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A IGREJA CATÓLICA E A QUESTÃO EDUCACIONAL NO BRASIL


DURANTE A ERA VARGAS

Paulo Julião da Silva.

Doutorando em História Cultural pela


UNICAMP (Universidade Estadual
de Campinas). Doutorado Financiado
pela FAPESP (Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo).
pauloemac@hotmail.com

Durante toda a Era Vargas, Estado e Igreja Católica procuraram andar lado a lado
no que diz respeito a uma possível união política. A preocupação de ambas as partes
era com a manutenção do poder na sociedade. Enquanto a Igreja dava amparo político,
muitas vezes pedindo a seus fiéis que apoiassem o então presidente do país, Vargas, por
sua vez, dava fortes indícios que não iria abandonar aquela instituição que congregava
a maioria dos brasileiros e estava presente no território nacional desde a chegada dos
primeiros europeus. Segundo Robinson Cavalcanti (1994), havia uma união “oficiosa”
entre as duas partes na tentativa de manter o país na “ordem”, livre de outros credos
religiosos e, principalmente, de comunistas1.
Uma das reivindicações católicas feitas a Vargas era quanto à obrigatoriedade do
ensino religioso nas escolas públicas. A Igreja percebia que conquistando espaço dentro
de estabelecimentos com muitas pessoas reunidas, ficaria mais fácil o contato com a
população e, dessa forma, lograria maior êxito no processo de recatolização2 do país.
Mas, não era apenas nas escolas públicas que a Igreja percebeu que poderia “coordenar”
a educação brasileira. Segundo Cândido Moreira Rodrigues (2005), na Era Vargas a
influência da Igreja Católica sobre a educação não se restringiu apenas a determinados
ramos, mas em toda a área educacional como no seio familiar e na tomada de decisões em
relação a reformas nos ensinos superior e secundário (público e privado).
Muitos investimentos foram feitos em colégios confessionais, bem como em
universidades, com o objetivo de expandir ainda mais a influência sobre o posicionamento
político e religioso da população. Fora das instituições educacionais, os lares também
eram alvos do clero brasileiro (MOURA, 2000). Em periódicos que serão apresentados ao
longo do texto, eram redigidos artigos ensinando aos pais a educarem seus filhos dentro
dos princípios católicos, pois, dessa forma, estariam “salvos” de doutrinas “maléficas”
para a sociedade.
Serão discutidas e analisadas três formas de inserção educacional católica no
Brasil: em escolas públicas, em escolas confessionais e nos incentivos aos pais para
criarem seus filhos com os princípios do catolicismo.

1  Segundo Alcir Lenharo (1986), apesar do laicismo do Estado, a religião na Era Vargas foi usada como
instrumento de dominação. O domínio da fé por parte dos católicos ficou evidente. O estado precisava
manter o espírito cristão, e Getúlio Vargas precisava ser visto como Pai da nação em uma perspectiva cris-
tã. Para ilustrar suas colocações, o autor cita o apelo popular na proclamação de Nossa Senhora Aparecida
como padroeira do Brasil, onde estiveram presentes diversas lideranças políticas. A igreja também teria
feito sua parte apoiando o Estado em questões políticas delicadas.
2  Sobre o processo de recatolização do Brasil na Era Vargas ver: (MOURA 2012).
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O ensino religioso nas escolas públicas

Uma das reivindicações católicas feitas de forma mais incisiva ao então presidente
do Brasil era quanto à inserção do ensino religioso católico nas escolas públicas. O
catolicismo declarava-se como a religião da maioria dos brasileiros e, dessa forma, via-se
responsável por guiar e formar “cidadãos cristãos” para o país. A Igreja cobrava do Estado
uma posição clara quanto a isso, mostrando que Vargas precisava da referida instituição
para sua manutenção no poder, haja vista que desde o início do processo revolucionário o
teria ajudado a fazer uma “Revolução Sem Sangue”.
Percebendo que poderia ter o apoio da grande massa, em 1931 Vargas decretou
como facultativo o ensino religioso nas escolas públicas do país. Era uma amostra de que
o Estado estava disposto a manter um diálogo e receber apoio dos católicos. Esse decreto
era uma das reivindicações políticas da Igreja no que se dizia respeito à educação. Caberia
aos pais que não desejavam que seus filhos tivessem o ensino religioso, requeressem no
ato da matrícula a retirada desta disciplina da grade curricular (MOURA, 2000). Porém,
muitos alunos eram perseguidos nas escolas quando pertenciam a outros credos e quando
era retirada do currículo a disciplina de ensino católico (CAVALCANTI, 1994).
Os católicos receberam com entusiasmo o decreto citado acima e se expressaram
através do periódico A Tribuna sua satisfação:

Em todo o Brasil, após a jornada revolucionaria de outubro, formou-se a


frente unica dos catholicos contra o laicismo da constituição brasileira, que é
uma afronta ás tradições catholicas da nação inteira [...] Apesar das primeiras
escaramuças ameaçadoras de um inimigo desleal, a idea incrementou-se e criou
vulto na alma catholica de Pernambuco e a sua defesa continuou [...] Agora veio
o triumpho. O Ministro Francisco Campos apresentou ao Presidente Provisório
da Republica e este sanccionaou o projeto de ensino religioso facultativo nas
escolas. Era uma aspiração da nação inteira que nasceu, viveu e continua
catholica. O brasileiro rejeita o protestantismo que o dollar norte-americano
quer nos impor para quebrar nossa soberania com o biblismo standardizado
de uns quantos negociadores de nossas crenças [...] É por isso que a alma
nacional vibra de alegria com o decreto patriotico que consulta os interesses
espirituaes e sociaes da nação inteira porque só a moral catholica é que pode
preparar uma nacionalidade forte, capaz de enfrentar as influencias perniciosas
do atheismo destruidor e do bolchevismo que tenta avassallar e arruinar os
povos (A TRIBUNA, 1931a: 1).

É interessante perceber com a citação acima o entusiasmo da Igreja com o


feito do Estado. O país no discurso católico não poderia permanecer sob a ameaça de
doutrinas “maléficas” que possivelmente causariam atrasos ao Brasil. O protestantismo
e o capitalismo americano agora iriam sofrer as consequências por suas tentativas de
“avassalar e arruinar” a sociedade brasileira. A “alma nacional” estava em festa. O Estado
enfim teria atendido aos “interesses espirituaes e sociaes da nação inteira”. O discurso de
“nação inteira” era corrente nos periódicos católicos e para a igreja possuía dizibilidade3.
3  Dizibilidade é um conceito desenvolvido na Análise de Discurso que estabelece “as condições para
que apareça um objeto de discurso, as condições históricas para que dele se possa ‘dizer alguma coisa’ e
para que dele várias pessoas possam dizer coisas diferentes, as condições para que ele se inscreva em um
domínio de parentesco com outros objetos, para que possa estabelecer com eles relações de semelhança,
de vizinhança, de afastamento, de diferença, de transformação – essas condições, como se vê, são nume-
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Com o projeto nacionalista de Vargas, a Igreja aproveitou para intitular-se a responsável


por manter unida a “alma nacional”, e já que o país buscava uma “unidade nacional”,
nada melhor que manter-se aliado a uma “religião nacional”.
Mais uma vez mostrava a satisfação católica o periódico A Tribuna:

Está de Parabéns o catholicismo no Brasil. O decreto do Governo Provisório,


reintegrando a religião entre as disciplinas de nossos estabelecimentos publicos
de instrução cosntitue um grande passo dado no caminho de rechristianização
de nossa Patria [...] Contra aqueles que se insurgem ante esta medida de
justiça, que o Governo Provisorio acaba de tomar, temos a responder que nós,
catholicos brasileiros, formamos a maioria absoluta da nação e queremos que
sejam respeitados os princípios religiosos pelos quaes nos regemos. Isso em
nome da propria democracia, dentro do qual nos constituímos em povo livre e
organizado (A TRIBUNA, 1931b: 1).

Ao observar a citação anterior, pode-se inferir alguns comentários a respeito da


mesma A Igreja, com o seu projeto de recatolização, viu como fundamental estar presente
nas escolas públicas. Maria das Graças Ataíde de Almeida (2001) analisando a construção
da formação do Estado Autoritário em Pernambuco na Era Vargas, deu um destaque
fundamental ao processo educacional. Segundo a referida historiadora, a educação era
vista como um dos pilares básicos tanto pelo Estado quanto pela Igreja para o projeto de
instalação e manutenção da “ordem” na sociedade. A autora cita como exemplo a criação
da Cruzada de Educadoras Católicas. “Esta deveria atuar junto ao professorado do Estado
[...] Cabia à Cruzada promover também retiros espirituais para as professoras no sentido
de garantir a eficácia do doutrinamento” (ALMEIDA, 2011: 82).
Destaca-se também o contra-discurso4 “[...] Contra aqueles que se insurgem
ante esta medida de justiça [...]”. Esses seriam os protestantes, espíritas, praticantes de
religiões afro-brasileiras e comunistas. Os protestantes, inclusive, eram muito criticados
por já haver um embate religioso muito forte travado nesse período e, quanto às questões
educacionais, esses embates tornavam-se cada vez mais acirrados. Em relação aos
comunistas, esses eram defensores de um estado laico como previa a Constituição de
1891, o que deixava os católicos revoltados (SILVA, 2011).
Outro ponto interessante é que o decreto teria sido baixado “[...] em nome da
propria democracia [...]”. Como se declaravam maioria, um decreto que atendesse ao
desejo de tais seria democrático, mesmo que não respeitasse o desejo de outros. Não
havia espaço para o ensino de outros credos. Apesar de o decreto revelar que o ensino
católico era facultativo, tornava-se quase obrigatório, pois os alunos que não assistiam a
tais aulas eram, em sua maioria, discriminados pelos colegas, professores e funcionários
das escolas.
A Igreja também justificava o motivo da implantação do ensino católico nas escolas.
Buscou junto ao Estado essa justificativa com o uso de um interdiscurso5 e procurou

rosas e importantes” (FOUCAULT, 2004: 50).


4  Contra-discurso é a formação de enunciados contrários às elocuções difundidas por algum grupo
organizado, ou por intelectuais. Tais propostas em sua maioria são enunciados antagônicos que disputam
a legitimidade e a dizibilidade de teorias políticas, sociais e culturais (FOUCAULT, 2004).
5  O interdiscurso é a possibilidade de usar algo já dito na formação de um novo discurso. Para Eni P.
Orlandi, “... todo discurso remete a um outro discurso, presente nele por sua ausência necessária. Há o
primado do interdiscurso (a memória do dizer) de tal modo que os sentidos são sempre referidos a outros
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mostrar para a população os possíveis males causados caso a disciplina não estivesse
enquadrada nos currículos escolares. “Alertava” o periódico Salvè Maria (1938:19):

O ensino religioso é o preventivo que atúa de maneira assombrosa contra


a infiltração das idéias más no seio dos povos. Portanto, é um dever nosso,
nós que somos batalhadores do Bem, difundirmos o ensino católico em
nossas escolas. Empreguemos o nosso tempo livre, uma hora por semana no
mínimo para auxiliarmos o nosso pároco no ensino do catecismo às creanças.
Façamos do catecismo um verdadeiro apostolado, e os nossos descendentes
terão o regosijo de viverem numa sociedade forte e sadia onde todos viivem
obedecendo às mesmas leis e comungando dos mesmos ideais. E notem bem,
meus correligionários – a caridade nos impõe que ensinemos a verdade àqueles
que não a conhecem.

O dever de educar os filhos nos princípios católicos estaria também a cargo da


escola. Pais, ou “batalhadores do bem”, deveriam dedicar tempo livre para catequizar
seus filhos, conhecidos e demais alunos que estivessem matriculados na disciplina de
ensino religioso. O futuro das crianças estaria garantido de forma mais coerente, uma
vez que o catolicismo fosse ensinado a elas. É interessante notar que caso alguém se
declarasse caridoso, teria a obrigação de mostrar a importância de ensinar o cristianismo
a outras pessoas.
No Memorial para a Constituinte de 1934, a Igreja descreveu os princípios que a
nova Constituição deveria ter. Dentre os pontos mais cruciais estavam o nome de Deus na
Carta Magna e o ensino religioso como matéria obrigatória em todas as escolas públicas
em todas as instâncias (primária, secundária, normais e profissionais). O Padre Leonel
Franca, um dos principais defensores desse projeto no período, defendia a “necessidade”
do ensino religioso para o país e também que só a Religião (Católica) seria a única que
poderia normatizar a educação. Leonel Franca condenava veementemente a escola leiga,
pois esta era vista como incapaz de educar (LIMA, 1978).
Essa aspiração católica deixaria de ser apenas decreto e se tornaria lei, ao ser
inserida na Constituição de 1934. Foi apenas uma de tantas outras realizações católicas na
Era Vargas, garantindo o apoio mutuo durante todo o regime, mesmo que em alguns casos
houvesse discórdia de ambas as partes. É certo que na Carta Magna, o ensino religioso em
escolas públicas foi decretado como facultativo. Porém, para uma instituição que lograva
os espaços políticos perdidos com a implantação da República, mesmo o decreto não
atendendo totalmente o que a Igreja desejava, já era considerado um importante passo
para o processo de recatolização do país.

A inserção social através de escolas confessionais

Desde os primeiros anos da colonização portuguesa na América, a Igreja Católica


procurou estar presente na área educacional. Com objetivos religiosos claros, a catequese
dos nativos foi à primeira amostra do investimento em “escolas” no território então
conquistado. Não se pode falar em instituições de ensino como as do período proposto
para esse texto, mas são percebidas intenções em comum, quando se trata de aproximar-
se da população por meio da educação. Não está sendo afirmado que esse era o objetivo

sentidos e é daí que eles tiram sua identidade” (ORLANDI, 1998: 30, 31).
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exclusivo da Igreja, mas há de se notar, que o ensino foi um dos métodos encontrados
pelos católicos para a manutenção do poder político junto aos governantes.
Com a Proclamação da República e posteriormente com a promulgação da
primeira Constituição Republicana em 1891, a Igreja percebeu que precisava de novas
estratégias para manter o poder não apenas religioso, mas também político nas diversas
partes do território nacional, já que havia perdido alguns privilégios que mantinha durante
o Império. Robinson Cavalcanti (1994) mostra a instituição do casamento civil, a entrega
dos cemitérios às prefeituras, o fim do ensino religioso nas escolas públicas e o não
pagamento do salário do Clero pelo Estado, como algumas das baixas sofridas pelos
católicos com a implantação do regime republicano. O investimento em educação foi uma
das formas encontradas pela Igreja para que a mesma continuasse, ou mesmo, passasse a
ser mais atuante na sociedade.
A Igreja então adotou alguns métodos que não eram tidos como necessários, haja
vista os “benéficos” que a instituição tinha durante o Império. O número de dioceses
subiu de 13, em 1889, para 58 em 1920. Com o suprimento da “falta de vocações” foram
“importados” sacerdotes estrangeiros, aumentou o número de pastorais, criando-se
inclusive para a classe média e para os intelectuais, incentivou-se a criação de centros
como o Centro Dom Vital, a Ação Católica Universitária e o Instituto Católico de Altos
Estudos, futura PUC de São Paulo (CAVALCANTI, 1994).
O investimento em instituições confessionais na Era Vargas foi constante, uma vez
que a educação era um dos principais leques do processo de recatolização do país. Nesse
período, realizaram-se várias reformas educacionais na tentativa de alinhar as escolas
Brasileiras ao projeto varguista de governo. Durante o Estado Novo, na tentativa de
militarizar o ensino, criou-se a “Organização Nacional da Juventude”. Essa Organização,
fundada por Francisco Campos, possuía influências de projetos similares implantados
em Portugal, Alemanha e Itália. Esses projetos foram remodelados pelo exército e a
Organização ficou conhecida como Juventude Brasileira. A intenção seria montar no país
uma mentalidade única, principalmente com um partido político único, para então se
fortalecer o projeto nacional de unidade. O objetivo era fortalecer o Estado nacional e
corrigir possíveis “falhas” do Golpe de 1930, colocando a população dentro dos moldes
desejados pelo governo Vargas (BOMENY, 1999).
Francisco Campos desejava formar no país, jovens com disciplina fascista e esse
projeto não seria dirigido pelo Ministério da Educação e Saúde, mas pelos Ministérios
da Guerra, da Justiça e da Marinha. No projeto estavam expostos os objetivos, a forma
de organização, os cargos, os encargos e as funções previstas. O objetivo era difundir
entre os jovens “[...] o sentimento de disciplina e da educação militar” (BOMENY, 1999:
148).
O projeto acima foi modificando-se pelo seu caráter militarista extremo e foi
ganhando um cunho mais cívico e educacional. O então ministro da educação, Gustavo
Capanema, procurou nos moldes portugueses e com o apoio da ala mais conservadora
da Igreja Católica, uma forma de fazer com que o projeto ganhasse caráter mais cívico.
O nome da organização foi mudado para Juventude Brasileira, inspirado no movimento
português, Mocidade Portuguesa, de caráter fascista e que tinha o apoio da Igreja, o qual
se tentou fazer o mesmo no Brasil. Esse projeto tomou os espaços do primeiro, tanto que
foi institucionalizado em 2 de março de 1940, pelo decreto de lei nº 2.072. (BOMENY,
1999).
O projeto acima foi destacado para mostrar como a Igreja tinha o interesse de estar
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presente em tudo o que dizia respeito à educação naquele momento. A forma fascista
de educação que tentou implantar no país principalmente no Estado Novo, é destacada
pela Historiadora Maria das Graças Ataíde de Almeida (2001), em seus estudos sobre a
Intervenção de Agamenon Magalhães em Pernambuco. A referida historiadora detalha
inclusive planos de perseguições a outros métodos de crenças e educação, com o apoio
do então interventor, deixando claro que as instituições que não se enquadrassem nos
parâmetros estabelecidos, deveriam ser fechadas.
Uma das escolas confessionais conservadoras católicas mais atuantes e influentes
nesse período no Estado de Pernambuco foi o Colégio Marista do Recife. Os maristas
se diziam no dever de educar as crianças para que o bem se sobressaísse contra o mal
(comunismo e protestantismo). Declaravam os marianos:

[...] além da Família e do Estado, indicados pela Encíclica como principais


realizadores da Educação Cristã, também os Congregados Marianos, como
Apóstolos da Fé devem tomar parte nessa campanha educativa religiosa. Cada
um conforme suas possibilidades [...] Tudo vem dar no mesmo fim: o nobre e
elevado de educar e instruir nos moldes da Religião e da Igreja, para a maior
glória de Cristo, e vitória eterna do Bem! (SALVÈ MARIA, 1939: 7,8).

Quando analisada a citação acima, não é difícil perceber a “preocupação” da


inserção na sociedade por meio das escolas confessionais. Os “Apóstolos da Fé” deveriam
se engajar no “dever” de educar o país nos moldes do catolicismo. É interessante notar
que para os congregados marianos, o Estado tinha a obrigação de cristianizar o Brasil por
meio da educação. Essa seria a maneira de o bem prevalecer contra o mal e o país enfim
se ver livre6.
No Sul do país a inserção na sociedade, por meio da educação confessional,
foi uma das prioridades da Igreja Católica. Esse fato ocorreu, pois muitas escolas
confessionais na região eram luteranas e as aulas ministradas na língua alemã. Os católicos,
principalmente após a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Estados
Unidos, enfatizaram o discurso de unidade, mas, dessa vez, em nome da luta contra os
nazistas e, consequentemente, contra a cultura alemã no país7. Mesmo que os alemães, ou
descendentes, vivessem no Brasil cumprindo todas as obrigações de um cidadão, como
deveres cívicos, militares e políticos, eram vistos como ameaça, pois mantinham a cultura
viva. Muitos ainda faziam parte da igreja Luterana, falavam a língua alemã, estudavam
em escolas confessionais de caráter evangélico luterano e se sentiam ainda, mesmo os
que tinham nascido no Brasil, alemães. Isso era visto como uma ameaça ao projeto de
“cultura nacional” que o governo Vargas aliado a Igreja Católica queria implantar naquele

6  O Salvè Maria foi criado pouco depois da implantação do Estado Novo pelos docentes e discentes do
Colégio Marista, com o caráter informativo, doutrinário e político. Nos artigos do referido periódico, era
possível ver a aprovação das ações de Benito Mussolini na Itália e Francisco Franco na Espanha, mostran-
do-os como exemplos de seguidores do cristianismo católico. Além disso, discursava abertamente contra
judeus e detalhava planos de ações para expulsá-los do Estado de Pernambuco. Quanto aos protestantes,
acusava-os de traidores da “verdadeira fé cristã”, e “alertava” aos católicos para se afastarem das “ervas
daninhas” que podiam provocar diversos males, com doutrinas “maléficas” pregadas pelos “inimigos da
verdadeira Igreja”, que nesse caso eram. Combatia severamente, os católicos que possivelmente possuís-
sem filhos em colégios protestantes, e não abria mão da obrigatoriedade do ensino religioso católico nas
escolas públicas.
7  vale lembrar que nem todos os católicos viam as praticas fascistas, muito menos nazistas como exem-
plos de catolicismo a ser seguido, principalmente após a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial.
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momento.
Na visão de Francisco Campos, seria “importante” para o Brasil, que tinha um
projeto de unidade nacional de língua, de cultura, ter também uma religião única, nacional,
que estivesse ligado ao plano de nacionalismo do governo e que estivesse disposta a
também mostrar-se como uma instituição nacional. Daí a defesa de Campos que o governo
fizesse uma parceria com a Igreja Católica, pois estaria sendo complementado o projeto
nacionalista do governo Vargas (BOMENY; COSTA; SCHWARTZMAN, 2000).
Um fato interessante foi que em alguns casos, a Igreja Católica, com o objetivo de
angariar fiéis ao seu rebanho, passou a apoiar a causa estrangeira no país. Algumas igrejas
e escolas confessionais católicas, em torno das áreas colonizadas, procuravam valorizar a
cultura do imigrante, como forma de mantê-los em seus rebanhos. Isso gerou um problema
para o governo que viu uma instituição muito forte aliada ao projeto contrário ao que
desejava o Estado Novo. Tentou-se a nacionalização do clero, mas foi visto que seria
inviável devido ao número pequeno de padres brasileiros. Estava aberta uma discussão
do Estado com a Igreja Católica, que o governo preferiu não levar adiante para não causar
mais problemas com o projeto de educação nacional. Porém, o Estado viu que poderia
lucrar caso dialogasse melhor com a Igreja, e a Igreja percebeu o mesmo. Dessa forma:

Os interesses recíprocos nesse caso estimulavam o controle das paixões mais


imediatas... Ambos lucrariam com a prudência e a negociação. E o Estado
aprendeu muito rapidamente que se não fosse feita a intervenção com a
parceria da Igreja dificilmente se obteria sucesso numa ofensiva direta contra
ela (BOMENY, 1999: 162).

A inserção católica por meio da educação confessional ocorreu também por meio
da criação de universidades que não será explorado no presente texto. O objetivo do
presente artigo é mostrar à intenção da Igreja em seu projeto de “renascimento” e de
“restauração” da “alma católica nacional”. Caberia aos pais o papel de educar seus filhos
nos moldes cristãos. A igreja dava as diretrizes a serem seguidas por meio de encíclicas,
sermões, programas de rádios e através dos periódicos. A seguir serão analisados alguns
“conselhos” da Igreja as famílias brasileiras em relação à educação doméstica.

A inserção nos lares com instrução aos pais

Uma das formas encontrada pela Igreja Católica para tentar manter influência, em
todos os sentidos, na educação das crianças foi à inserção nos lares. Nos periódicos eram
comuns conselhos alertando os pais para que os filhos fossem criados dentro dos padrões
“romanos”. Os pais deveriam ficar atentos ao que o “mundo” estava oferecendo. Doutrinas
“maléficas” à sociedade, principalmente o comunismo e outras formas de religiosidade,
deveriam ter atenção redobrada. A igreja estava perdendo espaço para outros credos e o
número de pessoas que não frequentavam os cultos passou a aumentar. Era um dos projetos
da Ação Católica8, que queria novamente trazer as “ovelhas” perdidas para o convívio do
“lar” e, para isso, a educação baseada no catolicismo era “necessária” (MILAN, 1986).
A crítica aos pais que não participassem do processo de catequese dos filhos era
severa. Mais que uma necessidade, era uma obrigação. A “modernidade” que “desvirtuava”
as moças deveria ser banida. Os meninos não podiam ser expostos a “pecaminosidade”

8  Sobre a Ação Católica Brasileira ver: (MANOEL, 1999).


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alheia. Para que estivessem aptos a “fugir” de todo e qualquer “mal”, Deus deveria estar
presente nos corações brasileiros. Intimava aos “chefes de família” o periódico A Gazeta
(1931:3):

Um homem catholico pae de familia deve com todo cuidado e empenho: 1:


- prohibir e impedir absolutamente que entre ou que fique em casa qualquer
livro, jornal ou revista nociva aos bons costumes; 2: - vigiar seus filhos, quaes
as companhias, as leituras, as reuniões e divertimentos dos mesmos, e como
empregam elles o tempo e o dinheiro; 3: - estar de olhos abertos de modo
especial sobre as suas filhas informando-se bem quanto ao comportamento
dellas no officio ou no trabalho, e em que gastam tempo livre das occupações_
4: - exigir que todas as mulheres de casa (a esposa, as filhas, as irmãs, as
cunhadas, as sobrinhas ou netas, e também as pessoas de serviço) vistam com
aquela seriedade que que convem a toda mulher christã_ O chefe de familia
tem obrigação e a responsabilidade de fazer valer seu criterio honesto e christão
no tocante ao cumprimento das vestes e das mangas, ao decote, ao corte dos
cabellos, aos calçados, etc. etc. Elle é o dono: saiba mandar.

Estava claro como os pais deveriam criar seus filhos, principalmente as meninas.
Leituras “danosas” deveriam ser eliminadas dos lares. Isso incluía textos marxistas,
anarquistas, maçons, liberais, em alguns casos fascistas e, principalmente, protestantes.
Contra essas doutrinas, um “chefe de família” deveria ter todo o cuidado e empenho.
Os locais frequentados pelos garotos estavam também na mira da Igreja.
Principalmente no final da adolescência, os bares, prostíbulos, festas mundanas como o
carnaval, clubes dançantes, casas de jogos, locais de “reuniões secretas”, principalmente
quando se tratava de comunismo e maçonaria, eram encarados como perigosos. A
vigilância deveria ser constante. Não poderia um pai deixar de estar a par dos locais
frequentados pelos filhos.
Um dos pontos mais enfatizados na citação de A Gazeta é quanto o cuidado com
as mulheres. Todas, inclusive as que não pertenciam à família, como as empregadas,
deveriam ser ensinadas, vigiadas, controladas e, quando “preciso”, punidas pelos “homens
da casa”. É interessante que o corte de cabelo, as roupas, inclusive os sapatos, deveriam
ter a aprovação do homem. Nada poderia fugir ao seu alcance. Tudo deveria ficar sob
seu controle. Era uma determinação da Igreja, a representante de “Deus na Terra”. O pai
deveria se impor. Afinal “Elle é o dono: saiba mandar”.
As mães também recebiam intimações de como se portar nas residências. Sua
parcela de contribuição para a manutenção de uma família “sadia” não foi “esquecida”
pela Igreja. Mais uma vez A Gazeta “contribuía” com o processo educacional nos lares:

1: – Ama a tua mãe sobre todas as mulheres. 2: - Não conserves pensamentos


que tua mãe não possa conhecer nem pratique acctos que ela não possa ver. 3:
- Declara-te antes culpada de uma falta,, do que mentir hypocritamente. 4:
- Sê no lar o anjo que enxugue, com amor, as amarguras e cubra de alegria as
tristezas. 5: - Prefere a modestia á beleza. Sê bôa sempre. 6: - Tem convicções
sinceras, fé pura, conhecimentos sólidos e sentimentos elevados. 7: - Trabalha
em tua casa como se tivesse o auxilio da tua mãe. Pratica a tua vida como si
Deus estivesse presente, e faze diariamente a tua communhão. 8: - Aprende a
falar sem encolerizar-te, a sofrer e a gozar sem extremos, e terás conseguido
muito para seres feliz. 9: - Habitua-te a ver em ta casa a mais agradavel das
residências e em teus paes os melhores amigos. 10: - Tratr e estima a todos
os teus irmãos como a filhos , não te esqueças que, não sendo boa amiga, não
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serás boa esposa e não sendo boa filha, nunca poderás ser boa mãe.

Os conselhos que as mães deveriam dar as filhas eram claros: viver para ser uma
boa dona de casa no presente e no futuro. Comparando a citação acima com a anterior,
pode-se notar também o papel que os gêneros deveriam ter dentro de um lar. O homem era
chefe, vigia e dono. A mãe como educadora dócil, amável e pura. Sobre pureza, percebe-
se que esse é o principal enfoque da citação acima. Mentira e hipocrisia, principalmente
com quem deveria mais ser amada (a mãe), não deveria estar no pensamento nem nas
atitudes das filhas. As filhas deveriam refletir “luz” e “pureza” angelical, sendo exemplo
de sobriedade.
O primeiro sentimento do qual trata o periódico é o amor, e nesse caso, o amor
pela mãe. A figura feminina entra em destaque como algo leve, frágil, intocável, capaz
de brotar um sentimento que não há na figura masculina em nenhuma das duas citações.
As filhas deveriam seguir o exemplo das mães, amando-a acima de todas as coisas. A
vaidade deveria ser evitada, pois podia levar ao pecado delas mesmas e de outras pessoas
(meninos). O trabalho doméstico deveria ser feito com prazer. A casa precisava estar
sempre organizada. Não como uma obrigação, mas, como um preceito divino. Deus estaria
olhando e aprovando caso fosse feito com afinco. O espírito de docilidade deveria estar
presente na vida das moças. “Encolerizar-se” não combinava com uma menina cristã,
pois essa deveria dar exemplo a seus irmãos de boa filha. Desta forma, tornar-se-ia uma
boa esposa e uma boa mãe no futuro.
Analisou-se no presente texto algumas das formas com que a Igreja Católica, por
diversos meios, tentou-se inserir na sociedade durante os anos de 1930 e 1945. Muitos
dessas ações já viam sendo tomadas bem antes desse período, porém, entende-se que com
Vargas os católicos tiveram maior “liberdade” de expandir sua fé com apoio político, o
qual havia perdido oficialmente desde 1891. O ensino religioso em escolas públicas, a
inserção social por meio de escolas confessionais e o “cuidado” com a maneira que os
pais educavam os filhos foram os principais canais de tentativa de dominação católica por
meio da educação. Desse modo, esperava-se afastar os brasileiros de caminhos “errôneos”
e aproximá-los do caminho que conduziria a “salvação”.

Fontes:

A importância da educação cristã. Salvè Maria. Recife, mar. 1939. p. 7, 8.


A importancia do ensino religioso. Salvè Maria. Recife, jun. 1938. p. 19.
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