Você está na página 1de 30

I

••
•• F.A.de MIRANDA ROSA xv
••

•,• CAPíTULO III

•• o DIREITO COMO FATO SOCIAL

•• 1 _ A no-r"l'7l4 ;urldicQ. como Tc.ultado e reflexo ela. rcalidada


4oaial. 2 _ C01tdici01tamrntol foc1oculturaÜl da norma.ti'vi-

•• dade jUrid~4. S _ FOrnulÇão e:ctntlegillativa do Direito.

•• oFenômeno Jüríd·icn
, .

•• CUIDO Fato Social


••
•• 13" EDIÇÃO

••
••
••
•• Jorge 'Zat~
T ' ar ~c,Q!tor


••
t
r t
t
t
,
t

•..
4
1
o
Direito é fato social. Ele se manifesta como
urna das realidades observáveis na sociedadc _' ..
É o instrumento Instítuclonallzado de malar Im-
portância para o controle socIal. Desde o inicio elas
sociedades organizada~_ manifestou-se. o fenômeno jurí.
dico, comcrststem!!"._ç)~_ lI01J:nas de.... cOnduta a que cor_
••
jesponde..-uma-coJ\~exercida pela Sociedade, segundo
certos_PIincipios aprovaaÕSlJ obedientes a l".mas prede-
terminadas. - _. ---- - •
t
- A norma juridiclh...1lQrtantL..-é .llIILresultaúo da Tea _
lidade sociai:- E3ã: emana da sociedade, por seus instruo
mentm.",ifstitIÚÇões destinados a formular o Direi!.o, •
I
refletindo o que. a sociedade tem como objetivos. bem
como suas crenças e valorações, o complexo de seus
conceitos éticos e finallsticos.
Esse fato pode ser esclarecido mediante simples re-

t
ferência à variedade de sistemas e normas de Direito 4
e/I1. .~rentes qUadros cult.urJl,is. O estudo histórico das
sociedades revela a existência de estruturas jurídicas I

i
bastante diversas no tempo e no espaço. As pesquisas
realizadas sobre a evolução do direito de farnllia , ou sobre
as diversas fórmulas adotadas no direIto de sucessão •
4
.1 hereditária, no que se refere ao direito de propriedade
etc., mostram que cada uma dessas faces do fenômeno
jurldico global apresentou uma dessemelhança de formu-
lações, extremamente Interessante e curiosa. As reali-
••
dades sociais diferentes condicionaram ordens jUI1dicas
também diversas_
É importante pesquisar as relações existentes entre

t
as estruturas e a dinâmica socIais dos exemplos tomados,
e as manifestações das instituições de Direito. Nesse
••
,:

,,-r.
1 LUIS RECAstNS SJCIlES, Trotado d~ Sociolo"ia" já eiL, pág'. 692.

••
t
..
••
•• 58 Sociologia do Direito
Direito como Fato Social 59

•• it
estudo, a re~o entre' realÍdade -do meio -social e cada
uma das facetas do seu sistema cultural, nele incluida
a ordem jurld1ca, ~ela, a existência de uma interr.ção
novos paradigmas de justiça social, ou -seja ainda pelos
novos desenvolvimentos c1ent!flcos _• - '-,:

•• entre a conjuntura global e a normatividade jur1dica.


:t por esse motivo, por ezemplo, que as_manifesta· -
ções- jurld1cas nas socJedades em desenvolvimento ten·
2
Os condicionamentos socioculturals da norniatlvi· . -- -
dai:le juridica, destarte, se mostram claros e in· ' ,-

,•
dlscuUvels. As modificações do complexo cultural
dem a apresentar grandes diferenças em relação às que de uma sociedade correspondem, a seguir, alterações na ';,
são- vigentes nos países chamados desenvolvidos. As sua ordem juridica. Tais modiflcàÇões siio verificadas ,:
sociedades "em desenvolvlinento". ou subdesenvolvidas, c'pm maior ou menor celeridade, dePendendo de diversos

•• têm realidades socioculturáls próprias, inconfundiveis e


não-identiflcávels com outros modelos. O contexto reei
de tais sociedades não pode ser assemelhado ao que se
observa nas sociedades plenamente desenvolvidas.
fiitores incidentes sobre o processo social, e atendendo
ao- fato de que a norma jurldica, geralniente, mas -não_;
sempre, como afirmou erradamente Hall,' em trabalhos -

•• Há uma realidade particular de cada processo hIs·


tórico nacional, ou grupal, muito própria e diferenciada,
-de 1952, é editada após a constatação, pelas órgãos soclaIs -
a Isso destinados, da sua necessidade diante de deter·'
minada realidade da vida social. O chamado "retarda·

••
dentro de um quadro mundià1 que tende para a redução mento cultural" que se refere à maior lentidão COIl!., que
das diversidades fundamentais e para a maior Influência as modificações soctals se operam, comparadas 'cóm os
reciproca de todos os grupos humanos. A essa realidade progressos materlals; e o fenOmeno da diferença em
particular corresponde a produção de instituições tam- ritmos e velocidades na mudança social, entre as diversas

•• bém particulares, entre elas- as jurídicas:- O motivo evl·


dente do fracasso de fórmtilas e instituições de DIreito
tão bem sucedidas em certas sociedades, quando apli·
manifestações culturais, explica]Il essa -variação na rapi·
dez da resposta dos mecanismos produtores de normas
jurldicas às alterações do sistema cultural_

•• cadas sem as devidas modi!icações a outr;ls sociedades,


é precisamente a lnadequação das normas assim e<ntn·
das à realidade concreta do melo em que se as preten'(ie
O que se afirmou acima fica mais claro diante da
observação do que ocorre no campo do Direito, para. -
lelamente à evolução das comunicações e dos contatos

••
empregar. Modelos Juridicos -das socied8des industrlals entre as diversas sociedades, em uma esCala global. Um-
mais avançadas não podem, evidentemente, ser bons para dos fatos marcantes dos meados deste século é precisa-
sociedades subdesenvolvidas, a menos que sofram gran0 mente essa expansão do sistema de comunicações, de
des transformações no processo de aplicação, quando modo que qualquer fato social de alguma significação

•• Isso se tome possivel.


A mudaIlça social, que opera em escala planetária,
repercute assIIíli sempre, na transformação do DIreito.
é quase Imediatamente conhecido e observado em todos
os continentes. As modificações do _contexto social, por:,
tanto, se verificam em dimensão mundial, ocorrendo ,a:

•• O fato, notório aliás, mereceu de Frtedmann um preciso


maunti em três livros interessantes, em um dos quais
o analisou de forma genérica, focallzando especialmente ,
tendência para certa unifonnidade cultural em todo o
planeta.
Esse processo rumo à padronização - sociocultural

••
as interaçóes da mudança soclal com a mudança do ainda está em sua fase de desenvolvimento, porém a
DIreito lembrando que -os estfmulos sociais à mod1f1cação
da ordem Jurldica assumem tormas varlildas, seja pelo .2 WOll'OÃNO FlUaUUHN. LcMu in a. ClurAgi1t41 Socie~. Penguln
crescimento lento -di' pressão -dos -padrões- e normas ai· Boob Ltd., Midd1eaex, lnrlaterra. '1964. Seus-. doia outro, t~~'

•• terados ~a vida social, criando uml1. dlstlúlcía cada vez


maior entre os fatos da vida e o Direito, seja pela súbita
e imperiosa exigêpcia de __certas emergências _nacionais,
• respeito foram .I..ciw cnul Social CltG'1lge m.. C01ttem.pora.rv B"~t"
e TIu CIt4,.gi1tg S'''''d.r. 01 International Leuo.
a JEBOMZ R.u.L. TMlt, Low und Sotrietv, Indianápolis, 1962;
,,- ,

A-PM:d ~erome H. S,,"oIniclt, em La. Sociologia. del Diritto, loe. cjt.,

•• visando a uma redistribuição dos recursos naturals ou P'e. __ 289• -


t
----------------------------------------------------------------
3
••
',' ••
60' Sociologia do Direito Direito como ~ato ~ ~ial
i" :":.'
'61
••
previsão normal ,é de que não se detenha, de modo que
a , Terra apresentará, provavelmente, dentro de certo
número de decênios, um panorama sociocultural relati-
vamente homogéneo, Não vaticinamos aqui a Supressão
observados idênticos modos de tratar as principais ins-
tituições juridicas.
Como já , se acentuou, o fenOmeno juridico poderia
ser qualificadO como um "universal" da sociedade.
••
de, todas as diversidades histórico-cuJturais relativas às
diversas civilizações, porém tais variações tendem a es-
maecer, sob o influxo das conseqUências soclais do enor-
Sanchez de ' la Torre" o afirmou em
lIltcressantt s consi-
derações, sobre a força garantidoni. que a norma jurldica
possui contra o mero arbltrio. Não é, porém . exclusi·
••
me progresso tecnológico,
O fenOmeno da transformação de nosso mundo pla-
netário numa grande aldeia foi analisado com grande
, ,
vamente sob esse aspecto que nos ocupa essa caracte-
rlstica de "universal" que o Direito possui. Reexami-
nemos, a pro\lóslto, a ~ção de que a presença da ••
sucesso por McLuhan, especinImente no que se refero
ao, çampo da ,comunicação social, seus simbolos e os
resultados do aperfeiçoamento de seus meios e instru-
ordem jurfdica é fato constatávcl em qualquer sociedade
complexa_ Ao aparecimento do grupo social com carac·
terísticas próprias e institucionalizadas corresponde de ••
mentos, mostrando que a humanidade estendeu, com
0, progresso tecnológico, o sistema nervoso central de
caJia ,homem, "num abraço global", em pleno processo
d,e transformação da criatura humana que estaria read·
logo O surgimento de um d,eterminado sistema jurldico,
compreendendo as normas de condutas aprovadas e de·
saprovadas pelo grupo, e os meios de coação que este
utiliza, para assegurar obediêncla àquelas normas.
••
qulrindo uma escala de valores de culturas anteriores
II escrita e retomando, pelo conhecimento em bloco, ins-
tantâneo, dos fatos de toda parte, processos soclocultu·
Isso porque, em qualquer agrupamento humano,
estão presentes, inevitavelmente, fenOmenos de valoração,
pelos quais O grupo atribui certos valores a determinadas
••
rall; de longa data em declJnio .·
? A verdade é que o Direito vai também sofrendo os
Impactos de tais novas realidades. A influêncta do ele·
situações, coisas e idéias. Não há, contudo, valores da
sociedade sem que se estabeleçam condutas necessárias;
nem Imposições normativas sem a avaliação concreta dt> ••
mento "tempo" nas vát1as formas de normatividade
jurfdlca é disso exemplo_ Prazos de validade, presunção
de _tonheclmento de fatos jurfdicamente relevantes, en-
que é justo e do que é injusto. DaI que todas as socie-
dades sejam organizações jurlcUcas, pelo m enos no que
se refere à confirmação de uma consciência de solida· ••
••
curtamento de distância para efeitos práticos, pela facili- riedade que estabelece regras necessárias à sobrevivência
dade de· comunicações e de deslocamento fisico das do grupo .'
pessoas, problemas relativos II eflcácla e aos efeitos das Essa relação entre a realidade social, condic:iQrlante
leis, ' foram dlretamente afetados pelas novas condições soclocultural da normatividade jurfdica, e esta pOde ser
materiais que a tecnologia moderna criou.
Assim sendo, é curioso observar que essas relativas
Identidades de " quadros, socioculturrus apresentam, tam-
ninda salientada pela enorme força que possui o costume,
cujo papel como elemento decisivo na formação do
DlteIto não pode ser negado .' O' costume reflete práticas •
bém; uma semelhança ,crescente dos sistemas jurfdlcos
das , diversas .socleCládes, que se aprolimam, uma das
outras, no modo de viver. ExIste certa uniformidade
'"
que se revelaram socialmente úteis e aprovadas, ajusta·
das às demais formas de vida do grupo soclal e que,
com o tempo, ,tendem II uniformidade e a adquirir aulo-
"

••
dif padrões soCIOcIiltu!'ls, por exemplo, na civlJlmÇão
ocidental; os sistemas ',d.) Direito nos palses pertencentes
a tal civilização ~ lambém assemelhados" e nele são
ridade própria.
Essa autoridade é uma conseqUência da convicção
que se forma , na S9cledade de que , tal ou qual modo
de proceder é adequado e -conveniente aos fins sociais.
••
01
• M.usHJ.LL JoICLUIUN, Uoderll4.di"l1 M.àÍ4 : TA. E"I .........
Meue, The New Ammean Library lne., Nova York, 11 .• ediçio.
, '

. ' ANCIIL SANCHEz 1>'" LA ToIIIIE, ~_ ";'-, P'r. 213. ••


• Lo<. m, ~g_ m.

-
'., ••

••
••• €' Sociologia do Direito Direito como Fato Social 63

•• Em grande número de casos, o costume se transformou


em Direito Positivo, acolhido e institucionalizado nas
leis que os órgãos da sociedade editaram. Em muitos "j
O Direito que emana das assar.iações, criando obri·
gaçôes e deveres intragrupais, é disso um exemplo mar·
cante. Outro é O conjunto de regras das arganizaçôes

•• outros. o costume foi mandado observar no texto das


normas ·de Direito Comercial, cuja importância para a
Sociologia do Direito ainda não foi convenientemente
!I
sindkais. paralelas à.~ normas estatais, e que, como
outras regras de Direito, não-oriundas dos órgãos da
Estado, possuem, por vezes, farça coativa superior às que

•• estudada. Na grande maioria dos exemplos, entretanto, a são. e prevalecem em casos de conflito. Exemplo disso
o costume permanece à margem do Direito Positivo, mas é a narmatividade que emana das grandes carpa rações
o influencia de maneira peculiar e o condiciona em todos industriais e das acardas entre elas, na sociedade indus·
trial modema.

•• os momentos .
A questão das regras sociais juridicamente relevan·
tes, aliás, é de grande ·atualidade. Não apenas no que
tange ao costume, mas também às normas morais; nor·
Tais regras de Direita, de formação. extralegislativa,
têm uma importância que ainda está por receber exame·
e pesquisa adequadOS à sua verdadeira influência na
sociedade. Elas são bem a medida da afinnaçãa de que
la mas religiosas e outras normas de comportamento que a Direito é reflexo da realidade social e se ajusta, neces-

•• existem em vários planos e atendendo a interesses di·


versos, há conseqüências juridicas a considerar, mesmo
quando não são expressamente mandadas observar no
sariamente, às demais farmas de soc!abilldade adatadas
pelo grupo, a cujo moda de viver, a cujas crenças e
valarações se adapta.

•• texto das leis. O assunto, sempre fascinante para juristas


e sociólogos, mereceu de' Balossini um tratamento pi:!.
moroso que muito pode esclarecer o.s estudiosos, e que

••
faz inteiramente clara a natureza de fato social que tem
o fenOmena juridica, de acalhimenta que a narmativi·
dade juridica manifesta às demais farmas de normati·
vidade social. T

•• Aqui vale focalizar a questão da farmaçãa extra·


3 legis1ativa da Direito.Do panto de vista socioló-

•• gico, não se discute mais a existência de copioso


material que pode ser classificado como "normas juri·
dicas" e q!.le não provém dos órgãos estatais cuja função

•• seja a edição das leis. Gurv!tch analisau cam meticulo-


sidade os diversos planos em que opera a prodUção
das normas de Direito, segunda a estratificação soc!al e

•• atendendo às diversas formas de soc1abilldade que adotou


na sua classificação .' Depois dele, tqdos os autores e
pesquisadores do assunto são concordes na existênCia


da produção de normas juridicas' fora dos quadros le-
g:l!erantes do Estado.

la

la • T C.uo ENIIIOO B.U.oS"N~ lA Bile ....... Giaridic4 doll. R~o"


Socioli, Ed. A. Gi~ MUão, 1966.
• GmmTCIl, Ioc. m, pisa- 237 e oep.

•,•
••
, ..... 4'~~ _
~·?..,:·i{· . .
--'lI'...,....~"'''''.~t,..,.<'''
. ..
••
••
,; "


••
ChptTULO IV •
••
o DIREITO COMO CONDICIONANTE
DA REALIDADE SOCIAL ••
1_ A ~ão .ocial t o Direito. lnfltú1tcia du u lIobrt tu ••
~

. ,v
,\ )....~ . "
dtm4lt m.4Ki/e.ta.çõe. IIOeiait. ~ - A norm.o. jurídica. como
Í'Put"'"ttft.to de controle social. j - Funçõu educo ttva,
t01Uenadora. e trcuuf~. O Direito como aDtnU cU ••
cr ••
v m1Lda~ 1Oci4l. A~ do Direito .obre (I, opinido -pública .
. o -~

••
• ~J.

••

" a
••
••
{~
••
41 •
••
••
••
••
•,•
Se o Direito é condicionado pelas . realldades do

•• 1 melo em que se lI18lll1esta, entretanto;.age tam.


bém como elemento condicionante. A ·lntegraçiio
entre todos os componentes de um complexo cultural

•• • é ' um dos fatos de maior significação · na ~da social.


A exata compreellSOO da sociedade como campo em que
essa Interação múltipla opera entre milbàres de ' fatores
Influentes e indlspensável a quem cuide do estudo :das
Ciências SocIaIs. Essa compreellSOO lew .à · convição

•• da extrema. mutabilidade dos fenOmenos ,,dos , grupos


humanos, do es~o de fluidez permanente que eles apre-
sentam. E faz que se perceba seguramente qué -cada ·um

•• dos elementos Influentes na Vida social é, ' aó ~ hie5mo


tempo, condicionante e condicionado. " .' ,"
O fenOmeno Jurídico e, assim, reflexo da realidade

•• social subjacente, mas também fatar condicionante. dessa


realidade. Ele atua sobre ,a sociedade, como : as outras'
formas pelas quais se apresenta .0 complexo soeioeu.1tural.

••
A vida poUtica é regulada pelas normas de DireitO, .Ela
se Pr,o<:eSl18 segundo prlnclplos e normas · flitadós · na
ordeJ,n jurldica, e o Estado, mesmo, .,é a ,: lnstitucloriali·
zaçãó maior dessa ordem Jurídlca. éstabeleclda. . Em' todos

•• os 'aspectos, está presente a I1lgra de Direito. OS fatçls


econOri:úcos, certamente os de maior Influência. ,no condi·
clonBriieD.tó i:erar .dâ sociedade; ' são contudoj" talIÍl>ém

•• a
eles, condléióriados pelos demais, ,desde ' àrte, ' o: 'senso
estéttco, as religiÕES, as valorações coietivss, e assim
também pelo DIreIto. I

•• O que aqui denominamos "condlCionameIjtQ"" II no


caso, o "condicionamento de retomo·, do Diii!ito 'Sóbre
;.

•• 1 e STElNBEaG, UDiritto e .·r.icetçhe -:aocio-


KAzlWIKCUK, ToftJA.NOV
loeic.he nell'URSS", em La Sociologia.. dd Diritto, cit., plig. 124.

••
~
,
••
••
Sociologia do Direito Realidade Social 69 «
68

o sóclo·econOmico é, mula tis mutandl, a "sobredetennina· A ética recebe , de volta. influências ' da norma luri
dica. O mundo da moral. cuja capacidade condicionimte
••
••
ção" da teorização althusseriana, que a reconhece nas di·
versas "instâncias" de qualquer formação social concreta.' da normatividade jurldica é axiomática, c a ISSO se rcle·
Outra coisa não é, também o que outros autore!; marxis· riu. de novo, recentemente. o iá aludido J orion .' não
Escapa assim às Influências de torna·viagem que o DIreito

••
tas, prin<;ipalmente de palses socialistas, chamam de
"efeito constitutivo" das formas jurldlcas, reconhecendo distribui em toda a soc,iedade . Tem sido observado que,
a importância que esse "efeito" tem na conformação das com uma Ireqüência pouco ressaltada, mas signilicativa,
condições econOmicas.' comportamentos diladcs aparentemente apenas pelas
Todo o processo educacional em uma sociedade se
desenvolve segundo principlos jurldicos que o moldam.
A sociedade modema, alI4s, deslpcou em ' muito esse
normas morais de certos grupos tiveram e têm origem
em mandamentos de ordem juridica . Tais mandamentos
se refletem, dessa maneira, em modos de agir, formas ••
processo da esfera do grupo familiar, ou dos grupos
viclnals, para Instituições de ralzes mais amplas, com
a criação das escolas e o desenvolvimento dos sistemas
de comportamento que adquirem conteúdo moral pró·
prio, independente da origem juridica, mas nem por esse
motivo despidos de con teúdo ético marcante . Idên tico ••
de ensino, em que a intervenção normativa do Estado
se faz sentir de maneira cada vez mais importante.
A Instrução pública é disso um exemplo do qual se
fen Omeno. de form ação aproximadamente a mesma, é
o do costume de origem legal, nascido de determinação
em lei ou norma estatal de outra espécie. que pode , ou ••
••
podem tirar lições significativas, dado o seu caráter Oe não, continuar em vigor . \ No momento em que se forma
servlÇó público em expansão em todos os palses. um comportamento costumeiro decorrente daquela norma
Como ' resultado disso, o desenvolvimento cientifico jurídica. ele passa a ter vida independente, de modo que

••
e tecnOlógico estâ, sempre, condietonado pela variada se projeta, por vezes, multo tempo após a revogação
legislação que, dornlriando toda atividade educacional da da norma e sua substituição por outra . Isso explica
·socledade, nos seus diversos rúve1s e setores, regula a e se exemplifica nos casos de leis posteriores que mo·
atribuição de recursos, as ativldades de' pesquisa pura dificam Institutos ou simples disposições de Direito ,
e apllcada, o regime de sua administração e a sua pro-
priedade, assim como a aplicação flnaJ dos resultados
do conhecimento técrúco-clentlfico.
mas que não chegam a ter eficácia real, continuando a
prevalecer os comportamentos inspirados nas antigas
normas legais revogadas, porque tais compo rtamentos
••
• . J!: importante assinalar como uma adequada legis-
lação póde fayorecer, ou desfavorecer, o desénvçlvlmento
cientifico, mediante a concessão de vantagef!s ilôs estu·
criaram força consuetudinária capaz de se sobrepor às
novas determinações da ordem juridica.
Tudo, enfim, o que se observa dentro de uma socie· ••
; dlosos, a canalização de verbas, a JimI~ou" não, da
. troce. de informações,. a 'garantia da co.ntinl#dade: o estio
.'mulo :a iriiciativll,S ..riacionais, ou pioneiraS, ou regionais,
dade é influenciado por certa ordem jurid ica, que se
irúiltra nas formas de sociabilidade, modificando·as por
vezes, reforçando-lbes os traços principais, dando· lhe ••
íH
;'
··ou 1ÚIlda, apareritemente destituldas 'de interesSe prático
' imediato; mas cujos resultados podem vir 1i- ser .de im·
portância inusitada para o progresso da ciência e da
malot vigor ou reduzindo-Ihe a força condicionante.
a norma jurldica o instrumento institucionali·
É ••
'
\
..
'
:,
tecnologia.
J LoUIS ALTHUSSER, AndCi.. Critica da. , Teo,. ia. Manuta, Ed.
Zabar, Rio de Janeiro. 1966. ,
2 zado mais· importante de controle social. É por
seu Intermédio , sem a menor dúvida. que esse
controle se manifesta formalmente com maior eliciência,
pois a norma Juridica dispõe da força de coação. pode
••
' J Vel' por exemplo ' K..ALM.4N KULCSAR., em "Idcological Changes
and the Legal Structul'e : A Discu.s.sion of Soc:i.1ist Experience". em «
IJlttrnational l ounta l 01 t!te Sociologll o/ L4w, 1980 , D.O 8, pág. 67,

8
( .. JO&IOH, loc. cit., piC". 101 oe &egS.

" ,
••

••
•• 70 Sociologia do Direi to Realidade So Cia l

•• 71
, "
. ~ .; . !..,
ser ,imposta ii obtidiêncla da sociedade pelos Instrumen. Sua simples autoridade, como fonna de manifestaçâó
tos que essa mesma sociedade crlou' com esse,; tJm.

••
da vontade social, exerce influência da' maior significação
~tone dedicou a esse' aspecto do Dinlito ,.um capitulo robre a conduta grupal, como veremos adiante,'
inteiro de SOCial Dimensi07l3' 01 Law and JtutIce I focali.
mndo minuciosamente o fenÔmeno jurídico em' relação , . '.
Outras funções de importâncja exp.rçi,jqs pelo

•• ao controle social. 't intetessanHss\ma a , aWuise que


esse professor aústrallano fez das fronteiras entre o con.
trole jurídico ou legal e os outros controles sOciais
'3 Direito devem ser referidas, entretanto, especial·
mente as funções educativa, conservadora e trans·
formadora . A respeito da primeira dessas funções,

•• fronteiras essas que quallfica de camblaates. No brev~


apanhado histórico que rilalizou, cOntudo, Indicou fato
que nos parece de grande s1gnlfJcação: o de que o con-
existem trabalhos curiosos que demonstram que a sim·
pIes existência de Uma regra de Direito resultá , geral·
nfente, na cO,nvicção, por· parte de quem a .conhece, de

•• trole jurídico Invadiu áreàs antes guardadas a outros


tipos ,de controle , ~, ' por exemplo, a competição
(refenda pelo propno Btone), ' na . evolução modema dos
que a conduta recomendada na referida ,nOrma e a mais
. conveniente,
Esse fato revela a lnfiuência educativa da norma

•• Estados lndustrlals.
A interdependência do ' controle. jurídico, ou legal,
e os demais tipos de controle ·social, também é de inte-
resse. Se a interação entre o fenOmeoo jurídico e os
jurídica, moldando as opiniões sociais e portanto o com·
portamento grupal, por melo de um processo de apren,
dizado e de convencimento de que ê , soclalmente útil,
ou bom, agir de certo modo: Não se trata, a', propósito,

•• demais fenOmenos. .soclOcuiturals é fato .evidente, ao qual


já fizemos referência, segue-se necessariamente que essa
Interação se estende a todas as manifestações desses
apenas de ameaça de sanções impostas pela · sociedade,
em conseqüência da transgressão dos mandamentos da
ordem juridica, o que já possui em si aquela, influência

•• fenOmenos, ,ou melhor, a todas as funções socIa1s de tais


feoOmenos, lnclulda a de 'controle' social. .
:I: precJso nãq esquecer aquela "·on,ipresença· do
sobre a copduta, a que aludimos, CUida'se também
da força condicionante da opinião pessoal e grupal,
quanto ao que é justo ou injusto, bom ou mal para;

•• fato jurídico na ~da da sociedade,' ii que nos referimos


antes, e o caráter que o Direito possul .de constituir a
forma expressa mais elevada de ordenamento... social,
a sociedade, modo de proceder adequado ou . inadequado ,
Skolnick observou, com propriedade, que indagar dos
entrevistados, em pesquisa, qual o ' seu ponto de vista

•• emanados dos ó~s ,especUlcamente destinados a pro-


duzl·lo dentro de. cada grupo. Logo; 'a ordem jurídica
se destina, precisamente, a: abranger a vida grupal, de
sobre o caminho que a lei dev.e adolar, entre duas
hipóteses posslveis, em termos abstratos, não ti o mesmo
que fazer idêntica pergunta depois de dizer qual a solução

•• maae!ra a estabelecer nelA a regWaçãodominante da


conduta coletlva e... indivldual. ' Não é a;fuais copiosa,
mas é aquela a , que ,i i sociedade ' atribul maior força,
que a lei efetivamente adotou , , Lembrou (DalS que se
poderia fazer a pergunta pelas duas formas , a dois grupos
diversos de entrevistados de características semelhantes,

•• nia!s elevada situação hlerúqulca, na escala de normas para se medir a diferença das respostas ' nos dois casos,
socialmente aprovadas. , . porque o Direito ê, em si mesmo, uma fo~ça que cria
. Sua função 'de controle soc!2:I, portento, não pode opiniões:
'No que se refere à função conservadora da ordem

••
ser posta de ,lado em qualquer análise que se faça de
sua natureza, O D!ieito não é apenas um modo de jurídica, deve ser dito que ela ê , 'essen~ialmente , a ex·
resolver conflitos . . Ele 'ospreVine e vai mais aiém, pois • Sobre eaaa fUDção de uruolverH , ou de 4'tratar" os conflitos
condiciona, direta ouiGd!retamente, o comportamento.

•• qqe ee manifatam na vida social, 'Ycr o Capitulo V.


, JUOME H, SIlOLNlCJ<, 'La Sociologia c!.ol Diritto negli Stati
UniU d'AJIIUiu", .... lA. Sociologia doi Di<üto. ' cit" plg, 287.

••

••
72 Sociologia do Direito Realidade Social 73 ••
••
( "..
pressão de uma determinada ordem social cuja regula· em modHlcaÇÔt!S da sociedade, alterando-lhe o sistema
ção, cujo controle e cuja proteção se destina a realizar. de contrple social. e, .diretamente, a relação de . influências
Como bem acentuam os autores mais modernos, ela reciprocas dos diversos elementos condicionantes da vida
reflete a relação de poder entre as varias classes sociais
e as convicções dominantes na Sociedade' L'lg'l . exerce
função conservadora dessa ordem, garantindo-lhe as ins-
grupal. Por ,outro lado, cQntribuem indiretamente para
a 'formação _de novas manltestações de consenso, nisso
confundidas as funções transformadora c echAçativa do
••
tituições e o tipo de djnãmJca social considerado bom
para seus fins, com uma estrutura a isso adequada.
Protege os valores socialmente aceitos e, como já acen-
Direito.
Este precisa, na verdade, ser bem estudado como
agente da mudança social. ~ essa uma importante ma- ••
tuamos; gera uma tendência conservadora entre os espe-
clallsLas em seus estudos .
. A Inclusão de nOrmas de autodefesa do sistema,
nifestação da função transformadora, exercida pelas
normas jurídicas, cuja utilização planejada, visando alte-
rar determinado contexto soclocultural, começa ii ser ••
assim, é algo de normal e encontradiço em todos os
exemplos de crdem jurídica de mais complex;dade. As
sociedades não-primá rias, ao estabelecerem seu modo
objeto de estudos e de primeiras aplicações Não se
perca de vista que, no próprio momento em que o lcg;s-
lador edita a norma legal, ou quando o Juiz a aplica ao ••
••
de vida, seu sistema ' de valores e instituições, fixam caso concreto, ou ainda, quando o administradur executa
também, na ordem juridica, princípios e regras de ma- os seus mandamentos, um e outro estjio modificando,
nutenção do sistema total, em que são previsLas as ltipó- em alguma parcela, maior ou menor, a realidade social.
teses de 'sua defesa contra as tentativas de modificá-lo. Esse fato é especialmente senslvel e fácil de constatar
Sob esse ponto de vista . a Sociologia do Direito pode
-ser entendida 'em Intima relação com a chamada Socio-
log;a do Poder. A natureza, a qualidade de suas normas
no primeiro caso, pois a edição da norma legal é, sempre,
invariavelmente, um fato de mudança da estrutura social.
~ também vlslvel, em um exame simples, essa função
••
de autodefesa, depende das relações de poder na socie-
dade observada. .
Tais relações de poder. certamente, repousam na
de mudança soelal, quando os tribunais firmam orienta-
ção jurisprudenelal em questões de grande repercussão
e que envolvam grande número de casos concretos, fi-
••
estrutura social e no ' seu mecarusmo funcional. Os con-
dicionantes sócio-económicos das 'relações de pOder p06-
suem, portanto, conseqUências politicas, que se verit,içam
xando interpretação nova às nOrmas legais imprecisas,
ou quando, também interpretando as leis, a administra·
ção adota orientação determinada para B sua execução . ••
em tajs relações propriamente,. e se exPlicam, sempre,
em manltestações de ordem jurldlca. EsLas.-~omo"resul­
tado, posSuem sempre aquele caráter de e~ressão de
Tais situações, modificando em alguma coisa a ordem
jurídica, se projetam sobre a realidade social nela, regu-
lada, mudando-a. 'O. " ••
uma determinada ordem social e,. inegavelmente, são
niani!estações . de uma ideolog;a, sob cUja pr~o .se
formam e vivem. ,
A propósito, é interessante abordar a relação ex;s·
tente entre o .Direito e a opinião pública. Ambos os
fenÓmenos, como ocorre em geral na sociedade, são ••
••
En! . sentido . contrário, porém, as nOrmas juridicas condlclonantes e condicionados recíprocos, em virtude
pôssuem uma função transfotfnadora do meiO':_" Quando da interação que opera entre a norma jurídica e a opio
editadas atendendo a "necessldadeS sentidas pelóS' órgãos nIão pública. As re8ÇÕes desta à rea\ldade da ordem
legjferantes, ou em resposta ao consenso de grupos jurídica constituem mesmo, na atualldade, um dos cam-

•••
que se antecipam . ao processo hlstórico, elas resultam pos de pesquisa mais iri:lpcirlantes dos sociólogos norte-
". _----
IORLANDO G<JM:ES, A CNe do ,Direito, ed. Mu Limonad,
americanos e europeus. Entre estes últimos, Podgorecki
e seus assistentes, na PolÓnia, Vinke e sua equipe, na
São Paulo, 1956, pága. 67 e sega. Holanda, e numeroso grupo italiano, a que faremos re·

••

•• ..,
•• 74 Sociologia do Direito
I
ferencia detalhada em outro capitulo, têm realizado, nos

••
últimos anos, preciosas indagações que tendem a assu-
mir o caráter de pesquisa coordenada de cunho mundial.
, As regras de Direito moldam, em parte, como aliás
_ já ficou demonstrado no desenvolvimento deste traba-

•• ~
1
lho, a opinião dominante em determinada sociedade.
O que ficou dito a pouco a respeito de suas funções edu-
cativa e transformadora o atesta. A maneira como . são

•• encaradas, porém, tais regras pelos componentes da


opinião grupal, constitui algo que exige reflexão e pode
indicar caminhos legislativos mais apropriados.
CAPITULO V "

•• o DIREITO, A SOLUÇÃO DE CONFLITOS


E A MUDANÇA SOCIAL 1 '

•• 1 - O co""it" como proee"o 8oci.a.L Dúeu'lIdo do COlLc.ito.

••
f - UmCl tipolol1UJ do. meio. de ocomodaçãn tU conflito •.
N,'1~ dirsta , m.diaçdo ou COftcili4.çiio, arbitro.melltu.
r.curtO' CIO apartlhe jv.dicüJl. S - A. 'Mnna. jurídicas t!
'KG inlltú'xcia no. diveno. tipo. re/eridiJ• . Norma. de outra

•• na.tureza. " - Fato. det.rmÍ1l41tttt da. OJ)f.ô'lJ q1uUHo ao.


tipo. aludido•. O q~e e{ttitlam.nt. oeOTT' t na. moti·51açõ•• ,
5 - A mKda1lça. .oeial e o Direito. Di/ermt •• maneira. d.

•• comeit_r o. mudallf4 1I0ciol. En/aqUI .. ("dura'" A mudançG


como JWoee..o. E1101uçiio, de",,"o1vtmf1tto e progreuo. 6 -
 itÜia cúu traflA/on1l4çõ .. "tigni/icatillQ." . A 11llldança

•• CQ1'KO v.'" ""ill",«1 da . ociedade. M"cUr"ça perceptíllel.


TrtJ"'/~õu durável', 7 - Macro e rnit1'o,nudunça •.
Aorcl'lghc1a dn C()flC~t(} , 8 - Conclusão.

••
•• i
.'

•• 1 O texto dute capitulo é o ruu.1tado d. fuaio c l'eformulaçio


parcial de dois .nico- publicados .;,., ArqlC1VOf do MinÍ4ur1o da J.",..
t~ o primeiro, "O Conceito de Mudança Social e o Direito", n.o a6,
abril-junho, 1978 e o segundo, "O Direito e a Soluçio de Conflitos",.

•• n,- 148, outahro-.deumbro, 1978. t aqui arradeclda. a p'l'minão dada


para luo.

•• .--
i

,•
\I
••
.;
••
••
<l~ .
••
(
I'
i
••
••
"

..
~

i
~
1
Pretendemos examinar aqui, inicialmente, embora
de maneira sucinta, as relações entre o processn
social de conflito e o Direito. É elemenlar na ••
teoria sociológica a afirmação de que a vida social en·
~
~
.~
volve dois grandes tipos de processos de inleração, uns
tendentes a aglutin~ ou acentuar a associação, e outros
tendentes a afastar ou reduzir a interação grupal. 2 Os
••
I,
mais importantes dos processos dissociativos, ou de afas·
tamento, segundo os autores consagrados, são os proces-
sos de competição e de conflito. Aquele, mais geral , pre- ••
sente em caráter constante na vida social, impessoal, sem
••
I
que se Identifiquem propriamente os "adversários". Este
se apresenta como um grau agudo daquele~ em que se
Identificam os "adversários", portanto pessoal, intermi-
tente:
Em realidade, o processo de conflito é observável em ••
~ ••
todas as manüestaçóes da vida social. Está presente nos
diversos tipos de sociedade, das mais simples às mais
~r- complexas, de modo que é possível afirmar que inexiste

••
sociedade em que ele não apareça. O entrechoque de inte-
resses, entendidos na sua significação mais simples, manl-
~ festando-se numa escala de mera vivência ou, mais espe-

~,
cialmente, em fenômenos de poder, de apropriação de
recursos ou de relacionamentos preferenciais, revela si-
tuações em que o conflito se faz atuante .
O conflito pode ser definido como uma luta a respeito
••
de valores ou pretel'lSÕes a posiçóes, a poder ou a recur-
••
I .; , ;
..
,; .....
sos que não estão ao alcance de todos, em que os obJe·
Uvas dos oponentes, ou fladversários", são neutralizar,

2 Apesar de !!ler essa uma abordagem corriqueira da teoria dos


proc.CSSOS sociais, a seu respeito razemos agora algumas considerações ••
-- ••
N que pennitirão melhor introduzir o tema deste capitulo.
r,J
,~ 12 , ')

,.\..:


•• ~
II
•• I"

~
78 Sociologia do Direito Mudança Social 79

•• ~
"
~
ferir ou eliminar os rivais.' Em verdade, o conflito li
sempre consciente e envolve a comunicação direta entre
os oponentes. Ele se verifica entre indivlduos ' ou grupos
I. 2
Dessas breves lndlcaçõesconceltuais a respeito do
copfl.lto, ~ é possível compreender facilmente a ,sue.
, importância no estudo do Direito e a relação es-


cu organizações, ou mesmo entre sqciedades, umas <:?m tllita entre:.os ienômenQs jurídicos 'e ' tál pra<:esso social ,
as outras, ou de indivíduos com grupos "-/ou orgaruzaçoes, O )Jireito refere-se ~prll,f.direte. oU"lIidiretamente, a si-,

••
:i /
, de grupos com a sociedade .glPpl!I,'etc_ "Sempre que seja /, , t\l!IÇÕes conflitantes; ou ' seja,~ a ', si~S"ém ' que O pro-
, possível Identificar um entrechoque de interesses de qual- I . ,," ceSso de conilito esteja 'presente, atuaJ' ou'1iõtencialmente_
quer espécie entre atores ou agentes, na vida 'social, es· I1 li; que a ordem jurídica se constitui de nomias sociais de

•• I
I
tar-se-á identüicando a existência do processo de' conflito,
em situações as mais variadas. O contllto. portanto, é
consciente, é pessoal, é intermitente. Ao passo que a com·
natureza especial, editadas por instItuições , especifica-
m'ente' destinadas a isto, dentro de uma' organização esta-
, taJ, cuja destinação é precisamente manter e dar todas

•• ~
petição é inconsciente, é impessoal e continua.
Emitio Willerns define o contllto como ·competlçao
consciente entre indivíduos ou entre grupos, que visa a
. _ , as conseqUências necessárias à ordemr, social que a edita_
Em essência, o Direito é um sistema de·normas,.que tem
por objeto assegurar que os comPQ1'tslnentos sociais se

••
:1
sujeição ou a destruição do rival. Seu ~suJtado visível ajustem às expectativas socialmente estabelecidas naquJlo
~ que 11.considerado mais importante_ Dessa maneira, quan-
é a organização política (intergrupal e mt~grup~l) «: o
status que os individuos e grupos ocupam- no ' mtenor do norma constitucional dispõe, por exemplo, sobre os
r, poderes do Estado e sobre sua distribuição de competên-

•• \
1
i5
de tal organização. O conflito pode revestir formas di-
versas, como a rivalidade, a discussão, até o litlgio, O
duelo, a sabotagem, a revolução, a guerra, compreendi-
cia, o que se está fazendo é prevenir a eclosão de situa-
ções Contlltantes e estabelecer, desde" Jogo, as <tormas de
composições das tensões que o processo de col11:lito pode

••
das nele, portanto, tQ:ias as formas de ' lutas abertas
ou não_"' O conceito não difere em muito daquele produzir, acomodando os interesses opostos ou' as pre-
tensões ,contrárias umas às outras_ "';'. _,
J outro antes mencionado_ Vale dizer, entretanto, que
Ocorre que a solução de conflitos que se manifesta
•• Coser terá sido mais generalizante, ao mencionar a

•• ~,
~
:i
luta pelo status. pelo poder e pelos recursos escassos_
Outra maneira de abordar a conceituação do conflito
é aquela em que, insistindo na forma de luta de indi-
na vida ' da sociedade humana pão é deixada somente às
normas jurliUc3s_ Os cosiumes, as nontjl1S de natureza
moIa! ou rellgiosa, e outras ' formas n0llI1!!tivas da vida

•• ~
1
I'
i:
viduos ou grupos, salienta-se que ele !!nvolve sempre
éontato além de ocorrer ao nivel cOnsciente pessoal
e Impll::a violência ou pelo ~~!'los amell:~ ~e ' violênc!a_
soC!aI conduzem também à acomodação. dll§ interesses
contllÍantes de mOdo que no universo da interação so-
cial muitos' mecanismos, ou proCessos; atuam simuJtanea-

••
~ mente, compondo, acomodando ou ajustando, si~1:1ações . 7
Enquanto a competição determma a PO~lçaO que um l?-
~
iI
divlduo ocupa na comunidade, isto é; !lua distrlbulçao
espacIal, o CO!ltlito determina o seu' lugar na sociedade, • Sobre a problemitica do c.onflito, "hi ..ainda · aspectos não-orto·
doxol 'do proceaao. em que nio H identi.:n,~ propriamente ato~

•,• ~,
~
I,

~
ou seja, o seu statüs no sistema soclal_'

I L_ .A. Coa.-.a, Th, Funetimu o/ So.Í41 Cm/Ii.1, Th. F .....


em conflito, maS )eDd~nci.... ou ,'p~a .. çp..,nf:1i~ntu. :, de'; mane~
impeaaoaJ, deDtro ··da ... ida eociaL ~mo. por: ''íe~~m~!o• . a ,mteraçao
eDtre • • u~imagemque uma aociedade se faz ê' . 'SUa ef~hva orga·
niuçio aoeial. Ver & prop6aito. RoIlEaTO J4..u.rc~ UNCER, La1IJ

•, P.rua, ·1866, pág_ 8_ - - M


EIIULlO WlLLI!MS Dic:ti4"'1Ulir. de Soetologu, aree
I R' _
lY1ere
i" MocI4nt S~ty, The Fl"ft Preasy ~. York, 1~7~), um /; estiJD\11&n~
eafôrço de reavaliação doa fenômenos da no~~~~J~~de ~fl suas dl-

•,•
4.

f et eie., Paru, 1960. edição francesa modificada do DieiOftdrú> r:ú , vuaas ~itest&ções e implicações.
StXiolDgiG originalmente publicado em 1960 pela Ed. Globo. I1 T t copiou & literatura lIOCiológica sobre à :.acoinodacão como
I S4MUEL XOENIG, ElefM:flto. ü Sociowgia, Zahar Editores, Rio processo aocial. Reporte.ae o leitor intenuado, por exemplo, a PAULO
il d. Janeiro, 1967, pág_ 308.
!! Dou1uDo GOBJr(lo, Ma.7tual de Sociowgio, Ed. Forense, Rio, 5.& ed"

t
~
<
-4, -
t .!
••

••

, I

80 Sociologja do Direito Mudança Social 81

Da mesma forma, é importante assinalar que os ins·


trumentos pelos quais se encaminham as ,soluções de
máquina estatal, ou seja, o aparelho do Judiciário. t ver
dade que, em face das práticas na sociedade industrial ..
••
conflito não se esgotam no lltlglo judicial. Isso é elemen·
taro Basta que se atente para o fato de <tue tais situa·
ções de conflito também têm soluçOes' nas SOCIedades pré·
diante de disposições legais, o arbitramento resolve.se
freqUen!en:ente numa homologação judicial, ma~ esse as·
pecto nll? e de sua esséncia. Já o liUgio em ' juizo envolve, ••
estatais, ou seja, naquelas em que o Estado ainda não
se tenha institucionallzado.. Os estudos antropológicos em
todas as SOCIedades mais simples o demonstram clara·
necessariamente, o apelo das partes oponentes ao aparelho
judiCial estatal, reclamando, mediante a prestação juris.
dlclonal, que se resolva o conflito, dispondo sobre os in. ••
mente. Outra situação não poderia existir, sob pena da
desintegração da vida social em tais grupos, que não per·
sistlriam. Logo, a par com as instituições que ' permitem
terc~ em opoSição~ o que, do ponto de vista SOCiolugico,
significa a acomodaçao de tais interesses ,
, Os quatro modos de se chegar à acomodação que ••
••
a soluçãe- judicial das situações confi1tantes, outros mo· "resolve" o conflito são, assim, pertencentes a determi.
dos de solução de conflitos existem e que absorvem, se· nadas categorias distintas. Do ponto de vista dos agentes
gundo alguns autores, a maioria dos conflitos existentes, ou instrumentos da solução, eles podem ser divididos em
dois grupo~ ; O da negociação direla, de um lado , e o que
resolvendo-os nos termos da acomodação necessária.
A teoria tem salientado quatro Upos de solução de
conflitos pela acomodação dos interesses dos oponentes :
(1.0) a negociaÇão d1reta, (2 .° ) a mediação ou concilia·
abran~e a , mtervenção de terceiros (inclusive a mediação,
O arbitramento e o lI11gio em juizo) . A distinção fi imo
portante porque, no primeiro caso.- o grau de conflito é
••
ção, (3.°) o arbitramento e (4.°) o lltlgio noo tribunais.
No primeiro desses tipos, as partes se entendem direta·
mente, negociam ou uma delas submete-se à pretensão
p~esum\do menos agudo ,' tanto que as partes oponentes
nao se eximem de negociar dlrelamente e através desse
recurso chegam a compor ou acomodar os seus interes.
••
da parte oponente, de maneira que se acomoda a situação
de conflito que se havia produzido, f1Izendo cessar a opo-
sição manifestada. Nas outras três formas de composição
ses, enquanto nos demais já se verifica aquela impossibi.
Udade de negociaqão direta,... Indicar um grau mais in·
tenso de conflito, de tal modo que se faz necessária a ••
de conflito, fracassada ou não utilizada a negociação di·
reta, existe a intervenção de terceiro que atua para a
solução de conflito. Esse terceiro pode ser , mero conci ·
lIador ou mediador, cuja função seja buscar no entendi·
intervenção de terceiros, capazes de mediar , ou arbitrar
ou dirimir em grau definitivo, conflito de interesses já
produzido', '
Outra maneira de distinguir os diversos modos de
•,•
mento d1reto com as partes conflltantes a forma de aco· acomo~ ~e cc;>nflitos salienta o fato de que a solução
modação que possa ser aceita 'por ambaS, de modo a fa·
zer cesSár ou amainar O confi1to. Já. ó' arbittan\ento preso
, supõe a existência de um ou mais á.rbltros" cuja função
é, . mediante solicitação daqueles que se opõem no pro-
pela negocIBÇ80 direta e pela mediação não envol vem uma
decisão que se Imponha coativamente às partes interes.
sadas, pois, em ambos os casos, o consenso entre eles 'é
exigido, seja diretamente alcançado, seja quanto à forma

I'•
oferecida e construlda pelo mediador ou ,conciliador; por
cesso de confi1to, â1r1mI:r as· divergências e afirmar qual
a fórmula que deve revestir a acomodação necessária. Há
que salientar, entretanto, que ainda não se movimentou a
outro lado; o arbitramento, embora ainda guarde alguns
elementos de não-coerção; 'contém uma força coativa pró·
pria em determinadas ,.situações contratuais e previstas
••
19'17, p'g. 66; DoNALD PI.Ek8ON, T,0ri4 e PUq14i.a l'm. Sociologia.
Ed. Melhonõmentoe, S. Paulo, Cap. XVI em sucessivas ediÇÕf'S ; EVA
M.uu LAxATOl!. Sociologia Geral, Ed. Ati.., S. Paulo, 1976, Cap. 6:
em lei e, finalmente. os remédios judiciais envolvem sem.
pre uma solução que é imposta coativamente' às partes
interessadas. Quanto, portanto, à força coativa ou ao ••
Rzc.uEHs S~CF(~I Trutodo de Sociologia, Ed. Globo (edição br.si-
letra), Porlõ Al~ê. Cap. XIXi e muitos outros.
j4
caTáter impositivo da forma de acomOdação encontrada
de um lado estão a negOCiação direta e a mediação, se~
••
--
,j y

••
•• 82 . Sociologia do Direito Mudança Social 83

•• : qUaiquer-traço dessa força ' coativa "e de , outro ~'o arbitra-


, , mento e o Utlglo judicial, em que" embot:a em graus di.
encontrar unia solução para o conflito envolve .\:m si um
comando, ou norma de comportamento 'soclal ',em que as

••
versos, <tal 'força coa,tiva se manlfestâ;' • partes convencionam, tácita ou t!%pressamente, buscar
' Quanto aos modos de soluÇão dos conflitos, segundo acomodação e. qualquer que seja a ' forma: encontrada,
a natureza dos ' agentes que o medejlii:n ou o açomodam tem ela alguma natureza nopnativa e, em 'si 'mesma; ln'
em
••
também' é'''posslvel dizer que eles ' dlvidem·Se instru: clul normas sociais ,P~tentes, ,
mentQs judiciais' e em instrulÍlentos eXtrajudi<;il!iS ou não- Ora, uma considera,ção se impõe aqui, lt , ,que tudo
jUd!ciais (no ' caso, a negociaÇão dlreta, a medjlição e o está a Indicar que as nonnas de Direito '!pini!iin grande
arbItramento, nafase' anteiior ao pedido de homologação P!lfÚl do pano de fundo sobre o qual se pt:Qjet4m os mo-

•• quê esteja previsto 'na legislação, o 'que ocorre, 'por exem.


pio, no , Brasil), ',' " ,' , '
, Assim temos que, do ponto de vista" do agente ou do
dos pelos quais se procura obter solução pára 'Q!! ,conflItos.
Em outras palavras, há indicações de que o Direito é in·
fluente em todOS os tipos ou maneiras de solução de con·

•• instrumento de "solUção de COnflitos e' da fOI:Ç3 coativa


ou da conseqUência direta da fórmula ,encontrada para
tal fim , três são as maneiras de classifica.las, .
fUtos que mencionamos, atuando tanto quanto 'as outras
nonnas de convivência humana, que são, ent~tanto, em
muito maior nlimero do que as nonnas ,jUrídicas. Essa

•• 3
Há entretanto; um outro I,ISpecto ' essencial a con·
siderar em 'relação a esse pOnto, Tratá,Se do tipo
presença da regra de Direito em escala malQ~ <1,0 que se-
ria razoável esperar por SUD. simples particiPl'ção pro-
porcional no conjunto das nonnas atuantes 'n;l 'Y;\da social,

•• de normas , qjie' influem ou pOdem influir na ado-


ção das soluções bUscadas, Aqui VÇlltamo&, sob outro
aspecto , ' às éOlÍsiderliçOes' inidaimente feib\S , ,"t' que in·
e agora no caso especial da solução de conflitos, é im·
portante, Se não são majoritárias tais npnnas, há de ser
porque têm elas maior força coativa que as, demals, além
.um"
•• fluem ' ou' podém"infiuir; na ' solução de' conrutos as nor.
mas ,de direito pOSitivo ou não, ' Aquelas são tOdo ' o elenco
de normas legais e às demais' são, prtriCi~almeiíte, as nor.
mas costumeiras, religiosas, morais etc.
de corresponderem mais nitidamente a ::-opinlão so-
cial quanto à sua necessidade e quanto à ,SU1l eldgibUldade.
Essas considerações, de natut:eZQ te6rica,' devlllll merece!;
especial àtenção dos pesquisadoreS, especl~imente daque.

•• Cabe aprofundar um pouco esta diséussão no que se


refere''à' at!Jilção das"'iiormaS 'legais ou' rião-legais como
pano de 'fundo ' oli :quadro )lormativo que inflliencia a so-
les que se dedicam à Sociologia do Direito, Não nos de-
teremos nelas, entretanto, aqui e agora, bastando referir
tais possibilidades de estudo. . '

•• lução de conflitos:" t , évlãente gue toda acomQdação de


conflitos se "faz ' Pór' referência a' nonnas de cóoouta soo
, ela!. Fora do 'Universo ' normativo não há "conio encon·
Até qUe ponto, entretanto, será eteUva essa grande
participação do mundo nonnativo juridlco.. e~ndldo ro-
mo o conjunto de nonnas do Direito positivo" Rll solução

•,• , , trar·se acomodações ,adequadas, A própria 'decisão de se


. , " .
.' E1i.te~ eetu~~' nll1m'~ro~ ' a te.speito, nos documc:ntos pro-
dtWdoo por Um II'!UPO ' de trabalho sob a ~d. do chamado Centro
de conflitos sociais? Por outro lado, em que, escala se
poderá dizer que as normas costumelras ' intervêm no
mesmo quadro, principalmente quandO ' "sa,ç,raUzadll$"
pela lei? Não serão as demais nonnas de comPWtamento
d. Viena (Centro" EllÍ'Opeú -de Coordenação ' ile , pesquiaiL ' e d. Do· soctàl, sobretudo as costumeiras em geral, j! , ~ulto espe-

•• cUlllen~ em Ciências Sociais, . do Conselho Internacion.al -de Ciinciu


Sociais. órgão d. Orpniu~o..das Nações V.aidas) . Vale tamW:m
referir 8 . M. BLEcTAD, P. O. ·'BOLDIt'lG e Ou tANDO. A rbitration a.
4 ' M"",. '01" Soluing · Có*fl~u•. N~ . Social ScieD(~e Monograpb"
cialmente as que se vinculam aos morá, ,tão importantes
na solução dé conflitos ~ quanto ~ as.' noÍnJll,s jurldl·
casZ, Essas inda~ n!~t:ecem '~ ' exploração ,apropria:

•• Copenhague,-197S '; TOasTEN ~CKBOFF; uThe Mediator, t,bt Judge and


.the ~dmini.tr.tor: in ;~Co'nflid ReSolbt"ión", jA Con:-tributic:m. to file
,SocioloW 01 r-." Cope~bague, 1966. " ,
da. ' NãQ nos pare& , que se possa"contlnU\lr no terreno
estritamente especiÍ1iltivo, no que concerne à , vertlicação
da realidade. A matéria está a eXigir investigação cien·

••

,,
------.
,
84
"
"i'. ,Sociologia do Direito

títica da realidade concreta, em que se procure verifical


Murjança Social

Essas, motivações pragmáticas são, entretanto, vinculadas


85
••
como efeUvamente são enfrentados 'esses con,flitos na so-
ciedade contemporânea, especialmente na sociedade bra-
,slleira_
Por enquanto . vale a~rescentar que as normas de Di-
a ..va1..o~-fe a condicionamentos ideológicos e sócio-<:ultu-
raIs, cuja identificação é 'multo importante.
- -.por outro lado, cabe indagar quem escolhe o quê , Ou,
melhor dizendo, que tipos de pessoas, ou grupos, ou in_-
••
reito positivo dominam as soluções de conflito no litigio tltulções, preferem este ou :aquele 'camlnbo para a solução 41
Judicial . Elas influem dominantemente , no arbitramento; dos conflitos existentes. Em verdade, sabe-se que o arbi-
tramento é usado principairnente pelas grandes organiza- 41
••
atuam, com menor incidência, na mediação; e freqüente-
mente estão presentes na maneira pela qual as partes ções privadas, empresas com elevados interesses, o que
compõem os seus Interesses na negociação direta. É co- poderia contrariar o argumento de que essa maneira de
mum que essa composição se faça, tendo em vista o que solucionar conflitos seria menos dispendiosa. Até que
o Direito dispõe sobre a matéria. Por outro laê:lo, as
normas não legais, ou melhor, aquelas que não perten-
cem à esfera do Direito positivo são utilizadas também,
ponto existem essas preferências, e quais as Vinculações
qUe têm com a questão anteriormente colocada, constitui
uma indagação relevante do ponto de vista sociológico e ••
com freqUência , no arbitramento, especialmente normas
de caráter técnico; na mediação ou conciliação, principal-
mente nas de natureza costumeira, moral ou religiosa; e
de politica juridica.
A esses aspectos deve ser acrescentado outro, de inte-
ressantes implicações. Trata-se da eficácia das soluções •
41
na negociação direta, com ênfase nos mesmos tipos, en-
quanto no lIt1gio judicial as normas não-Iegais têm urna
Importância multo menor. Claro está que o próprio sis-
buscadas e obtidas, ou seja, do grau de sua adequação
aos objetlvos pretendidos, da satisfação que os interessa-
dos obtêm, no propósito de dirimir os seus conflitos, me- ••
tema de' Direito acolhe as normas costumeiras e alguns
princlpios de uso comum na vida social como bússola para
indicar o rumo de certas soluções, porém o simples fato
diante a escolha dos diversos tipos já referidos_ O exame
desse elemento adquire uma conotação especialmente va-
liosa, 'sobretudo porque a maior eficácia pode funcionar ••
••
de a própria lei assim deternUnl;lr faz com que tais nor- como um fator de realimentaçãO dos _processos mencio-
mas p'a ssem a ser, em face da ordem juridica, "sacraliza- nados.
das", pois nela são acolhidas e inseridas.
'(
Cabem agora algumas reflexões teóricas, adicio-
-,"."

4
o quadro acima descrito de mecanismos de solu-
ção de conflitos revela alternativas ou opções que
;; tiai.s às já feitas em vários trechos deste trabalho,
sobre um conoeito sociológico de uso corrente, na ••
1
as pessoas, ou grupos, ou instituições, escolhem
quando se produzem as situações litigiosas. E;ssa escolha
pode decorrer de fatores ideológicos e o de fatores sócio-
C1Jlturals dominantes; de Influências históricas e tradicio-
nais; da ,-realidade sócio-econOmica, financeira, politica,
religiosa, :moral; de motivações estritl;lmente prátiqas, e
outras_ É importante procurar identificar o tipo de fato-
aparência elementar cuja compreensão, porém. é impre-
cisa, contraditória e SOfre de influências que lhe tiram a
nitlde2!_ Trata-se do conceito de mudança social que, como
alguns outros conceitos sociológicos, tem Importância .CB-
da vez malsrecoohecida no estudo do fenOmeno juridico,
sobretudo porque os problemaS do desenvolvimento colo-
cam a questão das transformações da vida social no
I.•
I
ti
f res dominantes nas escolhas, inclusive para a preferência
individual das alternativas não-judlclals que parecem, a
uma primeira reflexão, majoritárias no dia-a-dia da vida
social. It comUm a' suposição de que os caminhos não-
primeiro plano das cogitações de cientistas e bomens de
ação, pesqulslldores e admlnIstradores.
Já se tem salientado ~ importância. O conceito de
mudança social é partI~ente significativo no estudo

I
_judiciais podem set mais rápidos 'e menos onerosos do do Direito porque este reflete sempre a ordem social que I
- que o apelo ao aparelho estatal de realização da justiça, o produz e o sustenta, como realidade sócio-cultural, só-
, I
41
"

41
•• 86 Sociologia do Direito Mudança Social 81
I
•• cio-econ6mica e poUtica. Todas as mod1âC8ções nessa
realidade social, supJacente ao Direito e Q,ue o envolve
e o contém, 'têm conseqUênClâs na-óidemijúridica. Esta
Em realidade, a idéia de mudança social já foi por
algum tempo identülcada com a de progresso, ou de evo·

•• é subsiStema do sIstema social malsamplo ,-e ,o representa


em suas caracteristlcas fundamentais. Ela cotresponde à
Influêncla que os processos e as formações estruturais da
.1ução, com o que teria uma conotaçã<;l quase neutra, se-
gundo von, Wiese, ~o em contraposição ' à ouJl"Jl, que en·
volve uso estatístico a fazer da ,mudança , .l;o<;ial uma
concepção unicamente qjlBntitativa. . " ;:; ,

•• sociedade global exercem,confo=-ndo todos os aspectos


dá convivência humana. ," ,
Em, 'que ,é , relevante a mudança social pará as trans-
A confusão dos cànceitos de muda{lça,-eyolllção, de-
senvolvimentO e progresso é ex~dà JJpr )3Pttomore, 11
por exemplo, salientando que a locução ~: l!:'lfgança social"

•• fonnaç9és do Direito?· A partir de que Ponto se manifes-


tam eSsas ' Influências? Que aspeCtos, ' ou tipos, de mu·
dança social resultam ' em modificações eletlvas. da ordem

é mais neutra, e seu uso Coi estimulado ,s01'1retudo po~
Ogburn de maneira que pode, até certo pontq, ,ser aproXl'
mada à abordagem de Marx. ,

•• Jurldlca? Tais problemas, de 8oclologia do DIreito, são


fundamentais.'
A respeito do conceito de mudança social, os autores
Ora, a teoria mançista tende a salientar o desenvol·
vimento de uma. tecnologia da produção~, as rj!lações en·
tre as classes sociais, reconhecendo mudança . quando as

•• dlvidem·se, gro3S0 modo, em dois grupos. Uns só reco·


nhecem ' II- sua 'ooorrencia quando se moditicàm as estru·
turas socials de modo "significativo"; outros admitem que
transformações da primeira resultam na rriodificação do
modo de produção e, por conseqüência, alteram as tela:
ções das classes sociaIs. Trata·se de uma visão estrutural

•• ocorre mudança sem que as estruturas sejam necessaria-


mente afetadas.
De um deternúnado ponto , de vista, o' problema é
do conceito, embora dele não esteja ausente, de algum
modo O reconhecimento da existência de ' um processo
sociaÍ. 12 - .

•• abordado 'locaUzando situações m~cadas que hajam Glnsberg também (embora de outra vertente), exige
sido identificadas, em contraposição a outro entoque, que mudança estrutural para, se configurar a muda.'lça social.
se relere 'uo processo que produz tais' situações. Assim, Esta é a seu ver, modificação na estrutUI1ll' social, ou
seja, ~o tamanho de uma sociedade, na composição _ou

•• Tom Burns' afirma ' que, de um lado, mudança social


denota' uma ' diferença observada em relação a estados
anteriores de' estruturas, Instituições, hábitos ou equlpa·
no equillbriO de suas partes, ou no tipo de organizaçap,
embora admita que moditl~ões artísticas ou Iingüistlcas
possam Incluir-se no conceito. "

••
mento ' de uma sociedade, rUi. ,medlda em que constitui: Exemplo oposto, de conceito amplo e, de ,c~rto modo,
(a) ' ó 'resultado de medldas legislativas ou outras com o impreciso, é o de Donald'Plerson, que enteh4e::ser a ~u·
clÍn de controlar a conduta; ou (b) o produto de modlfi· dança social qualqul'r alteração de forma de Vida socilU,

•• caÇão, seja n\UlUl subestrutura especificada, 0\1 num setor


doIlllnaltte da vida social, ou no ambiente ·CIslC9 ou social;
ou ainda, (c) o eleito conseqUente de 'ações perseguidas
afirmando que ela se processa, "na sua forma mBlS etl·
ciente~, através de movimentos sociais" como de multi·
dões, ressurgimentos' religiOSOS e Ilngülsticos, rri?~, !elO[;

••
em ,con!ormldade com maneiras s1stematiçamente relu· ma, revolução, reproduzindo afinal noyas hIStltu.l ç?es.
clonadas de preencher n~ld,ades e 4~der expectativas Uma visão funcionalista está ai presente, a toda eVidencia.
que prevalecem em determ1nada sociedade., De outro lado,
para ele o termo também significa ri processo através do Loc. cit., pág. 64.7. .

••
10
qual tais d1!erenças ocorrem. 11 T. B. BonoMO~ Introdução à. Soeu,logia, Zahar Edit.ores.
Rio de Janeiro, 1967, pigs. 227 e sega.
11 Loco cito
•ToM BU1\NS, in A. Dictiofto", 01 the Soc~ SCU!Mcn, Tavistock U DoNALD PtERSON, Ttllria r. Pe.q"iIlG e," SOCiologia , Ed. Me-

•• Pu.blic:ation., Londrn, 1964., pá,. 6-47.


, , . lhoramentoa. S. Paulo, ' U ," e<i., 1968, pá,,_ 328.

•• 11


v
••
>,

88
,
Sociologia do Direito Mudança Social 89
••
41
Este quadro de contrastes e divei-géncias é bem sall· (~formação, m.?<illlcação, alteração); e de mudança 41
entado por Eva Maria Lakatos, em excelente resumo da da .~da ' SOCial. Nao há bom fUndamento cientifico no
matéria . " Nele é oportuna a Invocação do conceito se- r entend.er que SÓ há mudaliça quando se moditlcarn as es- 41
gundo Guy Rocher, 'que Identifica mudança social em toda truturas, o que significa entender ' que outros aspectos de 41
transfonnação observável no tempo e que ateta, de ma· modiftcação da vida social"Seriam Irrelevantes. Muito pelo
l)eira que não seja provisória ou efêmera, a estrutura ou con.trário. QUalquer modificação da vida social é mudança 41
funcionamento da organização social de dada c<>letividad.e ~la1. Assim, mesmo que as chamadas estruturas soclals 41
e modifica li curso de sua história. MIl:", diz ele, "a mu·
dança de estrutura resultante da ação histórica de certos
fatores ou de certos gr.upos no seio de dada coleUvida·
nao tenham sido revolucionadas (condição exigida por
certos cientistas soclals), pode haver mudança e, na ver.
dade, essas ocorrem em todas as sociedades, todo o tem. •
41
de."" Tal conceito é ambíguo . De um lado, Incluem·se
nele as estruturas modlticadas e a dlnAmlca dessa modl·
ficação, ou seja, o processo; de outro, refere-se apenas à
po, em algum grau (embora de maneira desigual em
ritmo e andamento, em profundidade e amplitude). Disso
decorre a atlrmação, que nada tem de simplória, mas nM •
41
mudança de estrutura.
Essa ambigUidade se apresenta com grande freqüência
nos conceitos de diversos autores. Assim, entre mudan·
deve surpreender pessoa alguma, de que a mudança so.
clal é um universal da sociedade, ocorre sempre; não
existe sociedade estática, sem mudança. O conceito de ••

ça social como processo, em contraposição à Identificação imobilismo social é relativo e mero rótulo para Indicar
de estruturas dlterencladas; e a que se conceitua pelas baixo Indice de mudança. Essa a razão pela qual a aflr.
transformações "signlticaUvas" das estruturas em contras· mação de que "estamos vivendo época de transição" não
41
••
te com as moditicações em qualsquer situações na "vida tem qualquer significado real; todas as épocas são de
social", oscilam as maneiras de' conceltuá·la, entre os au· transição.
tores consagrados. O subjetlvisino domina a Idéia de que para eDstlr
mudança social é necessário que ocorram transformações
6
A matéria comporta algumas observações relevan·
teso A primeira delas é que é inaceitável limitar o
conceito a certos tipos de modltlcaçõcs que pode
Mslgnltlcatlvas" da vida social. Significativas para quem?
A partir de que ponto ou momento urna transIonnação
passa a ser Msigniflcatlva"? Il: óbvio, ao mais elementar
••
sofrer a vida social;' a segunda é que a ~gêncla de mo·
dltlcação Mslgnltlcatlva~, para reconbecer a ocorrência de
mudança social, inclui um elemento fortemente subJetlvo
exame critico, o elevado grau de subJeUvlsmo nessa orlen.
tação. Isso contraria o rumo da objetlvldade cientifica
necessária (nos limites em que ela é posslvel), buscada
••
no conceito; a terceira é que, entretanto, nem tudo que se
altera- na Vida humana em sociedade é de ser entendido
como mudançâ social. ExamInemos brevemente cada uma
em todo estudo clerlUtlco. O que se pode exigir é que a
moditlcação seja da vida . social, e não apenas na vida
sociaL Em outras palavras, que a vida da sociedade se ••
desSasqbSerViições.
A nosso ver, é necessário um mlnlmo de objeUvidade
e reallsmo no estudo de qualquer fenômeno social (aliás,
,. altere. Não basta que dentro dela haja aspectos dlteren·
c1lldos, mas é preciso que a própria vida social seja me>-
diflcada. , Em vez de modificação "significativa·, melhor ••
de qualquer .fenOmeno, social ou não). Quando se pensa
a respeito de mudança social, coglta·se dê mudança
será exigir que ela seja Mperceptlvel" ao cientista, medi,
ante sua observação comum. ll: possivel dizer então que
há mudança social nas modificações perceptlveis da vida ••
U EVA M.uu. L.uc.ATOS, Sociologia. Geral, Ed. Atlas, S. Paulo,
1976, pig•• 2.9 e .ega.
U Lo<. til, pig. 2'9.
da sociedade.
Finalmente. vale lp.slstlr em que nem tudo que muda
na vida social ê mudança social. Modificações não-durá· ••
I~ ••
••
•• 90 Sociologia do Direito

veis de comportamentos individuais ou mesmo coletivos.


Mudança Social

ponto de vista teórico e prático. A mudança é sempre


91

•• modismos. pequenas alterações setorlais e estruturais, 5em


repercussões que se possam perceber na vida da s0cie-
dade, são o mero fluir dessa vida, o nonnal desenrolar
r
mudança nonnativo-social, já O frisou Cláudio Souto. ,.
Da mesmá . forma que os conceitos de "controle so-
._ dal~; de "papel" e .de ".anomia", o de ml,ldança social é

•• das coisas que, em verdade, nada mudam, e ao fim do


que, tudo se mantém como antes, processos sociais e es-
truturas deles resultantes.
re\ev~~, dadas as .!unÇges..que, O .Direito tem,. do ponto
de vista sociológico, de instl'l!Dlento de cont.role s~,
por vezes agindo como fe,tôr de' cOnservação, 'óú de edu-

•• 7
Em verdade, o conceito de que cuidamos abrange
as alteraÇões dinámicas e estruturais da sociedade,
,
cação, mas também,.em outras oportunidades, como (atar
de transformação. . .
Nesta última função. o Direito atua , freqüentemente

•• em grau perceptlvel, alcançando as macromudan-


ças e as micromudanças. ~ acientlfico limitar-se o con·
celto às ' macromudanças. Convém, Isto sim, distinguir
os dois tipos de escala, embora a JInha llmltrofe entre
como agente de mudança social, embora ;;empre dentro
dos limites de autop~eservação da ordem soclal que o
edita. Como fato estrutl,lral, ele pode ser ~do para

•• eles seja multo diflcil de Identificar.


Esse entendimento do que seja mudança pode ser
;modificar a sociedade, embora sem demruir as, estruturas
básicas que o validam e o garantem. I.

••
atacado como simplis~. Talvez lhe falte (certamente lhe Em resumo, neste capitulo foi examinada a dInA-
falta) a sofisticilção e' ii complex?dade de voçabulário tão 8 mica da relação entre o Direito e dois. processos
do agrado de numerosos cientistas sociais que o acusa- sociais de grande importâncla para o estudo dos
rão, decerto, de não ter rigor clentlflco porque, afln~, problemas que nos ocupam; o conflito e a mudança social.

•• seu conteúdo seria tão abrangente que acabaria por nao


'Identlficar com precisão fenômeno algIml. .
nusão . A sofisticação conceituaI não é uma condição
A função do Direito na solução dos conflitos sociais
foi especialmente salientada, dentro 4!l quadro amplo da
atuação dos diversos tipos de nornlas soc;i;!.is. Cabe, en-

•• de validade cientifica dos conceitos. Pre!erivel é a sim-


plicidade cOnceituaI que corresponda ao realismo cientl-
rico. Pouco importa que um conceito seja abrangente,
tretanto, chamar a atenção dos estudiosos gQ:~:>unto para
o fato de que, embora apenas parte pequena das ' situações
conf1ltantes seja submetida ao aparelhojuqiç!al estatal,

•• amplO se ele se refere a um fenómeno ou tipo de fenôme-


nos, ~ue se observa em grande número de situações e
larga variedade, mas guardando elementos caracterlstlcos
as normas jurldicas desempenham sua função . soluciona-
dora de conflitos com grande Influência . nos qemals ca-
minhos escolhidos para superar tais situações.

•• comuns. O conceito de vida é ambém multo amplo, ab~­


gente, e não é por esse motivo que lhe há de faltar _Vali-
dade cientifica_ A própria largueza de sua cons\atação é,
Essa COlll\tatação, que a experi~cia con-ente eviden-
cia, mas que está a ·merecer Investigação cientifica rigo-
rosa, é s1gnIflliativa, porque Indica a grande f9,rça condi-

•• pelo contrário, cientificamente si~icativa . .


Essas reflexões, como Já se disse, são IlDportantes
do ponto de vista da Sociologia do Direito, pois as trans-
( '
cionante dos comportamentos sociais que tem.. o Direito,
influindo no dia-a-dia das condutas Indiv1dlialS e grupais
e servindo -de 'pano de fundo e parâmetro para a negocia-
ção direta, a mediação ou concllleção e o àrbitramento,

•• formações da sociedade resultam, cedo ou tarde, nas m<:-


diflcaç6es da ordem juridica, modificações essas de eVI-
dente natureza estrutural (mais precisamente superestru-
neste último caso em grau maior. t a sua função educa·
tiva, formadora de opinião, que se manifesta então.. ,

•• turBl) . Çomo foi dito acima, a utl1ização de concelt?s


sociológicos no estudo do Direito se imp6e ca~a ve~ mBlS,
" fim de permitir exata avaliação da ordem Juridica, do
)I ClÁUDJO SOUTO, Teoria Sociolóqicd Garal, Ed . Globo, Porto
Alecre, 1973, págs. 86 e seg1.
1l Veio os capitulos antecedente e seguinte.

•• )


I
I
,~ I
f
,.. , 1.'4,
I
92 Sociologia do Direito
• I
A análise dos modos de solução .de conflitos que foi I
feita nestas páginas, além de indicar essa presença das
normas juridicas fora dos quadros estritos do litígio judi· I
cial, permitiu explorar algumas outras questões teóricas, I
que se .ligam à intensidade do conflito, à intervenção de
terceiros, e quais sejam esses terceiros, assiin como à I
força coativa da acomodação alcançada que, combinadas
em análise adequada, podem propor linhas de pesquisa
de .grande interesse.
, As motivações das escolhas dos diversos caminhos
CAPiTULO VI •
I
I
para a ,Solução dos conflitos são importantes porque, em
tais opçÕjlS, elementos sócio-culturais diversos atuam no
mundo des valores, da ideologia, das crenças e dQs costu·
mes. O poder social se manifesta, assim, de maneira difusa
DIREITO E ANOMIA

I
e informal, na maioria dos casos. 1 - •
A • im----
#'V. - -
An.ci4 do. '---e1ON.
A
' ~A • U
...... ' . . . .

'04:lOwqt4:0' J)a.1"'a o e.huLo I
Por outro lado, o processo de mudança social, cuja ~ Diretto. A noçoo d. "po.per'.. outro, C01LC«1U1' .igni!1ca-
natureza.epnstante e universal não é demais acentuar, tem bt/O..'. I - A floção
S' . . tU ct1u»nia. •· Qttlh'-':.I--'- ·
.., ...~ e tmprccuao. . P
I
especial significado, em face do ' Direito, particularmente tg7\t.fr.eado. ha.bltwlt.r. Dvrkh,im , o utauto d4 . I
•• à d" " _ a1(,(/Ir:.la
pela função transformadora, ou seja, de agente de mu· qWUtlN UlUao do trebtllÁo lfocicl • ao ".Jd · •
u' I ,i
dança social, que pode ter a ordem jurldica. 1U1Gl 10. '" -
ona qtr'U da, an.omi" forrnulo.da por Mulon.. Tipologw. I
Cabe, porém, liberar o conceito de mudança social do, comportam.tmto. CJ1't6m.ico. o.
tÚ duvlO'
da enorme carga de confusão, em parte sob a pressão de O~ . .
Oh . -
J<Ç<J"' .
Lnrett4 como rupoda. ao~ c:omporunnen.to. d ~ - "" O
I
',_ _, " e atI.tJU) . ~
pOSições dogmllticas e doutrtruirias, que o têm obscure- mUIIN' nltJelI d..." Nl~o " 5 - COft.tl",ão. I
cido. Mudança há sempre que elementos s6clo-culturals
importantes sé transformam de modo perceptlvel e .rela· I
tlvamente durivel. O subjetlvlsmo que domina a Idéia
.de mudança que . s6 se reconhece quando "significativa",
ou quando estrutural, responde poI: boa parte das difi·

I
culdades 'cOnpeituais apontadas - e refoge à reàlidade.
A relevArieta do estudo da mudança social, como de
outros concéltos socioI6giC9S, . para B compreensão dos fe-
nOmenos jurlíticos e, em última análise, das realidades do

I
Poder. foI' ligÚi lembrada, pois o Direito é o caminho nor- II
mativo maIs' utlllzado ti mais efléaz para que o poder 50- I
élal, especialmente o poder do Estado, se' realize.
0/"'-
/t. !/~
• ,r ~.-/l ~
Y"""" ~
••
"e I
/
/ I

"'~;.
••

••
••
,
~
r-
•• ""
"
" , ,

••
•• ,1
A Soc1ologla, coJ;llo qua\quer ramo do conheci,
ménto cientifico, desenvo~veu e está sempre de-.

•• senvolvendo um certo número de conceitos, como


conseqüência dos estudos ,teóricos, Esses conceitos ' são
assim elaborados c!o ponto . de vlata da respectiva ciên- ,'
ela e, como é óbvio, a Sociologiá- segue o mesmo ciuni· ,

•• nho que as 'demala disciplinas cientificas.' É comum


verificar que certas palavras "são representativas de um
conceito determinado numa.' ciência e de um conceito

•• diverso em outra. '..


É necessário, dentro do' âmbito deste trabalho, suo
blinhar a utilidade da incorporação qe certos conceitos
,

•• e determinadas noções e idéias do campo sociOlógico às


especulações intelectuais, e ,005' es~dos teóricos ou em-
pirlcos do Direito, como ciência: dogmáUco-normativa. ,

••
Issó está rigorosamente eJJ:lRtado ao conjunto do que
se diz e se exemplifica nesta,s páginas, Não é possíve) ,
fazer Sociologia do DireIto S\lm utllizar métodos eté<:.,
nicas da Soc1ologia, Nada ,mala claro, O que re~ulta .... '

•• da afirmação da utilldade dos conceitos sociológicos


para a Ciência do Direito, porém, é algo mala. O estudo '
do DireitO poderá ser fecundado, revolucionado e dina,

•• mizado, se aJguns conceitos e certas noções, desenvol-"


vidos uns e outras na Sociologia, forem adequadamen.te ,
utilizados em suas cogitações; ' , ,

••
Um exemplo do que estamos afirmando é ,o do eÍ!:!-
prego da noção de -papel- no mundo :conceptual e prá- ,
j' Uco da CiêncIa do , Direito. Ele foi objeto de, anáU"""
feita .por Madeleine Graw!tz,'.I que se ,baseia nos trêS

•• ~ . .'~~.

1 IÍADI:LEIN& GRAWrrz, uDe l'UtUiaaUoD. eu. Droit de - NotJ:dm

•• SociologiQ.UestJ, em L'A"ft4_ Socio14giqw, vol 17, ' 1966; pip. - ·U 5 .


e lega.. ; .

•,• -,
~

••
••
96
Sociologia do Direito

aspectos essenciais de tal noção: o aspecto sociológico


Direito e Anomia

~evantes para o Direito. A ordbm jUrIdica. porIanto,


97
••
(que implica a referência ao "modelo", considerado como
valor cultural ou norma e, em contrapartida, o acordo,
ou consenso, da coletividade que suscitou o modelo);
,reflete essa interação.
Os fenômenos da mudança, com todas as suas im-
plicações no campo normativo, podem também ser pro-
••
o aspecto psico3sociológico (que. se .pre~de, sob!'etudo,
à maneira como o "papel prescrIto msplI'a a açao con-
H

creta, isto é, o papel efetivamente desempenhado que,


fundamente vivilicadores dentro do e,;tudo du Dueito, se
apropriadamente examinados em todas as suas implica-
ções e sobretudo diante do fato de que o seu entendi- ••
por seu lado, pode influenciar o modelo l; e o aspecto
individual, psicológico (pois a person.ali~de se f0t;n3
ao contato com os papéis que eIa intenonza c, à medida
que os desempenha, os exterioro.a e muitas vezes os
mento pode mudar em muito o modo de ver tradicio-
nal dR ordem jurldica, como coisa estável e tendente à
própria · conservação. A noção de que a mudança social ••
••
é a regra geral, de que ela se opero sempre, desigual-
reforça l. " . mente embora, ao penetrar nos estudos juridicos e ali
Apreciando a utilidade da noção do "papel ':0 m · se instalar verdadeiramente, representará revolução na-
terlor dos mecanismos juridicdS, e se refenndo a au· queles conceitos tradicionais voltados para o imobilismo
sêncIa de recurso explicito a essa noção, à necessida~c
desse recurso expllcito e ao emprego da mesma noçao
além dos mecanismos juridicos, Madeleine Grawitz lem-
Outras noções de grande importância para o estudo
do Direito são, por exemplo, as dos diversos processos
sociais simples, como os de competição, ajustamento, ••
brou que os numerosos problemas que feriu em sua
análiSe dizem respeito não somente aos diferentes ramos
do Direito mas também à Ciência PoI1tica, à Sociologia,
e pertence~ à Sociologia jurfdica; e que não podem ser
conflito, acomodação, socialização, aculturação etc. A
eles se podem sornar os referentes à mobilidade social
e a estratificação, todo o campo compreendido pela con- ••
bem formuladas as suas soluções sem o recurso à nÇlção
de "papel".
"Será desejável estimular o Direito a sair de sua
trole social, assim como outros conceitos especialmente
desenvolvidos pela Sociologia.

4
••
••
idéia de anomia corresponde a um desses con-
zona de certeza tradicional, para utilizar noções de con- 2 celtos. A palavra tem origem grega . Vem de
tornos mal definidos?" - perguntou a autora, para res- anomos (a representa ausência, inexistência, pri-
ponder: ·Parece que a Sociologia Jurídica não pode pro- vação de; e nomos, é lei, normall J?m sua. ~strita signi-
gredir senão assumindo riscos, isto é, saindo do regime
'garantidor'" do Direito para abordar uma realidade ainda
mal explorada: de um lado, o que inspira o Djreito, que
ficação etimológica, portanto, anonua Significa falta de
lei, ou falta de norma de conduta. Foi com esse enten-
dimento que Durkheim usou a palavra pela primeira ••
lhe é anterior, que ele ordena e institucionàliza e, de
outro lado, o que reage ao Direito, as conseqUências de
. sUa regulamentação sobre avida."'
vez, ligada a uma tentativa de explicação de certos fe-
nômenos sociais, em seu famoso estudo sobre a divisão
do trabalho social_' Depois dele, diversos autores têm ••
.' O conceito de interação social, como désenvolvido
peJlI Sociologia e
pela Antropologia Cultural, é também
Important!ssirno para o Direito, pois toda relação juri-
dica é eD;l essência, o produto de urna interação social,
abordado o conceito, com variações quanta a seu exato
entendimento de um palito de vista rigorosamente cien-
tUico e sociológico. ••
••
A amblgilldade e a imprecisão com que o conceito
como ~elação social que é. Mais que Isto, pois ela é o de anomia se vestiu através de tais utilizações, inclusive
resultado estrutural, ou como estrutura, de wn processo como se verá, pelo próprio Durkheim, contribuiram
sociojurídlco que é a interação social com aspectos re- para o seu menor uso em estudos teóricos sistemáticos

:: Loc. cito
• ~~., I • ~
3 EMn.E D'UB.XHElM, De la. divia1mt d1L travail social, Presses
Uni\"crsitairea de Franee, 8.6 ediçio, Paris. 1967.
••
22. ••
••
••
• ••
98

e para um tratamento quatificado pela timidez e, até


mesmo, por um Certo temor 'da parte de diversos au-
Sociologia do Direito Oireit~ e Anomia

do trabalho anõmico, o eminente sociólogO franpês alir


·m ou que desde que à divisão do trabalho social supera
99

tores- de enfrentar os problemas de sua enta concei- ..·.. . um


•• t U8Ça0.
r Segundo Robert Bierstedt, ' o termo tem três signt,
. ficados diferentes, embora relacionados: o primeiro;<ie
,.~ {
..lX"o r, .
certo grau de desenvolvimento, o Indivíduo, debru-
çádo sobre ' suas tarefas, se isola em sua atividade es-
pecial. Ele não sente mais a presença dos -::olabo,ado-
res que trabalham a seu lado na mesma obro. e não

•• "desorganização pessoal do tipo que resulta em ' um in-


divíduo desorientado ou fora da lei, com reduzida vin-
culação ii rigidez da estrutura soclal ou ii natureza de
tem mesmo, até, a partir de um certo poo.t·o", a Ideia
dessa obra comum. A divisão do trabalho, segundo
Durkheim, não poderia então ser levada . mJ:U~o longe

•• suas normas"; o segundo, refere-se às "situações sociais


em que as normas estão, elas próprias, em conflito. e
o Indivíduo encontra élificuldadeS em seus esforços para l' .. "
se conformar às exigências contraditórias"; e o terceiro / I{ .
,"-
" sem se tomar numa fonte de deslntegraçli.o . .; n~rkheim
invocou palavras de Comte no sentido de que l1S sepa-
rações das funções sociais tendem espontaneartilmte, ao

••
lado de um ' desenvolvimento favorável do esplrito de
é o de "uma situação social que, em seus casos limJ:'.I' minúcia. no sentido de abalar o eSplrlto de> <:ilnjunto.
trofes, não contém normas e que é, em conseqüência, ou pelo menos de entravar seriamente o '~eu desenvol-
o contrário de 'sociedade'. como 'anarquia' é o contrário vimento. Também citou Esplnas, quando _esse autor

•• de ·governo·... O mesmo .autor entende que as raizes


gramaticais da palavra favorecem de certo modo a
adoção do terceiro significado. de preferência aos outros
afirmou, com simplicidade. que a divisão sigrij!ica dis-
persão.· .
O pensamento durkheimiano. como exposto }IO estu-

•• dois. mas salienta que o uso acabará por ditar o signi-


ficado dominante.
Em qualquer dos três signllicados habituais. ou me-
do sobre a divisão do trabalho anõnimo,. é d;e que a
divisão do trabalho, por força de sua própria.;Jjatureza,
exerceria uma influência dissolvente que seria sobretudo
sensivel onde as funções são mais espec~ali>;ad~. T<:do

•• lhor. das três variações do significado de anoI!lÍ8, está


presente a idéia da falta, ou do abandono. das 'normas
sociais de comportamento. No primeiro deles. ClÚda-SP.
da pequena vinculação ' do indivíduo à natureza das
o racioclnio constrlÚdo com base em t81s ,.çpnslderaçoes
tende a mostrar que, ao lado das inegáy;#§,. vl!Iltagens
que a divisão do trabalho representa, como r~rso im-

•• 'lO
normas sociais. como resultado de urna desorganização
pessoal; no segundo, é " o . conflito 'entre as próprias
normas. como comandos sociais destinados a orientar
posto pela própria complexidade crescen~ , da . Vida
social, tal divisão, ao provocar com(j conseqMnCla as
especializações dos Individuos, ou mesmo _<J.e · grupos de

•• comportamento, que ocupa o centro das cogitações,


conflito eSse que provoca as dificuldades do individuo
de se ajustar às exigências contraditórias; no terceiro, "" . ~
indivíduos em determinados grupos AA t~f!D.ªlho , tende
a fazê-los perder a visão de conjunto da atividade social.
Com essa perda de visão da obra comum e do ' seu sen-

•• .
trata-se precisamente de uma situação social em que
não existam ou não operem as ' normas.
Emlle Durkheim, ao' examinar a divisão do trabalho
na sociedade, depOis de -assinalar essa divisão como um I
'. . .:;;"7~
~~
""" tido também vai o esmaecimento das normas que re-
f1ete'm a SOlidariedade grupal. Norinas sotiâis ' deixam
de 'vígorar em vírtude ·do isolameo.to dos diversos seto-
res do trabalho na sociedade. O que ocorre, então, é

•• fenOmeno normal, salientou que, como todos os fatos


sociais, ela' apresenta fonruis patológicas que merecem
análise.' Tal análise ele ' a fez ·sob o titulo de . "divisão
..w,...d..... que da coordenação lnipertelta ' dos .~lementos llm ca~
~...( decorre um ' resultado de enfraquecunento da mteraçao
'..,. .' 'em termos de Intensidade e contlnlÚdade. de modo a

•• do trabalho anOmico"_ A propósito, então. dessa divisão


• RoBERT BrcasTEDT, verbete IfAnomylJ• .em A Dicticnu&.'1I o! th~
impedir o progressivo desenvoMmento de um ' sistema
de regras COffitmS e de um consenso. ~ suma. o con-

•,•
Social Scieftçu, Taviatock PublleatioUl, Lond.rea:, 1964..
• Loc. ' ;;1 •• piE. 848.


fi
••
Sociologia do Direito Direito e Anomia 101 t
100

junto de normas comuns que constitui' o principal me- aponta para o egoismo e o altnúsmo, em relação às
práticas suicidas. No exame dos dois quadro, Já men-
••
••
canismo para a regulação das relações entre os compo-
nentes de um sistema social se desmorona. Durkhelm cionados, é possivel realçar um elemento importante c
qualificou tal , situação de anomia, no sentido de ausên· mesmo dominante, que é a influência das circunstân·
cias p.:C:0nómic:as l=>()hrf! () aument.() da,; ta:<a"':. ..I ~ <;" li~i di f)
cia de normas.
No seu estudo sobre o suicldio e ao Indicar os res,
pectivos tipos, Durkhelm deu a um deles o nome de
"suicldio anOmico". Dois quadros diferentes e aparen·
A pobreza, a depressão econOmlca, de um lado, e a ri-
queza, o sucesso econômico, de outro, :tpresentavam
pelos dados examinados pelo sociólogo francês igual ••
••
temente contraditórios de suicldio anOmlco foram exa· .;J" força motivadora do aumento de atos atentatórios à
minados no . referido estudo. T Um deles é aquele preso" própria vida. Como salienta ainda Parsons, Durkheinl
ao aumento dos suicídios nos periodos de depressão teve uma visão bastante aguda da Importância que os
alvos socioculturalmcnte prescritos possuem na vida

•,•
econOmlca; o outro, é o do acréscimo dos atos- atenta-
tórios à própria vida nos perlodos de prosperidade em social. Essa compreensão ele a mostrou especialmente
crescimento acelerado, ao examinar o aumento dos suicldios como reação a
No primeiro quadro, a falta de sucesso no atinai r uma prosperidade não·usual. Disse que o sentido de
os nlveis de vida considerados e a legttlma recompe';;;" segurança e do progresso em busca dos objetivos da
vida depende não apenas de um dom!nio apropriado

,•
do trabalho de cada um, explicaria claramente a con·
duta evidentemente patológica. Tal fracasso, para mui- sobre os meios que a sociedade proporciona para atino
t~s, significa vergonha, desespero, futilidade da vida que
gir aqueles alvos, mas também de uma clara definição
MO parece valer a pena ser vivida. Já o segundo quadro dc, tais objet~vos, eles próprios. Em conseqüência, quan·
aPr:esen~ aspectos mais dlflceis de compreender à pri-
meU1l VISta. Para Durkheim, a explicação desse com- ' ,.pJ>
portamento surpreendente estaria no fato de que os.r?a5'-'
do grande numero de pessoas atinge as metas sociocul-
turail! (os objetivos de vida cultivados na sociedade),
taIs pessoas tendem a considerar tudo passivei e abano ,•
homens têm desejos em principio ilimitados. Não existe J<I
um' limite "natural" às pretensões humanas de moc\o~'_./'
que, à proporção que efes atingem objetivos ';a sua vida, r" ,p<~
donam as normas de comportamento socialmente preso
crítslS, de · certo ponto em diante consideradas inúteis ,
De todo esse quadro resulta um desequilíbrio pessoal
que desemboca em diversas formas de ruptura dos es·
••
alargam os llmites de seus desejos. A possibilidade de j,.I.;"II""I
atingir tais objetivos de vida e o fato de que atlngem,r,#'
~guns, efetivamente todos os objetivos que tinham, re- ~
tira a esses ' alvos os atrativos de valores pelos quais
quemas de vida, figurando os Suicldios nos casos ex·
tremos. •,•
lutaram. ,Todas as pretensões passam a valer.. pouco e
uma espécie de desencanto penetra no modo fie ver as
.coisas, conduzindo a ~ comportamento de autodestrul-
3
Os desenvolvimentos que se seguiram não acres-
centaram muito à conceituação de anomia adota-
~ por Durkhelm com dois diferentes ângulos de
,
çãd. Seria;'-portanto, ainda aqui, o desaparecimento das
normas de ' conduta, preso à perda dos alvos cultural·
mente preS!lritos e Individualmente entendidos e busca-
observaçao. Coube a Robert K. Merton, em um artigo
famoso, o mérito de ter estabelecido as fundações de
uma teoria geral da anomia. Esse tràbalho, que Albert I',
I
r,
dos, a raiZe~ da conduta anOmlca reíei'lda.
Em véidade, como salienta Parsons, • Durkhelrn
eleya a anomia ao mesmo ruvel de influêncta que ele
Cohen denominou de "um curto artigo de dez páginas
fecundas·,' foi publicado inicialmente em 1938 e depois
revisto e aumentado, transformou·se em ' parté da obra ••
, EMI~ . DUUHElIl, Le Suicide. Preaaea Universitaires dê
Franee (nove. edição), Paris,. 1960.
8 TAUXrI:'1' PAROON8. TIt.. Strudvr. 01 soêúsl Action., The Free
N.....
• ÂLUItT
Gembloux,
Coru:N, lA <14";"""., ediç10 belp, Ed, J. Dueolo!.
1971, p'g. 162.
••
,•
Preoo, York, 1968, pAr.' 3S4.

,•
••
•• 102
Sociologia do D ire ito Dir eito e Anomia 103

•• clássica do sociólogo norte-americano sobre a teoria e


a estrutura sociai's. I . . •. , .
Merton saliep.tou, partindo de uma análise da socie-
binarn a ' permanência das m etas culturais, como primei-
ra variável, e o respeito aos meios institucionalizados
para atingi-las, como segunda variável. Assin1, propôs

•• dade norte-ameI'lCllIla, H que todo contexto Sociocultural . ÜIna classificação' esquemática usando os, súnbolos de
desenvolve metas culturais que se identificam ou repre- . positivo ' (+) e negativo (-) parâ ' indicaT '3ceitàção ou
sentam os valores socÍoculturais que nort.eiam a vida .e rejeição, respectivaménte; e a comoinação -dos dois sim·'

•• dos individuos e, paralelamente a tais metas;· as socie- bolos ( ± ) como sigruricando rejeição total com : substi-
dades em que elas são desenvolvidas estabelecem os tulção de valores e meios para 'atingi,I,ql! . . ".i'1 , este o
meios institucionalizados para se atfugir aquelas metas. esquema: ., ,
De um lado, portanto, metas socioculturais; de outro,

•• meios socialmente prescritos para atingi-las, <>os quais


aderem normas de comportamento. Na sociedade norte-
americana, Merton foi buscar a meta · cultural mais im-
MOOOS DE
ADAPTAÇÃO
METAS
CULTURAIS
MEIOS
IN STlroCIONALtZADOS

•• portante, o sucesso na vida, englobando riqueza e pres-


tigio, na formação de um status em que o elemento eco-
nOmico se apresenta fundamental. Observou ele, entre-
l. CoMomudade +
+
+

•• tanto, que aq meSmo tempo em que tal meta sociocul· 2. Inovação


tural foi erigida em objetivo da vida de todos, S!!m 3. Ritua1i&mo +
exceção, pelo menos no plano teórico, dependendo ' do
esforço de cada um atingi-la ou não, a sociedade ficou

••
4. Evuão
estruturada de maneira a que os meios e as normas, (±) (=)
6. Rebelião
socialmente admitidos aqueles e prescritas estas, não
permitem a todos, nem mesmo à maioria das pessoas,

•• alcançar a meta formulada exPlicita e implicitamente


pelo ' contexto cultural. Disto resulta um desajustamen-
to entre os fins sugeridos a todos (e 4J,sistentemente
O primeiro modo de adaptação, a conformidade, não
tem importância para o exame da anomia. É a conduta

•• estimulados os cidadãos a alcançá-los) , de um lado, e conformista seguida pela grande maioria das pessoas
os recursos oferecidos pelá sociedade para que se alcan- na maior parte do tempo_ Não há, portanto, desvio de
ce aqueles objetivos, de outro. Como resultada, surgem comportamento. Busca-se as metas culturalmente pres-
critas através dos ' meios inStitucionalizados para atingi-

••
os comportamentos individuais e mesmo de grupos, a
encontrar outros meios para atingir . as metas, mesmo las e com respeito habitual às normas fixadas pela s0-
que contrários às :normas .e stabelecidas ~ sociedade ciedade para isso. li: o tipo modal de comportamento.
como válldos para Isso. Examinando a disSociação entre Os outros quatro tipos ou modos de adaptação, entre-

•• as aspirações culturalmente prescritas e o caminho so-


cialmente estruturado para atingi-las, Merton classificou
os comportamenos socialmente relevantes como de cinco
tanto, são os comportamentos nã6-modais, contrários de
algum modo aos padrões de metas culturais e de meios
institucionalizados para atingi-Ias. São os comporta-

•• tipos diferentes, dependendo da maneira como se com- mentos de desvio, de grande relevância para o estudo
da Patologia ' Social e que, na tipologia mertonlana, de-
sempenham papel Importantlssimo para a elaboração 'de
10 :aouzr Ir. MD1oN, T~ 'II ..tf'W.Cttu"G .oeia.U•• Fondo de sua teoria de anomia.

•• Culta.r& Económica, 1Ibico. 1964, por nós consultada. tradução em


esp.nhol d. Social TA.."" ,,704 Social St"",,,,", L& edição em 1949,
por The Free Preu of Glencoe.
Em verdade, Merton 's alientou um fenômeno muito
significativo para a compreensão da conduta anômica.
Observou que, de certo modo, ao estabelecer como alvo

•,•
11 Loo. oit., P'p. 140 • 201.
••
••
104 . Sociologi a do Direito Direito c Anomia 10~ ••
~eral para todos os componentes da sociedade norte-
americana a meta de sucessO pessoal que envolve ri-
ferentes maneiras de pensar e de agir, geralmente en.
entrosadas em fenômenos de mudança social, não são
uma conduta .de desvio. A segunda observação é de que
••
queza e prestígio;. e ao deixar de proporcionar, com a
mesma generalidade, os instrumentos prescritos ou admi-
tidos para atingir aquelas metas, a refenda SOCIedade
a conduta divergente não é necessariamente contrária
ii étic.. qu~ exist~ no grupo ~ocjal e que constltw dessa
':Ian_eira; elemento objetivo que pennite se faça' a dig-
••
••
criou condições especllicas para estimular O abandono
ou a burla das normas socialmente fixadas para se atin- tmçao entre as condutas divergentes criadoras e as con·
gir as metas culturalmente estabelecidas. Dessa manei- dutas diverg~nte~ anti-sociais. Comportamento divergen·
ra, a conduta divergente se torna, no pensamento mer- te, aSSIm, r:ao e sempre expressão de disfunção saciai.
toniano, na realidade uma r eação normal a uma situação
social definida e detenninada. Os melas institucionali-
zados, ou normas, para atingir as metas culturais esta-
A proposlto das outras formas de adaptação exami.
nadas por Merton, já tivemos oportunidade de escrever
brevemente quando da preparação da segunda edição ••
••
belecidas podem ser de diversos tipos. Abrangem nor- de nosso PatolOgia Soczal. Assim é que salientamos que
mas imperativas (faça-se isso ou aquilO), normas prefe- O segundo tipo de comportamento, rotulado de "ritua-
rencials (que estabelecem critérios de precedência ou lismo" pelo autor norte·americano, se caracteriza pelo
alternativas de comportamento ), normas permissivas fato de que enquanto na conduta inovacionista se busca
(que conferem a faculdade de agir 011 não-agir) e nor-
mas proibitivas (não se faça isso ou aquilo) . Todas
essas normas podem ser observadas tranqüilamente
o sucesso ("a vitória a qualquer preço") sob a regra
de que os fins justilicam os meios, na conduta ritualista
os fins perdem sua importância e o ritual institucionali· ••
mas também podem ser contornadas, ignoradas, rejei-
tadas ou apenas transformadas em ritual, o que também
é comportamento divergente.
zado de comportamento sobe ao primeiro plano. O fra-
casso clctivo, já produzido, ou em potencial, o medn ao
insucesso provável ou muito passivei, dadas aquelas cir- ••
Assim, O insucesso na busca da meta cultural, diante
da Insuficiência dos meios institucionalizados da socie-
dade para atingir aquela, como foi dito, produz o que
se pode chamar de uma tendência para a anomia. Trata-
cunstâncias de desajuste entre os processos SOCialmente
aprovados para alcançar as metas culturais, e estas
mesmas produzem desencanto e desestimulo . O com-
portamento conseqüente, muitas vezes, é o do abandono
••
se de um comportamento em que as normas são aban-
donadas, ou contornadas. É o chamado comportamen-
to de desvio, pelo qual superando-sc os obstáculos insti-
das metas culturais e dos valores que a elas aderem e
as sustentam, com a paralela retenção dos rituais. Em-
bora na aparência seja esse um comportamento confor-
mista, porque ajustado aos tipos de conduta socialmente
••
tucionais ou instrumentais, procura-se atingir os alvos
culturalmente estimulados por todo o sistema. ' Nesse recomendados ou aprovados, ocorre no caso inconfor- a
dosvio de comportamento estão retratadas, como é evi- mismo quanto a manutenção dos alvos socialmente pres- ,a
dente; a crlinirtalldade e todas as formas de deIinqüên-
ela. Também nele se revelam as faltas disciplinares, a
inobservância das regras de conduta social e outros
critos. O indiv·iduo abandona e virtualmente rejeita
esses alvos, porque os entende inatingiveis.
A conduta ritualista passa a ser, então, um valor
em si mesmo. Melhor dizendo, o cumprimento dos ritos
••
tipos. Tudo isso configura o segundo tipo de adaptação
da tipologia mertoniana, rotulado de "inovação".
Duas observações se impõem a esta altura: a pri-
meira é que se deve compreender que as divergências
estabelecidos pelos processos institucionalizantes é que
adquire a dimensão e a importância de valor sociocultu-
rai. Cumprir de qualquer maneira os regulamentos ou
••
que visam" 'c riar novos meios instltuclollalizados, mais
eficientes para a realização dos objetivos sociais ligados
ao alcance das metas culturals, não são, em si mesmas,
as ordens recebidas, sem indagar da sua adequação
aqueles valores e aquelas metas, é assim a conduta
observada. Para isso contribui o intenso condiciona- ••
exemplos de comportamento "lnovaclonista". Essas di- mento social, em especial nos grupos familiar c profis·
••
. ----------------------------------------------------------------
••
•• 106 Sociologia do Direito Direito e Anomia 107

•• sional, principalmente em serviços nos quais se exige


a mais rigorosa disciplina.
Os verdadeiros estranhos, em relação aos modos
rebelde está na sociedade e é parte dela, embora pre-
tendendo mutlá-Ia completamente. ....
O arcabOuço teórico assim ' construido por Merton

•• socialmente estabelecidos de comportamento e à adesão


às metas culturais, são os que se enquadram no terceiro
tipo de adaptação incoruormista da CláSslIícaçáCl de
passou a ter grande importância para "0 moderno estudo
dos comportamentos de desVio, precisamente porque
Çm tal arcllbpuyo é ]101sível ·ide!1tlficar · :De. ''f.''<>'1fQ5 de

•• Merton, ou seja, a "evasão", ou retraimento . Como


acentuou o sociólogo norte-americano, tais individuas
estão na sociedade mas não são dela. Ou, dizendo de
partida para uma análise. e uma interpretação dos va·
riados modos de adaptaçao individual às normas so-
cioculturais (e entre elas todas as normas juridicas) e

••
outra maneira, vivem no meio social mas a ele não aos próprios valores e metas que a sociedade estabelece.
aderem, ou delEi retiram a adesão antes dada. A. apatia Sem . ser definitiva , o que teoda alguma é, aquela for-
e a renúncia à participação politica, à libcrdade, a auto· mulada por Merton a respeito do coinpor~mp.nt.o anô·
nomia moral; a rec11Sa de submissão a qualquer disci- mico estabelece bases para um desenvolvimeI!lo cienti-

•• plina externa, coruiguram tais casos, de particular im-


portãncia recente com a proliferação das maneiras de
viver ao acaso, os fenômenos ligados aos chamados
ficu que pode modificar, como conseqüência das verifi·
cações empiricas e resultantes formulações teóricas, as
conclusões a que ele chegou, que dev~m ser entendidas,

•• hippies e outros tipos de comportamentos assemelhados.


Ocorre então a rejeição das metas culturais e dos valo-
res que as sustentam, considerados todos irrelevantes
de certo modo, como preliminares.
Já se acentuou que a tipologia mertoniuna, por
exemplo, não enquadra nítida e totalmente as influências

••
ou incapazes de realizar o bem-estar humano, passo a que o grupo exerce sobre certas formas de comporta·
passo com a recusa de coruormidade aos comp?rtamen- mento de desvio . Essas influências, como se sabe, são
tos socialmente estabelecidos. Prevalece, quanto as metas muito fortes . Considerável número de pessoas e até
culturais a atitude de que- elas não valem a pena de

••
pequenos grupos ou "cliques" adotam comportamento
coisa al~; e quanto aos comportamen.t os _soci,:is de desvio de maneira a contribuir eficientemente para
aprovados, a de que, despidos daquela motIvaçao, nao a popularização e a disseminação de tal modo de con-
merecem observância. duta. Essa influência é particularmente observada entre

•• O quarto tipo de adaptação incoruormista sob es·


tudo é O de "rebelião". Como na comportamento con·
formista e na de evasão, aqui existe atitude igual no que
os jovens, cujo impulso acentuado para a ·,associação,
ou "enturmação", com os seus coetãneos, é objeto de
numerosos trabalhos lmportantes, ligados .t ambém ao

•• se refere às metas inStitucionalizadas e 'aos meios para


atingi.las. O coruormista aptesenta em relação a umas
e outras atitude positiva: aprova; quem segue
portamento de "evasão", rejeita ambOs os parametros
.o com·
exame de urna tendência socioculturalmente formada, na
moderna civilização industrial, para a oposição aos cos-
tumes dos mais velhos. Não são, porém, apenas os
jovens que sofrem as influências de comportamentos

•• socioculturais' o rebelde, rejeitando-os, pretende contu-


do substitui-Iós de niaoeira total, revolucionári~.
É conveniente não confundir esse propósito trans·
indiViduais ou coletivos afastados das normas socialmente
prescritas. Os fenômenos de dependência material e de
cópia de modelos bem conhecidos, :contrários aos ma-

•• formado em ação com aqueles casos de div~rgências


que tendem a criar melhorés instrumentos SOCIBlS para
a realização dos valores e metas culturaiS. O compor·
delos socialmente aprovadOS, atuam através da imitação,
para o incremento de condutas do mesmo tipo . O suo
cesso eventual de outros que fizeram o mesmo e até a


tamento de "rebelião" não se limita a aperfeiçoar lOS · popl\laridade dessas pessoas fornecem os ~tfmulos a que
trumentos ' ele tem como objetivo a substituição total se erurente os controles sociais irúorrnais e mesmos os

•• de meta>; 'e meios ; 'fihs e processos para atingi-lOS, com


a reclL';a ' absoluta dos já existentes. Observe-se que o
controles formais, dos quais a ordem jurídica é O mais
caracteristico exemplo. Com todas as limitações já refe

•• '
-' .
') 1.


,,
,,
Sociologia do Direito Direito e Anomia 109
108
I
ridas por diversos autores, entret:ml:o, a teoria geral
da anomia esboçada por Merton constitui ainda o mais
amplo e seguro quadro de referência para o estudo dos
portanto, cogitando do Dueito subjetivo , faculdade ou
poder de agir, a facultas agendi ,
Qualquer que seja a posição teórica em que se co°
loque o observador, o Direito é sempre entendido como
,
I

comportamentos socialmente qualiIicados como patoló-


gicos e' pode bem proporcionar aos jurL.t.as um excelenf.e norma social obrigatória de pessoas c grupo; , E. pur- I
ernbasamento para as suas reflexões sobre certos pro· tanto norma de coO(~uta imposta pela sociedade, desti· I
blemas de politica jurídica e visando ao entendimento nada a conformar os comportamentos dentro dela. Kelsen
I
,
adequado de institutos desenvolvidos pela ordem jurídica reconhece que o Direito não passa de uma ordem de
para atender, a toda evidência, a certos fins sociais muito coação exterior que se converte numa específica técnlca I
especificos. social . 13
Lembra o eminente formulador dll chamada "tcona

4
Ora, O Direito intervém precisamente porque há
comportamento de desvio no meio social. Ou
mais precisamente, ele intervém porque a sacie·
pura do Direito" que tal teoria demonstra que o Direito
não pode, na realidade, ser infringido ou violado pelos
comportamentos antijurídicos, acentuando que ele de- ,
I
dade atingiu um nível de complexidade em que existem,
ou podem ,existir, comportamentos de desvio, cuja exa·
cerbação ou até mesmo, em alguns casos, cuja simples
eclosão somente serão passiveis de evitar se intervierem
sempenha a sua função graças à antijuridicidade. "
Com isso, deixou ele bem à mostra que o Direito fun-
ciona precisamente porque existe o comportamento con·
trário a ele. Em essência, o que isso slglliIica é que
,
I

as normas jurídicas. Os costumes, como simples a ordem juridica existe porque existem, ou podem existir I
"fOlkways " ou na feição de " mores" bem estabelecidos
_ na classificação de Sumner " porque não são sufi·
cientes, em tais casos, para conformar os comporta·
mentos sociais - cedem lugar ao Direito que passa a
comportamentos contrários às normas de conduta social-
mente prescriLas, admitidas ou simplesmente toleradas.
Tais condutas contrárias às no'rmas se dirigem, primei-
ramente, contra aquelas não sancionadas pela ordem

I
desempenhar, com a sociedade mais complexa e no rumo jurldica. Historicamente, os costumes em seus vários I
das institucion~ações bem deflnldas, o instrument'J graus de força condicionante de comportamento, desde
mais forte de controle social, embora incidente sobre o nível de mera sugestão até o plano de obrigatoriedade, I
uma parcela apenas reduzida dos comportamentos. :€ foram os primeiros a ser violados ou infringidos pelo I
assim, diante dos desvios de conduta ou da conduta comportamento de desvio. Desta realidade foi que a
anOmica que o Direito tem aparecimento e se desenvolve. sociedade, já complexa e diversificada, extraiu a solução I
Ele é a' resposta social à conduta anOmica. Seria des· de editar formalmente normas de comportamento que
necessário sem ela. Mas, embora existente, é cpntomado, são, afinal de contas, as regras de Direito. Mas também I
como norma de conduta, pelos comportamentOs de des· essas regras são objeto dos comportamentos contrários. I
I'
vio. A reciproca relação, ou inter-relação, é clara. Dai que o Direito represente sempre uma resposta aos
.' Evidente que, nestas páginas, ao nos referirmos ao comportamentos de desvio manifestados , em relação
Direito estamos cogitando, de modo geral, da ordem aos simples costumes, inclusive os "mores", ou em re-
I

jurfdiai.. Ou lI)elhor, cuidamos do chamado Direito obje- lação à própria ordem jurídica.
tivo, regra 'social obrigatória que a sociedade edita pelos É de observar que o mecanismo das relações entre
seus órgãos institucionalizados do poder. Não estamos, as normas de comportamento social e as condutas a
elas contrárias, como o comportamento de desvio, são I
12 'W.íLLLUl GUB.AlIl SUMNER, Lo. PlubCo. 11 atLI Costumbre •.
I
1:1 HANS Teoria.
Iú:LSEN, PUTtI do Direito, Saraiva & Cia.,
Ed. GuUlerme Kraft Ltda., Buenos Ai re~, 1948, tradução espanhola I
de FoUctoa.y., titulo origintll da obra.
Sã. Paul., 1939, pAgo 33.
l<' r-. cit., p'g. 32.
I
,, :
I
,
I
••
•• 110 O',
Sociologia do Direito
',I
DIreito e Anomia 111

•• abrangentes de muitos niveis de inçidéflcia. Não salta


aos olhos, à primeira vista, a natureza que o Direito tem
de resposta ao comportamento ,de .desvio, numa simples
foi visto antes, e,''':',f' essa SUperpOSlçaO em níveis.
De"modo geral,;, po,tanto, o Direito oferece respostas à
con.duf:a de 4esvio,. oblierva$ na sociedade, e o faz em

•• regra de Direito Fiscal, que manda selar ou não selar


documentos. ou outra que deterrrúne o registro, ou não,
de títulos de credito perante as repartições' Iazendárias,
çhversos plano!/., d!) complexidade e com o recurso a di-
ferentes razões Prá.t,l~, incÍ1!Sive ';lÍuscando . os meios
para sua realização:.. ·,Nisso está, seguramente, o motivo

•• para assegurarem a sua validade. É necessáriu notar,


entretanto, que toda ordem jurídica é um sistema inte-
grado em que as normas fixadas se completam, muitas
delas existindo em razão apenas na existênCia de outras.
pe~o qual ~ ele nãC\;J,nteressa o munqo de atitudes, opi-
nloes e ideias, que. ,lllio se revelam em comportamento
social. )"0 mundo das idéias, das opiniões e das atitudes

••
não·exteriorizadÁs e não-transformadas em ação é inviá·
Ou seja, mais explicitamente, muitas regras de Direito vel e!1contrar comportamentos de desvio. ·E somente
se destinam a assegurar o cumprimento de outras. Elas os comportamentos interessam ao Direito. Como bem
são respostas, no plano legal, aos comportamentos exis· salien~ou.. Olivecrona, ( toda regra juridica se · r-ciere aos

•• tentes ou prováveis, ou até , mesmo apenas possiveis,


contrários a outras normas pr~xistentes.. Todo o siste-
ma de Direit,o objetivo ,~onjunto que é' de normas de
c?mportamentos dos hQr'ens e seu fim é sempi:e influen-
ciar ta,l comportamento.;' de um modo ' Ou de outro.
Acrescenta ele ser inviável imaginar uma 'finalidade di.

•• comportamento, se destina portanto a assegurar a con-


formidade da conduta de indivíduos e grupos às normas
socialmente prescritas, aprovadas ou apenas toleradas,
versa como I):l.e~a das atividades dos legisladores e, por.
tanto, o conteudo e . as formas das normas juridicas
devem ser examinados desse ponto' de vista. '"

•• ou a fornecer os. instrumentos de que a sociedade dispõe Igual ordem de idéias se encontra exposta pelo em!-
para isso-/ No último caso, encontra·se todo o quadro ne~te Pontes de MiEanda, quando -.a firma 'Lue a regra
de normas jurídicas relativas aos direitos e deveres d~ J.undica fOI a cnaçao. mais eficiente dO-JlOmem para
funcionários, às suas funções, à organização de serviços sUQIt1«:~!':LB~~llIldo~oç~::I, e, pois, os hom~, às mesmas

•• etc. A natureza que o Direito tem, de resposta aos com-


portamentos de desvio diante !ios meios institucionali-
zados pela sociedade para a consecução ' das metas
,,'. ..
orden~2a?~.e coordenaçao, a 'que ele, como ' parte do
~undo tISICO, se su~mete." Mas não se deve perder de
Vista, . c~mo nos salienta Edwin Schur, que é. válida a

•• cuiturais, portanto, é inegável.


Não é de surpreender, assim, a atirmação feita por
Cláudio Souto de que O fenômeno jurídico é o mais
supos,çao de que os mecanismos de controle normal
como. aqueles que pertencem ao âmbito das . instituiçõe~
Jurídicas, ent~am em jogo precisamente nas situações
t!m. que os mecanismos informais se mostraram inade-
•• social dos fenômenos de regutainentação social ." Não
apenas porque, segundo ele, as regras jU~ têm uma
a~eitação ~Çlçial lIlaÍ» intensa 'que a!) demais regras de
quàdos. 18 0, pe~amento do autQr"n9r~-ameri.cano , aliás,
ajusta-se perfeitamente à idéia do brasileiro quando este
lembra que a .norma juridica existe .para submeter o

••
coriáufã-- social, mas também porque as regras de Direito
são o resultado de um longo processo de nonnatividade, mundo social.. É que ,e ntra ela em jogo para conformar
ou melhor, de criação e imposição de normas, formu- os comportamentos . que não se ajustam áos controles
lado pela sociedade. No quadro geral de normas de infonnats. E dentro da própria orde'm jurldica, convém

•• comportamento, as regras de Direito são nonnas resui-


tantes de vários graus anteríores de normatividade,
sucessivamente confrontados com a infringência a seus
i
I
'1'
insistir ainda, existem regras. q:,e surgem , para confor-

1(; ~ OI.I"VEqtONA, /l .. dirit.to come fatto, Giuffrf! Editore.

••
!.
mandamentos; e dentro da própria ordem jurídica, como Milão, lU~i., ,.11!67". pág. ,23.",-." ., , ., ,, .
11 'P~Hn:: p.~ ' MIRANO:~b T~t4do .~ Direito PrilJado, Tomo I,
Ed. Borsol, 2. edição. Rio, ' 1954.; ' páp. ·~ 8=9.
10 CÚUDIO SOUTO, Introdução ao Direito co-rn.o Ciência. Soci41, ; II EDwlH M. SCHm\ "' 'Sóciologia / deZ - diritto,:' Sodetà editriee

•• Ed. Tempo Brasileiro e Universidade de Brasilia, Ri o, 1971, pág. 7. 11 Mulino, Bolonha, IWia, 19'1O, .i pr,. Do.: ~ ~,



••
••
: ~
_ _ < _p'
._- ~-~=- ~ =-= -~.--:.~------

112 Sociol09ia do Direito


Direito e Anomia

dgs fenômenos anômicos, "mhara não esgote as possibi·


11 3

••
mar os comportamentos individuaIS e grupais a outras
regras de DIreito preexistentes que se tenhiún revelada
de baixa força coatlva, Ou cuja vigência tenha se mostre-
líaades de explicação dos comportamentos de desvio.
A:tlpologia meitoniana, porém, e as noções básicas sobre
metas cÍllturais e meios estabelecidos para alcançá-las
••
do muito fácil de contornar.
Pare se entender, portanto, a natureza essen.c!n1 da
ordem jurídica, niío é necessário ir b~r nos couceitos
marxistas as bases de uma expllcaçao. ~ elementar
permitem. uma compreensão adequada dos aludidos com
porlamentos.
Em suma, avançamos uma proposição teórica que ••
dizer que os modos de conduta que o DIreito visa pre-
servar são os modos de determinada sociedade. Por
isso, O Direito é relativo no tempo e no espaço. També;n
nos parece relevante: a de que o Direito é resposta social,
editada em sociedades complexas, e por meio de órgãos
para isso existentes: para enfrentar os comportamentos
de desvio aos costumes) e que, secundariamente. con-
••
é merídianamente claro que esses modos de conduta sao
os que se ajustam aos valores cultun.lmente estabele-
cidos, expressos nas metas cultun.ls, e às maneiras so-
tinua a ser criado ' para conformar as condutas que são
de desvio em relação às primeiras normas juridicas, ou
para criar, ou desenvolver, os instrumentos de que a ••
cialmente admitidas de se perseguir tais metas. Logo,
se determinada sociedade está ·estruturada de certa ma-
m,ira, que reflete as relações soelais nela crtstallzadas,
sociedade necessita para isso, num mecanismo dialélico
expresso pelas relações costumes·desvio, desvio·norma
;urldica, norma ;urldica-desvw, desvio·norma iuridica, e ••
não há como fugir à conclusão de que a ordem juridica
nela desenvolvida se destina u conformar os comporta-
mentos individuais e grupais àquelas metas culturais e
àqueles meios instltucionallzados permitidos para alcan-
assim por diante.
Como conseqUência a ordem jurídica rerlete uma
ordem social. Deslina-s~ a mantê-Ia, conservá·la, defendê
la. Os comportamentos que ela se destina a assegurar
••
çá-Ias . .
~"POr ISso que, como se afirmou no capitulo prece-
dente, o Direito possui função conservadora da ordem
são aqueles que a ordem social admite. E quando a
ordem jUrídica funciona como agente de mudança s.0Clal,
só o faz nos limites que assegurem a sobreVIvênCIa do
••
soclal em que existe. Cada>ordem Jurídica tende a con-
servar a ordem soc!n1 que lhe dá nascimento; é dela
instrumento para esse fim. O DIreito educa dentro desse
sistema que edita o Direito, no que ele tem de essencial
ou no que a ~le se afigure essencial - o que não exclui.
acrescentamos agora, a :possIbUldade de que, . dada a
••
. quadro, defende-o e por meio de sua função transfor-
. medora ou de agente de mudança socJ.aI só vai até
certoS llmftes de modificações, admissiveis pelo sistema
em que 'ele existe e que o assegura.
constante e hoje acelerada mudança sociocultural. o
"essencial" de hoje seja multo diferente do de ontem
ou do de amanhã. . ••

Esse é mais um dado 8 acrescentar 11 relatividade

5
Neste capitulo, assim, tivemos oportunidade de
examinar de modo concreto ~ importância que
aigims conceitos sociológicos podem ter para o
estudo dôs fenômenos Juridicos_ Depois de referirmos
a noção de ·papel" que :Madeleine Grawitz estudou com
espaço-temPoral do Direito.

'.
••
esse objetlvo, e outros conceitos sociológicos, fixamo-
nos na nOçRo de anomia como merecedora de um novo
e acurado exame, agora do ponto de vista soelojuridico. ••
Analisamo's brevemente o que é anomia, principal-
mente segundo Durkheim e Merton. A teoria geral da
anomia, formulada pelo segundo, é mais completa e atual ••
••
e já nos permite um cousiderável progresso no estudo

Você também pode gostar