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DOI 10.18224/frag.v29i3.7242
ELIANE SILVA**
[...] posso asseverar minha convicção de que a abordagem de Marx ainda é a única que
nos habilita a explicar toda a amplitude da história humana e constitui o mais frutífero
ponto de partida para a discussão moderna (HOBSBAWM, 1998, p. 169).
A teorização do social apresentada pelo marxismo, por ser de caráter plural, oferece
subsídios para o exame crítico da sociedade e, em decorrência, elementos para a pesquisa em
educação. Saviani (1991), filósofo, marxista e um dos renomados estudiosos da educação
no Brasil, escreve que a atualidade do marxismo reside no fato de que “uma filosofia é viva
enquanto expressa a problemática própria da época que a suscitou e é insuperável enquanto
o momento histórico de que é expressão não tiver sido superado” (p. 10). Saviani exemplifica
sua argumentação com o desmoronamento dos regimes do Leste Europeu, haja vista que este
é um fenômeno usado para que sejam estabelecidos parâmetros para a derrocada do marxis-
mo. A este respeito o autor explicita que, ao contrário do que parece, não há superação de
Marx, mas a sua atualização porque
[...] a ênfase de Marx na história como dimensão necessária talvez seja mais essencial do
que nunca (HOBSBAWM, 1998, p. 163).
[...] os debates internos travados pelos fundadores do marxismo (Marx e Engels) e tam-
bém por Lênin e Gramsci, procuraram sempre se mover no âmbito de dois princípios:
1) a diferença entre a perspectiva proletária e aquela dos burgueses e pequeno-burgueses
progressistas; 2) a firme união entre as forças que buscam expressar e fazer a luta dos
trabalhadores (SAVIANI, 2012a, 169).
O proletariado, na sua luta pelo poder, não tem outra arma senão a organização.
Dividido pela concorrência anárquica que reina no mundo burguês, esmagado pelos
trabalhos forçados ao serviço do capital, constantemente atirado ao abismo da misé-
ria mais completa, do embrutecimento e da degenerescência, o proletariado só pode
tornar-se, e tornar-se-á inevitavelmente, uma força invencível quando a sua unidade
ideológica, baseada nos princípios do marxismo, é cimentada pela unidade material
da organização que reúne milhões de trabalhadores num exército da classe operária.
A esse exército não poderão resistir nem o poder decrépito da autocracia russa, nem
o poder decrépito do capital internacional. Esse exército cerrará cada vez mais as suas
fileiras, apesar de todos os ziguezagues e passos atrás, apesar das frases oportunistas
dos girondinos da socialdemocracia contemporânea, apesar dos louvores presunçosos
do espírito de círculo atrasado, apesar do falso brilho e do palavreado do anarquismo
próprio de intelectuais (p. 115).
O MÉTODO DIALÉTICO
[...] sem Marx eu não teria desenvolvido nenhum interesse especial pela história (HO-
BSBAWM, 1998, p. 09).
Marx explica que, dialeticamente, no método por ele proposto dois procedimen-
tos metodológicos básicos de pesquisa se articulam: a investigação e a exposição. A inves-
tigação apropria-se da matéria, analisando seus detalhes, nexos e formas de desenvolvi-
mento. A exposição se efetiva depois que o trabalho for concluído e evidenciar condições
de ser apresentado. Mas o essencial neste processo é o que Marx diz: a exposição deve
ser tão clara, “refletindo idealmente a vida da matéria investigada” que pode parecer uma
construção a priori.
A realização desta pesquisa bibliográfica adveio da aplicação do método de exposi-
ção tendo em vista que não houve “investigação e apropriação da matéria”, nem criação de
teoria, mas exposição de teorias prontas que referenciaram o estudo proposto e as ideias que
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sustentaram a discussão. Todavia, mesmo na aplicação do método de exposição, pode-se em-
preender, com criatividade, o método dialético, utilizando suas propriedades e capacidade de
ler o real. Com este propósito, na sequência, será tratado um dos aspectos da configuração do
método dialético como lógica que supera a lógica formal.
LÓGICA DIALÉTICA
Marx continua a ser a base essencial de todo estudo [...] de história, tendo sido o único a
formular uma abordagem metodológica da história e a considerar e explicar todo o pro-
cesso de evolução social humana [mas] a história marxista não é [...] isolada do restante
da pesquisa histórica (HOBSBAWM apud LOMBARDI, 2005, p. XVI).
A verdadeira realidade, para ele, é a Ideia (em-si) que entra em contradição consigo
mesma e se objetiviza, sai de si, torna-se outro, se aliena gerando como resultado a
natureza (ideia-fora-de-si). Esta, ao tomar consciência de si, assume a forma do espírito
(ideia-para-si). Assim, a ideia (a tese) gera o seu oposto, a natureza (antítese) que, ao se
tornar consciente no espírito humano resolve a contradição (a síntese). O espírito, porém,
enquanto uma nova tese se desdobra no espírito subjetivo (consciência e autoconsciência
que se sintetizam na razão) e no espírito objetivo (direito e moralidade que se sintetizam
na eticidade). A eticidade se desdobra na sociedade civil e na família que se sintetizam no
Estado. Finalmente, a contradição entre razão e Estado é superada no espírito absoluto
(Deus) que se manifesta como arte e religião que, por sua vez, se sintetizam na filosofia
(SAVIANI, 2015, p. 27).
Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano, sendo a ele
inteiramente oposto. Para Hegel, o processo do pensamento [...] é o criador do real, é
o real é apenas sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais
do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado. [...]
Em Hegel, a dialética está de cabeça para baixo. É necessário pô-la de cabeça para
cima, a fim de descobrir a substância racional dentro do invólucro místico (MARX,
1987, p. 16-17).
Educação pública e gratuita de todas as crianças, abolição do trabalho das crianças nas
fábricas, tal como é praticado hoje. Combinação da educação com a produção material
etc. (MARX; ENGELS, s/d, p. 37).
Abstract: the article aims to revisit aspects of the current discussion around Marxism in order to
clarify, ponder and broaden the understanding of issues related to this revolutionary philosophical
conception that underlies the dialectical method. Through this orientation, two problem-questions
guided the proposed investigation: in what aspects do the classics of the philosophy of praxis contribute
to the theoretical and practical understanding of the controversies surrounding Marxism? How
does the rise of abstract thinking to concrete thinking mean the conquest of a more elaborate form
of thinking in the wake of dialectical logic? Theoretically and methodologically, the bibliographic
research referred to authors who raised the current Marxism, emphasizing Saviani's contributions
and considerations, aligned with the debate and controversies also generated around Marxism. The
dialectical method is discussed and aspects of its historicity are approached, as well as the dialectical
logic in relation to the formal logic. To this end, the dialectical method itself was developed by the
procedure of exposition which according to Marx consists in the ability to "adequately expose the
movement of the real."
Notas
1 O fundamento das críticas formuladas por estes autores encontra-se nas obras: de Marx e Engels: “A sagrada
família” e “A ideologia alemã”; de Lênin: “Materialismo e empiocriticismo” (SAVIANI, 2012a); de Marx:
“Crítica da filosofia do direito de Hegel”; de Gramsci: “Concepção dialética da história”.
2 Em Carta a Schmidt, em 05 de agosto de 1890, Engels comentou que a concepção materialista da história
havia começado a ter adeptos para os quais “ela não passava de um pretexto para não estudarem a história”.
E acrescentou que “Marx, em fins da década de 1870, já dizia, referindo-se aos “marxistas” franceses, que
tudo o que sei é que não sou marxista” (MARX; ENGELS, s/d, p. 283).
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