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ESPECIAL

CORONAVÍRUS E O
AGRONEGÓCIO
ABRIL DE 2020
EXPEDIENTE
Edição e Síntese:
Geraldo Sant´Ana de Camargo Barros
Nicole Rennó Castro

Cadeias Pecuárias:
Caio Monteiro
Juliana Ferraz
Natália Grigol
Regina Mazzini
Thiago Bernardino de Carvalho

Grãos:
Lucilio Rogerio Aparecido Alves

Insumos:
Mauro Osaki

Contribuíram:
Margarete Boteon
Mirian Bachhi

Jornalista responsável:
Alessandra da Paz (Mtb: 49.148)

Revisão:
Alessandra da Paz (Mtb: 49.148)
Bruna Sampaio (Mtb: 79.466)
Flávia Gutierrez (Mtb: 53.681)
Nádia Zanirato (Mtb: 81.086)

Diagramação:
Bruna Sampaio (Mtb: 79.466)

Fotos:
Edmar Klein
Luciano Daroit
Pixabay.com
Data de publicação: 7 de abril de 2020

Sobre o estudo: ESPECIAL CORONAVÍRUS E O AGRONEGÓCIO


Este material foi escrito por pesquisadores do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Apli-
cada), da Esalq/USP, e mostra os principais impactos atuais e esperados no médio prazo do coronavírus
sobre algumas cadeias do agronegócio. Num primeiro momento, é apresentado um resumo das análises
detalhadas feitas pelas respectivas equipes do Cepea. As análises completas das cadeias, por sua vez,
estão na parte final deste material. O Cepea irá continuar a apresentar periodicamente análises so-
bre vários aspectos do agronegócio diante da crise mundial provocada pela pandemia do coronavírus.
ESPECIAL CORONAVÍRUS E O AGRONEGÓCIO

CORONAVÍRUS E AGRONEGÓCIO
SÍNTESE
Setores do agronegócio mais dependentes
da demanda doméstica devem ser os mais
prejudicados pelos efeitos do coronavírus¹

O
s resultados da agropecuária, e do agro- uma retração de 1,18%². Então, a retomada,
negócio de um modo geral, já são usu- ainda que lenta, que era esperada para a eco-
almente atrelados a diversos fatores de nomia, não irá acontecer. O emprego e o poder
incerteza, envolvendo expressivas flutuações de compra da população continuarão compro-
de mercado, mudanças em políticas agrícolas metidos e, com isso, a demanda doméstica se-
e comerciais interna e externamente e em re- guirá como um desafio para algumas cadeias do
gulações, além da dependência intrínseca des- agronegócio. Além disso, com o isolamento da
se setor em relação ao clima. A pandemia do população e o fechamento de redes de serviço
coronavírus – e as consequentes medidas sa- e alimentação, há mudanças na forma e nos ca-
nitárias e econômicas –, por sua vez, adiciona nais de consumo, que também afetam o setor.
um novo e alto grau de incerteza aos cená- No caso da demanda para exporta-
rios perspectivos das cadeias do agronegócio. ções, os efeitos negativos do coronavírus sobre
Esse especial temático elaborado por a demanda internacional devem ser contraba-
pesquisadores do Cepea trata dos efeitos do lanceados em alguma medida pelo esperado
coronavírus sobre as principais cadeias do se- elevado patamar do dólar ao longo do ano
tor, avaliando seu impacto atual e os cenários – taxa de câmbio-fim de período esperada de
que podem ser traçados para o médio prazo 4,5 R$/US$¹. Por enquanto, segundo Boletim
a partir dos fundamentos de oferta e deman- CNA³, o comércio de grãos, alimentos e óleos
da e considerando questões sobre custos de que são destinados à China teve aumento de
produção e logísticas e de abastecimento. 9,7% nos meses de janeiro e fevereiro, perí-
No contexto da demanda doméstica, odo em que a epidemia atingia fortemente
no último Boletim Focus, do Banco Central, a aquele país. Além disso, ainda são importan-
previsão do crescimento do PIB brasileiro em tes os efeitos sobre a demanda internacio- 3
2020 foi novamente revisada para baixo, para nal de carnes da Peste Suína Africana (PSA).
¹ Síntese preparada pela pesquisadora do Cepea Nicole Rennó Castro. Além disso, contribuíram para esta síntese as pesquisadoras do Cepea e profes-
soras da Esalq/USP Margarete Boteon e Mirian Bacchi.
² https://www.bcb.gov.br/content/focus/focus/R20200403.pdf
³ https://www.cnabrasil.org.br/noticias/boletim-cna-impacto-do-coronavirus

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Até o momento, então, como as expor- mais acentuadas dos preços. A elevada com-
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tações vão bem e o dólar elevado favorece a petitividade da proteína de frango frente às
receita do exportador, a perspectiva é que os principais carnes concorrentes, bovina e suína,
setores ou estabelecimentos mais dependentes pode elevar os preços dos produtos de origem
da demanda doméstica sejam os mais afetados. avícola num primeiro momento; mas os efeitos
Sabe-se que esse efeito da rápida desacelera- das suspensões das aulas (que reduzem a pro-
ção da economia brasileira que se desdobra não cura para merendas escolares) e da queda na
será homogêneo entre os setores e os agen- demanda no mercado de food service podem
tes do agronegócio. Em especial, produtos de exercer pressão sobre as cotações domésticas.
maior valor agregado, os que não sejam essen- Em geral, considerando-se as elasticida-
ciais (aqueles com maior elasticidade-renda) des-renda para as cadeias da pecuária, a retra-
e aqueles mais perecíveis sentirão com mais ção da economia brasileira pode acabar favore-
força a retração do poder de compra da po- cendo o consumo de leite e da carne de frango,
pulação e as mudanças na forma de consumo. porém, impactar negativamente nas cadeias de
No caso da bovinocultura leiteira, carne bovina e suína e na produção de quei-
com produção enxuta, antes do anúncio da jos. Todavia, no caso das carnes suína e bovina,
pandemia do coronavírus, a expectativa era as exportações devem impedir que um cenário
de preços em alta nos próximos meses. Em mais crítico se forme, como já ocorreu em 2019.
um primeiro momento, essa perspectiva ga- Quanto aos grãos, até o momento, com
nhou força, devido ao aumento acelerado da a desvalorização do Real e a demanda firme por
demanda na segunda quinzena de março. As milho, soja e derivados, as exportações seguem
recomendações de isolamento e a necessida- aquecidas e os preços internos, em elevação. O
de de menor circulação geraram incertezas Brasil também foi beneficiado por paralisações
nos consumidores acerca da manutenção do de unidades portuárias na Argentina, fazendo
abastecimento e redes atacadistas e varejistas com que a demanda se deslocasse para os pro-
intensificaram a procura por derivados, em es- dutos nacionais. Apesar de algumas incertezas,
pecial do leite UHT. Já no médio prazo, os con- as atividades de colheita, semeio e exportação
sumos de queijos (que respondem por mais de aparentemente estão normalizadas e seguem
30% da alocação do leite nas indústrias) e de a todo vapor. No médio prazo, o menor cres-
grande parte dos derivados lácteos, produtos cimento mundial deve pressionar as cotações
de maior valor agregado, devem cair drasti- internacionais, que devem ser transmitidas ao
camente, e a queda esperada de faturamento Brasil. Contudo, o impacto poderá ser menos in-
das indústrias será transmitida aos produtores. tenso em caso de continuidade da desvaloriza-
No caso da bovinocultura de corte, ção cambial ou de maior demanda externa pe-
embora o mercado doméstico represente 75% los produtos brasileiros, reduzindo o excedente
das vendas da carne, as exportações estão fir- interno. Ainda nesse cenário, tem-se que a des-
mes e a oferta de animais para abate, restri- valorização cambial implica em maiores custos
4 ta – o que pode impedir quedas significativas para produtos importados, como trigo e insumos
de preços na cadeia. Para a cadeia suinícola, agropecuários (que já estão em alta expressiva).
o ritmo aquecido de exportações da carne e As medidas de restrição da circulação
as perspectivas de poucas alterações no con- de pessoas, com dificuldades para as feiras, mer-
sumo do lar também devem impedir quedas cados institucionais e restaurantes, influencia-

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ram diretamente e negativamente a demanda que o início do Programa Renovabio foi esta-
de frutas e hortaliças. Os impactos mais negati- belecido para janeiro. No entanto, a queda

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vos foram para produtos mais perecíveis (como abrupta e intensa dos preços do petróleo de-
folhosas, tomate, banana e manga) e, além vido ao embate entre Rússia e Arábia Saudita
disso, para pequenos produtores e agricultores – que reduz a competitividade do etanol – e
familiares que dependem de uma cadeia mais as estratégias de isolamento decorrentes do
longa de comercialização e estão apresentando coronavírus têm exercido impacto negativo
dificuldades logísticas. Para grandes produtores expressivo sobre a demanda de combustíveis.
da cadeia de HF de modo geral, que atendem Começa a se desdobrar uma crise no setor.
boxes do Ceasa e supermercados, pode-se dizer Em geral, os setores mais vulneráveis e
que está havendo escoamento quase com nor- que merecem atenção especial são o de leite,
malidade – então, não se visualizam problemas de hortifrutícolas, sobretudo os mais perecíveis
de abastecimento do consumidor, mas, sim, di- (como folhosas, tomate, banana e manga), de
ficuldades para os pequenos/médios produtores floricultura e de biocombustíveis, além de algu-
de HFs. No médio prazo, há, no entanto, preocu- mas agroindústrias mais focadas no mercado in-
pações de que as dificuldades e incertezas atu- terno, como a têxtil-vestuarista, de calçados e de
ais impliquem em menor área plantada e, conse- móveis. Ressalta-se que, independentemente do
quentemente, menor oferta nos próximos meses. setor, os agentes e estabelecimentos de pequeno
Até o momento, o setor com maiores e médio portes, que usualmente detêm uma me-
prejuízos é o de flores – com grande perda da nor margem de manobra para sobreviver a mo-
produção diante da paralisação da demanda. mentos de crise, deverão sentir com mais força
Destaca-se, também, o caso do eta- o efeito da pandemia. As próximas seções apre-
nol. O período anterior ao da pandemia foi sentam análises detalhadas sobre as cadeias da
marcado por grande otimismo no setor, já pecuária, os grãos e os insumos agropecuários.

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CADEIAS
PECUÁRIAS
Por Caio Monteiro, Juliana Ferraz, Natália Grigol, Regina Mazzini e Thiago Bernardino de Carvalho

1.1. Preços do leite no campo devem se manter sustentados no curto prazo

A
crise do coronavírus se dá, para o setor na segunda quinzena de março por leite UHT.
lácteo, num momento atípico de preços As recomendações de isolamento e a necessida-
elevados no campo por conta da oferta de de menor circulação geraram incertezas nos
enxuta. O agravamento da pandemia pode acen- consumidores acerca da manutenção do abas-
tuar a tendência altista por causar um choque tecimento e as redes atacadistas e varejistas
de demanda, pelo menos no curtíssimo prazo. intensificaram a procura pelo derivado a partir
O primeiro trimestre do ano, período de 17 de março. Assim, de 2 a 31 de março,
sazonal de safra, foi marcado pela oferta limi- o preço do leite UHT recebido pelas indústrias
tada de leite e acirramento na disputa entre em negociações no estado de São Paulo saltou
indústrias para a compra de matéria-prima. de R$ 2,46/litro para R$ 3,06/litro, avanço sig-
A instabilidade climática e as fortes variações nificativo de 24,8%. No entanto, impor novas
nos regimes de chuvas durante a última prima- altas aos canais de distribuição se tornou mais
vera e neste verão prejudicaram o crescimento difícil a partir de 26 de março, quando a deman-
da atividade4. Ao mesmo tempo, a valorização da das redes atacadistas e varejistas deu sinais
do dólar desestimulou importações de lácteos de estabilização frente aos preços das gôndolas.
pelas indústrias. Com produção enxuta, a ex- Por outro lado, com o isolamento da
pectativa antes do anúncio da pandemia do população e fechamento de redes de servi-
coronavírus era de que o movimento de alta ço e alimentação, o consumo de lácteos refri-
6 de preços no campo continuasse em abril. gerados como queijos – que respondem por
De um lado, essa perspectiva ganha mais de 30% da alocação do leite nas indús-
força dado o aumento acelerado da demanda trias – foi muito prejudicado. A pesquisa di-
4 Os menores níveis de investimentos de longo prazo dentro da porteira, a alta no preço do concentrado e o aumento do abate de vacas leiteiras
também influenciaram negativamente a produção nos últimos meses.

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ária do Cepea mostrou que o preço médio da incerteza dos agentes em se arriscar a recompor
muçarela recebido pelas indústrias em nego- estoques num contexto em que não há boas pers-

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ciações no estado de São Paulo caiu 0,97% pectivas para o consumo de longo prazo, em de-
em março. A dificuldade de escoamento de corrência da diminuição da renda da população.
queijos coloca em risco o faturamento de pe- Assim, a diminuição no consumo de
quenas e médias indústrias. Na semana pas- queijos e a saída de players do mercado podem
sada, algumas já paralisaram suas atividades resultar em um cenário em que a oferta de leite
e suspenderam a compra de leite no campo. no campo vai superar a demanda. Isso pode ge-
A generalização desse cenário pode in- rar um efeito em cascata, levando à redução dos
tensificar a queda de preços da muçarela. Mas preços no campo e à volatilidade das cotações.
os impactos serão sentidos em toda a cadeia Nesse sentido, previsões sobre a cap-
láctea, pois o mercado de queijos é um dos mais tação de leite em abril e o comportamento
dinâmicos do setor, devido às baixas barreiras das cotações em maio ficam difíceis, pois o
à entrada, e funciona como um equilibrador da processo de formação de preços ao produ-
oferta no campo – afetando o mercado do leite tor ocorre a partir da venda dos derivados. E,
spot (negociação entre indústrias). Os preços do neste momento, o longo horizonte de incer-
leite spot em Minas Gerais caíram 4,4% neste teza pode incentivar agentes de indústrias a
início de primeira quinzena de abril, diante da tomar decisões focados no curtíssimo prazo.

1.2 Preços da pecuária de corte devem oscilar no curto prazo

O
impacto do coronavírus sobre a pecuária tradas em meados do mês. A demanda para
de corte traz a necessidade de se fazer exportação também seguiu dando sustenta-
uma análise de curto e longo prazos. ção às compras de animais a preços maiores.
Em se tratando de preços, o mercado de car- Agora, o grande desafio será em re-
ne bovina tem sua formação em duas frentes: lação às próximas semanas. Deverá haver
mercados interno e externo. Para as exporta- muita oscilação de preços, entre a indústria
ções, que representam 25% das vendas brasi- que consegue escoar sua produção ao mer-
leiras, os preços já vinham recuando desde o cado internacional e as que atuam apenas no
início deste ano. A retração de preços, por outro doméstico. Pecuaristas que possuem condi-
lado, acabou ajudando a manter os volumes ção de pasto favorável conseguirão manter
de embarques altos e, com isso, manter os va- seus animais, esperando preços maiores, en-
lores da arroba firmes no mercado doméstico. quanto outros irão operar com valores mais
No encerramento de março, contu- baixos, resultando em oscilação no mercado.
do, o cenário voltou a se alterar. Neste caso, Nesse cenário, os preços do boi gordo
o aquecimento da demanda do varejista no podem se enfraquecer nas próximas semanas
7
mercado atacadista, no intuito de abaste- e os da carne bovina devem seguir a tendên-
cer os supermercados, resultou em novo mo- cia já observada nas demais proteínas – suína
vimento de elevação nos preços da arroba, e de frango –, que apresentam desde março.
que acabaram recuperando as perdas regis- O cenário de mercado futuro do boi,

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inclusive, já reflete o cenário do físico. Enquan- Em relação ao abastecimento, gran-


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to no início do ano os contratos com venci- des frigoríficos, que possuem suas carteiras
mentos em novembro/dezembro eram nego- de clientes as grandes redes de supermercado
ciados por volta de R$ 220,00/arroba na B3, e atacados, deverão se manter no mercado
no final de março, passaram para R$ 192,00. ofertando produto, mesmo com o fechamento
Assim, o setor pecuário pode ter como de algumas plantas, devido a férias coletivas.
aprendizado o ano de 2017, quando a ope- Pequenos e médios terão um grande desafio
ração “Carne Fraca” e a delação da maior pela frente: atender ao pequeno e médio va-
indústria frigorífica do País desestabilizaram rejos desde que estes não estejam fechados.
agentes da cadeia. Esse contexto resultou Já há relatos de devolução de mercadorias e
em fortes quedas nos preços do boi gordo não permissão de entrega para restaurantes
entre o final do primeiro semestre e início da e bares. Muitos destes estabelecimentos são
segunda metade daquele ano. Como con- abastecidos por pequenos e médios frigoríficos.
sequência, muitos pecuaristas deixaram de As exportações de proteína animal
confinar seus animais a partir de maio/junho, (carnes bovina, suína e frango) se mantiveram
limitando a oferta entre agosto e setembro e firmes no primeiro trimestre deste ano, apesar
elevando os preços da arroba a partir de então. da demora no retorno de contêineres vindos
Esse cenário pode ser repetido em da China. A expectativa de agentes do setor é
2020, tendo em vista que a possível menor li- de que, com a redução de casos de coronaví-
quidez no longo prazo e os preços recordes rus na China, o comércio não deverá ser mui-
nominais do milho e da soja podem desesti- to afetado. Resta saber em relação aos demais
mular pecuaristas e confinadores neste mo- mercados compradores e o fechamento de suas
mento – que é de decisão sobre o volume a fronteiras para além de indivíduos. A Europa
ser confinado. Caso isso se confirme, os valores está entre os 10 maiores compradores da carne
da arroba novamente poderiam se sustentar bovina brasileira e a crise pela qual está pas-
no segundo semestre, diante da baixa oferta. sando deverá reduzir as aquisições da proteína.

1.3. Preços de suínos e de aves devem oscilar nas próximas semanas

N
o geral, espera-se que os preços do suíno Com a menor demanda pela proteína
vivo e da carne oscilem nas próximas sema- no mercado de food service, frigoríficos devem
nas. As redes atacadistas tendem a inten- limitar as aquisições de novos lotes de animais
sificar a procura por carnes, devido à necessidade para abate, pressionando, assim, os valores do
de recompor estoques, dado o desabastecimen- suíno vivo. A dificuldade em manter os lotes
to do varejo em função da elevada procura da de animais nas granjas, em decorrência dos
população nos supermercados. Apesar do ritmo altos patamares de preços dos insumos, tam-
8 de negócios aquecido e da expectativa de que bém deve fazer com que produtores cedam,
o consumo no lar se mantenha praticamente reforçando a queda nas cotações do animal.
estável, esse movimento, porém, pode não ser Em relação às exportações, o setor
suficiente para sustentar os preços domésticos, suinícola segue embarcando com ritmo aque-
especialmente na segunda quinzena de abril. cido. Vale lembrar que o fortalecimento do

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dólar tende a deixar produtos nacionais mais food service tendem a pressionar as cotações.
competitivos no mercado internacional, con- A maior parte dos agentes do setor, no

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tribuindo com as vendas brasileiras. A China, entanto, acredita que o ritmo de negócios de
principal compradora das proteínas suína e atacadistas e varejistas deva seguir dentro de
de frango, ainda sofre os efeitos da Peste Su- uma relativa normalidade, sendo as baixas um
ína Africana (PSA) e dos recentes surtos de movimento de ajuste do próprio mercado. Como
gripe aviária. O país asiático demonstra já ter o ciclo do animal é curto, espera-se que, em caso
passado pela fase mais aguda da crise provo- de sobreoferta, a estratégia da indústria seja de
cada pelo novo coronavírus, e começa a reto- reduzir o alojamento de pintainhos, a fim de
mar suas atividades e, com isso, o Brasil deve ajustar a quantidade de animais para abate.
continuar se beneficiando das exportações. Já as exportações nacionais de frango geram
No mercado de frango, o movimento certa apreensão no setor e devem condicionar
tende a ser similar ao do mercado de suínos. as expectativas dos agentes nos próximos dias.
A necessidade de abastecimento do varejo por De um modo geral, mesmo com en-
conta do coronavírus e a elevada competitivi- tidades dos setores de suínos e aves sinali-
dade da proteína de frango frente às principais zando que a indústria não planeja cortar a
concorrentes (bovina e suína) podem elevar os produção por conta do novo coronavírus e de
preços dos produtos de origem avícola num que a logística de cargas não deve ser afeta-
primeiro momento, especialmente os dos cor- da, a expectativa do setor está abalada. A
tes. Em um segundo momento, por outro lado, preocupação dos agentes é com o desgaste
as suspensões das aulas, que reduzem a pro- desses mercados, dada a instabilidade do ce-
cura pela carne avícola para merendas esco- nário macroeconômico e da consequente in-
lares, e a queda na demanda no mercado de certeza sobre os impactos desta pandemia.

1.4. Elasticidade-renda da despesa com proteínas – consumo interno

C
álculos de elasticidade-renda feitos com 2017 e 2018, mostram uma mudança de com-
base em dados da Pesquisa de Orçamen- portamento das carnes, em relação à penúltima
tos Familiares do Instituto Brasileiro de Ge- POF (2007/2008), como mostra a tabela abaixo.
ografia e Estatística (POF/IBGE), realizada entre

2007/08 2017/18
Bovina 0,35 0,41
Frango 0,128 0,073
9
Suína 0,594 0,286
Leite 0,49 0,44

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A Tabela acima mostra que a elas- tivamente, em 0,63 e em 0,17. Para a carne de
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ticidade-média de carne bovina no Bra- primeira, houve recuo, o que indica uma busca
sil é de 0,41. Isso significa que, para cada por mais qualidade e permanência no padrão
1% de aumento na renda do brasileiro, o de consumo. Já para a de segunda, o coeficiente
dispêndio com carne bovina sobe 0,41%. aumentou, mostrando a valorização dessa pro-
Como comparação, o coeficiente da teína, seja pelo aumento de qualidade, seja pelo
pesquisa anterior da POF/IBGE, realizada en- reflexo da piora da renda por parte da popula-
tre 2008 e 2009, era de 0,35 para carne bo- ção mais carente, que busca, num primeiro mo-
vina. Ou seja, houve aumento do coeficiente, mento, a carne mais barata, que é a de segunda.
sinalizando que qualquer efeito positivo na Para as demais proteínas, houve movi-
renda do brasileiro resulta em crescimento um mento contrário, ou seja, uma redução em 10
pouco maior nas despesas com carne bovina. anos. Para leites e derivados, esse coeficiente
Agora, separando os coeficientes en- é de 0,44 (2017/2018). Somente para o leite
tre as carnes bovinas de primeira e de segun- de vaca, a elasticidade é negativa, de -0,27,
da, os dados mais recentes do IBGE ficaram ou seja, com o aumento da renda, se reduz
em, respectivamente, 0,60 e 0,28. Ou seja, as despesas com leite de vaca. Para o quei-
com o aumento de 1% da renda do brasi- jo, já é o contrário, o coeficiente é de 0,68.
leiro, os gastos com a carne de primeira so- Nesse sentido, com retrações da econo-
bem 0,6% e os com a de segunda, 0,28%. mia, do emprego e da renda, os consumos de
Tendo-se como base a POF/IBGE ante- leite de vaca e de carne de frango devem ter
rior, de 2008/2009, os coeficientes para as car- incremento, ao passo que a procura por prote-
nes de primeira e de segunda estiveram, respec- ínas bovina e suína e a por queijos devem cair.

1.5. Os custos das diversas cadeias de produção pecuária

D
iante do atual cenário, os custos de pro- Em relação à nutrição dos animais, o
dução das diversas cadeias de produ- preço das rações também deve chamar aten-
ção pecuária tendem a subir no médio ção nos curto e médio prazos. As cotações da
prazo, uma vez que a expressiva valorização soja e do milho seguem em alta e o patamar
do dólar frente ao Real encarece o custo da da moeda norte-americana em relação ao
importação de muitos ingredientes utilizados Real deve favorecer as exportações brasilei-
pelas indústrias produtoras de insumos. Den- ras desses grãos. Cabe ao produtor o plane-
tre os produtos afetados destacam-se os nú- jamento e a gestão dos custos e estar atento
cleos e suplementos minerais, algumas classes às oportunidades oferecidas no mercado para
de medicamentos, adubos fosfatados, adu- sua proteção em relação aos riscos de preços.
10 bos nitrogenados e os defensivos agrícolas.

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GRÃOS
Por Lucilio Rogerio Aparecido Alves

O
mês de março é considerado de pico da externa, os preços seguem em elevação.
de colheita de grãos de primeira safra Além disso, como forma de combater
no Brasil. Ao mesmo tempo, há semeio o avanço do coronavírus, o governo argen-
e/ou tratos culturais de lavouras de segunda tino limitou o movimento nos portos do país,
safra. Assim, o período foi de ajustar os pa- cenário que tem favorecido o Brasil, tendo em
gamentos de custeio e de despesas operacio- vista que demanda se deslocou aos produtos
nais da primeira safra, decidindo, também, nacionais. Estivadores brasileiros também di-
sobre a comercialização neste momento ou vulgaram demandas ao governo, sinalizando
pela postergação. Para a segunda safra, pro- paralisações caso as mesmas não sejam aten-
dutores voltam-se mais para a decisão quanto didas, mas parece que, aos poucos, também as
à comercialização antecipada ou se aguar- atividades se normalizaram. Agora, exportado-
dam mais um pouco para novos negócios. res brasileiros não estão conseguindo novas
A valorização do dólar frente ao Real agendas de embarques para o primeiro semes-
está elevando os preços de produtos exportáveis tre, ou seja, as atividades seguem a todo vapor.
no Brasil, como soja e derivados. Ao mesmo tem- Também há negociações antecipadas
po, implica em maiores custos para produtos im- para o segundo semestre para soja, derivados
portados, como trigo e insumos agropecuários. e milho, com agentes aproveitando os atu-
E o que esperar para as próximas se- ais níveis de preços – que atingiram recordes
manas ou meses? De imediato, havia sinaliza- nominais no caso da soja negociada em Para-
ções de interesses de agentes por paralisações naguá (PR) e do milho em Campinas (SP). Na
de unidades agroindustriais. No entanto, a si- prática, já há concorrência de espaços nos por- 11
tuação está relativamente normal, com ajustes tos entre soja e milho no segundo semestre.
operacionais e fornecimento normal de alimen- De qualquer forma, a redução da ativi-
tos. A demanda por milho, soja e derivados dade econômica brasileira deverá ter impactos
segue firme. Juntamente com a maior deman- negativos também sobre a demanda de pro-

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dutos da agropecuária. O menor crescimento ser prejudicial quando se avaliam as compras


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mundial deve pressionar as cotações interna- dos insumos, que já estão em alta expressiva.
cionais, que devem ser transmitidas ao Brasil. Os investimentos de produtores em máquinas e
O impacto poderá ser menos intenso em caso equipamentos também devem diminuir o ímpeto.
de continuidade da desvalorização do dólar Para custeio, resta saber que o crédito chegará a
ou de maior demanda externa pelos produ- taxas menores aos produtores. Também não há
tos brasileiros, reduzindo o excedente interno. sinalização, até o momento, de postergação de
Mas o que alivia o lado vendedor pode pagamentos de custeios da temporada 2019/20.

INSUMOS
Por Mauro Osaki

E
m decorrência da pandemia de corona- adiantar as negociações para a temporada
vírus, produtores agrícolas de regiões em 2020/21, diante da possibilidade de cessarem
que a colheita da soja ainda está aconte- as atividades logísticas de entrega. O mesmo
12 cendo (como em Luís Eduardo Magalhães, na foi observado no Sul do País, onde já é espe-
Bahia, e Balsas, no Maranhão) estão receosos culada a possibilidade de atrasos nas entre-
quanto ao abastecimento de insumos e de gas de defensivos agrícolas e fertilizantes.
diesel nas fazendas para o final desta safra. Nesse contexto logístico, as transporta-
Além disso, estes agricultores vêm tentando doras afirmaram que estão cumprindo com os

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contratos e a medida de precaução tomada foi eda norte-americana vem impulsionando as


para que caminhoneiros no grupo de risco (aci- cotações da soja e, com isso, muitos produ-

CORONAVÍRUS E AGRONEGÓCIO
ma de 60 anos, por exemplo) se resguardassem. tores estão aproveitando o momento para
Com relação à forte valorização do dó- comercializar a produção atual e a futura, a
lar frente ao Real entre fevereiro/20 e março/20, fim de garantir uma margem positiva, vis-
esta fez com que a comercialização de fertili- to que, provavelmente, o custo para a próxi-
zantes para a próxima safra – que, anterior- ma temporada deverá sofrer forte reajuste.
mente, estava em ritmo aquecido – estagnasse As atividades de colheita e semeio,
nas principais regiões produtoras do Centro-Sul. por sua vez, ocorrem dentro da normalidade.
Do lado das revendas, estas estão funcionando Porém, as equipes no campo já foram treina-
remotamente, e muitas suspenderam as listas das para redobrarem os cuidados com higie-
em Reais de defensivos e só estão negociando ne pessoal e contato interpessoal. Além disso,
os insumos em dólar. Outras que chegaram a implementos de uso em comum estão sendo
travar negócios antes da alta da moeda norte- diariamente higienizados para maior segu-
-americana já estão recebendo pedidos para re- rança das equipes. Outro cuidado que vem
negociação por parte dos produtores. Algumas, sendo tomado nas propriedades é a proibição
ainda, fecharam negócios com base nas cota- de terceiros nas fazendas. Embora essas pre-
ções de janeiro/20 e, com isso, terão problemas cauções venham sendo tomadas, começaram
para repassar o valor para as multinacionais. a surgir casos pontuais de operadores que-
Por outro lado, a valorização da mo- rendo que as atividades sejam postergadas.

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CEPEA - CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM ECONOMIA APLICADA - ESALQ/USP

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