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MATRIZ NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE CARRANCAS

HISTÓRIA E PARTICIPAÇÃO NA FORMAÇÃO CULTURAL DE


CARRANCAS
MATRIZ NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÂO DE CARRANCAS
HISTORIA Y PARTICIPACIÓN EN LA FORMACIÓN CULTURAL DE CARRANCAS

MATRIZ NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÂO DE CARRANCAS


HISTORY AND PARTICIPATION IN THE CULTURAL FORMATION OF CARRANCAS

Instituições e sociedade: global, nacional e local

Lucas Vilela Souza


Mestrando – PROARQ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
lucas-vilela@outlook.com
Wagner Lawall de Freitas
Arquiteto e Urbanista – Formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora
wagner_lawall@hotmail.com

Resumo:
Um dos valores que se conserva de forma coletiva no município de Carrancas-Minas Gerais, é a tradição
religiosa que atravessa várias gerações. Podemos dizer que isso se deve à Matriz Nossa Senhora da
Conceição, que reúne manifestações diversas da fé católica. O presente artigo tem como principal elemento
a Igreja e seu estabelecimento no cenário de desenvolvimento e suporte da fé e cultura de Carrancas. Desta
forma buscou-se como objetivo, apresentar a história do exemplar arquitetônico durante a passagem do
tempo e suas transformações, pontuando a importância da matriz e sua relação com o entorno, expondo as
mudanças que vem acontecendo na cidade e as descaracterizações de importantes símbolos, que contribuem
para a identidade cultural de Carrancas. O método utilizado permeia pesquisa in loco e levantamento
bibliográfico, documental e iconográfico.
Palavras-chave: Matriz Nossa Senhora da Conceição de Carrancas; Carrancas; patrimônio.

Resumen:
Uno de los valores que se conserva de forma colectiva en el municipio de Carrancas-Minas Gerais, es
la tradición religiosa que atraviesa varias generaciones. Podemos decir que esto se debe a la “Matriz
Nossa Senhora da Conceição, que reúne manifestaciones diversas de la fe católica. El presente
artículo tiene como principal elemento la Iglesia y su establecimiento en el escenario de desarrollo y
soporte de la fe y cultura de Carrancas. De esta forma se buscó como objetivo, presentar la historia
del ejemplar arquitectónico durante el paso del tiempo y sus transformaciones, puntuando la
importancia de la matriz y su relación con el entorno, exponiendo los cambios que vienen sucediendo
en la ciudad y las descaracterizaciones de importantes símbolos, que contribuyen a la identidad
cultural de Carrancas. El método utilizado permea investigación in loco y levantamiento bibliográfico,
documental e iconográfico.
Palabras clave: Matriz Nossa Senhora da Conceição de Carrancas; Carrancas; el patrimonio.

Abstract:
One of the values that is conserved of collective form in the municipality of Carrancas-Minas Gerais,
is the religious tradition that crosses several generations. We can say that this is due to the “Matriz
Nossa Senhora da Conceição”, which brings together many manifestations of the Catholic faith. This
article has as main element the Church and its establishment in the scenario of development and
support of the faith and culture of Carrancas. In this way, the objective was to present the history of
the architectural model during the passage of time and its transformations, highlighting the
importance of the matrix and its relation to the environment, exposing the changes that have been
taking place in the city and the important symbols that contribute to the cultural identity of Carrancas.
The method used permeates research in loco and bibliographical, documentary and iconographic
survey.
Keywords: Matriz Nossa Senhora da Conceição de Carrancas; Carrancas; patrimony.
MATRIZ NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE CARRANCAS
HISTÓRIA E PARTICIPAÇÃO NA FORMAÇÃO CULTURAL DE
CARRANCAS
INTRODUÇÃO

A cidade de Carrancas, situada no sul de Minas Gerais, possui 3.498 habitantes (IBGE 2010).
Localizada no roteiro do caminho velho da Estrada Real, sua origem não se deu pela exploração
do ouro e sim pelo comércio e plantios de roças, que serviam de apoio para os bandeirantes e
mineradores que por ali passavam. O município possui belas visadas e muitas cachoeiras, e vem
cada vez mais se consolidando como polo turístico em diversos segmentos, como ecoturismo,
turismo de aventura e histórico-cultural.

Além dos atrativos naturais, o município de Carrancas conserva tradições, como a religiosidade,
caracterizada no cotidiano da pequena cidade, que tem na Matriz Nossa Senhora da Conceição o
suporte para a fé católica.

A Praça Manoel Moreira é o endereço da Matriz e também a principal referência da comunidade,


como ponto de sociabilidade e palco das festividades, como o carnaval, festival gastronômico,
procissões, quermesses, etc.

Segundo Carsalade (2014, p.111) “A arquitetura é uma obra de arte que se diferencia duplamente
por nascer de uma demanda utilitária humana e de necessitar de algum lugar específico para se
estabelecer.” A Matriz surge da devoção à Imaculada Conceição e da demanda de um novo templo
religioso para resgatar a importância do povoado. Hoje não há como desvincular a religiosidade do
edifício como obra de arte e suporte para essas manifestações.

Ainda segundo Carsalade (2014, p.113) “[...] a arquitetura não se dissocia do lugar onde se instala,
o qual, por sua vez, condiciona a forma.” Levando em consideração esse pensamento, a edificação
teve papel fundamental no desenvolvimento do município que cresceu no seu entorno, com casas
que abrigavam os fazendeiros nas festividades e celebrações religiosas, consolidando a paisagem
e o traçado urbano ao seu redor, superando “[...] seu tempo, sua condicionalidade primeira, de bem
utilitário, para assumir uma dimensão pública, imersa na paisagem vivida cotidianamente e no
espaço de referências das pessoas.” (CARSALADE 2014, p.115)

A Matriz extrapola questões religiosas, fazendo a interação entre lugar e identidade.

A importância do patrimônio cultural edificado parece se situar, em um primeiro


momento, apenas na matéria, posto que, afinal, é ela que justificaria sua proteção
e espaços de permanência. No entanto, a literatura recente sobre a questão tem
demonstrado a impossibilidade de se desvincular os objetos dos significados que
eles trazem para a sociedade, ou seja, não há como separar os conteúdos materiais
e imateriais dos bens patrimoniais. (CASTRIOTA, 2012, p. 230)

Mariely Cabral Santana (2009, p. 35) também relata em seu livro “Alma e festa de uma cidade” a
relação de patrimônio material fundindo com o imaterial.
A cultura, portanto, não reside apenas no objeto, no suporte físico, como também
não está restrita apenas à condição intelectual. A cultura só pode ser entendida
através da relação do homem consigo mesmo, com a sociedade em que está
inserida e, principalmente, na relação desta sociedade com a sua produção material
e imaterial, ao longo do tempo e em um espaço determinado. Deste modo, é
possível perceber que existem alguns bens que acumulam significados durante sua
história, passando a merecer esforço especial no sentido da sua preservação e
disponibilização para usos futuros. Trata-se de bens que fazem parte de uma
identidade local, uma fatia de memória coletiva, que traduz uma maneira de viver
em comunidade.

Embora a Matriz faça parte da identidade local e seja possuidora de aspectos materiais, históricos,
estéticos, paisagístico e também valores simbólicos e memoriais, não é atribuída a ela nenhuma
proteção legal, sendo que a edificação em questão foi inventariada no ano de 2009 pela Secretaria
Municipal de Cultura e Turismo da Prefeitura de Carrancas e embora o plano diretor de Carrancas
trate o tombamento da edificação como algo prioritário, é notado uma resistência da administração
municipal e da igreja em efetivar a proteção por tombamento do imóvel, que ao nosso entender
deve ser realizado de forma integral.

Eduardo Yázigi cita em seu livro “A Alma do Lugar”, questões que podemos notar em Carrancas,
que buscam apenas “modismos” não respeitando hábitos, tradições e valores da população, são
elas: (...) a despersonalização dos lugares: o uso indiscriminado do progresso técnico e o abismo
social, aliado a um baixo grau de informação do cidadão; o preconceito pelo antigo e pelas coisas
da terra; (...) a desconsideração das características ‘menores’ do lugar... (YÁZIGI, 2001, p. 21-22)

A partir dos apontamentos de Yázigi e de diversos outros fatores, como a inexistência de proteção
legal à Matriz, a falta de consciência da necessidade de se preservar as heranças de tempos
passados, consequentemente motivam descaracterizações na igreja e em seu entorno imediato.
Essas descaracterizações são presenciadas na própria Praça Manoel Moreira que foi refeita no final
do século XX, com mudanças que alteraram a dinâmica visual, como a construção de um coreto e
de uma cascata na parte frontal da igreja. Também foram descaracterizadas diversas edificações,
sendo recentemente os Passos da Paixão de Cristo o alvo de intervenções.

Segundo Lynch (2011, p.11), “Nada é vivenciado em si mesmo, mas sempre em relação aos seus
arredores”. Através da afirmativa de Lynch, fica entendido a importância que seja protegido não só
os bens imóveis, como também o seu entorno, onde devem ser estabelecidas diretrizes especiais
para a ocupação, como gabarito máximo para novas edificações, entre outras que preserve as
edificações de valor histórico cultural para o município e evitem uma interferência na leitura do bem
e no ambiente urbano.
MATRIZ NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE CARRANCAS: DADOS HISTÓRICOS

O início

O histórico da Matriz Nossa Senhora da Conceição de Carrancas, se entrelaça com a devoção à


Imaculada Conceição, onde na distância temporal de um século, foram edificados três templos
religiosos dedicados ao mesmo orago1 no mesmo município.

O primeiro templo religioso erguido em Carrancas é a Capela Nossa Senhora da Conceição do


Porto do Saco – 1721 (Figura 1), edificada por João Toledo Pizza e Castelhanos, tendo como sede
a paragem do Rio Grande, atual distrito do Porto do Saco, na divisa com o município de São João
Del Rei.

Figura 1: Capela Nossa Senhora da Conceição do Porto do Saco, primeira capela erguida em Carrancas, localizada no
distrito do Porto do Saco.
Foto: Lucas Vilela, junho de 2013.

Após a paragem do Rio Grande, seguindo a sul-sudoeste, passando pela Serra de Carrancas,
formou-se outro povoado, dando origem onde hoje se localiza a cidade de Carrancas (Figura 2).

1 Padroeiro, Santo ou Anjo a quem se dedica uma localidade, povoado ou tempo.


Sítio das Carrancas é a denominação da fazenda de Inácio Franco Torres, que remete às primeiras
ocupações no município. Ali foi edificada a Capela de Nossa Senhora da Conceição das Carrancas
e Rio Grande2 (Figura 3), datada de 1729 (MOURÃO, 2009 p.106-107), coincidindo o Orago com
o da já citada Capela Nossa Senhora da Conceição do Porto do Saco.

Figura 2: Vista de Carrancas na década de 1930. Notamos em destaque a Matriz Nossa Senhora da Conceição e no alto do
morro a Capela de Santo Antônio.
Fonte: Acervo de Claudia Ferolla Ferreira.

2 Esta capela foi edificada no local onde se situa o cemitério municipal. Na segunda metade do século XX a capela citada
foi demolida e mais tarde substituída por uma nova, dedicada à Nossa Senhora do Rosário.
Figura 3: Desenho da primeira Matriz Nossa Senhora da Conceição de Carrancas e posterior Capela de Santo Antônio, já
demolida.
Desenho: Rafael Zampa. Agosto de 2013.

Disputa litúrgica entre Lavras e Carrancas

A paróquia de Nossa Senhora da Conceição das Carrancas foi criada em 1736, por provisão de
Don Frei Manoel da Cruz, tendo como pároco o Padre Antônio Mendes (AMATO, 1996 p.77). A
paróquia foi elevada à freguesia em 1749 pelo mesmo bispo (TRINDADE, 1945 p.83), tendo a
Capela Nossa Senhora da Conceição do Porto do Saco (Figura 1) e a do Rosário da Cachoeira
(onde hoje é Lavras) como filiais.

Em 18 de setembro de 1751 foi requerida provisão para construção da Capela de Sant’ Ana, onde
hoje se encontra a cidade de Lavras (MOURÃO, 2009 p.110-116), cuja autorização veio em 16 de
janeiro de 1752 (TRINDADE, 1945 p.83), mesmo ano em que a freguesia de Carrancas foi elevada
à categoria de capela colativa, ocasionando na vinda de um vigário apresentado pelo Rei e colado
pelo Bispo (AMATO, 1996 p.79).

Em 1760, o Visitador geral da Diocese de Mariana, Revmo. Padre Dr. José Soares Aranha Brandão,
relata a necessidade de uma nova Matriz, “pois a que havia em Carrancas pertencia a um particular
[Inácio Franco], não tinha adro, nem comodidade para procissões” (BARBOSA, 1995 p.86 apud
MOURÃO 2009 p.137), dificultando a restauração da freguesia, que teve sua sede transferida para
Santana das Lavras do Funil em 21 de novembro de 1960 por ato do bispo Dom Frei Manoel da
Cruz (AMATO, 1996 p.79).

A Freguesia Nossa Senhora da Conceição das Carrancas, permaneceu como capela filial até o dia
13 de outubro de 1814, quando foi desmembrada da Freguesia de Santana das Lavras do Funil,
data em que provavelmente a nova Matriz Nossa Senhora da Conceição de Carrancas estava sendo
edificada. Sendo assim, com a construção da nova Matriz, a primeira tornou-se Capela de Santo
Antônio. Durante a reforma da Matriz entre 1951 e 1952 foi utilizada para os atos litúrgicos e, mais
tarde, foi demolida e substituída por outra capela dedicada à Nossa Senhora do Rosário.

A Matriz Nossa Senhora da Conceição de Carrancas

Não se pode precisar a data de construção da Matriz, devido à falta de documentação


comprobatória. Como já citado, a restauração da Freguesia Nossa Senhora da Conceição de
Carrancas, ocorreu no dia 13 de outubro de 1814, dando indícios da construção da nova matriz,
devido ao relato do Padre Dr. José Soares Aranha Brandão em 1760, que expõe a necessidade de
se construir uma nova igreja, que acolhesse as atividades religiosas e que não pertencesse a um
particular, para se restabelecer como sede de paroquia.

No início do século XIX temos dois relatos que mencionavam a igreja, um do cientista e botânico
francês Auge de Saint-Hilaire (1974, p. 48) que, em sua passagem por Carrancas em 1822,
descreve:

[...] encontramos a Vila de Carrancas, sede de paróquia. Quando muito, merece o


nome de aldeia. Fica situada numa encosta de colina e compõe-se de umas vinte
casas situadas em volta de uma praça coberta de grama.
[...] Não é à mineração que Carrancas deve a origem. No lugar em que está situada
existiu outrora uma fazenda com capelinha. Atraídos pelo desejo de ouvir missa,
alguns cultivadores vieram estabelecer-se na vizinhança. Foi a fazenda destruída,
mas a capela continuou a subsistir. Substituíram-na por uma igreja mais
considerável e a pouco e pouco formou-se a aldeia (SAINT-HILAIRE, 1974, p.
48 - grifo dos autores).

A outra citação é de Dom Frei José da Santíssima Trindade que, em sua visita Episcopal em 1824,
relata a Matriz, inclusive já com os três retábulos:

[...] A igreja é toda de pedra com duas torres e está toda forrada e campada. É
pequena, com 3 altares, e acabados os retábulos pintados e dourados. Pia batismal
de pedra e vasos dos santos óleos de prata [...]
Louvamos o zelo do reverendo pároco e dos paroquianos com que têm promovido
as obras da igreja matriz e excitamos o seu fervor para continuarem nas mesmas
diligências (o que mostravam sobejamente), a fim de se concluir a obra do santuário
até a ultima perfeição e ser provido de todos os ornamentos para a decente
celebração dos santos mistérios e divinos ofícios, não esquecendo o cerco do
cemitério para que se não profane este lugar destinado para receber os restos dos
cadáveres dos finados [...] (TRINDADE, 1998 p.231-233).

Na porta principal de acesso da matriz, podemos encontrar a data do ano de 1862, provavelmente
a data de alguma intervenção que a igreja tenha sido submetida, devido à falta de documentação
não nos foi permitido a definição para o uso numérico. Embora o livro do tombo tenha tido sua
abertura no dia 11 de agosto de 1853, até o inicio do século XX, não temos nenhum relato de
acontecimentos, apenas relações que descrevem os bens pertencentes à Matriz, realizadas em
1854, 1869 e 1889.

No início do século XX, temos a visita do Bispo D. João Baptista Correa Nery, em 14 de setembro
de 1903, quando o padre responsável pela Paróquia era Vicente De Paulo Lourenço (vigente de
1900 a 1903). O texto descreve o parecer do Bispo, que fica desolado com o estado em que
encontra a Matriz e os objetos a ela pertencentes:

Foi-nos infelizmente desoladora essa visita, onde encontramos tudo abandonado e


frio. Deus tenha Compaixão deste pobre povo e o ilumine convenientemente. Para
auxiliar quanto nos seja possível, os trabalhos da reforma que, a todo tempo deverá
ser feita nesta freguesia, por um vigário zeloso e fiel a sua vocação, [...] (PAROQUIA
NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE CARRANCAS, 14/08/1903. p. 6 –
Carrancas).

Na sequência, o bispo discorre sobre a importância da execução de manutenção e cuidados com a


Matriz que, naquele momento, carecia desde a limpeza até reformas estruturais. Após essa visita,
houve mudança do vigário responsável pela igreja, assumindo o Padre Luiz Soriano (vigente de
1904 a 1905).

Em 1907, quando o Padre João Ferrigno (vigência 1907 a 1910) era responsável pela paróquia, a
matriz passa a fazer parte da Freguesia de Ponte Nova anexando-se a Diocese de Pouso Alegre.
“Com a criação da Diocese de campanha por decreto pontifício em 8 de setembro de 1907, pelas
divisas, Carrancas passou a pertencer a nova diocese [...]” (AMATO, 1996 p.82)

No período entre 1907 e 1928, passaram seis padres pela administração da igreja e houve a
construção da primeira hidrelétrica de Carrancas na Fazenda Cachoeira, construída em 1928. A
construção se deu através de doações e renda obtida em leilões e quermesses realizadas pela
matriz, tendo como responsável o Pe. José Ferreira Leite, que permaneceu na paróquia até o ano
de 1935.

A partir do que foi explicitado anteriormente, entendemos que a igreja teve responsabilidade em
alguns “avanços” na cidade, e em 18 de maio de 1937, dois anos após a saída do Pe. José Ferreira
Leite, há registros da visita do Bispo Dom Inocêncio e sua comissão pastoral. O mesmo
reconhecendo os trabalhos realizados pela igreja, recomendou que intervenções que poderiam ser
vistas como progressistas não suprimisse o valor de relíquia e preciosidade intrínseca na edificação.
Como podemos observar o trecho de citação a seguir:

Encontramos a Matriz exteriormente limpa e seu telhado bem reformado. Falta,


entretanto, fazer o mesmo no interior. Muito recomendamos, porém ao Revmo
Vigario, ao Sacristão etc. que em todos os trabalhos que se fizer no interior da
Egreja nunca toquem nas obras de entalhe e nas pinturas do forro. Com o maximo
cuidado conserve tudo isso como joia antiguíssima. [...] Queremos que esta Matriz
seja sempre uma relíquia preciosa da antiguidade para todo o sempre. (PAROQUIA
NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE CARRANCAS, s/d. p. 46 v-47 –
Carrancas).

Alguns anos seguintes, em 1947, o Padre Santiago de Paiva tomou posse. No período de sua
vigência em 1949 uma nova casa paroquial foi construída (mesmo local que permanece até hoje).
Esse período de efervescência construtiva prosseguiu até o ano de 1953, quando em 1951 teve
início uma grande reforma na igreja que se estendeu até 1952. Podemos pontuar também a
construção de uma nova hidrelétrica na Cachoeira da Fumaça inaugurada em dezembro de 1953
pela prefeitura municipal. A construção da nova hidrelétrica se deu através da doação de todo
material da anterior na Fazenda da Cachoeira e teve como contraponto, o recebimento de energia
elétrica gratuita pela casa paroquial.

Em 1956, assume Monsenhor Jair dos Santos Pinto, que permaneceu a frente da matriz até
dezembro de 2015, quando completou seu jubileu de diamante de vida sacerdotal e hoje permanece
como Pe. Emérito da Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Carrancas. O atual pároco da
Matriz é o Pe. Éder Sebastião dos Santos.

A igreja ainda possui um rico acervo de arte sacra, contém entalhes em madeira com folhas de ouro
e uma belíssima pintura representando a Assunção de Nossa Senhora ladeada pelos quatro
Evangelistas no teto de seu altar-mor. A outra pintura que existia no corpo da Igreja perdeu-se com
o tempo. “Segundo reza a memória da família da Fazenda Bananal... foi Manoel ‘Alvarez’ Taveira
que mandou trazer de Portugal a imagem de Nossa Senhora da Conceição depois que a Igreja foi
erguida em Carrancas” (MOURÃO, 2009, p.147).

CARACTERÍSTICAS ARQUITETÔNICAS E URBANÍSTICAS

O lugar

O entorno imediato da Matriz tem grande importância para o município de Carrancas, sendo que a
cidade se estruturou a partir da localização da igreja e das ruas que a cercam. Por conseguinte,
neste entorno estão localizadas as principais edificações de importância histórica (Figura 4) e é o
local onde acontecem as principais manifestações culturais do município.

A Matriz possui delimitação definida pelo adro. Afastada das demais edificações que a rodeiam,
delimitando a Praça Manoel Moreira, a igreja encontra-se em um local de destaque. Este
afastamento permite boa visualização da edificação por diversos pontos do município e suas torres
servem como ponto de referência na paisagem.
Figura 4: Casa remanescente do século XIX, localizada na Praça Manoel Moreira.
Foto: Lucas Vilela. Outubro de 2014.

Tal praça é um importante espaço de convivência para os moradores. Neste local, são realizadas
as festividades religiosas, o carnaval e as comemorações de passagem de ano. Na praça também
encontramos a casa paroquial (construída em1949 pelo Padre Santiago) e o salão paroquial, que
possuem volumes independentes do da Matriz.

Ao redor da praça encontram-se pousadas, bares, trailers de lanches, restaurantes, mercados,


residências e três dos cinco Passos da Paixão de Cristo existentes. Entre as residências, algumas
apresentam importância histórico-cultural para o município, datadas do século XIX, além de outras
construídas posteriormente.

Caracterização da Matriz

A Matriz Nossa Senhora da Conceição de Carrancas, tem sua planta em forma retangular e
simétrica. A Matriz – edifício e sua decoração – constitui um exemplo típico dos contornos que o
rococó europeu adquire no Brasil, com proporções harmônicas e ornamentação sóbria. Possui duas
torres alinhadas à fachada principal.

A Matriz é estruturada por alvenaria de pedra na maior parte de sua extensão, mas não foi possível
identificar o tipo de alvenaria utilizada para os volumes acrescentados na última reforma, apenas o
revestimento externo com pedras. Sua cobertura é feita com telhado de sete águas, cobertas por
telhas cerâmicas, do tipo capa e bica.

Na fachada nor-nordeste é possível observar um relevo que separa as torres do corpo central,
composto pela portada, duas janelas e um óculo central, vãos esses emoldurados por argamassa
em alto relevo. Logo acima, entre as torres, ergue-se um frontão, que se forma como triângulo
interrompido e ondulado, elaborado a partir de curvas, contracurvas e volutas, que sustentam dois
pináculos e uma cruzeta central. As torres possuem sineiras em todas as suas fachadas e, cada
uma, é coroada por cúpulas de formas e dimensões diferentes uma da outra (Figura 5).

Figuras 5: Matriz Nossa Senhora da Conceição de Carrancas em 2016.


Foto: Lucas Vilela, abril de 2016.

No interior, a nave possui forma retangular. Cada uma das paredes laterais abriga duas janelas e
um púlpito entre elas que, juntamente com as duas janelas do coro, filtram a luz e promovem uma
iluminação difusa no templo. O forro da nave central possui forma de arco, resultando em uma maior
fluidez nesse grande ambiente (Figura 6). Instalados junto ao arco-cruzeiro, encontram-se dois
retábulos colaterais, na passagem da nave para o altar-mor, que geram uma articulação entre os
dois espaços. Esses altares são dedicados a São José, à esquerda, e a Nossa Senhora das Dores,
à direita, com decoração e talha no estilo Rococó. A capela que abriga o altar-mor apresenta largura
inferior à da nave. O forro da capela-mor em arco, recoberto por pinturas em toda sua extensão,
além da profusa decoração rococó que preenche todo o retábulo do altar-mor, a torna mais intimista
e aconchegante.
Figura 6: Corte perspectivado da Matriz.
Fonte: Desenho de Rafael Zampa. Agosto de 2012.

MODIFICAÇÔES AO LONGO DO TEMPO

Entorno imediato

A Praça Manoel Moreira perdeu muito das suas configurações primitivas, surgidas a partir de
intervenções espontâneas da população local (por exemplo, no que se refere à abertura de
caminhos de terra ainda no século XIX) (Figura 2). Tempos depois, na segunda metade do século
XX, foi marcada por pavimentação das vias, com piso sextavado de concreto e blocos intertravados
nos passeios e gramados nos canteiros (Figura 6). No final do século XX, a praça foi reformada,
recebendo pisos de pedra São Tomé e um novo paisagismo, novos mobiliários, um coreto e uma
cascata.
Figura 6: Vista da Matriz. Notamos parte da configuração da praça na década de 1960.
Fonte: Disponível em https://www.facebook.com/groups/445881978819502/search/?query=carrancas. Acessado em setembro
de 2014.

Também no entorno da matriz, temos o caso da Rua Élson Teixeira de Andrade, que se tornou um
calçadão e recebeu uma estrutura metálica com cobertura de policarbonato na esquina com a Praça
Manoel Moreira em 2012 (Figura 7). Além da cobertura metálica, também foram instalados novos
equipamentos urbanos, como postes, bancos, mesas e jardineiras.

Esse novo uso para a rua propiciou a ruptura na paisagem local e a desvalorização do patrimônio
cultural, no caso da estrutura metálica tornando-se um elemento espúrio na paisagem gerando
estranheza, assim como o impedimento de procissões tradicionais que tinha como rota a Rua Élson
Teixeira de Andrade, por conta da implantação dos novos equipamentos urbanos e layout dos
mesmos.

Figura 7: Esquina da Praça Manoel Moreira com a Avenida Brasil e Rua Élson Teixeira de Andrade. Notamos o calçadão e a
cobertura instalada entre duas edificações de interesse patrimonial.
Foto: Lucas Vilela, dezembro de 2014.

Recentemente aconteceram novas mudanças e por conta de algumas solicitações, a estrutura


metálica citada acima foi suprimida, contribuindo para uma melhor compreensão da paisagem
cotidiana da cidade. As mudanças que aconteceram em Carrancas não se restringem apenas nas
mudanças urbanas e paisagísticas, muitas edificações passam por descaracterizações.

No início deste ano, alguns símbolos edificados receberam intervenções que os descaracterizaram,
são os “Passos da Paixão de Cristo”, sendo que dois deles teve sua fachada principal desfigurada
e houve o encobrimento de uma pintura parietal existente por uma nova em um terceiro; um dos
Passos da Paixão de Cristo localizado no terreno da casa paroquial, ainda teve sua leitura
modificada por uma ampliação da casa paroquial que cola em sua lateral e avança seu coroamento,
que recebeu novos traços e acréscimos de acrotérios, o mesmo ocorreu em outro passo existente
na Rua Maria Custódia (Figuras 8, 9, 10 e 11). Além disso, também foi construindo um novo Passo
com traços ecléticos, fazendo uso de pastiche, onde hoje ficam expostas três imagens sacras de
roca que fazem parte do acervo da matriz (Figura 12).
Figura 8, 9, 10 e 11: Passos da paixão de Cristo antes da reforma (a esquerda) e depois da reforma (a direita). Notamos
alteração na volumetria e acréscimo de elementos como arandela e acrotérios.
Fontes: (13 e 15) Lucas Vilela, dezembro de 2014; (14 e 16) Lucas Vilela, setembro de 2017.
Figura 12: Construção mimética do Passo da Paixão de Cristo edificado na praça Manoel Moreira em abril de 2017.
Foto: Sandro Silva, agosto de 2017.

A Matriz

Como vimos anteriormente, a matriz passou por períodos de profundo abandono que resultou na
necessidade de sofrer reparos ao longo dos anos. Entre essas modificações, a primeira que se
pode citar é a da torre esquerda (Figura 5). Moradores mais antigos de Carrancas relatam que um
raio3, atingiu uma das torres, derrubando-a. Nenhuma documentação comprobatória foi encontrada,

3Não se sabe ao certo quando ocorreu o incidente. A fotografia mais antiga do município data por volta de 1910 e,
notamos as duas torres já com a configuração existente até hoje.
porém nota-se a existência de diferenças construtivas e de materiais utilizados em uma e em outra,
permitindo deduzir que a torre esquerda foi construída posteriormente.

A matriz passou por uma grande reforma na década de 1950, sendo a mais significativa ao nosso
entender. Abaixo são relatadas etapas dessa reforma encontradas no livro de tombo da igreja.

Em narrativas que já tratam do ano de 1951, o início da reforma surge com detalhes importantes e
uma narrativa confiante de um trabalho bem feito:

Dia três de Janeiro de 1951, começamos o tão desejado serviço da Reforma da


Igreja Matriz, serviço este que nos foi impossível começar antes. Todos
reconhecemos a necessidade de tais serviços, apesar de que alguns acham
desnecessário a Reforma como pretendemos fazer, alguns talvez por “pão-durismo”
acham que se fizermos uma limpeza externa está bem e reembocar o telhado é o
suficiente, mas achamos melhor trocar todo o telhado mas com telhas coloniais para
não destoar do estilo, bem como fazemos uma escada de cimento armado para a
torre vista que a atual está perigosíssima, e resolvemos também tirar todo reboco
externo deixando a vista a beleza histórica da Igreja, as Pedras (PAROQUIA
NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE CARRANCAS, s/d. p. 69 v-70.
Carrancas).

Em nova visita Pastoral, a convite do Padre José Santiago de Paiva, para bênção da Igreja
reformada, o Bispo Diocesano Dom Inocêncio Engelhe, transcreve seu parecer a respeito da Igreja,
em 14 de junho de 1952 (Figura 14):

[...] No dia seguinte, entramos solenemente na Matriz, dando antes uma nova
benção a esta vetusta Igreja, que passou por uma reforma muito importante,
debaixo das vistas e da direção do Revmo pároco, constituído realmente agora um
mino precioso para esta paróquia e toda a diocese. Queremos que o Revmo pároco
perpetue neste livro, “quam primum” por um especial e minucioso documento as
causas e as circunstancias desta colossal reforma da Matriz. (PAROQUIA NOSSA
SENHORA DA CONCEIÇÃO DE CARRANCAS, s/d. p.73. Carrancas).

Padre Santiago termina a narrativa da reforma dizendo:

[...] Sendo que, quasi totalidade auxiliaram na medida de suas posses, conformes
os acima citados e alguns mais pobres fizeram questão de auxiliar até mesmo com
grandes sacrifícios, enquanto que muitos ricos auxiliaram com os abundantes,
inconvenientes e até mesmo ferinos palpites. Seria o caso de quasi poder dizer,
salvo algumas exceções: “Reformei a Igreja com o dinheiro dos Pobres e o palpite
dos ricos.” (PAROQUIA NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE CARRANCAS,
s/d. p.76. Carrancas).
Figura 14: Procissão que leva Dom Inocêncio Engelhe para a bênção da Matriz após a reforma em 1952, saindo de frente da
casa paroquial.
Fonte: Acervo do Sr. Mario Ribeiro Guimarães Junior.

Segundo alguns moradores, durante a reforma iniciada em 1951, imagens sacras pertencentes à
Matriz foram guardadas em casas e fazendas de Carrancas e boa parte não foi recuperada com o
término, acervo este que guarda parte da grandiosidade da Matriz.

O assoalho antes da reforma era de tábuas corridas (Figura 15), hoje é constituído de ladrilho
hidráulico (Figura 16) de diferentes desenhos. Os retábulos colaterais perderam um patamar do
trono, antes eram três e, hoje, são apenas dois. O forro da nave que, originalmente, possuía pinturas
ornamentais, foi substituído por outro. Diversas partes dos retábulos e púlpito foram cobertas por
camadas de tinta a óleo, as esquadrias foram substituídas e foi retirada a mesa da comunhão que,
antes, ficava na nave e na reforma da década de 1950, passou para o altar-mor e, posteriormente,
com a ampliação do espaço do altar-mor, foi desativada.
Figuras 15 e 16: Interior da Matriz antes das reformas da década de 1950 e em 2017.
Fontes: (4) AMATO 1996, p. 81 e (5) Lucas Vilela, setembro de 2017.

A volumetria também foi alterada, primeiramente com a reconstrução de uma das torres com
formato diferente da outra existente e, posteriormente, com a elevação do pé direito nas capelas
laterais e sacristia, cobrindo os dois óculos localizados nas paredes laterais do altar-mor que antes
faziam relação com o exterior da Matriz e hoje fazem essa relação com as capelas laterais (Figuras
17 e 18).

Figuras 17 e 18: 3D da matriz antes da reforma de 1951 e da matriz em 2017.


Fontes: Os autores, setembro de 2017.
Na maior parte das paredes externas da Matriz, o reboco foi retirado deixando à mostra a alvenaria
de pedra, com a retirada desse reboco, ficam explícitos os acréscimos nas capelas laterais e
sacristia e também realçada a possível supressão de uma janela na torre esquerda, onde notamos
diferença de revestimento na parte externa e um nicho no mesmo local no interior da torre. Essa
situação não acontece na torre direita.

Ainda na reforma da década de 1950, a Matriz adquiriu pinturas parietais compondo um barrado na
nave (Figura 19), capela-mor e capelas laterais. Apenas a do altar-mor foi mantida, tendo sido as
demais encobertas por uma camada com acabamento fulget.

Figura 19: Bênção da Matriz após a reforma iniciada em 1950. Notamos o barrado feito na nave da edificação.
Fonte: Acervo do Sr. Mario Ribeiro Guimarães Junior.

Após a reforma finalizada em 1952, houveram outras modificações realizadas por diferentes
motivos, como a mudança nos atos litúrgicos. Anterior ao Concílio Vaticano II (1962 -1965), as
celebrações aconteciam com os padres voltados para o altar. Com a modificação onde o padre
celebra voltado para os fiéis, foram feitos acréscimos de móveis e mudança de layout.

A capela lateral direita possuía um altar de madeira similar ao da capela lateral esquerda, que cedeu
espaço para o sacrário quando a capela passou a ser do Santíssimo Sacramento.
Ao redor da Matriz existiu um cemitério que foi desativado (não se sabe precisar a data), protegido por
um muro que foi rebaixado ainda na reforma da década de 1950. Algumas pedras de lápides foram
utilizadas na pavimentação de um passeio que circunda toda a igreja e um caminho que liga a escadaria
em frente à edificação à porta principal.

O piso do restante do adro ficou por um tempo sendo de terra batida, posteriormente adquiriu
pavimentação de blocos de concreto sextavado e, hoje, é revestido por pedras. O revestimento dos
muros do adro também foi retirado deixando à mostra a alvenaria de pedras e uma grade de ferro foi
instalada ao redor desse adro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos observar que a Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Carrancas é um importante
exemplar, tanto como objeto arquitetônico, quanto em sua imaterialidade, incentivando
manifestações de fé, cultural e sociabilidade; uma vez que o entorno tem relação direta com o bem
e atribui a importância do lugar como marco zero na formação da cidade, assumindo o caráter de
referência no imaginário das pessoas, como citado por Santana (2009, p.124).
De fato, os edifícios religiosos brasileiros foram importantes marcos referenciais no
período colonial e mesmo no império. Esses edifícios, construídos em locais de
destaque, assumiam ainda outras funções no espaço urbano [...] são locais de
centralidades, que se tornam o centro de gravidade de uma determinada área em
torno da qual se concentram as populações e o comércio [...]

Desta forma buscou-se com o presente artigo o estreitamento das relações de identidade da
comunidade carranquense com o edifício objeto de estudo, através de sua história, levando o olhar
das pessoas para as transformações que aconteceram no objeto em si e em seu entorno imediato,
induzindo à perda de relações importantes da identidade que consolida o lugar e a igreja como
patrimônio histórico-cultural.

O estudo dos conceitos teóricos e metodológicos acerca do patrimônio, nos leva a questionar as
diversas posturas colaboradoras pela descaracterização dos lugares, sem haver nenhuma
justificativa plausível. Ao nosso entendimento, há falta conhecimento técnico referente às práticas
de preservação e conservação de bens de interesse patrimonial e também falta de fiscalização, que
junto com outros fatores geram danos irreversíveis e descaracterizam os lugares.

As mudanças cotidianas nas cidades acontecem constantemente, modificando as dinâmicas e a


forma de enxergar, de sentir, de vivenciar e orientar-se no meio urbano. Então, essas mudanças
que acontecem num ritmo acelerado contribuem para a construção e destruição do meio ambiente
em consonância à perda de diversos aspectos simbólicos relevantes que caracterizam o lugar,
podendo ser entendido como: significados, paisagem, memória, identidade, cultura e patrimônio.
Como é notado em Carrancas, que recebeu mudanças que proporcionou a alteração de diversos
símbolos.

Rem Koolhas em seu texto “Junk Space” (SYKES, A. Krista, 2013, p. 105) relaciona a perda das
características inseridas no ambiente construído a partir das transformações morfológicas na
paisagem contemporânea, acarretadas pela modernização, que influencia o crescimento da
individualidade, alienação e desigualdade. Koolhas defende ainda, que o fenômeno da
modernização coopera para o surgimento da construção de espaços repetidos, que sempre mudam,
mas nunca evoluem. Não criam nenhum tipo de relação de identidade e são vistos como lugares
de passagem.

Algumas modificações que acontecem no nosso meio, muitas vezes passam despercebidas por
conta da sensibilidade reduzida de alguns para se reconhecer no espaço e pela velocidade que os
fenômenos vão ocorrendo, tudo isso, ligado aos interesses do poder público, contribuindo para a
falta de empatia de uma parcela da população. Pode ser que essas questões tenham acontecido
com os exemplos citados acima. Portando devemos lembrar que os espaços são construídos a
partir do comportamento e pensamento social das pessoas, de forma coletiva e democrática,
levando em consideração o objetivo original da rua, que é conformar uma diversidade de atividades,
manifestações e celebrações sem reforçar a visão do espaço público ou rua, apenas como um
espaço residual.

Tratar a rua dando atenção igual à moradia significa tratar a rua não apenas como
espaço residual entre quadras residenciais, mas sim como um elemento
fundamentalmente complementar, espacialmente organizado com tanto cuidado
que possa criar uma situação na qual a rua possa servir a outros objetivos além do
trânsito motorizado (HERTZBERGER, 1996, p.64).

O arquiteto Holandês Herman Hertzberger pontua essa questão sobre tratar a rua, o lugar comum
a todos, o lugar público, como uma extensão de nossa casa e não como um espaço residual. Nesse
sentido o espaço público recebe a conotação de coletividade, onde todos devem contribuir de
alguma forma para a manutenção e intervenções como forma de estreitar as relações de troca com
o espaço. Dessa maneira, o espaço público se enriquece de uma identidade comum a todos, porém,
o autor também explicita questões que levam à perda de identidade de um lugar, através da
interferência de órgãos públicos municipais, que muitas vezes sobrepõe aos anseios da população.
Podemos relacionar essa perspectiva apresentada por Hertzberger acerca do espaço público.

Os diversos fatores citados acima, a partir da pontuação de Yázigi no início deste artigo que
relaciona a busca pelo “modismo” com a perda das características “menores” do lugar, assim como
a teoria de Hertzberger sobre a influência do poder público explicita diretamente o que aconteceu
com a cidade, podemos pontuar não só o calçadão da Rua Elson Teixeira de Andrade, mas as
intervenções que descaracterizaram os Passos da Paixão de Cristo, a construção de um novo
Passo com feições de uma outra época, as modificações que ocorreram na Matriz Nossa Senhora
da Conceição de Carrancas entre outras transformações presenciadas no município.

REFERÊNCIAS:
AMATO, Marta. A freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Carrancas e sua história. São Paulo:
Ed. Loyola. 1996.

Biblioteca da Cúria Diocesana de Mariana. Agosto de 2014.

Biblioteca da Cúria Diocesana de São João Del Rei. Junho de 2014.

Biblioteca da Matriz Nossa Senhora de Carrancas. Agosto de 2014.


BOTTAZZINI, Marcelo Carvalho. Igrejas setecentistas mineiras: a influência das características
arquitetônicas na qualidade acústica. 2007. 188 f. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) – Faculdade de
Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Campinas. Campinas, SP: 2007.

CARSALADE, Flavio de Lemos. A pedra e o tempo: arquitetura como patrimônio cultural. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2014.

CASTRIOTA, Leonardo Barci (org.). Casa de Câmara e Cadeia de Mariana: a recuperação de um


patrimônio nacional. Belo Horizonte: IEDS, 2012.
CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio cultural: conceitos, políticas, instrumentos. São Paulo: Annablume;
Belo Horizonte: IEDS, 2009.

Dados gerais do IBGE. Disponível em http://cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?codmun=311460.


Acessado em 08/09/2014.
HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
ICOMOS. Carta de Veneza. Veneza: 1964.
IPHAN. Recomendação Paris. Paris: 1989.

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.

MOURÃO, Maria da Graça Menezes. Carrancas: uma capela no Caminho Real. São Paulo: Ed. Scortecci.
2009.

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo, 1822.
Itatiaia: Ed. EDUSP. 1974

SANTANA, Mariely Cabral. A construção do conceito de patrimônio. IN: Alma e festa de uma cidade:
devoção e construção na colina do Bonfim. Salvador: EDUFBA, 2009. (Bahia de todos os santos).

SOUZA, Lucas Vilela. Matriz Nossa Senhora da Conceição de Carrancas: história e memória
associadas a preservação de um patrimônio. Trabalho final de graduação I. Curso de Arquiteta e
Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2014.

SYKES, A. Krista. O campo ampliado da arquitetura. Cosac Naify, 2013.

TRINDADE, Cônego Raimundo. Instituições de Igrejas no Bispado de Mariana. Rio de Janeiro. Ministério
da Educação e Saúde. 1945.

YÁZIGI, Eduardo. A alma do lugar: turismo, planejamento e cotidiano em litorais e montanhas. São
Paulo: Contexto, 2001.

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