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um eficiente sistem a de comunicações (tele geiro, está crescentem ente voltado para pro
fones, telex, correio, satélites etc.) e o nível cessos de produção m odernos, form as de
técnico de nossas redes de comunicação de organização mais “ racionais” e burocráti
massa é com parável ao das dos países mais cas (no sentido w eberiano) e i-elações de
adiantados. Tem os usinas nucleares, plata produção impessoais.
form as m arítim as de petróleo, realizamos O setor inform al, por seu tu rno , é inten
transplantes cardíacos e contam os com mais sivo em força de trabalho, usando formas
de 65 universidades, várias delas m inistran não-capitalistas de produção, e altam ente
do ensino pós-graduado. flexível, estando longe de ser burocrático
E ntretanto, a concentração de renda e de ou “racional” (de novo no sentido w ebe
propriedade é das mais acentuadas, 25% da riano).
população adulta é analfabeta (e, portanto, N o nível político um processo sem elhan
até 1985, não tinham direito de votar), as te está ocorrendo. À m edida que a acum u
taxas de m ortalidade infantil perm anecem lação de capital desenvolve-se, existe um
bastante elevadas e m uitos brasileiros con im pulso em direção à eficiência, procedi
tinuam m orrendo de fome e por falta de mentos legais e burocráticos, regras univer
atendim ento médico. sais, im pessoalidade etc. Isto pode ser visto
Isto nos traz diretam ente à análise do tipo em setores vitais do sistem a, principalm en
de capitalism o que está sendo desenvolvido te no funcionam ento de certas áreas do ser
no Brasil. Como outros países latino-am eri viço público e de grandes em presas esta
canos, nosso país industrializou-se de um tais. Os exemplos seriam as im pressionantes
m odo diferente da m aioria dos países adian m elhorias n o setor de com unicações, a com
tados. Não só nunca ocorreu um a separação petitividade de empresas e fundações p ú
radical entre os interesses da oligarquia blicas, o estabelecim ento de um eficiente
rural e os da burguesia industrial, como sistema de cobrança de im posto de renda
tam bém o m odo de produção capitalista etc.
até agora não foi capaz de subordinar intei E ntretanto, modos “inform ais” de com
ram ente a si outros modos de produção. portam ento caracterizaram os governos mi
E m bora o capitalism o brasileiro tenha, litares e podem ser encontrados em vários
até recentem ente, m ostrado um a natureza aspectos da vida política, a começar pela
bem dinâm ica, ele não é capaz de incorpo constante m udança casuística nas regras
ra r ao sistem a produtivo toda a população do processo político, a fim de servir os inte
urbana em idade de trabalho. Esta massa resses do m om ento. O utros exemplos pode
de desem pregados e subem pregados vem riam incluir o abuso de poder, a tolerância
form ar a m aior parte do assim cham ado em relação às mais variadas form as de cor
“ setor inform al” da economia u rb an a, e rupção, as vastas áreas do serviço público
existem evidências sugerindo que ele não altam ente im pregnadas de m orosidade buro
é com posto som ente por recém-chegados à crática e só passíveis de serem vencidas
cidade, mas tam bém por indivíduos em po através de pistolões o u despachantes, a dis
brecidos de origem urbana. tribuição de favores e apadrinham entos po
É im portante frisar que esse setor infor líticos etc.
m al é criado pelo próprio processo de de
senvolvim ento capitalista industrial que IV
tam bém cria o setor form al, e que o pri Tinham razão os autores que argum enta
m eiro não é m arginal ao últim o, m as que ram que os traços culturais e psicossociais
ambos fazem parte da mesma dinâm ica de não eram obstáculos a um processo de cres
acum ulação de capital. cimento econômico. D e fato, o Brasil expe
A intensificação da acum ulação capita rim entou um processo de desenvolvim ento
lista, o btida com crescentes investim entos que é freqüentem ente cham ado de moder
estrangeiros e com a im portação de tecno nização conservadora, em que o tradicional
logia sofisticada e poupadora de mão-de- combínou-se com o m oderno e no qual a
-obra, cria, assim, um a situação peculiar, em m udança articulou-se com a conservação.
que um setor form al e um setor inform al Em verdade, convive no Brasil um a multi
da econom ia com partilham lado a lado, de plicidade de fenôm enos no cam po e na
um modo inter-relacionado, o mesmo es cidade que é fru to de nosso processo de
paço. desenvolvim ento desigual e com binado.
O setor form al, que tende a utilizar téc Q uando se exam ina a sociedade brasi
nicas intensivas em capital e capital estran leira, constata-se que ela é altam ente dife
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renciada e m ultifacetada. Trata-se de uma O “ caso Juruna” eclodiu quando o depu
sociedade pluricultural e plurinacional. C on tado proferiu um discurso num português
vivem num mesmo espaço geográfico índios, arrevesado e afirm ou que “ todos os m inis
camponeses, bóias-frias, assalariados ru rais, tros de Estado são ladrões” , o que levou
migrantes, operários, assalariados urbanos, estes a quererem processá-lo p o r calúnia e
trabalhadores do setor inform al, classes ofensa à honra. Se ele dom inasse m elhor
médias, industriais, fazendeiros etc. Além os códigos existentes n o m eio parlam entar
disto, como sabem os, o Brasíí é com posto e afirmasse “com enta-se que todos os m i
por etnias diferentes. N ão só pelas três nistros de Estado são ladrões”, n ad a disso
raças que são apontadas como form ando a provavelm ente teria ocorrido.
nacionalidade, m as tam bém pelos descen
dentes de im igrantes europeus e asiáticos V
que aqui aportaram no século passado e
neste. Apesar de falarem o português, eles O episódio Juruna, além de servir para
têm, freqüentem ente, ouíros idiom as como dram atizar a questão das diferenças no
língua m aterna. Brasil, nos rem ete a um a reflexão sobre
Recentemente, Fry (1982) m ostrou que, nossa identidade nacional e a dificuldade
num bairro rural distante não mais de 150 em aceitar a diversidade cultural.
quilômetros da cidade de São Paulo fala-se, O pensam ento d a nossa intelectualidade
além do português, uma “língua” de origem tem oscilado n o que diz respeito a essas
africana que pode ser vista como um sinal questões (O liven, 1982). Assim, em certos
diacrítico desta com unidade. Do mesmo momentos, nossa cu ltu ra é profundam ente
modo, é significativo que, p ara realizar o desvalorizada p o r nossas elites, tom ando-se,
filme Os M uckers, sobre u m a revolta mes em seu lugar, a cu ltu ra européia ou norte-
siânica de im igrantes alemães ocorrida de -americana com o m odelo. Como reação, em
1868 a 1898 no Estado do Rio G rande do outros mom entos, nota-se que certas m ani
Sul, seu diretor tenha decidido fazer os festações da cultura brasileira passam a ser
personagens falarem num dialeto alemão profundam ente valorizadas, exaltando-se
(que é usado ainda hoje na região) e co símbolos populares.
locou legendas em português, apesar do A mesma oscilação pode ser verificada
filme desenrolar-se no Brasil e ser finan no que diz respeito à questão de decidir
ciado pela Em brafilm e, a em presa estatal quem são os produtores válidos d a cultura
criada para fom entar o cinem a brasileiro. brasileira e, em últim a análise, de deter
Assim como existem diferentes regiões no m inar o q u e é cultura. Uma prim eira pers
Brasil com peculiaridades bastante m arca pectiva tende a considerar com o cultura
brasileira tão-somente aquelas manifestações
das e cuja vitalidade a. nível cultural cum
intelectuais e artísticas da elite. U ma pers
pre ressaltar, nunca é demais lem brar que
pectiva pretensam ente alternativa tende a
existem tam bém aproxim adam ente duzentas valorizar as manifestações culturais das
nações indígenas n o País que falam línguas classes populares com o as verdadeiras raí
próprias e que lutam p o r m anter suas terras zes de nossa nacionalidade. Mas essa valo
e sua identidade cultural. rização é feita sob um a ótica nostálgica e
Neste sentido, o cham ado “caso Ju ru n a” freqüentem ente ufanista. Assim, parte de
é altam ente esclarecedor. Trata-se d e um nossa intelectualidade apressa-se a “defen
episódio envolvendo um cacique xavante d e r” a cultura popular dos ataques q u e o
que se elegeu deputado federal em 1982, progresso estaria lhe desferindo, adotando
em nom e da causa indígena, porém com u m a postura paternalista e essencialmente
os votos d a população do Estado do Rio museológica.
de Janeiro — já que índios, enquanto anal Em verdade, o que se percebe é que,
fabetos, não tin h am direitos eleitorais na no prim eiro tipo de colocação, proclama-se
quela época. A o assumir seu m andato na a existência de um a C ultura Brasileira com
Câmara dos D eputados, o índio-deputado “c” m aiúsculo que, em bora produzida por
manifestou seu desejo de expressar-se na apenas um grupo social restrito, seria váli
sua língua m aterna, o xavante, falado no da p ara toda a nação; inversam ente, no
Brasil m uito antes do português. M as, ao segundo tipo de colocação, erige-se um a
contrário de outros países onde se perm ite imagem cristalizada das m anifestações cul
o uso de mais de um a língua, a Mesa da turais que nossas classes dom inadas teriam
Câmara não deu a autorização necessária. desenvolvido no passado.
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O que essas perspectivas não conseguem O efeito dessa proposta é a tentativa de
perceber é a dinâm ica existente entre as sugerir um ethos brasileiro, que seria único
classes sociais no processo de produção e intraduzível. Assim como nos orgulhamos
cultural. Assim, em certos m om entos, o que da im possibilidade de traduzir a palavra
é considerado cultura brasileira é a apro saudade, nos orgulharíam os tam bém de
priação e reelaboração, p o r parte de nossas nossas características igualm ente impossíveis
classes dom inantes, de traços culturais ge de serem captadas pelos estrangeiros: o jei-
rados nas m etrópoles, tidos com o os únicos tinho, o galho quebrado, a m alandragem , a
dignos de serem adotados pelas elites. O sacanagem , a m alícia, o dengue, a sensua
processo inverso é representado pela valo lidade, a inzona etc. Enfim , o Brasil não
rização daquilo que seria m ais autentica seria passível de redução a categorias ra
m ente brasileiro, o que pode ser detectado cionais porque nos trópicos a razão se d er
desde o século passado. rete e todos se m isturam gostosamente
Q uando se analisam as ideologias do ca num a grande loucura.
ráter nacional brasileiro, pode-se observar É revelador que nas diferentes variantes
a elaboração de dois modelos básicos cons desses dois m odelos de construção de iden
truídos a p artir de um a questão com um . A tidade o que se desenvolve é um tipo que
suposição eurocêntrica de que seria impos tem mais conotação de nacionalidade e /o u
sível construir um a civilização nos trópicos raça do que de classes. É nesta perspectiva
é tom ada com o um desafio a ser vencido. que se encontram soluções com o a figura
A prim eira solução consiste em apostar do “caxias” , M acunaím a (nosso herói sem
na seriedade do brasileiro e afirm ar que, nenhum caráter), o homem cordial, o m a
havendo esforço e líderes, é possível fazer landro e a idéia tão bem captada por
vingar um a civilização nestas terras. Esta O sw ald de A ndrade de que no Brasil, dife
vertente é sim bolizada pelo m undo da rentem ente da E uropa, o contrário do bur
“ordem e progresso” e vai encontrar seu guês não seria o proletário, m as o boêmio.
desenvolvim ento na imagem do “ caxias”, Sim ultaneam ente à form ação dessas duas
do “ povo ordeiro” e, m ais recentem ente, imagens, percebe-se tam bém um processo
do “este é um país que vai pra frente” e através do qual manifestações culturais que
do “vamos trabalhar p ara vencer a crise”. estavam inicialm ente restritas a certos
Tal visão perpassa nossa história recente e grupos sociais são apropriadas por parte
é apresentada constantem ente por um a do resto da sociedade e transform adas em
parte de nossas classes dom inantes e inte símbolos nacionais, assum indo, assim, um
lectuais a seu serviço com o a verdadeira caráter de identidade brasileira (Oliven,
imagem dó Brasil. 1983).
A solução pretensam ente alternativa ao Procurando desvendar as articulações
desafio de construir um a civilização nos entre o que tradicionalm ente é cham ado de
trópicos, em bora seja aparentem ente menos cultura popular e o que tradicionalm ente
rígida, é tão ideológica quanto a prim eira é cham ado de cultura dom inante, poder-
e apresenta a outra face da mesma m oeda. se-ia lançar como hipótese a existência de
De uma m aneira caricata, segue o seguinte pelo menos dois tipos de movimentos
raciocínio: sabem os que o velho Freud ensi opostos.
nava que a civilização e a cultura são O prim eiro ocorre quando as classes do
frutos da repressão, e que u m personagem minantes apropriam -se, reelaboram e, pos
de Dostoievski afirm ava que se Deus não teriorm ente, transform am em símbolos na
existe, íudo é perm itido. O corre, com o todo cionais m anifestações culturais originalmen
m undo sabe, que Deus é brasileiro, e se te restritas às cam adas populares e "que, fre
não existe pecado do lado debaixo do Equa qüentem ente, eram reprim idas pelo Estado.
dor, é preciso perguntar que tipo de cul O segundo m ovim ento percorre um a tra
tura pode haver no Patropi, pois não exis jetória inversa e ocorre quando as classes
tindo pecado não h á o que reprim ir. populares apropriam -se, reelaboram e, pos
A resposta a esse dilema é que aqui só teriorm ente, transform am em símbolos na
é possível um tipo m uito especial de cul cionais m anifestações culturais originalm en
tura, já que as categorias racionais não fun te restritas às camadas dom inantes e que,
cionariam nos trópicos. A imagem que é freqüentem ente, lhes conferiam um a m arca
proposta é a de um a cultura tropical com de distinção.
características totalm ente diferentes das de O que há de comum a am bos os movi
outros países. mentos é a apropriação de expressões espe
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cíficas a certos grupos e sua recodificação brasileira (O liven, 1984a). Ele surge mais
e introdução em um outro circuito no qual intensam ente na década de 30, quando há
esses elem entos são dotados de novo signi uma intensificação da industrialização no
ficado e, portanto, utilizados de form a a Brasil, e se expressa como um a recusa ao
afetar seu significado original. N a verdade, trabalho assalariado, num a época em que
esse processo de ressem antização envolve este ainda não recobria todo o espaço social
um grau de com plexidade bem m aior do no País. D urante a ditadura do Estado
que pode parecer à prim eira vista, já que, Novo (1937-45), o governo reprim iu essa
além da relação entre a cultura po p u lar e tem ática m usical e incentivou — através de
a cultura hegemônica, incluí tam bém a prêm ios — os com positores a enaltecerem
intervenção do Estado e a ação dos meios o valor do trabalho. M as, apesar de te r se
de com unicação de massa. tornado cada vez mais difícil sobreviver
Dessa m aneira, alguns de nossos m ais sem trabalhar no Brasil, a m alandragem
“ autênticos” símbolos nacionais têm origem acabou tornando-se um símbolo nacional e
em manifestações culturais que eram origi passou a significar um a atitude diante da
nalm ente restritas às cam adas populares e vida.
que, freqüentem ente, eram reprim idas pelo Se tom arm os a trajetória inversa dos p ro
Estado. cessos até agora analisados, verem os que
Por exem plo, a feijoada era inicialm ente, pelo menos duas de nossas mais “ autênti
tanto nos Estados Unidos como no Brasil, cas” manifestações populares têm origem
um alim ento de escravos, que utilizavam em nossas elites. Assim, o carnaval, que é
as sobras de porco desprezadas por seus um de nossos rituais nacionais (D a M atta,
senhores. M as, en quanto nos Estados Unidos 1973 e 1979), não foi trazido ao Brasil
continua sendo com ida de negros (soul por escravos e posteriorm ente adotado por
food), no Brasil ela é um p rato nacional outros segmentos da população, mas veio
(Fry, 1982). com os prim eiros colonizadores sob a form a
Do mesmo m odo, o candom blé era, no do entrudo, tendo assim se conservado, sem
início, um a religião de negros, em que as sofrer m aiores modificações, até aproxim a
divindades africanas eram disfarçadas atra dam ente meados do século passado.
vés da fachada de santos católicos e cuja A p artir dessa época, o desenvolvim ento
p rática era, então, reprim ida pela polícia. de um estilo de vida burguês europeu em
E ntretanto, desde o final do século passado algumas cidades, em decorrência do rápido
até nossos dias, o candom blé sofreu um a enriquecim ento trazido pela cafeicultura,
série de transform ações que im plicaram a deu origem ao carnaval “veneziano” , que
gradativa aceitação e absorção dos terrei im plicou o aparecim ento de form as de d i
ros mais tradicionais pela cultura de massa, vertim ento restritas a diferentes camadas
pelo turism o, por parte da Igreja Católica sociais. Em bora todas as cam adas sociais
e por vários intelectuais. De form a seme promovessem seus bailes de m áscaras em
lhante, a um banda, que pode ser conside recintos fechados, a form a socialm ente mais
rad a um a síntese do pensam ento religioso aceita de desfile era o corso. A través dele,
brasileiro, na m edida em que incorpora as famílias m a is'ric a s exibiam suas fan ta
elem entos africanos, católicos e espíritas sias em veículos para serem assistidas e
kardecistas, consolidou-se na sociedade bra aplaudidas pelo resto da população. Por
sileira quando um a liderança com posta por seu turno, os ranchos, os cordões e blocos
intelectuais de classe m édia codificou seus eram freqüentem ente proibidos e persegui
ritos e a tornou menos “selvagem” (O rtiz, dos pela polícia e acabaram por ser expul
1978). sos do centro das cidades, localizando-se
Igualm ente, o sam ba, outro “ legítim o” nos bairros mais periféricos, onde to rn a
símbolo da cultura brasileira, era, n o come ram-se m odos típicos das classes populares
ço, produzido e consum ido nos “ m orros” brincarem o carnaval (Pereira de Q ueiroz,
do Rio de Janeiro e reprim ido com violên 1980).
cia pela polícia. Foi com a crescente im por A p artir.d a década de 30 surge um a nova
tância do carnaval que o sam ba passou a fase p ara o carnaval brasileiro, que começa
ser consum ido pelo resto da população e a sentir a influência das transform ações
transform ou-se na música brasileira por sociais e econôm icas e do surgim ento de
excelência. novos meios de com unicação de massa
O mesmo pode ser dito a respeito do (inicialm ente o rádio e depois a televisão):
tem a da m alandragem na música popular o carnaval “ veneziano” começa a desapa
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recer rapidam ente, perm anecendo apenas os de 1970 foi utilizada pelo governo, que
bailes à fantasia. No Rio de Janeiro, os procurou associá-la ao “milagre econôm ico”.
cortejos de blocos e ranchos crescem em Os processos que acabam de ser anali
im portância, dando origem às escolas de sados tornam-se mais complexos à m edida
sam ba, que passam a se constituir na forma que cresce a atuação dos m eios de com u
predom inante de desfile, form ando um nicação de massa e do Estado relativam ente
padrão que tende a se reproduzir na maio à cultura.
ria das grandes cidades. No que diz respeito aos m eios de com u
As décadas seguintes m ostram que, com nicação de m assa, é im portante analisar
o desenvolvim ento da indústria cultural e com o se dá, p o r exem plo, na televisão, o
do turism o, o carnaval popular sofre um processo de apropriação e reelaboração cul
processo sem elhante ao já ocorrido em re tural. Seria tam bém im portante perguntar
lação ao sam ba: passa a ser com erciali o que ocorre com as culturas regionais
zado e transform ado em m ercadoria que é através da ação dos m eios de com unicação
veiculada pelos meios de comunicação, de massa. O qué significa, p o r exem plo,
em especial a televisão, que o apresentam a transform ação, via rádio e televisão, de
como símbolo de identidade nacional. As cantores nordestinos em cantores nacio
sim, apesar de terem se apropriado do car nais?
naval, as classes dom inadas tiveram , por No começo da década de 60 o regiona
seu turno, o seu carnaval reapropriado e lismo, especialm ente o nordestino, era visto
transform ado em artigo de consum o e tu como um dos temas mais candentes da
rismo e em símbolo de identidade nacional nacionalidade. T al tem ática, contudo, logo
(Simson, 1981). seria ap ropriada pelo Estado e os meios
Um processo sem elhante ocorreu em re de com unicação, através de um a m anipu
lação ao futebol, que foi trazido ao Brasil lação que a transform a em assunto trivial
no final do século passado por jovens de e anódino, criando program as q u e procuram
famílias abastadas que foram estudar na valorizar “ aquilo que é nosso”. Em alguns
Inglaterra. Inicialm ente, o futebol estava program as, patrocinados pelo E stado, isto
restrito às cam adas superiores das grandes significa não só divulgar m úsicas d o fol
cidades brasileiras e era disputado sob clore de algum a região brasileira com o algo
form a am adora em competições assistidas que precisa ser lem brado e valorizado, mas
pela “n a ta ” da sociedade. tam bém atender à solicitação de um ouvin
E ntretanto, a p artir do final da década te que deseja ouvir um a m úsica de algum
de 20 o significado do futebol alterou-se. cantor “pop u lar” . Pois, nesta proposta, o
A consolidação de um a sociedade urbano- Brasil seria justam ente esse painel caleidos
-industrial no Brasil e a ascensão das mas cópico de m anifestações regionais (apresen
sas ao cenário político reflete-se no futebol, tadas de um m odo museológico e tendendo
que adquire u m crescente aspecto de espe para o exótico e turístico) que precisam
táculo de m assas executado p o r jogadores ser conhecidas e valorizadas ju n to com as
profissionais provindos de cam adas popu criações produzidas nos grandes centros e
que são divulgadas nas m ais distantes áreas
lares, freqüentem ente negros, que nele viam
do País com o form a de m odernidade e inte
um a possibilidade de ascensão social.
gração.
A tualm ente, apesar de ser u m esporte O papel do Estado brasileiro em relação
extrem am ente popular, n o nível profissio à cu ltu ra é complexo: ele não é apenas o
nal o futebol envolve grandes somas de agente de repressão e de censura, m as tam
dinheiro. O fato de alguns jogadores serem bém o incentivador d a produção cu ltu ral e,
m uito bem rem unerados faz com que o acima de tudo, o criador de um a imagem
futebol continue representando o sonho de integrada do Brasil, que ten ta se apropriar
m uitos elem entos das classes populares de do m onopólio da m em ória nacional.
ascenderem socialm ente e presta-se à difu O Estado evoca a si o p apel de m anter
são de um a im agem de “ dem ocracia racial”. acesa a cham a da m em ória nacional e , por
Por ser, hoje, um esporte popular entre conseguinte, transform a-se no criador e
todas as classes sociais, o futebol pode ser bastião da identidade nacional. O fato de
m anipulado como um poderoso símbolo de este mesmo Estado p erm itir a crescente des
unidade nacional e coesão social e racial. nacionalização de nossa econom ia n ã o é
Isto ficou claro com o modo pelo qual a assumido como contraditório, já que essas
vitória brasileira no cam peonato m undial duas questões são propostas como desvin-
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culadas. É im portante lem brar que são jus p o r Deus e bonito p o r n atu reza” . A letra
tam ente grandes em presas estrangeiras como da música retrata, em senso com um , um a
a Shell e a X erox que fazem a defesa de forma de representar o Brasil. M as sem
nosso folclore em suas publicidades. querer discordar de tão poética m etáfora,
É nisto que consiste a tentativa de subs o mínim o que se poderia dizer é que grande
tituir um m odelo fundam entalm ente basea parte do território nacional está fo ra dos
do na coerção p o r u m m odelo ancorado na trópicos. De m odo sem elhante, m uitas
hegem onia, que funcionaria basicam ente em outras coisas ficam de lado nas descrições
termos de m anipular símbolos nacionais. tradicionais do Brasil. Consideramo-nos o
Neste sentido, é im portante pensar o que m aior país católico do m undo, no qual se
significa, em term os de hegem onia, a ten falaria um a única língua e no qual o sam ba
dência de ap ro p riar, recodificar e transfor e o carnaval do Rio de Janeiro seriam a
m ar m anifestações culturais, inicialm ente expressão da nacionalidade. O fato de estar
restritas a certos grupos, em sím bolos na havendo um processo crescente de urb an i
cionais. Poder-se-ia argum entar que é justa zação e um a integração das redes de com u
m ente n o processo de apropriação de m ani nicação de m assa seria responsável pela
festações culturais e sua subseqüente trans acentuação do processo de homogeneização
form ação em sím bolos de identidade nacio cultural, ap rofundando ainda mais a uni
nal que reside u m a das peculiaridades da formização dos hábitos e atitudes da p opu
dinâm ica cultural brasileira. Não é que o lação.
fenôm eno não ocorra em outras culturas (o G ostaria de argum entar que essa form a
jazz nos Estados Unidos e o tango na A r de descrever as coisas é apenas um a das
gentina são exem plos típicos), m as ele p are representações da realidade, e, com o tal,
ce ser m uito m ais intenso no Brasil. é um a construção social. Ela não corres
O que se observa na cultura brasileira ponde, entretan to , com o vim os, aos fatos.
é um fenôm eno m uito peculiar. Em vários A sociedade brasileira está, n o m om ento,
países desenvolvidos e de tradição dem o em penhada em reconstruir um a ordem de
crática as diferenças sociais foram consi mocrática e dim inuir as desigualdades
deravelm ente reduzidas e o acesso aos bene sociais e econômicas. C ontudo, a dificul
fícios econômicos e aos direitos civis, am dade em aceitar a diversidade cultural faz
pliado. E ntretanto, freqüentem ente, as fro n com que, freqüentem ente, o term o dem o
teiras culturais continuam bem dem arcadas, cracia seja entendido com o sinônim o de
o que ocorre tan to em sociedades relativa consenso e hom ogeneidade. N o desejo de
m ente novas com o a norte-am ericana (onde, elim inar as desigualdades sociais e econô
micas, acabam os p o r desconsiderar as dife
apesar de ter acontecido com o jazz um
renças culturais e as diferenças de n atu
fenôm eno parecido com o da feijoada b ra
reza política. E esta postura, como nos ensi
sileira, as fronteiras étnicas continuam bem
na a experiência histórica, é um cam inho
delim itadas), q u an to em sociedades mais
seguro em direção ao totalitarism o.
antigas com o a inglesa (onde as diferenças
D o mesmo m odo, hegem onia, com fre
sociais transparecem inclusive em nível de
qüência, é entendida com o sinônim o de u n i
sotaque, p ara não m encionar a questão da
form ização, aproxim ando-se quase de seu
nacionalidade).
antônim o, que é a coerção. Q ualquer que
Em nenhum a dessas sociedades existe a seja, entretanto, a definição de hegem onia,
crença n um ethos próprio originado a p a r ela certam ente é o contrário de padroni
tir de um processo de apropriação e reela- zação e im plica a existência de u m a classe
boração de sím bolos culturais. O que pa ou grupo que consiga, através de sua lide
rece caracterizar o Brasil é justam ente o rança política e m oral, articular as dife
fato de ser um a sociedade de im ensas renças existentes.
diferenças sociais e econômicas n a qual N essa sucessão de mal-entendidos sobre
verifica-se um a tendência de transform ar a dem ocracia, esta acaba freqüentem ente
manifestações culturais em sím bolos de coe sendo mais u m a evocação do que u m a prá
são social, que são m anipulados como tica efetiva. O im portante passa a ser a
form as d s identidade nacional. alusão ao term o, já que em um mom ento
de lu ta a eficácia é considerada mais rele
VI vante que a dem ocracia, que acaba tendo
sem pre que esperar pelo dia que virá. Isto
Uma canção pop u lar brasileira descreve term ina levando a u m autoritarism o no co
o Brasil com o “ um país tropical, abençoado tidiano e a u m a concepção de democracia
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como um a referência ao futuro. A expe único movim ento fem inino que conhecia
riência histórica nos mostra, novam ente, era o dos quadris. O corre que, com as
que a dem ocracia, para vingar, tem de ser m udanças sociais e econôm icas e com o
tecida nas células, com o prática d o dia-a- crescente ingresso de m ulheres na força
-dia, sob pena de não passar dc um a evo de trabalho e em atividades que antes eram
cação que não terá lugar senão n o dia que restritas aos hom ens, elas estão se organi
virá. zando e form ulando suas reivindicações, a
É justam ente com a lu ta pela dem ocra exem plo do que ocorre em outros países.
cia e com o processo de “ab ertu ra” polí Os movimentos fem inistas colocam em
tica que m arcaram o fim do ciclo m ilitar questão a própria sexualidade, tem a que é
que a cultura passou a ganhar m aior visi tam bém focado pelos grupos e m ovimentos
bilidade no Brasil. Novas questões come homossexuais, que até h á pouco não tinham
çaram a vir à tona e m ovim entos populares com o se organizar num país de tradição
com eçaram a se organizar. Vários destes m achista, em que qualquer desvio do que é
m ovim entos estão mais preocupados com considerado o paradigm a heterossexual
questões freqüentem ente consideradas locais tende a ser estigm atizado. As tentativas de
e menores, m as não obstante fundam entais, os grupos hom ossexuais se organizarem são
do que com as grandes tem áticas tradicio tam bém extrem am ente recentes e certam en
nais. te mexem com as representações sobre
O que se observa atualm ente n o Brasil sexualidade existentes no País.
é um intenso processo de constituição de N este sentido, é interessante 1er os depoi
novos atores políticos e de construção de m entos de pessoas que participaram de
novas identidades sociais. Elas incluem a m ovim entos de guerrilhas no Brasil d u ran
identidade etária (representada, por exem te as décadas de 60 e 70 e constatar que,
plo, pelos jovens enquanto categoria social), mesmo em m ovim entos que propunham
a identidade sexual (representada pelos m udanças radicais na sociedade brasileira,
m ovim entos fem inistas e pelos homosse a questão do prazer era reprim ida no coti
xuais), as identidades religiosas (represen diano de seus mem bros, que tendiam a vê-la
tadas pelo crescim ento das cham adas reli como algo que desviava energias da ativi
giões populares), as identidades regionais dade revolucionária (G abeira, 1979). Um
(representadas pelo ressurgim ento das cul dos m ais destacados guerrilheiros brasileiros
turas regionais no Brasil), as identidades causou furor e n tre a esquerda tradicional
étnicas (representadas pelos m ovimentos ao voltar do exílio, após a anistia de 1979,
negros e pela crescente organização das e declarar que não estava disposto a esperar
sociedades indígenas) etc. que ocorresse um a revolução p ara te r direi
N a m edida em que identidades são for to a atingir u m orgasmo. u
m uladas em oposição ou contraste a outras É revelador quer, no Brasil, o discurso
identidades, o que se busca são justam ente m usculino sobre os afetos se dê, de form a
as diferenças. Assim, a construção dessas pública, praticam ente só na música. Esta é
identidades passa pela elaboração de traços a instância privilegiada em que o hom em
da cu ltu ra brasileira que são apropriados brasileiro fala de si, de suas alegrias, de
e usados como sinais diacríticos, isto é, suas tristezas, de suas esperanças e, princi
sinais que conferem um a m arca de distin palm ente, de seus sentim entos em relação
ção aos vários grupos. à m ulher (O liven, 1987).
O que se verifica atualm ente n o Brasil É tam bém na m úsica que aparece a pro
é, em últim a análise, a redescoberta das blem ática do trabalho en quanto oposto ao
diferenças. Esse processo não se dá a p artir prazer. U m tem a recorrente da m úsica de
dos intelectuais, mas a p artir dos m ovim en m alandragem , que cresceu a p artir da déca
tos sociais. P o r isto, a té recentem ente, da de 1930, quando a industrialização se
várias dessas questões eram consideradas intensifica, é justam ente a dificuldade de
não-problem áticas p o r m uitos intelectuais conciliar o trab alh o com o p razer (Oliven,
brasileiros. 1984a).
Assim, p o r exemplo, até há pouco tem po N o Brasil, a m úsica desem penha um
praticam ente não se falava na existência de papel central não só no dia-a-dia, m as tam
um a questão fem inina. Q uando começaram bém em nossos grandes rituais nacionais
a surgir m ovim entos feministas, um conhe (o carnaval, o D ia da P átria, as procissões).
cido hum orista brasileiro, refletindo talvez T alvez seja por isto que a m úsica brasileira
o senso com um , chegou a afirm ar q u e o é tão variada (apesar do estereótipo de que
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no Brasil só há sam ba), tão rica e popular defender seus territórios e fazer o Estado
neste país q u e é um dos m aiores m ercados cum prir sua obrigação de dem arcá-los, em
consum idores de m úsica do m undo. face da am eaça constante d e invasão que
Falar em m úsica significa falar em jovens, elas sofrem (Santos, 1982).
que são os grandes consum idores de m úsi
ca e os particip an tes dos vários festivais e V II
shoivs que ocorrem pelo País afora. Mas,
até recentem ente, não se falava em jovens É interessante observar q u e boa parte
no Brasil, ap esar de elés serem visíveis em dos cientistas sociais brasileiros, nas últim as
inúm eras m anifestações culturais e políti décadas, ficaram relativam ente indiferentes
cas. Se agora se fala mais neles, o mesmo a essa efervescência cultural. Sua preocupa
ainda não acontece com os velhos, possi ção girava, em boa parte, em torno dos
velm ente p o rq u e a m aioria da população grandes tem as, como o desenvolvim ento, o
m orre cedo neste país. Estado, a luta de classes etc. Como reação
N o que diz respeito a m udanças na área ao culturalism o enquanto m odo (equivoca
religiosa, é de se assinalar o im pressionante do) de explicar nosso subdesenvolvim ento,
crescim ento das cham adas religiões p opula a cultura ficou reduzida a um segundo
res, p rincipalm ente a U m banda e o Pente- plano. Ela era vista, então, o u com o retra
costalismo. A recente agonia e m orte do tada no grande plano das ideologias da
presidente eleito T ancredo Neves eviden cultura brasileira e do caráter nacional bra
ciou, mais um a vez, u m a intensa religiosi sileiro, ou, inversam ente, com o algo que
d ade da p o pulação brasileira. Esta religio pudesse ser deduzido m ecanicam ente da
sidade obviam ente não é só católica. infra-estrutura, num a estran h a dialética
Q uanto à afirm ação de identidades regio onde não havia lugar p a ra contradições.
nais, desde 1930 verifica-se no Brasil um Assim, nossas expressões cu lturais seriam
processo de crescente centralização econô ou exóticas m anifestações d a alm a nacio
mica, política e adm inistrativa, com a con nal, ou não passariam de “ ópio do p ovo” .
seqüente u n ificação do País e o enfraque A conseqüência desse acentuado histori
cim ento dos poderes regional e estadual. cismo e econom icism o das Ciências Sociais
Este processo persiste até nossos dias e brasileiras foi responsável n ão só por privi
acentua-se a p a rtir de 1964, quando tem legiar certos tem as, com o p o r considerar
lugar u m a m aior integração do mercado outros como secundários, senão irrelevan
nacional e a im plantação de redes de estra tes, enquanto objeto de estudo. Isto fez
das, de telefonia, de com unicação d e massa com que um a série de m anifestações cul
etc. Com estas m edidas, o poder das regiões turais fossem desconsideradas, apesar de
e dos Estados enfraqueceu-se mais ainda. sua visibilidade e adesão popular.
E ntretanto, apesar — ou talvez p o r causa Uma das esferas mais privilegiadas foi a
— dessa crescente centralização, observam- do trabalho, especialm ente o fab ril, e os
-se hoje, n o Brasil, tendências contrárias a processos d e conscientização social que
ela, que se m anifestam através da ênfase dele decorreriam . Essa preocupação é com
na necessidade de um verdadeiro federa preensível se considerarm os que o Brasil
lismo, da proclam ação das vantagens de experim entou um intenso processo de indus
um a descentralização adm inistrativa, do trialização a p a rtir de 1930. N a m edida em
clam or p o r u m a reform a trib u tária que que no início desta industrialização boa
entregue m ais recursos p ara os Estados e
parte dos operários tinha origem ru ra l, a
m unicípios, e da afirm ação de identidades
tem ática da urbanização ganhou im portân
regionais e estaduais que salientam suas
diferenças em relação ao resto do Brasil. cia. Assim, a indústria e a cidade passa
E ntre essas identidades regionais está não ram a ser vistas como agentes de m udança
som ente a do N ordeste, mas tam bém a do e condições necessárias ao desenvolvim en
Rio G rande do Sul, estado no qual está to. Esta preocupação, quando levada ao
havendo u m ressurgim ento da cu ltu ra gaú exagero, fez com que tudo aquilo q u e não
cha (Q liven, 1984b). se encaixasse num a lin h a de “ desenvolvi
É im portante tam bém lem brar a reorga m ento” fosse encarado com o atraso, num a
nização de m ovim entos negros (Borges Pe perspectiva m uito sem elhante às “ sobrevi-
reira, 1983; Seyferth, 1983). De form a seme vências cu ltu rais” que os antropólogos evo-
lhante, cabe ressaltar a crescente organiza lucionistas do século passado viam nos
ção das sociedades indígenas, que procuram fenôm enos que não se en quadravam nos
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seus esquem as, e que M alinow ski soube através dos quais a cham ada realidade b ra
bem criticar. sileira se desdobra diante dela m esm a” (Da
Como entram nesse quadro os antropó- M atta, 1979, p. 35). O estudo destes rituais
iogos brasileiros? Por form ação, eles se es perm iíe ap reender com o os brasileiros re
pecializaram no estudo da cultura que, em presentam sua sociedade e com o dram ati
sociedades simples, é praticam ente sinônim o zam suas contradições.
de sociedade. A lguns desses antropólogos, O mesmo vale, possivelm ente, p ara o
depois de se dedicarem aos objetos trad i futebol; mas apesar da im ensa populari
cionais de pesquisa da A ntropologia, pas dade deste esporte, quase não existem pes
saram a se interessar pelos aspectos cultu quisas sobre ele. Os incipientes estudos
rais dos segm entos mais complexos da so antropológicos sobre o futebol (Soares, 1975
ciedade em que vivem , procurando aplicar e 1979; Neves, 1979; A raújo, 1982; Da
os m étodos e preocupações antropológicas M atta, Neves, G uedes e Vogeí, 1982} indi
ao que estavam estudando. cam que, à sem elhança do que Geertz
Eles com eçaram , cada vez m ais, a se dar (1975) m ostrou em relação às rinhas de
conta que várias de suas preocupações em galos em Bali, esta pode ser um a form a de
relação às sociedades simples constituíam -se, ajudar a lançar luz sobre a cultura brasi
tam bém , num cam inho fundam ental para leira.
a compreensão da dinâm ica do que ocorre Assim como o futebol, a telenovela é um
nas regiões urbano-industriais do Brasil. A fenôm eno que m obiliza literalm ente milhões
questão das m anifestações culturais de di de pessoas no Brasil. Surpreende, entre
ferentes grupos sociais despontava, neste tanto, a quase inexistência de estudos sobre
sentido, com o u m rico e praticam ente inex este gênero no Brasil. Um a das raras pes
plorado cam po de investigação social, já quisas sobre o tem a (Leal, 1983), um estu
que a tendência predom inante nas Ciências do antropológico que com para telespecta
Sociais era a de explicações totalizantes, dores de classes populares com os de clas
nas quais havia pouco lugar p ara a proble ses m édia e alta, m ostrou que a “ leitura
m ática da vida cotidiana de diferentes clas social” da telenovela varia de acordo com
ses sociais envolvidas nos processos histó o grupo considerado, cujos m em bros ten
ricos analisados pelas interpretações glo dem a reelaborar as m ensagens veiculadas.
bais. A classe média, aliás, tem sido pouco
Na m edida em que a form ação dos antro estudada pelos cientistas sociais brasilei
pólogos tende a enfatizar a não-separação ros. Eles têm se voltado m uito mais para
das esferas de vida e a perceber o que o cam pesinato, o operariado e os em presá
M auss cham ou de fatos sociais totais, os rios, e tendido a considerar a classe média
antropólogos conseguiram m ostrar que é como não sendo um a classe social no sen
possível estudar a sociedade brasileira a tido estrito do term o. E studos antropológi
partir de espaços ainda não pesquisados. cos (Velho, 1981), entretan to , têm m ostra
D o mesmo m odo, a preocupação d e com d o a im portância d o e stu d o das camadas
preender e se colocar no lugar do “ o u tro ”, médias urbanas, e com o elas perm item uma
que tam bém faz parte da form ação dos reflexão sobre a fam ília, o parentesco e a
antropólogos e que é responsável pelo cul noção de pessoa e indivíduo no Brasil.
tivo de um estranham ento diante dos fenô O estudo d a fam ília e do indivíduo im pli
menos observados em outras culturas, foi ca o estudo da m ulher, área na qual tem
transposta com m uito sucesso pelos antro havido um a série de estudos feitos p o r an
pólogos brasileiros ao estudarem processos tropólogos brasileiros (Franchetto, Caval
que fazem parte de seu cotidiano. E stra canti e H eilborn, 1981), preocupados com
nhar o fam iliar tem se revelado u m bom a divisão de papéis sexuais e com a con
cam inho p ara entender a sociedade brasi dição fem inina em nossa sociedade. Estes
leira. estudos estão interessados em analisar como
De fato, representações sobre a sociedade é construída a identidade fem inina no Brasil
brasileira podem , com freqüência, ser ob a p artir de como se dá a oposição entre o
servadas em esferas até há pouco despre público e o privado, dom ínios associados
zadas. Foi isto que os nossos antropólogos respectivam ente ao m undo masculino e
começaram a fazer. Assim, por exem plo, os feminino.
grandes rituais nacionais do Brasil (o car É claro que a construção da identidade
naval, a p arad a do D ia da P átria e as pro fem inina é perpassada pela estrutura de
cissões religiosas) são “modos fundam entais classes existentes n o Brâsil. N este sentido,
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um a das preocupações de antropólogos b ra entre este processo e urbanização. A im
sileiros é com parar a fam ília das classes pressionante expansão de religiões popula
alta e m édia com a das classes populares res como a U m banda e o Pentecostalism o
(Corrêa, 1982; D urham , 1980) e entender (Fry e H ow e, 1975) justam ente nas cida
a im portância do parentesco no Brasil de des mais industrializadas do Brasil rep re
hoje (A breu Filho, 1982). senta um exem plo da com plexidade do fe
A A ntropologia tem , aliás, se ocupado nômeno. Um a religião com o a U m banda,
m uito dos m odos de vida das classes popu que tem crescido não som ente en tre as
lares. Isto aparece tanto em pesquisas sobre classes baixas, m as tam bém entre as médias,
o trabalho, através do estudo de cam pone surge e é m ais forte justam ente n o Sudeste
ses (Soares, 1981), m igrantes (Menezes, brasileiro, a região mais urbanizada e indus
1976), m ineiros (Eckert, 1985), operários trializada do País, estando concentrada nas
(Lopes, 1978; M acedo, 1979), com o em pes grandes cidades. Trata-se, p ortanto, de um a
quisas sobre a cu ltu ra popular (A rantes, religião essencialm ente urbana (O rtiz, 1978).
1982; Brandão, 1981; M agnani, 1982; D o mesmo m odo, cum pre lem brar que
O rtiz, 1980). nas Ciências Sociais existe toda um a cor
O estudo de culturas populares tem sido rente de pensam ento — inspirada, em sua
um a preocupação central das pesquisas vertente m ais conservadora, em teorias
antropológicas. N ão se trata de estudos como a da Escola de Chicago, e, em suas
que procuram analisar estas form as cultu vertentes mais “ progressistas”, em teorias
rais enquanto entidades autônom as, mas com o o da indústria cultural da Escola de
como fazendo parte de um a sociedade cada F rankfurt — que postula que a form ação
vez mais com plexa onde há um a constante de um a sociedade urbano-industrial tende
interação entre a cultura popular e os meios ria a destruir, nos m igrantes e habitantes
de com unicação de massa e onde há um a de cidades, suas raízes e tradições cultu
articulação entre o que é cham ado de tra rais, im pondo-lhes um a cu ltu ra padronizada
dicional e o que é cham ado de m oderno. pelos meios de com unicação de m assa, que
N este sentido, é interessante constatar seriam responsáveis por um processo de
que a realidade brasileira tende a refu tar homogeneização de com portam entos, valo
as proposições que p arte da literatu ra sobre res, práticas e orientações.
urbanização aponta com o conseqüência da O que se observa, en tretanto, é que a
vida u rb an a. Por serem seus pressupostos dinâm ica cultural, em cidades com o as b ra
teóricos, equivocados, as proposições destes sileiras, é bem m ais com plexa (Oliven,
autores sobre as conseqüências da vida 1980), havendo u m a rica articulação entre
urbana têm sido refutadas por pesquisas expressões da cu ltu ra popular e da indús
de cientistas sociais que estudaram a reali tria cultural.
dade brasileira, provavelm ente p o rq u e a A cidade de São Paulo, centro da econo
industrialização deste país se desenvolveu m ia brasileira, é um exemplo revelador
de m aneira diversa da das sociedades cen neste sentido. Além das m anifestações dos
trais. As pesquisas têm dem onstrado que meios de com unicação de m assa, a cidade
m uitas das proposições das teorias sobre os é fortem ente im pregnada p o r manifestações
efeitos da urbanização, bem com o da mo da cu ltu ra pop u lar e pela influência regio
dernização, não se confirm am nas cidades nal dos nordestinos que p ara lá m igraram .
do Brasil, país de desenvolvim ento capita P rova disto é a existência de m ais de d u
lista tardio e dependente, onde o “ tradi zentos circos, a grande m aioria circos-teatros
cional” se articula com o “ m oderno” e no que estabelecem u m intrincado relaciona
qual o desenvolvim ento se dá sob forma m ento com os meios de com unicação de
desigual e com binada. massa (M agnani, 1984).
Assim, p o r exemplo, no que diz respeito
à religiosidade, a secularização, que é fre V III
qüentem ente apontada como um a conse
qüência inevitável da urbanização, é um Sabemos que inúm eros autores argum en
processo m uito mais complexo do que pa taram que u m a sociedade com plexa, apesar
rece à prim eira vista. A inserção de popu da heterogeneidade de sua estru tu ra social,
lações em relações capitalistas provavel tende a hom ogeneizar seus m em bros do
m ente tenderá a causar mudanças religio ponío de vista cultural, o que seria positivo
sas, mas estas não necessariam ente signifi ou negativo, dependendo do ponto de vista
cam secularização, nem existe um a relação considerado. A questão, entretanto, não é
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tão simples. N a verdade, os mem bros de de novos atores e na construção de novas
um a sociedade complexa partilham de um identidades sociais. Começou, assim, um
patrim ônio cultural comum mas têm , por processo de redescoberta das diferenças.
sua vez, inúm eras diferenças derivadas de Na m edida em que a form ação antropo
vivências próprias. D iferentes concepções e lógica faz com que se procure entender e
visões de m undo convivem nu ma socieda respeitar as diferenças dentro de um a pers
de deste tipo. Nestas sociedades, nas quais pectiva de diversidade cultural, boa parte
a noção de indivíduo é central, há um a dos antropólogos lançou-se com sucesso a
constante negociação de identidades sociais. procurar aplicar suas teorias e m étodos de
Na m edida em que identidades não cons análise ao estudo de sua própria sociedade.
truídas em oposição ou contraste a outras Se nos lem brarm os da intensidade com
identidades, elas são form uladas a p artir que a sociedade brasileira está se comple-
de diferenças. Isto nos traz de volta à nos xificando, fica claro que o estudo das p rá
sa questão inicial. ticas e orientações culturais de diferentes
Este artigo com eçou a p artir da consta grupos sociais é um cam po privilegiado no
tação da m udança do síatus da A ntropo qual se refletem e através do qual são me
logia e da questão cultural nas Ciências diadas suas contradições. Por isto, os fenô
Sociais brasileiras. Procurou-se m o strar que, menos que têm sido pesquisados p o r antro
com o recente processo de dem ocratização pólogos brasileiros constituem-se em elemen
do Brasil, a cultura passou a ganhar m aior tos de fundam ental im portância p ara a
visibilidade, principalm ente na constituição compreensão do Brasil de nossos dias.
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