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CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICA DE QUIXADÁ

CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO

VICTOR DE SOUSA PINHEIRO

MUSEU CULTURAL DO SERTÃO – PROPOSTA DE CRIAÇÃO DE UM MUSEU


EM QUIXADÁ/CE ABRANGENDO A IDENTIDADE CULTURAL E
ARQUITETÔNICA DO SERTÃO CEARENSE

QUIXADÁ
2017
Victor de Sousa Pinheiro

MUSEU CULTURAL DO SERTÃO – PROPOSTA DE CRIAÇÃO DE UM MUSEU EM


QUIXADÁ/CE ABRANGENDO A IDENTIDADE CULTURAL E ARQUITETÔNICA DO
SERTÃO CEARENSE

Monografia apresentada à Coordenação do


curso de Arquitetura e Urbanismo, do Centro
Universitário Católica de Quixadá, como
requisito parcial para a obtenção do título de
bacharel em Arquitetura e Urbanismo.

Orientador: Esp. Davi Ramalho Rodrigues de


Andrade

QUIXADÁ
2017
VICTOR DE SOUSA PINHEIRO

MUSEU CULTURAL DO SERTÃO – PROPOSTA DE CRIAÇÃO DE UM MUSEU EM


QUIXADÁ/CE ABRANGENDO A IDENTIDADE CULTURAL E ARQUITETÔNICA DO
SERTÃO CEARENSE

Monografia apresentada à Coordenação do


curso de Arquitetura e Urbanismo, do Centro
Universitário Católica de Quixadá, como
requisito parcial para a obtenção do título de
bacharel em Arquitetura e Urbanismo.

Orientador: Esp. Davi Ramalho Rodrigues de


Andrade

Aprovada em: ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof. Esp. Davi Ramalho Rodrigues de Andrade

_____________________________________________

Membro

_____________________________________________

Membro
Dedico este trabalho a mim
mesmo, pelo meu esforço, minha
dedicação e perserverança.
AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Cristiane e ao meu pai, Wagner, por acreditarem em mim e


proporcionarem diante de várias dificuldades a oportunidade de ingresso no ensino
superior.

À minha irmã, Narayane, que sempre me ajuda e apoia, que também


compartilhou deste momento da vida acadêmica. Obrigado pela parceria e pelos
momentos de alegria vividos juntos.

Aos meus primos e primas Ana Maria, Anielle, Calixto e Kaique, que sempre
estão presentes em todos os momentos da minha vida, sejam alegres ou tristes, que
já compartilharam (Kaique), compartilham (Anielle) e compartilharão (Calixto e Ana
Maria), deste momento da vida acadêmica. Desejo para nós todo o sucesso
profissional possível.

Ao meu melhor amigo, Romênio, pela amizade nos momentos tristes e felizes,
pela troca de experiências e descobertas. Obrigado pela grande amizade e que
todos os nossos planos e sonhos se realizem.

Aos meus amigos, Eduardo, Eveline e Júnior, pela amizade, pela alegria, pela
paciência e pelo ombro amigo em todos os momentos.

Aos meus colegas, Clicya, Chrystian, Julie, Natálhia, Nayanne, Nycole,


Washington e Wesley, que conheci durante a vida acadêmica e que quero levar para
sempre essas amizades comigo. Desejo todo o sucesso profissional para nós.

Ao professor Davi Ramalho, pela disponibilidade em me aceitar e ajudar como


seu orientando, pelo aprendizado compartilhado e pelo convívio durante a
elaboração.

Ao Centro Universitário Católica de Quixadá, que me proporcionou a


realização deste sonho.
RESUMO

A presente pesquisa aborda o contexto que se faz necessário para a contribuição e


enaltecimento da cultura manifestada no sertão cearense. A sociedade, a cultura, a
arquitetura, são de fundamental importância para o fortalecimento da identidade
cultural de uma região, em estudo, para o Ceará. O presente trabalho dividiu-se nas
seguintes etapas de estudos documentais: revisão literária abordando os aspectos,
processos e dificuldades dos primórrdios no processo de ocupação do território
cearense, a sua base econômica a partir da matéria prima local limitada à natureza
da caatinga, da pecuária e a carne de charque e o algodão como produto
impulsionador de crescimento econômico das principais vilas. O desenvolvimento do
comércio nas primeiras vilas e povoados consolidados a partir de fazendas de gado,
tornando-se arquétipo e caráter simbólico e usual no âmbito inserido. A abordagem
da arquiteura popular cearense, seu estilo arquitetônico vernáculo, os
enfrentamentos obtivos nos processos construtivos diante de limitações financeiras,
compreendendo assim as características edificadas nas casas de fazenda e casas
urbanas no período setecentista cearense, as edificações institucionais abordando a
arquitetura religiosa, comercial e militar, como também os materiais e técnicas
construtivas empregadas nos processos de desenvolvimento e as formas
arquitetônicas, sendo possível fazer análise complexa do processo construtivo. A
cidade de Quixadá, local de implantação do projeto, apresentando-lhes a sua
identidade cultural e o seu desenvolvimento econômico a partir dos fatores que
impulsionam a economia no município, como também as cidades limítrofes que
representam e fazem parte da memória na cultura cearense e dos sertões.

Palavras-chave: Arquitetura do Sertão, Identidade Cultural, Quixadá.


ABSTRACT

The present research approaches the context that becomes necessary for a
contribution and enhancement of the culture manifested in the sertão of Ceará. A
society, a culture, an architecture, are of fundamental importance for the
strengthening of the cultural identity of a region, under study, for Ceará. The present
work was divided in the following stages of documentary studies: literary review
approaching the processes, processes and difficulties of the beginnings not process
of occupation of the territory of Ceará, its economic base from the local raw material
limited to the nature of the caatinga, Beef and cotton as a product of economic
growth in the main towns. The development of commerce in first villages and
settlements consolidated from cattle farms, becoming archetype and symbolic and
usual character in the inserted scope. The approach of the popular architecture of
Ceará, its vernacular architectural style, the confrontations obtained in the
constructive processes of the financial limitations, thus comprising characteristics
built in the houses of farm and urban houses in the seventeenth century cearense,
like institutional buildings approaching the religious, commercial and Military
architecture , As well as materials and constructive techniques used in the
development processes and as architectural forms, being possible to make complex
analysis of the constructive process. The city of Quixadá, where the project is
located, presenting its cultural identity and its economic development based on the
factors driving the economy in the municipality, as well as the border cities that
represent and are part of the memory in the culture of Ceará and Sertões

Keywords: Backwoods Architecture, Cultural Identity, Quixadá.


LISTA DE FIGURAS

Figura 01 - A penetração no Nordeste a partir dos povoados no litoral


Pernambucano e Baiano.
Figura 02 - Casa de barro e telhado de duas águas com telhado e alpendre coberto
com palha de carnaúba.
Figura 03 - Casa de tijolos com telhado de duas águas e telhas de barro.
Figura 04 - Casa de alpendre na fachada principal e telhado de duas águas.
Figura 05 - Casa de alpendre na fachada principal e lateral e telhado de duas águas.
Figura 06 - Casa de alpendre na fachada principal e base de alvenaria de pedra, no
sertão de Caridade/CE.
Figura 07 - Casa de alpendre na fachada principal e base de alvenaria de pedra, no
sertão de Caridade/CE.
Figura 08 - Sobrados em Aracati/CE.
Figura 09 - Sobrados em Aracati/CE.
Figura 10 - Casas urbanas Nordestinas.
Figura 11 - Casas urbanas Nordestinas.
Figura 12 - Igreja Matriz de Santo Antônio.
Figura 13 - Capela do cemitério municipal.
Figura 14 - Casa de câmara e Cadeia de Quixeramobim .
Figura 15 - Limites territoriais que compreende o município de Quixadá/CE.
Figura 16 - Vista a partir da Pedra do Cruzeiro.
Figura 17 - Getúlio Vargas em Quixadá.
Figura 18 - Monólitos de Quixadá.
Figura 19 - Monólitos de Quixadá.
Figura 20 - Divisão do Produto Interno Bruto – PIB do município de Quixadá.
Figura 21 - Museu do Patrimônio Cultural Intangível de Suzhou.
Figura 22 - Museu do Patrimônio Cultural Intangível de Suzhou.
Figura 23 - Museu do Patrimônio Cultural Intangível de Suzhou.
Figura 24 - Museu Nacional de História e Cultura Afro-americana.
Figura 25 - Casa para escravos em exibição no Museu Nacional de História e
Cultura Afro-americana.
Figura 26 - Estátua da ativista Clara Brown junto a uma senzala em exibição no
Museu Nacional de História e Cultura Afro-americana.
Figura 27 - Museu Cais do Sertão no Recife/PE.
Figura 28 - Museu Cais do Sertão no Recife/PE.
Figura 29 - Museu Cais do Sertão no Recife/PE.
Figura 30 - Museu Cais do Sertão no Recife/PE.
Figura 31 - Museu Cais do Sertão no Recife/PE.
Figura 32 - Divisão espacial realizada para a escolha do terrero do projeto.
Figura 33 - Gleba 1 disponível na área representada em azul. Área total: 19.224,72
m².
Figura 34 - Gleba 2 disponível na área representada em vermelho. Área
total: 46.035,80 m².
Figura 35 - Gleba 3 disponível na área representada em laranja. 26.576,02 m².
Figura 36 - Caracterização da área com localização das glebas e vias de acesso.
LISTA DE ABREVIAÇÕES

GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste


BNDE – Banco Nacional do Desenvolvimento
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional
PIB – Produto Interno Bruto
UPA – Unidade de Pronto Atendimento
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO............................................................................................. 12
2. CAPÍTULO I ─ A OCUPAÇÃO E OS AGENTES ECONÔMICOS NA
FORMAÇÃO DO ESPAÇO TERRITORIAL NO SERTÃO DO CEARÁ..... 16
2.1 O PROCESSO NA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO A PARTIDA
FORMAÇÃO DE FAZENDAS E VILAS....................................................... 19
2.2 A FORMAÇÃO DO COMÉRCIO A PARTIR DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA
E MATÉRIA PRIMA LOCAL E SUA COMERCIALIZAÇÃO......................... 22
2.3 A IMPORTÂNCIA DO SERTÃO COMO CULTURA E MANIFESTAÇÃO 2
SOCIAL, SEU CARÁTER PRODUTOR SIMBÓLICO E USUAL................. 26
3. CAPÍTULO II ─ PANORAMA DA ARQUITETURA POPULAR
PRODUZIDA NO SERTÃO CEARENSE.................................................... 29
3.1 A ARQUITETURA DA PRODUÇÃO RURAL SETECENTISTA NO
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS CASAS DE FAZENDA................... 33
3.2 A ARQUITETURA URBANA SETECENTISTA E O PROCESSO DE
CONSTRUÇÃO DAS CASAS EM ARACATI E NOS SERTÕES................ 37
3.2.1 Arquitetura Institucional............................................................................. 40
3.2.1.1 Edificações Religiosas............................................................................. 41
3.2.1.2 Edificações Públicas e Militares............................................................... 43
4. CAPÍTULO III ─ A IDENTIDADE CULTURAL DE QUIXADÁ E SUAS
INFLUÊNCIAS NO SERTÃO DO ESTADO................................................ 44
4.1 BREVE RESUMO HISTÓRICO DO PROCESSO CIVILIZATÓRIO DO
MUNICÍPIO DE QUIXADÁ........................................................................... 45
Z
4.2 CARACTERÍSTICAS QUE FAZEM PARTE DA IDENTIDADE CULTURAL
DE QUIXADÁ............................................................................................... 46
4.3 A CIDADE DE QUIXADÁ COMO CENTRO REGIONAL NO INTERIOR
DO CEARÁ.................................................................................................. 49
5. CAPÍTULO IV ─ ESTUDOS DE CASO....................................................... 51
5.1 MUSEU DO PATRIMÔIO CULTURAL INTANGÍVEL DE SUZHOU........... 51
5.2 MUSEU NACIONAL DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-AMERICANA.... 53
5.3 MUSEU CAIS DO PORTO.......................................................................... 55

6. CAPÍTULO V ─ DIRETRIZES PARA O PROJETO.................................... 58


6.1 DIRETRIZ DE LOCAÇÃO........................................................................... 60
6.2 DIRETRIZ ESTRUTURAL........................................................................... 64
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ 66
8. REFERÊNCIAS........................................................................................... 68
12

1. INTRODUÇÃO

O tema proposto é recente e ainda pouco abordado no campo da arquitetura


dos municípios que compreende a região sertão central cearense. O trabalho a ser
realizado irá explorar conceitos já tratados em outras regiões do país e visa também
aproveitar como instrumento de integração, desenvolvimento local e social, além de
possíveis estímulos para o crescimento econômico oferecendo-lhes oportunidades
de crescimento pessoal e conquista dos direitos à cidadania.

O estudo que se dará o projeto arquitetônico do museu estará delimitado a


cidade de Quixadá e municípios limítrofes, em que serão alvo de investigação que
irão influenciar no desenvolvimento do programa de necessidades. Se baseará do
trabalho, produção, condições e organizações dos produtores ligada à sociedade
contemporânea, como a comercialização de tais está ligada ao mercado econômico
e como a capacidade deste segmento imerso na cultura pode promover a inclusão e
geração de renda, como também da arquitetura popular produzida nos sertões e
suas tipologias.

O objetivo deste trabalho é propor um museu na cidade de Quixadá/CE, que


abranja a identidade cultural e arquitetônica do sertão cearense, de modo a
proporcionar uma visão mais abrangente de suas manifestações culturais para a
população e fortalecer a importância do conhecimento e preservação das suas
raízes regionais como patrimônio material e imaterial.

1. Investigar a temática do sertão como cultura e solidificar a importância de


sua imagem como manifestação social;

2. Identificar as principais manifestações, características culturais e


arquitetônicas pertencentes da região;

3. Compreender a temática da arquitetura popular desenvolvida no sertão


como manifestação cultural;

4. Traçar elementos para definição de uma arquitetura contemporânea para


a cidade de Quixadá inspirada na cultura do sertão e suas simbologias naturais;

5. Desenvolver um projeto de museu que possibilite a investigação e


produção artística, artesanal e arquitetônica da cultura sertaneja a partir da matéria
prima local e o reconhecimento dos mesmos.
13

O Estado do Ceará apresenta uma grande diversidade cultural com suas


características marcantes conhecidas nacional e internacionalmente. O sertão do
Estado é lembrado pelas secas frequentes que assolam a região do imenso território
das caatingas, mas também pela sua herança sociocultural e patrimonial, ainda com
potencialidades a serem exploradas, desde o seu estilo arquitetônico singelo no solo
árido da caatinga, intimamente relacionado com o entorno em todos os sentidos, à
produção artesanal comercial com múltiplas especificidades elaboradas com
amadorismo, empenho e dedicação.
Destacar o sertão do Estado e suas identidades é uma forma de situá-lo no
espaço cultural, favorecendo o seu patrimônio e assim a preservação das mais
variadas manifestações populares culturais e artísticas, contribuindo para aumentar
a visibilidade local, atrair olhares à riqueza da cultura regional e minimizar o
preconceito e discriminação arraigados à sociedade através de discursos que
caracterizam o cotidiano e cultura da população.
A escassez na valorização da identidade cultural regional é causada pela
falta de interesse do poder público e em partes pelo desestímulo da população
ocasionado pela falta de representações visíveis no âmbito em que vivem,
resultando na decadência dos anseios da população e desencadeando problemas
como: falta de equipamentos culturais que exaltam suas identidades, a diminuição
de apoio às manifestações artísticas e culturais presentes na região, desvalorização
do produtor refletindo consideravelmente na economia e na formação de uma
opinião sem autonomia, estima e postura crítica. Assim, essa grande região do país
passou a ter seu papel histórico especial, detentora de potenciais que merecem ser
protegidas, divulgadas e valorizadas, o que a diferencia assim como nas outras
regiões do país.
Dentro deste quadro, o estudo buscará responder os seguintes
questionamentos que norteiam essa investigação, tais como:
1. O estudo poderá mostrar-se visivelmente importante para a população no
resgate da cultura regional?
2. Qual a forma possível de resgatar no contexto social e urbano da
população sua identidade cultural?
3. Quais as possíveis formas de colocar em prática atividades artísticas e
artesanais culturais em parceria com as esferas governamentais?
14

Desse modo, ao concluir a pesquisa com o envaidecimento das questões


formuladas supracitadas. Considere as seguintes hipóteses:

1. A investigação histórico-cultural poderá identificar as manifestações presentes na


cidades de Quixadá e região, podendo não só proporcionar para a população desse
município, mas para o interior do estado, visões objetivas do campo de
conhecimento levando a uma reflexão sobre o conceito e noção de patrimônio
cultural, material e imaterial, seus processos e, ao mesmo tempo, a ampliação para
debates acerca do assunto que poderá mudar percepções, destacando a
importância das manifestações culturais na região e analisar de forma pacífica a
importância destas entre as culturas no mundo contemporâneo e de questionar-se
sobre si e o mundo em que rodeia.

2. Supõe-se que a incessante interação pela busca de oportunidades lucrativas e


entre as técnicas de produção, os arquétipos e as atividades de cunho cultural levem
a uma autonomia de desenvolvimento de novos produtos, à geração de renda e
oportunidades de empreendedorismo para os produtores e que resultem na
promoção ao crescimento econômico local e fortalecimento regional criando
alternativas para a geração de empregos, estímulo à formalização dos negócios e no
aumento da arrecadação de receitas que poderá servir para a criação de espaços de
comercialização de trabalhos realizados, ofertas de serviços e feiras para
exposições de produções locais.

3. Presume-se que o trabalho viabilize a fomentação de atividades de caráter cultural


ou artístico com ou sem fins lucrativos e que possa traçar estratégias para proteger,
promover e criar de forma conjunta, possibilitando projetos culturais sob as diretrizes
de integração das esferas governamentais – federal, estadual e municipal – em
parceria com a sociedade civil, participação da população e organizações não
governamentais, preocupando-se com a formação de uma sociedade apta para
decisões que possa trazer benefícios sociais, exaltando as vantagens da
organização e colaboração no âmbito das três esferas supracitadas ao conhecer a
importância do patrimônio cultural e artístico e das relações entre sua história.

O interesse por este estudo surgiu a partir da necessidade dos


enfrentamentos das desigualdades sociais que estão crescendo de maneira elevada
e pela carência regional no interior do território cearense de equipamentos culturais
que exaltem a importância de bens materiais e imateriais da cultura cearense.
15

Sendo assim, o estudo tem o propósito de identificar as manifestações


artísticas, culturais e arquitetônicas nas cidades do sertão cearense e criar um
edifício arquitetônico para abrigar um museu da cultura regional cearense que esteja
pronto para receber atividades de cunho cultural, exposições, feiras, etc.,
beneficiando diretamente e indiretamente a comunidade, aumentando também a
oferta de empregos. Diante de tal conjuntura, torna-se alarmante a necessidade do
mesmo.

A metodologia utilizada na monografia foi realizada através de um estudo


explicativo, desenvolvido através de uma pesquisa documental dividida em etapas
compostas por estudos que buscou investigar a produção artística e artesanal nas
cidades e identificá-los através do seu processo civilizatório, explanando sua
importância para memória cultural, que se faz necessário para desenvolvimento do
projeto e criação do programa de necessidades, para traçar estratégias de espaços
que auxiliarão no processo de desenvolvimento do edifício que deverá atender as
necessidades da população para além de um espaço de cultura e memória.

O trabalho se organiza em cinco capítulos. O primeiro apresenta um


panorama do início da ocupação civilizatória e os agentes econômicos na formação
do espaço territorial no sertão cearense, o processo na organização do espaço
urbano a partir da formação de fazendas e vilas, como também a formação do
comércio a partir da produção agrícola, matéria-prima local, sua comercialização e a
importância do sertão como cultura e manifestação social, as características do seu
caráter produtor simbólico e usual. O segundo capítulo, aborda a arquitetura popular
desenvolvida na primeira vila do interior cearense, Aracati e em parte, nos sertões,
suas tipologias e influências no sertão do Estado. No terceiro capítulo, encontra-se
um panorama do município de Quixadá, através de um resumo histórico que se faz
necessário para a compressão das suas principais identidades culturais urbanas e
naturais e como se desenvolve para uma centro regional que a tornam um lugar
peculiar e consequentemente influenciável na produção artística e cultural. O quarto
capítulo apresenta breves estudos de caso abrangendo as mesmas representações
desejadas para o projeto do museu no sertão cearense. Por último, no quinto
capítulo, as diretrizes decisórias fundamentais para o desenvolvimento arquitetônico
do projeto, desde sua locação e concepção estrutural.
16

2. CAPÍTULO I - A OCUPAÇÃO E OS AGENTES ECONÔMICOS NA


FORMAÇÃO DO ESPAÇO TERRITORIAL NO SERTÃO DO CEARÁ.
Desde o descobrimento do Brasil, o processo de povoamento do Ceará para
nos evoluirmos como província e sermos intitulados hoje como Estado, se deu a
partir de diversos fatores, dentre eles, o enfraquecimento dos ancestrais nativos
existentes na região, de realidades bastante diversas, com entrada da colônia
europeia holandesa, responsável pelo fortalecimento da cultura cearense, que
dominaram o território cearense durante décadas com a negociação de produtos de
caráter simbólico e características usuais simples, comum do comércio popular
europeu com nativos, estabelecendo assim um mercado de troca desigual perante a
falta de conhecimento dos mesmos.
Após estabelecer-se no território cearense e diante de tentativas fracassadas
com a falta de conhecimento e modos de sobrevivência decorrentes da seca na
caatinga, a colônia portuguesa passa a ter domínio contra os estrangeiros e decide
assim colonizar as terras. Conforme o autor historiador Airton Farias (2015, p. 23),
podemos compreender que foi somente a partir de 1530 que a colônia portuguesa
decidiu definitivamente colonizar as terras brasileiras, para não perder o direito de
posse do Brasil para ouras colônias europeias que invadiam com frequência o país
para extração de produtos da natureza, mas também com a missão de tornar esta
economicamente viável com os recursos nativos existentes, já que o comércio
europeu perdia relações econômicas com os outros continentes, como o Oriente.
Por se tratar de uma região castigada pela seca, as terras cearenses foram
vistas pelos portugueses como economicamente inviáveis por muito tempo por
oferecer pouca oferta de produtos considerados de alta qualidade pela elite
europeia. “O território hoje chamado Ceará ficou quase esquecido pela Coroa
Portuguesa. Na realidade, o Ceará foi para Portugal uma região periférica e –
porque não dizer -, secundária dentro do modelo de colonização português”.
(FARIAS, 2015, p. 24).
Além da falta de interesse econômico e civilizatório, o processo de ocupação
do território cearense foi dificultado pela resistência persistente dos povos nativos da
região e pelas características ambientais, diferente do clima europeu, o clima do
semiárido, no qual os colonizadores não estavam acostumados, traziam muitas
dificuldades de adaptação, resistência e poucos meios para o desenvolvimento,
modos de sobrevivência e progresso econômico.
17

Dessa forma, os colonizadores portugueses aproveitaram a força e estima do


trabalho dos nativos nas atividades do campo devido ao conhecimento que tinham
sobre o semiárido e as adaptações necessárias de trabalho e sobrevivência na
caatinga, como também, posteriormente, os fazendeiros aproveitavam-se de tal
conhecimento para a criação de grupos para combater conflitos privados existentes
na região contra outras famílias de maior hierarquia na disputa por posse ou
concessão de sesmarias. Sheila de Castro (2001, p. 529) descreve que, “sesmarias
são propriamente as dadas de terras, casais ou pardieiros que foram ou são de
alguns senhorios e que já em outro tempo foram lavradas e aproveitadas e agora
não o são”. Tal característica torna-se observável na criação do cangaço, que é
resultado das próprias hierarquias sertanejas que armavam os nativos para lutas de
defesa e ataque a mando dos poderosos proprietários, resultado também entre
conflitos existente do governo e oposições.
Havia um contraste significativo entre uma perspectiva sedentária de
ocupação com a insistência de povoamento para o acumulo de riquezas e bens em
relação as possibilidades de anos consecutivos de secas. O nomadismo, era uma
característica comum peculiar desenvolvida pelos povos nativos diante do modo de
vida, passado adiante pela sociedade a partir do processo de povoamento. “Os
criadores com seus gados e pessoas da família e de serviço iniciaram a ocupação
das terras sujeitas ao flagelo das secas, instalando-se nos vales de alguns rios”
(ALVES, 1982, p.25). A fauna e flora mutável do sertão, os processos de seca,
estiagem e cheias nos períodos chuvosos, resultavam no regime nômade de vida a
partir dos recursos disponíveis pela natureza nessas determinadas épocas do ano,
tendo o seu modo de vida primitivo baseado a partir desses fatores. “No Brasil,
coube ao Nordeste o pior quinhão das adversidades naturais, pela escassez de
chuvas, fator primacial ao bem-estar e do progresso das populações” (LOPES, 1990,
p.04).
A formação do espaço territorial no interior do Estado do Ceará começou a
partir da ocupação de criadores e lavradores de outras regiões do país, como
Pernambuco – capitania ligada ao Ceará - e Bahia, tendo como alternativa de
crescimento econômico e desenvolvimento a produção a partir da matéria-prima
local: pecuária, couro, charque e o algodão, no qual possibilitaram a interpenetração
comercial e consolidação dos negócios entre o interior e o litoral, além da
possibilidade de crescimento dos pequenos núcleos urbanos existentes, muitas
18

vezes consolidados a partir das fazendas de grandes criadores e produtores e


posteriormente das vilas localizadas próximas aos leitos dos rios que banham o
estado. A inexistência de grandes atrativos econômicos no sertão, a improdutividade
do solo para grandes hectares de plantação, muitas vezes infértil durante anos, - a
plantação da cana-de-açúcar se tornou a principal fonte de crescimento econômico
do nordeste - e a escassez, como ouro e prata, não chamavam a atenção da elite
mercantilista europeia, que tinha um estilo de vida baseado no consumo e acumulo
de bens a partir de materiais preciosos, necessários para ganho de capital no
mercado europeu. Ao contrário, os estados da Bahia e Pernambuco supriam
economicamente as necessidades da colônia portuguesa, tornando tardia a
ocupação nas terras cearenses ainda ligada a capitania de Pernambuco, tornando
inexistente por décadas os “reais limites da territorialidade cearense e de suas
possibilidades econômicas” (NETO, 2010, p. 02).
Em resumo, o autor historiador Francisco José Pinheiro (2007, p. 21), nos
afirma que a incorporação do Ceará ao projeto colonial português aconteceu de
modo tardio quando comparado ao litoral no Estado de Pernambuco, iniciadas a
partir do século XVI. Em questão, as primeiras tentativas de conquista do Ceará
aconteceram somente no século XVII com portugueses e posteriormente com
holandeses, sendo esta a mais duradoura, porém não deixou marcas importantes.
Desse modo, as terras do sertão de Pernambuco, Bahia e Ceará constituíam o
domínio dos nativos até a primeira metade do século XVII. O processo de
povoamento da “região chamada semiárida, caracterizada, primordialmente pela
incerteza, inconsistência e irregularidade de suas chuvas” (CASTRO, 1968, p. 83)
ficou marcado pelos acontecimentos históricos com a ocupação do agreste com a
policultura e a pecuária para abastecer a região açucareira, expedições de
exploração em busca de bens preciosos nos rios da região abriam oportunidades
para o crescimento do mercado pecuarista e o movimento de saída dos
colonizadores do litoral brasileiro para o interior a partir do processo de ocupação
dos holandeses na década de 60. No que se refere, a pecuária serviu como motor
para o povoamento do interior do Ceará e o charque como produto de crescimento
econômico. Pernambucanos e baianos vindos do litoral atuaram nos movimentos de
ocupação do sertão impulsionando o crescimento dos primeiros núcleos urbanos.
Somente em 1799 ocorreu a desmembração da capitania de Pernambuco e o cultivo
do algodão impulsionou-se como a principal atividade econômica da região.
19

2.1 O PROCESSO NA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO A PARTIR DA


FORMAÇÃO DAS FAZENDAS E VILAS.
A ocupação do sertão aconteceu com a implantação das grandes fazendas de
produção agrícola e de gado para o abastecimento de carne, couro e animais de
tração nas áreas de produção e, posteriormente, para o auxílio na mineração. Em
paralelo com as atividades agrícolas, surgiu o comércio de carne de charque,
característica do nordeste brasileiro, seca e salgada, típico da culinária da região e
posteriormente os produtores de cana de açúcar, limitados. No sertão, tinham-se a
dificuldade para o abastecimento de produtos alimentícios, distante do litoral
brasileiro e dos grandes fornecedores de outros gêneros alimentícios do país, além
da falta de transporte e estradas ligando o litoral ao interior para transportar
produtos. Os produtores viram-se reféns, optando-se pela única alternativa de
desenvolvimento presente da agricultura por meio das roças implantadas próximas
as vazantes de rios, riachos e açudes.
Nas palavras do arquiteto José Liberal de Castro (1983, p. 301), as fazendas
de criações distantes das pequenas vilas desenvolvem o quadro da vida isolada no
sertão cearense. A disposição na organização desses pequenos núcleos urbanos
era definida a partir de recursos naturais hídricos ou serrotes, eram as
características de implantação mais comum associado a cidade. As fazendas de
criadores de gado e as vilas foram as responsáveis pelo povoamento no sertão do
Estado como também do processo de aculturação e miscigenação de povos. Era o
único meio propício para a expansão e acumulação de capitais no interior, já que em
futuro as terras não os ofereciam por muito tempo a possibilidade para hectares de
plantação e sustento do rebanho, utilizando-se da matéria-prima local como fonte de
renda e sobrevivência. “É o meio social, onde se desenvolvem as forças de
produção e as relações que se formaram, em dependência do ambiente físico, que
explicará os fatos e episódios dominantes da nossa história” (MENEZES, 1970,
p.52). O sertão ao mesmo tempo em que desenvolvia sua cultura, tinha seu
crescimento econômico e populacional.
José Guimarães Duque (2001) afirma que nos sertões, a fazenda assumia um
papel importante em larga escala fora da margem dos rios que banham a região,
sendo responsável juntamente com os produtores pelo sistema de plantio e cultivo
na terra seca do semiárido, em que o seu extensivo sistema de produção seja
compensador suprindo as necessidades da população e do comércio local informal.
20

Figura 1: A penetração no Nordeste a partir dos povoados no litoral Pernambucano e Baiano.


Fonte: JUCÁ, 2007, p. 05
Considerando os contextos históricos supracitados, em estudo dos sertões,
a terceira vila a surgir no interior cearense foi no ano de 1738, às margens do rio
Salgado¹, Icó. Logo após a vila de Aracati em 1748, no litoral leste cearense,
próximo a foz do rio Jaguaribe². A vila de Icó servia como base para a produção do
principal produto exportador da região.
_________________________
¹ Rio Salgado é um curso de água com cerca de 308km de extensão. O rio tornou-se símbolo da luta
pela preservação da natureza no sul do estado.
² Rio Jaguaribe é o maior curso de água do território cearense com 633 km de extensão. No seu leito,
foram construídos os dois grandes açudes cearenses: o Orós e o Castanhão.
21

A vila era uma grande base de criação de gado e produção de carne de


charque nos sertões, o autor Francisco Carlos Teixeira da Silva (2002, p. 123) afirma
que a base funcional para criação de animais nessas vilas dos sertões foi a “doação
de vastas extensões de terras recém conquistadas ou por conquistar, principalmente
em remuneração ao serviço militar prestado contra os índios, concedidas com limites
e extensão incertos”. Assim, a vilas e fazendas faziam parte do mercado produtor de
carne de charque da região Nordeste juntamente com os Estados do Rio Grande do
Norte e Paraíba, Pernambuco e Bahia como os principais mercados consumidores.
Em contrapartida, essas regiões muitos distantes e com o meio de locomoção difícil
da época, as boiadas sofriam grandes percas durante o trajeto para o abate e
produção em outros centros urbanos. Seguindo esta análise, o autor jesuíta André
João Antonil exemplifica:

Constam às boiadas que ordinariamente vêm para a Bahia, de cem, cento e


cinquenta, duzentos e trezentas cabeças de gados (...). As jornadas são de
quatro, cinco e seis léguas, conforme as comodidades dos pastos aonde
hão de parar. Porém, aonde há falta de água, seguem o caminho de quinze
e vinte léguas, marchando de dia e de noite, com pouco descanso, até que
achem aonde possam parar. (1997, p. 202).

Os produtores começaram a abater os animais e realizar todo o processo de


produção em sua origem, em seguida realizavam o transporte da produção para os
comércios distantes, facilitando assim a comercialização e negociação do produto
em menor intervalo de tempo sem percas significativas. Ou seja, o processo de
criação das vilas no sertão teve como base principal a busca pelo controle dos
processos de produção e atividades econômicas agrícolas e posteriormente, em
maior sucesso, a partir da carne de charque e o couro, diferente das vilas do litoral,
responsáveis pela zona do açúcar, bem como o surgimento de pequenos mercados
internos locais com o enriquecimento de proprietários de terras, no qual moldavam
as relações sociais no sertão. Vanderlei Silva (2010, p. 133), aborda o processo de
migração dos povos para o interior: “O deslocamento forçado de pobres e vadios dos
núcleos urbanos açucareiros para o sertão respondia assim a uma política de
desafogar os saturados núcleos originais, sem prejudicar o empreendimento
agroexportador”. Entretanto, com as secas ocorridas nas décadas de 1970, 80 e 90,
fez com que a produção agrícola e de carne de charque se tornassem inviáveis com
a perca incontável e irreparável dos rebanhos e plantações devido as consequências
da falta de chuva, no que culminou com o fim das charqueadas no Ceará.
22

2.2 A FORMAÇÃO DO COMÉRCIO A PARTIR DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA E


MATÉRIA PRIMA LOCAL E SUA COMERCIALIZAÇÃO.
A pouca diversidade de oferta de produtos no comércio do sertão a partir da
pouca produção decorrente da seca, foi consequência para que a população
desenvolvesse novas técnicas para acumulo de capital no comércio que estava
crescendo nos pequenos núcleos urbanos, mas que também suprissem as suas
necessidades, auxiliassem no trabalho e servissem como moeda de troca em outros
mercados mais distantes de onde residiam. Podemos expandir o pensamento a
partir da abordagem do antropólogo Nestor Garcia Canclini (1983, p. 94): “os
mercados locais transformaram-se em pontos chaves para a articulação da
economia camponesa com o sistema capitalista nacional e internacional”.
Pensamento enfatizado pelo historiador Manoel Correia de Andrade (1963 p. 180),
de que a base econômica da população do sertão se baseava no boi, cabra e até da
caca do veado. Aproveitava-se quase por completo de todo o corpo do animal,
tirava-se o couro, carne e leite. Utilizando-se como vestiário, produção de acessórios
como jalecos, chapéus, calças e luvas, como também para venda, alimentação e
produção de queijos. Abordado anteriormente, em paralelo aos comércios mais
distantes do litoral, era possível observar a rotineira fabricação de carne de charque,
para facilitar o transporte nas escassas e precárias estradas existentes que
cortavam a região, não precisando transportar o animal vivo que dificultaria e
estenderia o processo de fabricação.
Muitas vezes as condições climáticas em que se encontravam não eram
favoráveis, os anos seguidos de seca eram frequentes na região como ocorrem até
os dias da de hoje, da caatinga se vinha todo o meio de sustento da população. Se
as condições fossem favoráveis, o crescimento econômico e muitas vezes
demográfico era significante, senão, tinham que incumbir-se de encontrar novas
formas, ainda que amadoras, de resolver os problemas decorrentes das condições
desfavoráveis da seca da região. Segundo Demis Ian Sbroglia Barreto;
Günter Weimer; Humberto Medeiros e Werther Holzer (2010, p. 57) os recursos da
natureza são fundamentais em todos os âmbitos da vida dos produtores, pode-se
observar cotidianamente a presença clara em todas as esferas, seja na alimentação,
nos acessórios domésticos, movelaria e nos materiais construtivos para as
habitações, além de recursos para o uso medicinal e instrumentos de trabalho e
lazer, ambos sempre executados dentro desses fatores.
23

Esses recursos naturais variavam conforme as necessidades encontradas


pela população, tinham-se o extrativismo vegetal, madeireiro e medicinal, em comum
encontrava-se na flora popularmente e em grande quantidade o umbuzeiro³,
ouricuri⁴ , carnaúba⁵ , etc., característicos da caatinga. A utilização desses materiais
unificada as limitações e necessidades da população foram fundamentais para a
construção da identidade cultural e base econômica do mercado no Nordeste do
país, em estudo, para o sertão do Ceará.

Contudo, o autor Celso Furtado (1989) aborda novas diretrizes de que o


desenvolvimento a partir de novas ações econômicas governamentais na região do
semiárido poderiam possibilitar novas bases para a geração e crescimento de uma
nova economia, ao contrário, a base econômica em que se encontravam, estava
limitada às condições climáticas e geográficas da região, muitas vezes seguidas por
estáveis anos consecutivos de seca, não havia a possibilidade de crescimento
econômico no comércio baseado na produção agrícola, extrativismo a partir da
matéria prima com o suporte frágil aos recursos naturais.
Desse modo, a partir do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE), ficou
de responsabilidade do economista Celso Furtado, o Grupo de Trabalho para o
Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), que visava o processo introdutório da
industrialização no Nordeste do país com base no modelo da substituição de
importações, que tinha como plano de ação “lançar as bases de uma nova
economia, capaz de autogerar as forças de seu próprio crescimento” (FURTADO,
1989, p. 115).

_________________________
³ Spondias tuberosa, é popularmente conhecido como umbuzeiro ou jique, é uma árvore de pequeno
porte, pertencente à família das anacardiáceas, originária dos chapadões semiáridos do Nordeste
brasileiro. O umbuzeiro conserva água em sua raiz, podendo chegar a armazenar até mil litros, e,
além disso, produz uma batata, que, em época de grande estiagem, é utilizada como alimento. É
uma fonte de diversas matérias-primas: “O umbu pode se converter na ‘ameixa’ das caatingas”
(DUQUE, 2001, p.115)
⁴ Syagrus coronata, é uma palmeira nativa do bioma caatinga e de toda a costa leste do Brasil. Pode
chegar a ter 12 metros de altura. Seus frutos são comestíveis e, de suas sementes, pode-se
extrair óleo vegetal. As fibras das folhas são matéria-prima para a confecção de chapéus e outros
objetos artesanais. Os frutos são amêndoas, e são utilizados na indústria alimentícia para diversos
produtos.
⁵ Copernicia prunifera, é uma árvore da família Arecaceae endêmica do semiárido da Região
Nordeste do Brasil. É a árvore-símbolo do Estado do Ceará, conhecida como "árvore da vida", pois
oferece uma infinidade de usos ao homem. Os carnaubais formam florestas que têm predominância
nas planícies aluviais dos principais rios do Ceará, Piauí, Maranhão, Rio Grande do Norte e Bahia
24

Entre as bandeiras de desenvolvimento no plano do GTDN, tinha como


proposito mostrar que os problemas e fragilidades decorrentes da seca na região do
semiárido nordestino não eram plausíveis dentro do modo de desenvolvimento em
que a região estava baseada, não tinham a possibilidade de crescimento econômico
em grande escala com base na produção e exportação agrícola. As formas de
empregabilidade da região oferecida pelos latifundiários e comerciantes, que eram
os responsáveis pela produção e comercialização, tinham influência extrema na
divisão e acumulo de bens, na escassez e a inflação agrícola, em estações de secas
prolongadas os problemas incidiam sobre os mais pobres.
A concentração de terra nas mãos desses influenciadores regionais incidia
em um baixo impacto consumidor, visto que “a estrutura agrária é o principal fator
causante da extremada concentração da renda no conjunto da economia”
(FURTADO, 1948, p. 09). O clima e a terra quando não favorável refletiam nos
baixos índices de empregabilidade, elevação no preço e produtividade agrícola,
tendo como causa a “menor quantidade de terra por pessoa ocupada e mais
reduzida dotação de capital por unidade de terra” (BRASIL, 1959, p. 16) resultado,
em partes, de benefícios desviados em favor dos grandes proprietários de terra.
No que se discute, Furtado (1989, p. 85) explica que o objetivo da GTDN era
o crescimento do semiárido, aumentando a sua resistência a partir dos fatores
climáticos, caminhando em paralelo com as fragilidades climáticas e irregularidades
geográficas da região, para que a população estivesse preparada para enfrentar as
fragilidades e problemas decorrentes da seca. O uso racional e a não exploração da
mão-de-obra e dos recursos naturais a partir dos grandes produtores seriam as
condições fundamentais para a estabilidade dos períodos de estiagem prolongadas.
Segundo o autor Carlos Teixeira da Silva:

Aos poucos, o sertão vai se convertendo em um imenso pasto, onde, por


largos trechos, a população consegue impor um regime de terras distinto
daquele baseado na apropriação individual e privada da terra, como o
sistema sesmarial supunha. (2002, p. 131).

Seguindo esta análise, os meios necessários para alcançar os resultados


satisfatórios esperados pelo GTDN, seria necessário o elevado investimento para a
ampliação de conhecimentos sobre os recursos naturais existentes, visando
adaptações que permitissem a produção contínua sem exceções mesmo em
períodos de seca, maior lucratividade e garantia de maior estabilidade à produção
25

dos alimentos. Além do incentivo para novos produtores a partir da reorganização da


agricultura para novos hectares de terra, “o objetivo estratégico seria eliminar
simultaneamente o latifundiário predatório e o minifúndio asfixiante que, conjugados,
formam um sistema brutal de exploração do homem” (FURTADO, 1981, p. 17)

Conforme as abordagens do economista Celso Furtado no plano de ações da


GTDN, no que se refere, Manoel Correia de Andrade ressalta que:

Chegou a hora em que se torna necessária a realização de reformas


substanciais em toda política econômica para a região, a fim de atender
inicialmente à desconcentração da propriedade e do uso da terra, assim
como também da renda, e, a partir daí, para uma série de outras reformas
que façam com que a grande maioria da população tenha acesso à
alimentação, à habitação, ao vestuário, à saúde, à educação e ao lazer
(ANDRADE, 1987).

Em suma, o autor José Otamar de Carvalho salienta:

De saída entende-se que não há uma única solução para os problemas do


semiárido. Assume-se também, que as soluções já concebidas e praticadas,
ainda que pontual e descontinuamente, podem e devem ser retomadas,
com as adaptações requeridas (CARVALHO, 2003)

O sistema produtor econômico do sertão tinha sua base a partir das


abordagens autorais supracitadas, tinha-se o interesse para com os setores
comerciais econômicos e de desenvolvimento da região em suprir as necessidades
a partir da distribuição de terras para conquista igualitária no sertão, onde lançaram-
se bases associadas a produção e ao comércio baseadas na motivação econômica
através de investimentos em conhecimentos para minimizar o poder hierárquico e
tornar igualitário a divisão de trabalho perante a produção e fazer-se apto para a
comercialização.

Em resumo, o sertão com seu clima seco e árido por quase todo o ano, teve
seu vetor econômico, como visto anteriormente, dificultado por conta dos problemas
e fragilidades decorrentes da seca, a criação de gado e a produção de carne de
charque predominou como sendo o principal sistema de crescimento econômico no
sertão como também para o nascimento das vilas. Os produtores tornaram-se os
agentes produtores do espaço responsáveis pelo processo civilizatório no sertão,
desde a escassez de conquista dos nativos à divisão igualitária de posse comercial e
produtora.
26

2.3 A IMPORTÂNCIA DO SERTÃO COMO CULTURA E MANIFESTAÇÃO


SOCIAL, SEU CARÁTER PRODUTOR SIMBÓLICO E USUAL.
A arte popular desenvolvida e enraizada na cultura do sertanejo foi vista e
considerada por muito tempo pela classe preponderante como uma cultura inferior,
“o popular costumava ser associado ao pré-moderno e ao subsidiário” (CANCLINI,
1997, p. 205) pertencente apenas aos subalternos, não podendo ser pertencente a
determinadas classes que se consideravam proeminentes. “A diversidade e a
singularidade dos produtos, seu caráter tradicional e popular; os aspectos
relacionados às práticas do mundo rural e seu caráter de síntese cultural”
(FILGUEIRAS, 2006 p. 106), não remetiam a exclusividade, elegância e até mesmo
ao luxo. Canclini (1983) evidência que as características das culturas populares em
cada região é o resultado da partição de bens e capital desigual perante os
subalternos, que reproduzem as condições do âmbito em que vivem na arte de
forma espontânea, resultando nesse processo rejeitado pela classe preponderante.
Conforme Marcos Ayala e Maria Ayala (2003), as manifestações populares
culturais são dispersas, produzidas e pensadas sem o conhecimento ou simbologia
da sua própria produção anterior ou de outras manifestações existentes, que muitas
vezes são produzidas pelas mesmas pessoas integrantes de suas classes
subalternas, podendo variar suas proximidades geográficas, mas com características
estéticas, usuais e ideológicas semelhantes. Deve-se adotar a visão de que a
“especificidade das culturas populares não está somente no fato de que a sua
apropriação daquilo que a sociedade possui seja inferior e diferente” (CANCLINI,
1983, p. 43), mas do fato de que é o resultado de eventos passados, mesmo que
desconhecidos, de experiências vivenciadas que foram refletidas no âmbito
tornando-se parte da sua identidade, símbolo, sem caráter hierárquico. “Dessa
maneira, tais acontecimentos ou tais práticas culturais evocam imagens e
sentimentos diferenciados” (VIEIRA, 2006 p. 107) mas que podem refletir numa
produção semelhante. Nas palavras do arquiteto Tim Waterman (2012 p. 114): A
cultura é uma estrutura que nos permite se comunicar e se comportar com facilidade
numa sociedade, ela nos compreende conhecimentos, valores e crenças coletivas e
determina a maneira pela qual nosso pensamento está motivado no dia a dia, a
partir de planejamentos ou locomoção que são determinadas a partir da inserção do
popular enraizado e produzido no nosso âmbito.
27

José Luiz dos Santos (1949, p. 54), explica que as preocupações com o termo
da cultura popular são as tentativas de classificar as características do pensamento
e as ações dos mais pobres na sociedade, tentando remeter o que há de simbólico e
usual, principalmente nas referências que possam ter. As ações da população
menos favorecida, quer espontaneamente ou não, tem seus reflexos no modo de
falar, vestir e até de construir, “falar em cultura popular pode implicar uma ênfase no
modo de ser e sentir que seja típico de uma população, que seja característico dela,
que seja mesmo um patrimônio seu” (SANTOS, 1949, p. 64), a preocupação em
investigar, identificar e criar possíveis formas de preservá-las ou inseri-las no
contexto social e urbano da população é a forma de preservação como patrimônio
de suas raízes.
Quando se pensa no Estado do Ceará, precisamente no sertão do Estado,
nos vem à mente a imagem do sertanejo em paralelo com a seca, assim como nos
remete o pensamento direcionado ao litoral, a imagem da jangada à beira-mar,
cabanas e paisagens a perder de vista. As características da região tornaram-se
símbolos que são remetidos na nossa mente e reproduzidos de diversas formas. A
socióloga Sulamita Vieira (2006), enaltece em uma de suas obras o pensamento de
que os significados são responsáveis pelas atitudes do que as pessoas executam e
preparam, relacionados com o modo da sociedade e “referenciados por instituições e
articuladas, entre si, através de toda uma rede de relações sociais” (VIEIRA, 2006, p.
40). O professor e pesquisador Gilmar de Carvalho (2003), ressalta essas
características da qualidade particular, própria de distinção, em questão, do Ceará. A
cearensidade reforça o pensamento característico da ideologia comum a partir das
peculiaridades de gente da terra, em questão ideológica, a construção de um
pensamento, onde a mitologia, personagens, paisagens, costumes e produção
cultural terceirizam um cenário elaborado que formam a imagem do Ceará a partir
desses fatores.
Conforme o autor citado acima, seguindo esta análise, os modos são reflexos
do âmbito a partir destes fatores, podemos observá-lo em caráter especial e até no
modo arquitetônico construtivo. Entretanto, Canclini (1983) nos faz ter outra visão
mais aprofundada e diferenciada a partir de diferentes escalas, que diante da
circulação de produtos, variam sua utilização e passam a ter o significado diferente
do que aquilo remete na sua formação de origem “conforme uma finalidade, prática
ou cerimonial para comunidades de autossubsistência” (CANCLINI, 1983, p. 103).
28

As decisões para atribuições simbólicas e usuais aos produtos artesanais e


artísticos a partir das necessidades a sua volta, podem ser compreendidas e
interpretadas por quem vivencia ou mesmo para quem não está inserido dentro do
meio cultural do sertão. “A própria cultura encontra novos horizontes de
universalização, ao mesmo tempo em que se recria em suas singularidades” (IANNI,
1999, p. 24).

Conforme Canclini (1983), os produtos produzidos passam a ter um papel


importante no âmbito em que vivem a população, seja de forma formal ou informal,
fortalecendo a sua identidade cultural por remeterem as técnicas que foram
idealizadas por eles próprios a partir das suas insuficiências tornando-se parte da
sua história. A arte cultural produzida foi uma redescoberta para a manifestação do
popular. Desse modo, o semiólogo, antropólogo e filósofo Jesús Martín Barbero
(1997) reforça o pensamento de que a arte popular é a predisposição no modo de
expressar, viver, pensar e de se tornar material algo a partir daquilo que os
subalternos utilizam como forma de sobrevivência e articulação, reorganizando o
que vem da cultura de domínio interagindo e fundindo-se com os pensamentos
históricos que foram vividos.

Em resumo, BARRETO; WEIMER; MEDEIROS; HOLZER (1973) enaltece que


o Ceará como um todo foi formado a partir do estabelecimento de estrangeiros, das
primeiras colônias europeias, mais precisamente portuguesa, como também de
negros e indígenas que estabeleceram durante os séculos de crescimento e
desenvolvimento do Estado uma das maiores miscigenações étnica e cultural do
Nordeste, resguardaram traços físicos e culturais de ambos que definem as
principais características da arquitetura popular: a antiguidade e diversidade de
manifestações, espelho do processo civilizatório cearense.
O antropólogo Edward Burnett Tylor (1983) afirma que cultura é todo
complexo que inclui os conhecimentos, resultado da interação de crenças, arte, leis,
moral, costumes e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem
enquanto membro da sociedade. A cultura passa a ser vista como sendo todo o
comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de uma transição biológica,
genética, não tendo individuo desprovido de cultura.
29

3. CAPÍTULO II ─ PANORAMA DA ARQUITETURA POPULAR PRODUZIDA


NO SERTÃO CEARENSE.

A arquitetura popular nos remete hoje à área cultural que se pode constituir
uma região, formar uma unidade definível do espaço em que o tempo é
compreendido como base do nosso conhecimento. Weimer (2005) ao referir-se ao
termo arquitetura popular, em seu sentido mais direto, nos mostra que é aquilo
pertencente as classes populacionais baixas e intermediárias, o autor ao classificar o
termo em sua obra, faz uma observação referente as classes populacionais
elitizadas, em que a arquitetura vivenciada pelos mesmos é classificada como uma
arquitetura erudita⁶ , diferentemente das classes populacionais supracitadas, menos
favorecida economicamente e socialmente, no qual podemos contraditoriamente
empregar o termo arquitetura não-erudita ou arquitetura vernacular⁷ .

A arquiteta Maria de Betânia U.C. Brendle, em suas publicações: “Arquitetura


popular de Pernambuco e suas fachadas de platibanda” e “Arquitetura Popular -
Projeto Brasil - 500 Anos de Arquitetura”, aborda os atributos correspondentes de
ideias construtivas observadas em campo que contemplam a definição de
arquitetura popular.

[...] a arquitetura popular é o resultado do trabalho criador do “homem


pobre” refletindo as necessidades do seu dia-a-dia, utilizando a sabedoria
popular nos métodos de construção, na escolha de materiais de acordo com
sua disponibilidade (...) A arquitetura popular expressa uma “liberdade de
criação” através do uso de cores, de elementos decorativos, dos elementos
marcantes de sua plasticidade, na composição de uma arquitetura
“despojada e simples” (BRENDLE, 1996, p.14 apud SOUSA, 2014, p. 11).

Podemos compreender a partir da análise da autora que o processo de


desenvolvimento da arquitetura popular não é uma opção, mas sim uma condição de
vida a partir de suas delimitações, “decorrente da situação financeira do proprietário
e da disponibilidade dos materiais de construção de cada região” (BRENDLE, 1996,
p.12).

____________________
⁶ . Denomina-se arquitetura erudita todo o tipo de arquitetura em que se emprega a aplicação de
conhecimentos de arquitetos convenientemente preparados, demandando um conhecimento
especifico e aprofundado.
⁷ . Denomina-se arquitetura vernacular todo o tipo de arquitetura em que se emprega materiais e
recursos do próprio ambiente em que a edificação é construída. Desse modo, ela apresenta caráter
local ou regional.
30

Desse modo, é possível compreender as características que se dá o fato da


arquitetura popular manifestada no sertão, o seu estilo arquitetônico vernáculo⁷ - em
oposição a arquitetura erudita⁶ -, não é denominado a partir das características
próprias da edificação, mas sim do porquê e pelo qual foram concebidas e
implantadas para tal, resultante da experiência executada pelo grau de
conhecimento do construtor ou idealizador, sem conhecimento específico e
aprofundado para determinar os métodos construtivos ideais para o âmbito em que
vivem, mas somente com o propósito de edificar. Para José Liberal de Castro (1973)
é uma arquitetura compreensível e especial, em que se deve entender o real
significado da arte que ela expressa e admirá-la, como resultado enfrentado do difícil
processo de crescimento civilizatório do sertão. Segundo o próprio Aristóteles
(1973), que aborda o sentido de que a arte está mais ligada à produção do que a
ação, sendo resultado de experiências vivenciadas.
[...] como a arquitetura é uma arte, sendo essencialmente uma capacidade
raciocinada de produzir, e nem existe arte alguma que não seja uma
capacidade desta espécie, nem capacidade desta espécie que não seja
uma arte, segue-se que a arte é idêntica a uma capacidade de produzir que
envolve o reto raciocínio. Toda arte visa a geração e se ocupa em inventar e
em considerar as maneiras de produzir alguma coisa que tanto pode ser
como não ser, e cuja origem está no que produz, e não no que é produzido
[...]. Diferindo, pois, o produzir e o agir, a arte deve ser uma questão de
produzir, e não de agir...” (ARISTÓTELES, 2015, p. 267)

Isto não significa que apesar da insuficiência de conhecimento específico do


construtor ou idealizador, a qualidade arquitetônica, não necessariamente, é
comprometida. A questão da qualidade se dá a partir dos materiais utilizados pelos
responsáveis, diante das necessidades do cliente, que quase sempre assumia o
papel de cliente, idealizador e construtor, perante a pobreza ou de condições
econômicas mais favoráveis. José Liberal de Castro aborda as características dos
materiais empregados na construção a partir da condição que lhes permitem: “A
palha da carnaúba e de outras palmeiras tem larga aceitação nas casas mais
pobres, como coberta ou vedação parietal. Tão logo as condições dos moradores o
permitem, é substituída total ou parcialmente por tijolos e telhas” (Fig. 2 e 3),
CASTRO (1973, p. 309). No que se refere, o arquiteto Armando de Hollanda (1976)
propõe que trabalhamos em uma arquitetura que remeta a espontaneidade,
liberdade e que seja símbolo de expressão cultural da região e nos releve o sentido
de apropriação do nosso espaço.
31

Figura 2: Casa de barro e telhado de duas Figura 3: Casa de tijolos com telhado de du-
águas com telhado e alpendre coberto com as águas e telhas de barro.
palha de carnaúba. Fonte: flickr.com/fotos/mundoworldmonde

Fonte: condebahia.files.wordpress.com

BARRETO; WEIMER; MEDEIROS; HOLZER (1973) enfatizam que o


processo cultural pode ser mais importante do que o índice econômico da região
para alguns pesquisadores, tendo como estudo as manifestações do interior, que
representam um campo maior para análises e estudos, em suma, para arquitetos e
urbanistas, que podem analisar a morada no sertão e o crescimento da cidade como
reflexo do âmbito resultante da arquitetura popular, em que o homem se vê refém da
matéria prima local, do arquétipo, se existente, na hora edificar suas residências,
que podem ou não seguir a tipologia de outras construções existentes, fato que se
dá pela falta de conhecimento mas com “caráter popular nitidamente utilitário e
claramente ecológico mesmo nas obras administrativas ou religiosas de maior porte”
CASTRO (1973 p. 03).
O pensamento da arquiteta Lina Do Bardi, nos faz pensar no modo em que a
evolução cultural determina cenários em que se passam a existência da vida
humana, no qual o homem do povo possui habilidades construtivas para se tornar
seu próprio arquiteto, mesmo sem conhecimento aprofundado, mas com
idealizações a partir das exigências da sua vida, em que a simplicidade, praticidade
e leveza da construção se dá como resultado uma harmonia natural que não se
submete à cultura falsa, pela soberba ou pelo dinheiro, identificando “essa fisionomia
vivida pelas ações cotidianas” (ARRUDA, 2007 p. 89).
32

No entanto, “a casa no campo é a apropriação material simbólica do espaço,


[...] vê-se a morada como um espaço qualitativo, como objeto com uso e valor
cultural, com símbolos que são apropriados através do tempo” (ARRUDA, 2007 p. 79
- 80). Ao abordarmos a arquitetura popular, temos a certeza de que ela está
presente em todos os lugares, apesar da conflituosa divergência com a obstinada
diferenciação decorrente de classificações como arquitetura erudita ⁶ e arquitetura
não-erudita, -vernacular⁷ -. No que se refere, temos como exemplo a grande
contribuição vitruviana que se encontra em seus princípios, entre eles: “utilidade,
beleza e solidez”.
De fato, toda a arquitetura popular cearense popular produzida nos sertões
antes da chegada do modernismo, no período setecentista, se deu a partir de
condições desfavoráveis e da falta de conhecimentos construtivos dos nativos e da
capitania. A posse das terras nos sertões concebidas através de sesmarias resultou
em um baixo investimento econômico construtivo, dando mais importância à
produção agrícola e exigindo assim dos seus idealizadores adaptações e
criatividade na hora de edificar a partir dos recursos disponíveis na natureza da
caatinga. O autor historiador João Capistrano de Abreu aborda em sua obra
“Capítulos de história colonial” o uso do couro como exemplo na composição
construtiva arquitetônica e estética nas construções do sertão.
“De couro era a porta das cabanas, o rude leito aplicado sobre o chão duro,
e mais tarde a cama para os partos; de couro todas as cordas, a borracha
para carregar água, o mocó ou alforge para levar comida, a maca para
guardar roupa, a mochila para milhar cavalo, a peia para prendê-lo em
viagem, as bainhas das facas, as broacas e surrões, a roupa de entrar no
mato, os banguês para cortume ou para apurar sal; para os açudes, o
material de aterro levado em couros puxados por juntas de bois que
calcavam a terra com seu peso; em couro pisava-se o tabaco para o nariz.”
(ABREU, 1963, p. 149).

Afins, seguindo esta análise, a autora arquiteta Maria de Betânia U.C. Brendle
(1996) em suas obras citadas anteriormente, enaltece que o patrimônio edificado
nessas regiões, seja em grande ou pequena escala, nos mostra um cenário
constituído por edificações simplórias com suas fachadas e platibandas
multicoloridas carregadas esteticamente com formas geométricas, é a representação
e expressão completa da arquitetura popular da região. Essa arquitetura sofre
processo de descaracterização e modificação a partir da evolução do seu tempo,
tanto pelos recursos da natureza e criatividade escassos, quanto pelas limitações
decorrentes do processo de desenvolvimento e crescimento dos núcleos urbanos.
33

3.1 A ARQUITETURA DA PRODUÇÃO RURAL SETECENTISTA NO PROCESSO


DE CONSTRUÇÃO DAS CASAS DE FAZENDA.
No Ceará, o processo de civilização estava fora dos parâmetros empregados
pela civilidade europeia, como abordado no capítulo anterior, o processo de
ocupação do estado foi visto pelos portugueses como um decurso de calamidade e
sem vestígios de progresso diante das fragilidades decorrentes da seca na caatinga.
Somente após tentativas de crescimento e estabelecimento nos sertões e com
conhecimento adquirido com os nativos é que foi possível para os primeiros
desbravadores construírem suas fazendas no sertão, segundo o autor Clóvis Ramiro
Jucá Neto, as terras das fazendas de gado nos sertões
Foi sede das sesmarias, da unidade familiar, das atividades de produtiva e
onde se encontraram as condições propícias para os primeiros sinais de
acumulação de renda no sertão. Foi também sede da vida política local, de
toda autarquia sertaneja e suas famílias pobres com poderes quase que
absolutos e da rede de mandos e desmandos que pautou a estruturação do
território. A fazenda de gado cumpriu o papel de defesa diante da população
indígena e perante outros sesmeiros na luta pela posse das terras [...] elas
localizavam-se em pontos estratégicos dentro das sesmarias, muitas das
vezes em locais elevados e sempre próximos de riacho ou rio. (JUCÁ
NETO, 2007, p. 206 apud CARDOSO, 2001, p. 158)

O dinamismo econômico no meio rural sofre influência no modelo de


construção das casas de fazenda nos sertões. As limitadas aplicações financeiras se
faziam necessário e essas se davam no processo de implantação e manutenção das
fazendas em que se concentravam integralmente na edificação. Com o tempo, era
perceptível a melhoria na segurança da casa, com a construção de alpendres, que
beneficiam inicialmente apenas a fachada de entrada principal e posteriormente as
laterais e os fundos, de acordo com as necessidades e condições financeiras, e,
finalmente, a casa toda fazia parte da transformação na criação de em um novo
espaço (Fig. 4 e 5).
O arquiteto Daniel Cardoso, em sua obra “Desenho de uma poiesis:
comunicação de um processo coletivo de criação na arquitetura”⁸ , aborda o
contexto de como a interdisciplinaridade, envolvendo os detalhes e processos
construtivos da moradia pode esclarecer e fomentar a compreensão dos ideais
construtivos empregados a partir do esforço humano nos modos de sobrevivência e
no âmbito e como espécie.

____________________
⁸ . Disponível em: <sapientia.pucsp.br/handle/handle/5054>
34

Figura 4: Casa de alpendre na fachada prin- Figura 5: Casa de alpendre na fachada prin-
cipal e telhado de duas águas. cipal e lateral e telhado de duas águas
Fonte: tokdehistoria.com.br Fonte: terrasnordestinas.blogspot.com

Figura 6: Casa de alpendre na fachada prin- Figura 7: Casa de alpendre na fachada prin-
cipal e base de alvenaria de pedra, no ser- cipal e lateral e base de alvenaria, no sertão
tão de Caridade/CE. de Caridade/CE.
Fonte: panoramio.com/photo/86150509 Fonte: panoramio.com/photo/86150298

Daniel Cardoso (2011, p.159) aborda que o modelo casa grande ou casa de
fazenda quase sempre tinha sua construção determinada sobre alicerces de
alvenaria ou pedra (Fig. 6 e 7), de modo a adaptar-se à segurança decorrente das
fragilidades e possibilidades do meio físico. Essa arquitetura de alpendre, se inicia e
adapta-se de forma gradual de acordo com às novas constituições do ambiente, em
que “mantém-se a configuração básica do corpo, mas altera-se a organização dos
espaços internos e o tratamento da varanda – surgem as varandas cobertas”
(CARDOSO, 2011, p. 162), assim, a arquitetura da casa alpendrada encontra suas
características próprias e cria uma identidade espacial a partir dos elementos
construtivos e idealizados, seja no uso dos materiais, cores ou na organização
interna dos ambientes.
35

Na obra, o autor aborda exemplos de casas construídas no município de


Icapuí/CE, cidade litorânea limítrofe ao estado do Rio Grande do Norte, mas que nos
remete o mesmo pensamento que se dá o processo no sertão, em que podemos
observar que as características construtivas da edificação em si citadas pelo autor
são semelhantes às construções encontradas no sertão, variando somente na
escolha dos materiais e disposição dos compartimentos internos, o que as tornam
diferentes apenas internamente, mas externamente possuem ampla semelhança.

São casas formadas por cobertas em quatro água, com alpendres e copiar.
O telhado forma uma empena com panos de telhado maiores e estão em
duas inclinações; uma para o corpo, outra para o alpendre. Todo o
perímetro da casa é cercado pelo alpendre demarcado com pilares de
madeira e são normalmente aroeira ou pau-ferro que suportam linhas de
tronco de carnaubeira. Utiliza-se taipa de sebe como sistema construtivo
(CARDOSO, 2011, p. 163)

É observável a característica em comum no processo de disposição interna


dos ambientes na entrevista feita pelo arquiteto Daniel Cardoso, ao morador Luiz
Neto de Carvalho, no dia 10 de março de 2007 em Icapuí/CE (CARDOSO, 2011,
p.245- 249): “E a divisão dos quartos, da sala, como o senhor fazia?” – A gente fazia
a divisão de três e meio por três e meio, viu? Porque, com o compartimento normal,
quatro metros já era grande demais. Para botar rede, quem alcançava lá na outra
parede? Aí três e meio é normal. (CARDOSO, 2011, p. 327) “E a forma dessas
casas? Aqui (Icapuí/CE) tem umas casas muito parecidas. Isso veio de onde?” –
Tem, sim... Inventaram mesmo aqui, não vinha nada de fora, não. O modelo a gente
mesmo traçamos aqui, por conta própria mesmo, não vinha nada de fora, não. Esse
negócio de planta, não se falava nisso não, não, não. Finaliza.
Seguindo esta análise, (CARDOSO, 2001, p. 162-163) podemos analisar que
a ideia no processo de construção da casa de fazenda, casa grande ou casa
alpendrada, flui com uma nova disposição na organização social e configuração
diferente das vilas. No município usado em estudo pelo autor, os moradores
procuram adaptar as residências às condições locais, nesse modo de se expressar,
formam o que chamamos de arquitetura popular e vernacular com suas
características próprias. Essa identidade, seja no processo construtivo da casa de
fazenda do sertão ou do litoral, é perceptível no seu modo de desenvolvimento na
aplicação detalhada diante dos elementos construtivos característicos de cada
região, o que as tornam representações empíricas..
36

Portanto, a arquitetura da casa grande ou casa de fazenda é característica de


uma transplantação escalar e sociocultural, que sofre processos de apatações
climáticas e ecológicas de acordo com seu âmbito, sem perder sua identidade
original, seu arquétipo próprio quando edificada, expressando-se por intermédio de
técnicas, materiais e adornos estéticos. Quanto à funcionalidade, adquiriu-se
características próprias a partir do regime escravocrata, condições climáticas e
socioeconômicas.

José Liberal de Castro, nos descreve o processo evolutivo que se dá na casa


de fazenda.
[...] com o correr dos tempos, à medida que aumenta a segurança, as
janelas se alargam e os telhados começam a descer do alto, em abas,
formando alpendres cobertos. Na versão derradeira da casa de fazenda, em
que o projeto se realiza de modo pleno, o alpendre atinge o contorno
periférico, com soluções formais que variam consoante o tipo de coberta do
núcleo central (CASTRO,1983, p.306)

Estas qualificações abordada pelo autor considera a diversidade das


construções, em suas diferentes regiões. As tipologias usais em vez de representar
um modelo construtivo próprio, nos mostra um modelo mais usual, com suas feições
modestas e simples, no qual passaram a receber elementos de acordo com suas
necessidades mudando assim, a sua configuração.

O avarandado constitui-se, assim, em uma solução eficaz de natureza tanto


arquitetônica quanto climática, elemento situado entre o interior e o exterior
da edificação e regulador da gradação entre os espaços público e privado e
das condições de conforto dos ambientes internos e externos, desenho este
que faz essa arquitetura mudar de um aspecto inicial liso, árido e maciço
para outro rugoso, sombreado e perfurado. Neste momento, a casa rural se
cerca de arborização frondosa, estendendo o ambiente interno e os
espaços de convívio com a ampliação das sombras (DUARTE JÚNIOR,
2009 p. 9-10)

Em suma, a arquitetura da casa de fazenda é uma arquitetura vernácula, feita


pelo povo, que se adapta a uma sociedade qualquer, mesmo os construtores com
seu limitado conhecimento num meio ambiente definido que os fornecem
limitadamente determinados materiais ou recursos decisórios. A sociedade adapta
seu uso satisfazendo as necessidades expressas pelos seus costumes tornando-se
símbolo de sua expressão, fortalecimento e identidade cultural.
37

3.2 A ARQUITETURA URBANA SETECENTISTA E O PROCESSO DE


CONSTRUÇÃO DAS CASAS EM ARACATI E NOS SERTÕES
À medida em que o processo de povoamento do interior se intensificava, o
encadeamento da formação das primeiras vilas cearenses surgiam, muitas vezes em
torno de igrejas, casas de fazendas ou instalações militares. Icó (1738) e Aracati
(1748), foram as primeiras vilas a surgirem no interior do Ceará Setecentista,
formavam uma ligação processual na produção de carne, Aracati servia como ponto
de origem e Icó como ponto de destino. Posteriormente surgiram nos sertões as
vilas de Santo Antônio do Quixeramobim (1789) e São João do Príncipe em (1802),
conhecida hoje como Tauá. Icó e Aracati sofreram um processo de urbanização
especial, se comparado ao modelo urbanístico de outros núcleos urbanos, em que
houve a preocupação na criação de vias largas e grandes espaços públicos.
O processo de crescimento urbano e populacional desses núcleos urbanos,
se deu a partir do principal fator econômico da capitania cearense na época, a carne
de charque, o autor José Borzachiello da Silva, relata o importante processo das
charqueadas no desenvolvimento da vila de Aracati.

O advento das charqueadas no Ceará contribuiu sobremaneira para a


pujança de Aracati que se tornou o mais movimentado e rico centro da
capitania do Ceará. A acirrada concorrência da Paraíba e do Rio Grande do
Norte, no comércio de gado bovino para o abastecimento da região
canavieira pernambucana, fez com que os cearenses optassem pela venda
de um produto preparado e comercializado no local, no caso a matança do
gado e preparação de mantas de carne conservadas pelo sal, ficando assim
resistente a viagens longas (SILVA, 2002, p.227).

Em contraposição, o autor aborda o processo de fabrição completo de carne


de chaque no Aracati, mas que posteriomente seria empregado tal função aos
produtores no sertão, em Icó, criando assim um dinamismo fabril na produção de
carne de charque, vindo o gado bovino do Aracati, chegando no Icó para a produção
e seguindo para outros estados do Nordeste para a comercialização.
Ou seja, o processo de crescimento e desenvolvimento econômico de Aracati
se deu a partir do charque, o resultado da economia elevada espelhou-se nas
construções da vila, tornando-se representações empíricas da sociedade local, em
seus sobrados, casarões, igrejas e edifícios públicos. (Fig. 8 e 9). “Quanto mais rica
a cidade e seus habitantes, maior era a incidência de sobrados. Por influência das
casas de nobreza, o sobrado teve uma conotação de poder e de riqueza, que era
enfatizado pela maior largura do lote ocupado” (WEIMER, 2005, p.101).
38

Em disposição ao parcelamento dos lotes urbanos nas vilas, as


determinações exigidas pela era pombalina, eram residências com fachadas
uniformes (Fig. 8). Segundo Leal (1995) o telhado das residências, em suas
características particulares, muitas vezes eram símbolos de status social, as classes
mais elitizadas construiam suas residências, como fala o autor, “tinham condições
para ter, além da bica, a beira e a sobre-beira” (LEAL, 1995, p. 102), representando
assim que o morador que habitasse a residência poderia ser considerado pela
população como um senhor de posse.

A vila de Aracati, se tornou a vila setecentista cearense mais rica da


capitania, já haviam sobrados dispostos ao longo de grandes ruas, resultado do
processo de urbanização especial, no qual culminou à Aracati um modo de vida
baseado nos costumes europeus a partir de seus moradores e visitantes, muitas
vezes vindos de outras regiões à negócigos na vila. Aos moradores, eram lhes
atribuído o mesmo valor e respeito como era atribuído a um português, esses
prestígios resultaram também no modo de consumo da população, em suas
vestimentas e objetos de luxo importados da Europa. Assim, descreve esses
costumes o autor historiador Antônio Bezerra.

Por esse tempo, as casas abastadas mantinham em geral um luxo


desconhecido [...] superior ao da capital, e não raro era verem-se atravessar
as ruas lindas carruagens conduzindo famílias ricamente vestidas de sêda
ou veludo com adornos de preço. Os menos favorecidos da fortuna faziam-
se transportar em palanquins, ou como vulgarmente se diz na Bahia,
cadeirinhas cobertas de damasco azul bordado á galões, que eram
carregados aos hombros de escravos limpos e bem trajados (BEZERRA,
1902, p.150 apud BARBOSA, 2011, p. 23).

Figura 8: Sobrados em Aracati/CE Figura 9: Sobrados em Aracati/CE

Fonte: Diário do Nordeste Fonte: Rodando pelo Ceará


39

Figura 10: Casas urbanas Nordestinas Figura 11: Casas urbanas Nordestinas

Fonte: UOL Entretenimento Fonte: culturaspopulares.org

Diferente do processo econômico ocorrido na vila de Aracati, a evolução


futura das vilas no sertão cearense não tiveram o mesmo respaldo luxuoso
empregado nas construções da vila litorânea. Ao se comparar o modo de construir e
de morar, é notório as diferenças significativas no valor assumido pela casa. O estilo
neoclássico com suas características estéticas trazidas da Europa para o Brasil,
serviram de referência projetuais para as edificações no interior cearense.
Observamos imediatamente as formas geométricas escalonadas empregadas nas
platibandas, como sendo o único elemento estético capaz de chamar atenção no
âmbito urbano (Fig. 10 e 11). Segundo Nascimento (1993) essa arquitetura se faz
pela escassez apropriada de elementos, os construtores os obtêm com as formas
geométricas e retilínos estilos e combinações ingênuas de efeito decorativo. Nem
escultura, nem cinzeladuras, nem obra de talha, nem ouro, nem lioz, nem mármore,
nem azulejos.

Romeu Duarte Júniror em sua publicação para a Revista CPC “Arquitetura


colonial cearense: meio-ambiente, projeto e memória”⁹ , aborda a estrutura
arquitetônica das residências no sertão cearese.

Ao se entrar na casa, percebia-se toda a sua estrutura arquitetônica: as


paredes divisórias nunca chegavam às cobertas, conformando ambientes
sem forro, os quais, se não resguardavam totalmente a intimidade dos seus
ocupantes, pelo menos permitiam a tiragem do ar quente, reduzindo a
temperatura do ambiente interno. As plantas, regulares e reduzidas à
essência do programa de necessidades, geralmente se organizavam com
uma sala à frente do conjunto de alcovas, comunicada à parte dos fundos,
onde se situavam os serviços, por estreito corredor. (DUARTE JÚNIOR,
2009, p. 51)

____________________
⁹ . Disponível em: <revistas.usp.br/cpc/article/view/15638>
40

3.2.1 Arquitetura Institucional

Clóvis Ramiro Jucá Neto, em sua tese “A URBANIZAÇÃO DO CEARÁ


SETECENTISTA – As da vilas de Nossa Senhora Expectação do Icó e de Santa
Cruz do Aracati”¹⁰ aborda por completo o contexto do reduzido patrimônio das
câmaras municipais e obras públicas no espaço das vilas, entendimento que se faz
necessário para a compreensão da arquitetura presente noje nos sertões.

Segundo Clóvis (2007), a escassa presença do patrimônio arquitetônio hoje


nas cidades é reflexo da economia pecuarista da época, que apresentava baixa
produção e rentabilidade econômica no comércio, resultando na imagem associada
às vilas cearenses como local de abandono no final do século XVIII, considerada o
maior condicionante do pensamento enfatizado, além do reflexo notório e
significativo do que foi proposto e executado.

No Brasil colonial, o responsável como ouvidor-mor¹¹ escreveu a Rainha


Maria I¹², sobre a situação em que se encontravam as vilas cearenses, seu estado
lamentável, como citado anteriormente, sua imagem estava associada ao abandono.
As palavras do ouvidor-mor relatavam para a Rainha como se encontravam a
situação das vilas, sua segurança, “Vi com horror os contínuos assasinios, os
roubos, e todos os insultos os mais execrandos perpetrados por hia multidão
incomprehencível de homens facinorosos e libertinos, q’infestavão este delatado
sertão.”, limitações diante das escassas obras públicas, “não tem hia cadea publica,
nem cazas de câmara, servindo-se de huns casebres informes construídos de paos
a barro q’só servem de irrisão e de escândalo”.

Percebe-se pelo relato que o ouvidor-mor aborda sobre as questões de


segurança nas vilas e posteriormente da falta de casa de câmara e cadeia pública,
fato que se dá pelo pequeno patrimônio econômico da região castigada pela seca e
com limitadas ofertas na produção agrícola, resultando em limitadas construções
quase que escassas.

____________________
¹⁰ . Disponível em: <gesp.fflch.usp.br/sites/gesp.fflch.usp.br/files/Livro_simone.pdf>
¹¹. O ouvidor-mor era uma das três figuras criadas para auxiliar o Governo Geral. Sua função era
cuidar dos assuntos judiciais da colônia.
¹². Maria I, dinastia de Bragança, foi rainha durante o Brasil Colônia e e Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarves. Entre 1777-1816.
41

3.2.1.1 Edificações Religiosas

As edificações religiosas nos sertões foram concebidas com a finalidade de


proporcionar aos fiés um espaço de contemplação e exaltar a sua fé, através de um
espaço simbólico religioso que os permitissem ingressar numa atmosfera de crenças
e costumes. “A Igreja Católica se fez presente no Ceará desde as primeiras
tentativas de conquista da terra. Algo compreensível, afinal a expansão colonial
portuguesa era legitimada pelo Papa, conforme a necessidade de expandir a fé
cristã” (FARIAS, 2015).

Quando analisamos o contexto histórido do surgimento da primeiras obras


nos núcleos urbanos, percebemos que a arquitetura e religiosidade estão presentes,
fato que se dá pela necessidade da população em criar relações com suas
dinvidades. Partindo do pressuposto, durante o processo de colonização das vilas,
coube aos representantes religiosos iniciarem a evangelização dos nativos, “foram
os sacerdotes, com a intenção de expandir a fé cristã e pacificar a população nativa
que resistia à presença dos colonizadores” (FARIAS, 2015) além de implementar um
templo para que pudessem realizar seus rituais religiosos, por conta disso as ordens
religiosas tornaram-se influênciáveis para o desenvolvimento quanto para a
transformação do espaço urbano. Afirma o autor Jonathan Glancey, o decorrer
histórico desse processo.

As primeiras obras realmente arquitetônicas que conhecemos são os


templos. Isso faz sentido. Desde a Idade do Bronze, quando as divindades
masculinas (ou do céu) triunfaram sobre as deusas da terra pré-históricas
na maior parte do mundo, a humanidade tentou ligar-se ao eterno e
construir em harmonia com o cosmo. (GLANCEY, 2000, p.9).

A construção dos templos se davam de forma gradual, geralmente com a ajuda


da população, a edificação do espaço religioso era sempre localizada no centro da
vila, elaborada a partir de um limitadíssimo programa de necessidades, mas com
exigência de um espaço amplo posterior à igreja, que servisse como apoio para a
população e que com o desenvolver do processo de desenvolvimento urbano
tornou-se praças que continuaram a servir de apoio como também servia de ponto
nodal e de formalução na organização urbana, em que os prédios eram dispostos ao
redor dessas construções. Gustavo Neiva Coelho, em sua publicação “Formação do
espaço urbano nas vilas do ouro: o caso de Vila Boa”, aborda a influência da igreja e
da praça como espaço público na formação da vila.
42

Em um segundo momento, a Catedral vai ser o edifício que mais se


destaca, possuindo, inclusive, como já foi visto, um espaço ao ar livre
complementar, que é a praça, onde está inserida de várias formas,
relacionando a verticalidade do edifício com a horizontalidade da praça,
além dos espaços fechados em seu interior, com o espaço aberto do
exterior, o qual utiliza tanto como extensão daquele como também na forma
de controle sobre a população que aí se reúne (COELHO, 1977, p. 17).

José Liberal de Castro, aborda o estilo construtivo arquitetônico empregado


das igrejas no sertão.

os pisos eram em terra batida ou de tijolos, mas em alguns casos os havia


de tabuado, recobrindo campas. Rebocadas e simplesmente caiadas, as
paredes internas não conhecem revestimento de talha ou de azulejos. O
forro, quando existe, é simples tabuado de saia e camisa, em gamela, às
vezes restrito à capela-mor, pintado de liso (CASTRO, 1983, p. 302)

Muitas das construções de igrejas não continham o forro, quando os


recursos eram muito limitados, destinava-se apenas à capela-mor ou à nave
principal, “empregava-se o tabuado de saia e camisa, pendurado por travejamento
atirantado nas linhas das tesouras, embora uma ou outra igreja mostrasse forro em
gamela, com aproveitamento da forma reentrante das tesouras de linha alta”
(CASTRO, 2014, p. 00).

Figura 12: Igreja Matriz de Santo Antônio Figura 13: Capela do cemitério municipal

Autor: Alan Severo Fonte: osertaoenoticia.com

Nos sertões, na vila de Santo Antônio do Quixeramobim, a Igreja Matriz de


Santo Antônio (Fig.12), que teve sua construção iniciada no final do século XVII pelo
próprio fundador da vila, Antônio Dias Ferreira, mais conhecido como Antônio
Conselheiro. Suas características projetuais iniciais eram de aparência barroca, mas
43

sofreu modificações intensas no século XX tornando-se parte do estilo neoclássico.


Ainda abordando a vila de Santo Antônio do Quixeramobim, outra notória construção
religiosa se faz à capela localizada dentro do cemitério, em forma geométrica de
plano circular (Fig. 13), coberta com telhas cerâmicas, construída em colaboração
com a população, sob orientação do italiano Frei Serafim de Catânia, no qual
mantém-se íntegra sua forma original.

3.2.1.3 Edificações Públicas e Militares

O acervo de arquitetura pública e militar no Ceará compunha-se de restos de


fortificações pequenas e frágeis, desmoronadas pelo abandono da capitania. Clóvis
Ramiro Jucá Neto (2007) aborda os fatores que se dá o fato do reduzido patrimônio
público nas vilas, entre eles as casas de câmara e cadeia, resultado da extrema
pobreza das vilas que tinha uma economia instável decorrente da seca e sua
importância mínima para o movimento expansionista. As diretrizes portuguesas com
seu modelo de colonização não foram plausíveis, mesmo nas vilas coloniais mais
importantes da capitania, o caso de Aracati e Icó. Os métodos portugueses
denominavam-se por formas geométricas e retilíneas, desejo não configurado às
vilas supracitadas, que cedeu as determinações e características do lugar desde o
seu processo civilizatório. “As rugosidades setecentistas no traçado atual
demonstram como resultante do caldeamento, como expressão material da
“civilização do couro” (JUCA NETO, 2007, p. 305)

Figura 14: Casa de câmara e Cadeia de Quixeramobim


Fonte: Câmara Muncipal de Quixeramobim
44

4. CAPÍTULO III ─ A IDENTIDADE CULTURAL DE QUIXADÁ E SUAS


INFLUÊNCIAS NO SERTÃO DO ESTADO.
O município de Quixadá está localizado no centro do território cearense,
compreende uma região de 2. 019, 833km², distante cerca de 160km da capital do
estado, Fortaleza. Com 147 anos de emancipação política no ano de 2017, é
considerada a maior cidade do sertão central cearense com uma população
estimada até a presente data de realização deste trabalho, em um pouco mais de 85
mil habitantes, tornado-se a cidade mais populosa da região denominada sertões
cearenses, que abrange um total de 33 municípios.

Dividida em 13 distritos: Califórnia, Cipó dos Anjos, Custódio, Daniel de


Queiroz, Dom Maurício, Juatama, Juá, Riacho Verde, São Bernardo, São João dos
Queiroz, Tapuiará, Várzea da Onça e distrito sede. Quixadá ficou conhecida como
Cidade Universitária, por abrigar 5 instituições de ensino superior públicas e privadas
e oferecer a oferta de um pouco mais de 50 cursos superiores, entre bacharelados,
tecnólogos e licenciaturas, como também consolidou-se como cidade regional.

Figura 15: Limites territoriais que compreende o município de Quixadá/CE.

Fonte: IBGE http://cod.ibge.gov.br/94L


45

4.1 BREVE RESUMO HISTÓRICO DO PROCESSO CIVILIZATÓRIO DO


MUNICÍPIO DE QUIXADÁ.

Sua colonização se deu através da penetração dos rios que banham a região,
rio Jaguaribe, rio Banabuiú e rio Sitiá, com o objetido de tornar esta economicamente
viável com a conquista de novas terras para a criação de gado e produção
comercial. Os desbravadores obtiveram uma sesmaria, denomidada de Sítio
Quixadá que posteriomente abrigou uma pequena construção residencial, capela e
campo de produção agrícola, tornando-se uma grande fazenda e transformando-se
em distrito do município de Quixeramobim, antes vila de Santo Antônio do
Quixeramobim, vindo a desmembrar-se em 1870 tornando-se município de Quixadá.

O Município de Quixadá se originou de uma sesmaria (lote de terra menor


que uma capitania). (...) A propriedade foi comprada pelo Capitão José de
Barros e Carlos Azevedo por duzentos e cinqüenta mil réis, em 1747. Ao
tomar posse José de Barros iniciou, com os índios, mestiços e outros
trabalhadores, o seu processo de urbanização, construindo casa, curral e
capela, dando origem às bases da futura cidade de Quixadá. (...) Por outro
lado, a pecuária foi responsável pela expulsão dos índios de suas terras à
medida que os fazendeiros, sob os pés da cruz, erguiam suas capelas.
(SOUSA, 1998: 37)

Figura 16: Vista a partir da Pedra do Cruzeiro Figura 17: Getúlio Vargas em Quixadá
Fonte: Museu da Imagem e do Som – MIS Fonte: Estações Ferroviárias

Manoel Alves de Sousa (1998, pag. 32-37), na obra “Conhecendo e


construindo a história de Quixadá”, afirma que o processo civilizatório do município
está relacionado à invasão da capitania portuguesa com o interesse em tranformar
esta em uma criação de gado, como em Aracati e Icó. “O criatório de gado ao subir
às margens dos rios Banabuiú e Sitiá, a partir de 1705, efetivava a colonização, a
qual foi marcada pela conquista das terras dos índios Tapuia-Canindé, que, aos
poucos, foram submetidos ao domínio dos invasores portugueses” (SOUSA, 1998, p.
34), desaparecendo posteriormente nas terras quixadaenses devido aos conflitos
46

constantes em decorrência da disputa pecuarista e por terras entre portugueses e


colonos. A partir do século XIX, o município passa a se desenvolver no contexto
urbano, social e econômico, com a construção do Açude Cedro, no combate a seca
e da linha férea, que ligava a capital, Fortaleza, ao sul do estado, com a missão de
facilitar o transporte de mercadorias entre os extremos limites do estado. A extensiva
produção de algodão se fez como o principal fator de influência na sua construção,
que então iguala-se ao município de Quixeramobim em importância, mantendo
relações intensas com a capital, Fortaleza, fortalecendo o aspecto de crescimento
urbano e econômico.

4.2 CARACTERÍSTICAS QUE FAZEM PARTE DA IDENTIDADE CULTURAL DE


QUIXADÁ.
O final da década de 1870 ficou marcado pela maior seca já registrada no
Brasil. A falta de chuvas por anos consecutivos agravou a situação do Nordeste
brasileiro forçando famílias a migrarem para a capital, Fortaleza, que teve um
crescimento exacerbado em cerca de 100mil habitantes e para outros estados em
busca de sobrevivência, resultando no maior processo migratório já registrado no
Brasil. As consequências devastadora da seca trouxeram grandes problemas para a
região, com a perda de plantações e mortes por completo de rebanhos de gado,
resultando na maior miséria no qual o país já enfrentou, vindo a superar pela seca
em 1915, conhecida como o Seca do 15 ou “O Quinze” da escritora cearense,
Rachel de Queiroz.

O Governo Imperial Brasileiro em consciência das consequências sociais


provocadas pela seca, deu ordem de construção do Açude Cedro, decretata pelo
segundo imperador do Brasil, Dom Pedro II, tornado-se esta a pioneira em
intervenções públicas brasileiras no combate a seca e “para a reestruturação do
território no Sertão Central, atraindo grande contingente de trabalhadores e
moradores para aquela paragem sertaneja. Durante todo o período de construção
mais de trinta mil pessoas envolveram-se diretamente” (PEREIRA, s.d, p. 03).

Outra importante obra foi a construção da linha férea, como citado


anteriormente, tinha a missão de facilitar o transporte de mercadorias entre os
extremos limites do estado, no qual os produtores agrícolas enfrentavam
dificuldades no escoamento da produção como também tinha a função de socorrer
os flagelados da seca, ação idealizada pelo estado.
47

Esses processos marcantes na história do sertão, assumem um papel


importante na imagem regionalista como identidade cultural da região. Como aborda
o professor Durval M. Alburquerque Jr.

O Nordeste, que em sua definição como espaço regional autônomo no país,


teve como um dos traços distintivos, exatamente, a sua natureza, que no
discurso regionalista é homogeneizada a partir da imagem da seca e da
aridez, teria um homem particular, teria um tipo étnico, um homem de uma
índole ou caráter distinto, apresentando tradições culturais particulares, por
ser marcado pela convivência com uma natureza áspera, árida, bruta, difícil,
exigindo deste uma constante batalha pela vida. O nordestino seria, nesses
discursos de base biogeográfica, um homem telúrico, homem especial por
ser fruto da adaptação a uma natureza, a um meio especial, um homem
forjado na luta contra o meio, contra a seca e a aridez. (ALBURQUERQUE
JUNIOR, 2013: 165-164.)

Durval, ao citar as características que marcam a região Nordeste do pais, cita


a natureza, que se faz responsável pela imagem do homem nordestino em que o
mesmo se vê refém de suas limitações e torna-se o responsável pelo processo
cultural da região, como abordado no começo deste trabalho. Ao abordarmos outro
ponto de vista, podemos analisar que a imagem regionalista da natureza da
caatinga, em escala municipal, suas características geográficas peculiares, são
responsáveis pelo processo de fixação da sua identidade, no qual é notória na
fabricação artesanal e artística exposta nos comércio populares e reconhecida
nacionalmente e internacionalemente como uma cidade cercada por rochas.

não poderia ser outra a tradução dada à Quixadá, que teve o privilégio de
ser cercada e protegida por esses monumentais monólitos, que simbolizam
nossa hospitalidade mas também traduzem nossa fortaleza e a nossa
capacidade de lutar e vencer as intempéries impostas pela natureza.
(COSTA, 2002, p. 465)

Figura 18: Monólitos de Quixadá Figura 19: Monólitos de Quixadá


Fonte: norteandovoce.com.br Fonte: guiadoturista.com.br
48

A paisagem e natureza de Quixadá, se tornam referência e inspiração às


atividades de cunho artístico e artesanal, (CORREA, 2005, p. 11) aborda que “os
monumentos comunicam permanentemente às mensagens que deles se esperam,
apresentam um forte potencial [...] faz parecer antigo o que é novo e representa
valores que são passados como se fossem de todos”. A referência à transformação
da paisagem de Quixadá, se dá ao fato das alternativas fornecidas por ela, suas
condições naturais, espelhando sua forma natural no âmbito que é vivido ao seu
redor, como em atividades que podem variam de uma área para outra.

Os monólitos que circundam Quixadá sempre foram de admiração por todos


que nos visitam pela primeira vez. Ninguém os vê sem que fique perplexo
com a muralha de pedra, que parece gigantes de mãos dadas a nos
proteger. Ninguém os observa sem enaltecer o capricho da natureza, nem a
criação artística que os posicionou em volta de uma cidade que dorme
tranquila, confiando na fortaleza de defesa que Deus preparou para premiar
o nosso espírito fraterno e a hospitalidade de um povo que abraça todos
que chegam, como se fossem seus próprios irmãos. (COSTA, 2002: 548,
549)

João Heudes da Costa (2002) na obra “Retalhos da História de Quixadá”, faz


uma pequena escrita poética em um trecho com as iniciais que formam o nome da
cidade de Quixadá. Podemos observar as menções que o autor faz à natureza, em
especial aos monólitos, que se tornaram a identidade da cidade.

Como não houve consenso entre os indianólogos, resolvi, com a pena


mergulhada no tinteiro do amor, traduzir não só o nome, mas a beleza de
nossa Quixadá. Decompus as letras de seu nome, formando o seguinte
acróstico:
Querida por todos que aqui nascem, respeitando o seu passado e
preservando as suas tradições, bem como pelos que chegam e a veneram
com respeito e carinho.
Universo de um mundo de paz, onde a fraternidade é o colorido que matiza
a afetuosa acolhida.
Imorredura visão de uma cidade que se estende pelo fértil vale, protegida
por fortes sentinelas, que dão afetuosos abraços nos que chegam e acenam
saudosos para os que partem.
Xodó dos que a conhecem, porque ninguém esquece a amabilidade e o
calor humano que descobre por entre os corredores de pedra, onde
encontramos a verdadeira tranqüilidade,
Amor que experimentamos ao chegar e que se perpetua como se
petrificasse para tornar, cada vez mais bela, a paisagem singular que
emoldura os tabuleiros do Sitiá.
Dádiva que a natureza nos ofertou para tornar inesquecível a imagem de
uma cidade tão meiga, mesmo possuindo um coração de pedra.
Amabilidade que se constitui no maior tesouro que possuímos, porque
quanto mais é dividido mais se torna grandioso e maior a felicidade dos que
dele se beneficiam. (COSTA, 2002: 467)
49

4.3 A CIDADE DE QUIXADÁ COMO CENTRO REGIONAL NO INTERIOR DO


CEARÁ.

Quixadá hoje se apresenta como a cidade mais promissora do sertão central


cearense, é detentora do maior índice populacional e econômico da região, que se
baseia a partir da oferta de serviços, seguida pelo setor industrial e agropecuário,
também é caracterizada como polo universitário no interior, atraindo um número
elevado de novos moradores não fixos vindos de outras cidades, fortalecendo o
mercado imobiliário na oferta de serviços de aluguéis, o comércio de produtos
alimentícios, de lazer e locais turísticos. O município possui várias rodovias de
acesso, sendo as principais, CE-060, CE-265 e BR-122, pelo fato dessas darem
acesso aos municípios vizinhos e a capital do Estado, Fortaleza.

Figura 20: Divisão do Produto Interno Bruto – PIB do município de Quixadá.


Fonte: IBGE, em parceria com Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e
Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA.

Estendendo a abordagem do assunto para a implantação do museu, a cidade


de Quixadá possui todas as potencialidades possíveis de atração turística para o
mesmo, seja através de eventos festivos, políticios, religiosos, educativos e de
natureza, que se faz necessário para o desempenho do projeto, a circulação de
pessoas se torna mais intensa. As atividades profissionais estão ligadas,
principalmente, ao setor secundário e terciário. O âmbito urbano de Quixadá se
caracteriza pelos seus pequenos edifícios residênciais em grande parte para
universitários e pela oferta de serviços como bancos, órgãos governamentais,
50

comércios variados e especializados, hospitais, escolas, universidades, etc. Sede de


diversos equipamentos comerciais e de serviços que até então eram exclusividade
apenas da capital, Fortaleza ou na região sul, Cariri, em Juazeiro do Norte. Essas
características marcantes resultaram amplamente no cenário econômico municipal e
também demográfico, fortalecendo o crescimento do Produto Interno Bruto – PIB,
com este processo de crescimento que se edifica, reflete na sua organização
espacial e de consumo, na sua área urbana, passando a ter uma influência regional
mais intensificada a partir da inserção de novos serviços exclusivos que estão cada
vez mais presentes no município.

Muitas denominações são utilizadas para descrever a cidade de Quixadá


como um todo. Por ter como característica principal as suas formações rochosas
denominadas de monólitos. A cidade denota “sua beleza, a hospitalidade do seu
povo, a torna alegre e amável, com um sorriso que bem denota o nosso
contentamento e gratidão por Deus nos ter colocado em paisagem artisticamente
desenhada, com fundo de tanta beleza” (COSTA, 2002: 424).

O município de Quixadá é um exemplo de transformação na caatinga. A


paisagem árida e os ventos quentes são hoje os principais diferenciais para a região
que se tornou um dos melhores destinos da América Latina para a prática de voo
livre, entre outros esportes como: escalada, rapel, trekking, que se tornaram também
referência.
51

5. CAPÍTULO IV – ESTUDOS DE CASO


5.1 MUSEU DO PATRIMÔNIO CULTURAL INTANGÍVEL DE SUZHOU

Figura 21: Museu do Patrimônio Cultural Intangível de Suzhou


Fonte: ArchiDaily Brasil

 DADOS DA OBRA
Localização: Suzhou, Jiangsu, China
Arquiteto: Vector Architects
Projeto: 2016
Área: 14.000m²

O projeto proposto pelos arquitetos foi a criação de um museu inspirado no


ambiente natural e na cultura tradicional da cidade de Suzhou. O programa consistiu
em separar diferentes funções do museu por áreas e conecta-lás através de
corredores ao ar livre que pudessem ser acessados com visões para o entorno,
contemplando o clima e a vegetação local, que se fizeram presentes na concepção
estrutural do museu e na escolha dos materiais.

O objetivo da escolha do edifício para estudo de caso se dá pelo fato de o


mesmo apresentar ideais semelhantes que podem ser analisados e empregados no
desenvolvimento do projeto. Os arquitetos desenvolveram suas concepções de
elementos que fazem parte da identidade da cidade, envolvendo sua forma e
materiais com o entorno proporcionando ao usuário exeperiências entre a
arquitetura e natureza.
52

Figura 22: Museu do Patrimônio Cultural Intangível de Suzhou


Fonte: ArchiDaily Brasil
Para cumprir com os requisitos do programa e reduzir o impacto negativo no
meio ambiente natural, a maior parte do volume está coberto com um teto verde. O
projeto criado, integra o entorno da natureza à edificação, utilizando-se da
vegetação existente como forma de inserir o museu sem passar a sensação de
limites definidos no parque em que está inserido, fortalecendo ainda mais o seu
conceito de projeto.

Figura 23: Museu do Patrimônio Cultural Intangível de Suzhou


Fonte: ArchiDaily Brasil
53

5.2 MUSEU NACIONAL DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-AMERICANA

Figura 24: Museu Nacional de História e Cultura Afro-americana


Fonte: ArchiDaily Brasil

 DADOS DA OBRA
Localização: Washington, DC, Estados Unidos
Arquiteto: Adjaye Associates
Projeto: 2016
Área: 39.020m²

O projeto proposto pelos arquitetos foi a criação de um museu contemplando


a cultura afro-americana, o edifício foi construído envolto de uma pele de bronze que
faz referência ao artesanato das coroas usadas na África Ocidental, feita para criar
conexões entre o exterior e interior, podendo ser alterada para controles térmicos e
com função de cinema, que exibe trajetórias da cultura afro-americana. Seu interior
foi definido como uma linha do tempo em que os visitantes são guiados em uma
jornada histórica em espaços que recebem entrada de luz de acordo com o contexo
histórico da linha do tempo, tornado-se uma experiência emocional.

O objetivo da escolha do edifício para estudo de caso pode ajudar a elaborar


com maior clareza o programa de necessidades de acordo com a abordagem da
imagem que os ambientes do museu querem repassar para os usuários, na
construção de ambientes reais que podem proporcionar ao visitante sensações
únicas que não puderam ser vivenciadas em no ambiente real.
54

Figura 25: Casa para escravos em exibição no Museu Nacional de História e Cultura Afro-americana.
Fonte: Jornal O Globo
A exposições de produções que se tornam símbolos do povo, são usados
para confrontar os visitantes sobre o racismo e momentos de resistência que
definiram a vida desses povos.

Figura 26: Estátua da ativista Clara Brown junto a uma senzala em exibição no Museu Nacional de
História e Cultura Afro-americana.
Fonte: El Pais Brasil
55

5.3 MUSEU CAIS DO SERTÃO

Figura 27: Museu Cais do Sertão no Recife/PE


Fonte: Diário de Pernambuco

 DADOS DA OBRA
Localização: Recife, PE, Brasil
Arquiteto: Brasil Arquitetura
Projeto: 2013
Área: 7.500m²

O projeto proposto pelos arquitetos foi construído no local do antigo Armazém


10 do Porto do Recife, com a missão de proporcionar ao visitante uma experiência
de imersão na cultura popular nordestina. Tendo como fio condutor a obra de Luiz
Gonzaga. Foram utilizados elementos que fazem referência a uma pedra do Sertão
do Piauí. A construção é constituída por 2 blocos, com cobertura metálica que
mantém a aparência do antigo armazém que existia no local, implantou-se envolto
uma máscara de cobogó, remetendo à renda, à terra trincada e à visão do sertanejo
da galhada na caatinga.

O objetivo da escolha do edifício se justifica pela representação total do


mesmo interesse na abordagem sobre o Sertão. O projeto compartinha do
pensamento na utilização das maquetes de figura sertaneja com, como na utilização
dos acabamenos, representando a arquitetura popular produzida no sertão.
56

Figura 28: Museu Cais do Sertão no Recife/PE


Fonte: Porto do Recife

Figura 29: Museu Cais do Sertão no Recife/PE


Fonte: 360 Meridianos
57

Figura 30: Museu Cais do Sertão no Recife/PE


Fonte: ideiasdefimdesemana.com

“Nas novas intervenções dentro do galpão, utilizamos o concreto pigmento em


amarelo bem forte, muito quente. É uma tentativa de buscar a proximidade com a luz
do Sertão, a tonalidade do solo e da pedra” (FERRAZ, 2014).

Figura 31: Museu Cais do Sertão no Recife/PE


Fonte: TripAdvisor
58

6 CAPÍTULO V – DIRETRIZES PARA O PROJETO

A cidade de Quixadá apresenta uma importante cultura patrimonial histórica e


natural, a sua unidade de conservação ambiental, conhecida como Monumento
Natural dos Monólitos de Quixadá, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional – IPHAN em 2004, juntamente com o Açude Cedro em 1984
trouxeram grandes conquistas para o município em relação a preservação, mesmo
que suas diretrizes não sejam executadas amplamente ou na forma da lei. Contudo,
“é notória a ausência de uma abordagem que considere a afeição, os aspectos
relacionados à memória social local e o valor cultural dos respectivos bens para a
população do município” (VIEIRA NETO, 2012, p. 34).

O valor cultural desta paisagem natural pode ser verificado por suas formas
notáveis, seja por sua beleza contagiante, seja pela ‘aparência
extraordinária, singular, bizarra ou curiosa que avulta à vista, dentre as
demais’, e também pela forte representatividade do conjunto na totalidade
de formações geomorfológicas similares existentes em outras partes do
país, seja por sua localização privilegiada e em destaque na paisagem, seja
por constituir magnífico exemplo deste tipo de afloramento (IPHAN CE/RN,
2001, p.06).

Ao se pensar no conceito inicial do projeto de um museu que explore a


identidade cultural e arquitetônica de Quixadá e do sertão, suas necessidades e
diretrizes, precisamos explorar o sentido de como “a arquitetura usa os precedentes
da história social e cultural e aplica essas influências às edificações, formas e
estruturas contemporâneas” (FARRELY, 2014, p. 32). Portanto, o projeto se
pressupõe de uma variante que se confirma com o decorrer do seu
desenvolvimento, em que “pensá-lo por meio de imagens visuais; e projetar no que
se refere a edificações em arquitetura, é formular intervenções organizadas no
espaço, por meio de imagens visuais” (GOUVEA, 1998, p. 16), imagens essas que
fazem parte do âmbito urbano e social associadas da natureza, que se tornam
aspectos e significados no qual poderíamos relacionar com a edificação em si. João
Paulo Vieira Neto, aborda o contexto dos significados ao Monumento Natural dos
Monólitos de Quixadá.

[..] são as significações conferidas pela população aos monólitos de


Quixadá que podemos verificar um sentimento de pertencimento e de
construção de identidade, uma proximidade e intimidade entre o humano e
o natural capazes de lhes proporcionar referências espaciais, afetivas e
religiosas, de imprimir nomenclaturas próprias, além de histórias e lendas
particulares sobre cada uma das formações rochosas que integram e
circundam a cidade (VIEIRA NETO, 2012. p.34).
59

Se tratando de um projeto explorador da região, este trabalho limitado no


estudo civilizatório, processual artístico, arquitetônico e identitário cultural, utiliza-se
de tais elementos como referências projetuais e conceituais de maneira
sistematizada, analisando a importância numa perspectiva regional para a melhor
compreensão visual e estética do usuário e que sirva de subsídios para tais
constatações de relações entre o existente e o projetado.

“[...] os conceitos vão se depurando desde a fase inicial do trabalho.


Durante todo o processo se identificam possibilidades para solucionar os
aspectos funcionais, construtivos e de volumetria do projeto, expresso por
meio de desenhos exploratórios” (MACEDO, 2002, p. 91)

Esses conceitos referenciais nos mostram visões que se adaptam a forma


volumétrica da edificação, no qual “fazemos tudo mentalmente. Porém de um modo
ainda misteriosamente mágico, criamos a visão de uma coisa que não vimos antes”
(DONDIS, 1997, p. 17) mas com referências identitárias locais. Com isso, “a
arquitetura precisa responder às ideias que podem surgir nas diversas áreas da
sociedade e aceitar as influências” (FARRELY, 2014, p.156) a que ela se
entrelaçam. De acordo com Simoni Scifoni em sua tese, “A Construção do
Patrimônio Natural”¹³:

Há duas visões antagônicas do monumento natural. A visão oriental foca o


monumento a partir de seu caráter memorial, sua ligação com a tradição, os
costumes, as lembranças coletivas. Já a experiência francesa, que foi
generalizada pelo mundo, associou o monumento a sua expressividade
estética – grandiosidade e beleza -, que pode estar presente nas obras de
arte, nos edifícios históricos ou em testemunhos da natureza. (SCIFONI,
2008, p. 20-21. Grifo meu).

Como podemos perceber, a autora ao abordar o termo expressividade


estética, nos vem o pensamento a respeito das paisagens notáveis de beleza
natural, em pensamento mais amplo, de como a partir delas podem surgir possíveis
ideais de inovação que sejam empregadas esteticamente na forma volumétria e que
“também podem influenciar no projeto de edificações. Essas inovações podem
estimular uma nova maneira de pensar a edificação, facilitar ou baratear o processo
de construção ou criar um tipo de manifesto visual” (FARRELY, 2014, p. 84) que fará
parte da concepção do museu.

____________________
¹³. Disponível em: <gesp.fflch.usp.br/sites/gesp.fflch.usp.br/files/Livro_simone.pdf>
60

6.1 DIRETRIZ DE LOCAÇÃO

Figura 32: Divisão espacial realizada para a escolha do terrero do projeto.


Fonte: Google Maps (Modificações: Autor)

A divisão espacial realizada (Fig. 32) para a escolhada do local de


implantação do projeto, dividiu-se em 3 categorias, são elas: o miolo urbano –
representado em azul –, tendo seus limites o leito do rio Sitiá e outros recursos
hídricos como o Açude do Eurípedes, mas com poucos lotes de terras disponíves
capazes de abrigar a edificação, em contraposição é detentora da maior quantidade
de possíveis futuros usuários de qualquer meio de locomoção.

A área que abrange o contorno da BR 116 e o rio Sitiá – representado em


vermelho -, com muitas unidades de terras disponíveis capazes de abrigar a
edificação e loteamentos no entorno, sendo necessário adaptações na malha urbana
a fim de atrair usuários no menor percurso de tempo, facilidade e conforto possível a
partir de qualquer meio de locomoção. Por último, a área – representado em laranja
– que abrange o entorno da CE-060, a mais distante do miolo urbano, sendo
necessário as mesas adaptações da região representada em vermelho, mas com
menor quantidade de possíveis futuros usuários se comparada a região anterior.
61

A cidade de Quixadá, por sua localização central no sertão cearense, torna-se


um ponto nodal para a malha rodoviária que corta os limites do estado. Dentre as
regiões diferenciadas anteriormente, as futuras possíveis glebas para a implantação
do projeto se dão a no máximo em um raio de 1km distante das mesmas.

De acordo com os estudos de caso, a área necessária para abrigar todo o


futuro programa de necessidades que abrange um museu histórico e cultural, são
áreas entre de 7.500m² e 39.000m². A primeira gleba no miolo urbano –
representado em azul – apresenta uma área de quase 20.000m²

Figura 33: Gleba 1 disponível na área representada em azul. Área total: 19.224,72 m²
Fonte: Google Maps (Modificações: Autor)
Todas as glebas disponíveis nas regiões – vermelho e laranja – que
circundam o miolo do centro urbano poderiam atender as necessidades projetuais,
porém, seriam regiões menos favorecidas a atração populacional sem locomoção
motora, tornando o custo do projeto elevado com as adaptações que seriam
necessárias na malha urbana.

Ao contrário, o miolo central urbano – representado em azul –, mesmo com


escassas e limitadas metragens de terra, poderia resultar na presença constante e
em maior fluxo de pessoas na edificação, em que o meio de locomoção motora seria
o fator menos determinante de acesso ao museu, sendo necessário apenas
modificações no entorno para maior conforto dos usuários com uma pequena
reestruturação da malha urbana.
62

Figura 34: Gleba 2 disponível na área representada em vermelho. Área total: 46.035,80 m²
Fonte: Google Maps (Modificações: Autor)
Ambas as glebas foram escolhidas a partir de pontos nodais nas regiões
determinadas na Figura 32. A gleba 2 está localizada entre loteamentos residênciais
e a gleba 1 se fez referência a UPA localizada no entorno.

Figura 35: Gleba 3 disponível na área representada em laranja. 26.576,02 m²


Fonte: Google Maps (Modificações: Autor)
63

Figura 36: Caracterização da área com localização das glebas e vias de acesso
Fonte: Google Maps (Modificações: Autor)
A caracterização final da área mostra as glebas escolhidas representadas de
acordo com sua determinação (Fig. 32) a partir do acesso das rodovias estaduais –
em amarelo -, federal – em lilás – e acessos que precisam ser adaptados para
atender o fluxo – em verde -.

Ao realizar a escolha da locação, deve-se levar em conta de que a cidade de


Quixadá possui seu centro bem definido, em análise espacial, é possível perceber
que todas as suas localizações podem ser percorridas a pé.

Em suma, a forma simbólica histórica e as características econômicas


contribuem para a construção da paisagem que se torna símbolo da cidade, é a
representação empírica da região em estudo, onde está presente sua identificação
como manifesto cultural, artístico e artesanal, em que não há diferenciação entre o
velho e o novo, rico ou pobre, é um “espaço de convergência de uma população
regional de cerca de 320 mil habitantes, essa é a principal razão que imputa ao
centro da cidade a característica de principal polo de atração de fluxos relativos às
atividades terciárias formais e informais” (PEREIRA, s.d, p. 01).

O Centro urbano de Quixadá reúne tempos diferentes da reprodução da


vida no recorte do sertão cearense. A aglomeração das formas
arquitetônicas, as praças, a monumentalidade das igrejas, o vai-e-vem das
pessoas, dos animais, das mercadorias representam a produção histórica e
presente de uma cidade e assim, simultaneamente, da sociedade. O centro
da cidade com suas funções comerciais, residências, institucionais e banais
são transformados continuamente pelas demandas tanto de moradores
como de visitantes (PEREIRA, s.d, p. 04)
64

6.2 DIRETRIZ ESTRUTURAL

Ao pensarmos na forma volumétrica da edificação, pensamos também em


como se dará a sua concepção estrutural. Partindo do projeto para o objeto
representado desde o seu processo idealizador, buscamos soluções que sejam
capazes suprir suas respectivas demandas, mas que também não percam a
essência da forma e estética idealizada a princípio. Descrever quais são os
principais desafios e solucioná-los integrado à forma, é o passo inicial mais
importante antes de quaisquer outros anseios. Sendo esta solucionável, se pode
partir para as definições que farão se tornar possivel todas as formas pensadas em
conjuto.

Yopanan Rebello (2000) exemplifica a importância de se pensar na


concepção estrutural da mesma forma que pensamos na idealização do projeto em
si, no qual a concepção da estrutura não deve ser vista como algo imprevisível ou
mesmo contingente, mas vista como idealizações estéticas, que podem ser
pensadas a partir de qualquer objeto ou elemento que represente a identidade do
que esta se propondo a construir. Assim, se tornará possível encontrar maneiras e
soluções de harmoniza-las à sua volumetria, em que a solução escolhida baseada a
partir desses ideais, sejas criativas ou bem embasadas, são resultados do profundo
conhecimento existente adquirido na idealização inicial da forma volumétrica,
podendo ir além de inúmeras tentativas afim de achar a adequação perfeita.

Para melhor entendimento, Mauro César de Brito explica a diferença entre


concepção estrutural e projeto estrutural, o mesmo fato se dá para forma
arquitetônica e projeto arquitônico.

O projeto estrutural e o projeto arquitetônico da estrutura podem ser


divididos em duas categorias de atividades que são bem amplas: a primeira,
de invenção da forma e arranjo da estrutura e a segunda a de definir e
detalhar as especificações, geometria e dimensões de todos os
componentes da estrutura e as conexões entre eles. (SILVA, 2009, p.15).

A idealização da concepção estrutural para o projeto de um museu que


abranja a identidade cultural e arquitetônica do sertão cearense, deve ser pensada a
partir dos principais fatores integrantes que levaram a escolha do projeto e onde o
mesmo será inserido, mas que não criem conflitos com sua forma arquitetônica, no
qual a mesma poderá seguir os mesmos fatores, partindo de caminhos iguais
resultando na diferença elementar inspiradora. Partindo do pressuposto, Yopanan
65

ressalta que “não se pode imaginar uma forma que não necessite de de uma
estrutura, ou uma estrutura que não tenha uma forma. Toda forma tem uma
estrutura e toda estrutura tem uma forma” (REBELLO, 2000, p. 26). Uma boa
solução na escolha do modelo de estrutura para o projeto de um museu, pode variar
de acordo com o seu programa de necessidades, como também para o local de
implantação, em que para a sua execução possa fornecer mão de obra acessível a
partir de materiais disponíveis no município e na região, barateando o custo final do
projeto e atendendo ass demandas do que foi predeterminado.

A decisão para o estilo de estrutura do museu poderá ser pensado pelo


idealizador a partir dos elementos naturais integrantes do bioma da caatiga ou
mesmo das formações rochosas dos monólitos de Quixadá, quando vistas a partir da
linha do horizonte, em sua totalidade. Imaginação esta que deve ser esquematizada
através de croquis em concomitante com sua forma volumétrica inicial, como
abordado anteriormente. Segundo Yopanan, “quando o criador da forma não se
preocupa com o ato gêmeo da concepção estrutural, delegando a outro profissional
esta função, corre o risco de ver seu projeto totalmente desfigurado” (REBELLO,
2000, p. 27). Com base, a escolha dos materiais que se darão na concepção da
estrutura também devem ser selecionados pelo seu criador, que sejam capazes
suprir e adquirir a modulação desejada.

Portanto, a definição completa de toda a concepção de ideias, locação e


estrutura do projeto do museu, se dará a partir do processo de relação do
idealizador com os elementos fundamentais decisórios projetuais, a apropriação do
espaço físico associados ao seu entorno através características naturais e da
semiótica. Como esclarece a autora Marília Xavier Cury, a relação do museu com o
seu espaço construído através de recursos sensoriais.

A elaboração espacial associada à visualidade da exposição são momentos


chaves no processo de concepção, pois são questões fundamentais da
experiência do visitante. A maneira como dispomos os objetos no espaço é
uma das determinantes da interação. A maneira como o visitante circula –
caminha – no espaço expositivo é pré-definida (mas não impositiva) –
mesmo quando o circuito é de livre escolha – pelo museu e corresponde a
uma forma de apropriação do conhecimento. Estou me referindo ao ato de
ocupação do espaço e como as pessoas podem aprender sobre
determinado assunto se movendo nesse espaço. O movimento do público –
ou as múltiplas possibilidades de movimentação – é pensado frente à
problemática conceitual da exposição, as questões arquitetônicas e,
principalmente, frente ao que se acredita se a melhor forma de interação
entre a proposta do museu e seu público por meio do espaço (CURY, 2005,
p.40
66

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise complexa do


processo de ocupação na formação do espaço territoral cearense. Através do
processo de organização do espaço urbano, pode-se perceber o início da formação
das primeiras fazendas e vilas, consolidadas a partir dos rios que banham o estado,
do comércio a partir da matéria prima local e como se deu o processo de produção e
comercialização. Dada à importância do sertão como cultura, do que abrange a
análise completa, permitiu a compreensão do seu caráter produtor simbólico e usual
imerso no processo de formação da cultura no sertão cearense.

Nesse sentido, diante das necessidades do processo civilizatório surge o


modo construtivo arquitetônio a partir dos materiais disponíveis da natureza. A
arquitetura popular rural e urbana encontram limitações em seu processo
construtivo, nas casas de fazenda pode-se observar as etapas que se davam a sua
construção, em partes, por conta das prioridades serem destinadas à produção
agrícola, em contraposição, nas casas urbanas os sobrados em Aracati
representavam sinal de riqueza e nobreza com a utilização de materiais estéticos
luxuosos muitas vezes importados da Europa. Diferente do litoral, a tentativa de
reproduzir as características construtivas atráves de implementações estéticas nas
fachadas das casas no interior tornaram-se a identidade das residências no sertão,
pela sua simplicidade e característica usual única.

Para mais, também foi possível analisar em pequena escala a identidade


cultural do município de Quixadá, local em que se fará a implantação do projeto.
Permitindo assim, através de um breve resumo histórico como se deu o processo de
desenvolvimento das suas principais identidades, que hoje são conhecidas
nacionalmente e internacionalmente. Além disso, como esses elementos identitários
locais podem auxiliar na elaboração e implementação do plano museológico. Dada
importância, percebemos a influência da cidade de Quixadá e como essas podem
ser importantes para a concepção do museu.

Ao abordar o estudo que compreende a formação de um museu, temos que


por em mente que o que caracteriza um museu é a intenção com que foi criado, e o
reconhecimento público o mais amplo possível, de que é efetivamente um museu.
Para que esse fato se verifique com toda a sua força, é necessário “musealizar” as
identidades e processos do sertão, seu patrimônio material tanto quanto o não
67

material de forma que seja possível expressá-los, da sua devida importância e como
objeto representativo. O simples ato de preservar, isolado, descontextualizado, sem
objetivo de uso, significa um ato de indiferença. Entendemos o ato de preservar
como instrumento de cidadania, transformador, que proporciona a exploração de
todo o seu rico potencial integrado.

A abordagem dos aspectos tangíveis e intangíveis abordados e entendidos no


desenvolver deste trabalho se tornam uma discussão reiterada e nunca esgotada do
que se compreende a função social de um museu, pois o mesmo é inteiramente
ligado a partir da exploração desses aspectos.

Pode-se concluir através desse estudo documental, todas as diretrizes que se


farão necessárias na concepção da forma volumétrica, estrutural e do programa de
necessidades que dará na próxima etapa. Os estudos de caso permitiram
aprofundar o pensamento nas identidades que se tornam símbolos da região e criar
mentalmente concepções de formas e volumes capazes de representar uma
arquitetura da região em seus traços físicos.

A importância de definir objetivos no começo de uma pesquisa deve ser dado


como o passo mais importância. Os objetivos apresentados no começo deste, pode
ser considerado conclusivo, apresentam-se todas as abordagens possíveis que
caracterizam o campo dos objetivos especifícos desta pesquisa. No qual pode ser
utilizado em todas as fases e níveis no decorrer do Trabalho Final de Graduação.
Entretando, as hipóteses elaboradas mostraram uma visão de um projeto mais
realísta.

Com a elaboração deste trabalho, o interesse em aprofundar os estudos a


campo se faz como o próximo passo a ser dado. A análise em campo poderá
identificar de forma mais detalhada e oferecer compreensão mais ampla, quais são
os patrimônios presentes na região que ainda podem remeter a imagem do processo
civilizatório da região, suas condições atuais e de como é visto pela população, além
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