Você está na página 1de 3

Universidade Federal de Campina Grande

Centro de Humanidades

Unidade Acadêmica de História

Disciplina: História do Nordeste

Professor: Rosilene Montenegro

Aluna: Roberta dos Santos Araújo

O Pagador de Promessas: o Nordeste e a crítica social vão ao cinema

A obra cinematográfica O pagador de Promessas (1962) é uma adaptação para o


cinema da peça de mesmo nome do escritor baiano Alfredo Dias Gomes. A peça, que virou
filme sob a direção de Anselmo Duarte, narra a história de Zé do Burro, camponês que fez
uma promessa no terreiro de Candomblé para curar seu burro de nome Nicolau. Uma vez
alcançado o milagre, Zé e Rosa, sua esposa, peregrinam por vários quilômetros até a cidade
de Salvador para deixarem uma cruz de madeira na igreja de Santa Bárbara. O drama
comovente de Zé do Burro levou Anselmo Duarte e Dias Gomes à premiação do renomado
Festival de Cannes, sendo O Pagador de Promessas eleito o melhor filme do festival no ano
1963. A partir daí, o dramaturgo baiano passou a ser nacional e internacionalmente
conhecido.

A obra de Dias Gomes é dividida por fases. Em um primeiro momento de sua carreira,
o autor marcou seus textos de um espírito cômico, momento no qual, a arte nacional, em
especial o teatro e o cinema, eram fortemente influenciados pelas produções europeias e
norte-americanas. Entre o final da década de 50 e início da década de 60, período que está
situada a escrita de o O pagador de Promessas (1959), a produção de Dias Gomes foi
marcada pelo espírito do que se convencionou chamar de realismo crítico. Durante esta
segunda fase, Gomes autorizou a adaptação de sua mais famosa peça para o cinema.

Falar sobre a produção de Dias Gomes é esbarrar na sua militância. De orientação


política à esquerda, o escritor fez uso da arte para advogar e denunciar as questões sociais.
Segundo os estudiosos de sua produção, a dramaturgia de Gomes era em favor do povo, suas
peças estavam impregnadas de uma atmosfera de perturbação, uma vez que o seu intuito não
era apenas entreter o público, mas fazê-lo pensar sobre os problemas sociais, políticos,
econômicos e culturais do país. Uma das expressões desse engajamento artístico está no texto
de O Pagador de Promessas.

O cenário escolhido para ambientar a obra foi o Nordeste, mais especificamente, a


cidade de Salvador, no Estado da Bahia. O drama se desenrola em frente à igreja e, com
riqueza de detalhes e sutilezas, Gomes deixa escapar as suas críticas sociais. O pano de fundo
da história é o sincretismo religioso de Zé do Burro. Com sua fé dividida entre Iansã e Santa
Bárbara, o protagonista está longe de representar os grandes heróis do cinema europeu e
norte-americano, o que Zé do Burro representa é a cara do povo pobre e simples do país que
sofre preconceitos, que é frequentemente enganado, alienado e vítima do surto enlouquecedor
do boom modernizador das cidades do pais.

No filme, o Nordeste brasileiro é representando. Porém, como menciona Pinheiro, a


escolha do Nordeste como cenário e como recorte temático, estava em alta nas décadas de 50
e 60 e, logo, não foi uma exclusividade desta obra. O movimento do Cinema Novo,
contemporâneo da produção de Dias Gomes e Anselmo Duarte, também investiu nas
características nordestinas em suas produções. Ou seja, o regionalismo era o forte no cinema
brasileiro à época, em especial, o regionalismo nordestino.

Em O Pagador de Promessas, Gomes fez duras críticas ao autoritarismos e à


intolerância da igreja católica, apesar de mencionar em entrevistas que não se tratava de um
enredo anticlerical. O debate em torno da entrada de Zé do Burro na igreja, que foi
terminantemente proibida pelo padre, levou toda a cidade de Salvador a se comover com aa
situação do homem. Todos os credos, representando muito bem a aura sincrética do nosso
povo, se mobilizaram para ajudar o peregrino. Um misto de crítica ao catolicismo intolerante
e, ao mesmo tempo, uma pitada na ideia do fanatismo religioso do nordestino.

Além da “via crucis”, Zé do Burro prometeu à Santa que dividiria suas terras com os
camponeses pobres de sua localidade caso o burro Nicolau se curasse. A notícia da divisão se
espalhou pela imprensa soteropolitana, distorcendo-se e colocando o pobre homem como
defensor e praticante da reforma agrária. Diante destas passagens, pode-se identificar a clara
alusão às questões agrárias no país, em especial no Nordeste, que vira surgir naquele contexto
as lutas pela terra, à exemplo das Ligas Camponesas. Outro aspecto explicitamente criticado
no filme é a imprensa. Todo o lado obscuro da manipulação e da espetacularização são
realçados.
A dicotomia campo/cidade, como bem frisou Pinheiro, uma realidade problematizada
por Dias Gomes. A cidade se sobrepondo ao campo, este último visto como um espaço
atrasado e atrasado, enquanto a cidade é o símbolo do moderno e do progresso. Os sujeitos
que compõem estes espaços também são representados na obra, enquanto o citadino é visto
como “civilizado”, consciente, bem vestido e inteligente, o camponês é aquele representa o
atraso, a bestialidade, a alienação, o fanatismo, a inocência.

Diante do exposto, podemos inferir que, vida e obra em Dias Gomes se confundem. A
sua vida de militância encontrou na arte uma importante aliada contra as injustiças sociais e a
desigualdade. A dramaturgia engajada de Gomes foi alvo do autoritarismo e censura dos
militares. Muitas de suas obras foram barradas pelo governo ditatorial por serem
consideradas subversivas e pornográficas. Mas nem mesmo a dureza do regime foi capaz de
silenciar os protestos do autor.

Você também pode gostar