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Preguiça e pobreza: há alguma relação?

Raimundo Cláudio Gomes Maciel

Pronto! A sociedade brasileira foi considerada oficialmente preguiçosa. O


presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou recentemente que por conta da preguiça dos
brasileiros a taxa de juros da economia está cada vez mais alta, uma vez que o cidadão não
se mexe ou se esforça para pagar juros mais baixos, por exemplo, trocando de banco.
Percebe-se que é comum fazer a relação entre preguiça e algum problema
social. Na região acreana a figura do preguiçoso está recorrentemente relacionada às
populações rurais ou periféricas das cidades. Claro que desvinculada da alta das taxas de
juros do país, mas vinculada normalmente à condição de pobreza existente, ou seja, o
cidadão é pobre, classe em ascensão no país, porque é preguiçoso ou não se esforçou o
suficiente para superar sua condição de pobreza.
Ora, será que a pobreza é uma questão de preguiça? Obviamente, na sociedade
existem indivíduos que têm pouca disposição para o trabalho ou, até mesmo, aversão ao
trabalho. Porém, isto não pode ser generalizado para toda a sociedade ou classe de
trabalhadores. O que se quer chamar a atenção é para a velha frase de que “nem tudo que
parece é na realidade”, ou, dito de outra forma, antes de emitir qualquer conclusão
apressada sobre a aparência de determinada coisa ou fato, verifique o que há por trás
daquilo que se observa.
Um exemplo disso pode ser visto quando alguém visita a zona rural acreana, nas
colônias ou seringais, e observa alguns pontos interessantes: muitos produtores deitados
numa rede às dez horas da manhã; nenhum pé de milho, arroz ou qualquer outra planta
cultivada nas propriedades; e, após conversa rápida com alguns produtores, ouve que a
principal reclamação é a falta de renda para a sobrevivência da família. Dessa forma, o
diagnóstico é rápido e preciso: “Tá vendo, é claro que vão ter dificuldade com renda, pois
não tem coragem de plantar para vender”.
No entanto, esse diagnóstico apressado torna-se equivocado quando
desconsidera alguns fatores que nem sempre são óbvios: normalmente os produtores rurais
acordam as três ou quatro horas da manhã para trabalhar, evitando o sol forte; muitos
produtores anualmente produzem grãos (milho, arroz etc.) para venda e consumo próprio,
mas na maioria das vezes encontram problemas de escoamento da produção e de preços de
venda favoráveis para seus produtos, o que ocasiona alto índice de prejuízo e estoque, que
será consumido no ano seguinte sem a necessidade de novos plantios; conseqüentemente,
ocorrem problemas de reinvestimento e refinanciamento de novos plantios e, portanto, de
renda.
Classificar um sujeito de preguiçoso é a via mais fácil e ao mesmo tempo mais
ignorante de culpá-lo por muitas das mazelas da sociedade. A superação de muitos
problemas sociais como a fome e desnutrição dependem menos dos esforços individuais e
muito mais dos esforços coletivos. Assim, torna-se essencial o papel das políticas públicas
no saneamento de problemas estruturais do país, tais como acessibilidade de infra-estrutura
(estradas, ramais etc.) e de crédito, entre outros.

Pesquisador do Departamento de Economia da UFAC


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