UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO/FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO

PPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, CULTURAS E IDENTIDADES

LINHA 1 – MOVIMENTOS SOCIAIS, POLÍTICAS EDUCATIVO-CULTURAIS E
IDENTIDADES

CIVILIZAÇÃO DOS BEATOS:

Patrimônio Cultural que conforma a identidade do Cariri Cearense

LINHA DE PESQUISA 1

ROSIANE BEZERRA DE OLIVEIRA

CRATO
2017
INTRODUÇÃO

Nas palavras do cineasta Rosemberg Cariry, o Cariri cearense é um verde coração no

semiárido nordestino. Localizada no sopé da Chapada do Araripe — na língua indígena chamado
de Lugar das Araras — a região é conhecida por, desde a sua formação geopolítica e espacial,
manter um fluxo constante de multidões sertanejas guiadas pela fé e pelo mítico. O recorte
geográfico do Cariri também bebe da memória, do passado, parte à frente como localidade
fundada em mitos e lendas, sendo berço de muitas tradições populares que se reinventam por
meio da oralidade.
Em termos administrativos, a região ocupa o extremo meridional do Estado do Ceará com
uma área de 15.934 Km², composta por 27 municípios: Abaiara, Araripe, Aurora, Barro, Brejo
Santo, Campos Sales, Caririaçu, Crato, Juazeiro do Norte, Milagres, Tarrafas, Altaneira,
Antonina do Norte, Assaré, Barbalha, Farias Brito, Granjeiro, Jardim, Jati, Mauriti, Missão
Velha, Nova Olinda, Penaforte, Porteiras, Potengi, Salitre e Santana do Cariri. A população é de
892.558 habitantes, dos quais 266.418 vivem na área rural, o que corresponde a 29,85% do total.
Possui 48.208 agricultores familiares, 605 famílias assentadas e três comunidades quilombolas. O
IDH médio é 0,66, segundo o Sistema de Informações Territoriais.
Pelo viés da oralidade e do organismo vivo da cultura popular, a região mantém os fluxos
culturais por meio da tradição e da memória, mostrando que a cultura de tradição de transmissão
oral é um componente de decisiva importância para a definição da identidade de um povo. As
heranças constituídas por saberes, valores e costumes expressos por meio de crenças religiosas,
culinárias, terapias e medicinas, contos, promessas, festas, artes, folguedos, de inumeráveis
ofícios e técnicas, em essência, fundamentam e alimentam modos de agir, sentir e pensar na
contemporaneidade.
Ponto de encontro de ecossistemas, povos, culturas e de vitalidade nas práticas religiosas,
no Cariri Cearense vivem a memória, valores e fundamentos éticos de missionários como Padre
Cícero Romão Baptista (1844-1934), Antônio Vicente Mendes Maciel, cognome Antônio
Conselheiro (1828-1897), Padre Mestre Antônio Pereira de Maria Ibiapina (1806-1883) e o beato
José Lourenço da Silva (1872-1946), bem como estão os remanescentes arquitetônicos de obra
civilizatória erguida pelos chamados beatos e beatas.
Nos municípios de Crato, Missão Velha, Juazeiro do Norte e Barbalha, a denominada
Região Metropolitana do Cariri, estão as Casas de Caridade fundadas por Padre Ibiapina na
primeira metade do século XIX, que funcionaram como uma ampla rede de educação e
assistência social para os mais pobres. No Cariri ficam as fontes curativas do Caldas, o Roteiro da
Fé do Padre Cícero, as ruínas do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, entre outros conjuntos
valiosos para uma compreensão do movimento social dos beatos e beatas do nordeste.
Embora seja grande o potencial para a prática e difusão de uma cultura ecocidadã, de
conhecimento e valorização da diversidade cultural, a Região Metropolitana do Cariri, com 600
mil pessoas, atravessa uma crise ambiental e de identidade cultural, relacionada à destruição de
recursos naturais, dissolução de seu patrimônio material e imaterial.
Diante disso, este projeto de mestrado se coloca na perspectiva de contribuir para a uma
melhor compreensão do movimento social dos Beatos dos séculos XIX e XX, que por meio de
incessante atividade edu-cultural junto às classes mais populares, organizou e estabeleceu
propostas para melhoria da condição de vida dos sertanejos. O estudo propõe abordar as ações
desses beatos que habitaram o Cariri Cearense e suas formas de organização do espaço, entender
como essa dinâmica progrediu no tempo tanto no campo material como imaterial, para estimular
por meio desta memória e legado cultural, a superação dos conflitos vivenciados no presente.
Sendo assim, o projeto tem por objetivos:

1- Entender quem é o beato, de que modo o movimento social dos beatos se expandiu no nordeste
e atingiu o Cariri Cearense;
2 – Verificar como as memórias dos Beatos se materializam no patrimônio cultural do Cariri
Cearense;
3- Problematizar como as políticas públicas do Cariri se relacionam com esse legado, que
podemos denominar de Civilização dos Beatos.

HIPÓTESE DA PESQUISA

Ao olhar para a expressão patrimônio cultural, inicialmente cabe-nos indagar: o que é

cultura?, o que é patrimônio?, conceitos cujo desenvolvimento é de extrema utilidade para a
compreensão da enorme diversidade cultural a ser preservada nos territórios.
 Como se sabe, a origem etimológica da palavra cultura pode remontar ao final do século
XVIII, vindo do termo germânico Kultur, utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais
de uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization referia-se principalmente às
realizações materiais de um povo. Ao longo da história, a palavra “cultura” variou de conceito em
função de uma escola de pensamento à outra, de uma sociedade ou de uma época à outra, assim
como de sua aplicação a um ou outro campo de estudo. As tentativas de delimitá-la
conceitualmente não têm chegado a avanços significativos.
O termo Cultura consagrou-se como o complexo dos padrões de comportamento, das
crenças, das instituições, das manifestações artísticas, intelectuais, etc., transmitidos
coletivamente, e típicos de uma sociedade. Já a noção de patrimônio vem designando aqueles
bens destinados ao usufruto de uma comunidade, constituídos pela acumulação contínua de uma
diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum.
Este trabalho tem como hipótese a existência de um movimento social de Beatos que por
meio de práticas edu-culturais veio a erguer uma Civilização no sertão nordestino, que legou um
vasto patrimônio cultural que é definidor da identidade do território caririense. A hipótese de uma
Civilização dos Beatos foi pensada para dar conta da grandiosidade da obra realizada por estes
homens e mulheres, desmitificando a atuação do Beato apenas como o pedinte, miserável e
desprovido de pedagogia. Articula-se um pensamento que vem colocar o Beato e todo seu legado
como os grandes responsáveis pela instituição do nordeste brasileiro, um território que conjuga
desenvolvimento, organização social, patrimônio material e imaterial.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O estudo será de natureza qualitativa do tipo investigativo descritivo, os sujeitos da

pesquisa serão pesquisadores e testemunhas selecionados conforme as seguintes características:
remanescentes que conviveram com os Beatos; pesquisadores de história escrita e oral
relacionados ao tema dos Beatos do nordeste brasileiro. Para a descrição, compreensão e
interpretação dos significados evocados pelos sujeitos, serão utilizados: observação participativa
com anotações em diário de campo; fotografias, questionários e pesquisa documental. Além das
entrevistas, serão visitadas escolas, patrimônio cultural local, municipal e estadual, monumentos
históricos, sítios arqueológicos e bens socioambientais relacionados ao mundo dos Beatos, além
da participação em festas populares.
A pesquisa documental será realizada prioritariamente junto aos seguintes instrumentos:
arquivos de jornais e anais da Diocese da cidade de Crato, periódicos; Monografias científicas;
artigos de revistas e demais publicações periódicas; publicações nas áreas de cultura popular,
beatos; documentos normativos de políticas culturais e outras publicações para aprofundar o
estudo de caso.
Inicialmente será feita uma leitura flutuante, com a escolha dos documentos
(questionários, arquivos de jornais, anais, periódicos e outras publicações) a serem apropriados
para a pesquisa, buscando apreender as particularidades e semelhanças entre as narrativas. A
partir de então, será elaborada uma redação de modo a dar conta dos sentidos dos textos e da sua
articulação com os conceitos teóricos que orientam a análise, entrelaçando com dados de outros
estudos, conceitos teóricos e conclusões.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcanti. A Terra da Mãe de Deus. 1a ed. Rio de Janeiro:
Francisco Alves; Brasília: INL, 1988. 329 p.
___________________ . Padre Cícero Romão Baptista e os Fatos do Joaseiro: Autonomia
Político Administrativa. Fortaleza: Editora SENAC-Ce, 2012. 518 p.
BRÍGIDO, João. Apontamentos para a história do Cariri. Edição fac-similar reproduzida do
Diário de Pernambuco de 1861. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda., 2007.
CAIXETA, Felipe Teixeira Bueno. Dia de Quilombo: Cinema e Cultura Popular no Juazeiro do
Padre Cícero. 177 f. Dissertação (Pós Graduação em Cultura e Territorialidades) - Instituto de
Artes e Comunicação Social, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2016.
CAVA, Ralph Della. Milagre em Juazeiro. 3a ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. 497 p.
CORDEIRO, Domingos Sávio. Um beato líder: narrativas memoráveis do Caldeirão. Rio de
Janeiro: Mundos das Ideias, Goiânia: Kelps, 2013. 248 p.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Editora
Jorge Zahar, 1990.
GEERTZ, Clifford. Teia de Significações. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1989.
GIRÃO, Raimundo. Evolução histórica cearense. Fortaleza: BNB, 1985.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Liv Sovic. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 2009.
HOORNAERT, Eduardo. Crônicas das Casas de Caridade fundadas pelo Padre Ibiapina.
Fortaleza: Expressão Gráfica, 2006. 251 p.
LOPES, Régis. Caldeirão: estudo histórico sobre o beato José Lourenço e suas comunidades. 2a
ed. Fortaleza: Instituto Frei Tito de Alencar NUDOC/UFC, 2011. 220 p.
MARIZ, Celso. Ibiapina Apostolo do Nordeste. 2a ed. João Pessoa: Editora Universitária/ UFPB,
1942.

MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do Patrimônio Público. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006.
MOREIRA, Ágio Augusto. A espiritualidade do Padre Cícero Romão Batista: cronologia. 1a ed.
Crato: BSG Bureau de Serviços Gerais, 2013. 188 p. 154
PINHEIRO, Irineu. O Cariri, seu descobrimento, povoamento, costumes. Fortaleza: Fundação
Waldemar Alcântara, 2009. 288 p.
TEIXEIRA, João Grabiel L.C., et al (org). Patrimônio imaterial, performance cultural e
(re)tradicionalização. Brasília: ICS-UnB, 2004.