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A ECONOMIA POLÍTICA DOS BACHARÉIS

UDENISTAS

Jorge Gomes de Souza Chaloub


Fundação Getúlio Vargas (FGV), Rio de Janeiro – RJ, Brasil. E-mail: jchaloub84@gmail.com

DOI: 10.17666/329406/2017

Introdução O exame da política econômica da UDN re-


vela, talvez com maior nitidez, a inconsistência
A União Democrática Nacional (UDN) nasce programática e as contradições partidárias. A
marcada por grandes tensões internas, devidamente posição do partido resultava, muitas vezes, do
conservadas ao longo da sua existência e amparadas esforço ou interesse isolado de um udenista que
em diversos ideários e visões de mundo. O terreno encampava uma questão específica [...] A UDN
econômico é particularmente exemplar nesse senti- não defendia um ‘modelo econômico’ pois seu
do. Durante a República de 1946, o partido abri- programa era fundamentalmente inspirado pe-
gou distintas perspectivas acerca da organização e los aspectos políticos de cada questão, negligen-
do funcionamento da economia, as quais impedem ciando os aspectos técnicos da realidade econô-
que se possa falar em algo semelhante a uma dire- mica financeira (Benevides, 1981, p. 196)
triz econômica estável.
Maria Victoria Benevides vê em tal diversidade O assunto também desvela as mazelas do ba-
a ausência de uma diretriz econômica mais forte do charelismo, outro tema da obra de Benevides, as
partido. A economia revelaria de forma privilegia- quais impediriam, com seu gosto pelas ideias gerais,
da, na visão da autora, as ambiguidades e contradi- o aprofundamento na expertise técnica fundamental
ções que marcam o liberalismo udenista: para a adequada compreensão das dinâmicas eco-
nômicas: “É nesse campo que a influência do ba-
Artigo recebido em 23/08/2016 charelismo1 se fará mais decisiva; os professores de
Aprovado em 18/11/2016 finanças da UDN também se apresentariam marca-
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dos pelo juridicismo, por orientação teórica muitas tão defendidas por Roberto Campos, um dos mais
vezes desvinculada das questões eminentemente influentes economistas do período.
práticas” (Benevides, 1981, p. 196). A autora apon-
ta, com grande pertinência, que os grandes protago-
nistas da atuação udenista nos temas econômicos – A economia política dos bacharéis
formuladores dos programas partidários e represen-
tantes do partido nos embates públicos – não eram A recepção das ideias econômicas nas arenas
os economistas, no sentido contemporâneo da ex- político-institucionais não era simples ao longo da
pressão, mas “os titulares das Faculdades de Direito República de 1946. Para além das usuais mediações
(cadeiras de Economia Política e Ciências das Fi- entre as formulações intelectuais e a prática política,
nanças)” (Idem, p. 197). Em virtude da sua origem, havia o peculiar lugar do discurso econômico, que
os atores não escapariam dos males do bacharelis- estava distante do maior prestígio que ganharia al-
mo, que se faziam ainda mais exacerbados num ter- gumas décadas depois e se encontrava pulverizado
reno em que os bacharéis desconheciam os debates entre muitos personagens – como bacharéis e en-
mais modernos. Nesse cenário, personagens como genheiros –, já que a figura do economista ganhava
Bilac Pinto e Aliomar Baleeiro acabariam enreda- tons ainda imprecisos num cenário em que eram es-
dos em velhos preconceitos inspirados pelo “ensino cassos os cursos de graduação especializada. A época,
excessivamente verbalista nas Faculdades de Direi- entretanto, era de transição, marcada pela crescente
to” (Idem, ibidem) e limitados por uma “concepção importância dos argumentos econômicos e da pró-
manchesteriana da economia e das finanças – sem pria figura do economista. Se ainda estava distante
ter ainda recebido o influxo das ideias keynesianas” da grande hegemonia posterior, é inegável que a eco-
(Idem, ibidem).2 nomia crescia em prestígio em relação a um passado
O presente artigo segue, todavia, caminho di- próximo e passava a ocupar lugar fundamental na
verso. Onde Maria Victoria Benevides vê uma série esfera pública. Pode-se mesmo falar, analogamente
de pressupostos arcaicos submetidos à lógica contin- à formulação de Antonio Candido em Formação da
gente da utilidade, com a economia completamente literatura brasileira, que estamos diante do período
dominada pelos imperativos da política mais imedia- de formação do pensamento econômico brasileiro,
ta, creio ser possível identificar uma feição diversa. a partir da crescente densidade da discussão econô-
A chave para tal esforço está justamente no bacha- mica e da clara construção de um complexa rede de
relismo, que desvela os fundamentos de uma visão autores e leitores. Os atores que assumiam a perso-
de mundo mais coerente no campo econômico. Para na de economistas, por sua vez, também ganhavam
tanto, deve-se olhar para o lugar da economia no li- crescente espaço no debate intelectual e no Estado,
beralismo dos bacharéis. Não se trata, como é evi- com tal destaque justificado por sua expertise técnica
dente, de uma plena coerência, esta mais adequada na “ciência econômica”. Foi na qualidade de técnicos
aos esforços teóricos do que aos partidos políticos, do Estado ou de instituições de pesquisa que figu-
mas de uma prática que não se resume à sequência ras como Eugênio Gudin Filho, Roberto Campos,
desordenada de ações individuais, organizando-se de Celso Furtado e Rômulo Almeida se afirmaram no
forma relativamente estável e longeva. cenário público e exerceram fundamental influência
O texto aborda, inicialmente, as principais ca- nos rumos do país.
racterísticas e pontos de convergência das concepções O momento, todavia, ainda dava enorme des-
econômicas cultivadas pelos bacharéis udenistas, seja taque a outras formas de discurso sobre a economia,
em meio a reflexões teóricas ou a discursos políticos. que conviviam e disputavam o debate público. Os
Posteriormente, são dedicadas seções àqueles com bacharéis, por exemplo, especialmente os catedrá-
mais ampla contribuição no tema: Afonso Arinos de ticos de disciplinas vinculadas às finanças públicas,
Melo Franco, Aliomar Baleeiro e Bilac Pinto. Faz-se, traziam outros argumentos e perspectivas que, mes-
por fim, uma breve aproximação entre a economia mo muitas vezes menos elaborados e sistemáticos
política dos referidos bacharéis e as perspectivas en- que os dos expoentes do pensamento econômico
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citados, se beneficiavam de uma articulação política de uma ordem harmônica, amparada em valores
mais eficiente. Um fato fundamental nesse eventual qualitativamente superiores. A organização social
embate era que, mesmo alocados em relevantes ór- e política era construída a partir do Estado, que
gãos estatais e internacionais – como a Organização tinha no direito elemento privilegiado para essa
das Nações Unidas (ONU), o Banco Nacional de tarefa, e não do mercado, com seu mecanismo de
Desenvolvimento Econômico (BNDE), a Assesso- transformar os vícios privados do indivíduo utili-
ria Econômica da Presidência, a Comissão Mista tário em virtudes públicas. O puro interesse não
Brasil-Estados Unidos, entre outros –, os econo- seria o mais importante critério de organização do
mistas não tinham grande influência dentro dos mundo social, mas deveria ser submetido a razões
partidos políticos, instituições fundamentais para a maiores, como a virtude, ou filtrado por um olhar
disputa pelo poder. É claro que eles desenvolveram que ultrapassa os ganhos individuais imediatos, aos
certa proximidade e afinidade com determinadas moldes do “interesse bem compreendido” de Toc-
legendas, às quais eram muitas vezes filiados, mas queville (2001). As virtudes públicas dependeriam
isso não lhes garantia um papel central em boa par- da boa qualidade dos homens – em chave de claro
te dos processos decisórios internos, em que quase teor aristocrático –, não de mecanismos impessoais
sempre acabavam suplantados pelos políticos de de produção de regularidades. Justamente por isso,
perfil mais tradicional. Havia, ademais, mesmo as para os bacharéis, a presença de verdadeiros líde-
limitações da construção das suas personas públi- res, os “estadistas” na terminologia de Arinos, era
cas: afinal, está-se diante de economistas, não de fundamental para o bom andamento da sociedade,
políticos. Desse modo, ainda que influentes para que padeceria quando submetida aos falsos gover-
os rumos do cenário político, os economistas de- nantes, os caudilhos. A justificava para essa opção
pendiam de disputas nas quais eles tinham menor se fundava parcialmente em visões de mundo com
influência e acabavam limitados na capacidade de aspirações de universalidade, como se percebe na
transformar suas formulações intelectuais em polí- firme crítica de Milton Campos a um mundo de-
ticas públicas, assim como se viam muitas vezes su- sencantado, que reduz tudo ao aspecto quantitativo
plantados por políticos, quando os temas econômi- e ao puro interesse: “Porque não será republicano
cos ultrapassavam o debate restrito dos especialistas considerarmos a Pátria uma sociedade anônima, o
e alcançavam as grandes arenas públicas. governo uma gerência, a política um negócio e a
Esse cenário, descrito em breves palavras, ajuda imprensa uma empresa” (Campos, 1972, p. 110).
a explicar alguns encontros e desencontros, pouco Tal perspectiva convivia, entretanto, com análises
evidentes à primeira vista, entre os ideários econô- sobre as especificidades da formação brasileira, que
micos e as ideologias políticas que, à primeira vista, seguiria caminhos distantes do mercado, em per-
poderiam lhes parecer mais próximas. Um exemplo curso distinto do americano, como frequentemente
é a distância que por vezes se percebia entre o li- argumentava Arinos:
beralismo no debate econômico, representado por
Gudin e Bulhões, e o principal partido liberal da Ocorre, porém, Sr. Presidente, que a nossa
época: a União Democrática Nacional (UDN). As formação e a nossa conjuntura atual são par-
dissonâncias se revelam, sobretudo, no campo in- ticularmente diversas das que se verificam na
telectual, com uma análise mais apurada a revelar grande república do norte. Os EUA são, por
duas distintas vertentes liberais, mas esses tipos de excelência, uma nação capitalista, uma nação
discurso não deixam de influenciar a posição dos que surgiu com o capitalismo, em função do
atores em importantes questões do debate público. capitalismo e por causa do capitalismo. [...] O
O liberalismo conservador – marca de bacha- Brasil, com uma formação completa diversa,
réis como Arinos, Milton Campos e Prado Kelly – Sr. Presidente, está ainda longe de ser um país
não via o indivíduo moderno, guiado apenas pela capitalista. [...] A verdade é que os usos mais
busca dos seus interesses, como base da organização fecundos do nosso passado demonstram, Sr.
social. A inspiração utilitária cedia lugar à busca Presidente, que melhor andou gerida a coisa
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pública nos setores entregues aos problemas e a coerência de tal perspectiva com o liberalismo
financeiros e econômicos, quando os gestores por eles propagado. Mais do que a “ausência de um
dessa coisa pública não eram pessoalmente os modelo econômico”, desenhava-se uma concepção
representantes [...] das grandes forças econô- econômica que recusava ao mundo da economia
micas da empresa privada (Franco, 1953). a autonomia que certo debate econômico muitas
vezes o atribuía e que, com o tempo, se mostrou
A interpretação de que o país ainda estava cada vez mais hegemônica. Os bacharéis por vezes
distante do pleno funcionamento da ordem capi- se mostravam realmente distantes da bibliografia
talista não incentivava propostas de construção da especializada mais contemporânea – mesmo que
ordem a partir do mercado, visto como incapaz de a conhecessem – e formavam suas concepções da
se impor como força hegemônica. Afirma-se, en- economia a partir de uma literatura de origem fre-
tão, um tipo particular de liberalismo, em que os quentemente jurídica, com fortíssima presença do
traços e valores aristocráticos predominam sobre o direito público francês e, sobretudo no caso dos
esforço pela construção de uma ordem burguesa. modernizantes, norte-americano. Tal escolha, en-
O papel dos bacharéis é central nessa empreitada, tretanto, não se fundava apenas na dificuldade da
com o direito a desempenhar a função de principal velha formação jurídica em conjugar os verbos mais
linguagem da sua prática e reflexão política. Se os contemporâneos, pois também expressava uma vi-
argumentos jurídicos perpassam a reflexão do par- são de mundo, marcada pela recusa da centralidade
tido sobre as mais diversas áreas, há que se ressaltar do mercado e do indivíduo moderno, centros de
que o direito não era visto como técnica fechada outros discursos liberais, e pelo elogio de uma con-
em si mesma, mas como arte do bem administrar cepção politizada da economia.
a sociedade, sem, contudo, em nenhum momento A distância entre os bacharéis e Gudin e Bu-
dela se apartar. lhões, liberais de corte neoclássico, não se funda
O liberalismo modernizante, por sua vez, típico apenas nos interesses ocasionais dos personagens,
de bacharéis como Bilac Pinto e Aliomar Baleeiro, mas revela distintos ideários liberais. O liberalismo
adotava perspectiva similar ante a relação entre o econômico de Gudin, que defendia princípios eco-
mercado e o Estado, mas assumia tom menos aris- nômicos universais e via no mercado o instrumen-
tocrático e elogioso perante o passado. A exclusiva to mais eficiente de organização do mundo social,
direção da economia pelo mercado não se adequava mostrava-se bem diverso das ideias de figuras como
aos novos tempos, em que muitas vezes se atribuía ao Arinos, Bilac Pinto e Baleeiro, que davam ao Estado
Estado, sobretudo em questões relevantes, o prota- um inegável protagonismo para, pela via do direito,
gonismo na condução da sociedade. O direito ainda determinar os melhores caminhos para a dinâmica
é visto como instrumento político de organização so- social, além de argumentarem em favor das especifi-
cial, mas há menor destaque à virtude dos governan- cidades do caso brasileiro, que não podia demandar
tes e maior preocupação em modernizar o aparato os mesmo remédios e soluções de países com forma-
jurídico e o Estado. O liberalismo não se define, nes- ção social completamente diversa.
sa vertente, como “estado espírito”, à moda de Mil- Havia, por certo, outras linguagens liberais na
ton Campos, mas como instrumento de controle do UDN, muitas delas mais afeitas ao mundo do mer-
processo de transformação social. Dentre os pontos cado. Podemos, nesse sentido, citar tanto persona-
comuns ante a vertente liberal conservadora, perma- gens como Clemente Mariani, Herbert Levy e Ma-
nece a perspectiva politizada da economia, que deve- galhães Pinto, que reivindicavam um liberalismo
ria se sujeitar aos ditames mais amplos e profundos econômico mais clássico, como até mesmo Carlos
do interesse coletivo. Lacerda, que, apesar da defesa da centralidade da
Maria Victoria Benevides identifica com pre- ação política, era mais aberto a formulações entu-
cisão a submissão da economia à política no dis- siastas da centralidade do interesse individual. Os
curso e na prática política dos bacharéis, mas não próprios bacharéis, em suas diversas matizes, não
percebe o caráter mais sistemático da construção eram críticos radicais da lógica do capital ou refra-
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tários ao mercado; apenas defendiam que a última demanda a “democratização da economia” (Idem,
palavras não deveria pertencer ao mundo da eco- ibidem). O “Primeiro Programa” do partido se-
nomia, mas precisava passar pelo crivo da expertise gue a mesma toada, com a defesa da ação estatal
política dos estadistas. Não se trata, nesse sentido, para “promover e estimular a industrialização” e a
de contradição à posição muitas vezes favorável da afirmação de que “as indústrias estratégicas ficarão
UDN perante o capital estrangeiro, presente tanto a cargo do Estado” (UDN, 1945). O desenvolvi-
no forte apoio à polêmica Instrução 113 da Supe- mento e o planejamento, marcas da época, tam-
rintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) – bém comparecem, com a previsão de intervenções
decretada por Gudin em seu período à frente do diretas e indiretas do Estado na economia “para a
Ministério da Fazenda – quanto nas fortes críticas elaboração, ouvidas as classes interessadas, dos pla-
endereçadas à Lei da Remessa de Lucros, sanciona- nos que favoreçam o desenvolvimento dos diversos
da por João Goulart em 1962. O capital estrangei- setores da economia” (Idem).
ro era não apenas desejado, segundo os bacharéis, Nem só nos primeiros anos, todavia, os udenis-
mas sempre necessário, desde que limitado pelos tas se mostraram elogiosos da ação estatal na eco-
imperativos da Razão de Estado. nomia. Vários bacharéis se manifestaram de modo
O partido, por outro lado, também não traiu favorável ao uso do planejamento e à ideia de um
seus ideais quando optou, em algumas questões, Estado interventor, em tom bem distinto do libera-
por posições que contrariavam a banca interna- lismo de Gudin (Simonsen e Gudin, 2010), que via
cional, como no significativo caso do Monopólio no planejamento estatal o início da implantação do
do Petróleo. É evidente que, nesse e em outros comunismo. Afonso Arinos, por exemplo, decla-
embates, motivos de ordem pragmática, impostos rava diretamente, em artigo no Digesto Econômico,
pela lógica do enfrentamento político, conviviam que “nas sociedades modernas o intervencionismo
ao lado de crenças e concepções mais arraigadas e estatal é absolutamente inevitável” (Franco, 1961b,
longevas. O cálculo utilitário é parte fundamental p. 123), uma vez que “o plano econômico-social do
da dinâmica política. A escolha dos udenistas não Governo deverá tornar-se [...] uma das característi-
destoava, entretanto, dos fundamentos do seu libe- cas inseparáveis da moderna democracia” (Idem, p.
ralismo, já que as concepções de mundo dos ba- 124). As mudanças vivenciadas pelo mundo desde
charéis eram, em muitos sentidos, coerentes com a o término da Primeira Guerra Mundial impunham,
decisão do partido. Mais do uma traição ou um fal- segundo o bacharel, novas fórmulas e soluções po-
so liberalismo, estamos diante de uma diferente lin- líticas que ultrapassavam antigas crenças, como a
guagem liberal. Mesmo Maria Victoria Benevides oposição entre planejamento e democracia, arcaica
aponta precisamente como vários documentos pro- concepção que vincula a democracia ao liberalismo
gramáticos e de campanha dos primeiros anos do econômico. O raciocínio equivocado confunde,
partido admitiam e defendiam em muitos pontos sem perceber, componentes constitutivos do ideá-
a intervenção do Estado no domínio econômico, rio democrático com resquícios contingentes de
percepção que conflitava com sua anterior menção formações históricas já superadas:
à “concepção manchesteriana da economia e das fi-
nanças” (Benevides, 1981, pp. 197-198). [...] há certos fundamentos da doutrina de-
O “Manifesto dos Mineiros”, principal docu- mocrática que servirão sempre de alicerce à
mento fundador do partido na mitologia udenista, construção da democracia, mas outros existem
já afirmava, mesmo em tempos de autoritarismo e que correspondem não aos aspectos doutriná-
da ampla predominância de Vargas no aparelho es- rios da democracia, ao que ela tem de autên-
tatal, que a “democracia por nós preconizada não é tico, de permanente, de irredutível à marcha
mesma do tempo do liberalismo burguês” (Franco da História, mas que correspondem somente
1946, p. 109). Para os udenistas mineiros, quase às condições econômicas de períodos históri-
todos bacharéis, “o tempo do liberalismo passivo cos já transpostos. [...] proponho designar os
já findou” (Idem, ibidem), de modo que a época fundamentos transitórios da democracia clás-
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sica, dependentes de condições econômicas Distintamente de Gudin, que reiterava as críti-


desaparecidas, com o nome de elemento libe- cas de neoliberais como Hayek, Arinos tecia enor-
ral da economia, adotando a fecunda sugestão mes elogios ao longevo presidente norte-americano
de Hans Kelsen, segundo a qual a democracia Roosevelt – dedicando-lhe, inclusive, um dos seus
moderna pode não ter nada de liberal no senti- discursos-homenagens da tribuna parlamentar –,
do econômico (Idem, ibidem). consonante com a admiração que boa parte do
partido também demonstrava, tendo inclusive ci-
A democracia contemporânea não apenas ad- tado Roosevelt no programa da campanha de 1945
mite, aos olhos do bacharel conservador, uma in- como exemplo de que “a liberdade que protege o
tervenção estatal mais forte, mas a exige. O próprio homem do terror do Estado nada tem a ver, não é
êxito da democracia enquanto forma de governo causa nem efeito obrigatório, do liberalismo eco-
demandaria o recurso às modernas técnicas de nômico, com o qual chegou a ser confundido’”
planejamento, sendo esta “a mais séria de todas as (Benevides, 1981, p. 199).4 Roosevelt surgia, nas
questões governativas do Estado Moderno” (Idem, palavras de bacharel e no programa de 1945, como
p. 311). Arinos é, deste modo, peremptório ao afir- símbolo das elites sensíveis às necessidades das clas-
mar que “a democracia atual não prescinde do pla- ses populares e, justamente por isso, capazes de de-
nejamento, por menos que o aceitem aqueles que sempenhar seu papel de estadistas em um tempo de
confundem democracia com liberalismo. O plane- profundas mudanças (Franco, 1965, p. 97).
jamento democrático tornou-se mesmo elemento Com seu liberalismo conservador de fortes tons
inseparável do êxito da democracia como forma de oitocentistas, inspirado por figuras como Nabuco
governo.” (Idem, ibidem) Não sem razão, este tem e Tocqueville,5 Arinos demonstrava como o pas-
sido o caminho pelas principais democracias do sar dos tempos pode dar feições modernas a ideias
Ocidente, fiéis representante, da “cultura ocidental, que, alguns anos antes, soavam antiquadas. Como
no que tem de mais puro e de mais alto” (Idem, p. exposto de maneira genial no “Pierre Menard, au-
124). Nesse sentido, por exemplo, caminha “a ciên- tor de Dom Quixote”, de Borges ([1944] 1998), as
cia e a prática políticas da Grã-Bretanha” (Idem, obras ganhavam novos sentidos com o passar dos
ibidem), que tem demonstrado a “perfeita compa- tempos e sugeriam significados antes imprevistos. A
tibilidade entre a técnica da liberdade política, co- desconfiança de tons aristocráticos perante o desen-
ração da democracia, e um maciço antiliberalismo cantamento do mundo produzido pelo capitalismo,
econômico [...] traço marcante do nosso tempo” que reduzia tudo ao equivalente comum da merca-
(Idem, ibidem). Os liberais econômicos mais em- doria, soava arcaica em tempos de pujança do livre
pedernidos surgem no discurso do bacharel minei- mercado, mas agora, passada a crise de 1929 e as
ro como verdadeiras relíquias, pouco ajustadas ao mazelas de mais uma guerra mundial, demonstrava
espírito do novo tempo. Até mesmo sua existência afinidades com ideias mais contemporâneas, como
deve ser reiterada para os leitores mais incrédulos: o keynesianismo e o desenvolvimentismo cepalino
que, em meio ao seu mar de diferenças, comparti-
Os economistas liberais – ainda hoje os há e al- lhavam da mesma crítica à pretensão de plena efici-
guns de irrecusável mérito – opõe frequentemen- ência do mercado. O planejamento, último grito da
te ao planejamento, considerando-o forma de modernidade para muitos dos pensadores da época,
ditadura. Porém, os políticos e os juristas demo- não soava estranho aos ouvidos de alguém que re-
cráticos não participam mais dessa radical clamava integrar a antiga linhagem ibérica brasileira
opinião. Hoje se tem por assentado [...] que, (Vianna, 2004). Saltavam à vista as semelhanças,
preservadas as regras básicas da liberdade de- como o papel de destaque atribuído ao Estado para
mocrática, a política intervencionista do Esta- organizar as demandas sociais e apontar os rumos
do não é incompatível com o regime. E o pla- mais adequados para o mundo social. Claro que o
nejamento é a forma superior e sistemática do instrumento podia descambar para terrenos perigo-
intervencionismo (Idem, p. 180).3 sos na visão de Arinos, como os devaneios soviéti-
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cos pregados por alguns insensatos avisavam, mas cujos pressupostos políticos são claramente expos-
nesse caso o problema era do excesso de liberdade tos ao longo do texto,7 às incontornáveis inovações
concedido às massas e da baixa qualidade das eli- promovidas por Keynes nas ciências econômicas,
tes que então ocupavam o poder, não do antigo afã marcas de um novo tempo:
interventor do Estado. Bastava, ao menos em um
primeiro momento, o aviso de que “naturalmente o Os progressos das ciências econômicas, sobre-
planejamento democrático difere muito do ditato- tudo depois do impulso que lhes imprimiu a
rial” (Franco, 1961b, p. 180). teoria geral de Keynes, refletiram-se na Polí-
A defesa de uma especificidade brasileira tam- tica Fiscal e esta, por sua vez, revolucionou a
bém aproximava o bacharel dos modernos econo- concepção da atividade financeira, segundo os
mistas cepalinos, como Prebisch e Furtado, que preceitos dos financistas clássicos. Ao invés das
apontavam a necessária adaptação de teorias cen- “finanças neutras da tradição”, com seu códi-
trais quando da sua recepção em contextos perifé- go de omissão e parcimônia tão ao gosto das
ricos como o brasileiro.6 O olhar para o local, que opiniões individualistas, entendem hoje alguns
marcava o bacharel conservador, o levava a um que maiores benefícios a coletividade colhera
terreno mais próximo dos desenvolvimentistas e de “finanças funcionais”, isto é, a atividade fi-
deixava-o distante da companhia de um inflexível nanceira orientada no sentido de influir sobre
Gudin, que postulava a existência de uma única te- a conjuntura econômica. Destarte, o setor pú-
oria econômica – já que eram universais o mercado blico – a “economia pública” não se encolhe
e o indivíduo liberal – e pensava ser desnecessária numa vizinhança pacífica e tímida junto às lin-
qualquer inflexão para a análise da periferia. des da economia privada. A benefício desta é
que deve invadi-la, para modificá-la, como ele-
mento compensador nos desequilíbrios cíclicos
Economia e política segundo Aliomar (Idem, p. 44).
Baleeiro
O campo intelectual reflete e influencia os no-
Arinos, por certo, era um dos mais elogiosos vos papeis e conceitos de Estado, de modo que “ao
desse novo papel do Estado, mas ele não estava de Estado gendarme sucede o Estado de serviços pú-
nenhum modo sozinho. Aliomar Baleeiro, bacharel blicos e de bem-estar geral, o welfare State” (Idem,
modernizante que em diversos momentos defendeu p. 170), forma política marcada pelo predomínio
políticas mais próximas ao campo do liberalismo do planejamento, quase uma unanimidade à épo-
econômico, não poucas vezes destaca em sua obra ca: “A planificação passou a ter o encanto das pa-
a necessidade de um papel ativo do aparato estatal, lavras mágicas. Sonha-se com uma época em que
fato que surge como evidência incontrastável dos não se reproduza jamais o paradoxo da miséria na
novos tempos, marcados pela “intervenção crescen- abundância, ou do subconsumo no auge da super-
te do Estado, em quase todos os ramos da ativida- produção” (Baleeiro, 1960, p. 409). Não seria mais
de humana” (Baleeiro, 1970, p. 3). O fenômeno possível, por essa concepção, olhar as relações entre
atinge até mesmo, as nações mais identificadas com o aparato estatal, o direito e a economia do mesmo
o liberalismo econômico e o capitalismo: “Nos paí- modo, pois se deviam reconhecer as imposições dos
ses mais individualistas [...] não só se agigantam as novos tempos.
despesas públicas, [...] senão também se hipertrofia A identificação de transformações nas esferas
a competência dos poderes públicos...” (Baleeiro, econômica e jurídica não importa, entretanto, a
1955, p. 55). Recorrendo à organização cronológi- negação do seu caráter político. Não sem motivo o
ca típica dos manuais jurídicos, que costuma come- jurista inicia seus três livros destinados a servirem de
çar com as formas mais arcaicas e precárias para, ao manuais nos cursos de direito – Limitações constitu-
fim, atingir os institutos elaborados, Baleeiro opõe cionais ao poder de tributar, Introdução à ciência das
o Estado gendarme do liberalismo econômico, finanças e Direito tributário – com advertências sobre
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o caráter inapelavelmente político desses campos. to da situação financeira e instituísse todo um


A política dá sentido e direção à complexidade do sistema para extensão – e aperfeiçoamento das
mundo social, que não opera mecanicamente, mas estatísticas do tesouro (Idem, pp. 74-76).
pelo constante afluxo da ação humana. O ato polí-
tico não se dá, contudo, em meio ao vácuo ou toma O “Rui político” soube colocar os interesses do
a sociedade como massa informe, mas, distintamen- país acima das suas convicções8 e agir como verda-
te, torna-se mais eficiente à medida que percebe os deiro estadista: “A capacidade de transigir de Rui
contornos e caminhos mais profícuos do contexto. [...] mostra que o estadista contrasta vivamente
A insistência no formalismo jurídico e nos princípios com a rigidez e a inflexibilidade do combatente
imutáveis não são marcas dos estadistas, que se dis- na defesa dos direitos e liberdades” (Idem, p. 100).
tinguem, justamente, pela capacidade de contornar Esse é o modelo de Baleeiro, que vê no direito e
situações aparentemente adversas e optar pelas me- na economia instrumentos da ação política, meios,
lhores soluções, mesmo que muitas vezes contraria- não fins: “Ora, a valorização da justiça ou injustiça
mente às suas crenças abstratas. na atual distribuição da propriedade não pode ser
Baleeiro escreveu um livro em defesa da atua- resolvida cientificamente. É um julgamento ético
ção de Rui Barbosa à frente do Ministério da Fa- e político...” (Baleeiro, 1960, p. 409). Nada mais
zenda do Governo Provisório (Baleeiro, 1952), distante do perfil do político udenista que a ideia
tendo por argumento central a ideia de que, apesar de um baluarte do “bacharelismo”, ignorante das
de seus amplos conhecimentos no campo da eco- maiores novidades da ciência econômica. As men-
nomia, usualmente subestimados pela historiogra- ções e reflexões em torno de Keynes, Hayek e Von
fia do período, Rui foi, acima de tudo, alguém que Mises ao longo da década de 1950 mostram que
colocou a política em primeiro lugar. As criticadas ele estava atento ao debate econômico contemporâ-
consequências inflacionárias das suas medidas se neo, mesmo que, é claro, não manejasse o mesmo
justificariam, nesse sentido, como forma de manter arsenal técnico e estatístico que alguns economis-
a ordem republicana recém-instaurada, que talvez tas. Mais do que um desconhecimento do debate,
não sobrevivesse em um cenário de contenção de se delineia em Baleeiro o exemplo de uma distinta
gastos e despesas. concepção da economia, francamente politizada e,
por isso mesmo, refratária ao naturalismo que cer-
Rui Barbosa [...], ainda que houvesse desdo- ca os argumentos de certo liberalismo econômico
brado a sua espantosa capacidade de trabalho mais ortodoxo (Kervegan, 2004).
sobre os diversos problemas específicos da pas- A construção dessa concepção política da eco-
ta, em verdade a dirigia com profundo sentido nomia faz-se presente tanto na submissão das suas
político, que serve de medida de coordenação convicções econômicas aos sabores mais voláteis
entre as várias medidas características de sua das conjunturas quanto na defesa de um papel mais
rápida passagem pelo poder. [...] O problema forte do Estado em determinadas situações. Baleei-
econômico e financeiro, embora o estudasse ro, como bacharel modernizante, tinha uma relação
profundamente à luz doutrinária, equacionou- ainda mais afável que Arinos com os mecanismos
-se, para ele, em termos políticos: qual a so- de mercado: mesmo reivindicando uma tradição
lução admissível com o mínimo de inconve- liberal brasileira – conhecida pelas artes da compo-
niências no momento em que, pela força, o sição e da construção institucional por meio da po-
novo regime se implantara, provavelmente sem lítica –, desempenhou um papel extremamente ati-
apoio de toda ou da maior parte da opinião pú- vo na modernização do direito nacional, buscando
blica. Os dados do problema não poderiam ser afastá-lo do verbalismo juridicista e torná-lo apto
fixados em algarismos e representações gráficas, a atuar perante o moderno mundo da economia.
embora – diga-se de passagem – Rui houvesse Não à toa, o bacharel foi autor de uma proposta de
tomado providências eficientes, desde 1889, reforma do ensino jurídico, apresentada na Câmara
para conhecimento tanto quanto possível exa- dos Deputados (Venâncio Filho, 2004, pp. 313-
A ECONOMIA POLÍTICA DOS BACHARÉIS UDENISTAS  9

314), e um dos pioneiros na introdução de disci- ve retórica de grande agressividade e forte tom an-
plinas como direito tributário e direito financeiro ticomunista, responsável por levar os dois bacharéis
ainda nos quadros de cursos de ciências jurídicas, a postos de destaque na “banda de música”12 ude-
fortemente marcados pelo beletrismo coimbrão tar- nista. O bacharel mineiro também desempenhou
dio e pela ampla predominância do direito privado papel relevante na modernização do debate jurídico
em detrimento do direito público.9 O recurso ao nacional, seja nas cátedras que ocupou ou, já mais
direito público francês10, amplamente hegemônico velho, à frente da editora Forense.
no Brasil até a Revolução de 1930, convivia com Os temas dos seus artigos publicados ao longo
um contato cada vez maior com um direito público das décadas de 1940 e 1950 coincidem com as pre-
norte-americano extremamente preocupado com as ocupações e com muitas das respostas de Baleeiro, o
novas formas econômicas delineadas no horizonte. que sem dúvida revela um sinal de convivência nos
Nesse sentido, seu liberalismo não possuía o mes- mesmo ciclos político-intelectuais e aponta para o
mo tom oitocentista que de o Arinos, mesmo que clima da época. O reconhecimento de uma signi-
este também tenha refletido sobre as novas relações ficativa ampliação das áreas de atuação do Estado
entre o direito e a economia (Franco, 1961b). figura, por exemplo, já nas primeiras páginas dos
A defesa eventual de ações mais fortes do Es- seus Estudos de direito público, em que Bilac destaca
tado não se mostra, desse modo, dissonante das como marca do tempo a emergência de “múltiplas
suas concepções teóricas ou mesmo do seu discurso formas de intervenção do Estado no domínio eco-
como homem público. Se o mercado, para Bale- nômico e social” (Bilac Pinto, 1953a, p. 2). Trata-
eiro, era um mecanismo eficiente de alocação de -se, afinal, de uma característica imanente ao pró-
recursos sociais, em nenhum momento o bacharel prio Estado Moderno, que tende a ampliar sua ação
baiano submeteu o Estado e a razão política aos em prol do bem geral: “A principal característica do
seus desígnios, mas, distintamente, sempre se mos- Estado Moderno, em todos os meridianos políticos
trou disposto a limitar, por meio da ação política, do mundo civilizado, é a incoercível tendência para
os eventuais excessos da lógica mercantil. A reflexão ampliar e diversificar a sua” (Idem).
vale para o debate em torno da Campanha do Pe- Os exemplos levantados no campo da políti-
tróleo, mas também para outros momentos, como ca comparada – nas grandes pátrias do liberalismo
a crítica, feita em plena década de 1950, ao caráter econômico e do capitalismo, a Inglaterra e os Es-
regressista do sistema tributário brasileiro (Baleei- tados Unidos – reforçam o argumento e buscam
ro, 1960, cap. 18), seguida pelo reconhecimen- demonstrar, inequivocamente, como as radicais
to de que as contribuições dos tributos à redução transformações institucionais e intelectuais impos-
da desigualdade se mostravam necessárias em um tas pela ampliação do Estado ganharam o caráter de
mundo marcado pelos aumento da demanda por fato quase incontestável. O trecho a seguir, acerca
igualdade, herança das experiências socialistas.11 O das consequências dessas mutações para as práticas
feroz anticomunismo de Baleeiro convivia com um do governo, demonstra bem a forma como, na vi-
esforço de realismo político. são de Bilac Pinto, todos os meandros das institui-
ções democráticas passaram por profundas modifi-
cações motivadas pela nova realidade:
A perspectiva de Bilac Pinto
A Inglaterra e os Estados Unidos, com efeito,
Bilac Pinto, autor da emenda que estabeleceu tendo sofrido com intensidade sem igual o im-
o monopólio estatal do petróleo, seguia caminhos pacto da industrialização e da concentração
bem semelhantes aos de Baleeiro, irmanado em um econômica, tiveram que atender às profundas
mesmo liberalismo modernizante. Aproximava-os e variadas repercussões dessas causas primárias
uma concepção quase idêntica do papel do direito, no plano de governo. Dentre essas repercussões
da economia e das suas relações com a política, a cumpre assinalar a intervenção do Estado na
qual convivia ao lado, nos dois casos, com uma ver- ordem econômica e no domínio social, que
10  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 32 N° 94

passou a constituir um dos mais indeclináveis prática, no curso das vicissitudes de uma longa his-
e imperativos deveres do Estado. [...] A estru- tória” (Bilac Pinto, 1953b, p. 2). A nova realidade
tura orgânica e funcional do Estado, modelada decorre, segundo o autor, antes da necessidade de
no pressuposto do quadro econômico e social responder às transformações do mundo do que da
do laissez-faire, teria, necessariamente, que se vitória prática de uma “imposição doutrinária”. Os
manifestar inadequada para atender aos no- bacharéis revelam, mais uma vez, seu caráter plás-
vos tipos de atuação que dele se reclamava. As tico, mais preocupados com as respostas adequadas
funções do Estado, além de terem se ampliado às contingências políticas – fundamentais para a
sensivelmente, assumiram aspectos novos. A realização dos valores maiores aos quais eles se vin-
legislação cresceu em volume e em complexi- culam – do que presos aos esquemas lógico-formais
dade pois teve que descer até os detalhes das típicos dos juristas.15
mais diferentes técnicas (Idem, pp. 250-251). As modificações dos institutos jurídicos devem,
do mesmo modo, responder aos novos tempos,
Como derivação dessa nova feição estatal, ocor- marcados pelas “atividades de natureza industrial
re uma grande ampliação do campo do direito ad- ou comercial” que passaram para a competência
ministrativo, de onde surge, naturalmente, a “im- do Estado. O direito desempenharia, assim, papel
portância que esse ramo do direito vem assumindo, fundamental na urgente modernização do Estado
contemporaneamente, nos regimes democráticos” brasileiro. Nesse cenário, após uma exposição dos
(Idem, p. 2). As referências intelectuais são muito modos de interação entre o poder público e o ca-
semelhantes às de Baleeiro, com a forte presença do pital privado, marcada pela crítica subsequente aos
direito público francês convivendo com o crescente modelos da concessão e da sociedade de economia
interesse pelas novas perspectivas do direito norte- mista, Bilac conclui pela superioridade da moderna
-americano.13 Bilac revela, entretanto, um aspecto empresa pública. Distintamente da concessão, an-
interessante dessa influência, ao ressaltar o caráter tigo instrumento ainda preso a velhos dogmas libe-
não escrito do direito administrativo francês (Idem, rais, e da sociedade de economia mista, que acabava
p. 8), o que aumenta as possibilidades de ação dos limitada pelos constantes confrontos entre os inte-
juristas, e ao destacar o papel do Conselho de Es- resses públicos e privados, a empresa pública conse-
tado, um órgão eminentemente político, na sua guia conciliar a eficiência da empresa privada com
construção. A tradição francesa teria, desse modo, a manutenção dos valores públicos mais relevantes.
uma grande afinidade com a concepção politizada Trata-se, em poucas palavras, de uma empresa que
de direito encampada por Bilac e Baleeiro. se organiza à moda das corporações privadas, seja
Ainda no campo do direito administrativo e em relação à cultura gerencial ou aos direitos traba-
das respostas institucionais à nova configuração lhistas, mas que tem por acionista único o Estado.
do Estado, Bilac escreveu seu mais influente tex- Aliomar Baleeiro, em mais uma semelhança, tam-
to jurídico – “O declínio das sociedades de eco- bém elogia tal solução institucional: “As empresas
nomia mista e o advento das modernas empresas públicas modernas, em consequência, diferem mui-
públicas” – no qual o bacharel mineiro pensa não to das antigas [...] são instrumentos de intervenção
apenas como acadêmico no campo do direito, mas governamental para realização daqueles novos fins”
justifica, a partir dessa reflexão, sua conduta no (Baleeiro, 1955, p. 170).
caso do monopólio estatal do petróleo.14 O texto O novo Estado interventor precisava, segundo
se inicia com outra constatação sobre a nova na- os bacharéis, de eficientes instrumentos para cum-
tureza do Estado, agora apresentada como “fato prir suas difíceis funções, tarefa à qual se prestava
histórico universal”. O decantado aumento das perfeitamente o novo modelo de empresa pública.
dimensões estatais não é retratado, entretanto, em O pioneirismo no esforço de implantação desse
plano formulado e pré-estabelecido, apontando- instituto no Brasil – não obstante algumas seme-
-se ao contrário que “teve caráter fragmentário e se lhanças com instituições já existentes, como as Cai-
foi operando por considerações de oportunidade xas Econômicas – surgiu na proposta do próprio
A ECONOMIA POLÍTICA DOS BACHARÉIS UDENISTAS  11

deputado Bilac Pinto para a criação da Empresa corriqueiras eram, por exemplo, as críticas ao pro-
Nacional do Petróleo (Enape), que regularia, no tecionismo que, segundo os udenistas, beneficiava
substitutivo udenista que instituía o monopólio, a injustamente certos segmentos da indústria nacio-
exploração estatal do petróleo. nal.20 O próprio programa do partido de 1945 não
A proposta udenista, segundo a pena de Bilac, se furta a fazer menção expressa à importância dos
não flertava com valores do campo adversário, getu- recursos estrangeiros, inclusive com a sempre lem-
lista, que se caracterizava pela hipertrofia de caráter brada defesa do “aproveitamento de nossas reservas
quase autoritário do aparato estatal, mas pretendia inexploradas”: “Apelar para o capital estrangeiro,
implantar modernos padrões de gestão pública – necessário para os empreendimentos da reconstru-
“um progresso significativo na arte da administração ção nacional e, sobretudo, para aproveitamento das
pública” (Idem, p. 15) –, adequando o arcaico Es- nossas reservas inexploradas” (UDN, 1945). Como
tado brasileiro aos valores e práticas mais avançados bem destaca Maria Victoria Benevides, a defesa de
do mundo público. Se o Estado não podia ser mais um tratamento igualitário entre capital nacional e
tomado como necessariamente inepto, como alguns estrangeiro seria uma marca constante do partido
argumentavam em outros tempos, a mesma afirma- (Benevides, 1981, p. 198), mesmo que, em contra-
ção não se aplicaria ao aparato estatal brasileiro, ain- partida, a posição sempre tenha enfrentado fortes
da assolado, aos olhos udenistas, pela série de vícios resistências internas.
descritos em tom nada ameno nas tribunas parla- As flutuações de posição respondem, natural-
mentares e nas páginas da grande imprensa. mente, aos sabores da dinâmica política, que impõem
A argumentação algo extensa em torno do fler- o sacrifício de convicções, mas não se restringem
te do bacharéis com um Estado ativo – o que não a isso. É claro que o papel de eterna oposição –
dá qualquer feição de anomalia ao caso do mono- enquanto que, na feliz expressão de Maria Victo-
pólio do petróleo – não implica, todavia, a ideia de ria Benevides, “o Estado era Getúlio Vargas” (Idem,
um radical estatismo por parte dos udenistas ou em p. 197) – condiciona certas posições antiestatistas,
qualquer recusa radical ao mundo mercantil. Seria do mesmo modo que o interesse em vitórias pon-
possível também elencar alguns discursos virulentos tuais pode levar a adesões a ideologias estranhas
dos udenistas em sentido diverso, a defender que os ao mundo liberal. Não penso ser possível afirmar
limites impostos pelos governos adversários ao capi- que as variações impliquem, todavia, uma ausência
tal estrangeiro tinham tintas autoritárias, usualmente de “modelo econômico”, mas antes a construção de
de tons vermelhos. Aliás, as disputas em torno do um modelo que não se identifica, mesmo que even-
capital estrangeiro colocavam-se entre os mais duros tualmente possa concordar, com o liberalismo eco-
embates a envolverem udenistas na arena pública, nômico mais ortodoxo do período.
como demonstra a constante divisão do partido em
torno do tema, um dos que mais o fracionavam.16
A forte campanha contra a Lei Malaia,17 a Considerações finais: os bacharéis e a
franca defesa da polêmica Instrução 113 da Su- República de 1946
moc, promulgada por Gudin,18 a violenta reação à
Lei de Remessa de Lucros,19 de Goulart – não são Olhando para o pensamento econômico bra-
poucos os momentos em que a defesa do capital es- sileiro da época, organizado por Bielschowsky
trangeiro, visto pelos udenistas como fundamental (2004) entre uma ortodoxia liberal, uma corrente
para a o desenvolvimento do país, emergiu como socialista e três variantes do desenvolvimentismo –
plataforma central do partido. Se, por um lado, separados tanto pelo papel do Estado quanto pela
a UDN se dividia em relação ao tema – com o origem de atuação dos seus intelectuais – os bacha-
campo nacionalista representado por personagens réis udenistas mostram-se mais próximos, mesmo
emblemáticos como Gabriel Passos –, era mais co- que com diversas ressalvas, de uma das variantes do
mum, por outro lado, ver parlamentares udenistas desenvolvimentismo, a do setor público não nacio-
à frente da argumentação antinacionalista. Muito nalista, do que da corrente intitulada pelo autor de
12  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 32 N° 94

“pensamento neoliberal”. Aproxima-os, sobretudo, um fato consumado”, o cenário do debate econômi-


a perspectiva sobre o papel do Estado na economia. co passa a privilegiar outros aspectos, que progres-
O conceito que dá nome a essa corrente – a qual sivamente afastam Campos da companhia dos na-
tem como principal representante Roberto Cam- cionalistas e o aproximam da ortodoxia liberal.22 A
pos, mas também enquadra nomes importantes, distância firma-se a partir da recessão do início dos
como Lucas Lopes e Glycon de Paiva – precisa, en- anos de 1960, responsável pelo fortalecimento do
tretanto, ser antes debatido. debate sobre questões redistributivas até então rele-
Bielschowsky cunha o termo inspirado em con- gadas ao segundo plano pelos desenvolvimentistas,
ceito de desenvolvimentismo quase exclusivamente que se mostravam confiantes nas benesses da indus-
econômico que, como ele várias vezes ressalta, “é trialização como remédio para todos os males. Com
definido como a ideologia de superação do subde- a industrialização consolidada e a decadência do
senvolvimento através de uma industrialização ca- crescimento via substituição de importações, passa-
pitalista, planejada e apoiada pelo Estado” (Idem, va ao primeiro plano não a questão do crescimento,
p. 431). O contraponto constante é a proposta ne- mas a maneira como seriam divididos os recursos em
oliberal, com o socialismo frequentemente tomado tempos de escassez. Temas como a estabilização mo-
como posição menor no campo das ideias econô- netária e o lugar do capital estrangeiro, que já antes
micas do período, por sua menos articulada refle- dividiam o campo desenvolvimentista de Bielscho-
xão sobre os temas da economia.21 A grande ques- wsky, ganham grande importância e reconfiguram
tão do livro é, nesse sentido, compreender as razões a organização do debate econômico. Nesses novos
pelas quais um campo desenvolvimentista que se tempos, sob a perspectiva do debate adotada pelo
mostrava tão amplo nos anos de 1950 e 1960 – autor, já seria possível ver Campos como liberal, o
de modo que é possível falar em um “ciclo ideo- que ganha força com as transformações do seu pró-
lógico do desenvolvimentismo” – acabou reduzido prio pensamento no pós-1964.
nas décadas seguintes. O desafio, para tanto, não é Para a ótica do presente trabalho, que vê o li-
explicar a posição de desenvolvimentistas genuínos, beralismo não apenas como uma doutrina econô-
como os nacionalistas Celso Furtado e Rômulo Al- mica, mas também como uma visão de mundo23,
meida, mas compreender por que futuros liberais, o Campos dos anos de 1940 e da primeira metade
então congregados nos grupos que Bielschowsky dos anos de 1950 é, mesmo antes das transforma-
intitulará “desenvolvimentistas não nacionalistas” e ções na conjuntura e em seu pensamento, um li-
“desenvolvimentistas do setor privado”, abraçavam beral, assim como outros protagonistas do desen-
com entusiasmo algumas teses desenvolvimentistas. volvimentismo “não nacionalista”. Se no campo da
Pensando na época, entretanto, e com o olhar economia o elogio ao planejamento e à intervenção
voltado sobretudo para o discurso econômico, fazia estatal, mesmo que suplementar ao Estado, já afasta
mais sentido chamar figuras como Roberto Campos alguns dos autores do campo liberal, efeito seme-
de desenvolvimentistas, mesmo que de uma vertente lhante não ocorre no debate da história e da teo-
mais moderada – a “ala direita da posição desenvol- ria política. O problemático uso de definições pela
vimentista” (Idem, p. 105) –, que os taxar de liberais. negação – tal como no termo “não nacionalista”,
A criteriosa análise empreendida por Bielschowsky cunhado por Bielschowsky –, quase sempre impre-
sobre Campos, que em alguns anos se tornaria um cisas, pode ser, nesse caso, substituído com ganho
dos mais célebre representantes do liberalismo eco- pela identificação de outro tipo de liberalismo, me-
nômico brasileiro, justifica a opção. Nesse momento, nos otimista em relação à plena eficiência do mer-
a aliança com os “desenvolvimentistas nacionalistas” cado, mas, ainda assim, identificado com diversos
se mostrava natural, pois “pouco havia nos discur- pressupostos da visão liberal do mundo.
sos de Campos de 1952 que não pudesse merecer Mesmo que por razões distintas do presen-
o aplauso dos nacionalistas” (Idem, p. 344). Já “na te trabalho, pois amparadas em obscura distinção
segunda metade dos anos 1950, quando [...] a in- entre os nacionalismos “de fins” e “de meios”, o
dustrialização com apoio estatal já aparecia como próprio Campos faz boa ressalva ao conceito, pro-
A ECONOMIA POLÍTICA DOS BACHARÉIS UDENISTAS  13

pondo uma opção mais interessante sob o ponto mentista e das críticas acumuladas, já há algumas
de vista dessa pesquisa: “liberal-desenvolvimentis- décadas, sobre o laissez-faire, os levava a ressaltar a
tas”.24 O ponto, bem exposto pelo novo concei- necessária atuação do Estado no mundo político e
to, é demonstrar como a força da vaga desenvol- econômico, diretamente vinculados a uma tradição
vimentista foi capaz de mobilizar mesmo liberais nacional que sempre buscou conciliar princípios
mais moderados, que não viam na conjuntura de liberais ao protagonismo do Estado.27 Se esses ba-
então alternativas a uma intensa atuação do Estado, charéis recusavam no mais das vezes um liberalismo
mesmo que – é bom ressaltar – conjugada à forte econômico ortodoxo, por outro lado não negavam
participação da iniciativa privada, inclusive do ca- em nenhum momento o papel fundamental da ini-
pital estrangeiro. A presente perspectiva faz desse ciativa privada em seu arranjo político-econômico.
primeiro Roberto Campos, como já foi dito, o eco- Além disso, recusavam quase sempre as defesas
nomista que mais se aproximava da perspectiva dos mais arraigadas do nacionalismo. A UDN, como
bacharéis udenistas. mencionado, sempre ressaltou em seus programas
Ele se mostrava, à época, distante de uma or- a indistinção entre o capital nacional e o estrangei-
todoxia de corte manchesteriana (Idem), já que ro,28 assim como se mostrou frequentemente crítica
admitia a necessidade da intervenção estatal para do protecionismo. Pensando no quadro ideológico
superar os severos obstáculos enfrentados pelo de- desenhado por Bielschowsky, nada mais coeren-
senvolvimento brasileiro. O planejamento, palavra te do que enquadrá-los no grupo dos “desenvol-
da moda, era instrumento fundamental para a ta- vimentistas não nacionalistas” ou, como propus,
refa, sobretudo para superar aquilo que Campos “liberal-desenvolvimentistas”.
chamava de “pontos de estrangulamento”, setores As diferenças são tão ou mais eloquentes que
fundamentais da economia que, por seu escasso de- as semelhanças. Distintamente da visão politizada
senvolvimento técnico, falta de investimento ou de da economia dos bacharéis, Campos construía um
capital humano adequado, impediam o desenvolvi- discurso de fortes tons tecnocráticos, no qual a
mento de todas as demais áreas. O Estado deveria linguagem da economia predominava e a política
se preocupar, sobretudo, com esses setores críticos, com frequência desempenhava o papel de ruído, a
os quais teriam seus problemas identificados e solu- desestabilizar, com sua retórica ideológica, os preci-
cionados pelo esforço de planejamento.25 sos arrazoados econômicos. Enquanto os bacharéis
O plano econômico, para Campos, não apenas udenistas representam o claro esforço de moderni-
se mostra muito menos ambicioso que a ideia cepa- zar longevas linhagens brasileiras, acomodando-as
lina de um planejamento integral da economia, que às imposições dos novos tempos, Campos emerge
o economista tratava como impraticável, mas tam- como a imagem do moderno economista – que
bém emergia, à moda de Roberto Simonsen, como tanto prestígio teria nas décadas seguintes. Nes-
simples instrumento técnico, desprovido de maior se sentido, a guinada que logo se iniciaria em seu
semântica política ou ideológica.26 A importância pensamento, com a rejeição das suas influências
do Estado não deveria em nenhum momento usur- keynesianas em prol de uma maior aproximação
par a ação fundamental da iniciativa privada, pou- com Hayek, é perfeitamente condizente com sua
co importando se nacional ou estrangeira, já que, construção como ator político, muito mais confor-
aos olhos de Campos, a origem do capital era pro- tável em um ideário que subjuga o político ao eco-
blema secundário. nômico. Em meio a diferenças tão significativas, o
Os bacharéis udenistas, especialmente os mo- leitor pode questionar as razões da comparação. Os
dernizantes, adotaram postura bem próxima a motivos, que são muitos, aparecem a seguir.
Campos ao longo da década de 1950. As opiniões A proximidade entre Roberto Campos e os ba-
são especialmente parecidas nas duas questões mais charéis expõe o lugar do liberalismo no debate de
relevantes do debate econômico da época: o papel época e revela as dificuldades que o conceito de mer-
do Estado na economia e o tratamento do capital cado então encontrava, quando mesmo partidários
estrangeiro. A influência do discurso desenvolvi- das afinidades entre o liberalismo político e o libera-
14  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 32 N° 94

lismo econômico – ponto que Campos já então de- 6 Em relação ao pensamento de Celso Furtado, essa
fendia – faziam ressalvas à sua onipotência. O cotejo questão é bem destacada por Ricupero (2005).
também demonstra como a posição mais ortodoxa 7 “O melhor governo seria o que governasse menos, a me-
de Gudin e Bulhões não era a única vertente liberal lhor despesa a menor possível [...]. Essa concepção tra-
disponível no debate econômico da época, conviven- dicional é designada como a das finanças neutras. Não
do com versões liberais mais flexíveis, que nutriam é menos política por isso” (Baleeiro, 1955, pp. 37-38).
outras perspectivas sobre o lugar do Estado. 8 “Rui, de porta-estandarte do federalismo na luta ás-
Se o período registra grande aumento da den- pera contra a coroa vacilante sobre a cabeça do velho
monarca, passa [...] ao papel de defensor da União
sidade do debate econômico, os bacharéis demons-
contra a exageração de franquias pretendidas pelos
tram que, mesmo falando de uma posição que, no
Estados” (Baleeiro, 1952, p. 77).
fundo, relativiza sua própria autonomia, não ado-
9 Baleeiro comenta isso na introdução ao seu Direito
tam argumentos e perspectivas arcaicas, mas dialo-
tributário (Baleeiro, 1970).
gam, mesmo que com distintos pressupostos, em
10 Sobre a relação entre os bacharéis udenistas e o direito
consonância com alguns dos grandes intelectuais
público francês se mostra especialmente exemplificati-
do cenário econômico. O liberalismo udenista,
vo o comentário de Arinos sobre Odilon Braga (Fran-
nesse sentido, não assumia feições anacrônicas, co, 1961b, pp. 388-389).
inserindo-se antes no centro do debate da época.
11 “[...] parece óbvio que a difusão mais larga e equitati-
O exercício, por fim, destaca um evento curioso: o va dos bens e das rendas constituirá o processo seguro
partido que melhor caracterizava a oposição ao lon- de o regime capitalista dissolver as aspirações e res-
go da República de 1946, estando à frente do poder sentimentos em fermentação contra a sua existência”
apenas por curtos intervalos,29 se mostrou afinado (Baleeiro, 1960, p. 417).
no campo intelectual com o economista que esteve 12 A parte da bancada parlamentar udenista mais conhe-
mais próximo da política econômica efetivamente cida por sua retórica inflamada e assiduidade na tribu-
realizada no período.30 na passou a ser conhecida como “banda de música”,
da qual faziam parte bacharéis como Aliomar Baleei-
ro, Afonso Arinos e Bilac Pinto.
Notas 13 “Até hoje os juristas brasileiros, salvo raras exceções,
tem seguido [...] o direito francês [...] a influência
1 O tema do bacharelismo é mote central do pensamen- francesa já não é exclusiva, embora tenha sido predo-
to político social brasileiro, sendo desenvolvido por minante, podendo-se identificar [...] o direito norte-
autores de destacada relevância e grande variedade, -americano” (Bilac Pinto, 1953a, p. 7).
como Oliveira Viana, Sergio Buarque de Holanda, 14 O texto é fruto de uma conferência de 1952 na Fun-
Raymundo Faoro, entre outros. dação Getúlio Vargas.
2 Posição semelhante é exposta por Wanderley Guilher- 15 A distinção entre bacharéis e juristas, desenvolvida
me dos Santos, em seu conhecido texto sobre o libe- por Franco (1965), é analisada em Chaloub (2015).
ralismo brasileiro: “os liberais doutrinários, no Brasil, 16 Wanderley Guilherme aponta: “Para o PSD e a UDN,
apegavam-se a um programa econômico já bastante a questão do capital estrangeiro teve efeito explosivo,
ultrapassado” (Santos, 1998, p. 40). caindo ambos para os seus mais baixos índices de uni-
3 Arinos repete o assunto em suas memórias: “Con- dade partidária, a UDN, na realidade, quase partin-
traditando alguns inamovíveis liberais [...] sustentei, do-se ao meio” (Santos, 2003, p. 204).
com apoio de vários atores modernos, a perfeita com- 17 A Lei Malaia – apelido dado pelas feições do seu autor,
patibilidade entre o planejamento econômico e a mo- Agamenon Magalhães, à lei antitruste promulgada em
derna democracia” (Franco, 1965, p. 251). 1944 – previa fortes restrições ao capital estrangeiro e
4 Roosevelt era, curiosamente, muitas vezes também foi fortemente combatida pelos udenistas, sendo, afi-
elogiado por Vargas, como aponta Neto (2013). nal, revogada menos de um ano depois do início da
5 Um bom exemplo do elogio de Arinos aos dois pen- sua vigência, em 1945.
sadores está em “O humanismo de Nabuco” (Franco, 18 A Instrução 113 permitiu a importação de equipa-
1961b). mentos por empresas estrangeiras sem cobertura cam-
A ECONOMIA POLÍTICA DOS BACHARÉIS UDENISTAS  15

bial. Foi motivo de grande disputa política e amplo 29 A UDN se afirmou como partido hegemônico no Po-
debate econômico. Sobre o debate, ver Bielschowsky der Executivo federal apenas durante os curtos gover-
(2004) e Draibe (1985). nos Café Filho e Jânio Quadros. Mesmo assim, deve-
19 A lei de 1962 é mais um capítulo do longo debate em -se ressaltar, nenhum dos dois ocupantes do Poder
torno da remessa de lucros, já problematizada por Vargas Executivo era um udenista “puro sangue”.
em sua famosa mensagem presidencial de 1951. Toda a 30 “Campos destaca-se nos anos 1950 como um pensa-
questão, como no caso da Instrução 113, passava pelo dor certeiro. Foi [...] o economista da nova ordem [...]
tratamento a ser dispendido ao capital estrangeiro. foi aquele cujo projeto desenvolvimentista esteve mais
20 “Considerações de ordem econômica, certas ou errô- próximo da política de investimentos efetivamente re-
neas, sinceras ou maliciosas, sempre serviram de pre- alizada” (Bielschowsky, 2004, p. 105).
texto a iniquidades fiscais. As tarifas aduaneiras pro-
tecionistas são o exemplo mais flagrante e universal
destas práticas” (Baleeiro, 1960, p. 382).
BIBLIOGRAFIA
21 Há, segundo o autor, uma aparente contradição do
PCB que ao mesmo tempo que se filiava a uma visão ADORNO, Sergio. (1988), Os aprendizes do poder:
de mundo de forte tom economicista refletia escassa-
o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio
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tão encontra uma ótima análise em Brandão (1997).
de Janeiro, Paz e Terra.
ALMEIDA, Rômulo. (1988), Depoimento ao
22 Campos – que tece enfáticos elogios à interpretação
CPDOC. Rio de Janeiro, CPDOC.
de Bielschowsky, o que, por certo não a torna necessa-
riamente válida – dedica boas páginas de suas memó- BALEEIRO, Aliomar. (1950), Alguns andaimes da
rias a esse caminho rumo ao liberalismo. Constituição. Rio de Janeiro, A. M. de Oliveira.
23 O liberalismo não é aqui apenas definido como siste-
_____. (1951), “Carta a Eugênio Gudin:
ma econômico, mas também visto como um determi- 08/5/1951”, in Arquivo Aliomar Baleeiro, Rio
nado olhar para o mundo, que ultrapassa os limites da de Janeiro, CPDOC-FGV.
economia. Nesse sentido, o enquadramento de Cam- _____. (1952a), Rui, um estadista no ministério da
pos como um liberal não passaria apenas por seu lugar fazenda. Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa.
no debate do campo. _____. (1952b), “Discurso 18 jun. 1952”, in Diá-
24 “A análise de Bielschowsky é substancialmente acu- rio da Câmara, Brasília, Câmara dos Deputados.
rada, conquanto se possa acusar de inadequada a ex- _____. (1952c), “Diário 11/10/1952”, in Arquivo
pressão ‘desenvolvimentismo não nacionalista’. [...] Aliomar Baleeiro, Rio de Janeiro, CPDOC-
‘liberal-desenvolvimentistas’ teria sido talvez a verbia- -FGV.
gem mais acurada” (Campos, 1994, p. 168). _____. (1955), Introdução à ciência das finanças.
25 A teoria tem grande semelhanças, como bem ressal- Rio de Janeiro, Forense.
tam o próprio Campos e Bielschowsky, com a desen- _____. (1960), Limitações constitucionais ao poder
volvida por Hirschman (1960).
de tributar. Rio de Janeiro, Forense.
26 Em suas triunfalistas memórias, ele afirma: “Bem in- _____. (1961), “Carta a Eugênio Gudin:
terpretado – dizia eu – o planejamento é um instru- 16/1/1961”, in Arquivo Aliomar Baleeiro, Rio
mento neutro, que pode tanto inviabilizar a econo-
de Janeiro, CPDOC-FGV.
mia de mercado (pelo planejamento socialista) como
auxilia-la” (Campos, 1994).
_____. (1970), Direito tributário brasileiro. Rio de
Janeiro, Forense.
27 Vianna (2004) e Carvalho (2000) apontam que algu-
mas interpretações do Brasil identificadas ao protago-
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita.
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mas procuravam, em muitos momentos, conciliá-los Rio de Janeiro, Paz e Terra.
a um protagonismo estatal. _____. (1981), A UDN e o udenismo: ambiguidades
28 Apesar da divisão nas votações, fato também já res- do liberalismo brasileiro. Rio de Janeiro, Paz e
saltado a partir de Maria Victoria Benevides (1981). Terra.
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A ECONOMIA POLÍTICA DOS THE POLITICAL ECONOMY OF L’ECONOMIE POLITIQUE DES


BACHARÉIS UDENISTAS UDN’S JURISTS DIPLOMES LIES A L’UNION
DEMOCRATIQUE NATIONALE
(UDN)

Jorge Gomes de Souza Chaloub Jorge Gomes de Souza Chaloub Jorge Gomes de Souza Chaloub

Palavras-chave: Bacharéis; UDN; Eco- Keywords: Jurists; UDN; Economy; Mots-clés: Diplômés; UDN; Économie;
nomia; Afonso Arinos; Aliomar Baleeiro; Afonso Arinos; Aliomar Baleeiro; Bilac Afonso Arinos; Aliomar Baleeiro; Bilac
Bilac Pinto. Pinto. Pinto.

O presente artigo expõe as concepções de This article exposes the economic views Cet article présente les conceptions de
economia dos principais bacharéis ude- of the main jurists of the political party l’économie des principaux diplômés liés
nistas, tais como Afonso Arinos, Aliomar UDN (União Democrática Nacional au parti de l’Union Démocratique Na-
Baleeiro e Bilac Pinto. Distintamente da – National Democratic Union), such tionale (UDN), tels qu’Afonso Arinos,
consagrada tese de Maria Victoria Bene- as Afonso Arinos, Aliomar Baleeiro and Aliomar Baleeiro et Bilac Pinto. Con-
vides, que vê nos bacharéis um discurso Bilac Pinto. Maria Victoria Benevides’ trairement à l’excellente thèse de Maria
econômico arcaico e vago, o texto identi- thesis sees in these actors an archaic and Victoria Benevides qui considère que les
fica uma concepção relativamente estável vague economic discourse. On the other diplômés ont un discours économique
da economia, compreendendo-a como hand, this text identifies on them a rela- archaïque et vague, le texte identifie
atravessada por imposições de ordem tively stable conception of economics une conception relativement stable de
política e jurídica. Não se está diante da crossed by impositions of political and l’économie. Il la considère comme traver-
ausência de reflexões, mas de uma pers- legal order. They had rather more a po- sée par des contraintes d’ordre politique
pectiva politizada da economia, coeren- liticized view of the economy, coherent et juridique. Nous ne sommes pas face à
te com o tipo de liberalismo defendido with the kind of liberalism advocated by une absence de réflexions, mais à une per-
por tais atores, que conferem ao direito, such actors, than an absence of reflection spective politisée de l’économie, cohér-
e não ao mercado, o protagonismo na on the field. For these UDN jurists, the ente avec le genre de libéralisme défendu
ordenação do mundo social. O texto leading role in the ordering of the social par ces acteurs qui confèrent au droit, et
também demonstra como os bacharéis world belongs to the Law, not to the non pas au marché, le rôle protagoniste
não ignoravam os debates da teoria eco- market. This article also shows that these dans la mise en ordre du monde social.
nômica contemporânea, mesmo que se jurists did not ignore their contemporary Le texte démontre également que les an-
vinculassem a outra tradição política. A economic theory, but that they belonged ciens étudiants n’ignoraient pas les débats
proximidade com as questões da época, to a different political tradition. Their de la théorie économique contemporaine,
não passava, todavia, pela recusa ao pas- proximity to the main issues of the pe- même s’ils s’attachaient à une autre tra-
sado, mas decorria da atualização de cer- riod did not mean a denial of the past, dition politique. La proximité avec les
tas tradições, como a centralidade estatal, but the actualization of certain traditions, enjeux de l’époque ne passait pas, né-
há pouco em descrédito. such as the centrality of the state, lately anmoins, par le refus du passé, mais dé-
in discredit. coulait de la modernisation de certaines
traditions, comme la centralité étatique,
en discrédit il y a peu de temps.

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