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Uma Coisa de Cada Vez - Suzana Herculano Houzel

Crianças parecem ganhar de 10 a 0 dos adultos em termos de velocidade para aprender


coisas novas. Diga-lhes uma palavra nova uma única vez e ela entra permanentemente
para o vocabulário infantil. Ensine às crianças uma língua estrangeira e elas a falarão
sem sotaque. Coloque-as ao piano e elas aprenderão, com mais facilidade do que
qualquer a adulto, a dedilhar uma melodia. Ou não?
Para alguns estudiosos do aprendizado motor, é um engano considerar a capacidade
infantil de aprendizado universalmente superior à dos adultos. Em vez de ter um cérebro
indiscriminadamente mais “lento” para o aprendizado, a desvantagem dos adultos pode
estar em um efeito bem específico: interferência de tarefas.
Se tentarem aprender uma, e apenas uma, tarefa motora, como um dedilhado ao piano,
adultos e crianças mostrarão a mesma velocidade de melhora – e os adultos, em geral,
terão melhor desempenho. Se, no entanto, tentarem aprender cinco dedilhados
diferentes ao mesmo tempo, ou apenas dois, as crianças aprenderão igualmente bem
– mas os adultos terão dificuldade para se lembrar até do primeiro dedilhado. Isso é a
interferência entre tarefas: a tentativa de um segundo aprendizado simultâneo perturba
o primeiro, e o adulto acaba não aprendendo nenhum dos dedilhados, não porque seja
intrinsecamente mais lento, e sim porque seu aprendizado é sujeito a interferências.
Faz sentido que o aprendizado das crianças seja imune a interferências entre tarefas.
O mundo traz muito mais novidades para o cérebro de uma criança do que para o de
um adulto, e essas são registradas por um cérebro infantil abundante em matéria-prima
como um caderno de muitas páginas, capaz, portanto, de fazer anotações em várias
frentes ao mesmo tempo. Finda a adolescência, a matéria-prima ainda está lá, mas o
caderno de entrada, agora com uma página, somente anota uma novidade de cada vez.
Isso não quer dizer que o adulto não consegue mais aprender nem que tem mais
dificuldade do que as crianças. Pode precisar ir aos poucos, mas o cérebro adulto
também chega lá. Não aprendemos mais cinco músicas novas ao mesmo tempo, mas
deem-nos algumas horas para estudarmos uma só e o resultado pode ser um concerto
que nenhuma criança tocará. Temos algo valioso em nosso cérebro que as crianças
estão apenas adquirindo: a bagagem de vários anos de vida. E continuamos
acumulando mais, talvez até tão bem quanto as crianças – desde que seja uma coisa
de cada vez.
Suzana Herculano Houzel, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de “Sexo,
Drogas e Rock’n Roll & Chocolate, e de “o Cérebro Nosso de Cada Dia” (ed. Vieira e
Lent)
(FONTE: http://www.suzanaherculanohouzel.com/na-mdia/, acessado em 07/08/2007)

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