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UBERLÂNDIA, MG
2007
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
CDU: 37(091)
BANCA EXAMINADORA
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Profa. Dra. Vera Lúcia Abrão Borges (orientadora)
-------------------------------------------------------------------------------------
Prof. Dr. Carlos Henrique de Carvalho (UFU)
-------------------------------------------------------------------------------------
Prof. Dr. Eloy Alves Filho (UFV)
Para minha mãe Conceição, mulher de
força e muita coragem e para minha
querida esposa, Cibelle, fonte de
inspiração das minhas conquistas. Estas
duas mulheres, simplesmente, iluminam
a minha vida!
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, causa primária do Todo, e aos seus mensageiros, sem os quais, não seria
possível a concretização deste trabalho.
Aos meus familiares, por todo apoio, confiança e paciência que me prestaram durante os
últimos tempos. Estes souberam suportar os meus momentos de ausência e de dificuldades,
principalmente as seguintes pessoas: Conceição, minha mãe, exemplo de resistência e
perseverança; Cibelle, companheira dos bons e maus momentos; A Dona Edna e o Seu
Jorcemino, que durante os últimos quatro anos apoiaram-me durante toda a caminhada; o meu
cunhado, João Paulo, pela amizade e prestatividade, os meus irmãos, Bruno, Izabela e ao
Adriano, que também me acompanhou nas idas e voltas do Arquivo Histórico da UFV, em suas
férias da universidade.
Aos contemporâneos de militância estudantil da UFV, em especial a eterna amiga Cássia, e aos
companheiros da “Terra do Nunca” (Alojamento Novíssimo, 214), Emanuel, Sandro, Marcelo e
ao Dudu, particularmente, por tantas idas e vindas ao Arquivo Público Mineiro em Belo
Horizonte - MG, em favor desta pesquisa.
A todos os colegas, amigos e amigas que fiz no mestrado: Graciane, Kellen, Rosângela,
Tâmara, Rones, Tânia, Cristiane, Leni, Jane Maria, Cidinha, Joiciane e o Anderson, um dos
meus principais interlocutores nos estudos sobre a Escola de Viçosa. E também aos amigos que
fiz nestes três anos de Uberlândia [...] Mariquinha Carolina ( a Carol), Seu José de Carvalho, a
Dona Aparecida, o Zezinho e a Luciana de Carvalho.
À Professora Maria das Graças Marcelo Ribeiro, primeiro pela oportunidade que me deu de
conhecer o campo da História da Educação, durante a minha graduação na UFV, e segundo
pelas considerações e críticas, as quais me fizeram crescer.
Ao Thiago Enes, por toda a ajuda que me prestou junto à localização de documentos
importantes no Arquivo Histórico da UFV.
À Professora orientadora Vera Lúcia Abrão Borges, pelas orientações, atenção e pela
oportunidade de ingresso no PPGE da FACED/UFU.
A importante contribuição do Professor Eloy Alves Filho para a conclusão deste trabalho de
pesquisa.
Finalmente, ao Povo Brasileiro que pagou seus impostos. Assim, a CAPES pôde financiar a
bolsa de pesquisa, a qual beneficiou a elaboração desta dissertação de mestrado.
Quem conhece a sua ignorância
Revela a mais alta sapiência.
Quem ignora a sua ignorância
Vive na mais profunda ilusão.
Não sucumbe à ilusão
Quem conhece a ilusão como
ilusão.
O sábio conhece o seu não-saber,
E essa consciência do não-saber
O preserva de toda ilusão.
Lao-Tsé
6
RESUMO
Este estudo situa-se no campo da História das Instituições de Ensino, e tem como
objetivo central interpretar o projeto de constituição da Escola Superior de Agricultura e
Veterinária do Estado de Minas Gerais (ESAV), mais conhecida como a “Escola de
Viçosa”, no período de 1920 a 1929. A gênese desta instituição escolar e a
modernização conservadora da agricultura mineira são os temas desta dissertação. A
análise está pautada em vários documentos primários, como cartas, relatórios,
regulamentos, “theses de ensino”, decretos, leis estaduais, livro de formatura e
fotografias. Estas fontes documentais estão localizadas no Arquivo Central e Histórico
da Universidade Federal de Viçosa (UFV). As fontes indicam que a criação da ESAV
fez parte de um projeto de desenvolvimento e diversificação produtiva do Estado de
Minas Gerais, projeto este, que foi forjado para promover a racionalização do campo,
ou melhor, a modernização da agricultura mineira por meio da “invenção” de um tipo
ideal de produtor rural: o fazendeiro moderno. Este projeto de “recuperação” e
dinamização da economia mineira foi esboçado pelo Estado e pela elite agrária no
Congresso Econômico das “classes produtoras” de MG, realizado em Belo Horizonte -
MG, no período de 13 a 19 de maio de 1903. O evento delegou ao ensino agrícola
elementar mineiro a tarefa de formar, qualificar e organizar a mão-de-obra rural, de
modo que, as inovações técnicas no trato com a terra e rebanhos fossem disseminadas a
todos os grupos sociais do meio rural do período em estudo. Trata-se do pressuposto
iluminista que transfere ao “saber” técnico a tarefa de promover o progresso e a
civilização do país. Deste modo, destacaram-se nesta pesquisa duas nítidas fases que
marcaram a configuração e a evolução do ensino agrícola em Minas Gerais. A primeira
fase caracterizou-se pela materialização de uma política estatal para o setor, com ênfase
na educação básica para o trabalho agrícola. Esta educação calcada na idéia de
“positividade”, que marcou o período histórico da “pós-escravidão”, promoveu a
profissionalização da instrução agrícola elementar em dois níveis: o da instrução
profissional em escolas e o do ensino prático de trabalhadores adultos. O positivista
João Pinheiro foi o principal articulador desta primeira etapa. Na segunda fase de
evolução do ensino agrícola mineiro, o eixo norteador foi a idéia de renovar o campo
em termos técnicos e socioculturais, visto que a estratégia utilizada para atender o
desenvolvimento e a diversificação produtiva almejada pelas elites mineiras desde o
Congresso de 1903, foi “rearticulada” durante o governo estadual do Presidente Arthur
Bernardes (1918-1922) com a criação da Escola de Viçosa, por meio do Decreto Lei nº
761 de 6/09/1920. Nasciam assim, as “bases” para a efetivação da modernização da
agricultura de MG. Para isto, Arthur Bernardes buscou no modelo de ensino das escolas
agrícolas norte-americanas, os Land Grant Colleges, o projeto político-pedagógico
necessário para levar a frente tal objetivo. E por influência do principal organizador
técnico da ESAV, o cientista norte-americano Peter Henry Rolfs, a Escola de Viçosa
“foi delineada com a feição e a dinâmica” de um college agrícola americano. Neste
projeto educativo, os estudantes “esavianos” seriam os principais agentes difusores do
ideal modernizador do homem e da lavoura mineira. Ou seja, eles deveriam “liderar
intelectualmente” a modernização do campo. Em virtude disto, estes “moços” recebiam
conhecimentos técnicos e científicos modernos sobre agropecuária, associados às idéias
e valores morais, cívicos, higienistas e de educação para o trabalho preconizado pela
elite agrária e política da época.
ABSTRACT
This search is located in the Education Institutions History field and it aims to interpret
the Agricultural and Veterinary Superior School of Minas Gerais (ESAV) construction
project known by “Viçosa School” in the period between 1920 and 1929. The beginning
of this educational institution and the agriculture conservator modernization are subjects
of this search. The analyses are based on many primary documents such as letters, book
notes, interior policies, teaching methods, state laws, graduation books and pictures.
Those sources are archived in the Historic Archive from the Universidade Federal de
Viçosa (UFV). The sources indicate that the ESAV construction is based on a project
for rural development and diversification in Minas Gerais state, and it was made to
enhance agricultural rationalization and modernization through the “invention” of an
ideal kind of farmer: the modern farmer. This “recovering” project for Minas Gerais’
economy was drowned by the government and rural elites at Minas Gerais Rural
Economic Forum that took place in Belo Horizonte – MG, from 13th to 19th of may, in
the year 1903.This meeting conferred to the state agricultural school the responsibility
to form, to qualify and to organize rural workers, so all the technical innovations about
crop working and animal handling could be transmitted to all social groups of rural
workers at that time. This process takes part on the illuminist thoughts that transfer to
the technical knowledge the responsibility to endorse progress and civilization in the
country. It can be highlighted on this search two different periodsthat marked the
settings and evolution of agricultural teaching in Minas Gerais. The first period was
characterized by state politics materialization for the sector with emphasis on basical
education for agricultural work. This education, based on thoughts of positivism and
that marked the historical period “post-slavery” promoted the qualification of
elementary Agricultural instruction in two levels: the professional teaching in schools
and the practical teaching for adults laborers. The positivist man João Pinheiro was the
main sponsor for this first stage. On the second stage of evolution the main focus was to
renew the country, on technical sociologic and cultural terms, seeing as the strategies
employed to reach production development and diversification searched by privileged
groups in Minas Gerais at that meeting in 1903 was reshaped on President Arthur
Bernardes administration (1918-1922) with the beginning of Escola de Viçosa, through
the law #761 in 09/06/1920. This way, it has started the base for an effective
modernization for Minas Gerais agriculture. In order t do it, president Arthur Bernardes
reached the north American agricultural schooling model, the land Grant Colleges, the
necessary political-pedagogical project to reach the desired aim. Persuaded by the
political scientist Peter Henry Rolfs who was the main technical manager from ESAV,
the school of Viçosa was shaped with the same features of an American agricultural
college. In this educational project, the students from ESAV were the main diffusers for
the modern thoughts for labors and crop fields in Minas Gerais. In other words, they
should be the intellectual leaders of field modernization. This was the main reason for
those young people was receiving modern scientific and technical agricultural
knowledge, related to thoughts and moral civic hygienic ideas and schooling for the
kind of work needed by rural politicians and employers at that time.
LISTA DE TABELAS
ANEXOS
ANEXO A: Carta em Inglês do Dr. Peter Henry Rolfs ao Dr. João Carlos Bello Lisbôa, ano
1929. ........................................................................................................................................151
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................10
CAPÍTULO 1
Raízes Históricas da ESAV ......................................................................................................21
CAPÍTULO 2
A Gestação da Escola de Viçosa...............................................................................................65
CAPÍTULO 3
Os Pilares do Saber Esaviano ................................................................................................103
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................137
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................143
6. ANEXO A............................................................................................................................151
10
INTRODUÇÃO
“[...] De resíduos, de papéis, de legumes, até mesmo das geleiras e ‘das neves eternas’,
o historiador faz outra coisa: faz deles a história. Artificializa a natureza. Participa do
trabalho que transforma a natureza em ambiente e, assim modifica a natureza do
homem. Suas técnicas o situam, precisamente, nesta articulação. Colocando-se ao nível
desta prática, não mais se encontra a dicotomia que opõe o natural ao social, mas a
conexão ente uma socialização da natureza e uma ‘naturalização’ (ou materialização)
das relações sociais” (CERTEAU, 1982, p. 79).
1
Deve-se ressaltar que, em 1948, houve o interesse de transformar a ESAV em Universidade Rural de
MG. Desta forma, foram dados os primeiros passos para a elaboração de um projeto de lei para a criação
da UREMG (Universidade Rural do Estado de Minas Gerais). Assim, durante o governo Milton Campos,
através da Lei nº 272 de 1948, com o intuito de tirar a Escola de Viçosa da condição de “escola isolada”,
ocorreu o processo de transformação, elevando-a a categoria de Universidade. Contudo, após quarenta e
três anos de existência, a UREMG foi “federalizada” em 15 de julho de 1969, pelo Governo Federal e
passou a se chamar Universidade Federal de Viçosa (UFV), como é conhecida atualmente.
2
Em 4 de julho de 1929, ocorreu a primeira solenidade de entrega de certificados a alunos que
concluíram os cursos elementar (Capataz Rural) e médio (Técnico Agrícola). Eram 12 esavianos
formandos no curso de Capataz Rural e 8 esavianos no curso de Técnico Agrícola. Vale destacar também
que, a primeira turma do curso superior de Agronomia iniciou suas aulas em 1 de maio de 1928, enquanto
que, no curso superior de Medicina Veterinária as aulas iniciaram-se apenas em 1 de março de 1932.
3
Cabe notar que, a palavra “Presidente” era utilizada no período em estudo para definir o cargo político
que nos dias atuais equivale ao de Governador de Estado.
11
4
Respeitou-se nas citações a escrita (as regras gramaticais) da época em estudo.
5
Para saber sobre o trabalho de pesquisa e memória que envolve o Arquivo Central e Histórico da
Universidade Federal de Viçosa consultar os trabalhos de: TEIXEIRA (2004), RAASCH (2006) e
SANTOS (2006a).
14
6
São elas: UREMG, (1968); Paniago, (1990); Pavageau, (1991); Ribeiro. F, 1996; Coelho. E, (1996);
Borges et al (2000).
15
7
Apesar do estudo desta autora ter privilegiado a questão do “gênero” no âmbito da antiga ESAV, a
Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG), a mesma apontou a sua análise no que tange
ao processo de formação da Escola de Viçosa, no período compreendido entre 1920 e 1948.
8
Reconstituiu a história da produção científico-tecnológica da ESAV, até a transformação da Escola em
Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG).
9
Examinou a Semana do Fazendeiro da Universidade Federal de Viçosa, a partir dos anos 1920, enquanto
uma atividade extensão universitária.
10
As autoras buscaram analisar se a estruturação da Escola de Viçosa foi pautada no modelo das escolas
agrícolas norte-americanas, os land grant colleges.
11
A autora estudou as atividades extensionistas realizadas pela ESAV de 1926 a 1948.
12
O autor realizou uma pesquisa histórica a respeito do trabalho pedagógico implementado durante o
processo de formação da ESAV, de 1920 a 1948. Apesar, de o referido trabalho ter tratado com maior
atenção a questão da constituição da Escola de Viçosa, tal estudo não contemplou a configuração da
ESAV dentro do quadro de origem e desenvolvimento da instrução agrícola mineira, durante os anos
1920.
13
A autora apresentou um estudo comparativo entre os land-grant colleges e a Escola de Viçosa.
14
O autor analisou o papel do esporte na consolidação e propagação do Espírito Esaviano na ESAV, no
período de 1926 a 1948.
15
Sobre as premissas da metodologia do conhecimento científico ver DEMO (2000).
16
[...] O trabalho sempre influiu no processo educativo dos homens e na configuração das
instituições escolares. A relação escola-trabalho não se reduz nem à preparação
profissional nem à imediata qualificação da mão-de-obra, pois existe uma complexa
integração histórica entre o mundo do trabalho e a escola, sem que cada um perca suas
especificidades e autonomia (NOSELLA & BUFFA, 2000, p. 18).
Desse modo, a criação da ESAV no transcorrer dos anos 1920, é entendida pela
presente pesquisa como produto do “momento histórico em que foi criada”. Período
histórico este que foi marcado pelos impactos provocados pelo processo de
transformação do trabalho ocorrido após a abolição da escravidão, pelo “entusiasmo
pela educação” e pelo movimento ruralista brasileiro que buscava ratificar a vocação
agrícola do país por intermédio da estratégia de modernização da agricultura do país.
É a partir desta preocupação metodológica que surgiram quatro premissas:
a) O Estado republicano que nasceu em Minas Gerais não é entendido neste
estudo como uma “entidade autônoma”, a qual paira acima dos interesses político-
econômicos dos setores produtivos. Este estudo entende Estado na acepção de Gramsci,
ou seja, supera-se o conceito de Estado apenas como sociedade política, pelo contrário,
sociedade civil e sociedade política em conjunto, formam o Estado16 em sentido amplo.
Daí lidera a constituição de um bloco histórico (pode ser entendido como uma ampla e
estável aliança de classes e frações sociais). Por isto, o surgimento do ensino agrícola
16
Na visão gramscista Estado equivale a seguinte representação: sociedade política + sociedade civil.
18
[...] há alguns anos, novas abordagens decorrentes da Escola dos Annales e da chamada
nova história francesa provocaram uma transformação nos objetos de investigação, na
maneira de trabalhar do historiador e nas concepções de história. Nessa linha,
escreveram-se histórias da vida privada, agora também da brasileira, das pessoas
simples, do seu cotidiano, da vida doméstica, religiosa, sexual, todos objetos
negligenciados no passado e que suplantaram tanto os antigos e enfadonhos estudos
sobre reis e imperadores e seus feitos políticos-guerreiros como os complicados tratados
sobre história econômica, por exemplo. Essas novas abordagens seduziram também
historiadores da educação brasileira que consideram, assim, insuficientes as tradicionais
19
No seu trabalho, o historiador não parte dos fatos, mas dos materiais históricos, das
fontes, no sentido mais extenso deste termo com a ajuda dos quais constrói o que
chamamos os fatos históricos. Constrói-os na medida em que seleciona os materiais
disponíveis em função de um certo critério de valor, como na medida em que os
articula, conferindo-lhes a forma de acontecimentos históricos [...] (SCHAFF, 1978, p.
307).
Ou seja, o historiador depende das fontes primárias para lançar seus esforços
interpretativos sob os documentos históricos, que são na verdade, fragmentos do
passado no tempo presente. Logo, entende-se porque o trabalho historiográfico deve ser
empreendido como uma tarefa incansável de reconstrução e interpretação dos
acontecimentos passados. E é com base neste pressuposto que se analisaram as fontes
documentais desta pesquisa.
A terceira característica da metodologia adotada diz respeito a este pressuposto
citado acima, quando se procurou escrever a história da origem da Escola de Viçosa
numa perspectiva interpretativa histórica das instituições escolares não apenas factual
(não laudatória).
Por conseguinte, norteado por esses três pressupostos teórico-metodológicos,
estabeleceu-se algumas categorias de análise. Para isto, inspirou-se nas categorias
20
CAPÍTULO I
RAÍZES HISTÓRICAS DA ESAV
17
Segundo DULCI (2005) “Desenvolvimento, no terreno socioeconômico, é uma idéia referente à
superação intencional de uma situação de atraso relativo. Envolve, portanto, uma clara dimensão política,
que se traduz em ações governamentais – mediante graus variáveis de intervenção – e também em
articulações de classes e grupos diversos (sobretudo as elites políticas, econômicas e intelectuais) em
torno da meta de superação do atraso. Podemos chamar de desenvolvimentismo ao pensamento que
focaliza esse processo numa perspectiva de projeto, realçando seu sentido estratégico e seu potencial
mobilizador” ( DULCI, 2005, p. 114).
22
18
“João Pinheiro da Silva era político e industrial. Nasceu na cidade do Serro, em 16 de dezembro de
1860 e faleceu em Belo Horizonte, em 25 de outubro de 1908, quando exercia, pela segunda vez, a
presidência do Estado. Estudou direito em São Paulo e foi fundador do PRM. Foi o primeiro homem
público a expor a necessidade da policultura para atender às diversidades regionais do Estado. Não era um
revolucionário, mas um decidido reformador. Foi o mentor político e intelectual do Congresso de 1903 e
do grupo de parlamentares a princípio chamado, pejorativamente, de ‘Jardim de Infância’, em virtude da
juventude dos seus membros. Se não tinha um programa político administrativo concreto, esse grupo,
liderado por João Pinheiro, defendia mudanças das práticas políticas de então, como primeiro passo para a
instauração do progresso econômico. Como presidente do Estado pôs em prática política econômica
voltada para o desenvolvimento econômico e social, priorizando a produção agrícola, a educação e a
formação qualificada da mão-de-obra. Foi presidente do Estado de Minas Gerais nos períodos de
fevereiro a julho de 1890 e de setembro de 1906 a outubro de 1908”. (DICIONÁRIO HISTÓRICO-
BIOGRÁFICO DE MINAS GERAIS, Período Republicano).
23
criada em 1920 por lei estadual e que foi localizada em Viçosa, tendo sido
inaugurada em 1926. (DULCI, 2005, p. 131-132).
Deste modo, optou-se por convidar o leitor a uma reflexão sobre algumas
questões históricas diretamente relacionadas ao processo de constituição e evolução da
instrução agrícola em Minas Gerais durante o período que vai de 1903 ao ano de 1920.
Dentre essas questões, buscaram-se respostas para as seguintes:
1ª) O que foi realmente esse projeto de desenvolvimento mineiro concebido pelo
Estado e pelas “classes produtoras” mineiras durante as duas décadas iniciais do regime
republicano?
2ª) Por que a instrução agrícola mineira foi anunciada em Minas no bojo do
Congresso de 1903 principalmente enquanto um instrumento de organização do
mercado de trabalho no campo e de “disseminação de inovações técnicas no trato com a
terra e rebanhos”?
3ª) Qual a relação dos debates e dos desdobramentos do Congresso Econômico
de 1903 com o processo de configuração do ensino agrícola mineiro durante a Primeira
República?
4ª) Que fatores levariam o governo mineiro do Presidente Bernardes a incentivar
o desenvolvimento da instrução agrícola pública dos níveis médio e superior em MG, a
partir da criação da Escola de Viçosa?
5ª) Porque a ESAV inaugurou uma “nova”, ou melhor, uma “segunda” fase no
processo de configuração e desenvolvimento do ensino agrícola mineiro?
Logo, elege-se nesse capítulo, como objetivo maior: “mapear” e interpretar as
questões históricas, ou seja, as razões político-econômicas e sociais que influenciaram
direta e indiretamente o Sr. Arthur da Silva Bernardes a criar a instituição pesquisada,
no alvorecer dos anos 1920.
24
19
Segundo a autora DUTRA (1990): “Seu discurso é sempre em nome da ‘classe econômica’, das
‘classes conservadoras’, sempre evitando que apareçam para o público externo suas diferenças de
interesse, e sempre revestido de uma certa universalidade também em relação aos diferentes setores (e/ou)
frações da burguesia. Não nos parece fortuito o nome [lê-se do congresso ser] ‘Congresso Agrícola,
Comerical e Industrial de 1903’ (...)” (DUTRA, 1990, p. 29).
20
Francisco Antonio de Sales, nascido em 29/01/1863, na cidade mineira de Lavras. Estudou no
Seminário de Mariana-MG e bacharelou-se em Direito. Exerceu os mandatos de Deputado Estadual (1891
a 1895); Prefeito Municipal (1899 a 1899, cidade não informada); Deputado Federal (1900 a 1902);
Presidente de Estado (1902 a 1906); Senador (1907 a 1910 e 1915 a 1923). Tendo falecido em
16/01/1933. Fonte: Biografia adaptada do Site eletrônico do Senado Federal. www.senadofederal.br
25
A outra idéia que muito influenciou as elites políticas e econômicas da época nas
diretrizes de suas propostas políticas em prol do desenvolvimento mineiro era
representada sob a imagem de uma Minas Gerais “desarticulada” nos planos geográfico
e econômico. E quem explica essa imagem do Estado como um “mosaico” foi o autor
Wirth (1982), quando escreveu que:
26
É fundamental o fato de Minas não ser uma região, mas um mosaico de sete
zonas21 diferentes ou sub-regiões [...] Por um lado, este estado heterogêneo,
que perfaz 7% do Brasil, refletia o impulso histórico de outras unidades além
das fronteiras políticas da região. Por outro lado, cada zona desenvolveu-se
numa linha diferente de tempo, dando ao estado uma longa história de
crescimentos desarticulados e descontínuos. Em suma, essas sete zonas em
que se costumam dividir o estado apresentam histórias particulares e
problemas especiais que desafiam as soluções comuns. (WIRTH, 1982, p.
41).
Assim sendo, a própria construção de uma nova capital para Minas Gerais
prevista pela constituição estadual de 1891 pode ser entendida como um exemplo
“vivo” da forte apropriação da elite política de MG com esta imagem de
“desarticulação” econômica e geográfica do Estado, pois os políticos mineiros
aspiravam com a criação de Belo Horizonte materializar em Minas, um núcleo político,
sobretudo, moderno e que fosse capaz de assumir o papel de “elo” econômico e social
das sete regiões que compunham MG, isso é, almejavam criar um “centro” para a
integração do “mosaico” mineiro.
Contudo, Dulci concluiu que:
21
Norte, Sul, Leste, Oeste, Centro,Triângulo, e Mata Mineira.
27
Não se deve perder de vista que o roteiro seguido pelas classes dirigentes
movidas pelo ideário do “desenvolvimentismo” partia sempre do mesmo ponto: da crise
à idéia de superação do atraso econômico estadual. E o Congresso de 1903 não fugiu a
esse script oficial do governo mineiro. Foi justamente diante dos efeitos da crise
cafeeira iniciada em 189622 que o Estado em busca da “restauração econômica”
convocou os representantes dos diversos setores produtivos de Minas ao primeiro
Congresso Agrícola, Industrial e Comercial, em maio de 1903, na capital Belo
Horizonte - MG.
Assim, retratou DULCI (2005, p. 120):
A época era de crise, causada pela baixa dos preços do café, que se arrastava
desde 1897. A reunião tinha como finalidade debater a situação e definir
caminhos para a ‘restauração econômica’ do Estado, como especificava a
exposição prévia dos organizadores. Nesse sentido, apesar da excessiva
dependência em que se viam os demais setores em relação às flutuações do
café – ou talvez pela crescente consciência dos riscos dessa situação – a
agenda do Congresso foi bastante ampla, cobrindo os mais variados setores
da economia. Foram designadas doze comissões temáticas: Agricultura,
Café, Pecuária, Vinicultura/ Viticultura, Indústria, Tecidos/Fiação, Curtume,
Mineração/Águas Minerais, Bancária, Comércio, Viação Férrea e Estradas
de Rodagem. A simples enumeração mostra a saliência conferida a alguns
ramos específicos (além do cafeeiro, os de tecidos e couros), destacados dos
grupos de trabalho mais gerais encarregados da agricultura e da indústria.
As conseqüências da baixa do café, estendendo-se por toda a economia,
eram suficientemente graves para estimular a defesa da policultura, ou seja,
de um sistema produtivo diversificado. A monocultura, a especialização
excessiva [...] eram encaradas por muitos participantes como fonte de
permanente vulnerabilidade para o país e para os seus próprios negócios [...].
22
O café, “[...] até então ele gozara de uma situação impecável: preços em ascensão contínua, o consumo
acompanhando perfeita e folgadamente a produção. Em 1896 o café brasileiro enfrenta sua primeira
dificuldade comercial: os preços declinam, estoques invendáveis começaram a se acumular. Estava-se
diante de uma situação nova e inteiramente insuspeitada no passado: a superprodução”. (PRADO JR,
1994, p.221).
28
do mercado interno, principalmente de São Paulo e Rio de Janeiro, tinha uma simples
explicação financeira: as elites dirigentes estaduais partiram da constatação desde 1893,
“de que o equilíbrio das finanças era precário e de que qualquer perturbação no
desenvolvimento da lavoura cafeeira poderia gerar decepções nos cálculos
orçamentários” (RESENDE, 1982, p. 35).
Pois, conforme RESENDE (1982, p. 29) “[...] exatamente no momento em que o
preço do café começava a baixar no mercado internacional – ampliava-se a participação
de Minas Gerais na exportação nacional e, o que era mais grave, a ampliação se fazia
em prejuízo das demais atividades do Estado [...]”. Cabe registrar que a economia de
Minas no século XIX pautou-se também, segundo alguns estudiosos, “[...] pela
diversidade econômica e pela importância das atividades mercantis não vinculadas à
produção voltada para a exportação internacional – ouro, café e cana [...]”, esta idéia
foi exposta por LANNA (1986, p. 74).
Deve-se mencionar que, dentre os dirigentes mineiros, que haviam diagnosticado
o principal “mal” da instabilidade econômica de Minas, Francisco Sales merece ser
destacado. Pois o Presidente de Minas, responsável pela convocação do Congresso
Econômico de 1903 quando ocupava o cargo de Secretário das Finanças do Estado, em
1895, já havia alertado para os graves problemas que poderiam atingir a vida financeira
estadual se a mesma permanecesse apenas na dependência das receitas advindas da
comercialização do café. Este alerta de Francisco Sales foi feito em um relatório de
1895, dessa secretaria estadual e nele sugeria uma “política econômica pautada no
estímulo à diversificação da produção”. (RESENDE, 1982, p. 29).
Logo, se entende porque justamente durante a gestão de Francisco Sales à frente
do governo mineiro ocorreu a realização do primeiro Congresso Agrícola, Industrial e
Comercial do Estado em 1903, uma vez que seu precoce envolvimento com as questões
econômicas já o habilitava para suscitar tal iniciativa.
Apesar das constatações e das sugestões feitas pelas elites dirigentes do Estado,
a crise anunciada foi inevitável, porque:
23
Cabe ressaltar que o problema da (des)organização do mercado de trabalho no campo é correntemente
tratado nas bibliografias historiográficas que tratam dessa questão da transição do trabalho escravo para o
30
Mas, por que esse problema da mão de obra sucedeu-se apenas com a abolição
da escravidão e como essa problemática veio a atingir o projeto de “restauração
econômica” esboçado pelas elites políticas e econômicas de MG, em 1903, durante o
congresso econômico de maio desse ano?
A seguir, seram apontados os impactos da abolição da escravidão no que tange
aos interesses econômicos das elites política e econômica da época em estudo. E como o
ensino agrícola foi posto para o Estado como a principal medida de superação da falta
de mão-de-obra “preparada” às exigências do trabalho regular no campo a partir do
Congresso Econômico de 1903. Porém, diante desses objetivos, tornou-se necessário
conhecer melhor o ponto nevrálgico da economia mineira da pós-escravidão: o
problema da mão de obra.
trabalho livre e seus impactos para a sociedade brasileira sob: a terminologia o “problema da mão-de-obra
nacional” ou “problema da mao-de-obra”. Em alguns momentos do texto será utilizado uma ou outra
dessas terminologias.
31
24
Sobre isso, ver o livro de FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da USP, 2001,
p.186-207.
32
25
Deve-se ressaltar que, a eliminação da escravidão no caso da dinâmica região cafeeira do Oeste Paulista
se iniciou mais em resposta as “necessidades” de reprodução e diversificação do capital cafeeiro. Sobre
isso ver o relevante trabalho do autor KOWARICK (1994, p.11-65).
35
[...] O único grupo que, no Parlamento, resistiu até o último minuto foi o
dos representantes dos fazendeiros das antigas áreas cafeeiras, para quem os
escravos representavam um terço do valor de suas hipotecas. Em maio de
1888 eles votaram contra a lei que aboliu a escravidão no Brasil. (COSTA,
1987, p. 245-246 ).
26
Como eram denominados os trabalhadores livres e libertos no período antes e na pós-escravidão.
37
27
Cabe ressaltar que essa representação negativa da atividade manual conservou-se e permaneceu
fortemente no “caminhar” do século XX, principalmente nas suas duas primeiras décadas.
38
Diante desse exemplo do nível de exigência feita por boa parte dos fazendeiros,
como atestado acima, cabe então, antes de maiores considerações, destacar que “[...] o
Estado que emergiu em Minas sob o regime republicano não pode ser percebido como
entidade autônoma, capaz de pairar acima dos interesses dos setores econômicos [...]”,
(FARIA, 1992, p. 11). Somente com base nesse pressuposto é possível compreender o
esforço que fora realizado pelo governo estadual no ensejo de atender às exigências dos
setores econômicos do campo quanto ao problema da mão-de-obra.
E foi justamente no primeiro Congresso Agrícola, Industrial e Comercial do
Estado ocorrido em Belo Horizonte, no período de 13 a 19 de maio de 1903, importante
evento, oriundo da “aliança” do nascente Estado Republicano mineiro sob a égide do
PRM28 com os interesses dos “setores econômicos” de Minas, que o ensino agrícola foi
enunciado como “a principal medida” para superar o problema da (des)organização do
mercado de trabalho nos campos.
Segundo FARIA FILHO:
28
Partido Republicano Mineiro.
29
Sobre o projeto de construção de uma sociedade civilizada ver o importante trabalho de SALLES
(1986).
39
30
“[...] Em São Paulo, durante aqueles anos, o Partido Republicano desenvolveu-se de maneira
excepcional, e ademais, foi essa a única província a ter um front unificado, desde os primeiros anos do
movimento” (BOEHRER, 1954 apud SALLES, p. 73).
40
época: a vadiagem dos homens livres que eram resistentes às ordens de disciplina e
regularidade do trabalho rural e urbano.
Terceiro: Outro “[...] elemento da lógica repressiva deveria ser, então, o
controle do espaço e do tempo do trabalhador não empregado” (FARIA FILHO, 1990,
p.84), para controlar os movimentos do trabalhador ambulante. Assim, afirmava Carlos
Pereira de Sá Forte, ilustre pecuarista e redator do Congresso de 1903, sobre essa
medida:
31
“[...] O trabalho é compreendido pelo pensamento liberal como condição intrínseca ao homem que, ao
se desenvolver, possibilita a criação dos bens morais, pois recupera e eleva o sentido ético dos indivíduos
e dos bens materiais. A acumulação desses bens morais e materiais formam o cabedal de uma nação.”
(SALLES, 1986, p. 42).
44
[...] João Pinheiro, com sua convicção positivista, foi o principal idealizador
dessa política. Concebia para o Estado uma missão pedagógica, de educar a
população para o progresso. E para isso era preciso inverter prioridades. Em
conseqüência, dedicou-se a um esforço simultâneo de expandir o ensino
primário e de criar estabelecimentos de aprendizagem agrícola – fazendas-
modelo e campos de experiência e demonstração, que se somavam ao
serviço de instrutores ambulantes na divulgação de novas técnicas e do uso
da mecanização. Seus sucessores no governo prosseguiam na mesma trilha,
que foi institucionalizada em 1911 com o Regulamento Geral do Ensino
Agrícola. (DULCI, 2005, p. 131).
32
“[...] Educação e profissionalização constituem assim, um binômio inseparável. O ensino
profissionaliza, promovendo o aumento da ‘capacidade produtiva’. Portanto, dá ao cidadão a condição de
prosperar através do trabalho. Logo, o regime político fornece aos indivíduos a possibilidade de concorrer
com igualdade no mercado de trabalho, cumprindo, assim, a sua função social. As diferenças individuais
que determinam a maior ou menor capacidade de trabalho levam os indivíduos a conseguirem ou não os
bens sociais que o sistema lhes oferece”. (SALLES, 1986, p. 127).
46
33
Conferir em CARVALHO (1978, p. 5).
48
acima de tudo uma educação que fosse baseada na experiência dos indivíduos e
“acoplada à difusão de conhecimentos práticos”.
Essa proposta educativa de Pinheiro contemplava também o ensejo de
disseminar por todas as regiões de MG as “vantagens”, que a mecanização agrícola
proporcionaria a lavoura mineira por intermédio de “professores ambulantes”. Em
pronunciamento ao Congresso Mineiro no ano de 1907 o Estadista explicava aos
Deputados da Assembléia Legislativa como a economia estadual seria reorganizada pela
educação elementar técnico profissional agrícola:
[...] Estas medidas vão dar imediatos resultados e nelas estão a base da nossa
regeneração econômica, assim para o produtor como para o Estado, que da
agricultura tira a sua principal fonte de receita. O trabalho agrícola, pela
vastidão de seus recursos, pela sua extensa aplicação, pelo seu hábito
generalizado em toda a massa do povo, pela facilidade de sua aprendizagem,
constitui a forma simples e poderosa do trabalho nacional. É por ela que há
de se começar a reorganização econômica do estado. (PINHEIRO, 1907
apud FARIA, 1992, p. 233-234).
Vale notar que, além de João Pinheiro ter atendido grande parte das deliberações
do Congresso Econômico de 1903 através da Lei nº 444 de 2/10/1906, ele incorporou
consideravelmente nessa Lei “o espírito do projeto apresentado” pelo Deputado
Francisco Mendes Pimentel ao congresso mineiro, em 1896.
Esse projeto de F. Mendes Pimentel fora aprovado sob a Lei nº. 703, de 18 de
setembro de 1896, e “[...] defendia o ensino Técnico Primário [...]” (FARIA FILHO,
1990, p. 87), tendo na época de sua aprovação representado uma vitória para o grupo
dos agricultores e políticos de Minas Gerais, que defendiam a (re)organização da força
de trabalho pelo veio da formação profissional em agricultura, de nível elementar e
prático.
Tratava-se do mesmo grupo político e econômico que atuou organicamente35 no
congresso de 1903, em prol da constituição, ou melhor, da forma(ta)ção de um
34
Este termo não é entendido como industrial, e sim num sentido mais “inicial” da atividade secundária
do setor produtivo.
35
Conforme a visão “gramiscista” o conceito de “orgânico” expressa o sentido de comprometimento, de
“engajamento” do intelectual para com o desenvolvimento de um determinado projeto político-
econômico, cultural e social.
50
contingente
contingente de mão-de-obra livre via ensino profissionalizante agrícola elementar e
prático, a fim de atender à razão burguesa das novas relações produtivas que foram
impostas pela substituição do braço escravo, oficializada em 1888.
Para FARIA FILHO (1990, p. 87), o Deputado mineiro propôs ao poder
legislativo do Estado, em 1896, este projeto educativo para as classes populares, não
porque a República era do povo e para o povo e sim em decorrência da seguinte questão
que, então, era de interesse dos fazendeiros que Francisco Mendes Pimentel
representava no congresso mineiro: “[...] sem educação profissional o povo, vadio
tornar-se ia perigoso [...]”.
Pois, a principal característica desse projeto de educação profissionalizante, o
qual privilegiava atingir a formação de crianças e de jovens na condição de “menores
abandonados” era a de prepará-los aos ditames do nascente mercado de trabalho livre
do campo. Isto porque as elites políticas e econômicas temiam que esses menores
viessem num futuro próximo a se transformarem naqueles trabalhadores “vadios” e
“indolentes” que se negaram a “servir” o trabalho regular das lavouras mineiras na pós-
escravidão.
É esse o espectro da educação profissional que as elites políticas e econômicas
ansiavam em materializar no Estado em prol do povo mineiro, desde 1896, e também no
transcorrer do Congresso Econômico, de 1903. E foi a essência deste “espírito” que
João Pinheiro buscou para a sua Lei nº444 de 2 de outubro de 1906, conforme
sinalizado há pouco.
Vale considerar que o precoce falecimento do político João Pinheiro em outubro
de 1908, quando ocupava o elevado cargo público de Presidente de Estado pela segunda
vez:
36
Segundo DULCI (2005, p. 128) criada em 1909, a SMA foi “[...] recomendada pelo congresso
econômico de 1903. A Sociedade representava também o comércio e a indústria, mas o nome que lhe foi
dado sugeria claramente o predomínio dos interesses da agricultura. Com ela, as classes proprietárias
estabeleciam um espaço estadual de atuação, muito mais amplo do que o das (poucas) associações
comerciais existentes em âmbito municipal”.
Para FARIA (1992, p. 126) a SMA foi o principal veículo do ruralismo mineiro e “[...] teve, como não
podia deixar de ser, nuanças tipicamente regionais. Longe de se configurar como movimento/discurso
antagônico à industrialização e ao setor agro-exportador, a atuação da SMA contribuiu decisivamente
para a ratificação da proposta oficial de desenvolvimento apresentada em 1903. Nessa ótica, a constante
defesa da policultura não se constituiu, em ameaça, por exemplo, aos interesses dos cafeicultores da Mata
e do Sul de Minas, mesmo porque os seus representantes não chegaram a deter hegemonia no interior da
classe dominante”.
52
ensaiada nas próximas páginas desse estudo não teve o intento de apresentar e analisar
os resultados dessas modalidades, mas de apreender o sentido da ação do Estado
mineiro em disseminar oficialmente o ensino agrícola elementar e prático voltado para a
educação do trabalho, segundo as exigências e propostas discutidas e enunciadas pelos
congressistas de 1903, quanto à questão do problema da mão de obra nos campos, sob a
condição de principal entrave para o “desenvolvimentismo mineiro”.
No nível de Ensino Agrícola Primário ou Elementar destacaram-se os Institutos
e Aprendizados Agrícolas, uma vez que a efetivação da instrução agrícola primária
prevista pelo Regulamento de 1911, para acontecer nas escolas do campo e nos grupos
escolares, não se materializou, tendo sido incorporada nesses estabelecimentos escolares
apenas a partir de 1920 com a Lei nº. 800 de reorganização do ensino primário
mineiro37.
37
Ver sobre isso em NAGLE (1974, p. 233-238).
54
Desse modo, vejam na tabela a seguir os outros dois (02) institutos criados em
MG, destinados a cumprir a mesma finalidade institucional direcionada pelo Estado ao
Instituto João Pinheiro, apresentados em ordem crescente da data dos decretos leis
estaduais de criação destes estabelecimentos de ensino de agricultura primária.
38
Para conhecer a trajetória institucional do IJP ver o trabalho de: FARIA FILHO (1991).
55
Quanto ao nível de Ensino Agrícola Prático Elementar “formal”, que não se dava
no âmbito das instituições escolares, efetivaram-se prioritariamente nas modalidades de:
Ensino Ambulante, Fazendas Modelo – Fazendas Subvencionadas e nos Campos de
Demonstração.
Tais modalidades de ensino agrícola caracterizaram-se pela metodologia de
trabalho educativo mais prático que teórico e eram destinadas para moços maiores de 18
anos. Vale frisar que essas modalidades não tinham como alvo de sua ação educativa os
menores carentes, mas sim jovens lavradores e filhos de trabalhadores rurais mineiros,
para que esses não viessem a abandonar, no futuro, o campo.
Nesse âmbito de configuração do ensino agrícola registrou-se também, por parte
do Estado, a preocupação com a qualificação profissional dos trabalhadores agrícolas ou
dos futuros trabalhadores agrícolas. Entretanto, a maior preocupação era com a
“retenção” desses indivíduos no meio rural de Minas Gerais. Cada modalidade tinha um
foco mais específico, porém o objetivo central convergia para a disseminação de
métodos produtivos práticos e modernos que fossem capazes de diversificar e dinamizar
a agricultura mineira. Conheça então, as principais características das modalidades de
Ensino Agrícola Prático Elementar e a primeira a ser apresentada é a do Ensino
57
Ambulante.
O outro momento se deu cinco anos mais tarde quando Raul Soares em 1915 na
condição de Secretário de Agricultura de Minas em relatório oficial dessa secretaria
estadual anunciou um importante preceito que estava sendo seguido pelo governo na
área da instrução agrícola: defender o desenvolvimento do ensino agrícola prático e
elementar adaptado às condições sócio-econômicas do Estado, mas em perfeita
sincronia com as finanças públicas mineira.
Por isso, das cinco fazendas modelo do Estado com exceção da fazenda da
Gameleira, em Belo Horizonte, as demais, ou seja, as outras quatro foram consideradas
por Raul Soares em seu relatório “inúteis” aos olhos do Regulamento de 1911, uma vez
que esses quatro estabelecimentos de instrução agrícola proporcionavam uma gama de
gastos não equivalentes com os objetivos propostos: isso é nelas não houve
aprendizagem agrícola. E quem afirmou isso foi o próprio Delfim Moreira da Costa,
Presidente de Minas Gerais no ano de 1915, em mensagem oficial dirigida ao congresso
mineiro.
Daí o motivo central do fechamento das quatro fazendas modelo pelo governo
estadual, no ano de 1915, pela Secretaria de Agricultura ocupada por Raul Soares.
Segundo o próprio Secretário, as propriedades deveriam ser legalmente “arrendadas ou
vendidas” Na verdade, elas foram definitivamente extintas, restando apenas a
experiência modelar da fazenda da Gameleira, em Belo Horizonte, um sucesso único e
comprovado através da parceria com o Instituto João Pinheiro. É possível afirmar que o
sucesso da fazenda da Gameleira serviu de “consolo” para o governo, que viu seus
esforços enfraquecidos diante das outras quatro experiências frustradas.
3ª) Fazendas Subvencionadas: Esta modalidade prevista pela Lei Estadual
nº454, de 1907, foi ratificada pelo Regulamento de 1911 e consistiu na subvenção do
Estado daqueles fazendeiros interessados em estabelecer em suas propriedades rurais
uma espécie de centro de aprendizagem agrícola prática, simples, em nível elementar e
que visava difundir principalmente a mecanização agrícola para os campos mineiros.
Cada fazenda tinha que receber por um prazo máximo de sessenta (60) dias uma
média de cinco (05) indivíduos ou aprendizes, assim como eram chamados, para que
eles pudessem receber instrução prática de agricultura e manseio das principais
máquinas agrícolas, bem como alojamento e alimentação. Tais aprendizes eram
indicados pelo Presidente da Câmara Municipal pertencente ao município sede da
fazenda. Deve-se mencionar que o valor subvencionado pelo Estado era diretamente
proporcional ao número de aprendizes destinados a estes estabelecimentos agrícolas
60
39
Deve-se ressaltar que, os campos de demonstração já eram discutidos e propostos pelos Deputados do
congresso mineiro da “segunda legislatura” enquanto um instrumento de desenvolvimento da agricultura
do Estado, conforme apontou BORGES (1998, p. 226).
61
O mal que aflige neste momento é a ignorância de como o trabalho deve ser
organizado [...] O trabalho agrícola primário pode ser ensinado aos próprios
trabalhadores rurais, mesmo analfabetos. O homem hoje para produzir não
precisa nem de livros nem de altas doutrinas. Basta em um estado como
este, dez ou doze homens que ensinam ao povo como se pratica a
agricultura moderna, o que é o adubo químico, que adubo convém para esta
ou aquela terra etc; ao povo cabe, aproveitando estas noções, praticá-las
tirando-lhes as utilidades, pouco importando o porque. O que visa o
Governo com os campos de demonstração é ensinar como as máquinas
trabalham, como se planta, e o resultado – quando se colhe. Pediria às
municipalidades que tratassem então de obter um pequeno pedaço de terra de
4 a 6 alqueires irrigável e votasse o auxílio de três contos. O governo do
estado fará então com que se estabeleça imediatamente em cada município, o
ensino prático de agricultura. (PINHEIRO, 1907 apud FARIA, 1992, p. 194-
195, grifos meus.)
40
Sobre os impactos da primeira Guerra Mundial na economia mundial, ver: HOBSBAWM (1995).
63
[...] Dos grandes males sempre resulta algum bem: a guerra européia
cerceando cada vez mais a importação do país, obrigou-nos a lançar mão dos
próprios recursos até agora esquecidos ou propositalmente deixados ao
abandono, pela facilidade com que nos abastecíamos de produtos
estrangeiros. Por outro lado, crescendo grandemente o consumo e
consequentemente a procura por parte dos países em luta, de um grande
número de mercadorias de produção nacional, - este fato abriu novos
horizontes ao trabalho, fazendo-nos ver a possibilidade de negócios de alto
vulto e lucros consideráveis [...] (MOURA, Raul Soares de, 1916 apud
FARIA, 1992, p. 312).
CAPÍTULO II
A GESTAÇÃO DA ESCOLA DE VIÇOSA
2.1 Os antecedentes
41
Peter Henry Rolfs, nascido, em 17 de abril de 1865 na cidade de Lê Claire, situada no Estado norte-
americano de Iowa. Graduou-se em “Bachelor of Science, 1889, Master of Science, 1891, Iowa State
Agricultural College, Doctor of Science, University of Florida, 1920. Fonte: Livro de Formatura ESAV
1939, s/p.
42
Os “Land Grant Colleges” americanos foram fundamentados na indissociabilidade Ensino, Pesquisa e
Extensão fortemente marcada pelo ideal de uma educação agrícola prática, moderna, democrática, liberal,
flexível, e, sobretudo adequada às necessidades materiais e culturais dos cidadãos americanos situados
nas regiões sedes das escolas em questão. Este sistema de escolas superiores agrícolas fora adotado
primeiramente no oeste e meio oeste americano, tendo como ponto de partida a região do Vale do Rio
Mississipi dos Estados Unidos, a partir dos anos 1860.
66
[...] Segundo sugestão de Arthur Bernardes deviam ser estudados os sistemas de agro-
indústria argentinos e uruguaios e seus institutos de ensino, nesses campos,
especificamente. Farto material informativo e muitas observações foram colhidos, nessa
viagem, realizada à custa própria, do futuro Secretário; apenas mencionarei dois fatos,
pelas suas importantes conseqüências [...] Foi na Escola de Agricultura de Estanzuella
que Clodomiro de Oliveira vislumbrou o modelo para a futura Escola de Viçosa.
Pretendia mesmo entregar aos competentes técnicos e professores, daquele Instituto, o
projeto e a organização da Escola de Viçosa. Cousa ignorada por muita gente é que foi
Arthur Bernardes quem decidiu preferir os métodos e sistemas norte-americanos; suas
razões demonstraram sua visão segura do futuro: o grau mais elevado da Agricultura
norte-americana [...] (Jornal Estado de Minas, 8 de agosto de 1975, p.5).
43
Cabe salientar que, o presente estudo utiliza o (a) conceito/categoria de “adequação” de sistema de
ensino em vez da idéia de “transplante” ou “implante” de modelo pedagógico educacional em Minas
Gerais, nos anos iniciais de 1920, por entender que: “As idéias educacionais defendidas e divulgadas [...]
nas décadas de 20 e 30, não constituíam novidade dentro da sociedade brasileira. Na condição de país
periférico do capitalismo internacional, o Brasil sofreu contínua influência cultural e absorveu, através de
suas elites intelectuais, ideologias nascidas e difundidas no contexto avançado das sociedades
hegemônicas. Aqui assimiladas e traduzidas ou rearticuladas nos termos dos interesses locais dominantes,
funcionavam não apenas como meros ‘ornamentos’, mas como ‘testemunhos’ dos propósitos civilizados e
civilizadores das elites dirigentes [...]”. (XAVIER, 1990, p.60). Isto quer dizer que o sistema de ensino
das Escolas agrícolas norte-americanas que norteou a constituição da ESAV recebeu a “adequação”
necessária à realidade sócio-educacional, política e econômica da população rural mineira, conforme os
interesses ideológicos e político-econômicos da elite agrária de MG. Sobre a desmistificação da crença
“no desvinculo entre a educação brasileira e a realidade nacional” ver o trabalho de: XAVIER (1990,
p.11-24 ).
44
“Arduíno Bolivar nasceu em 1873, em Viçosa, Minas Gerais, e morreu em 1952 em Belo
Horizonte.Estudou no Colégio do Caraça, onde adquiriu notável domínio das Humanidades. Cursou, em
Ouro Preto, o primeiro ano da escola de Farmácia e, em 1902, em São Paulo, obteve o diploma de
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Foi Promotor de Justiça, Juiz de Direito, Diretor de Colégio,
Professor da Faculdade de Direito e da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas de Minas
Gerais, Diretor do Arquivo Público Mineiro, membro ilustre da Academia Mineira de Letras, do Instituto
Histórico e Geográfico de Minas Gerais, da Comissão do Livro Didático. Colaborou na produção de um
68
Silveira45 que, após alguns dias, seguiram com o especialista americano para a capital
mineira.
Hinário Escolar, em dois volumes, elaborado a pedido do Governo de Minas Gerais, em 1926. Foi um dos
fundadores da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Santa Maria, hoje Puc Minas e também fundador
da Faculdade de Filosofia da UMG, hoje desmembrada em diversos institutos da UFMG, onde foi
catedrático de Literatura Latina. Célebre latinista, seu trabalho de tradução é, talvez, a parte mais
significativa de sua obra, pelo volume e pela qualidade”. Fonte: Dados extraídos do texto Arduíno
Bolivar: a memória do mestre, de Johnny José Mafra e Simone von Rondon, publicado Revista da
Academia Mineira de Letras - ano 81º - vol. XXX - setembro, outubro, novembro-2003, págs. 60/61.
45
Álvaro da Silveira – Engenheiro, Geólogo e também professor da Escola de Engenharia de Belo
Horizonte. Foi membro da Diretoria da Sociedade Mineira de Agricultura (SMA) de 1909-1916. Tendo
ocupado o cargo de Chefe Técnico da Diretoria de Agricultura do Estado. Fonte: DULCI (1999, p.118).
69
enviar seus filhos para os grandes centros urbanos a fim de estudarem as tradicionais
carreiras de Direito, Humanidades, Medicina e Farmácia.
Não que a escola visasse exclusivamente à formação dos filhos das elites rurais
mineiras, no entanto, estes eram imprescindíveis no processo de modernização agrícola
mineira então almejada. Posteriormente, serão tecidas maiores considerações sobre os
principais objetivos político-econômicos e culturais visados pelo governo de Bernardes,
com a criação da Escola Superior de Agricultura de MG.
Peter Henry Rolfs participou efetivamente de todo o processo de fundação da
ESAV, suas primeiras ações foram marcadas pela “organização do plano geral do
estabelecimento” e pela escolha do local mais apropriado para a sede da Escola, o que
foi feito com uma comissão46 instituída pelo governo mineiro. Para este, a localidade
deveria estar situada na Zona da Mata “[...] por ser a de maior riqueza agrícola e
densidade de população [...]”(LISBÔA, 1929, p.3).
No Livro de Formatura ESAV 1939 consta que a comissão visitou “[...] nove
cidades da Zona da Mata, estudando o clima, área de terreno disponível relativamente
grande, próxima a uma cidade pequena, bem como muitos outros pontos [...]” e, a partir
de um minucioso trabalho de análise, foi, então, escolhida à localidade próxima a cidade
de Viçosa-MG.
Com relação à questão da escolha da sede da instituição, “[...] o assunto é
polêmico [...]” afirmou BORGES et al. (2000), pois, segundo o autor:
Até hoje há pessoas que pensam ter sido sua localização em Viçosa uma deferência bem
brasileira à terra natal do autor da idéia, considerando que no vasto território mineiro
haveria outros lugares mais apropriados para a instalação da Escola. (BORGES et al,
2000, p.5-6).
46
Fizeram parte dessa comissão os Drs. Álvaro da Silveira, Arduíno Bolívar, Mario Monteiro Machado e
P. H. Rolfs.
70
quanto à escolha da sede da ESAV “[...] pode instalar a escola em qualquer lugar do
Brasil, desde que seja em Viçosa [...]”, terra natal do Presidente.
Na análise de BORGES (2000), a polêmica lançada sobre a decisão de se
instalar a futura Escola Superior de Agricultura de MG na “terra natal” de Bernardes é
esclarecida principalmente se levada em conta a reputação ilibada dos membros da
comissão; além da honrosa presença do Dr. Rolfs fazia-se presente também, como um
dos membros, o então Diretor de Agricultura da Secretaria de Estado, Dr. Álvaro da
Silveira. Logo, concluiu esse autor: “[...] faz pensar que, pelo menos, um estudo sério na
Zona da Mata foi empreendido e a escolha do local não foi mera deferência a
Bernardes[...]” (BORGES et al, 2000, p.5).
Já AZEVEDO (2005) não compartilha dessa opinião de BORGES (2000) e
entende que, na escolha do local para receber a sede da ESAV, prevaleceu com maior
peso o critério de natureza “política”, pois ao analisar o relatório da comissão
apresentado pelo especialista americano ao governo mineiro, em 10 de março de 1921,
considerou que o relator:
[...] chama a atenção sobre os quesitos que devem ser levados em conta para a escolha
do local de uma escola de agricultura. ‘Se qualquer deles falta, êxito torna-se difícil,
senão impossível, não obstante o dinheiro, paciência e tempo despendidos’. Os quesitos
mencionados e que balizaram a escolha do melhor local para sediar a instituição foram:
salubridade, terras convenientes, localização, publicidade, sentimento geral da
comunidade, distância do centro da população, colheitas e água [...] Ainda em
consonância com esses critérios, o parecer final de Rolfs, descartou a instalação da
Escola nos outros três municípios examinados (Ubá, Visconde do Rio Branco e Ponte
Nova), por não ter visto ‘uma situação ou trecho de terreno que oferecesse possibilidade
do estabelecimento de um instituto do tamanho do que se tem em vista: trechos se
podem encontrar nesses lugares, mas a distância da cidade seria grande demais, para
que ao empreendimento se pudesse dar uma feição prática’. Contudo, ressalva a
necessidade da construção de residências para os professores, em virtude da distância e
do tamanho da cidade de Viçosa, terra natal do Presidente Bernardes. Pode-se
depreender dessa exposição de motivos técnicos que balizaram o parecer final que a
escolha do local para a instalação da Escola de Agricultura, convenientemente, levou
em conta, em última instância, as injunções de natureza política local e estadual, visto
que Rolfs reconhece também que a sede da obra estaria relativamente distante do
município escolhido. (AZEVEDO, 2005, p.64-65).
Outro dado que reforça a tese de que havia um anseio por parte do Presidente do
Estado de “presentear” sua terra natal com a instalação de uma escola agrícola moderna,
consiste no fato de Bernardes, em mensagem de 1920 dirigida ao Congresso Estadual,
71
47
Conferir em Dicionário Histórico Biográfico do CPDOC/FGV, verbete da Biografia de “Arthur
Bernardes” disponível no sítio eletrônico http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/640_8.asp
48
Caso da participação do Sr. Mario Monteiro Machado, ilustre fazendeiro da zona da mata mineira e do
intelectual Dr. Arduíno Bolívar na comissão de escolha da sede da ESAV.
49
Segundo MENDONÇA (1997) autora que estudou profundamente sobre a categoria ruralismo durante
a Primeira República, por meio da criação da SNA (Sociedade Nacional de Agricultura), da
institucionalização da instrução agrícola no país e da configuração do Ministério de Agricultura Indústria
e Comércio, deve-se entender que o ruralismo brasileiro de 1889-1930 nasceu: no final do século XIX,
num momento de expansão da urbanização, tendo sido definido pela autora como “um
movimento/ideologia políticos, produzido por agentes sociais concretos, econômica e socialmente
situados numa dada estrutura de classes” (p. 26). Ela também o caracteriza como “[...] um movimento de
institucionalização, em nível da sociedade civil e da sociedade política, da diferenciação dos interesses
agrários no Brasil, ocorrido entre o fim da escravidão e as duas primeira décadas do século atual, [Lê-se
século XX] unificado pelo fim último de restaurar a vocação agrícola do país, mediante a diversificação
da agricultura naciona[...]” (p. 27, grifos no original). “[...] Portanto, trata-se de um movimento, e não
apenas de uma ideologia, que representava os interesses dos setores dominantes (agrários) da sociedade
brasileira, porém não-hegemônicos (isto é, não-vinculados à exportação do café). Daí aessência do mo-
vimento residir na reação à industrialização, o que se daria através da reafirmação de nossa vocação
agrária, e na recusa do exclusivismo do café, o que se expressaria na defesa da diversificação agrícola. O
movimento, ainda que perpassado por divergências internas, seria unificado em torno desses dois
objetivos máximos”, (PERISSINOTTO, 1999, p.151).
50
Sobre o processo de configuração e evolução da Sociedade Mineira de Agricultura durante a Primeira
República ver FARIA (1992, p. 122 – 172).
72
A desconfiança típica do viçosense pode ter influído para uma hesitação inicial, mas,
por outro lado, a confiança nos atos de um Presidente de Estado Viçosense pode ter
concorrido para a anulação de uma resistência persistente que pudesse dificultar, ou
mesmo impedir, a construção da ESAV. Afinal, foram comprados os 453 hectares da
área necessária para o início das obras por 294:800$000 (duzentos e noventa e quatro
contos e oitocentos mil réis) [...] (PANIAGO, 1990, p.150).
Assim, após a compra dos terrenos a ESAV, foi instalada legalmente em Viçosa,
pelo Decreto nº. 6.053 de 30 de março de 1922, baixado pelo Vice-Presidente do Estado
em exercício, o Sr. Eduardo Carlos Vilhena do Amaral. “Em verdade, a primeira turma
de trabalho, com alguns foiceiros e um marceneiro, já havia iniciado as atividades em
18 de janeiro” (BORGES et al; 2000, p.7).
Veja a seguir a foto que retrata as fazendas compradas pelo Estado para a
construção da ESAV, em seguida notem a legenda que explicita as delimitações e os
nomes dos antigos donos das referidas fazendas em 1921.
73
Figura 3: Fazendas adquiridas pelo Estado para a instalação do Campus da ESAV em 1921.
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 17.
Tendo em vista a colocação dos autores acima citados, dois fatos atraíram a
atenção no caso de instalação da ESAV. Primeiro: praticamente não houve “defasagem”
entre o período de criação e estruturação da Escola no município de Viçosa, pouco mais
de um (01) ano e meio, o que contraria a lógica nacional e enfraquece a menção do
autor Mourão (1962) quanto à suposta lentidão do governo em dar prosseguimento à
estruturação da instituição, na qual é comum se encontrar uma “demora” em muitas
situações de até quatro (04) anos entre os processos de criação e instalação de uma
instituição pública de ensino no país. Esta ausência de defasagem aponta o elevado grau
de interesse depositado pelo Estado de MG na efetivação do projeto educativo
“esaviano” no menor tempo possível.
O Segundo fato que atraiu a atenção relaciona-se com a orientação dada pelos
autores BUFFA e NOSELLA (2000) no que diz respeito à divisão das tarefas atribuídas
aos poderes legislativos e executivos no tocante à criação e à instalação de instituições
de ensino públicas.
Ao se comparar o processo de constituição da Escola de Viçosa, constatou-se
que não houve apresentação de um projeto de lei à Assembléia Legislativa por
75
intermédio de algum Deputado mineiro, pois, foi o próprio Presidente do Estado, Arthur
Bernardes, que propôs ao Congresso Estadual, em 1920, a criação de uma Escola
Superior de Agricultura e Veterinária pública em MG por meio do Decreto Lei51 nº 761
de 6/09/1920. Por isso, Bernardes é considerado o principal articulador político da
criação da ESAV.
É o que se pode constatar logo abaixo, ao se observar as palavras que dirigiu ao
Congresso mineiro em sua 2ª Sessão Ordinária da 8ª legislatura em 1920:
[...] Não se compreende que um Estado como o de Minas, que tem na produção agrícola
a melhor fonte de sua riqueza e quase só da agricultura tem vivido até hoje, não haja
ainda fundado uma escola desse gênero, que sirva de base à nossa educação agrícola,
que não devemos decurar e que aperfeiçoe nossas noções sobre as especialidades em
que a agricultura se divide. Sem embargo do ensino agrícola ambulante, cujo
desenvolvimento devemos estimular por sua função altamente prática e porque abrange
os que não passam pela escola, tudo nos aconselha a criação de um estabelecimento de
ensino agrícola aperfeiçoado e moderno. Imprimindo mais sistema e acerto ao trabalho
rural, ele concorrerá para tornar mais consciente e produtivo o nosso esforço no trato da
terra. [...] É tempo também de abrirmos novo campo à atividade de tantos moços que ao
saírem dos ginásios, só encontram aberta à seqüência de seus estudos as portas da
academia por onde enveredam, abraçando profissões para que muitas vezes não
possuem aptidão necessária e nas quais vão fazer o sacrifício da carreira e do próprio
futuro. Conviria pois autorizásseis o governo a fundar um instituto daquele gênero e a
contratar profissionais estrangeiros capazes de organiza-lo, dada a escassez de
sumidades em nosso país (BERNARDES, 1920, p.13-14).
52
O que não se deve perder de vista é que a estratégia de modernização do campo em Minas Gerais tem
“raiz” no projeto de diversificação produtiva esboçado no Congresso Econômico de 1903, já abordado
pelo presente estudo no capítulo anterior.
77
2.2 A Construção
Falar da fase de construção da Escola de Viçosa seria uma tarefa árdua ou quase
impossível caso não se contasse com duas importantes categorias de fontes primárias da
instituição pesquisada: o relatório do Engenheiro Chefe da Comissão de construção da
ESAV, João Carlos Bello Lisbôa, apresentado ao então Secretário de Agricultura do
Estado, Sr. Djalma Pinheiro Chagas em 28 de fevereiro de 1929, e a publicação
“Primeiros Tempos da Universidade Federal de Viçosa pelas Lentes de Rolfs”. Esta
publicação contém importantes fotografias de um rico acervo53 fotográfico do
especialista norte-americano, Dr. P.H. Rolfs, o qual documentou, de 1921 a 1928, os
principais passos da edificação desta escola.
Sabe-se que um estudo histórico de qualquer natureza pode ou não privilegiar
pessoas ilustres, leis, Estados e Nações, a fim de mistificá-los e até mesmo glorificá-los.
Neste item do trabalho, o interesse maior é o de expor ao leitor fatos históricos
pertinentes à construção da ESAV, destacando e classificando as ações dos sujeitos
sociais envolvidos na edificação da instituição investigada, conforme o contexto social,
político, educacional e cultural da época.
Dando prosseguimento ao itinerário de instalação da Escola deve-se mencionar
que, após a escolha do local e compra dos terrenos “[...] foi feita a locação dos edifícios
e organizada a planta geral” (LISBÔA, 1929, p.5). Assim, com as providências iniciais
tomadas, lançou-se, em 10 de junho de 1922, a pedra fundamental do Edifício
Principal54 da ESAV com a presença de grande público, conforme mostra a foto abaixo.
53
Este acervo de fotografias do Professor Rolfs (Peter Rolfs Collection) contém mais de 500 fotografias e
se encontra atualmente na Universidade da Flórida sob a responsabilidade do Sr. Carl Van Ness, Diretor
da Biblioteca desta universidade americana.
54
O Edifício Principal era destinado ao funcionamento da Escola propriamente dito. Nele funcionava
“[...] salas de aulas, laboratórios, gabinetes scientificos, etc e a sua administração (gabinete do Director,
Diretoria, Congregação, Secretaria, Biblioteca, etc.) [...]” (LISBÔA, 1929, p.12).
78
Figura 5: Presença de autoridades locais e do povo viçosense à colocação da pedra angular do Edifício
Principal da ESAV em 10/06/1922.
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 34.
55
Ver sobre isso também em: UREMG (1968); LOPES (1995); COELHO, E. (1996); BORGES et al,
(2000); AZEVEDO, (2005) e BORGES & SABIONI, (2006).
79
56
“Toda a pedra usada nas construções proveio de uma pedreira já existente, mas muito melhorada em
seu funcionamento. As pedras eram transportadas em vagonetes, sobre trilhos de bitola estreita, até o
carregamento nos vagões da Leopoldina Railway. Nas olarias foram fabricados cerca de dois e meio
milhões de tijolos de boa qualidade. As toras de madeira, provenientes de Raul Soares, Lindóia e Rio
Casca, eram desdobradas na serraria. A ferraria fabricava e consertava peças necessárias aos outros
serviços. Na carpintaria foram feitos os engradamentos, soalhos e forros. As portas, janelas e,
principalmente, o mobiliário, de ótima qualidade, foram executados na marcenaria. Telas, escadas e
cochos foram também fabricados localmente”. (BORGES & SABIONI, 2006, p.27).
57
De acordo com o autor AZEVEDO (2005 p.65-66): “Outra grande dificuldade ocorrida durante as
obras, apontada por Bello Lisbôa, foi criada pela obrigação contratual estabelecida a P. H. Rolfs, de
submeter à aprovação do governo mineiro as plantas e os outros desenhos dos edifícios e laboratórios.
Quando Bello Lisbôa assumiu os trabalhos de construção, o pessoal da Secretaria de Agricultura não
aceitava seus projetos, por considerar que tal prerrogativa cabia ao Diretor, o que gerou uma situação de
conflito que, se não fosse superada, poderia interromper o primeiro contrato de quatro anos do então
diretor, o que representaria, para o Estado e para a Escola, grande prejuízo. Contornado esse impasse com
a Secretaria de Agricultura do Estado de Minas, ficou estabelecida a seguinte divisão de trabalho: ao
engenheiro chefe caberia a responsabilidade da construção, enquanto ao diretor foi confiada a
responsabilidade sobre máquinas e pessoal necessários ao início dos trabalhos agrícolas do
estabelecimento”.
58
Vale ressaltar que, a comissão de construção da Escola constituiu-se de um engenheiro chefe, um engº
auxiliar, um guarda livros, um almoxarife e um apontador. E quando se fazia necessário eram admitidos
funcionários para auxiliarem o almoxarife e também ao apontador. Tendo esta comissão sido dissolvida
em dezembro de 1928. Segundo a publicação oficial UREMG (1968, [s/p.]): “As 67 obras realizadas pela
comissão de construção e entregues ao patrimônio da escola a 28 de fevereiro de 1929, desde os
majestosos edifícios, até as estradas, terraplanagens, residências para professores e operários, abrigos para
máquinas e animais e demais instalações, custaram ao Estado 3.723:427$ [...]”.
59
Bello Lisbôa, assim como era comumente chamado na época em estudo, foi o terceiro Engenheiro
Chefe da comissão de construção da ESAV. Contratado Engenheiro do Estado por convite do Engº
Mário Monteiro Machado, em 5 de agosto de 1922, assumiu a função de Engº Auxiliar na construção da
Escola no dia 14 de setembro do mesmo ano e foi nomeado Engenheiro Chefe em 16 de dezembro de
1922. O primeiro Engenheiro Chefe foi o Dr. Honório Hermeto Corrêda da Costa “[...] que esteve à frente
dos trabalhos até 11 de julho do mesmo ano, quando passou a exercer o elevado cargo de Director da
Casa da Moeda, no Rio de Janeiro. Foi segundo chefe da Comissão de Construcção o engenheiro Mario
Monteiro Machado, que servia também ao Estado, na qualidade de engenheiro da 14ª. Cincunscrição de
obras publicas com sede em Ubá, tendo elle chefiado a construcção, até 16 de dezembro de 1922”.
(LISBÔA, 1929, p.3)
80
Figura 9: Olaria, Pedreira e trilhos para os vagonetes (acima); Exposição de mobiliário e Ladrilhos,
esquadrarias e moldados (abaixo).
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 29.
60
Cf. NAGLE, J. (1974, p.101-102): “O entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico, que tão bem
caracterizam a década dos anos vinte, começaram por ser, no decênio anterior, uma atitude que se
desenvolveu nas correntes de idéias e movimentos político-sociais e que consistia em atribuir importância
cada vez maior ao tema da instrução, nos seus diversos níveis e tipos. É essa inclusão sistemática dos
assuntos educacionais nos programas de diferentes organizações que dará origem àquilo que, na década
dos vinte, está sendo denominado de entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico. A passagem de
uma para outra dessas situações não foi propriamente gerada no interior desta corrente ou daquele
movimento. Ao atribuírem importância ao processo de escolarização, prepararam o terreno para que
determinados intelectuais e ‘educadores’ – principalmente os ‘educadores profissionais’ que aparecem
nos anos vinte – transformassem um programa mais amplo de ação social num restrito programa de
formação, no qual a escolarização era concebida como a mais eficaz alavanca da História Brasileira. De
fato, enquanto o tema da escolarização era proposto e analisado de acordo com um amplo programa desta
ou daquela corrente ou movimento, ela servia a propósitos extra-escolares ou extra-pedagógicos; era uma
peça entre outras, peça importante, sem dúvida, mas importante justamente pelas suas ligações com
problemas de outra ordem, geralmente problemas de natureza política. Nesse momento, a escolarização
era tratada por homens públicos e por intelectuais que, ao mesmo tempo, eram ‘educadores’, num tempo
em que os assuntos educacionais não constituíam, ainda, uma atividade suficientemente profissionalizada
[...]”.
61
Segundo ROCHA (2001, p.450) a palavra panacéia significa: “Suposto remédio para todos os males.
Solução que abrange todos os problemas”.
62
Segundo BORGES & SABIONI (2006, p.22): “A primeira manifestação cultural na ESAV foi o ensino
de música e a fundação de uma Banda de Música, também financiados pela Caixa Beneficente. Essa
banda existiu durante todo o tempo de construção da obra e tocou em todas as festas e solenidades e, até
mesmo, em localidades vizinhas, como Ponte Nova”.
83
caixa dos funcionários numa Escola diurna. Segue, em seguida, fotos da Escola
mencionada e da primeira Banda de Música da ESAV.
Figura 10: Escola para os filhos dos trabalhadores da construção – O primeiro ensino na ESAV.
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 20.
Figura 11: Banda de Música – Uma das primeiras manifestações culturais da ESAV (vendo-se Bello
Lisbôa assentado na posição central).
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 22.
prédio da Escola de primeiras letras das obras da ESAV era dotado de “janelões” a fim
de manter principalmente um clima “arejado” e limpo. Percebe-se também a presença
de um número considerável de alunos e alunas, todos filhos de operários da obra.
Já a figura número 11 aponta ao leitor uma amostra do senso de organização e
estética presente na ESAV desde os seus primeiros tempos. É interessante constatar, que
apesar de se tratar de uma Banda de Música de uma escola agrícola, havia todo o
cuidado com a imagem da banda, por isso todos estavam bem uniformizados e
“alinhados”. Isto denota mais um indício do juízo de organização da instituição e
também mais uma estratégia de disciplinar e melhorar a mente do operário da Escola.
Cabe ressaltar que, no primeiro momento, a escola de educação primária
priorizou o atendimento aos filhos dos operários, para logo em seguida oferecer o curso
primário para os trabalhadores no turno noturno. É o que registra a foto abaixo.
Figura 12: Escola noturna para os operários (vale notar em pé, à direita P.H Rolfs e o Engº Chefe Bello
Lisbôa).
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 21.
A figura acima chega ser curiosa, visto que através da sua imagem algumas
perguntas se fazem necessárias e até suscitam questionamentos que extrapolam os
objetivos do presente estudo, porém contribui para o levantamento de problemas para
serem respondidos em outras oportunidades de pesquisa.
Assim, foram levantadas as seguintes perguntas: Se a Escola noturna da obra da
ESAV era destinada para os operários por que a presença de crianças entre os adultos?
Seriam estas crianças operárias? Com relação ao vestuário, chamou a atenção o fato dos
85
63
Sobre a influência da saúde na educação ver GONDRA (2000, p. 519-550).
86
64
Cf. NAGLE (1974, p. 97 - 124).
87
seleção do pessoal destinado a trabalhar nas obras, evitando assim, qualquer entrave no
que diz respeito à ordem e ao progresso da construção. Deste modo, descreveu o
engenheiro chefe a estratégia de identificação dos operários:
65
Segundo AZEVEDO (2005, p. 72): “O resultado dos mecanismos criados para o controle da conduta
social dos trabalhadores parece ter sido tão eficaz, que eles se constituíram na pedra fundamental, no
modelo de ação pedagógica e disciplinar que será, em suas linhas gerais, adotado pelo engenheiro junto
aos estudantes e amiúde aos funcionários e docentes, após a inauguração da Escola, onde ocupará o cargo
de Vice-diretor, tendo como uma das atribuições a de zelar pela ordem e disciplina no estabelecimento
[...]”.
88
66
O artigo deste autor intitula-se “Nos primórdios da Instituição: a ESAV e o acervo documental do
Arquivo Histórico da Universidade Federal de Viçosa” e ainda não foi publicado. Mesmo assim, foi
gentilmente cedido por SANTOS, Thiago Nicodemos Enes.
89
Figura 13: Ultimação dos alicerces (destaca-se da esquerda para a direita a presença de Rolfs, Clarissa
Rolfs, filha do especialista americano e a do Engº Bello Lisbôa).
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 35.
90
67
Segundo ROCHA (2001, p.180 ) cumeeira significa: “A parte mais allta do telhado, seu vértice”.
91
Figura 15: Homenagem a Arthur Bernardes – Festa da colocação da cumeeira do Prédio Principal.
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 36.
68
Daniel Serapião de Carvalho – Advogado e membro da Diretoria da Sociedade Mineira de Agricultura
(SMA) de 1916-1923. “Assessor do Secretário de Agricultura (1914-1918) e do Ministro da Marinha
(1919-1921), Deputado Estadual (1921-1922), Secretário da Agricultura (1922-1926)”. Fonte: DULCI
(1999, p.119).
92
69
Segundo o relatório de Bello Lisbôa (1929, p.4): “Durante o período da Construcção da Escola,
presidiram o Estado de Minas Geraes, os Exmos. Snrs. Dr. Arthur da Silva Bernardes, Raul Soares de
Moura, Olegário Dias Maciel, Fernando de Mello Vianna e Antonio Carlos Ribeiro de Andrada; foram
Secretários da Agricultura o engenheiro Cldomiro de Oliveira, Drs. Daniel Serapião de Carvalho,
Augusto Vianna do Castello e Djalma Pinheiro Chagas, interinamente os Drs. Sandoval Soares de
Azevedo, José Bias Fortes e Gudesteu de Sá Pires; durante todo o tempo esteve como Director da
Agricultura o engenheiro Ernesto Von Sperling”.
93
Sigo domingo a Bello Horizonte, onde vou com o fim de apresentar meu pedido de
exoneração ao Exmº Snr. Dr. Fernando Mello Vianna, caso não sejam afastadas as
maiores difficuldades que estão paralyzando o progresso desta Escola.
Lastimo sinceramente ter de proceder desta forma. Si tivéssemos tido a boa vontade do
Snr. Secretario da Agricultura durante os seis últimos mezes, poderíamos ter adiantado
nossos trabalhos de modo a se possível inaugurarmos algumas dos cursos mais
importantes de vários Departamentos antes dos meiados de 1926.
Peço acreditar, seja qual for o fim desta situação, ter eu feito meu maximo esforço para
a realização desta Escola, e ter pessoalmente por V. Excia, profundo respeito e affeição.
Subscrevo-me, com a máxima consideração,
De V. Excia.,
Amigo e admirador,
P. H. Rolfs, Director.
70
Ver sobre a cooperação internacional entre a Universidade Rural do Estado de Minas Gerais
(UREMG), antiga ESAV, e a Universidade americana de Purdue o trabalho de pesquisa dos autores:
RIBEIRO, M.G.M. & SILVA, F.V. A extensão universitária na Universidade Rural do Estado de Minas
Gerais nos marcos dos acordos internacionais. Relatório de Pesquisa. Viçosa: Universidade Federal de
Viçosa, mimeo. 2003.
71
Sobre as tensões políticas, econômicas e sociais enfrentadas pelo governo de Arthur Bernardes (1922-
1926) a frente da República Federativa do Brasil ver: LIMA (1983); o artigo “Arthur Bernardes: a
verticalização no poder”, disponível na Revista Governadores de Minas (2001, nº6) e Dicionário
Biográfico de MG: Período Republicano – 1889 a 1991.
94
meados de março e maio de 1927 respectivamente, pouco mais de quatro meses antes da
abertura do primeiro semestre letivo, iniciado em 1º de agosto de 1927, com os cursos
de agricultura nos níveis elementar e médio.
Dessa maneira, visto mesmo que grosso modo o sistema administrativo utilizado
pelos construtores da ESAV e ressaltados os indícios de “entusiasmo pela educação” e
de “otimismo pedagógico” produzidos durante os primeiros anos de edificação da
instituição em estudo, será objeto de análise, no próximo item, a inauguração oficial da
ESAV.
2.3 A Inauguração oficial da Escola.
72
Só com o Prédio Principal da ESAV foram investidos pelo Estado de MG 1.551:898$353. Cf. Relatório
do Engenheiro Chefe da Comissão de Construção da Escola (1929). Atualmente na Universidade Federal
de Viçosa este prédio denomina-se Edifício Arthur Bernardes e é apelidado pelos estudantes como
“Bernadão”.
95
73
Aqui a categoria ruralismo é entendida conforme a ampla análise realizada pela autora MENDONÇA
(1990, 1994, 1997). Deve-se ressaltar que, o movimento ruralista brasileiro na Primeira República
reciclou a vocação agrícola do Brasil “[...] na tentativa de generalizar dois projetos: o de
‘modernização’/diversificação da agricultura e o de ‘maximização da produtividade’ dos
empreendimentos agrários, os quais, em verdade, decorriam da necessidade de redefinição das formas de
enquadramento e controle da mão-de-obra rural, bem como da preservação do monopólio da terra [...]
Fundamental, para a compreensão do projeto acima sumarizado é resgatar o fato de as principais
lideranças do movimento ruralista em foco, não se terem constituído de representantes da grande
cafeicultura paulista, mas sim dos que a ela visavam contrapor seu projeto ‘modernizador’, que em muito
diferia daquele elaborado pela fração de classe hegemônica, ainda que, ambos partilhassem de certos
pressupostos básicos [...]”. (MENDONÇA, 1994, p.32-33).
97
74
O mesmo que em 1921, enquanto procurador do Estado se deslocou a Viçosa para adquirir as fazendas
recomendadas pela comissão destinada a escolher a sede da ESAV.
98
75
Membro da SNA (Sociedade Nacional de Agricultura) e Diretor do Serviço de Inspeção e Fomento
Agrícola do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio durante o governo presidencial de Bernardes
(1922-1926)
76
Biografia de Miguel Calmon – Nasceu na Bahia em 1879 e faleceu em 1935. “fazendeiro; engenheiro
civil formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro; secretário de Agricultura, Viação e Obras
públicas da Bahia (190-1904); eleito três vezes deputado federal; Ministro da Viação e Obras Públicas
(1906-1909); representante da Associação Comercial da Bahia; fundador da Federação das Associações
Comerciais do Brasil; Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio (1922-1926); vic-epresidente da liga
de Defesa nacional; integrante da Campanha Civilista; senador (1927-1930); membro do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro”. Foi também presidente da SNA (Sociedade Nacional de Agricultura)
de 1921-1922. Fonte: MENDONÇA (1997, p. 197).
99
Isto quer dizer que o ensino agrícola era entendido, pelos ruralistas da época em
estudo, como um poderoso agente de expansão econômica. E é justamente esta palavra
de ordem do movimento ruralista brasileiro que Arthur Torres Filho defendeu em
publicação77 oficial do Ministério da Agricultura em 1926: “[...] Pois será possível, sem
o ensino agrícola generalizado dispormos de forte estrutura econômica? [...]” (TORRES
FILHO, 1926, p.3).
Segundo esse autor, na luta da competição comercial entre as nações só sairiam
vencedoras aquelas que fossem portadoras de uma “boa organização técnica e
econômica”. Esta era uma grande preocupação da época, como se pode perceber abaixo:
Temos deante de nós, sem solução até hoje, do Império à Republica, o problema
agrário, base e fundamento que há de ser de nossa independência política. A produção
agrícola temol-a de defender a todo custo, como questão de capital importância para os
altos interesses do Brasil. Em toda nossa historia, desde mesmo o período colonial, não
tem sido a agricultura a nossa maior fonte de riqueza? Todavia, sem uma producção
lançada em bases seguras, com o grão de civilização dos nossos dias, deante dos meios
rápidos de transporte e dos recursos da technica productiva, não poderemos vencer, no
jogo da livre concorrência, enfrentando outras nações cuja agricultura esteja organizada
sobre bases technica e econômica. Resalta à evidencia que necessitamos de uma política
verdadeiramente constructora, que tome por base a solução do problema agrário
brasileiro, porquanto sem producção abundante, barata e de circulação fácil no nosso
immenso território, nunca conseguiremos desafogar a vida econômico-financeira da
Nação. Aconselham nossas condições sociaes, políticas e econômicas, volvamos a nossa
attenção para o problema agrário. Não se concebe mais, em nossos dias, a exploração
intelligente de um paiz ou região sem o exame do solo, do clima, das variedades
melhoradas de plantas, de applicação dos adubos, do emprego das machinas agrícolas,
enfim, sem os ensinamentos da sciencia agronômica. (TORRES FILHO, 1926, p. 4-5).
77
O próprio Arthur Torres Filho fala da origem da publicação oficial do Ministério da Agricultura em
questão: “ Apesar das múltiplas cogitações impostas pelos assumptos a cargo do Ministério, não escapou
ao Dr. Migul Calmon a necessidade premente de se lançar entre nós as bases seguras da organização do
ensino agrícola. Foi assim que, depois de ouvir por meio de theses , previamente organizadas, pessoas
reconhecidamente capazes em matéria de ensino agrícola, nomeou uma commissão composta do
professor P. H. Rolfs, director da Escola Superior de Agricultura de Viçosa; professor Paula da Rocha
Lagoa, director interino da Escola Superior de Agricultura do Ministério [...] comissão esta que foi
encarregada de dar parecer sobre as theses apresentadas e offerecer conclusões, tendo-me sido delegado
poderes para, de accôrdo com o resolvido, elaborar o projecto de lei para a organização do ensino agrícola
no Brasil, incumbência de que, por minha vez, procurei desobrigar-me do melhor modo possível. Não me
furto ao prazer, como meio de divulgação, de publicar estas conclusões e o ante-projecto de lei por mim
apresentado, afim de que todos os que se interessam sinceramente pelo futuro do Brasil possam inteirar-se
do que ficou resolvido nessa memorável reunião, na qual todos os membros honrados com o convite do
Ministro, numa atmosphera de harmonia digna dos maiores louvores e animados dos mais elevados
propósitos, procuraram emprestr seu concurso dedicado a uma obra, cuja realização, levada a effeito com
sinceridade, poderá assignalar, como na América do Norte, uma época de renascimento para a nossa vida
econômica”. (TORRES FILHO, 1926, p. 122 – 123).
100
Temos deante de nós, sem solução até hoje, do Império à Republica, o problema
agrário, base e fundamento que há de ser de nossa independência política. A produção
agrícola temol-a de defender a todo custo, como questão de capital importância para os
altos interesses do Brasil. Em toda nossa historia, desde mesmo o período colonial, não
tem sido a agricultura a nossa maior fonte de riqueza? Todavia, sem uma producção
lançada em bases seguras, com o grão de civilização dos nossos dias, deante dos meios
rápidos de transporte e dos recursos da technica productiva, não poderemos vencer, no
jogo da livre concorrência, enfrentando outras nações cuja agricultura esteja organizada
sobre bases technica e econômica. Resalta à evidencia que necessitamos de uma política
verdadeiramente constructora, que tome por base a solução do problema agrário
brasileiro, porquanto sem producção abundante, barata e de circulação fácil no nosso
immenso território, nunca conseguiremos desafogar a vida econômico-financeira da
Nação. Aconselham nossas condições sociaes, políticas e econômicas, volvamos a nossa
attenção para o problema agrário. Não se concebe mais, em nossos dias, a exploração
intelligente de um paiz ou região sem o exame do solo, do clima, das variedades
melhoradas de plantas, de applicação dos adubos, do emprego das machinas agrícolas,
enfim, sem os ensinamentos da sciencia agronômica. (TORRES FILHO, 1926, p. 4-5).
78
O próprio Arthur Torres Filho fala da origem da publicação oficial do Ministério da Agricultura em
questão: “ Apesar das múltiplas cogitações impostas pelos assumptos a cargo do Ministério, não escapou
ao Dr. Migul Calmon a necessidade premente de se lançar entre nós as bases seguras da organização do
ensino agrícola. Foi assim que, depois de ouvir por meio de theses , previamente organizadas, pessoas
reconhecidamente capazes em matéria de ensino agrícola, nomeou uma commissão composta do
professor P. H. Rolfs, director da Escola Superior de Agricultura de Viçosa; professor Paula da Rocha
Lagoa, director interino da Escola Superior de Agricultura do Ministério [...] comissão esta que foi
encarregada de dar parecer sobre as theses apresentadas e offerecer conclusões, tendo-me sido delegado
poderes para, de accôrdo com o resolvido, elaborar o projecto de lei para a organização do ensino agrícola
no Brasil, incumbência de que, por minha vez, procurei desobrigar-me do melhor modo possível. Não me
furto ao prazer, como meio de divulgação, de publicar estas conclusões e o ante-projecto de lei por mim
apresentado, afim de que todos os que se interessam sinceramente pelo futuro do Brasil possam inteirar-se
do que ficou resolvido nessa memorável reunião, na qual todos os membros honrados com o convite do
Ministro, numa atmosphera de harmonia digna dos maiores louvores e animados dos mais elevados
propósitos, procuraram emprestr seu concurso dedicado a uma obra, cuja realização, levada a effeito com
sinceridade, poderá assignalar, como na América do Norte, uma época de renascimento para a nossa vida
econômica”. (TORRES FILHO, 1926, p. 122 – 123).
101
Quem contestará também que os melhores elementos da vida rural são attrahidos para o
commercio, para a industria e demais profissões próprias das cidades? [...] Isso indica
que, para suscitarmos por todos os meios as nossas energias creadoras de riqueza,
teremos que nos preoccupar com a instrucção profissional daquelles que vivem na
agricultura. Sociólogos existem que consideram o êxodo dos campos uma das maiores e
mais graves questões sociaes da nossa época. Mas, sem termos noção bem clara dos
interesses capitaes do paiz, difficilmente alcançaremos as reacções necessárias, como
acontece com o ensino agrícola. Que temos feito em prol da instrucção profissional dos
que vivem na agricultura? Qual não é o numero de rapazes e moças carecendo de boa
instrucção agrícola e domestica? Que temos feito nesse sentido em face das demais
nações civilizadas? É fatal que, sem melhorarmos a nossa situação rural isto é, sem que
a vida do campo se torne capaz de proporcionar o bem estar e a independência, o
homem do campo será attrahido para as vilas, aldeias e cidades. A pouco e pouco a
agricultura se despojará da parte mais intelligente da sua população. Não é o que
acontece, por exemplo, com os filhos dos proprietários mais ricos que, enviando seus
filhos às escolas nas cidades, acabam por encaminhal-os para as profissões
administrativas, liberaes e industriaes? Quaes não serão as conseqüências sociaes desse
facto? Por outro lado, como o progresso vertiginoso da industria, não exerce ella
verdadeira drenagem na mão de obra rural, por pagar melhores salarios do que a
agricultura? Esta-se deante de um problema social de gravidade inequívoca, cuja
solução consiste em se procurar reter o deslocamento da população rural para os centros
populosos. Mas como combater-se esse mal? Outro recurso não vejo senão
promovendo-se a mais larga diffusão do ensino agrícola, mediante um systema de
educação generalizada, desde a criança do campo passando pelo trabalhador e o
agricultor, até o ensino superior, para a formação do profissional completo, instituindo-
se um ensino para todas as situações sociaes. (TORRES FILHO, 1926, p. 5-7).
CAPÍTULO III
OS PILARES DO SABER ESAVIANO
79
Trecho extraído do Relatório Anual do Diretor da ESAV, P.H.Rolfs, referente ao ano administrativo de
1928. Relatório apresentado ao Dr. Djalma Pinheiro Chagas, Secretário de Agricultura, Indústria, Terras,
Viação e Obras Públicas de Minas Gerais. Sem página, tópico conclusão. 20 de fevereiro de 1929.
Viçosa. MG.
80
Sobre o “nível” de adequação do sistema de ensino das escolas superiores agrícolas norte-americanas
na ESAV ver o relevante estudo de RIBEIRO (2006). Neste artigo a autora apresenta um estudo
comparativo entre os Land Grant Colleges e a Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa.
104
Por isto, o ensino agrícola na ESAV era entendido e defendido pelos seus
organizadores como uma “alavanca”, ou melhor, como um alicerce fundamental na
organização econômica do Estado rumo ao progresso.
Desse modo, será analisado, a partir dos próximos itens do presente capítulo, o
novo espírito de ensino que marcou a organização da instrução agrícola na Escola de
Viçosa. Diante dessas considerações deve-se ressaltar que alguns pontos do projeto
educativo engendrado na Escola se ressaltam e, por isso, serão aqui apresentados e
discutidos principalmente por intermédio das falas e pensamentos do cientista
americano Dr. P. H. Rolfs.
Escola de Viçosa, no tocante a sua criação. Enquanto a primeira foi organizada por
Henri Gorceix82, a ESAV é devedora de seu organizador Peter Henry Rolfs quanto à sua
moderna unidade funcional estruturada no tripé ensino, pesquisa e extensão. Pois, este
cientista forjou em terras mineiras um novo método de trabalho, assim como o francês
Gorceix o fez em Ouro Preto, apesar dos dois terem pertencido a épocas distintas. De tal
modo, tornou-se importante compreender mesmo que ligeiramente, o tipo de formação
que Rolfs trouxe para Minas Gerais, nos anos 1920.
Como já foi mencionado, a “Escola de Viçosa” tem as suas “raízes” no sistema
Land Grant Colleges americano, e teve como “mentor” o professor Rolfs, nascido em
17 de abril de 1865, na cidade de Lê Claire, situada no Estado norte-americano de Iowa.
Graduou-se em “Bachelor of Science, 1889, Master of Science, 1891, Iowa State
Agricultural College, Doctor of Science, University of Florida, 1920”83. Ele realizou
uma série de publicações especializadas em agricultura e participou também de
importantes associações científicas internacionais, como: American Association for
Advancement of Science (Emeritus Life Member, 1938); membro fundador, Botanical
Society of América, entre outras 84.
Nota-se que o especialista tem a “base” de sua formação acadêmica e cientifica
realizada na primeira85 land grant institution dos Estado Unidos, o Iowa State
Agricultural College. De fato, P.H.Rolfs possuiu forte contato com a “filosofia” do
sistema de ensino Land Grant Colleges, desde que era um estudante de graduação.
Para COELHO, E. (1996, p.24) “[...] Rolfs trouxe de sua ‘alma mater’, ‘Iowa
State College’, os princípios básicos de ‘Ciência e Prática’, ‘Aprender Fazendo’, e a
idéia das quatro pilastras86 na entrada do ‘campus’, que também já existiam no ‘Iowa
State College’ [...]”.
Na verdade, os pressupostos técnicos de “aprender fazendo” e “ciência e
prática” representam uma espécie de “marca” dos Land Grant Colleges, materializadas
também na ESAV. E sinalizam a incorporação de tais princípios, principalmente devido
ao forte vínculo do especialista americano, durante toda a sua trajetória acadêmica, com
82
Para saber mais sobre o francês Henri Gorceix, diretor organizador da famosa Escola de Minas de Ouro
Preto ver: CARVALHO (1978; 2002).
83
Dados Bibliográficos do Dr. Peter Henry Rolfs é oriundo do Livro de Formatura: “ESAV 1939”.
84
Conforme o Livro de Formatura ESAV 1939, [s/p.].
85
Sobre a universidade de Iowa nos Estado Unidos, ver: LOPES (1995, p. 52-53).
86
As quatro pilastras são de concreto e demarcavam, desde a criação da ESAV, a entrada do atual
“Campus” da Universidade Federal de Viçosa (UFV), do perímetro da cidade de Viçosa. Em cada
pilastra se encontram, até hoje, gravadas as seguintes palavras, em português e latim: “Estudar, Saber,
Agir e Vencer”.
106
87
Ver em ROLFS (1925; 1928) a discussão sobre o “peso” do modelo europeu como opção de modelo
para a organização do ensino agrícola no Brasil.
107
meio rural, ou seja, das famílias das fazendas do Estado, por meio do ensino agrícola
moderno, em todos os níveis de escolaridade, sobretudo adaptado às peculiaridades e
necessidades destes cidadãos.
O especialista norte-americano era um cientista consciente de que o ensino
agrícola moderno ideal só seria adequado na escola se a profissionalização “esaviana”
envolvesse, de:
[...] modo especial a educação dos filhos de agricultores, com o fim de augmentar a
riqueza das fazendas, pela applicação dos methodos mechanicos modernos, pelo
aperfeiçoamento das culturas existentes e pela introducção de novas espécies de plantas
e animaes (ROLFS, 1928, p.11).
88
Deve-se mencionar que, “[...] o primeiro projeto de regulamento foi apresentado, ainda pelo Dr. Rolfs,
em 12 de abril de 1926 e, como não tivesse agradado ao Governo, um outro foi pedido a agrônomos e
educadores da capital, que o terminaram em princípios de junho do mesmo ano. De posse dos dois
projetos o Dr. Bello Lisbôa elaborou um terceiro que, concluído em 20 de junho, transformou-se no
Decreto nº 7.323, de 25 de agosto de 1926, assinado pelo Presidente do Estado, Dr. Fernando de Mello
Vianna e por seu Secretário de Agricultura, Dr. Daniel Serapião de Carvalho [...] O primeiro regulamento
foi modificado pelo Decreto nº 7.461, de 21 de janeiro de 1927, que manteve, porém entre outras
características, a da realização de trabalhos experimentais”. (UREMG, 1968, [s/p]).
89
Pedagogia tradicionalista – refere-se a uma pedagogia baseada no ensino “verbalista”, enciclopédico,
clássico em que o professor transmite o conhecimento como se fosse o centro do saber e o aluno, como
“tábua rasa”, ou seja desprovido de qualquer informação. Nesse ensino tradicional os conhecimentos não
são adaptados conforme a realidade do aluno e não possuem utilidade prática, isto é, prevalecem os
estudos teóricos, “bacharelescos”.
108
[...] educar não é ensinar apenas a escrever e a ler. É formar, desenvolver e dirigir as
90
Essa pedagogia será melhor trabalhada no item 3.3.1 do presente trabalho.
91
Referente ao ano administrativo de 1928. Relatório apresentado ao Dr. Djalma Pinheiro Chagas,
Secretário de Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas de Minas Gerais. Sem página. 20 de
fevereiro de 1929. Viçosa. MG.
92
Entende-se ideologia aqui, como: “[...] concepção de mundo, que se manifesta implicitamente na arte,
no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas”.
(GRAMSCI, 1987, p. 16).
109
Cultivar a terra é a necessidade primeira, uma educação que nos leve a fazê-lo, com
amor e proveito, a mais sabia medida para o engrandecimento da pátria. E não só o
amanho da terra, mas fomentação das industrias, a competência, a capacidade para
acção e o trabalho productor, são os meios únicos de fazerem do Brazil, fraco e pobre,
uma nacionalidade respeitada e grande. (LEÃO, 1916, p.36)
Esta questão de adaptação dos cursos da Escola de Viçosa ao meio social tornou-
se “chave” do sucesso da instituição. Pouco mais de seis (6) meses após o inicio de seu
primeiro semestre letivo94 houve aumento de mais de cem por cento (100%) do número
de alunos. A instituição iniciou suas atividades de ensino em agosto de 1927, apenas
com vinte (20) alunos matriculados no curso técnico e cinco (5) no curso elementar de
capataz rural, sendo que um aluno deste curso desistiu. Com tal aumento das matrículas,
houve a necessidade de contratar mais professores95.
93
“[...] O primeiro Corpo Docente foi composto pelo Dr. Hermann Rechaag, Porfessor de Zootécnica, Dr.
H. Dipo Soares de Oliveira, Professor de Matemática, e Dr. Diogo Alves de Mello. Este último, tendo
estado onze anos nos Estados Unidos, tinha os títulos de B. S. da Universidade de Missouri [...]” (Livro
de Formatura ESAV 1939, [s/p.]). Compunham também o corpo docente esaviano os seguintes
professores: Francisco Horta lecionava português no ensino médio e elementar; Nelson Lellis, aritimética,
geografia, geometria e desenho no nível médio e elementar também; Otávio do Espírito Santo, português
e história somente no ensino médio. Fonte: Primeiro Anuário da Escola, 1927, p. 10.
94
O Primeiro Semestre letivo da ESAV ocorreu no período de 1º de agosto a 15 de dezembro de 1927.
95
No item 3.3.2 deste capítulo do trabalho será tratado com maiores detalhes a questão do perfil dos
professores que foram chegando à ESAV até meados de 1929, com destaque as qualidades técnicas e
111
[...] Art. 4º. Os cursos da Escola serão distribuídos nas seguintes modalidades:
I) elementares.
II) médios.
III) superiores.
IV especializados.
Art. 5º. Os cursos elementares, com duração de um anno, constituem um systema de
educação rudimentar para o preparo de agricultores e capatazes ruraes conscientes de
sua profissão, e comprehendem o ensino de agricultura e veterinaria, de caracter
essencialmente pratico, alliado à instrucção geral indispensável.
$ 1º Destina-se estes cursos a suprir as necessidades educativas, relacionadas com a vida
rural, de pessoas que não tenham opportunidade de receber instrucção mais completa
[...]
Art. 6º. Os cursos médios, com duração de dois annos, destinam-se principalmente aos
filhos de fazendeiros ou agricultores que não tenham feito o curso gymnasial e visam
formar bons technicos agrícolas e administradores ruraes [...]
Art. 7º. Os cursos superiores de Agricultura e Veterinaria, destinam-se á formação de
profissionais de agronomia e veterinaria, com ensinamentos theorico-pratico integral
das matérias indispensáveis ao exercício dessas profissões, aproveitando-se nelles os
candidatos que houverem concluído o curso gymnasial.
$ 1º A duração destes cursos será de quatro annos, subdivididos em oito semestres [...]
Art. 9º Os cursos de especialização serão organizados para altos estudos e pesquisas
originaes sobre agricultura e veterinária e destinam-se a alumnos que houverem
concluído um dos cursos superiores desta Escola ou equivalentes [...]
(REGULAMENTO DA ESAV DE 1927, ps.27-28).
[...] Temos no Estado muitos excellentes Gymnasios, onde deverão estar os moços de
menos de 18 annos de edade e que não tem ainda os seus preparatórios. Temos uma só
Escola de Agricultura, onde homens sem preparatórios e com mais de 18 annos de
edade poderão receber instrucção agrícola correspondente á edade e preparo. Parece que
a Escola de Agricultura de Minas constitue a única no gênero no centro do Brasil.
Temos, por exemplo, o caso dum rapaz Paulista, de vinte três annos de edade, serio e
intelligente. Antes de vir a Viçosa, apresentou-se em diversas outras Escolas para
matricula, não podendo entrar por lhe faltarem os preparatórios ou por ter edade demais.
97
O referido exame de admissão para os cursos de nível médio na Escola de Viçosa constava “[...] de: 1)
prova escripta de Portuguez, 2) prova escripta de arithmetica, noções de geometria e desenho, 3) história
do Brasil e educação moral e cívica.” (ROLFS, 1928, p.18).
113
Chegou com algum atrazo e quando perguntamos porque não veiu antes, respondeu que
só pouco tempo antes havia tido conhecimento da Escola e que fora necessária sua
presença na fazenda para a safra do café. No fim do semestre foi a casa e trouxe um
irmão, de vinte e um annos de edade, sendo ambos alumnos exemplares. (ROLFS,
1928, p.21)
Este elevado grau de flexibilidade dos cursos oferecidos pela ESAV denota
claramente que a instituição, “a qualquer custo”, almejava fazer com que seus
conhecimentos modernos sobre agricultura fossem apropriados por todos os níveis
sociais da população rural de MG, a fim de prepará-los para o progresso que a escola
queria instalar nos campos mineiros, em resposta aos interesses político-econômicos do
Estado de Minas Gerais.
Por isso, o especialista americano se fez profundo conhecedor da realidade
educacional e sócio-econômica do Brasil, principalmente de MG. Daí identificou os
perfis dos “rapazes da lavoura”, como costumava chamar os filhos de fazendeiros e
agricultores, tendo detectado os moços do campo que deveriam ser alcançados pela
difusão do ensino agrícola moderno proporcionado pela Escola de Viçosa, através dos
estudos e estimativas que realizava sobre a população rural mineira:
O Estado de Minas, com os seus seis milhões de habitantes deve ter mais de um milhão
de famílias, sendo provável que metade destas morem em propriedade agrícolas.
Podemos calcular que em pelo menos um porcento dessas famílias haja um moço com
mais de dezoito annos de edade, sabendo ler e escrever e fazer as quatro operações de
arithmetica, estando portanto em condições de matricular-se na Escola. Assim vemos
que neste Estado há não menos de cinco mil moços que poderiam matricular-se no
nosso Curso Médio. É provável que mais de 90% delles nunca freqüentaram e nem
freqüentarão gymnasios. São os rapazes da lavoura que, na Escola se tornam os
melhores alumnos e que depois retribuirão ao Estado maiores benefícios relativamente
ao tempo que assistiram às aulas [...] (ROLFS, 1928, p. 21-22)
[...] O perfil do aluno ideal para a escola agrícola, é traçado, tendo por base a
preferência pelo aluno oriundo da classe média e, preferencialmente, de inteligência
média para executar e não interpretar. A pretensão de fazer desse aluno um futuro líder
para trabalhos internos e externos à escola, tem como limite que essa diferença se
atenha ao aspecto técnico. A busca do padrão civilizatório, dessa forma, permanece fiel
ao ideal hierárquico como padrão para o social (DUTRA, 1990, p. 34).
98
Dualismo Educacional –refere-se a existência de um sistema de ensino que visa direcionar um
determinado grupo de indivíduos desprivilegiados socialmente somente ao nível elementar de
instrução, enquanto que para o grupo dominante este sistema educacional promove a elevação cultural
ao maior nível possível.
115
[...] Estou certo, entretanto, que alguns dos formados no Curso Médio terão influencia
além dos limites dos seus municípios, tornando-se excellentes fazendeiros, ou talvez
Mestres de Cultura Ambulantes, se houver para estes últimos direcção adequada. Não
sabem tanto quanto devem saber, necessitando voltar de quando em quando á Escola
para beber de novo na fonte de instrucção, ver novos methodos e machinas e discutir
com os professores os problemas e difficuldades que encontram. (ROLFS, 1928, p.21).
99
Cabe notar a inexistência de estudos que apontam e analisam a trajetória dos ex-alunos da ESAV, atual
Universidade Federal de Viçosa (UFV) constituindo-se assim numa lucuna de pesquisa no campo da
História da Educação mineira. Principalmente porque “[...] Viçosa foi o celeiro de uma intelligentsia
agronômica que ganharia espaço tanto na administração publica, estadual e federal, quanto no setor
privado, sem falar naturalmente da própria área acadêmica”. (DULCI, 1999, 52).
100
Fosse este homem: trabalhador rural, fazendeiro ou filho de grande, médio ou pequeno agricultor.
101
Deve-se entender por moralidade patriótica no sentido de amor incondicional à terra.
116
Creei esta Escola Superior de Agricultura e Veterinária com o alto objectivo de abolir
o empirismo agrícola, a que tantos mineiros consagravam suas energias, no amanho
diuturno da terra como na creação e pastoreio dos seus rebanhos. Tendo me cabido a
fortuna de creal-a como Presidente de Minas e tendo tido a satisfação de assistir, como
Presidente da República, à sua inauguração official, regosijo-me ao vê-la, hoje, em
pleno funccionamento e já despertando novos estímulos nas gerações moças,
empenhadas, agora, numa actividade racional e scientifica, que há de conduzi-las a
maior e mais fácil prosperidade (BERNARDES, 1929, [s/p]).
102
“[...] A cultura do caipira, como a do primitivo, não foi feita para o progresso: a sua mudança é o seu
fim, porque está baseada em tipos tão precários de ajustamento ecológico e social, que a alteração destes
provoca a derrocada as formas de cultura por eles condicionada” (CANDIDO, 1997, p.82).
117
Dessa maneira, esteve a Escola lançando nos solos férteis de Minas Gerais os
principais difusores do novo paradigma de agricultor moderno, os seus próprios alunos,
que seriam formados intelectualmente103 para serem os leaders (líderes) na agricultura
no Estado, ou seja, os líderes do projeto de modernização do campo.
Assim, competia ao quadro discente da instituição difundir entre os fazendeiros
e operários rurais as técnicas, idéias e valores preconizados pelo ensino agrícola
moderno proposto por Rolfs, uma vez que se esperava superar no trabalhador rural
mineiro a figura de um brasileiro doente e indolente, apático e contrário à introdução da
ciência no campo – Jeca tatu104.
Contudo, para melhor compreensão do leitor sobre a concepção pedagógica
103
O termo intelectual aqui deve ser entendido conforme a visão de Gramsci (1989) em que os
intelectuais são entendidos como um grupo social autônomo, porém com uma função social de “porta-
vozes” dos grupos ligados ao sistema produtivo, isto é, ao “mundo da produção”.
104
O Jeca Tatu é um personagem criado pelo escritor Monteiro Lobato que “[...] veio à luz num dos
contos do livro Urupês, de 1918, e no ano seguinte, em Idéias de Jeca Tatu, firmou-se como símbolo de
uma brasilidade caipira, preguiçosa, indolente e acocorada no chão de terra de seu casebre de sapé, e
provocou muitas reações no imaginário da sociedade e da cultura nacionais [...] no primeiro quarto do
século XX, passa a explicar o nosso Jeca como produto do meio físico e social: verminose, subnutrição,
analfabetismo e descaso das autoridades compõem o drama de sua indolência, de sua resignação, de sua
entrega ao destino dos derrotados, de sua desistência de quaisquer futuros. Tudo isso dele, Jeca Tatu, e do
brasileiro, em geral, cujas condições de vida era preciso mudar com urgência” (VOGT, 2004, p.1). Para
LAJOLO (2004, p. 1-2): “[...] A história do Jeca Tatu relaciona-se com a biografia de Lobato. Segundo
seus biógrafos, em 1911 ele herda uma fazenda de seu avô – a fazenda Buquira, no Vale do Paraíba (SP)
– tornando-se fazendeiro. Pelo que se sabe, um fazendeiro cheio de idéias modernas, disposto a
modernizar agricultura e pecuária. Tropeça, no entanto, em práticas muito arraigadas do camponês
brasileiro. Desentende-se com o capataz, fica bravo, despede empregados. E, em uma carta ao jornal O
Estado de S. Paulo, cria uma figura desqualificada (que viria a ser o Jeca Tatu) para representar o caipira.
Essas cartas foram publicadas com tanto destaque no jornal, que ganharam status de artigo, ambos
publicados em 1914: Velha Praga em 12 de novembro e Urupês em 23 de dezembro. O sucesso foi tão
grande que, quando Lobato publica seu primeiro livro de contos, em 1918, dá a ele o nome Urupês [...]
Num primeiro momento, Monteiro Lobato responsabiliza o Jeca – o camponês, o trabalhador rural, o
“sem terra”, na linguagem de hoje – pelos problemas da agricultura. Considera-o preguiçoso demais para
promover as necessárias mudanças na agricultura e no seu (dele, Jeca) modus vivendi. Nesse momento,
Lobato é implacável na desqualificação de toda a cultura caipira, de suas manifestações artísticas à sua
linguagem e às suas práticas econômicas. Um pouco depois, no final dos anos 1910 e no bojo das
campanhas sanitaristas, Lobato muda sua análise do problema: o Jeca não é mais réu, porém vítima, é a
precariedade da saúde pública brasileira – da qual sofre as conseqüências, representadas, por exemplo,
pelo impaludismo e pela verminose. É nesse momento que Lobato se envolve em campanhas de saúde
pública. E finalmente, vinte anos depois, nos anos 40, no livreto Zé Brasil, Lobato aproxima-se mais uma
vez da cultura caipira, articulando-a a questões econômicas: o Jeca – agora rebatizado de Zé Brasil, numa
renomeação bastante sugestiva – é pouco produtivo porque não é dono da terra em que trabalha. Ou seja,
o Jeca não é preguiçoso, nem doente, mas sim vítima do latifúndio brasileiro. Vale a pena assinalar que
essa última versão do Jeca coincide com a aproximação do escritor com o Partido Comunista Brasileiro
(PCB). Para um estudo da evolução do personagem Jeca Tatu na obra de Monteiro Lobato ver LAJOLO
(1983, p. 101-105).
118
engendrada na ESAV serão sumariamente analisados aqui dois eixos que nortearam a
pedagogia do campo, são eles: o método de ensino e o tipo ideal de professor para atuar
na Escola.
Duas expressões podem ser utilizadas para melhor explicitar as premissas que
fundamentaram o saber esaviano: “ciência e prática” e “aprender fazendo”, o que
significava a união do conhecimento científico de agricultura com a prática aliada a
teoria na medida certa. Assim era preconizada a profissionalização na Escola de Viçosa
no período analisado.
E quem explica a relação destes pressupostos com o ensino esaviano é o próprio
organizador técnico da Escola:
Pela enumeração dos departamentos verifica-se que somente os dois últimos não são
propriamente technicos; todos os demais tem influencia directa sobre a agricultura ou
veterinária. É sensível a falta de cadeiras de estudos de sciencias puras; não quer isto
dizer que não sejam estas ensinadas; as partes que forem essenciais para o ensino
agrícola foram distribuídas pelos Departamentos em que são mais proximamente
relacionadas. Houve a maior preocupação em se poupar o esforço dos alumnos para
applical-os nos estudos de influencia directa sobre os campos. (LISBÔA, 1928, p. 14 ).
Devemos sempre lembrar que em uma Escola de Agricultura, é a Agricultura que deve
occupar o logar de importância no programma. Sendo o tempo dos alumnos
principalmente occupado com o estudo de Historia, línguas, mathematica, sciencias
naturaes, chimica, physica, etc., não formará bons fazendeiros. Scientistas excellentes
poderão ser produzidos, se a instrucção for bem feita, mas em Escola de Agricultura
devemos visar principalmente produzir os agricultores de que o Brasil tanto carece. Não
digo que qualquer dos estudos referidos acima não seja excellente ou que todos elles,
não devem fazer parte dos programmas das Escolas de Agricultura, mas sim que os
annos que os nossos moços podem dedicar ao estudo da agricultura são
demasiadamente curtos para que possam estudar bem as matérias que lhe serão
indispensáveis na vida futura (ROLFS, 1928, p. 24-25).
Por esta razão é que o primeiro corpo discente da Escola fora composto sem
retirar os alunos de outros estabelecimentos de ensino, já que eram oriundos das
propriedades agrícolas quase todos filhos de agricultores e criadores “[...] intelligentes,
trabalhadores e muito interessados nos methodos modernos de producção” (MELLO,
120
1927, p. 63).
No entanto, não bastava aos moços matriculados na ESAV apenas serem filhos
de produtores rurais. Pois, os alunos deveriam conhecer a profissão que haviam
“abraçado”, gostar e deter o máximo interesse pela agricultura em geral, visto que
quando se tornassem profissionais deveriam estar preparados para engrandecer a
economia do Estado de Minas Gerais. É justamente sobre estas características
necessárias ao aluno esaviano que o professor de agronomia, da primeira turma do
ensino elementar e médio, escreveu em relatório à Secretaria de Agricultura do Estado:
Para que um homem alcance sucesso na sua profissão são necessarias duas coisas: 1)
que elle goste e tenha o maximo interesse, e, 2) que conheça bem a profissão que
abraçou. Sobre o primeiro ponto muito fiz e com bastante prazer posso dizer que
consegui interessar a maioria dos alumnos na vida agrícola, mostrando-lhes os encantos
da roça. Sobre o segundo ponto, fiz-lhes ver a necessidade que cada um tem de conhcer
bem a sua carreira e que, ao sahirem formados desta Escola, é dever de cada um saber
produzir. Outro ponto que muito frizei, foi sobre o trabalho com as machinas agrícolas,
provando que, enquanto não empregarmos os processos modernos e scientificos de
trabalhar na lavoura, não poderemos produzir muito, não estaremos aptos, portanto, a
concorrer com as nações que produzem muito e economicamente, empregando
machinas. É o custo de producção por unidade que mata a nossa producção agrícola.
Demonstrei aos alumnos frequentemente, com estatísticaas, quanto um homem é capaz
de produzir com machinas, e pelo processo rotineiro. Ninguém gosta de trabalhar na
roça pelo método rotineiro, mas todos gostam de trabalhr com as machinas modernas,
trabalho esse muito mais suave e agradável [...] (MELLO, 1927, p. 63-64).
[...] Aqui, os alumnos abrem buracos, aram a terra, fazem limpeza dos estábulos, e
muitos outros serviços de natureza elementar. Nós esperamos que, na vida pratica, elles
não terão de fazer estes mesmos serviços. Porém, todo trabalho tem um modo mais
eficiente para ser feito. Sómente com pratica, podem os alumnos apprender os meios
melhores, e, por conseguinte, ser mestres do assumpoto, para poderem depois ensinar
aos seus empregados os serviços, e exigir dos empregados, que sejam elles feitos
efficientemente. É só fazendo, que podem apprender verdadeiramente como se deve
fazer (ROLFS, 1927, p. 87).
105
A ESAV ofereceu moradia estudantil desde os primeiros tempos da instituição, pois mesmo “[...] não
estando ainda o dormitório em condições de receber alumnos, foram aproveitados alguns dos commodos
do porão do prédio principal como quartos. Esta providencia reconhecemos era muito longe de ser a ideal,
especialmente quanto á disciplina. Não era absolutamente aconselhável utilizar-se, como dormitório
permanente, o porão do prédio. Porém, por motivo da vigilância especial por parte da Directoria, bem
como a cooperação do medico, não tivemos nenhuma difficuldade quanto á saúde dos alumnos. A
disciplina também se manteve como rigor, tendo sido registrados poucos casos de infracções serias [...]”
(ROLFS, 1927, [s/p]). Vale ressaltar que as duas primeiras seções do prédio destinado a hospedagem dos
estudantes esavianos foram inauguradas a 26 de junho de 1928 com a presença de inúmeras autoridades
do Estado, do governo federal, local e da Igreja. Fonte: LISBÔA (1929, p.4).
122
O sistema de internato para rapazes era uma cousa nova no País. Outras escolas
tinham-no experimentado antes, abandonando-o por insucesso. Desse modo, os
dirigentes da Escola se esforçavam por estabelecer um regime capaz de fazer um
sucesso do nosso sistema de internato, todo ele, como o é ainda hoje, baseado no
princípio da responsabilidade pessoal. Para isso, era necessário que a disciplina
fosse rígida, observada de perto. E era-o, sem a menor sobra de dúvida [...] (ESAV,
1939, [s/p]).
106
Segundo COMETTI (2005, p.76): “O pragmatismo baseia-se na insistência sobre a prática, sobre a
atividade experimental, rejeitando a dualidade do materialismo clássico e das limitações do materialismo,
abriu caminho para o desenvolvimento de uma teoria da mente e da natureza, através da ciência
experimental, a qual propõe uma nova interpretação da natureza e um novo critério para o pensamento
reflexivo. Foi dentro desta perspectiva pragmatista que a ciência utilitária se desenvolveu na Escola (Lê-
se ESAV) [...]”.
123
107
Conforme o sentido de formar almas do autor CARVALHO (1998).
108
Para saber mais sobre esse assunto ver capítulo II do presente trabalho.
124
109
Vale ressaltar que, professores e alunos realizavam campos de experimentos no plantio e colheita de
algodão, bata doce para rama, capim elefante, capim imperial, milho catete, milho cristal e suas pragas,
entre outras espécies de milho e arroz, etc.
125
Um ‘professor’ pode ser defenido como sendo uma pessoa que dedica todo seu
tempo ao ensino na Escola. Si uma pessoa tem negócios privados ou profissionaes,
fóra do ensino ( o que é muito prejudicial á Escola), ella é somente professor em
parte do tempo. Estes professores são os mais caros e os que dão piores resultados
nas Escolas porque geralmente consideram os ordenados pagos, como sendo um
‘honorarium’ que lhes é devido pelo Estado ou nação. Deste modo ligam pouco
interesse na cooperação com a Escola, ou para o seu adiantamento. Na América do
Norte, muitos professores, alem do ensino nas Escolas Agrícolas, condusem
pesquizas nas Estações Experimentaes. Todo o tempo, entretanto, é empregado no
estabelecimento. Este modo tem provado satisfatório. Outros professores nestas
instituições, são auxiliares do ‘Extension Work’. Isto também, tem sido mais ou
menos satisfactorio. De modo geral, pode ser dito que um professor muito bem
habilitado, divide sem tempo entre o ensino e trabalhos privados ou profissionaes
fóra do estabelecimento, é menos desejável do que um professor mediano, que
dedica todo seu tempo e attenção para o desenvolvimento e melhoramento da
Escola.
110
Não se sabe ao certo, mas presume-se que a referida carta data de setembro de 1929, quando o
professor viajava pelos EUA. Inclusive consta no Livro de Formatura “ESAV 1939” que Bello Lisboa
havia solicitado a P.H. Rolfs que contratasse três professores para a Escola, nas áreas de zootecnia,
entomologia e fitopatologia, as mesmas dos candidatos entrevistados pelo norte-americano.
111
Na época da referida carta Bello Lisboa já ocupava o cargo de Diretor da ESAV e P.H. Rolfs de
Consultor Técnico em Agricultura do Estado de Minas Gerais.
126
ele vem trabalhando com problemas práticos no controle de insetos. Ele ainda é
muito bom em entomologia prática, especialmente na classificação de insetos. Teve
ainda experiências como professor. Dentre todos eu acho que ele é o homem mais
bem preparado em entomologia que eu conheci. Dr. Phillips, chefe da disciplina de
apicultura na Universidade de Cornell me disse que Hambleton foi ótimo aluno nos
estudos práticos de apicultura. Eu o questionei sobre o fato de conseguirmos
equipamentos modernos para este trabalho, já que deveríamos levá-lo conosco
quando embarcarmos. O Sr. A. S. Muller, muito embora seu nome seja alemão, se
parece muito com um norte americano e eu imagino que seus antepassados já
estejam morando neste país a muito tempo. Ele acaba de completar três anos em
Porto Rico, onde esteve envolvido com fitopatologia. Seu interesse em Porto Rico
concentra-se nas doenças do café. Todas as colheitas de café neste país são muito
similares às do Brasil, especialmente as do estado de Minas Gerais. Eu fiquei muito
contente no caso do Sr. Muller, pois se eu o tivesse visitado dois dias depois ele
teria assinado contrato de trabalho com Porto Rico para um retorno de mais três
anos. Entretanto ele estava muito atraído pela possibilidade do Brasil oferecê-lo um
cargo como chefe do Departamento e assim, maior área de atuação. Ele tem feito
um bom trabalho em Porto Rico e gostaria de ter voltado para terminar alguns
trabalhos já iniciados. O tipo de ensinamento que ele tem desenvolvido vai na linha
daquele que nós precisamos em Minas Gerais. Já que seu trabalho prático em
fitopatologia tem se voltado para o plantio do café, não será difícil para ele se
adaptar com as práticas dos fazendeiros em Minas. Ele é graduado e mestre pela
Universidade de Cornell. No momento está arcando com as despesas de sua irmã
com a Universidade. Por isso já vemos que o Sr. Muller é um homem que pensa no
conforto e no avanço dos outros. Ele gosta muito de tênis e eu espero que você
tenha um número de quadras prontas para que ele possa dar aos alunos alguma
instrução neste esporte. Ele tem se exposto ao sol por tanto tempo que se está se
parecendo com o filho de um “caipira”. Ele teve três anos de experiência com o
espanhol se tornando fluente. Com um pouco de prática ele irá, sem sombra de
dúvidas, estar preparado para se fazer entender pelos estudantes brasileiros. Eu
disse ao Sr. Muller que observasse a questão dos aparatos científicos que irão
permitir ao seu Departamento realizar trabalhos de pesquisa. Ao tempo certo você
receberá mesas, cadeiras, conexões de gás e outras coisas em nome do laboratório
de Fitopatologia. O Sr. A.O. Rhoad, graduado pela Pennsylvania, é mestre em
laticínios pela Universidade de Cornell. Ele pertence a uma tradicional família
alemã da Pennsylvania, tendo nascido e crescido em uma fazenda. No presente
momento ele ministra aulas de reprodução animal na Cornell. Ele é especializado
no trato de derivados do leite, principalmente manteiga e queijo. Tem considerável
experiência com cooperativas de leite. Também teve experiência no manejo de aves
e se ele for mesmo trabalhar conosco poderá nos fornecer parte da criação avícola
do Departamento da Universidade onde trabalha. A instituição tem uma das
melhores criações avícolas dos Estados Unidos. O fato de ser professor na Cornell
já é uma garantia de que ele é um homem muito bom. Foi muito bem instruído
tomando conta da parte de reprodução animal e se especializando em nutrição
animal. Eu expliquei a ele que nós precisamos de um zootecnista para planejar a
questão da nutrição animal e também o uso dela. Ele me falou sobre as freqüentes
dificuldades encontradas no trabalho quando a alimentação animal destinada ao
Departamento de Zootecnia é de responsabilidade de outros Departamentos. Como
ele não tem experiência em países tropicais terá que se acostumar ao tipo de
colheita. Milho, sorgo, e outras culturas como estas são comuns a ele, mas cana
japonesa, capim elefante e várias outras ele não conhece. Ele ainda tem vasta
experiência na construção e abastecimento de silos. Provavelmente ele ajudou a
enchê-los ou mesmo coordenou tal processo antes de ir para a Universidade. Eu
estive conversando com ele a respeito de qual o tipo de silo recomendado e sobre a
possibilidade de construirmos um em Viçosa. Depois de pensarmos sob a ótica de
127
112
A carta em inglês encontra-se na íntegra em anexo “A”. A carta foi traduzida por Thiago Enes.
128
113
Sobre a reconstituição histórica da produção científico-tecnológica da ESAV ver COELHO (1992).
129
[...] A Exposição de Fructas, [...] deu occasião para que quase 600 pessoas visitassem à
Escola. Todas essas pessoas foram bem recebidas e cada uma deve ter levado da Escola,
alguma informação útil ou interessante. O Diretor, o Vice-Diretor e os professores, tanto
quanto possível, dedicam pessoalmente aos visitantes o tempo que elles desejam,
sempre respondendo com cuidado às consultas e fazendo especial esforço para mostrar a
cada visitante o que lhe interessa mais. Por este modo, os visitantes saem muito mais
interessados do que se fossem mostradas as mesmas coisas, com mais idéia de
ostentação do que de incutir conhecimentos agrícolas úteis. Raramente, passa uma
semana sem ser recebida a visita de um agricultor que procura a Escola com o fim de
realizar o que é essencialmente, o ‘Curso Breve’ de um dia de estudo, em agricultura ou
outra especialidade, de zootechnia, pomologia, horticultura ou agronomia. Pelo modo
que nos é possível, estamos montando estes departamentos para, quando chegar um
agricultor, elle possa approveitar as experiências que estamos realizando. Por meios
dessas visitas tem a Escola espalhado muitos ‘conhecimentos agrícolas úteis’, entre o
povo rural desta zona, sem elle perceber que está sendo instruído. Consideramos o facto
dos agricultores procurarem a Escola, como sendo uma grande victoria para o
estabelecimento e seus methodos (MELLO, 1927, p. 23-24).
É visível que a Escola visava sobretudo estreitar seus laços com os agricultores.
Trata-se de uma questão de “convencimento”, isto é, professores e dirigentes esavianos
almejavam consolidar um novo tipo de produtor rural: o fazendeiro moderno. E era
através da educação do “povo rural” que a instituição espalhava “muitos conhecimentos
agrícolas úteis”. Portanto, pode-se constatar que:
[...] Ao analisar as pesquisas realizadas nessa instituição nota-se seu caráter utilitário,
voltado para resolver os problemas imediatos dos fazendeiros da região [...] Dessa
forma, na ESAV, foi a concepção de utilitarismo que prevaleceu em sua trajetória. Isso
se deu devido à herança do modelo de educação americana transmitida [...] por P. H.
Rolfs, que veio ao Brasil para planejar a criação da Escola, uma vez que o utilitarismo é
uma vertente do pragmatismo norte-americano, que nasceu no seio das instituições dos
Estados Unidos (COMETTI, 2005, p. 76).
116
A Semana do Fazendeiro segundo BORGES (2000, p.15) “[...] fruto do trabalho de Bello Lisboa e dos
então alunos Joaquim Fernandes Braga e José Coelho da Silva. É tida como a primeira grande
manifestação do extensionismo no Brasil, [...] O evento originou-se de uma visita à Escola, em 1928, do
médico e agricultor Jacintho Soares de Souza Lima acompanhado de um grupo de agricultores ubaenses
[...]”. Este evento é realizado até hoje pela Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Viçosa
(UFV). E acontece tradicionalmente na segunda quinzena de julho. Continua sendo prestigiada por
produtores rurais de todo o território nacional e até internacional. Durante toda a semana cursos teórico-
práticos, palestras, exposições sobre os mais diversos temas como: agricultura, pecuária, zootecnia,
educação, nutrição, entre outros são oferecidos aos participantes. Para conhecer mais sobre este evento
ver o trabalho de SILVA (1995).
131
A producção de riqueza é a base do nosso bem estar. Sem ella, por exemplo as bellas
artes não florescem. O mesmo se dá com a literatura. [...]. Applicando-se a Sicencia à
Agricultura, iniciar-se-a uma época de prosperidade nacional. O Estado de Minas hoje é
exemplo bom de um estado que necessita muito de mentalidades preparadas para por
em pratica os processos modernos de lavoura com os quaes abrir-se a porta do celleiro
de abundante producção agrícola. A Sciencia Agrícola já bem adiantada, nos mostra
processos de lavoura de muito superiores aos usados hoje em Minas. Constitue dever e
prazer da E.S.A.V treinar e preparar os nossos agricultores para que eles possam
utilizar os ensinamentos que lhes trarão prosperidade e melhores vidas [...] (ROLFS,
1928, p.22).
Para isso o trabalho devia ser tratado numa perspectiva enobrecedora, visto que, a base
do progresso está no trabalho, ato “construtor” da riqueza e da civilização de uma
nação. É a partir da crença no Progresso que surge a “preocupação” e o interesse
político pela educação profissional. Na ESAV, profissionalização assumiria a condição
de instrumento educativo ideal capaz de introduzir o progresso no campo.
Dessa forma se compreende porque o americano explicitava que era dever da
Escola e, por conseguinte dos esavianos “formar”117 na mentalidade dos agricultores de
MG o não uso dos processos agrícolas arcaicos.
As elites mineiras, tanto a agrária quanto a política, almejavam materializar nos
campos de MG uma idéia de “reforma rural”, através da invenção de um produtor tido
por ideal, pela fala e pensamento ruralista da época: o já referido farmer (fazendeiro)
norte-americano.
Diante destas considerações torna-se importante salientar a seguinte colocação
de MENDÇONÇA (1994) sobre a utilização da categoria agricultor no bojo do universo
ruralista nacional:
117
A questão da formação dos esavianos já foi tratada no item 3.3.
133
algum “vestígio” que apontasse a existência de “luta de classes” entres grandes, médios,
pequenos produtores rurais e trabalhadores do campo.
Neste contexto, a escola foi orientada a atuar num crucial ponto do processo de
desenvolvimento do capital agrário: a questão do labor income118, isto é, da baixa
remuneração119 do trabalhador rural mineiro do período estudado, pois, conforme
ROLFS (1928, p.12):
[...] Estamos certos de que a Escola poderá ajudar os agricultores nesse sentido.
Permitam-me um exemplo: - Nos primeiros annos no Brasil visitei diversos
estabelecimentos que produziam mudas de citrus para a exportação. Suggestionei aos
seus dirigentes algumas modificações simples que seriam convenientes e que
118
Labor income em português significa “renda operária”.
119
Os baixos salários também foram considerados como um dos principais fatores responsáveis pela
incitação ao êxodo rural, fenômeno de “depopulação” do homem do campo que mais contribuiu para a
falta de mão-de-obra agrícola em MG, tanto nos anos finais do século XIX quanto nos anos de 1920,
conforme foi apontado no primeiro capitulo do presente trabalho.
134
reduziriam muito o preço das mudas, a meu ver, depois de acompanhar de perto o
desenvolvimento da citricultura no Estado da Florida. A resposta que tive foi que já
experimentaram esses methodos, os quaes talvez dessem bons resultados na Florida mas
para o Brasil absolutamente não serviam. Hoje posso declarar-vos que as difficuldades
que me disseram encontrar no emprego dos methodos modernos estava na applicação
dos methodos e não na diferença fundamental de condições. Embora esteja a Escola
apenas no inicio e com as suas seções agrícolas muito pouco desenvolvidas, já
vendemos milhares de mudas de citrus iguaes às que se vendem na Califórnia e na
Florida, e superiores a quaesquer outras que tenho visto à venda no Brasil. Foram
produzidas pelos methodos econômicos que me informaram ser inteiramente
impraticáveis; todo o serviço foi feito pelos Mineiros, tendo umas oitenta pessoas, entre
alumnos e outros, adquiridos conhecimentos e pratica na realização deste trabalho. As
mudas foram destribuidas a cento e cincoenta pessoas e estabelecimentos. (ROLFS,
1928, p.13-14).
Mais uma vez entrava em pauta a questão do tipo ideal de agricultor: o agricultor
moderno, já que, pelo exemplo dado por Rolfs na citação acima se percebe o seu ensejo
de mostrar que por meio dos métodos e técnicas agrícolas modernas qualquer produtor
rural poderia reduzir custos na produção e assim investir no pagamento da remuneração
mais adequada aos trabalhadores rurais mineiros e, consequentemente, ganhar novos
mercados. Percebe-se que o pensamento do cientista americano estava calcado num
“certo pressuposto iluminista, de superar o atraso” econômico de Minas pelo saber
técnico em agricultura.
Cabe, ainda, ressaltar que, este dever da Escola de preparar seus alunos para
atuar na regulação do salário do operário rural estava em plena sintonia com o
pensamento ruralista brasileiro da década de 1920. Porque, do mesmo modo que Arthur
Bernardes discursava na solenidade oficial de inauguração120 da ESAV em prol da
criação e da efetivação da “harmonia” e “solidariedade” dos interesses do capital, Rolfs
imprimiu na instituição a orientação pedagógica de que os esavianos deveriam “ajudar”
os fazendeiros mineiros a melhorarem a remuneração dos seus trabalhadores. Porque:
[...] O Brasil deveria desenvolver a instrucção agrícola de tal modo que os fazendeiros
pudessem obter maiores lucros, sendo, por isto, capazes de pagar salários mais elevados
aos trabalhadores. Minas já tem perdido milhares dos seus mais valiosos auxiliares,
grandes massas de trabalhadores, que tem se encaminhados para São Paulo, onde os
fazendeiros mais adiantados podem pagar ordenados mais altos do que as são comuns
em Minas (ROLFS, 1925, p.33).
120
Ver sobre a relação do projeto político da ESAV com o pensamento ruralista brasileiro dos anos 1920
o item: Inauguração oficial da Escola no segundo capítulo do presente estudo.
135
Dessa forma, destaca-se, nesta análise sobre o papel da Escola de Viçosa no bojo
136
da política agrícola de MG dos anos 1920, a relação da ESAV com um dos principais
objetivos da primeira fase121 de desenvolvimento do ensino agrícola mineiro: a
organização da mão-de-obra do campo, visto que, os baixos salários, além de não terem
contribuindo para a dinamização da diversificação produtiva do Estado, estimulavam o
homem do campo a abandonar a atividade agrícola em busca por melhores condições de
sobrevivência nos centros urbanos. Como também incitou a estes homens a buscarem
por trabalho nas lavouras paulistas, onde os fazendeiros de São Paulo ofereciam a estes
trabalhadores melhores salários do que os ofertados pelos fazendeiros em Minas,
conforme apontou o próprio P.H. Rolfs.
Em suma, concluiu-se que, para o organizador da Escola de Viçosa, o caminho
para o “progresso e civilização” do Estado de Minas Gerais seria único: modificar os
métodos agrícolas “rotineiros” de todo e qualquer agricultor tido como arcaico pela
moderna pedagogia do campo, que P.H. Rolfs, em grande parte ajudou a consolidar na
ESAV, durante todo o processo de constituição da Escola. Este propósito estava em
perfeita sintonia com os interesses sócio-econômicos, políticos e culturais das classes
produtoras do setor agrário mineiro e do Estado. A final, o ensejo de ratificação da
vocação essencialmente agrícola de Minas que “pairou” sobre os anos 1920 constituiu-
se num ponto em comum entre todos os sujeitos sociais que fizeram do ensino agrícola
“motor” da economia estadual.
Apesar de difícil, é chegado o momento da realização de um “balanço” de todas
as análises, apontamentos e fatos históricos discutidos pelo presente trabalho. Assim
sendo, o leitor é convidado a apreciar, a seguir as considerações finais desta pesquisa.
121
Sobre a primeira fase da configuração e evolução do ensino agrícola em Minas Gerais ver o primeiro
capítulo do trabalho.
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] Há mais ou menos vinte e seis anos que aqui estivemos para assistir à
inauguração oficial deste Estabelecimento. Exercíamos então as altas
funções de Presidente da República e quizemos dar com a nossa presença o
exato sentido da importância daquele ato. Fincávamos aqui um marco
assinalado, porque divisório de duas épocas distintas na vida agrícola de
um dos maiores Estados da Federação: a que vinha dos primórdios da
nacionalidade, caracterizada pelo primitivismo agrícola, e outra que se
iniciava com a implantação de novos processos de trabalhar a terra e
cuidar das plantas, das árvores e dos animais. Inspirava-nos então, como
ainda hoje, o objetivo de tornar o trabalho mais produtivo com menor
esfôrço do homem [...]. (BERNARDES, 1952, [s/p.]).
Assim, a partir dos elementos considerados neste estudo, pode-se constatar que a
criação da ESAV fez parte de um projeto de desenvolvimento e diversificação produtiva
do Estado de Minas Gerais, forjado para promover a racionalização do campo, ou
melhor, a modernização da agricultura mineira por meio da “invenção” de um tipo ideal
de produtor rural: o farmer (fazendeiro) norte-americano.
Este projeto de “recuperação” e dinamização da economia mineira foi esboçado
pelo Estado e pela elite agrária no Congresso Econômico das “classes produtoras” de
MG realizado em Belo Horizonte - MG, no período de 13 a 19 de maio de 1903. O
evento delegou ao ensino agrícola elementar mineiro a tarefa de formar, qualificar e
organizar a mão-de-obra rural de modo que, as inovações técnicas no trato com a terra e
rebanhos fossem disseminadas a todos os grupos sociais do meio rural mineiro do
período em estudo. Trata-se do pressuposto iluminista que transfere ao “saber” técnico
a tarefa de promover o progresso e a civilização do país.
Deste modo, destacaram-se nesta pesquisa duas nítidas fases que marcaram a
configuração e a evolução do ensino agrícola em Minas Gerais. A primeira fase
caracterizou-se pela materialização de uma política estatal para o setor com ênfase na
educação básica para o trabalho agrícola. Esta educação calcada na idéia de
“positividade do trabalho”, que marcou o período histórico da “pós-escravidão”,
promoveu a profissionalização da instrução agrícola elementar em dois níveis: “[...] o
do ensino profissional em escolas e o da instrução prática de trabalhadores adultos”
(DULCI, 1999, p.51).
O positivista João Pinheiro foi o principal articulador desta missão pedagógica
de educar a população rural para a promoção do progresso, quando ocupou o cargo de
Presidente do Estado de MG (1906-1908). Daí a efetivação do incentivo ao ensino
primário agrícola, a criação de instituições de aprendizagem rural como: fazendas-
modelo, campos de experiência e de demonstração associados ao serviço ambulante de
extensão dos novos métodos e de disseminação do uso de máquinas e equipamentos
agrícolas às comunidades do campo de Minas.
Vale lembrar que, este programa de ensino estadual foi ratificado pelo
Regulamento Geral do Ensino agrícola de 1911. E deve-se notar também que, tal
Regulamento direcionou os sucessores de Pinheiro a continuarem investindo na
educação profissional elementar dos mineiros do meio rural até 1916.
Apesar, do “fracasso” de grande parte das modalidades de ensino agrícola
profissionalizante elementar, conforme visto no primeiro capítulo deste estudo,
139
122
Entende-se por modernização conservadora aquela que não promove transformações sociais como:
reforma agrária e diminuição das desigualdades entre os homens, etc. Cf. DULCI (1999; 2005).
123
Entende-se “otimismo pedagógico” conforme NAGLE (1974, p.101-102).
141
124
Conforme a instituição escolar era entendida por Gramsci.
142
Além disso, deve-se considerar que esta instituição nos dias atuais, ainda
direciona a sua produção científica e tecnológica em favor dos principais segmentos
capitalistas do ramo agronômico e de seus respectivos grupos sociais.
143
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Cartas do cientista Peter Henry Rolfs: a de 1925 enviada para Arthur Bernardes e a de
1929 ao Sr. João Carlos Bello Lisbôa.
Fontes iconográficas.
148
ANEXO A