O artigo analisa os registros policiais da Cadeia Civil de Porto Alegre entre 1884-1888 para mostrar que a emancipação de escravos no Rio Grande do Sul não significou liberdade imediata. Muitos libertos permaneceram sob controle de seus antigos senhores por meio de contratos de prestação de serviços. As prisões frequentemente puniam os libertos por pequenos delitos, revelando a continuidade do controle social da classe dominante branca sobre os negros e pobres.
O artigo analisa os registros policiais da Cadeia Civil de Porto Alegre entre 1884-1888 para mostrar que a emancipação de escravos no Rio Grande do Sul não significou liberdade imediata. Muitos libertos permaneceram sob controle de seus antigos senhores por meio de contratos de prestação de serviços. As prisões frequentemente puniam os libertos por pequenos delitos, revelando a continuidade do controle social da classe dominante branca sobre os negros e pobres.
O artigo analisa os registros policiais da Cadeia Civil de Porto Alegre entre 1884-1888 para mostrar que a emancipação de escravos no Rio Grande do Sul não significou liberdade imediata. Muitos libertos permaneceram sob controle de seus antigos senhores por meio de contratos de prestação de serviços. As prisões frequentemente puniam os libertos por pequenos delitos, revelando a continuidade do controle social da classe dominante branca sobre os negros e pobres.
Resenha do artigo “Emancipação de escravos e controle sobre trabalhadores libertos: os
registros policiais da Cadeia Civil de Porto Alegre (1884 – 1888)”
Roberta Baisch Franz
O artigo de Bruna Emerim Krob, do ano de 2015, publicado na revista AEDOS, do
programa de pós-graduação em história da UFRGS, tem como mote a questão do mito da abolição antecipada no Rio Grande do Sul. Este foi criado a partir de uma memória oficial reproduzida por uma historiografia tradicional que costuma silenciar os agentes que não são oriundos de uma classe dominante. Sendo assim, os trabalhos e pesquisas mais tradicionais desse campo reforçam que o Rio Grande do Sul teria sido pioneiro na questão da libertação de escravos, mas Maria Angélica Zubaran defende que isso foi uma “invenção branca da liberdade negra” (2009 apud KROB, 2015, p. 145). Para sustentar essa ideia, Bruna Krob expõe a problemática desse pensamento: a grande maioria das alforrias foi concedida a partir de uma cláusula em que se estipulava que aqueles que fossem libertos só seriam de fato liberados após um tempo de prestação serviços aos seus antigos senhores, que não deveria ser maior do que sete anos. Surge, então, a categoria de contratados, homens e mulheres que não eram mais escravizados, mas que também não eram livres. A indefinição quanto ao lugar social que esses indivíduos ocupavam diz muito a respeito da dualidade entre os projetos de liberdade que a classe dominante tinha em relação a dos ex-escravos. Para estes últimos, a liberdade viria seguida de uma certa autonomia que permitiria uma vida mais digna e livre. No entanto, a alforria concedida foi extremamente limitante, pois os primeiros acreditavam que não podia-se perder o domínio senhorial. Nesse sentido ocorrem diversas prisões, uma vez que tinham sido seus “modos de viver, administrar o tempo e ocupar o espaço urbano criminalizados pelas autoridades” (KROB, 2015, p. 148). O argumento central da autora é pautado principalmente na questão da continuidade da ideologia paternalista pela classe senhorial. Esta não queria romper com a relação de dominação que fora estabelecida e, por isso, criou um estágio intermediário entre a condição de escravidão e a de libertos. Esse centro foi ocupado pela noção de trabalhadores livres – presos aos seus senhores por uma teórica gratidão que deveriam ter por terem sido contemplados com o dom da liberdade – que poderiam continuar sendo vigiados e punidos ainda em acordo com a lógica escravista. A partir da existência da punição que Krob norteia o seu trabalho ao analisar fontes documentais dos registros policiais da Cadeia Civil de Porto Alegre do período de 1884 até 1888. Nestes, a autora consegue comprovar que é pela necessidade de continuidade do controle social que se faz necessário a utilização da repressão. Passa-se a punir todos aqueles que são considerados vadios e, posteriormente, em 1887, regulamenta-se o serviço doméstico. É criada, pois, uma moral que condena todos aqueles que não são nem escravos e nem homens livres ativos – indivíduos que podiam comprovar residência e empregos fixos. A partir dessa lógica, a prisão passa a ser um local não de reparação, como é pensada hoje em dia, mas de execução de castigos. Porém quem sofre as punições são as denominadas pela autora de ”classes perigosas” (KROB, 2015, p. 154). Estas seriam os pobres, pessoas que não atingiriam as expectativas da classe dominante do que seria um bom comportamento ou uma boa conduta dentro das suas possibilidades. Além do recorte de classe, no entanto, se faz necessário um recorte de raça. Segundo os dados levantados pela autora, dos 408 registros de entrada ou saída da prisão, nas datações referidas acima, em 363 são utilizados designações raciais. Estas são preto, crioulo, pardo ou africano, não tendo sido utilizado nenhuma designação para pessoas de raça branca. O que demonstra não só o preconceito racial vigente na época, mas também uma necessidade, apontada pela autora Hebe Mattos de Castro, de reforçar a condição de escravidão, fosse atual ou passada. Essa tese é reforçada por Korb a partir do momento em que ela registra que a grande maioria das prisões que constavam essas qualificações eram por motivos correcionais, que diziam respeito a casos de insubordinação, de ameaça à ordem pública, de embriaguez, de vagabundagem e infração de contrato de prestação de serviço. Outro recorte importante e ressaltado pela autora é o de gênero. As mulheres, principalmente as negras, eram 33,8% das entradas na prisão. Ainda que esse número tenha reduzido, já no período republicano, em razão de uma desorganização do trabalho doméstico – principal ocupação para as mulheres da época -, demonstra uma presença significativa dessas atoras sociais. Uma das explicações da autora para essa situação é que, não obstante todas as mazelas que enfrentavam, as libertas ainda precisavam, em vários casos, entregar seus filhos a seus antigos senhores por estes serem supostamente “crias da casa” e pelas mães não terem condição financeira de os sustentarem. Isso acabava causando revolta, levando a insubordinação. Mas a insubordinação não foi só um atributo feminino. Grande parte dos libertos, sejam mulheres ou homens, do período não aceitaram essa concepção gradualista de liberdade, como demonstrado pela autora a partir das fontes documentais, e seguiram lutando para que acabasse a opressão e a dominação que os assolava há décadas.