva. A Linguagem pode ser um
objecto com um valor em si mesmo. Como Florbela Espanca afirma, o Poeta tem em si a
luz de todo o mundo, que radia dos seus poemas. Estes Poemas são Linguagem viva, tal
como as falas de uma peça ou as histórias contadas pelos avós.
A Linguagem não é afinal só meio, mas também um produto. O meio acaba por ser um
fim em si mesmo, como uma estrada cujo objectivo é percorrer. A produção de oralidade,
de comunicação, é Linguagem, e como tal, um bem Cultural. A Linguagem, capaz de
alterar a realidade, de transformar a história, de criar e de ser criada, é uma ideia em si
mesma que possui beleza e identidade pelo simples facto de existir, sendo por essa razão
um bem.
Normalmente este ponto de definição seria o primeiro a abordar num trabalho como
este, ao lado da definição que demos e Cultura.
Contudo é necessário partir das realidades dos pontos anteriores para podermos definir
Linguagem.
Embora possamos ainda utilizar alguns conceitos para delimitar o conceito de Cultura,
não os podemos utilizar para definir Linguagem, pois, como já indicamos, trata-se de uma
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Achamos portanto necessário adoptar uma visão operativa que não procure definir mas
explicitar. Entendemos a Linguagem como um jogo em que os participantes criam
realidades subjectivas e objectivas, sendo contudo necessárias regras para que o jogo se
possa desenvolver.3
3 Adoptamos a posição de Marina Yaguello; Alice no Páis da Linguagem, Lisboa, estampa., 1991, pág.
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2. Direito e Linguagem
“You might just as well say,' added the March Hare, 'that "I like what I get" is the same
thing as "I get what I like"!'
'You might just as well say,' added the Dormouse, who seemed to be talking in his sleep,
'that "I breathe when I sleep" is the same thing as "I sleep when I breathe"!” Caroll, Lewis;
Alice in Wonderland, The millenium fulcrum edition
4 Por exemplo, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Lisboa, 2001, pág. 171
5 Arte 119 da Constituição da República Portuguesa, 1976
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terra, que tem como objectivo garantir a justiça na co-existência. 6 Desta forma, nunca o
Direito poderia cegar-se perante a realidade da Linguagem.
No seguimento do capítulo anterior vamos tomar neste ponto a Linguagem como uma
realidade Jurídica, ou seja, que deveria ser definida pelo Direito ou pelo menos
conceptualizável pelo mesmo.
O Direito tem o poder coactivo de tentar regular o significante directamente, mas não o
significado. O Direito pode, e já o tem feito, transformar o significante, de forma a moldar o
próprio significado. Através do significante (palavra-dever ser) também o significado (ideia
ser) pode ser transformado indirectamente ou pelo menos influenciado.
O Direito não pode ser cego à definição de Linguagem, mas também não a pode tratar
como um conceito jurídico como os demais. É possível contudo alguma regulação do
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Dever Ser sem definir o Ser, como iremos abordar nos pontos seguintes, sendo a mesma
necessária devido à sua importância na co-relação.
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Contudo nos termos de protecção subjectiva do Direito à Língua 8, temos também uma
dupla protecção, quer como Direito Fundamental quer como Direito Subjectivo Público,
configurando a faculdade de cada um, pelo uso da sua Liberdade, de criar, utilizar e jogar
com a Linguagem que é inerente à dignidade da sua pessoa.
Como Bem Jurídico cujo aproveitamento é digno de protecção, esta protecção confere
ao particular um Direito, pois quando se impõe um dever (de não agressão por exemplo),
confere-se um Direito à outra parte (o Direito a não ser agredido).
Desta forma, o Direito à língua está presente quer através do Direito à Cultura, quer
através da Protecção Constitucional.
Para maior desenvolvimento sobre este ponto, remetemos para o desenvolvimento que
o Professor Vasco Pereira da Silva refere no seu livro “A Cultura a que tenho Direito”
8 Adoptamos a expressão Direito à Língua em todo este ponto porque conforme com a expressão
consagrada constitucionalmente, contudo, quando falamos em Direito à Língua falamos de Direito à
Linguagem.
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(pág. 113 e ss.), uma vez que a protecção do Direito à Língua não apresenta quaisquer
diferenças com a protecção conferida ao Direito à Cultura, não sendo fim deste trabalho
uma descrição exaustiva da protecção conferida à Língua mas sim os limites à sua
restrição, não simples agressão.
2.4.1. Descrição
Ao Direito à Linguagem, quer na protecção objectiva quer subjectiva, quer seja como
Direito Fundamental ou Direito Subjectivo Público, correspondem determinadas
faculdades quer à sociedade que ao Particular, e embora já tenham sido enunciadas
previamente, cabe agora descrever os pontos específicos de actuação do Direito na
Linguagem, que é, como Direito fundamental, protegido nas três categorias (ou gerações)
de Direitos fundamentais.
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3.1. A Definição
Já observamos que a definição do que é Linguagem é restrição à própria realidade da
Linguagem, não podendo por isso ser definida. São contudo aceites algumas regras para
que a sua utilização não seja o caos das ideias, o pensamento, o ser, mas um dever ser,
a palavra, que no conjunto da frase que respeite as regras sintácticas, morfológicas e
gramaticais, transporte o sentido que lhe é conferido.
Inerente à definição é à criação. A Palavra que se Torna Verbo, que referíamos no inicio
do trabalho. Se imaginarmos que um ente abstracto pode criar independentemente
Linguagem, estamos a conferir-lhe o poder sobre todas as coisas.
A criação de Linguagem parece uma realidade saída de livros de ficção científica, pois
nunca, aparentemente e no limite do nosso conhecimento, qualquer Estado criou de raiz,
unilateralmente uma Linguagem. Apenas podemos observar o exemplo de George Orwell
em 1984, no qual o Estado, o “Big Brother”, portador de uma ideologia, impôs, através de
um governo autoritário,uma Linguagem por ele criado, na qual aos significantes
correspondiam determinados significados, às palavras, apenas determinados sentidos
previamente definidos. Chamou a esta Linguagem “Newspeak” e foi imposta primeiro à
Administração Pública e depois a toda a sociedade. O “Newspeak” foi assim um
instrumento de formação ideológica da sociedade.
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Por exemplo, em 1980, a Sra. Deputada Zita Seabra, 9 na discussão parlamentar sobre o
Aborto introduziu o termo Interrupção Voluntária da Gravidez, para designar o acto de
abortar. Este termo foi acolhido nos dois referendos e na legislação posterior. Quando,
devido a várias circunstâncias, Zita Seabra mudou de bancada parlamentar, afirmou que
a criação desta expressão e da consequente sigla IVG, era destinada a alterar a
conotação do acto dado pelo verbo abortar, de forma a tornar o mesmo socialmente mais
aceitável. Transformou-se assim o significado através do significante, alterando a palavra
que descrevia a mesma realidade.
Também a ideologia levou à imposição de outros termos noutras línguas, embora estes
tenham sido acolhidos pela legislação num processo de evolução linguística, ou mesmo
quando impostos foram justificados pela colisão dos mesmos como Direitos superiores.
Estas alterações Culturais não podem ser impostas pela Linguagem uma vez que se
9 Embora se refira a um período não abrangido ainda pelas memórias da ex-deputada, este é um caso
verificável em vários depoimentos públicos,nomeadamente numa conferência que teve lugar a 21 de
Março de 2009 na FCEE da Universidade Católica de Lisboa.
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tornam um instrumento nas mãos do Estando, podendo ser por esta uma via pela qual
Estado imponha a sua Cultura, sendo totalitária, desrespeitando o princípio do Estado
Democrático e a própria Dignidade da Pessoa Humana.
Concluindo, não efectuando juízos de valor pelas alterações acima descritas, podemos
contudo observar que a Linguagem não pode ser imposta pelo Estado, quer seja pela sua
definição quer pela sua criação, pois violaria um Direito Fundamental e a própria
Constituição, trazendo, como já afirmamos, um novo sentimento constitucional, revisor da
sociedade vinculada pela mesma.
O Estado torna-se assim garante da Liberdade dos cidadãos, podendo proteger uma
Língua, tornando-a oficial ou reconhecendo-a como dialecto, de forma a poder ser
estudada e ter um valor jurídico.
Em ambos os casos deu-se uma definição linguística por via legislativa (a primeira por
lei constitucional, a segunda por via meramente legal), contudo, em vez de criar conceitos
ex-novo, reconheceu uma realidade pré-existente à conceptualização, não a cristalizando
e permitindo a sua actualização.
Nos termos proteccionistas o Direito pode assim reconhecer Direitos aos sujeitos a
quem aproveitam estas línguas, contudo, há um lado negativo nesta protecção. Temos de
analisar concretamente as razões de interesse público que justificam estas acções,
porque por detrás destas pode ainda estar uma visão ideológica do Estado.
Pela protecção de uma Língua pretere-se uma outra. No caso do Mirandês preteriu-se o
Guardamilês. Longe de querermos distinguir o que é um dialecto, afirmamos apenas que
mesmo a protecção de uma Língua não é absolutamente discricionária mas que também
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necessita de ser justificada pelo interesse público e ser proporcional aos fins que visa.
3.3. A Aplicação
O Estado pode impor uma Linguagem pode até fazê-lo subrepticiamente, pode querer
alterar o significado pelo significante, pode ainda alterar discricionariamente as regras
gramaticais de forma a reduzir a possibilidade de significados e a polissemia das palras
(como parece acontecer no acordo ortográfico).
É neste plano que, embora algumas vezes possamos observar uma ilicitude na
intervenção do Direito na restrição da Linguagem e na mudança Cultural, estes muitas
vezes não se verificam factualmente, pois o homem é composto de desejos de Justiça, de
Bem e de Beleza, que o Estado, mesmo que totalitário, não consegue apagar nem
satisfazer por si.
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Conclusão
«Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida
nenhum sonho, e faltam a esse também.» Bernardo Soares, O Livro do Desassossego, p.
163
Como afirma C. S. Lewis na sua trilogia de Ficção Científica 10, a Linguagem é criadora
de realidade, está dependente do Criador da própria realidade, e esta faculdade relflecte-
se em nós na medida em que somos obra criada, pensada para utilizar a Linguagem, mas
nunca apoderando-se dela pois assim substituir-nos-iamos ao próprio Criador.
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Bibliografia:
CAROLL, Lewis, Alice no País das Maravilhas, Lisboa: Publicações Europa América,
1977
MORAWETZ, Tom, ed. Lit, Law and Language, Ashgate : Dartmouth, 2000
SILVA, Vasco Pereira Manuel Pascoal Dias Pereira da, A Cultura a que tenho Direito,
Coimbra: Almedina, 2007
SILVA, Vasco Pereira Manuel Pascoal Dias Pereira da, Em Busca do Acto
Administrativo Perdido, Coimbra: Almedina, 1998
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