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O Apagamento da História – Uma contextualização debate o olhar

arqueológico.
Por: Jeferson Alexandre Miranda – Matrícula: 11368184 – Curso de História,
Cultura e Poder.
Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, passou a ser o centro de uma
discussão por causa da estátua do bandeirante Borba Gato. Não é a primeira
vez que a escultura é alvo de ações que defendem a derrubada de
monumentos que mitificam os personagens dos bandeirantes, responsáveis
pela escravização de povos afrodescendentes e indígenas. Borba Gato
construiu uma fortuna, na segunda metade do século XVIII, ao aprisionar
indígenas através das expedições bandeirantes do ciclo do apresamento ao
índio. Em setembro de 2016, a estatua já havia sido alvo de atos de protestos
quando foi manchada de tinta, em repúdio ao seu legado, assim como como o
Monumento às Bandeiras, na praça Armando Salles de Oliveira, no Ibirapuera.
(OLIVEIRA, 2020)
A humanidade erigiu monumentos para fins simbólicos por pelo menos 11.000
anos (GREAVES e HELWING, 2003). O registro arqueológico contém
exemplos de todo o mundo e ao longo da história humana de figuras criadas,
exibidas, esquecidas e frequentemente deliberadamente destruídas. Essa
recorrência milenar leva a certas perguntas sobre os monumentos e suas
funções ao longo do seu tempo de vida, e as ideias derivadas da reflexão sobre
essas questões podem lançar luz sobre a situação vivenciada no presente.
“Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um
monumento da barbárie”, escreveu Walter Benjamin (1987). Erguidas quase
sempre com recursos do erário, estátuas como as citadas não são
propriedades privadas, mas patrimônio público sobre o qual todos têm os
mesmos direitos de propriedade e usufruto, inclusive o de querer e tentar
derrubá-las ou mantê-las.

Segundo Bobbio (1986) ao usar a expressão público como oposto a privado


estamos nos referindo à coisa pública, á res publica, aos temas e problemas
concernentes às regras da vida em sociedade. Ao usar a expressão público
como oposto de secreto estamos nos referindo a tudo aquilo que recebeu
publicidade, que foi publicizado, tornado público.

A dinâmica do poder também está inerentemente quando os monumentos são


construídos e exibido. Se um sistema de poder - governo, tipicamente – ergue-
o em público, ou permite que uma organização menor o faça, os poderes
dominantes em uma dada sociedade estão monitorando e apoiando ativa ou
passivamente a construção desse símbolo aos olhos do público. Além disso, há
sempre a intenção por trás da construção, e, portanto, através da aprovação e
execução de um monumento proposto, as estruturas de poder são cúmplices
de qualquer intenção que conduziu a essa construção. Portanto, por essas
estruturas de poder não apenas apoiam, mas legitimam à intenção por trás
delas. (Levinson 1998; Osborne 2001).
Os governos ou subgrupos dominantes em uma sociedade costumam usar
monumentos como uma ferramenta para transformar o espaço público na
tentativa de unificar a sociedade como um todo ou trazer muitos indivíduos
juntos com base em um sentimento ou causa comum. (Bevan 2007; Levinson
1998; Osborne 2001).
Os monumentos cumprem um papel muito específico aos olhos do público
como símbolos que transformam o espaço, na maioria das vezes através da
comemoração de uma pessoa ou evento, e se destina a inspirar admiração e
representar as ideologias dominantes de uma sociedade, em uma época. A
estátua de Borba Gato ou o colossal Monumento às Bandeiras são dois
exemplos de monumentos comuns que foram esculpidos em homenagem aos
personagens que sofreram uma releitura histórica na década de 1930 a partir
da necessidade da recriação da história paulista, principalmente durante a
Revolução Constitucionalista de 1932, com o objetivo de ressignificar o ideal
paulista de condutor da nação brasileira. (CAPELATO, 1981 pp. 11-15)
A remoção dos monumentos aos bandeirantes não altera a história da
dominação do colonizador sobre os povos da terra ou mesmo sobre o
afrodescendente. Neste sentido uma vertente de pessoas defende a
“museologização” dessas obras, isto é, a retirada delas e o envio para espaços
onde a história delas possam ser debatidas e contextualizadas de forma mais
sistêmica ou acadêmica/pedagógica. Para outra vertente, não se deve
entender que o assunto ‘museologização' dos monumentos contribui de fato
para mudar os contextos sistêmicos dos objetos e os converte em objetos do
passado dos quais podemos aprender. É fato que essa discussão, como se
verificou em nosso debate, está longe de um consenso uma vez que a
"museologização" é apenas uma em uma lista de opções.
Os monumentos se encaixam em um padrão ao longo da história da
humanidade, eles foram erguidos para transformar espaços públicos e afirmar
certos ideais de um subgrupo dominante da sociedade que têm desde sua
construção sobrevivido ao seu propósito original. Dado que a 'preservação do
patrimônio' na medida em que vemos agora é um ideal ocidental relativamente
recente (HOLTORF, 2006), além dos muitos exemplos de destruição de
monumento no registro arqueológico, não é surpreendente, nem sem
precedentes, que a função dos monumentos bandeirantes esteja sendo
chamada a questão agora. Os monumentos servem a um propósito
complementar à história e se eles estão sendo erguidos ou removido
certamente a altera à medida que a sociedade moderna os mantém ou os
percebes. Esta discussão somente será profícua se for construtiva no debate
do destino dos monumentos desatualizados que se espalham no espaço
público de todo o país.
Ao final, fica claro que existe uma necessidade de diálogo entre os passados
disciplinares, a academia e sociedade para que as demandas sociais possam
ser atendidas em suas demandas sociais contemporâneas. A destruição pura e
simples de imagens de forma iconoclasta pode muitas vezes apenas contribuir
para um apagamento do passado. Deve-se buscar com muito afinco sempre
uma reflexão sobre o passado para que se na necessidade de reescreve-lo,
que se faça a partir de um trabalho que de voz a todos os atores da construção
do passado histórico, inclusive as minorias sociais. Assim poderemos construir
uma História mais plural e democrática.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENJAMIN, Walter. - Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e
política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense,
1987, p. 222-232.

BEVAN, Robert. The Destruction of Memory: Architecture at War. Reaktion


Books. 2007.
BOBBIO, Norberto. O Futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo.
Rio de Janeiro, Paz e terra. 1986 - pp 3-4.

CAPELATO, Maria Helena. O movimento de 1932 e a causa paulista. São


Paulo: Brasiliense, 1981. p. 8-13.
GREAVES, Alan M, e HELWING, Barbara. Archaeology in Turkey: The
Stone, Bronze, and Iron Ages, 2000. American Journal of Archaeology,
107(1), 71–103.

HOLTORF, Cornelius. Can less be more? Heritage in the age of terrorism.


Public Archaeology. 2006. 5(2), 101–109.

LEVINSON, Sanford. Written in Stone: Public Monuments in Changing


Societies. Duke University Press. 1998.

OLIVEIRA, Carolina. O que significa retirar estátuas de escravocratas do


espaço público?. BRASIL DE FATO: São Paulo, 15 jun. 2020. Disponível em
https://www.brasildefato.com.br/2020/06/15/o-que-significa-retirar-estatuas-de-
escravocratas-do-espaco-publico
OSBORNE, Brian S. Landscapes, Memory, Monuments, and
Commemoration: Putting Identity in Its Place. Canadian Ethnic Studies;
Calgary, 2001. 33(3):39–77.

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