Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A METÁSTASE
O assassinato de Marielle Franco e o avanço das milícias no
Rio
ALLAN DE ABREU
A associação passou a controlar Rio das Pedras com mão de ferro. A fim
de evitar a entrada do tráfico na comunidade e manter a ordem, patrocinou
nas décadas de 80 e 90 um grupo de justiceiros – no qual havia policiais –
encarregado de expulsar ou, em certos casos, matar traficantes e usuários
de drogas. Na virada para o século XXI, esse grupo ganhou proeminência
na favela, o que não deixou de ser notado pelo sociólogo na pesquisa:
“Como estamos em território da cidade informal, o grau de arbítrio desse
tipo de segurança pública é fracamente regulado pelo ordenamento
jurídico, estando amplamente permeável a uma moralidade local, para a
qual é legítima a máxima ‘aqui, só quem faz besteira some’.” Burgos
também percebeu atividades econômicas em expansão em Rio das Pedras,
como o transporte por vans e a tevê a cabo, na época com 5 mil
“assinantes”, sem associá-las, porém, ao emergente negócio dos
paramilitares, que já controlavam esses serviços.
Havia mais razões para suspeitar que os irmãos Brazão tinham alguma
influência sobre o depoimento do sargento Ferreira ao jornalista Werneck.
O trio de delegados, antes de encaminhar Ferreira à Delegacia de
Homicídios, convidou o repórter para ouvir o relato nas instalações da
Superintendência da Polícia Federal, e o próprio superintendente da PF no
Rio, Ricardo Saadi, ignorava a presença da testemunha ali. Além disso,
HK, um dos três delegados envolvidos na história, era um bom amigo de
Domingos Brazão e, na época da delação, investigava Siciliano por
irregularidades fiscais na boate do vereador na Barra. “Foi um depoimento
feito para vazar para a imprensa. Teve outro objetivo que não a
investigação”, me disse Marcelo Freixo.
Policiais federais que apuram o caso suspeitam que o delator tenha sido
levado até o trio de delegados por Gilberto Ribeiro da Costa, um policial
federal aposentado muito próximo de HK e Lorenzo Pompílio da Hora e
que também foi assessor de Domingos Brazão no Tribunal de Contas do
Estado. Costa nega ter participação no episódio: “Isso é um devaneio, uma
história fantasiosa. Já prestei depoimento na DH, tudo foi esclarecido.” A
advogada de Ferreira, Camila Moreira Lima Nogueira, afirmou ter sido ela
a responsável por levar seu cliente até a PF: “Eu não tinha acesso a
ninguém da Polícia Civil […] Na PF, também não tinha. Eu fui até lá
porque tinha um cliente que conhecia os delegados”, me disse por telefone.
Fonte: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/a-metastase/?
doing_wp_cron=1552422518.1120550632476806640625#