Você está na página 1de 2

D ossiê Apocalipse

A
pocalipse 1,11 é a etapa mais recente de integra a criação dramatúrgica ao trabalho dos
um processo de experimentação de idéias atores. Improvisações, visitas a locais de referên-
sagradas e espaços públicos que o Teatro cia para ações e personagens e workshops breves
da Vertigem inicia com Paraíso Perdido, em são os instrumentos de dissecação temática, de
1992, e chama de trabalho colaborativo. que resulta a versão inicial do texto, um varal
A marca mais radical dessa proposta é a con- de idéias que associa sugestões poéticas ao rea-
cepção do teatro como pesquisa coletiva de ato- lismo cru das visitas a delegacias do Pari, a boa-
res, dramaturgo e encenador em busca de res- tes da boca-do-lixo e à pobreza itinerante das
postas a questões do presente. rodoviárias e dos hotéis baratos.
No caso de Apocalipse, a mobilização se Depois de concluída a primeira versão do
faz a partir do testemunho de fatos brutais como texto, com seis horas de duração, o grupo in-
a queima do índio pataxó em Brasília e o mas- corpora novos componentes à equipe criadora.
sacre dos cento e onze detentos no presídio do Cenógrado, designer de luz, figurinista e sono-
Carandiru, em São Paulo. Os criadores usam o plasta iniciam a segunda etapa dos ensaios em
teatro físico, as possibilidades de ativação do es- abril de 1999. Agora o foco de criação é o espe-
paço público e a composição de dramaturgia táculo, trabalhado em oficinas públicas dirigidas
própria como meios de elaboração dessa carga pelo grupo. A ponte com o autor é feita pela
de experiências sociais. O trabalho coletivo é a- dramaturgista, que se encarrega de facilitar a
dotado como modelo de uma ética que não troca com os atores.
existe fora da criação. Como a pesquisa de campo continua, o
A analogia do Apocalipse de São João com universo particular dos personagens é traduzi-
o momento brasileiro de violenta exclusão soci- do em cenas cada vez mais completas, com as
al é nuclear para a primeira etapa da pesquisa, melhores soluções compartilhadas por todos.
centrada na composição do texto. Três work- Experiências com os estados-limite de insanida-
shops envolvendo diretor, dramaturgo e atores de e de demência contribuem para aproximar o
são realizados no segundo semestre de 1998, elenco do registro interpretativo sugerido pelo
onde As observações sobre as profecias de Daniel e diretor.
o Apocalipse de São João, de Isaac Newton e A A última fase do processo é a adaptação
profecia sobre o fim do mundo, de Leonardo da do espetáculo ao espaço público. A insistência
Vinci, associam-se ao texto bíblico, formando em conseguir uma ala do Carandiru facilita a
o universo temático inicial. Trazido para o cor- realização de oficinas com os detentos, mas ne-
po-a-corpo da sala de ensaios, Fernando Bonassi gativas sucessivas acabam levando o grupo ao

115
sala preta

presídio do Hipódromo. Para ganhar o espaço um fotógrafo mostram como conviveram com
do presídio o Teatro da Vertigem entra em con- a experiência do Teatro da Vertigem, em vários
tato com a memória dos excluídos sociais, no sentidos, radical.
confronto turbulento com o imaginário da pri- Para localizar o espetáculo na história do
são. Em janeiro de 2000 convida o público para grupo, traçamos uma breve trajetória crítica, com
viver concretamente esse lugar. base nos textos de Mariângela Alves de Lima e
Neste dossiê, Sala Preta apresenta Apo- Alberto Guzik. No depoimento de abertura,
calipse 1,11 a partir da recepção desse público. Antônio Araújo conta como tudo começou.
Uma professora, um diretor, um psicanalista e

116

Você também pode gostar