Crianças parecem ganhar de 10 a 0 dos adultos em termos de velocidade para aprender
coisas novas. Diga-lhes uma palavra nova uma única vez e ela entra permanentemente para o vocabulário infantil. Ensine às crianças uma língua estrangeira e elas a falarão sem sotaque. Coloque-as ao piano e elas aprenderão, com mais facilidade do que qualquer a adulto, a dedilhar uma melodia. Ou não? Para alguns estudiosos do aprendizado motor, é um engano considerar a capacidade infantil de aprendizado universalmente superior à dos adultos. Em vez de ter um cérebro indiscriminadamente mais “lento” para o aprendizado, a desvantagem dos adultos pode estar em um efeito bem específico: interferência de tarefas. Se tentarem aprender uma, e apenas uma, tarefa motora, como um dedilhado ao piano, adultos e crianças mostrarão a mesma velocidade de melhora – e os adultos, em geral, terão melhor desempenho. Se, no entanto, tentarem aprender cinco dedilhados diferentes ao mesmo tempo, ou apenas dois, as crianças aprenderão igualmente bem – mas os adultos terão dificuldade para se lembrar até do primeiro dedilhado. Isso é a interferência entre tarefas: a tentativa de um segundo aprendizado simultâneo perturba o primeiro, e o adulto acaba não aprendendo nenhum dos dedilhados, não porque seja intrinsecamente mais lento, e sim porque seu aprendizado é sujeito a interferências. Faz sentido que o aprendizado das crianças seja imune a interferências entre tarefas. O mundo traz muito mais novidades para o cérebro de uma criança do que para o de um adulto, e essas são registradas por um cérebro infantil abundante em matéria-prima como um caderno de muitas páginas, capaz, portanto, de fazer anotações em várias frentes ao mesmo tempo. Finda a adolescência, a matéria-prima ainda está lá, mas o caderno de entrada, agora com uma página, somente anota uma novidade de cada vez. Isso não quer dizer que o adulto não consegue mais aprender nem que tem mais dificuldade do que as crianças. Pode precisar ir aos poucos, mas o cérebro adulto também chega lá. Não aprendemos mais cinco músicas novas ao mesmo tempo, mas deem-nos algumas horas para estudarmos uma só e o resultado pode ser um concerto que nenhuma criança tocará. Temos algo valioso em nosso cérebro que as crianças estão apenas adquirindo: a bagagem de vários anos de vida. E continuamos acumulando mais, talvez até tão bem quanto as crianças – desde que seja uma coisa de cada vez. Suzana Herculano Houzel, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de “Sexo, Drogas e Rock’n Roll & Chocolate, e de “o Cérebro Nosso de Cada Dia” (ed. Vieira e Lent) (FONTE: http://www.suzanaherculanohouzel.com/na-mdia/, acessado em 07/08/2007)