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fé’. Por isso, é bom, para a humanidade e para o mundo, que nós, crentes,
conheçamos melhor os compromissos ecológicos que brotam das nossas
convicções” (LS 64).
A presente reflexão está organizada em três passos. Em primeiro lugar,
uma visão panorâmica da Laudato Si’. Em seguida, uma rápida exposição
sobre a espiritualidade como experiência do seguimento de Jesus. E, como
terceiro passo, apontamentos para uma espiritualidade ecológica. Na breve
conclusão, insistirei sobre a importância de algumas atitudes que podem
fazer diferença no estilo de vida dos cristãos em meio a um mundo marcado
pela voracidade do consumo e de pessoas apressadas e autorreferenciadas.
3. As reflexões iniciais desse item são tomadas de minha tese doutoral Pneumatologia e mariologia
no horizonte teológico latino-americano. Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma 2003. p. 122-131.
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Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá, mas quem perder a sua vida
por mim, esse a salvará” (Lc 9,23-24). De tal modo podemos dizer que não
existe Jesus sem cruz, não existe Evangelho sem a paixão de Jesus Cristo.
Aliás, em cada um dos evangelhos, o relato da paixão ocupa proporcio-
nalmente maior espaço que todos os outros acontecimentos da vida de
Jesus. Em outras palavras, mais se escreveu sobre a paixão do Senhor do
que sobre todos os anos de sua vida e de seu ministério. Carregar cada dia
a própria cruz aponta para o mistério da cruz de Jesus. Nenhum discípulo
de Jesus pode esquecer que segue um crucificado. Tomás Halík escreve:
“Para mim, não há outro caminho, não há outra porta para Ele, exceto
aquela que é aberta por uma mão chagada e um coração trespassado. Não
posso clamar ‘meu Senhor e meu Deus’, se não vir a ferida que chega
ao coração. Se ‘credere’ (crer) deriva de ‘cor dare’ (dar o coração), então,
devo confessar que o meu coração e a minha fé pertencem apenas ao Deus
que pode mostrar as suas chagas. [...] O meu Deus é um Deus ferido”.4 A
cruz é sinal desse Deus que se deixou ferir para manifestar seu amor e sua
misericórdia pela humanidade.
3) Seguir atrás. Esta é a indicação do que vem a ser o discipulado. Ir
atrás do mestre. Escute mais uma vez: “Quem quiser vir após mim negue-se a si
mesmo, carregue cada dia sua cruz e siga-me” (Lc 9,23). Quando fala dos
primeiros discípulos, Lucas registra: “Levando de volta as barcas à terra,
deixaram tudo e o seguiram” (5,11). Ao chamar Levi, coletor de impos-
tos, Jesus lhe diz: “Segue-me!” “Ele, abandonando tudo, levantou-se e o
seguiu” (Lc 5,27-28). Talvez, a melhor definição do discípulo esteja nesse
relato: “Enquanto iam pelo caminho, alguém lhe disse: ‘Eu te seguirei para
onde quer que vás’” (Lc 9,57). Seguir Jesus inclui deixar algo para trás.
Não há seguimento sem renúncia. Pedro explicita isso ao dizer a Jesus:
“Nós, tendo deixado nossos bens, te seguimos” (Lc 18,28). Isso, porque
Pedro presenciou a tristeza daquele homem rico e em dificuldade de deixar
suas riquezas para seguir Jesus. A esse, Jesus havia dito: “Ainda te falta uma
coisa: vende tudo o que tens e distribui aos pobres, e terás um tesouro nos
céus; depois, vem e segue-me” (Lc 18,22). O movimento é deixar algo e
seguir, abandonar e ir atrás de Jesus.
Esses movimentos do discipulado hão de tocar o coração de todos os
que desejam seguir Jesus. Discípulos e discípulas são forjados na escuta
da palavra, ao carregar a própria cruz, ao seguir o Senhor, fazendo a expe-
riência da renúncia, de deixar algo para trás. É preciso ser livre para viver e
pregar o Evangelho.
4. HALÍK, T. O meu Deus é um Deus ferido. Prior Velho: Paulinas, 2015. p. 18-19.
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nos rodeia que a desertificação do solo é como uma doença para cada um,
e podemos lamentar a extinção de uma espécie como se fosse uma mutila-
ção” (EG 215; LS 89). “Na verdade, a pessoa humana cresce, amadurece e
santifica-se tanto mais, quanto mais se relaciona, sai de si mesma para viver
em comunhão com Deus, com os outros e com todas as criaturas. Assim
assume na própria existência aquele dinamismo trinitário que Deus impri-
miu nela desde a sua criação. Tudo está interligado, e isto nos convida a
maturar uma espiritualidade da solidariedade global que brota do mistério
da Trindade” (LS 240).
5) Consciência da corporeidade como componente da própria vida espiri-
tual: “A espiritualidade não está desligada do próprio corpo nem da nature-
za ou das realidades deste mundo, mas vive com elas e nelas, em comunhão
com tudo o que nos rodeia” (LS 216). Citando São João Paulo II, Papa
Francisco acentua que “o cristianismo não rejeita a matéria; pelo contrário,
a corporeidade é valorizada plenamente no ato litúrgico, onde o corpo
humano mostra sua íntima natureza de templo do Espírito Santo e chega a
unir-se a Jesus Senhor, feito também Ele corpo para a salvação do mundo”
(LS 235).
6) Capacidade de conviver: “O cuidado da natureza faz parte de um
estilo de vida que implica capacidade de viver juntos e de comunhão. Jesus
lembrou-nos que temos Deus como nosso Pai comum e que isto nos torna
irmãos. O amor fraterno só pode ser gratuito, nunca pode ser uma paga
a outrem pelo que realizou, nem um adiantamento pelo que esperamos
venha a fazer. Por isso, é possível amar os inimigos” (LS 228).
7) Amor social e cultura do cuidado: “[...] juntamente com a impor-
tância dos pequenos gestos diários, o amor social impele-nos a pensar em
grandes estratégias que detenham eficazmente a degradação ambiental e
incentivem uma cultura do cuidado que permeie toda a sociedade. Quan-
do alguém reconhece a vocação de Deus para intervir juntamente com os
outros nestas dinâmicas sociais, deve lembrar-se que isto faz parte da sua
espiritualidade, é exercício da caridade e, deste modo, amadurece e se san-
tifica” (LS 231).
8) Eucaristia e criação: “A criação encontra a sua maior elevação na Eu-
caristia. [...] No apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar
ao nosso íntimo através dum pedaço de matéria. Não o faz de cima, mas
de dentro, para podermos encontrá-Lo a Ele no nosso próprio mundo. [...]
REB, Petrópolis, volume 77, número 307, p. 688-704, Jul./Set. 2017 699
5. Cf. BAITELLO JUNIOR, N. A era da iconofagia. Reflexões sobre imagem, comunicação, mídia
e cultura. São Paulo: Paulus 2014.
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imagens, pelos posts, pelos discursos, mas por ações efetivas que começam
em primeiro lugar pelo modo como eu pessoalmente dou testemunho da fé
em Jesus ao amar e servir as pessoas, ao cuidar da casa comum.
João Justino de Medeiros Silva*
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