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FABRÍCIO VALENTIM DA SILVA

ENSINO AGRÍCOLA, TRABALHO E MODERNIZAÇÃO NO CAMPO: A


ORIGEM DA ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA E VETERINÁRIA DO
ESTADO DE MINAS GERAIS (1920 - 1929)

Dissertação de Mestrado apresentada à


Banca examinadora, como exigência final
para a obtenção do Título de Mestre em
Educação Escolar do Programa de
Mestrado em Educação da Universidade
Federal de Uberlândia.

Orientadora: Prof.a Dr.a Vera Lúcia Abrão


Borges.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA


FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

UBERLÂNDIA, MG
2007
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S586e Silva, Fabrício Valentim da, 1980-


Ensino agrícola, trabalho e modernização no campo : a origem
da Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas
Gerais / Fabrício Valentim da Silva. - 2007.
155 f. : il.

Orientadora: Vera Lúcia Abrão Borges.


Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Uberlândia,
Programa de Pós-Graduação em Educação.
Inclui bibliografia.

1. Educação - História - Teses. 2. Ensino agrícola - Teses. 3.


Universidade Federal de Viçosa - Teses. I. Borges, Vera Lúcia
Abrão. II. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-
Graduação em Educação. III.Título.

CDU: 37(091)

Elaborado pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogação e Classificação


FABRÍCIO VALENTIM DA SILVA

ENSINO AGRÍCOLA, TRABALHO E MODERNIZAÇÃO NO CAMPO: A


ORIGEM DA ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA E VETERINÁRIA DO
ESTADO DE MINAS GERAIS (1920 - 1929)

Dissertação apresentada à Banca


examinadora designada pelo Colegiado do
Programa de Pós-graduação em Educação
da Universidade Federal de Uberlândia
como requisito final para a obtenção do
título de Mestre em Educação Escolar.

BANCA EXAMINADORA

-------------------------------------------------------------------------------------
Profa. Dra. Vera Lúcia Abrão Borges (orientadora)

-------------------------------------------------------------------------------------
Prof. Dr. Carlos Henrique de Carvalho (UFU)

-------------------------------------------------------------------------------------
Prof. Dr. Eloy Alves Filho (UFV)
Para minha mãe Conceição, mulher de
força e muita coragem e para minha
querida esposa, Cibelle, fonte de
inspiração das minhas conquistas. Estas
duas mulheres, simplesmente, iluminam
a minha vida!
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, causa primária do Todo, e aos seus mensageiros, sem os quais, não seria
possível a concretização deste trabalho.

Aos meus familiares, por todo apoio, confiança e paciência que me prestaram durante os
últimos tempos. Estes souberam suportar os meus momentos de ausência e de dificuldades,
principalmente as seguintes pessoas: Conceição, minha mãe, exemplo de resistência e
perseverança; Cibelle, companheira dos bons e maus momentos; A Dona Edna e o Seu
Jorcemino, que durante os últimos quatro anos apoiaram-me durante toda a caminhada; o meu
cunhado, João Paulo, pela amizade e prestatividade, os meus irmãos, Bruno, Izabela e ao
Adriano, que também me acompanhou nas idas e voltas do Arquivo Histórico da UFV, em suas
férias da universidade.

Aos contemporâneos de militância estudantil da UFV, em especial a eterna amiga Cássia, e aos
companheiros da “Terra do Nunca” (Alojamento Novíssimo, 214), Emanuel, Sandro, Marcelo e
ao Dudu, particularmente, por tantas idas e vindas ao Arquivo Público Mineiro em Belo
Horizonte - MG, em favor desta pesquisa.

A todos os colegas, amigos e amigas que fiz no mestrado: Graciane, Kellen, Rosângela,
Tâmara, Rones, Tânia, Cristiane, Leni, Jane Maria, Cidinha, Joiciane e o Anderson, um dos
meus principais interlocutores nos estudos sobre a Escola de Viçosa. E também aos amigos que
fiz nestes três anos de Uberlândia [...] Mariquinha Carolina ( a Carol), Seu José de Carvalho, a
Dona Aparecida, o Zezinho e a Luciana de Carvalho.

À Professora Maria das Graças Marcelo Ribeiro, primeiro pela oportunidade que me deu de
conhecer o campo da História da Educação, durante a minha graduação na UFV, e segundo
pelas considerações e críticas, as quais me fizeram crescer.

Ao Thiago Enes, por toda a ajuda que me prestou junto à localização de documentos
importantes no Arquivo Histórico da UFV.

À Professora orientadora Vera Lúcia Abrão Borges, pelas orientações, atenção e pela
oportunidade de ingresso no PPGE da FACED/UFU.

Aos Professores Wenceslau Gonçalves Neto e Carlos Henrique de Carvalho pelas


importantíssimas contribuições prestadas no exame de qualificação e durante as aulas do
mestrado. Em especial ao professor Carlos Henrique, pela sua atenção, diálogo constante, e pelo
seu compromisso com a pesquisa científica e com a universidade pública, gratuita e de
qualidade.

A importante contribuição do Professor Eloy Alves Filho para a conclusão deste trabalho de
pesquisa.

Ao James e a Gianny, grandes secretários do Mestrado em Educação/UFU.

À Val do Commut da UFU, sempre prestativa e amiga em nossas solicitações.

A todos [...] que, diretamente ou indiretamente me ajudaram nesta empreitada!

Finalmente, ao Povo Brasileiro que pagou seus impostos. Assim, a CAPES pôde financiar a
bolsa de pesquisa, a qual beneficiou a elaboração desta dissertação de mestrado.
Quem conhece a sua ignorância
Revela a mais alta sapiência.
Quem ignora a sua ignorância
Vive na mais profunda ilusão.
Não sucumbe à ilusão
Quem conhece a ilusão como
ilusão.
O sábio conhece o seu não-saber,
E essa consciência do não-saber
O preserva de toda ilusão.

Lao-Tsé
6

RESUMO

Este estudo situa-se no campo da História das Instituições de Ensino, e tem como
objetivo central interpretar o projeto de constituição da Escola Superior de Agricultura e
Veterinária do Estado de Minas Gerais (ESAV), mais conhecida como a “Escola de
Viçosa”, no período de 1920 a 1929. A gênese desta instituição escolar e a
modernização conservadora da agricultura mineira são os temas desta dissertação. A
análise está pautada em vários documentos primários, como cartas, relatórios,
regulamentos, “theses de ensino”, decretos, leis estaduais, livro de formatura e
fotografias. Estas fontes documentais estão localizadas no Arquivo Central e Histórico
da Universidade Federal de Viçosa (UFV). As fontes indicam que a criação da ESAV
fez parte de um projeto de desenvolvimento e diversificação produtiva do Estado de
Minas Gerais, projeto este, que foi forjado para promover a racionalização do campo,
ou melhor, a modernização da agricultura mineira por meio da “invenção” de um tipo
ideal de produtor rural: o fazendeiro moderno. Este projeto de “recuperação” e
dinamização da economia mineira foi esboçado pelo Estado e pela elite agrária no
Congresso Econômico das “classes produtoras” de MG, realizado em Belo Horizonte -
MG, no período de 13 a 19 de maio de 1903. O evento delegou ao ensino agrícola
elementar mineiro a tarefa de formar, qualificar e organizar a mão-de-obra rural, de
modo que, as inovações técnicas no trato com a terra e rebanhos fossem disseminadas a
todos os grupos sociais do meio rural do período em estudo. Trata-se do pressuposto
iluminista que transfere ao “saber” técnico a tarefa de promover o progresso e a
civilização do país. Deste modo, destacaram-se nesta pesquisa duas nítidas fases que
marcaram a configuração e a evolução do ensino agrícola em Minas Gerais. A primeira
fase caracterizou-se pela materialização de uma política estatal para o setor, com ênfase
na educação básica para o trabalho agrícola. Esta educação calcada na idéia de
“positividade”, que marcou o período histórico da “pós-escravidão”, promoveu a
profissionalização da instrução agrícola elementar em dois níveis: o da instrução
profissional em escolas e o do ensino prático de trabalhadores adultos. O positivista
João Pinheiro foi o principal articulador desta primeira etapa. Na segunda fase de
evolução do ensino agrícola mineiro, o eixo norteador foi a idéia de renovar o campo
em termos técnicos e socioculturais, visto que a estratégia utilizada para atender o
desenvolvimento e a diversificação produtiva almejada pelas elites mineiras desde o
Congresso de 1903, foi “rearticulada” durante o governo estadual do Presidente Arthur
Bernardes (1918-1922) com a criação da Escola de Viçosa, por meio do Decreto Lei nº
761 de 6/09/1920. Nasciam assim, as “bases” para a efetivação da modernização da
agricultura de MG. Para isto, Arthur Bernardes buscou no modelo de ensino das escolas
agrícolas norte-americanas, os Land Grant Colleges, o projeto político-pedagógico
necessário para levar a frente tal objetivo. E por influência do principal organizador
técnico da ESAV, o cientista norte-americano Peter Henry Rolfs, a Escola de Viçosa
“foi delineada com a feição e a dinâmica” de um college agrícola americano. Neste
projeto educativo, os estudantes “esavianos” seriam os principais agentes difusores do
ideal modernizador do homem e da lavoura mineira. Ou seja, eles deveriam “liderar
intelectualmente” a modernização do campo. Em virtude disto, estes “moços” recebiam
conhecimentos técnicos e científicos modernos sobre agropecuária, associados às idéias
e valores morais, cívicos, higienistas e de educação para o trabalho preconizado pela
elite agrária e política da época.

Palavras-chaves: ESAV, Ensino Agrícola Profissionalizante, Peter Henry Rolfs,


Modernização Agrícola, Gênese.
7

ABSTRACT
This search is located in the Education Institutions History field and it aims to interpret
the Agricultural and Veterinary Superior School of Minas Gerais (ESAV) construction
project known by “Viçosa School” in the period between 1920 and 1929. The beginning
of this educational institution and the agriculture conservator modernization are subjects
of this search. The analyses are based on many primary documents such as letters, book
notes, interior policies, teaching methods, state laws, graduation books and pictures.
Those sources are archived in the Historic Archive from the Universidade Federal de
Viçosa (UFV). The sources indicate that the ESAV construction is based on a project
for rural development and diversification in Minas Gerais state, and it was made to
enhance agricultural rationalization and modernization through the “invention” of an
ideal kind of farmer: the modern farmer. This “recovering” project for Minas Gerais’
economy was drowned by the government and rural elites at Minas Gerais Rural
Economic Forum that took place in Belo Horizonte – MG, from 13th to 19th of may, in
the year 1903.This meeting conferred to the state agricultural school the responsibility
to form, to qualify and to organize rural workers, so all the technical innovations about
crop working and animal handling could be transmitted to all social groups of rural
workers at that time. This process takes part on the illuminist thoughts that transfer to
the technical knowledge the responsibility to endorse progress and civilization in the
country. It can be highlighted on this search two different periodsthat marked the
settings and evolution of agricultural teaching in Minas Gerais. The first period was
characterized by state politics materialization for the sector with emphasis on basical
education for agricultural work. This education, based on thoughts of positivism and
that marked the historical period “post-slavery” promoted the qualification of
elementary Agricultural instruction in two levels: the professional teaching in schools
and the practical teaching for adults laborers. The positivist man João Pinheiro was the
main sponsor for this first stage. On the second stage of evolution the main focus was to
renew the country, on technical sociologic and cultural terms, seeing as the strategies
employed to reach production development and diversification searched by privileged
groups in Minas Gerais at that meeting in 1903 was reshaped on President Arthur
Bernardes administration (1918-1922) with the beginning of Escola de Viçosa, through
the law #761 in 09/06/1920. This way, it has started the base for an effective
modernization for Minas Gerais agriculture. In order t do it, president Arthur Bernardes
reached the north American agricultural schooling model, the land Grant Colleges, the
necessary political-pedagogical project to reach the desired aim. Persuaded by the
political scientist Peter Henry Rolfs who was the main technical manager from ESAV,
the school of Viçosa was shaped with the same features of an American agricultural
college. In this educational project, the students from ESAV were the main diffusers for
the modern thoughts for labors and crop fields in Minas Gerais. In other words, they
should be the intellectual leaders of field modernization. This was the main reason for
those young people was receiving modern scientific and technical agricultural
knowledge, related to thoughts and moral civic hygienic ideas and schooling for the
kind of work needed by rural politicians and employers at that time.

Keywords: ESAV, Professional agricultural education, Peter Henry Rolfs, Agriculture


modernization, Genesis
8

LISTA DE ILUSTRAÇÕES/FONTES ICONOGRÁFICAS

Figura 1: Caipira Mineiro de cócoras...........................................................................................11


Figura 2: Foto da fachada do prédio onde se encontra localizado o ACH da UFV.....................14
Figura 3: Fazendas adquiridas pelo Estado para a instalação do Campus da ESAV em 1921....73
Figura 4: Legenda das fazendas destinadas à instalação do Campus da ESAV em 1921............73
Figura 5: Presença de autoridades locais e do povo viçosense à colocação da pedra angular do
Edifício Principal da ESAV em 10/06/1922 ...............................................................................78
Figura 6: Colocação da pedra fundamental do Prédio Principal da ESAV em 10/06/1922.........78
Figura 7: Operários escavando o subsolo para extração de areia.................................................80
Figura 8: Central Elétrica, Ferraria (acima); Marcenaria e Carpintaria (abaixo).........................81
Figura 9: Olaria, Pedreira e trilhos para os vagonetes (acima); Exposição de mobiliário e
Ladrilhos, esquadrarias e moldados (abaixo)...............................................................................81
Figura 10: para os filhos dos trabalhadores da construção – O primeiro ensino na ESAV.........83
Figura 11: Banda de Música – Uma das primeiras manifestações culturais da ESAV..................83
Figura 12: Escola noturna para os operários................................................................................84
Figura 13: Ultimação dos alicerces..............................................................................................89
Figura 14: Fase inicial da construção do 2º andar do Prédio Principal........................................90
Figura15: Homenagem a Arthur Bernardes – Festa da colocação da cumeeira do Prédio
Principal........................................................................................................................................91
Figura16: O Marco Inicial da ESAV - O Edifício Principal........................................................95
Figura17: Chegada do comboio presidencial para inauguração da ESAV...................................96
Figura 18: Missa campal da inauguração da ESAV em 26/8/1926..............................................97

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Institutos Agrícolas criados em Minas Gerais, de 1909 a 1911...................................55


Tabela 2: Aprendizados Agrícolas em Minas Gerais...................................................................56

ANEXOS
ANEXO A: Carta em Inglês do Dr. Peter Henry Rolfs ao Dr. João Carlos Bello Lisbôa, ano
1929. ........................................................................................................................................151
9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................10

CAPÍTULO 1
Raízes Históricas da ESAV ......................................................................................................21

CAPÍTULO 2
A Gestação da Escola de Viçosa...............................................................................................65

CAPÍTULO 3
Os Pilares do Saber Esaviano ................................................................................................103

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................137

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................143

6. ANEXO A............................................................................................................................151
10

INTRODUÇÃO

“[...] De resíduos, de papéis, de legumes, até mesmo das geleiras e ‘das neves eternas’,
o historiador faz outra coisa: faz deles a história. Artificializa a natureza. Participa do
trabalho que transforma a natureza em ambiente e, assim modifica a natureza do
homem. Suas técnicas o situam, precisamente, nesta articulação. Colocando-se ao nível
desta prática, não mais se encontra a dicotomia que opõe o natural ao social, mas a
conexão ente uma socialização da natureza e uma ‘naturalização’ (ou materialização)
das relações sociais” (CERTEAU, 1982, p. 79).

Esta pesquisa tem como objeto de análise a Escola Superior de Agricultura e


Veterinária do Estado de Minas Gerais (ESAV), a Escola de Viçosa1, no período de
1920 – 1929, e, como objetivo central, interpretar o projeto político-pedagógico de
constituição desta instituição de ensino.
Assim sendo, deve-se salientar que a periodização tem início em 1920, por nesse
ano ter ocorrido a edição do ato legal de criação da ESAV pelo Estado de MG, a Lei n.
761 de 6 de setembro do mesmo ano. O período alonga-se até 1929, pois essa data
marcou a transmissão do cargo do primeiro diretor e organizador técnico da Escola, o
especialista norte-americano Peter Henry Rolfs, ao segundo diretor esaviano, o
Engenheiro João Carlos Bello Lisbôa. Além disso, foi em 1929 que houve a primeira
diplomação de alunos dos cursos regulares em funcionamento2 na ESAV.
Buscou-se neste estudo analisar as causas históricas que levaram o governo
estadual do Presidente3 viçosense Arthur da Silva Bernardes (1918-1922) a criar e a
instalar uma “moderna” escola superior agrícola no interior da Zona da Mata mineira no

1
Deve-se ressaltar que, em 1948, houve o interesse de transformar a ESAV em Universidade Rural de
MG. Desta forma, foram dados os primeiros passos para a elaboração de um projeto de lei para a criação
da UREMG (Universidade Rural do Estado de Minas Gerais). Assim, durante o governo Milton Campos,
através da Lei nº 272 de 1948, com o intuito de tirar a Escola de Viçosa da condição de “escola isolada”,
ocorreu o processo de transformação, elevando-a a categoria de Universidade. Contudo, após quarenta e
três anos de existência, a UREMG foi “federalizada” em 15 de julho de 1969, pelo Governo Federal e
passou a se chamar Universidade Federal de Viçosa (UFV), como é conhecida atualmente.
2
Em 4 de julho de 1929, ocorreu a primeira solenidade de entrega de certificados a alunos que
concluíram os cursos elementar (Capataz Rural) e médio (Técnico Agrícola). Eram 12 esavianos
formandos no curso de Capataz Rural e 8 esavianos no curso de Técnico Agrícola. Vale destacar também
que, a primeira turma do curso superior de Agronomia iniciou suas aulas em 1 de maio de 1928, enquanto
que, no curso superior de Medicina Veterinária as aulas iniciaram-se apenas em 1 de março de 1932.
3
Cabe notar que, a palavra “Presidente” era utilizada no período em estudo para definir o cargo político
que nos dias atuais equivale ao de Governador de Estado.
11

transcorrer dos anos 1920.


Essa instituição de instrução agronômica, destinada à realização de
investigações, pesquisas e a disseminação de ensinamentos agrícolas úteis e práticos à
população rural de MG, em todos os níveis e modalidades, acabou inaugurando uma
nova fase no processo de configuração e desenvolvimento do ensino agrícola mineiro.
Visto que, a principal meta da Escola era dinamizar a produção da lavoura
mineira da época, por meio da premissa de “criar” um tipo ideal de produtor rural para o
campo de Minas Gerais. Tratava-se de eliminar o modo de vida do Jeca Tatu - o
“caipira mineiro”, que segundo as elites do período em estudo era resistente ao
“progresso”, a civilização do país e estava sempre de “cócoras” para a racionalização da
agricultura mineira. A charge abaixo expressa bem este pensamento de época da
representação do homem do campo em MG.

Figura 1: Caipira Mineiro de cócoras.


Fonte: www.projetomemoria.art.br/MonteiroLobato/bibliografialobatiana/direita.html

Buscava-se, assim, efetivar uma “reforma rural” que garantisse a modernização


da agricultura do Estado em termos técnicos e socioculturais. Porém, sem alterar a
estrutura fundiária mineira. Assim, as desigualdades sociais e econômicas seriam
tratadas apenas, como uma questão técnica: o empirismo agrícola. Não importava se o
produtor era dono da propriedade rural, meeiro ou operário, isto quer dizer, que o
fracasso e a prosperidade do produtor rural estava sempre atrelado ao “uso ou não uso”
dos modernos processos de produção. Antes, de outras considerações acerca do objeto
desta dissertação, fazem-se necessário apresentar ao leitor a relação do autor da
12

pesquisa com a instituição estudada.


Desse modo, cabe notar que a curiosidade sobre o presente tema tem origem em
meus estudos realizados no curso de graduação em Pedagogia da Universidade Federal
de Viçosa (UFV). E principalmente no Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE) da Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal de Uberlândia
(UFU), na linha de História e Historiografia da Educação, como aluno especial no ano
letivo de 2004. Já que, tive nesse lócus educacional a oportunidade de aprofundar meus
conhecimentos no campo histórico educacional e de despertar o interesse pelo campo da
História das Instituições Escolares.
Durante a graduação tornei-me membro do Grupo de Estudos e Pesquisa
Educação Pública: História e Política do Departamento de Educação da UFV e bolsista
do CNPq (no período de agosto de 2002 a julho de 2003). A partir daí pude realizar uma
pesquisa coordenada pela Profa. Dra. Maria das Graças Marcelo Ribeiro, sobre o
principal traço de identidade da Universidade Federal de Viçosa, a extensão
universitária, no período de 1948 a 1968, quando esta instituição era ainda a
Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG).
Através dos estudos realizados, chegou-se à conclusão que houve uma
dinamização da prática extensionista, na instituição, a partir dos anos 1950,
imediatamente após a transformação da antiga ESAV, em UREMG, principalmente
devido aos acordos de cooperação com os Estados Unidos (EUA). Vale ressaltar que a
extensão na UREMG tem suas raízes na ESAV, instituição que a originou.
Neste trabalho de Iniciação Científica, acumulei conhecimento histórico
considerável sobre esta Universidade Rural. Este fato foi crucial na escolha do tema
para a minha monografia de conclusão de curso, pois, consegui associar esta “bagagem”
teórica sobre a história da UFV com a minha atuação discente junto ao Centro
Acadêmico de Pedagogia e Diretório Central dos Estudantes (DCE). Dessa forma,
realizei um trabalho que analisou a mobilização dos estudantes da UREMG, através da
atuação dos Diretórios Acadêmicos das três unidades acadêmicas da instituição
(Agronomia, Economia Doméstica, Escola de Floresta), com o intuito de analisar o
caráter desta organização estudantil, no período correspondente aos anos que vão de
1948 a 1968.
Meu contato com este período histórico da trajetória da atual UFV nas duas
pesquisas, que fiz referência, aguçou meu anseio de compreender o passado e o
processo de formação desta instituição. Por isto, a minha trajetória acadêmica
13

proporcionou-me a realização e o contato com temas de pesquisas relacionados com a


Escola de Viçosa.
Outro fator que contribuiu na escolha da ESAV como objeto científico foi o
intento deste estudo contribuir para a História das instituições de ensino e pesquisa em
Minas Gerais e, ao mesmo tempo, fornecer elementos para a discussão atual do
compromisso das universidades brasileiras com as dívidas sociais angariadas no
passado.
Mas, foi enquanto aluno regular do PPGE da FACED/UFU da turma de 2005,
mais precisamente, quando cursava a disciplina “Seminário Temáticos II”, ministrada
pelo Professor Dr. Carlos Henrique de Carvalho, que surgiu a idéia de concentrar os
esforços da presente pesquisa no propósito de interpretar a gênese da ESAV, isto é, de
analisar a origem da Escola nos anos 1920.
Diante desta “empreitada” de analisar o projeto de constituição da Escola
Superior de Agricultura do Estado de Minas Gerais, no período proposto, contou-se
com uma gama de fontes4 impressas como cartas, relatórios, regulamentos, “theses de
ensino”, decretos, leis estaduais, livro de formatura “ESAV 1939”, fotografias, entre
outros documentos produzidos pela própria instituição. Estas fontes documentais estão
localizadas no Arquivo Público Mineiro-Belo Horizonte/MG e principalmente no
Arquivo5 Central e Histórico (ACH) da Universidade Federal de Viçosa. Veja a seguir,
a foto do arquivo histórico da UFV.

4
Respeitou-se nas citações a escrita (as regras gramaticais) da época em estudo.
5
Para saber sobre o trabalho de pesquisa e memória que envolve o Arquivo Central e Histórico da
Universidade Federal de Viçosa consultar os trabalhos de: TEIXEIRA (2004), RAASCH (2006) e
SANTOS (2006a).
14

Figura 2: Foto da fachada do prédio onde se encontra localizado o ACH da UFV


Fonte: TEIXEIRA (2004, p.29).

O estudo também se pautou em um levantamento bibliográfico que buscasse


historiar a ESAV, desde a sua fundação. Em um primeiro momento foram priorizadas
análises de seis (06) publicações6 da Imprensa Universitária da UFV, porque esta
constitui, nos dias atuais, um dos principais veículos de divulgação das pesquisas acerca
dessa universidade, contendo inclusive alguns trabalhos de memorialistas sobre sua
história institucional.
Isto não quer dizer que, se acredita ter analisado toda a produção referente à
trajetória histórica dessa universidade, pelo contrário, delimitou-se essa amostra
classificando-as em duas “categorias” de obras. A primeira categoria pôde ser
caracterizada pelo traço característico em comum de celebrarem a história da
Universidade Federal de Viçosa “distante” de uma perspectiva “histórico interpretativo”
de análise, com uma preocupação maior em preservar a “memória” da instituição como
um grande feito para a agricultura mineira.
Chamou a atenção no primeiro grupo de publicações, o fato de seus autores
serem unânimes em afirmar, que a ESAV foi fruto exclusivamente do “desejo”, da
“glória” e da “visão do futuro” de um “grande estadista”, o “viçosense” Arthur da Silva
Bernardes. Mas, sem buscar esclarecer o momento histórico e os motivos de ordem
política, econômicas, sociais e culturais que levariam o fundador da instituição a

6
São elas: UREMG, (1968); Paniago, (1990); Pavageau, (1991); Ribeiro. F, 1996; Coelho. E, (1996);
Borges et al (2000).
15

“articular” o seu projeto de instalação na Zona da Mata de MG.


Já a segunda categoria de publicações consultadas caracteriza-se por um grupo
de trabalhos científicos como artigos, dissertações de mestrado, teses de doutorado,
relatórios de iniciação científica que tem a ESAV como tema de estudo, em uma
perspectiva metodológica de cunho interpretativo e não laudatório. Neste rol de
trabalhos destacam-se os trabalhos de: LOPES (1995)7; COELHO (1992)8; SILVA
(1995)9; RIBEIRO & COMETTI (2001)10; COMETTI (2005)11; AZEVEDO (2005)12;
RIBEIRO (2006)13 e BAÍA (2006)14.
Apesar dos referidos trabalhos terem contribuído consideravelmente para uma
“demarcação”15 científica da ESAV numa perspectiva crítica e interpretativa. Ainda foi
possível identificar a existência de uma “lacuna” histórica no tocante à origem da
Escola de Viçosa, haja visto que as causas históricas responsáveis pela constituição do
projeto de criação da instituição pesquisada não foram objeto de análise dos estudos
acima citados. Assim, entende-se que:

Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção sócio-econômico,


político e cultural. Implica um meio de elaboração que circunscrito por determinações
próprias: uma profissão liberal, um posto de observação ou de ensino, uma categoria de
letrados, etc. Ela está, pois, submetida a imposições, ligada a privilégios, enraizada em
uma particularidade. É em função deste lugar que se instauram os métodos, que se
delineia uma topografia de interesses, que os documentos e as questões, que lhes serão
propostas, se organizam (CERTEAU, 1982, p.66-67).

Portanto, em consonância com esta orientação de CERTEAU (1982), a presente

7
Apesar do estudo desta autora ter privilegiado a questão do “gênero” no âmbito da antiga ESAV, a
Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG), a mesma apontou a sua análise no que tange
ao processo de formação da Escola de Viçosa, no período compreendido entre 1920 e 1948.
8
Reconstituiu a história da produção científico-tecnológica da ESAV, até a transformação da Escola em
Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG).
9
Examinou a Semana do Fazendeiro da Universidade Federal de Viçosa, a partir dos anos 1920, enquanto
uma atividade extensão universitária.
10
As autoras buscaram analisar se a estruturação da Escola de Viçosa foi pautada no modelo das escolas
agrícolas norte-americanas, os land grant colleges.
11
A autora estudou as atividades extensionistas realizadas pela ESAV de 1926 a 1948.
12
O autor realizou uma pesquisa histórica a respeito do trabalho pedagógico implementado durante o
processo de formação da ESAV, de 1920 a 1948. Apesar, de o referido trabalho ter tratado com maior
atenção a questão da constituição da Escola de Viçosa, tal estudo não contemplou a configuração da
ESAV dentro do quadro de origem e desenvolvimento da instrução agrícola mineira, durante os anos
1920.
13
A autora apresentou um estudo comparativo entre os land-grant colleges e a Escola de Viçosa.
14
O autor analisou o papel do esporte na consolidação e propagação do Espírito Esaviano na ESAV, no
período de 1926 a 1948.
15
Sobre as premissas da metodologia do conhecimento científico ver DEMO (2000).
16

dissertação tratou de interpretar o projeto de criação da ESAV, durante os anos 1920,


não como um “dado”, mas como um “problema”, por isto norteou-se a pesquisa pelas
seguintes questões:
• 1ª) Por que foi criada?
• 2ª) Para quem?
• 3ª) Para que? Somente para abolir o empirismo agrícola da
agropecuária mineira? Em caso positivo, provocou mudanças na
estrutura social dos campos mineiros?
• 4ª) Que forças sociais “personificadas” na figura política de Arthur
Bernardes foram responsáveis pela criação da ESAV?
Este trabalho se dividi-se em três capítulos. O primeiro é dedicado a analisar as
“raízes históricas” da ESAV. Busca-se explicar o processo de configuração e evolução
do ensino agrícola em Minas Gerais nos marcos do projeto de desenvolvimento e
diversificação produtiva do Estado. Este projeto foi engendrado pelo Estado e pelas
elites mineiras durante as duas décadas iniciais do regime republicano, mais
especificamente a partir do Congresso Econômico de 1903, realizado em Belo
Horizonte-MG, de 13 a 19 de maio do mesmo ano. Com o governo Arthur Bernardes
(1918-1922), Minas rearticulou a estratégia de desenvolvimento e diversificação
produtiva esboçada no Congresso de 1903 e apostou todas as suas “fichas” na idéia de
renovação técnica e sociocultural do campo, ou melhor, na modernização conservadora
da agricultura e da população do campo.
Esta “reforma rural” foi pensada e desenvolvida pela ESAV que deveria atender
a todos os níveis de ensino (elementar, médio e superior). Dessa forma, nasceu com o
projeto da Escola de Viçosa, nos anos iniciais de 1920, uma segunda fase para esta
modalidade de ensino em MG, em virtude de que, na fase anterior, o esforço da política
estadual para o ensino agrícola concentrava-se na instrução agrícola prática elementar.
O Segundo capítulo busca interpretar os anseios e propósitos do governo mineiro
materializados na criação de uma moderna Escola Superior de Agricultura e Veterinária
na Mata mineira pelo governo Bernardes (1918-1922). Finalmente o terceiro capítulo
discute os “pilares” do saber esaviano. Nesta análise, é privilegiado o papel do
organizador técnico da Escola, o norte-americano Peter Henry Rolfs, frente à tarefa de
“adequação” do modelo das escolas agrícolas norte-americanas, os Land Grant Colleges
à realidade sócio-econômica, política e cultural da população rural mineira, durante o
17

período demarcado pela pesquisa.


Também considera-se importante ressaltar o caminho metodológico percorrido
para se atingir os objetivos da pesquisa. Cabe então, tratar de alguns pressupostos
teóricos e metodológicos utilizados neste estudo.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS NA ABORDAGEM DAS FONTES E DO


OBJETO

É praticamente impossível desenvolver um estudo histórico, sem a


fundamentação em um ou mais pressupostos que direcionem a “reconstrução” do objeto
em estudo. Assim, pode-se afirmar que, três preocupações teórico-metodológicas
orientaram a presente pesquisa. A primeira ocupa-se das relações entre educação e
trabalho já que:

[...] O trabalho sempre influiu no processo educativo dos homens e na configuração das
instituições escolares. A relação escola-trabalho não se reduz nem à preparação
profissional nem à imediata qualificação da mão-de-obra, pois existe uma complexa
integração histórica entre o mundo do trabalho e a escola, sem que cada um perca suas
especificidades e autonomia (NOSELLA & BUFFA, 2000, p. 18).

Desse modo, a criação da ESAV no transcorrer dos anos 1920, é entendida pela
presente pesquisa como produto do “momento histórico em que foi criada”. Período
histórico este que foi marcado pelos impactos provocados pelo processo de
transformação do trabalho ocorrido após a abolição da escravidão, pelo “entusiasmo
pela educação” e pelo movimento ruralista brasileiro que buscava ratificar a vocação
agrícola do país por intermédio da estratégia de modernização da agricultura do país.
É a partir desta preocupação metodológica que surgiram quatro premissas:
a) O Estado republicano que nasceu em Minas Gerais não é entendido neste
estudo como uma “entidade autônoma”, a qual paira acima dos interesses político-
econômicos dos setores produtivos. Este estudo entende Estado na acepção de Gramsci,
ou seja, supera-se o conceito de Estado apenas como sociedade política, pelo contrário,
sociedade civil e sociedade política em conjunto, formam o Estado16 em sentido amplo.
Daí lidera a constituição de um bloco histórico (pode ser entendido como uma ampla e
estável aliança de classes e frações sociais). Por isto, o surgimento do ensino agrícola

16
Na visão gramscista Estado equivale a seguinte representação: sociedade política + sociedade civil.
18

mineiro será analisado durante todo o trabalho, principalmente no primeiro capítulo


como uma estratégia formulada pelo Estado em conjunto com as “classes produtoras”
de reorganização do mercado de mão-de-obra rural e de modernização conservadora da
agricultura e da população rural mineira do período pesquisado.
b) O Estado de Minas elaborou em parceria com as classes produtoras mineiras,
no Congresso Econômico de 1903, um projeto de desenvolvimento e diversificação
produtiva calcado na idéia de “recuperação” da substância econômica de MG. Para isto,
o Estado fez uso da pecha do “atraso” enquanto entrave para o progresso sócio-
econômico mineiro. Dessa maneira, a elite política conseguiria estabelecer o princípio
da “união na diversidade”, já que as classes produtoras mineiras eram pertencentes à
variadas categorias de produção. Com este princípio de união, o grupo social dos
fazendeiros conseguia apoio de outros grupos do setor produtivo para priorizar junto ao
Estado políticas estaduais voltadas para atender as demandas da elite agrária durante os
anos 1920.
c) Deve-se ressaltar que, este projeto de “recuperação” e diversificação
produtiva do Estado de MG, traçado em 1903, foi “rearticulado” pelo governo estadual
do Presidente Arthur da Silva Bernardes (1918-1922) com a criação da Escola de
Viçosa pelo Decreto Lei n.761 de 6/09/1920. Visto que, a instituição surgiu
principalmente para impulsionar esta política de diversificação produtiva por meio da
modernização da agricultura.
d) Devem-se pensar as elites política e agrária mineira, no período em estudo,
como portadora de um projeto hegemônico específico de grupo social (ou classe), o
qual, entretanto, é posto como universal.
A segunda preocupação metodológica refere-se ao trato com o documento.
Conforme já dito, esta pesquisa realizou-se com base em um variado conjunto de fontes
impressas. Apesar, da opção por uma “escrita da história” a partir de fontes oficiais.
Tem-se conhecimento que:

[...] há alguns anos, novas abordagens decorrentes da Escola dos Annales e da chamada
nova história francesa provocaram uma transformação nos objetos de investigação, na
maneira de trabalhar do historiador e nas concepções de história. Nessa linha,
escreveram-se histórias da vida privada, agora também da brasileira, das pessoas
simples, do seu cotidiano, da vida doméstica, religiosa, sexual, todos objetos
negligenciados no passado e que suplantaram tanto os antigos e enfadonhos estudos
sobre reis e imperadores e seus feitos políticos-guerreiros como os complicados tratados
sobre história econômica, por exemplo. Essas novas abordagens seduziram também
historiadores da educação brasileira que consideram, assim, insuficientes as tradicionais
19

fontes de pesquisa. O documento escrito, se existir, é, sem dúvida, uma fonte a


considerar, mas há outras mais preciosas. É o próprio conceito de fonte que se alarga.
Em se tratando de história da educação, memórias, histórias de vida, livros e cadernos
dos alunos, discursos em solenidades, atas, jornais da época, almanaques, livros de
ouro, relatórios, fotografias, etc, são fontes importantíssimas. Assim, alguns dos nossos
historiadores da educação passaram a pesquisar o particular, o pontual, o efêmero,
renunciando à possibilidade de uma compreensão objetiva da realidade (NOSELLA &
BUFFA, 2000, p. 18-19).

Portanto, vale salientar que este estudo também se “aproveitou” do


“alargamento” do conceito de fonte, o qual, falam os autores acima citados, uma vez
que a consulta e análise das fontes primária privilegiou fontes impressas como:
discursos do Presidente Arthur Bernardes, fotografias, teses formuladas pelo cientista
Peter Henry Rolfs sobre o ensino agrícola em Minas e no Brasil e, inclusive um livro de
formatura denominado “ESAV 1939”.
Desta forma, sabe-se que o contato do historiador com as fontes primárias é
imprescindível, sejam elas impressas, iconográficas ou orais, pois conforme Adam
Schaff:

No seu trabalho, o historiador não parte dos fatos, mas dos materiais históricos, das
fontes, no sentido mais extenso deste termo com a ajuda dos quais constrói o que
chamamos os fatos históricos. Constrói-os na medida em que seleciona os materiais
disponíveis em função de um certo critério de valor, como na medida em que os
articula, conferindo-lhes a forma de acontecimentos históricos [...] (SCHAFF, 1978, p.
307).

Ou seja, o historiador depende das fontes primárias para lançar seus esforços
interpretativos sob os documentos históricos, que são na verdade, fragmentos do
passado no tempo presente. Logo, entende-se porque o trabalho historiográfico deve ser
empreendido como uma tarefa incansável de reconstrução e interpretação dos
acontecimentos passados. E é com base neste pressuposto que se analisaram as fontes
documentais desta pesquisa.
A terceira característica da metodologia adotada diz respeito a este pressuposto
citado acima, quando se procurou escrever a história da origem da Escola de Viçosa
numa perspectiva interpretativa histórica das instituições escolares não apenas factual
(não laudatória).
Por conseguinte, norteado por esses três pressupostos teórico-metodológicos,
estabeleceu-se algumas categorias de análise. Para isto, inspirou-se nas categorias
20

propostas pelas quatro premissas levantadas anteriormente. Desta forma, as categorias, a


saber, são: “desenvolvimentismo mineiro”, do autor DULCI (1999; 2005); “ruralismo
brasileiro”, da autora (MENDONÇA, 1990; 1997); o quadro evolutivo do ensino
agrícola mineiro proposto por FARIA (1992); “entusiasmo pela educação” de NAGLE
(1974); e as categorias de Estado, hegemonia, bloco histórico e ideologia propostas por
GRAMSCI (1989).
E para conduzir o trabalho da pesquisa apoiei-me num método interpretativo que
segundo PESAVENTO (2005, p. 65) faz o historiador “[...] montar, combinar, compor,
cruzar, revelar o detalhe, dar relevância ao secundário, eis o segredo de um método do
qual a História se vale, para atingir os sentidos partilhados pelos homens de um outro
tempo”.
É como se o pesquisador da história se transformasse em um individuo que se
dedica na montagem de um quebra cabeça, a fim de compreender as relações e as
diferenças encontradas entre as peças. Segundo PESAVENTO (2005) trata-se do
método da montagem de Benjamin.
Convido, então, o leitor a uma reflexão sobre o processo de constituição da
ESAV, a Escola de Viçosa, durante os anos 1920.
21

CAPÍTULO I
RAÍZES HISTÓRICAS DA ESAV

1.0 Educação e Trabalho: a configuração e evolução do ensino agrícola em


Minas Gerais nos marcos do “desenvolvimentismo mineiro” (1903-1920)

A presente análise está centrada no pressuposto de que o ensino agrícola em


Minas Gerais tem raiz no projeto de “desenvolvimentismo mineiro”17engendrado pelo
Estado e pelas “classes produtoras” mineiras durante as duas décadas iniciais do regime
republicano. Como marco oficial da elaboração desse projeto econômico, consagrou-se
o primeiro Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de MG realizado em Belo
Horizonte, de 13 a 19 de maio de 1903.
Este congresso foi um dos principais cenários de enunciação da instrução
agrícola enquanto instrumento de organização do mercado de trabalho no campo e de
“disseminação de inovações técnicas no trato com a terra e rebanhos”.
Esta estratégia foi posta pelo Estado, em “aliança” com as classes produtoras
mineiras, principalmente com o grupo social dos fazendeiros mineiros, à medida que
uma antiga questão ligada ao processo de “transformação do trabalho” se apresentou
como um dos principais obstáculos para a “concretização” do projeto de
desenvolvimento econômico de Minas Gerais: o “problema da mão-de-obra”,
desencadeado em toda a sociedade brasileira com a transição do regime de trabalho
escravo para o regime de trabalho livre.
A partir desse pressuposto busca-se esclarecer nesse estudo o modo como os
debates e os desdobramentos do Congresso Econômico de 1903 influenciaram no
processo de configuração do ensino agrícola no Estado de Minas, durante a Primeira
República, mais especificamente até 1920, ano de criação da Escola de Viçosa, a
ESAV.
Elege-se como ponto de partida as discussões e os desdobramentos do

17
Segundo DULCI (2005) “Desenvolvimento, no terreno socioeconômico, é uma idéia referente à
superação intencional de uma situação de atraso relativo. Envolve, portanto, uma clara dimensão política,
que se traduz em ações governamentais – mediante graus variáveis de intervenção – e também em
articulações de classes e grupos diversos (sobretudo as elites políticas, econômicas e intelectuais) em
torno da meta de superação do atraso. Podemos chamar de desenvolvimentismo ao pensamento que
focaliza esse processo numa perspectiva de projeto, realçando seu sentido estratégico e seu potencial
mobilizador” ( DULCI, 2005, p. 114).
22

Congresso de 1903, principalmente no que tange as exigências feitas pelos fazendeiros


mineiros pela: constituição, controle/repressão e educação da mão-de-obra rural
nacional-mineira por meio da disseminação do ensino agrícola elementar (ou primário)
prático.
São apontadas sumariamente as principais modalidades da educação agrícola
disseminadas pelo Estado no período de 1906 a 1920. Nesse período, deve-se destacar a
gestão de João Pinheiro18 a frente do governo estadual de 1906-1908. Pois nela
constatou-se um grande investimento do Estado na instalação de instituições de ensino
agrícola, priorizando as modalidades de instrução elementar e prática, reflexo da
incorporação das exigências anunciadas pelos fazendeiros mineiros durante o Congresso
de 1903, na plataforma política de João Pinheiro.
Estende-se a presente análise até 1920, em razão de este ano constituir marco da
mudança de estratégia do governo mineiro quanto à função maior do ensino agrícola de
organizar o mercado de trabalho nos campos. Mudança esta, articulada por Arthur
Bernardes quando ocupava a presidência de Minas de 1918 a 1922 e que se materializou
com a criação da Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa, através da Lei
Estadual n.761 de 06/09/1920. Dulci traduz este momento de mudança de estratégia ao
escrever que:

O modelo de ensino mais simples e prático, fundado na experiência dos


lavradores, parecia adequado à realidade do início do século. No entanto, as
circunstâncias econômicas eram outras em fins da Primeira Guerra Mundial,
levando a uma alteração da política vigente. A mudança, introduzida pelo
governo Arthur Bernardes [...], consistiu na valorização do ensino agrícola
médio e superior, até então deixado à iniciativa privada. O foco da atenção
estatal ampliava-se, sem que fossem abandonadas as preocupações anteriores
com o ensino elementar. Mesmo persistindo o problema da mão-de-obra
rural, a evolução do setor agropecuário requeria agora a formação de pessoal
qualificado com base em recursos científicos avançados. Esse requisito veio
a ser atendido pela Escola Superior de Agricultura e Veterinária, instituição

18
“João Pinheiro da Silva era político e industrial. Nasceu na cidade do Serro, em 16 de dezembro de
1860 e faleceu em Belo Horizonte, em 25 de outubro de 1908, quando exercia, pela segunda vez, a
presidência do Estado. Estudou direito em São Paulo e foi fundador do PRM. Foi o primeiro homem
público a expor a necessidade da policultura para atender às diversidades regionais do Estado. Não era um
revolucionário, mas um decidido reformador. Foi o mentor político e intelectual do Congresso de 1903 e
do grupo de parlamentares a princípio chamado, pejorativamente, de ‘Jardim de Infância’, em virtude da
juventude dos seus membros. Se não tinha um programa político administrativo concreto, esse grupo,
liderado por João Pinheiro, defendia mudanças das práticas políticas de então, como primeiro passo para a
instauração do progresso econômico. Como presidente do Estado pôs em prática política econômica
voltada para o desenvolvimento econômico e social, priorizando a produção agrícola, a educação e a
formação qualificada da mão-de-obra. Foi presidente do Estado de Minas Gerais nos períodos de
fevereiro a julho de 1890 e de setembro de 1906 a outubro de 1908”. (DICIONÁRIO HISTÓRICO-
BIOGRÁFICO DE MINAS GERAIS, Período Republicano).
23

criada em 1920 por lei estadual e que foi localizada em Viçosa, tendo sido
inaugurada em 1926. (DULCI, 2005, p. 131-132).

Deste modo, optou-se por convidar o leitor a uma reflexão sobre algumas
questões históricas diretamente relacionadas ao processo de constituição e evolução da
instrução agrícola em Minas Gerais durante o período que vai de 1903 ao ano de 1920.
Dentre essas questões, buscaram-se respostas para as seguintes:
1ª) O que foi realmente esse projeto de desenvolvimento mineiro concebido pelo
Estado e pelas “classes produtoras” mineiras durante as duas décadas iniciais do regime
republicano?
2ª) Por que a instrução agrícola mineira foi anunciada em Minas no bojo do
Congresso de 1903 principalmente enquanto um instrumento de organização do
mercado de trabalho no campo e de “disseminação de inovações técnicas no trato com a
terra e rebanhos”?
3ª) Qual a relação dos debates e dos desdobramentos do Congresso Econômico
de 1903 com o processo de configuração do ensino agrícola mineiro durante a Primeira
República?
4ª) Que fatores levariam o governo mineiro do Presidente Bernardes a incentivar
o desenvolvimento da instrução agrícola pública dos níveis médio e superior em MG, a
partir da criação da Escola de Viçosa?
5ª) Porque a ESAV inaugurou uma “nova”, ou melhor, uma “segunda” fase no
processo de configuração e desenvolvimento do ensino agrícola mineiro?
Logo, elege-se nesse capítulo, como objetivo maior: “mapear” e interpretar as
questões históricas, ou seja, as razões político-econômicas e sociais que influenciaram
direta e indiretamente o Sr. Arthur da Silva Bernardes a criar a instituição pesquisada,
no alvorecer dos anos 1920.
24

1.1 A Gênese do Ensino Agrícola Mineiro e o Congresso Agrícola, Industrial e


Comercial: Da enunciação a sua efetivação (1903-1920).

Antes de maiores considerações acerca das singularidades do ensino agrícola


mineiro no período proposto, fez-se necessário apontar as principais condições sócio-
econômicas, que moveram o Estado de Minas, em parceria com as classes produtivas
mineiras, a convocar um Congresso Econômico em 1903, e nele traçarem
conjuntamente um projeto desenvolvimentista. Projeto este cujo maior propósito era o
de desenvolver a economia estadual, conforme o modelo de diversificação do sistema
produtivo, tendo em vista o mercado nacional, sem desprivilegiar os diversos “setores
econômicos” mineiros.
Para os escassos autores que se debruçaram sob o evento, os mesmos são
unânimes em afirmar que o Congresso Econômico de 1903, reuniu os diversos setores
produtivos de Minas Gerais, em nome do “progresso” e sob o lema da “união na
diversidade”19. Tendo sido patrocinado pelo governo estadual durante a gestão do então
Presidente do Estado Francisco Sales20, que por sua vez atribuiu a João Pinheiro a tarefa
de organizar e liderar tal congresso com o “tema do desenvolvimento regional”. Aliás,
João Pinheiro foi o grande articulador político desse congresso e o principal mentor das
teses que nortearam as discussões do evento. Posteriormente, serão tecidas maiores
considerações sobre a importância desse político para a efetivação do ensino agrícola
mineiro enquanto política pública a partir de 1906.
De acordo com DULCI (2005, p. 127) “(...) o eixo do programa era a idéia de
modernização agrícola. Tratava-se de diversificar o sistema produtivo, sem descuidar do
café, e de melhorar a qualidade da produção através da sua atualização tecnológica (...)”
Mas, diante desta opção político-econômica, levantou-se a seguinte pergunta: o
que levou o “recém nascido” Estado Republicano de Minas a traçar, em conjunto com
os diversos setores das classes produtoras mineiras no Congresso Econômico de 1903,

19
Segundo a autora DUTRA (1990): “Seu discurso é sempre em nome da ‘classe econômica’, das
‘classes conservadoras’, sempre evitando que apareçam para o público externo suas diferenças de
interesse, e sempre revestido de uma certa universalidade também em relação aos diferentes setores (e/ou)
frações da burguesia. Não nos parece fortuito o nome [lê-se do congresso ser] ‘Congresso Agrícola,
Comerical e Industrial de 1903’ (...)” (DUTRA, 1990, p. 29).
20
Francisco Antonio de Sales, nascido em 29/01/1863, na cidade mineira de Lavras. Estudou no
Seminário de Mariana-MG e bacharelou-se em Direito. Exerceu os mandatos de Deputado Estadual (1891
a 1895); Prefeito Municipal (1899 a 1899, cidade não informada); Deputado Federal (1900 a 1902);
Presidente de Estado (1902 a 1906); Senador (1907 a 1910 e 1915 a 1923). Tendo falecido em
16/01/1933. Fonte: Biografia adaptada do Site eletrônico do Senado Federal. www.senadofederal.br
25

um projeto de desenvolvimento econômico regional centrado no eixo da diversificação


do sistema produtivo mineiro?
Na tentativa de sintetizar uma explicação para o questionamento acima se
buscou na explanação de dois estudiosos da “gênese do desenvolvimentismo mineiro”,
caso dos estudos realizados por FARIA (1992) e DULCI (2005), elementos que fossem
capazes de mostrar o contexto sócio-econômico vivido pelo Estado de Minas na época
da convocação do Congresso das “classes produtoras” mineiras.
Em primeiro lugar é importante explicitar a “idéia de atraso econômico”, um
relevante elemento intrínseco à questão do desenvolvimento, que em Minas, surgiu
conforme DULCI (2005, p. 115) “(...) de maneira difusa durante o século XIX para se
transformar em preocupação recorrente dos poderes públicos e das elites no século
XX”.
Esta preocupação que fala o autor era encarada pelas classes dirigentes mineiras
por meio de duas idéias ou imagens da economia estadual em voga nesse período: uma
refere-se à “idéia de estagnação”, oriunda da noção de comparação das Minas
“oitocentistas” rica do período áureo, munida de todas as suas representações sociais de
“riqueza e prestígio”, com uma MG “estagnada” do século XIX. Idéia essa que se
manteve em voga em decorrência de sua vinculação com:

[...] comparações desfavoráveis com o avanço econômico de outras áreas do


país, particularmente São Paulo. O diagnóstico era talvez demasiado
sombrio, pois, embora em ritmo lento, a economia mineira cresceu durante o
século XIX. O contraste entre esse crescimento moderado e a mais rápida
expansão de outras áreas é que definiria o declínio na posição relativa de
Minas em termos nacionais, que textos e declarações de seus líderes mais
influentes qualificavam de ‘perda de substância econômica’. De toda forma,
daí surge a percepção do atraso, a insistência nas potencialidades
inexploradas da região e o debate sobre a recuperação econômica, tema
dominante na agenda política estadual ao longo do século XX. (DULCI,
2005, p. 115).

A outra idéia que muito influenciou as elites políticas e econômicas da época nas
diretrizes de suas propostas políticas em prol do desenvolvimento mineiro era
representada sob a imagem de uma Minas Gerais “desarticulada” nos planos geográfico
e econômico. E quem explica essa imagem do Estado como um “mosaico” foi o autor
Wirth (1982), quando escreveu que:
26

É fundamental o fato de Minas não ser uma região, mas um mosaico de sete
zonas21 diferentes ou sub-regiões [...] Por um lado, este estado heterogêneo,
que perfaz 7% do Brasil, refletia o impulso histórico de outras unidades além
das fronteiras políticas da região. Por outro lado, cada zona desenvolveu-se
numa linha diferente de tempo, dando ao estado uma longa história de
crescimentos desarticulados e descontínuos. Em suma, essas sete zonas em
que se costumam dividir o estado apresentam histórias particulares e
problemas especiais que desafiam as soluções comuns. (WIRTH, 1982, p.
41).

Portanto, Dulci explica essa imagem da “desarticulação” econômica e geográfica


das sete regiões que compunham Minas Gerais retratada por Wirth, mais precisamente
pela figura de um “mosaico mineiro”, da seguinte forma: a relação dessa imagem de
“estagnação” econômica influenciava a “idéia de atraso”, elemento sempre suscitado e
cautelosamente articulado pelas classes dirigentes quando a meta política era o
desenvolvimento de Minas. Veja:

[...] A população, ainda que relativamente numerosa espalhava-se sobre um


vasto território. Nenhum centro urbano, incluindo a capital, polarizava esse
conjunto. A carência de vias de transporte e de meios de comunicação era
sempre apontada como fator de atraso econômico, na medida em que
dificultava o intercâmbio entre as diversas partes do estado. De fato, o
isolamento de algumas zonas as mantinha praticamente confinadas em
produção para subsistência; outras faziam parte do mercado, mas gravitavam
em torno de pólos comerciais de fora, em parte devido ao fato geográfico de
que Minas depende dos portos do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Espírito
Santo para exportar e importar. Assim, a estrutura econômica mineira
aparecia como uma colcha de retalhos, sem suficiente integração orgânica de
suas atividades. (DULCI, 2005, p. 116).

Assim sendo, a própria construção de uma nova capital para Minas Gerais
prevista pela constituição estadual de 1891 pode ser entendida como um exemplo
“vivo” da forte apropriação da elite política de MG com esta imagem de
“desarticulação” econômica e geográfica do Estado, pois os políticos mineiros
aspiravam com a criação de Belo Horizonte materializar em Minas, um núcleo político,
sobretudo, moderno e que fosse capaz de assumir o papel de “elo” econômico e social
das sete regiões que compunham MG, isso é, almejavam criar um “centro” para a
integração do “mosaico” mineiro.
Contudo, Dulci concluiu que:

A mudança da capital correspondia ao ideal de uma economia diferenciada,

21
Norte, Sul, Leste, Oeste, Centro,Triângulo, e Mata Mineira.
27

tanto quanto outras políticas implementadas em Minas na fase inicial do


regime republicano. No entanto, o projeto de diversificação econômica só se
explicitou plenamente por um evento dedicado ao tema do desenvolvimento
regional: o Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de maio de 1903 [...]
(DULCI, 2005, p. 119)

Não se deve perder de vista que o roteiro seguido pelas classes dirigentes
movidas pelo ideário do “desenvolvimentismo” partia sempre do mesmo ponto: da crise
à idéia de superação do atraso econômico estadual. E o Congresso de 1903 não fugiu a
esse script oficial do governo mineiro. Foi justamente diante dos efeitos da crise
cafeeira iniciada em 189622 que o Estado em busca da “restauração econômica”
convocou os representantes dos diversos setores produtivos de Minas ao primeiro
Congresso Agrícola, Industrial e Comercial, em maio de 1903, na capital Belo
Horizonte - MG.
Assim, retratou DULCI (2005, p. 120):

A época era de crise, causada pela baixa dos preços do café, que se arrastava
desde 1897. A reunião tinha como finalidade debater a situação e definir
caminhos para a ‘restauração econômica’ do Estado, como especificava a
exposição prévia dos organizadores. Nesse sentido, apesar da excessiva
dependência em que se viam os demais setores em relação às flutuações do
café – ou talvez pela crescente consciência dos riscos dessa situação – a
agenda do Congresso foi bastante ampla, cobrindo os mais variados setores
da economia. Foram designadas doze comissões temáticas: Agricultura,
Café, Pecuária, Vinicultura/ Viticultura, Indústria, Tecidos/Fiação, Curtume,
Mineração/Águas Minerais, Bancária, Comércio, Viação Férrea e Estradas
de Rodagem. A simples enumeração mostra a saliência conferida a alguns
ramos específicos (além do cafeeiro, os de tecidos e couros), destacados dos
grupos de trabalho mais gerais encarregados da agricultura e da indústria.
As conseqüências da baixa do café, estendendo-se por toda a economia,
eram suficientemente graves para estimular a defesa da policultura, ou seja,
de um sistema produtivo diversificado. A monocultura, a especialização
excessiva [...] eram encaradas por muitos participantes como fonte de
permanente vulnerabilidade para o país e para os seus próprios negócios [...].

Ou seja, essa preocupação do governo mineiro em discutir a instabilidade da


economia do Estado com as suas classes produtoras num congresso econômico para
nele traçarem conjuntamente um plano, ou melhor, um projeto de “restauração
econômica”, baseado na diversificação produtiva e no intento de explorar os potenciais

22
O café, “[...] até então ele gozara de uma situação impecável: preços em ascensão contínua, o consumo
acompanhando perfeita e folgadamente a produção. Em 1896 o café brasileiro enfrenta sua primeira
dificuldade comercial: os preços declinam, estoques invendáveis começaram a se acumular. Estava-se
diante de uma situação nova e inteiramente insuspeitada no passado: a superprodução”. (PRADO JR,
1994, p.221).
28

do mercado interno, principalmente de São Paulo e Rio de Janeiro, tinha uma simples
explicação financeira: as elites dirigentes estaduais partiram da constatação desde 1893,
“de que o equilíbrio das finanças era precário e de que qualquer perturbação no
desenvolvimento da lavoura cafeeira poderia gerar decepções nos cálculos
orçamentários” (RESENDE, 1982, p. 35).
Pois, conforme RESENDE (1982, p. 29) “[...] exatamente no momento em que o
preço do café começava a baixar no mercado internacional – ampliava-se a participação
de Minas Gerais na exportação nacional e, o que era mais grave, a ampliação se fazia
em prejuízo das demais atividades do Estado [...]”. Cabe registrar que a economia de
Minas no século XIX pautou-se também, segundo alguns estudiosos, “[...] pela
diversidade econômica e pela importância das atividades mercantis não vinculadas à
produção voltada para a exportação internacional – ouro, café e cana [...]”, esta idéia
foi exposta por LANNA (1986, p. 74).
Deve-se mencionar que, dentre os dirigentes mineiros, que haviam diagnosticado
o principal “mal” da instabilidade econômica de Minas, Francisco Sales merece ser
destacado. Pois o Presidente de Minas, responsável pela convocação do Congresso
Econômico de 1903 quando ocupava o cargo de Secretário das Finanças do Estado, em
1895, já havia alertado para os graves problemas que poderiam atingir a vida financeira
estadual se a mesma permanecesse apenas na dependência das receitas advindas da
comercialização do café. Este alerta de Francisco Sales foi feito em um relatório de
1895, dessa secretaria estadual e nele sugeria uma “política econômica pautada no
estímulo à diversificação da produção”. (RESENDE, 1982, p. 29).
Logo, se entende porque justamente durante a gestão de Francisco Sales à frente
do governo mineiro ocorreu a realização do primeiro Congresso Agrícola, Industrial e
Comercial do Estado em 1903, uma vez que seu precoce envolvimento com as questões
econômicas já o habilitava para suscitar tal iniciativa.
Apesar das constatações e das sugestões feitas pelas elites dirigentes do Estado,
a crise anunciada foi inevitável, porque:

Em 1898, a crise da cafeicultura destrói o precário equilíbrio orçamentário.


A economia e as finanças do Estado entram em grave crise. A dívida
flutuante ameaça o crédito do Estado, a arrecadação não corresponde à
receita orçada, a dívida externa, fora os juros, está orçada em mais de 20 mil
contos e a interna alcança a cifra de 8 mil contos a satisfazer ainda o ano de
1899; a produção cafeeira começa a baixar, baixando também paralelamente
os preços no mercado externo; a miséria do crédito pela impossibilidade de
29

gravar os contribuintes com novos impostos; o Estado importando víveres a


preço de ouro e exportando café, a preço vil, que o ônus do transporte
consumia em sua maior parte; o desânimo e pobreza geral, a bancarrota de
todas as previsões econômicas; a máquina administrativa ameaçada de
paralisia. Eis o panorama econômico de Minas em 1899. (RESENDE, 1982,
p. 36).

Ciente deste caótico contexto sócio-econômico acima esboçado, no qual os


efeitos da crise cafeeira, iniciada por volta de 1897, depunham contra qualquer política
econômica que se voltasse ao incentivo da monocultura ou à “especialização excessiva”
de algum produto agrícola na lavoura mineira, FARIA (1992, p. 179) constatou em sua
análise sobre o Congresso de maio de 1903, que:

[...] o que predominou, e se revelou como opção político econômica para o


Estado, foi o fomento à agricultura diversificada, tendo em vista a conquista
do mercado nacional. Neste sentido, imigração, colonização e ensino
agrícola, exemplos de temas que se ligam diretamente ao problema da mão-
de-obra e estratégicos para o desenvolvimento da agropecuária, se fizeram
presentes nas discussões da maioria das comissões do Congresso.

Na verdade, esta constatação da autora está relacionada principalmente com a


seguinte questão que agitava o “espírito” das “classes produtoras” mineiras, em especial
às classes dos fazendeiros, na ocasião do Congresso de 1903: como poderiam então
diversificar a produção agropecuária do Estado “se não se pudesse contar com mão-de-
obra qualificada, permanente e assídua ao trabalho” (FARIA, 1992, p. 218-219), visto
que, em Minas, o braço escravo não fora substituído maciçamente pelo braço imigrante
europeu, conforme ocorrido em São Paulo, mas sim, como aponta LANNA (1986, p.
83), pelo trabalhador nacional livre ou liberto por meio da “parceria com trabalhadores
fixos, residentes nas fazendas” e do “assalariamento temporário com base no migrante
sazonal oriundo de outras regiões do estado”?
Trata-se de uma antiga questão ligada ao problema da mão-de-obra ocorrido
com a mudança de regime de trabalho no Brasil, isso é, da transição do trabalho cativo
para o trabalho livre. No caso de Minas, os impactos dessa “transformação do trabalho”
só foram sentidos em larga escala na estrutura agrária de produção da sociedade
mineira sob o espectro do problema da (des)organização do mercado de trabalho no
campo23, com a abolição da escravidão, conforme atestou FARIA FILHO logo abaixo:

23
Cabe ressaltar que o problema da (des)organização do mercado de trabalho no campo é correntemente
tratado nas bibliografias historiográficas que tratam dessa questão da transição do trabalho escravo para o
30

Direcionar os homens, mulheres e crianças, livres ou libertos, donos apenas


de suas forças de trabalho, para o trabalho regular da lavoura, das minas ou
da siderurgia, foi um problema colocado para as elites dirigentes mineiras ao
longo de todo o século XIX. Se este problema, até 1888, não era dos mais
prementes, principalmente para os fazendeiros/agricultores, com a abolição
ele se transforma no grande problema da economia mineira. (FARIA
FILHO, 1990, p. 79-80)

Mas, por que esse problema da mão de obra sucedeu-se apenas com a abolição
da escravidão e como essa problemática veio a atingir o projeto de “restauração
econômica” esboçado pelas elites políticas e econômicas de MG, em 1903, durante o
congresso econômico de maio desse ano?
A seguir, seram apontados os impactos da abolição da escravidão no que tange
aos interesses econômicos das elites política e econômica da época em estudo. E como o
ensino agrícola foi posto para o Estado como a principal medida de superação da falta
de mão-de-obra “preparada” às exigências do trabalho regular no campo a partir do
Congresso Econômico de 1903. Porém, diante desses objetivos, tornou-se necessário
conhecer melhor o ponto nevrálgico da economia mineira da pós-escravidão: o
problema da mão de obra.

trabalho livre e seus impactos para a sociedade brasileira sob: a terminologia o “problema da mão-de-obra
nacional” ou “problema da mao-de-obra”. Em alguns momentos do texto será utilizado uma ou outra
dessas terminologias.
31

2.2 O Ponto Nevrálgico da Economia Mineira: O Problema da Mão-de-


Obra.

O problema da mão-de-obra em Minas Gerais e nas demais Províncias do


território nacional teve origem na escassez dos “braços” fortes do continente africano,
que alimentavam a economia agro-exportadora do Brasil, desde os tempos coloniais.
Tal escassez foi provocada pela abolição da escravidão no País e desencadeada a partir
de 1850, marco da extinção oficial do principal meio de manutenção do sistema
escravista: o tráfico internacional de negros oriundos da África.
Cabe considerar que, no País, a eliminação da escravidão iniciou-se mais em
resposta ao desgaste provocado no regime escravo pelas imposições das grandes
potências mundiais da época, como no caso da Inglaterra, do que por razões de outras
naturezas.
Vale notar que o contexto histórico do processo de extinção do tráfico africano
foi marcado por amplas fases de desenvolvimento do capitalismo, em níveis
internacional e nacional. Este movimento de desenvolvimento capitalista, mais
especificamente em nível internacional, pressionou gradualmente as “classes
produtoras” agrárias brasileiras a pensarem numa estratégia capaz de garantir a
reprodução do capital em suas lavouras, sem a utilização do trabalho cativo. Assim
como no caso das lavouras do principal empreendimento nacional do século XIX, a
produção do café. E Minas Gerais, como uma das províncias mais populosas do Império
e com o maior índice de concentração de escravos, não escapou dessas pressões
provindas do capital internacional.
Pressões estas que podem ser traduzidas pela historiografia do período24, através
de documentos, os quais explicitavam diretamente a poderosa posição da Inglaterra com
relação às suas exigências em torno da abolição da escravidão no Brasil Império. O
tratado de 1826 foi um caso típico desta pressão internacional. Tal tratado foi ratificado
em 1829, quando a Inglaterra conseguiu instituir a ilegalidade do serviço de tráfico de
escravos com destino ao Brasil, independente da origem. Além disso, conseguiu através
deste tratado ratificado a fiscalização de navegações suspeitas de praticar o comércio
ilegal de negros. Apesar de o acordo ter entrado em vigor no ano de 1827, seus efeitos
foram sentidos somente a partir de 1830.

24
Sobre isso, ver o livro de FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da USP, 2001,
p.186-207.
32

A lei de 7 de novembro de 1831 foi mais um desdobramento do tratado, ao


instituir juridicamente a aplicação de duras penas a traficantes de escravos e por
declarar os cativos ingressos no Brasil livres.
Esta questão do fim da escravidão estaria apenas no início. Apesar de terem-se
registrado baixas no número de entradas de escravos, houve um processo de
“atenuação” sob os efeitos da lei de 1831, o que provocou nova ascensão do fluxo de
entrada de negros no Brasil.
As frações das classes dominantes ainda tinham uma boa representação social
dos traficantes, estes, quando julgados, eram absolvidos pelos júris locais, os quais
representavam os interesses dos cafeicultores. Desta forma, conforme FAUSTO (2001,
p. 194), “[...] A Lei de 1831 foi considerada uma lei ‘para inglês ver’. Daí em diante,
essa expressão, hoje fora de moda, se tornou comum para indicar alguma atitude que só
tem aparência e não é para valer”.
A autora COSTA (1987, p. 243) também abordou esse fato ao afirmar que essa
elite econômica “[...] Quando forçada pela diplomacia britânica, em 1831, a aprovar
uma Lei abolindo o tráfico, passou a contrabandear escravos durante os vinte anos
seguintes em proporções imprecedentes, para satisfazer a demanda de trabalho criada
pela expansão das plantações de café [...]”
Apesar da ineficiência proposital do Império Brasileiro, a Inglaterra não desistiu
de seus interesses “abolicionistas”. E, como conseqüência disso, grande quantidade de
navios que transportavam os escravos africanos não chegariam ao seu destino final, pois
estes não conseguiam vencer a rígida fiscalização da marinha inglesa e acabavam
presos.
Diante do término, previsto para 1846, do acordo já mencionado, o qual
autorizava a Inglaterra a inspecionar todo e qualquer navio, em alto-mar, suspeito de
praticar o comércio de escravos, o Parlamento inglês decretou o ato (mais) conhecido
por “Bill Aberdeen”, em menção ao Lorde Aberdeen, Ministro das Relações Exteriores
do governo inglês. Este ato consistia no direito oficial da marinha inglesa de interceptar
todo e qualquer navio negreiro como clandestino ou “pirata”, com julgamentos severos
dos traficantes pelas leis da Inglaterra. Não se limitando apenas a estas ações, a marinha
britânica navegou em águas brasileiras e ameaçou bloquear o funcionamento dos portos
mais estratégicos no Brasil.
Concomitante às imposições da Inglaterra no nível internacional, convém
destacar que o ano de 1850 diferenciou-se por uma série de acontecimentos pertinentes
33

aos “percursos” da abolição da escravidão efetivada em 1888. Nesse ano constatou-se a


efetivação dos mecanismos impetrados pela Inglaterra nas décadas de 1820 e de 1830,
os quais visavam coibir a prática do tráfico africano, tendo atingido totalmente seus
objetivos, por meio da aplicação real da conhecida Lei de 1850. Porquanto, esta proibiu
oficialmente a importação de cativos no Brasil e conseguiu que isto fosse uma realidade
praticada. Desta forma, lançava-se o primeiro “tijolo” para o processo de construção de
um mercado de mão-de-obra livre nacional, em conseqüência de um motivo lógico: os
proprietários de escravos tinham o tráfico africano como o principal meio de
manutenção e ampliação de seus estoques de cativos, já que não era prática comum
investir na reprodução dos escravos.
Entretanto, conforme atestou KOWARICK (1994) toda a riqueza dos
“Senhores” agricultores principalmente dos cafeeiros continuou a ser gerada pelos
negros. Isto porque, os vultosos lucros adquiridos, principalmente, em virtude dos
excelentes preços de comercialização do café no mercado internacional, custearam o
tráfico interno de cativos. Ou seja, a mão-de-obra, a qual não mais seria reposta através
dos navios negreiros, chegava às dinâmicas regiões cafeeiras, oriunda dos decadentes
centros econômicos, como no caso da região Nordeste.
Daí em diante, o tráfico de escravos realizado dos centros econômicos menos
dinâmicos para os mais dinâmicos alimentaram perfeitamente a atividade compulsória,
visto que, somente em 1879, houve a proibição oficial do tráfico interprovincial de
cativos. Assim, colocava-se no plano nacional mais um reforço à conservação da
escravidão no Brasil: a ausência de uma Lei que também proibisse oficialmente o
tráfico interno de cativos. Desse modo, é possível observar que esta lacuna permaneceu
por vinte e nove anos, a contar de 1850, marco da proibição do tráfico externo de
escravos.
Vistas, mesmo que grosso modo, algumas questões gerais pertinentes ao
processo de abolição da escravidão no Brasil, pode-se dizer que Minas não estava
“preparada” para a mudança de regime de trabalho efetivada oficialmente em 1888. E
quem esclarece muito bem as conseqüências provocadas pela abolição da escravidão
para MG e as diferenças existentes entre o projeto mineiro de “desescravização” da
sociedade com o projeto defendido por São Paulo é a autora LANNA (1986), por meio
de seu estudo “sobre a passagem para o trabalho livre na região do café de Minas Gerais
e suas diferenças em relação a São Paulo”.
Na verdade, o projeto que as elites agrárias mineiras defenderam como proposta
34

de transição para o trabalho livre era a de um projeto “lento e gradual” capaz de


incorporar o próprio negro, ex-escravo, ao processo de “transformação de trabalho” por
meio da educação, ou melhor, da qualificação profissional via instrução agrícola.
Segundo LANNA, esta proposta para enfrentar o fim da escravidão foi materializada
oficialmente na “Lei de 1871”, elaborada e aprovada “com a aquiescência do conjunto
das províncias cafeicultoras” e representou consenso “entre as elites cafeeiras ao longo
da década de 1870”, ou seja, tanto para os cafeicultores paulistas quanto para os
cafeicultores de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.
No entanto, em 1878, ainda no período imperial, o Ministro da Agricultura
convocou um Congresso Agrícola para tratar das “questões que mais afligiam a
lavoura”, nele estavam presentes representativamente os “cafeicultores das províncias
mais importantes – São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro”, registraram-se também a
presença de representantes dos cafeicultores do Espírito Santo. E foi no bojo deste
congresso agrícola de 1878 que ficaram evidentes as divergências entre as propostas de
superação do sistema escravista brasileiro defendida pelos senhores do café paulistas,
mineiros e fluminenses. Ou seja, enquanto São Paulo apresentou uma elaborada
proposta25 para a substituição do braço escravo pelo braço do imigrante europeu, Minas
Gerais e Rio de Janeiro:

[...] No que se refere à questão da mão-de-obra aposta-se, de um lado, na


vigência do projeto de 1871, dentro da idéia de que precisa-se de tempo para
adequar esta população aos ditames do trabalho livre. Neste sentido querem
garantias sobre a permanência da escravidão, a não alteração das regras
vigentes e a instauração de escolas agrícolas para ingênuos e libertos.
Reivindica-se, no que diz respeito à mão-de-obra, garantias para o sistema
escravista. Como soluções para o encaminhamento de relações de trabalho
livre apela-se ao nacional [...] (LANNA, 1986, p. 80).

Esta opção dos fazendeiros em Minas pelo trabalhador “nacional-mineiro” livre


ou liberto se deu pelas “características regionais” e pela “capacidade de transição ao
mundo do trabalho livre” de cada Estado que compunham a unidade federal da
República brasileira. Isto quer dizer que, se para os cafeicultores da dinâmica região
cafeicultora do Oeste paulista o grande entrave para atender a sua esplendorosa
“expansão da área cultivável” era a escassez de braços, em Minas e no Rio de Janeiro as

25
Deve-se ressaltar que, a eliminação da escravidão no caso da dinâmica região cafeeira do Oeste Paulista
se iniciou mais em resposta as “necessidades” de reprodução e diversificação do capital cafeeiro. Sobre
isso ver o relevante trabalho do autor KOWARICK (1994, p.11-65).
35

condições de desenvolvimento foram outras.


Prova disso é constatada ao se observar a seguinte menção de Viotti:

[...] O único grupo que, no Parlamento, resistiu até o último minuto foi o
dos representantes dos fazendeiros das antigas áreas cafeeiras, para quem os
escravos representavam um terço do valor de suas hipotecas. Em maio de
1888 eles votaram contra a lei que aboliu a escravidão no Brasil. (COSTA,
1987, p. 245-246 ).

Assim, os obstáculos também se constituíram outros entre as províncias


cafeicultoras, pois conforme Lanna:

[...] Este dado estabelece uma diferença fundamental entre as províncias


cafeicultoras. Minas e Rio de Janeiro não têm esta possibilidade de expansão
da fronteira dado que as terras utilizáveis para esta cultura já se encontram
apropriadas e em grande parte cultivadas desde meados do século XIX. A
riqueza gerada pelo café em São Paulo também se faz com uma associação
crescente com o capital comercial implicando em profundas transformações
em toda a província como um acentuado desenvolvimento urbano, o
surgimento de unidades fabris e diferenciação social [...] Entretanto, para
mineiros e fluminenses os grandes problemas da lavoura são capital e crédito
[...] (LANNA, 1986, p.79-80).

Além desses fatores de ordem econômica acrescenta-se o fator de que Minas


possuía naquela época um número representativo de braços “cativos ou de homens
livres e pobres” “disponíveis” para trabalharem nas lavouras do Estado. Entretanto, não
foi tão simples assim que os acontecimentos sucederam-se.
Com uma política imigrantista estadual de poucos resultados para a lavoura
mineira, os fazendeiros não esperavam encontrar tantas dificuldades advindas da
escolha que fizeram pelo “elemento nacional” como categoria de trabalhador destinado
a compor o nascente mercado de trabalho livre de Minas Gerais. Todavia, a realidade da
época mostrou o contrário, e quem também deu provas desse diagnóstico foi o próprio
Presidente do Estado de 1893 através de uma mensagem oficial ao congresso mineiro:

“[...] o principal inconveniente de que se queixa a lavoura é a pouca


estabilidade do trabalhador nacional, de sorte que o lavrador não tem bases
para alargar ou restringir suas plantações pela incerteza de conservar o
trabalhador”. (PENA, 1893 apud LANNA, 1986, p. 84).

Essa instabilidade do trabalhador nacional, da qual os fazendeiros faziam


36

“queixas”, se manifestaram sob diferentes formas, ao longo desse período,


principalmente pelo “nomadismo” do trabalhador nacional mineiro que pôde ser
retratado pela migração interna de trabalhadores para outras áreas, dentro e fora do
Estado, especialmente para São Paulo. Na busca de melhores salários,
consequentemente por melhores condições de sobrevivência ou por trabalho, apenas de
caráter esporádico ou sazonal.
Mas estas manifestações podem ser entendidas ao se considerar as
conseqüências sociais da escravidão, no que tange a representação social do trabalho,
especificamente das atividades manuais.
Imagine como seria difícil para um indivíduo, que não fosse escravo, mas
também não era proprietário de terra, nem comerciante, eclesiástico, militar, político, ou
profissional liberal, apenas um “homem livre” pobre e sobrevivente de uma rústica
agricultura de subsistência, manifestar uma “boa” representação social do trabalho
disciplinado numa sociedade onde o cativeiro era a “engrenagem econômica” da
produção organizada e regular desde o período colonial.

Marginalizados desde os tempos coloniais, os livres e libertos tendem a não


passar pela ‘escola do trabalho’, sendo frequentemente transformados em
itinerantes que vagueiam pelos campos e cidades, vistos pelos senhores
como a encarnação de uma corja inútil que prefere a vagabundagem, o vício
ou o crime à disciplina do trabalho [...] (KOWARICK, 1994, p.43).

Isso se explica porque a ordem escravocrata no Brasil do século XIX que


“descartou” o uso da mão-de-obra do trabalhador nacional livre no período colonial
engendrou em toda sociedade brasileira a “decomposição” social do trabalho, isto é, o
“desamor pelo trabalho”. Pois, a tarefa dos negros no sistema produtivo das lavouras
principalmente das lavouras cafeeiras, desde os tempos coloniais no Brasil, teve,
sobretudo, a marca da disciplina e da regularidade conquistadas e conservadas pelos
Barões do Império à custa da humilhação e da degradação dos negros africanos. Por
isto, o chamado “elemento nacional”26 renegou o trabalho compulsório da produção
cafeeira e preferiu viver de uma economia de subsistência e da renda de poucos
trabalhos que prestavam esporadicamente a profissionais liberais ou comerciantes.
Trata-se do mesmo trabalhador livre tido como mão-de-obra “residual” pelas
elites do País durante os períodos colonial e imperial e que, em resposta, negaram na

26
Como eram denominados os trabalhadores livres e libertos no período antes e na pós-escravidão.
37

pós-escravidão o trabalho assalariado regular e disciplinado requerido pelos campos


mineiros e brasileiros. Já que, segundo atentou Kowarick:

[...] qualquer trabalho manual passa a ser considerado como coisa de


escravo e, portanto, aviltante e repugnante. Não poderia ser diferente numa
ordem em que o elemento vivo que levava adiante as tarefas produtivas era
tratado como coisa, desprovido de vontade, que não tinha escolha de onde
morar ou quando e quanto deveria trabalhar, e que, brutalizado por toda sorte
de violências, o mais das vezes morria em cativeiro (KOWARICK, 1994, p.
43-44).

Ou seja, a relação de “desamor” pelo trabalho engendrado pela ordem


escravocrata colocou o elemento nacional em imenso bolsão de miséria e
marginalização social e deu origem ao preconceito social representado em torno do
trabalho manual27, enquanto uma atividade depreciativa, humilhante e apropriada
somente para os escravos. Mesmo após a abolição da escravidão, qualquer tipo de
trabalho manual passou a ser visto como compulsório e aviltante.
Logo, pode-se inferir que a instabilidade do trabalhador nacional enfrentada pela
lavoura mineira tem intrínseca relação com a “negatividade” entranhada ao ato da
atividade manual tão degenerada pelo escravismo do século XIX.
Por isso, constatou-se por intermédio de alguns estudos que tratam da questão do
trabalho nesse período, que, na “pós-escravidão”, as elites econômicas agrárias de MG
“engrossaram” as vozes e clamaram ao governo estadual por instrumentos que fossem
realmente capazes de superar o problema da organização da mão-de-obra nacional
mineira do meio rural.
Assim, estes agricultores apresentaram um perfeito conjunto de
propostas/estratégias destinadas a solução desta questão. O autor WIRTH retratou uma
pequena amostra desses clamores emitidos pelos fazendeiros mineiros quanto à questão
da mão de obra quando escreveu:

Em resposta a um questionário do Estado em 1894, diversos fazendeiros


afirmaram que o transporte e a vadiação eram os dois maiores obstáculos à
agricultura mineira. Consideravam os trabalhadores volúveis – em resumo
um problema social para as autoridades. Nas palavras de um fazendeiro, ‘é
dever da sociedade colocar esses miseráveis filhos da floresta sob regime de
trabalho fixo, modificando assim seus hábitos grosseiros’ (WIRTH, 1982, p.
80).

27
Cabe ressaltar que essa representação negativa da atividade manual conservou-se e permaneceu
fortemente no “caminhar” do século XX, principalmente nas suas duas primeiras décadas.
38

Diante desse exemplo do nível de exigência feita por boa parte dos fazendeiros,
como atestado acima, cabe então, antes de maiores considerações, destacar que “[...] o
Estado que emergiu em Minas sob o regime republicano não pode ser percebido como
entidade autônoma, capaz de pairar acima dos interesses dos setores econômicos [...]”,
(FARIA, 1992, p. 11). Somente com base nesse pressuposto é possível compreender o
esforço que fora realizado pelo governo estadual no ensejo de atender às exigências dos
setores econômicos do campo quanto ao problema da mão-de-obra.
E foi justamente no primeiro Congresso Agrícola, Industrial e Comercial do
Estado ocorrido em Belo Horizonte, no período de 13 a 19 de maio de 1903, importante
evento, oriundo da “aliança” do nascente Estado Republicano mineiro sob a égide do
PRM28 com os interesses dos “setores econômicos” de Minas, que o ensino agrícola foi
enunciado como “a principal medida” para superar o problema da (des)organização do
mercado de trabalho nos campos.
Segundo FARIA FILHO:

Neste congresso, colocava-se, de maneira contundente, a necessidade de se


educar o trabalhador mineiro para que constituísse mão-de-obra disciplinada
e regular, bem como, por outro lado, de reprimir sua tendência à vadiagem, à
irregularidade ao trabalho etc., em suma, sua falta de vivência de hábitos e
valores necessários ao trabalhador assalariado [...] (FARIA FILHO, 1990, p.
80).

Daí a constatação desse mesmo autor, ao afirmar que:

Em Minas Gerais, como em outros estados brasileiros, a constituição do


arcabouço jurídico, político e ideológico próprio do sistema republicano de
governo, acontece paripassu com a instituição de um mercado de mão-de-
obra ‘livre’ de tal forma que, muitas vezes, formar o cidadão para a
República, significou, [...] formar o trabalhador para o trabalho assalariado.
(FARIA FILHO, 1990, p. 80-81). 29

No Brasil, isso sucedeu porque a inserção do trabalhador livre esteve atrelada ao


surgimento do projeto democrático republicano inspirado no pensamento liberal. Em
São Paulo, coube a uma fração das classes dominantes agrárias, os cafeicultores do
Oeste Paulista, centro dinamizador da economia do País, elaborar uma proposta política

28
Partido Republicano Mineiro.
29
Sobre o projeto de construção de uma sociedade civilizada ver o importante trabalho de SALLES
(1986).
39

pertinente a seus interesses de classe através da organização do PRP30 (Partido


Republicano Paulista) no contexto histórico de transformações das relações de
produção.
Numa sociedade marcada pelo regime cativo, onde o trabalho continuava a
representar socialmente um ato de humilhação e degradação humana, o primeiro passo
dado para solucionar o problema da falta de mão-de-obra no campo qualificada e
disciplinada deu-se pela necessidade de reelaboração da noção de trabalho vigente, ou
seja, de imprimir ao ato produtivo manual uma boa “dose” de “positividade”.
Segundo SALLES (1986, p. 39), esta necessidade de se repensar o ato produtivo
exigiu “[...] a reordenação da sociedade em nível legal [...]”, pois o conjunto de leis que
regiam o contexto social escravista não dispunha do aporte jurídico necessário a
regulamentação das novas relações de produção, a compra e venda de mão-de-obra. A
partir daí, a ordem de rearticular as relações de dominação.
Ainda, segundo a autora SALLES:

A exigência de rearticulação das relações de dominação através do controle


do Estado impulsionou essa fração da classe dominante – enquanto sujeito
político - se posicionar de maneira alternativa frente ao social. O instrumento
dessa nova atitude foi o Partido e sua proposta de instalação da forma
republicana de governo. (SALLES, 1986, p.41).

Ou seja, para reorganizar as relações de dominação o PRP, “porta-voz” dos


fazendeiros do oeste paulista, negou a monarquia enquanto regime político
representante de classe e liderou o movimento republicano no País, pautado num ideal
liberal e “inspirado” na necessidade maior de “reestruturação do Estado Brasileiro”,
órgão de regulação da sociedade.
Diante das exigências estabelecidas pelo movimento capitalista no Brasil de
reprodução do capital, o PRP encontrou no pensamento liberal a “plataforma” perfeita
para seu projeto político. O projeto democrático republicano elaborado e “encarnado”
no Estado nacional oficialmente a partir de 1889, com a Proclamação da República
procurou, desde cedo, uma gama de valores sociais com o intuito de fazerem de seus
interesses de classe os interesses de todos.
No caso de Minas Gerais, esta questão da “reordenação da sociedade em nível

30
“[...] Em São Paulo, durante aqueles anos, o Partido Republicano desenvolveu-se de maneira
excepcional, e ademais, foi essa a única província a ter um front unificado, desde os primeiros anos do
movimento” (BOEHRER, 1954 apud SALLES, p. 73).
40

legal” foi colocada em discussão e contemplada durante o Congresso de 1903, quando


membros das elites políticas e econômicas do Estado exigiram leis que reprimissem as
resistências dos trabalhadores nacionais mineiros a “ordem” do trabalho disciplinado
dos campos, assim como pela tese que defendia a “constituição da força de trabalho via
educação”, (FARIA FILHO, 1990, p. 87).
Desse modo, durante a realização do congresso, duas diferentes teses foram
propostas pelos membros das classes produtoras mineiras participantes desse evento.
Entretanto estas teses eram portadoras do mesmo propósito: incorporar o trabalhador
nacional de Minas Gerais às novas relações capitalistas impostas pelo nascente mercado
de trabalho livre. Enquanto o primeiro grupo defendia a formação da mão-de-obra livre
por intermédio da “repressão e controle” dos homens livres, o segundo grupo de
agricultores e políticos mineiros defendia: a disseminação da instrução agrícola
profissionalizante.
Segundo FARIA FILHO, a tese que propunha o “controle” e “repressão” do
trabalhador nacional mineiro foi contemplada inúmeras vezes no Congresso de 1903,
mais especificamente no artigo 51 das Conclusões do evento.
Nesse sentido, algumas diferentes medidas foram propostas “dependendo do
aspecto que se queria reprimir ou controlar”, dentre elas FARIA FILHO destacou a
“questão do trabalho” na documentação do Congresso Agrícola, Industrial e Comercial
de 1903 que:
Primeiro:

Uma proposta consistia no controle da identidade da própria pessoa, através


do registro, em cadernetas, de seus dados pessoais, último emprego, etc. não
só para os trabalhadores rurais, mas também para aqueles dos centros
urbanos [...]. (FARIA FILHO, 1990, p.83).

O objetivo aí era controlar a identificação dos indivíduos trabalhadores para


reprimí-los quando fosse necessário. Assim, as classes produtoras agrárias e industriais
poderiam manter afastados dos “bons” aqueles homens “rebeldes” que desde o período
colonial se negaram a engrossar as fileiras do trabalho agrícola.
Segundo: Outra medida proposta pelos congressistas foi o uso da força policial
se a estratégia do controle da identidade dos trabalhadores falhasse. Inclusive, propunha
que cada município montasse um corpo policial municipal destinando verbas
municipais para a manutenção do mesmo, a fim de combaterem a maior “praga” da
41

época: a vadiagem dos homens livres que eram resistentes às ordens de disciplina e
regularidade do trabalho rural e urbano.
Terceiro: Outro “[...] elemento da lógica repressiva deveria ser, então, o
controle do espaço e do tempo do trabalhador não empregado” (FARIA FILHO, 1990,
p.84), para controlar os movimentos do trabalhador ambulante. Assim, afirmava Carlos
Pereira de Sá Forte, ilustre pecuarista e redator do Congresso de 1903, sobre essa
medida:

A um trabalhador não domiciliado no distrito não deve ser permitido, sem


causa justificada, permanecer neste por mais de oito dias desempregado;
após a devida advertência, desprezada esta, ele deve ser posto fora do
distrito, proibindo-se-lhe-a entrada neste por um ou dois anos, sob pena de
prisão correcional, que a lei determinará em relação ao lugar e ao prazo onde
deve ser cumprida. (JORNAL MINAS GERAIS, 18 de março de 1903, [s/p]
apud FARIA FILHO, 1990).

Quarto: Os congressistas exigiam a proibição da ocupação de terras pertencentes


ao Estado de MG, ou seja, de “terras devolutas” pelos trabalhadores por meio de uma
lei, pois os mesmos já haviam percebido que:

[...] os trabalhadores nacionais ao longo do império e ainda no início do


século XX, encontravam para evitar o trabalho disciplinado da lavoura ou
das fábricas, era a ocupação de terras devolutas e sua utilização pelo tempo
que achasse necessário [...]. (FARIA FILHO, 1990, p. 84).

Quinto: Concomitante, houve também os agricultores que “defendiam a adoção


de contratos entre patrões e empregados”, almejando-se reprimir qualquer natureza de
abandono do trabalhador contratado. Essa estratégia estipulava uma multa contratual
para o trabalhador pagar ao patrão com valor equivalente ao ordenado que seria pago a
ele pelo seu serviço regular, caso não “servisse” assiduamente ao seu fazendeiro
empregador.
Apesar das medidas de repressão e controle desses trabalhadores “[...] os
fazendeiros acreditavam poder contar, e contavam efetivamente, com um outro aliado: a
organização dos pares [...]”, (FARIA FILHO, 1990, p. 85). Isto é, tanto agricultores
quanto industriais, com base numa associação ou mesmo como uma liga associativa, se
incumbiriam de não empregarem os indivíduos oriundos de outras propriedades ou
estabelecimentos que não tivessem cumprido o tempo de serviços celebrado com seu
patrão.
42

Interessou mostrar, aqui, estas estratégias de forma(ta)cão da mão-de-obra


mineira apenas para melhor sinalizar ao leitor que, assim como nos demais Estados
brasileiros, o elemento nacional mineiro também foi tratado por suas elites políticas e
econômicas sob a “pecha” da indolência e da vadiagem, por isso, houve a enunciação
de tantas estratagemas quando o assunto de formação de mercado de trabalho
disciplinado e regular entrava em discussão.
Quanto ao grupo de congressistas que, viam na educação profissionalizante dos
trabalhadores de cada setor produtivo da economia do Estado a melhor solução para o
problema da organização do trabalho, principalmente nos campos, como já mencionado,
a lavoura era tratada como a mais importante fonte geradora da riqueza de Minas
Gerais.
Pôde-se constatar, com base no relevante estudo realizado por FARIA FILHO
(1990), que a proposta desses membros estava calcada num princípio do ideal liberal
republicano: no princípio da educação/instrução técnica profissional concebida
enquanto um instrumento capaz de lapidar a idéia de “positividade” no ato produtivo
do trabalho, a fim de imprimir na mocidade da época os valores sociais necessários para
acima de tudo, garantir a organização do trabalho nos campos, nos comércios e também
nas incipientes indústrias mineiras da época. Já que, o congresso era das classes
produtoras de todos os setores econômicos do Estado.
Um importante elemento que deve ser destacado tendo em vista a proposta da
constituição da mão-de-obra por intermédio da educação profissionalizante discutida
por esse autor se refere ao fato dessa proposta ter visado a formação dos futuros
trabalhadores mineiros, desde a infância. No caso dos fazendeiros, estes tinham a crença
de que a escassez de braços para a lavoura seria solucionada a partir da foma(ta)cão
elementar daqueles que seriam os lavradores do amanhã. FARIA FILHO também
apontou que:

[...] Ao lado da defesa de uma maior aproximação entre a escola e a prática


cotidiana, ou melhor, às exigências cotidianas do trabalho disciplinado, outro
elemento que apareceu no congresso de 1903 foi a necessidade de criação de
colônias orfanológicas [...] Em Minas Gerais, O Instituto João Pinheiro,
criado em 1909 em Belo Horizonte, representou a primeira instituição do
gênero fundada pelo Estado para criar e educar, nesta perspectiva [...]
Mesmo envolvendo, em alguns momentos, os ideais de caridade e
filantropia, a criação do instituto, de resto já defendida no congresso de
1903, situava-se neste plano mais amplo de educação dos trabalhadores
nacionais – sempre suspeitos de representarem perigo. Neste sentido, o
menor abandonado – um perigoso em potencial - deveria ser conformado
43

desde cedo aos valores da ‘república do trabalho (FARIA FILHO, 1990, p.


89).

Tratava-se da “moralização” do indivíduo pela educação calcada na idéia de


“positividade” do trabalho. Antes disso, houve uma redefinição ideológica da noção de
trabalho que passava a ser representado não mais enquanto uma ação degenerativa e
aviltante, mas sim, conforme apontou a autora DUTRA:

[...] como princípio instituinte do social. É fonte de riqueza e bem-estar,


fonte de aperfeiçoamento moral, razão de ser do homem e elemento
definidor da sua existência. O trabalho livre é o elo, a ponte para o mundo
superior, civilizado, moralizado, desenvolvido, assepético. É a expressão do
bem comum [...]. ( DUTRA, 1990, p. 30).

Desse modo, para Salles (1986), a sociedade do trabalhador livre “fruto” do


projeto liberal republicano criou o contexto social ideal para atender às exigências do
desenvolvimento capitalista brasileiro. Nesta sociedade as máximas de liberdade,
igualdade e fraternidade serviram de mecanismos de “mascara mento” das contradições
sociais pertencentes ao movimento do capital.
Com a valorização do trabalho, as relações de produção assumiram uma ótica
capitalista, visto que o trabalho, “pedra fundamental” da construção da riqueza de um
país, ocupou no bojo do projeto político republicano o significado de trabalho
pertencente ao pensamento liberal31.
Nesta ótica, a noção de trabalho redimensionada veio acompanhada pela noção
de progresso, entendida numa perspectiva de desenvolvimento econômico. Resultado
desta razão econômica estabeleceu-se no universo capitalista que, quanto mais uma
nação buscasse o progresso, mais civilizada ela se tornaria. Assim, uma sociedade
tornar-se-ia civilizada à medida que conseguisse progredir. Para isso o trabalho deveria
ser tratado numa perspectiva enobrecedora, visto que a base do progresso estava no
trabalho, ato “construtor” da riqueza e civilização de um País.
Por meio desta perspectiva teórica, a reelaboração da noção de trabalho com
base no pensamento liberal democrático consolidou-se com a associação do trabalho ao
objetivo mais almejado no “seio” de uma sociedade capitalista, a riqueza.

31
“[...] O trabalho é compreendido pelo pensamento liberal como condição intrínseca ao homem que, ao
se desenvolver, possibilita a criação dos bens morais, pois recupera e eleva o sentido ético dos indivíduos
e dos bens materiais. A acumulação desses bens morais e materiais formam o cabedal de uma nação.”
(SALLES, 1986, p. 42).
44

Além disso, quando o projeto político republicano vinculou a condição de


cidadão do indivíduo nacional ao trabalho teve o intuito de instituir a igualdade entre os
homens juridicamente, mas principalmente imprimir “[...] ao ato produtivo a condição
do pré-requisito para o exercício político e para o controle dos atos do Estado”,
(SALLES, 1986, p. 130).
Isto explicitava a maneira como o direito de partição política do indivíduo e de
fiscalização das políticas de Estado estava condicionada somente àqueles indivíduos
dispostos ao trabalho organizado e disciplinado, ou seja, teria acesso ao Estatuto da
cidadania os trabalhadores que vendessem harmonicamente sua força produtiva. Desse
modo, o vínculo da cidadania ao trabalho era a fórmula perfeita para a efetivação do
progresso e civilização do país, como ansiavam os republicanos de todas as regiões do
Brasil.
O Estatuto de cidadania pode ser entendido como um produto da burguesia a
serviço da paz e da harmonia social. Elementos estes indispensáveis ao pleno
desenvolvimento do capitalismo no Brasil, pois sem a “ordem” não haveria condições
para o progresso nacional.
Deve-se ressaltar que, no projeto político republicano coube à democracia
instalar a “politização Indivíduo-Estado” por meio do sufrágio universal. O sufrágio,
uma condição de participação política “na vida” do Estado atribuído somente aos
cidadãos, ou seja, àqueles indivíduos que compunham a organização produtiva do País.
Assim, quem não estivesse inserido no “universo do trabalho” não seria cidadão.
Nesse sentido, a montagem de uma “engrenagem” de leis no âmbito da
sociedade republicana não serviria apenas à finalidade de legislar a comercialização da
força produtiva do homem livre, mas também à elaboração de um “corpus” ideológico,
capaz de inculcar nos indivíduos a crença na igualdade social perante os homens.
A necessidade de convencimento do discurso republicano de que na República
os homens não seriam apenas livres, mas também iguais entre si, deu lugar prioritário à
educação do povo na plataforma política como um instrumento capaz de estabelecer a
igualdade social.
Mais que isto, demonstrou Salles:

[...] a crença no Progresso e a preparação para o exercício da cidadania dar-


se-iam pela educação cujo objetivo era fornecer ao povo os elementos de
acesso ao conhecimento e, assim, ao saber da classe. A educação estava
reservada a responsabilidade da formação profissional do povo, tornando-o
apto para a inserção no mercado de trabalho e, desse modo, para o exercício
45

da cidadania. Com a certeza de que o conhecimento é a única forma de


apagar a desigualdade entre os homens, os republicanos ao proporem
educação para todos estavam colocando ao alcance do povo o veículo de
acesso ao exercício consciente dos “direitos e deveres” do cidadão. Estavam,
pois, fornecendo os elementos para o estabelecimento de uma sociedade da
igualdade e da liberdade. (SALLES, 1986, p. 138).

Ou seja, para que os republicanos conseguissem tecer uma direção ideológica


calcada nos ideais de igualdade e liberdade foi atribuído a educação a dupla função de
formar cidadãos e de qualificar profissionalmente os indivíduos com a finalidade de
inseri-los no mercado de trabalho, “pré-requisito” para o exercício da cidadania.
É a partir da crença no Progresso, na qual o trabalho adquire a noção de “ato
gerador” da riqueza nacional e respectivamente de possibilidades e condições para o
“enriquecimento” do próprio trabalhador que surge a “preocupação” e o interesse
político pela educação profissional32, uma vez que a profissionalização assumiria a
condição de instrumento educativo ideal capaz de introduzir o Progresso no campo.
Em Minas Gerais:

[...] João Pinheiro, com sua convicção positivista, foi o principal idealizador
dessa política. Concebia para o Estado uma missão pedagógica, de educar a
população para o progresso. E para isso era preciso inverter prioridades. Em
conseqüência, dedicou-se a um esforço simultâneo de expandir o ensino
primário e de criar estabelecimentos de aprendizagem agrícola – fazendas-
modelo e campos de experiência e demonstração, que se somavam ao
serviço de instrutores ambulantes na divulgação de novas técnicas e do uso
da mecanização. Seus sucessores no governo prosseguiam na mesma trilha,
que foi institucionalizada em 1911 com o Regulamento Geral do Ensino
Agrícola. (DULCI, 2005, p. 131).

No entanto, ainda é preciso esclarecer a relação dos debates e dos


desdobramentos do Congresso de 1903, com o processo de configuração do ensino
agrícola mineiro durante a Primeira República, ou seja, como essa discussão em torno
da questão da “constituição da força de trabalho via educação” realizada no congresso
seria incorporada pelo Estado em sua política educacional, precisamente a partir da
gestão de João Pinheiro em MG (1906-1908).
É com base na periodização proposta por Faria (1992) sobre o quadro de

32
“[...] Educação e profissionalização constituem assim, um binômio inseparável. O ensino
profissionaliza, promovendo o aumento da ‘capacidade produtiva’. Portanto, dá ao cidadão a condição de
prosperar através do trabalho. Logo, o regime político fornece aos indivíduos a possibilidade de concorrer
com igualdade no mercado de trabalho, cumprindo, assim, a sua função social. As diferenças individuais
que determinam a maior ou menor capacidade de trabalho levam os indivíduos a conseguirem ou não os
bens sociais que o sistema lhes oferece”. (SALLES, 1986, p. 127).
46

evolução do ensino agrícola mineiro na Primeira República, oriunda de sua tese de


doutoramento, que o presente estudo pôde apontar ao leitor como a partir da segunda
gestão de João Pinheiro à frente do governo estadual, o Estado de Minas passou a tratar
a instrução agrícola “enquanto estratégia oficial de desenvolvimento”.
Faria (1992) distinguiu muito bem duas fases na política do Estado mineiro para
a estruturação e a difusão da educação agrícola técnico profissional: a primeira vai de
1903, ano do congresso econômico realizado em Belo Horizonte, marco da enunciação
dessa modalidade educativa como meio de organização do trabalho no campo até
aproximadamente o ano de 1920. Essa fase ficou marcada pelo ideal de educação
elementar voltada para o trabalho. Já a segunda fase marcou-se pela idéia central de
modernização do campo e foi iniciada com o projeto de criação da Escola de Viçosa, a
ESAV, principal objeto de estudo deste trabalho. Segundo a autora:

O ensino agrícola vinha sendo defendido em Minas desde a implantação do


regime republicano. Contudo, foi durante o Congresso, e em decorrência da
opção político-econômica que então se fez, que o mesmo passou a ser
pleiteado como mecanismo eficaz para o desenvolvimento. Para além das
inovações técnicas no trato com a terra e com os rebanhos, mister se fazia
também reter o homem no campo, e mais que isso, garantir sua assiduidade
ao trabalho. Assim, complementando as medidas de punição à vadiagem
recomendadas ao Estado pelos participantes do Congresso, a proposta do
ensino agrícola foi lucidamente acolhida, como meio de ajustar o trabalhador
às novas formas de organização da produção. (FARIA, 1992, p. 187-188).

Na verdade, o ensino agrícola mineiro sempre esteve próximo da questão da


“transformação do trabalho” no mundo da produção. Desde a Lei nº 6 de 1891 de
estruturação administrativa do Estado que, essa modalidade de ensino passou a ser
submetida às diretrizes traçadas pela Secretaria de Agricultura Estadual, enquanto o
ensino público “tradicional” era alçada da Secretaria do Interior e Justiça.
Inclusive, em 1893, o então Secretário de Agricultura de Minas, Francisco Sá
deu destaque em relatório destinado ao Presidente do Estado da época que, na realidade,
Minas Gerais sofria com o problema da organização do trabalho porque não estava
preparada para o regime de produção “livre”. Nesse sentido, o Secretário da Agricultura
clamava a atenção do governo para o incentivo da instrução agrícola elementar
(primária) com base numa educação “simples” voltada para o trabalhador do campo e,
sobretudo condizente com a sua vida prática.
Francisco Sá apontava para uma experiência já realizada no estrangeiro, tratava-
47

se dos “campos de demonstração”. Observe os propósitos desse homem público para


com o desenvolvimento dessa modalidade do ensino agrícola:

[...] a admissão dos aprendizes escolhidos particularmente entre os filhos dos


lavradores darão origem a um corpo de operário escolhidos, adiantados,
conhecedores do valor prático dos mais importantes processos de cultura,
aptos para a montagem e reparação dos instrumentos aperfeiçoados,
educados com destino exclusivo aos trabalhadores agrícolas, próprios assim
para se tornarem preciosos auxiliares da grande cultura. (SÁ, 1893 apud
FARIA, 1992, p. 228-229).

Talvez, fosse mais a resposta aos apontamentos realizados por Francisco Sá no


relatório da Secretaria Estadual de Agricultura de 1893 que o Estado tenha sancionado a
Lei nº73 de 27 de julho de 1893, lei a qual autorizava o governo mineiro a realizar
subvenção àqueles municípios dispostos à criação e à manutenção de: fazendas modelo
com atenção especial às indústrias de agropecuária e de escolas e institutos agrícolas em
qualquer região de MG.
Apesar, da referida Lei de incentivo à difusão do ensino agrícola, esta teve pouca
repercussão, pois foram criadas e instaladas apenas duas instituições educativas desse
gênero: o Instituto Agrícola, situado em Itabira do Mato Dentro - MG e o Instituto
Agronômico e Zootécnico de Uberaba-MG, ambos com curta duração de “vida”, já que
foram fechados no ano de 1899, mais em consequência da crise financeira que assolava
o Estado desde 1897, marco da crise nacional da superprodução do café brasileiro.
Bem que o governo mineiro chegou a dar sinal de iniciativas mais concretas
rumo à estruturação do ensino agrícola antes da realização do Congresso de 1903. No
entanto, não passou de anseios e propósitos isolados, como foi o caso da contratação do
especialista francês Henri Gorceix, organizador e diretor fundador da Escola de Minas
de Ouro Preto-MG, fundada em 187633, por iniciativa do Imperador Dom Pedro II,
atualmente pertencente à Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Conforme FARIA (1992), o especialista francês esteve por pouco tempo no Brasil, mas
foi o suficiente para que ele entregasse um relatório em 1897 para o governo mineiro
contendo um minucioso diagnóstico do ensino agrícola em Minas.
Entretanto, a fase que mais rendera “frutos” a evolução do ensino agrícola
mineiro se iniciou com João Pinheiro, conforme dito anteriormente, principalmente nas
modalidades que valorizavam o ensino primário (elementar) para crianças e adultos

33
Conferir em CARVALHO (1978, p. 5).
48

acima de tudo uma educação que fosse baseada na experiência dos indivíduos e
“acoplada à difusão de conhecimentos práticos”.
Essa proposta educativa de Pinheiro contemplava também o ensejo de
disseminar por todas as regiões de MG as “vantagens”, que a mecanização agrícola
proporcionaria a lavoura mineira por intermédio de “professores ambulantes”. Em
pronunciamento ao Congresso Mineiro no ano de 1907 o Estadista explicava aos
Deputados da Assembléia Legislativa como a economia estadual seria reorganizada pela
educação elementar técnico profissional agrícola:

[...] Estas medidas vão dar imediatos resultados e nelas estão a base da nossa
regeneração econômica, assim para o produtor como para o Estado, que da
agricultura tira a sua principal fonte de receita. O trabalho agrícola, pela
vastidão de seus recursos, pela sua extensa aplicação, pelo seu hábito
generalizado em toda a massa do povo, pela facilidade de sua aprendizagem,
constitui a forma simples e poderosa do trabalho nacional. É por ela que há
de se começar a reorganização econômica do estado. (PINHEIRO, 1907
apud FARIA, 1992, p. 233-234).

Cabe lembrar que, a política educacional desenvolvida pelo governo de João


Pinheiro em torno do ensino agrícola a partir de 1906 está ligada ao fato dele ter
incorporado à sua plataforma política de 1906-1908, as discussões e exigências
realizadas no âmbito do Congresso Econômico de 1903, isso é das deliberações desse
congresso. Pois, como já mencionado ele foi o grande articulador político e principal
autor das teses apresentadas e defendias no evento.
Em seguida alguns dos passos dados pelo nascente Estado Republicano mineiro
por meio de seus estadistas mais “comprometidos” com o interesse da evolução da
instrução agrícola em Minas Gerais.
49

2.3 A Efetivação do Ensino Agrícola Mineiro no Governo João Pinheiro e de


seus sucessores.

O primeiro instrumento legal baixado por João Pinheiro rumo à criação e à


regulamentação dessa modalidade de ensino técnico profissional materializou-se na Lei
Estadual nº444 de 2 de outubro de 1906. Essa Lei definia “as formas de se ministrar” a
instrução agrícola mineira nas instituições primárias, sob a forma simples e elementar, e
nas fazendas modelo. De maneira que, nessas fazendas do Estado, aqueles alunos que se
destacassem durante a formação básica seriam destinados a elas para receberem uma
espécie de formação profissional em agricultura equivalente ao nível médio.
É singular o fato de João Pinheiro ser um industrialista34 e ter sido ele o principal
idealizador de medidas legais que efetivassem a estruturação da educação agrícola
profissionalizante em MG. Sobre esse fato, Dulci defendeu que, para J. Pinheiro:

Longe de refletir uma opção doutrinária, a prioridade conferida à agricultura


resultava do diagnóstico realista de que o setor primário era o que
apresentava maior capacidade de gerar empregos e de atender às necessidade
básicas da população [...] (DULCI, 2005, p. 127).

Vale notar que, além de João Pinheiro ter atendido grande parte das deliberações
do Congresso Econômico de 1903 através da Lei nº 444 de 2/10/1906, ele incorporou
consideravelmente nessa Lei “o espírito do projeto apresentado” pelo Deputado
Francisco Mendes Pimentel ao congresso mineiro, em 1896.
Esse projeto de F. Mendes Pimentel fora aprovado sob a Lei nº. 703, de 18 de
setembro de 1896, e “[...] defendia o ensino Técnico Primário [...]” (FARIA FILHO,
1990, p. 87), tendo na época de sua aprovação representado uma vitória para o grupo
dos agricultores e políticos de Minas Gerais, que defendiam a (re)organização da força
de trabalho pelo veio da formação profissional em agricultura, de nível elementar e
prático.
Tratava-se do mesmo grupo político e econômico que atuou organicamente35 no
congresso de 1903, em prol da constituição, ou melhor, da forma(ta)ção de um

34
Este termo não é entendido como industrial, e sim num sentido mais “inicial” da atividade secundária
do setor produtivo.
35
Conforme a visão “gramiscista” o conceito de “orgânico” expressa o sentido de comprometimento, de
“engajamento” do intelectual para com o desenvolvimento de um determinado projeto político-
econômico, cultural e social.
50

contingente
contingente de mão-de-obra livre via ensino profissionalizante agrícola elementar e
prático, a fim de atender à razão burguesa das novas relações produtivas que foram
impostas pela substituição do braço escravo, oficializada em 1888.
Para FARIA FILHO (1990, p. 87), o Deputado mineiro propôs ao poder
legislativo do Estado, em 1896, este projeto educativo para as classes populares, não
porque a República era do povo e para o povo e sim em decorrência da seguinte questão
que, então, era de interesse dos fazendeiros que Francisco Mendes Pimentel
representava no congresso mineiro: “[...] sem educação profissional o povo, vadio
tornar-se ia perigoso [...]”.
Pois, a principal característica desse projeto de educação profissionalizante, o
qual privilegiava atingir a formação de crianças e de jovens na condição de “menores
abandonados” era a de prepará-los aos ditames do nascente mercado de trabalho livre
do campo. Isto porque as elites políticas e econômicas temiam que esses menores
viessem num futuro próximo a se transformarem naqueles trabalhadores “vadios” e
“indolentes” que se negaram a “servir” o trabalho regular das lavouras mineiras na pós-
escravidão.
É esse o espectro da educação profissional que as elites políticas e econômicas
ansiavam em materializar no Estado em prol do povo mineiro, desde 1896, e também no
transcorrer do Congresso Econômico, de 1903. E foi a essência deste “espírito” que
João Pinheiro buscou para a sua Lei nº444 de 2 de outubro de 1906, conforme
sinalizado há pouco.
Vale considerar que o precoce falecimento do político João Pinheiro em outubro
de 1908, quando ocupava o elevado cargo público de Presidente de Estado pela segunda
vez:

[...] não inviabilizou, pelo menos nos períodos subseqüentes, a execução de


seus planos. Ao contrário, o empenho das autoridades em implementar o
ensino agrícola resultou em profusão de leis e decretos criando e
normatizando estabelecimentos destinados ao ensino agrícola. A
complexidade dessa legislação, que não raro sobrepunha objetivos e
finalidades das diversas modalidades desse ensino, impôs ao governo
mineiro a necessidade de uma regulamentação geral. A exemplo, pois, do
que fizera em 1910 o governo federal, o presidente Julio Bueno Brandão
aprovou (...) o Decreto de nº 3356, de 11 de novembro de 1911, de
regulamentação geral do ensino agrícola do Estado de Minas Gerais, que
vigorou até os anos trinta. (FARIA, 1992, p. 243).
51

Esse decreto de regulamentação geral do ensino agrícola de Minas Gerais,


organizado pela Secretaria de Agricultura do Estado, recém reestruturada em 1910,
norteou toda a política educacional para esse setor durante a Primeira República, mais
especificamente desde 1911, ano da sanção do decreto estadual que o autorizava
legalmente até os anos 1930. A partir dos anos trinta registrou-se um processo de
reformulação geral do ensino agrícola no Estado. Inclusive a experiência da estruturação
da primeira Escola pública Superior de Agricultura e Veterinária do Estado, a ESAV, já
se encontrava consolidada nessa época da reformulação do ensino agronômico/agrícola.
É de suma importância ressaltar que toda e qualquer modalidade de instrução
agrícola criada antes da regulamentação de 1911 foi normatizada e ratificada. Isso
solidificou ainda mais a opção delineada pelo governo João Pinheiro, a partir de 1906,
pela disseminação do ensino agrícola elementar e prático voltado para o trabalho.
Opção esta que provocou uma “omissão” do Estado de Minas para com o
desenvolvimento do ensino agrícola nos níveis médio e superior, visto que a diretriz
oficial traçada por MG na primeira fase fora pela educação profissional elementar
agrícola calcada no princípio “basilar” do trabalho. Essa lacuna foi preenchida apenas
com a aprovação, em 1920, no congresso mineiro, do projeto de criação e instalação da
Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado, a Escola de Viçosa, articulada
pelo Presidente de Minas, Arthur Bernardes. Tal omissão abriu legalmente os caminhos
para que a iniciativa privada atuasse nesse nível da instrução agrícola com o total apoio
das associações de classes.
No caso de Minas, deve-se destacar a atuação da SMA (Sociedade Mineira de
Agricultura)36 que, enquanto agência de representação dos interesses das elites agrárias
mineiras e grande interessada na disseminação do ensino agrícola em todas suas
modalidades, atuou no nível superior, especificamente como a principal articuladora
política da criação e instalação da Escola Mineira de Agronomia e Veterinária de Belo

36
Segundo DULCI (2005, p. 128) criada em 1909, a SMA foi “[...] recomendada pelo congresso
econômico de 1903. A Sociedade representava também o comércio e a indústria, mas o nome que lhe foi
dado sugeria claramente o predomínio dos interesses da agricultura. Com ela, as classes proprietárias
estabeleciam um espaço estadual de atuação, muito mais amplo do que o das (poucas) associações
comerciais existentes em âmbito municipal”.
Para FARIA (1992, p. 126) a SMA foi o principal veículo do ruralismo mineiro e “[...] teve, como não
podia deixar de ser, nuanças tipicamente regionais. Longe de se configurar como movimento/discurso
antagônico à industrialização e ao setor agro-exportador, a atuação da SMA contribuiu decisivamente
para a ratificação da proposta oficial de desenvolvimento apresentada em 1903. Nessa ótica, a constante
defesa da policultura não se constituiu, em ameaça, por exemplo, aos interesses dos cafeicultores da Mata
e do Sul de Minas, mesmo porque os seus representantes não chegaram a deter hegemonia no interior da
classe dominante”.
52

Horizonte (ESMAV), em 1914. A SMA conseguiu, através de seus dirigentes, recursos


do Estado para essa iniciativa, com base na “brecha” dada pelo Regulamento Geral do
Ensino Agrícola de 1911, o qual autorizava as “subvenções” estatais àqueles
estabelecimentos que visassem tratar da instrução agrícola em níveis médio e superior.
Assim, Faria destacou em seu estudo sobre essa questão das subvenções:

Em decorrência da opção pelo ensino primário-elementar e prático, todos os


estabelecimentos estaduais de ensino agrícola se dedicaram, até meados da
década de vinte, a essas modalidades. A ‘feição mais prática que teórica’ do
ensino agrícola se tornou diretriz política do Estado, atribuindo à iniciativa
particular o encargo de ministrá-lo nos níveis médio e superior. Contudo,
sem se eximir totalmente da responsabilidade, o Estado abriu uma brecha
para o seu desenvolvimento, através do Regulamento de 1911, pelas
‘subvenções aos estabelecimentos existentes ou que se fundarem no Estado
para o ensino médio ou teórico-prático’ (FARIA, 1992, p.267).

Antes das considerações finais acerca da configuração da instrução agrícola de


Minas, no tocante à sua primeira fase, cabe mostrar brevemente os desdobramentos da
política educacional dessa fase de materialização e disseminação da instrução agrícola
mineira, em nível primário e prático, iniciadas com o estadista J. Pinheiro, sob a forma
de algumas modalidades desse campo de ensino.
Conheça, então, os principais traços das fazendas modelo, fazendas
subvencionadas, campos de demonstração e estabelecimentos de ensino agrícola
elementar, que foram as modalidades de instrução agrícola incentivadas intensamente
durante o governo estadual de João Pinheiro (1906-1908), “normatizadas” pelo primeiro
Regulamento Geral do Ensino Agrícola mineiro (Regulamento de 1911), ampliadas e
até mesmo em alguns momentos redimensionadas ou mesmo suprimidas pelos
sucessores de Pinheiro.
Nesse último caso deve-se destacar a atuação do estadista Raul Soares quando,
na condição de Secretário de Agricultura Estadual, chegou a propor em relatório oficial
dessa secretaria ao Presidente mineiro da época, o Sr. Delfim Moreira da Costa Ribeiro,
em 1915, a criação dos campos práticos de agricultura no Estado em substituição às
fazendas modelo que, com exceção da fazenda situada na Gameleira em Belo Horizonte
– MG, não estavam atingindo aos seus propósitos e não era econômico para o governo,
como será mostrado ainda nesse capítulo do trabalho.
Em primeiro lugar, cabe observar que o objetivo da sumária apresentação das
principais modalidades de instrução agrícola desenvolvidas pelo Estado de MG
53

ensaiada nas próximas páginas desse estudo não teve o intento de apresentar e analisar
os resultados dessas modalidades, mas de apreender o sentido da ação do Estado
mineiro em disseminar oficialmente o ensino agrícola elementar e prático voltado para a
educação do trabalho, segundo as exigências e propostas discutidas e enunciadas pelos
congressistas de 1903, quanto à questão do problema da mão de obra nos campos, sob a
condição de principal entrave para o “desenvolvimentismo mineiro”.
No nível de Ensino Agrícola Primário ou Elementar destacaram-se os Institutos
e Aprendizados Agrícolas, uma vez que a efetivação da instrução agrícola primária
prevista pelo Regulamento de 1911, para acontecer nas escolas do campo e nos grupos
escolares, não se materializou, tendo sido incorporada nesses estabelecimentos escolares
apenas a partir de 1920 com a Lei nº. 800 de reorganização do ensino primário
mineiro37.

2.3.1 Modalidades de Ensino Agrícola Primário ou Elementar:

Os Institutos e Aprendizados Agrícolas: Esses estabelecimentos foram


ratificados pelo Regulamento Geral do Ensino Agrícola de 1911, visavam formar jovens
e crianças desprovidas do amparo familiar em futuros lavradores, por isso se
caracterizavam como estabelecimentos destinados a assistência social. Estes nasceram
daquele “espírito” que “encarnava” o projeto de ensino técnico elementar para as classes
populares proposto pelo deputado mineiro F. Mendes Pimentel e aprovado pelo
congresso de MG em 1896. Como já discutido nesse estudo, o propósito central deste
projeto educativo era: formar para o trabalho agrícola o menor abandonado antes que
ele se tornasse perigoso, ou seja, “vadio” e “indolente”, as principais pechas destinadas
pelas elites nacionais a todos os trabalhadores que se negavam à regularidade exigida
pelas lavouras mineiras e brasileiras, desde o período colonial.
Segundo Faria (1992), dos três (03) institutos estruturados pelo Estado de 1909
até 1911, deve-se destacar o Instituto João Pinheiro (IJP), pois este estabelecimento foi
criado em 1909, na capital mineira, para assumir condição de referência para as demais
instituições dessa modalidade que, sobretudo, deveriam solucionar concomitantemente
duas questões: do menor abandonado e do problema da desorganização do mercado de
trabalho nos campos.
Para os estudiosos do IJP, a experiência de maior sucesso em Minas no

37
Ver sobre isso em NAGLE (1974, p. 233-238).
54

transcorrer da Primeira República. E teve a sua estrutura acoplada à fazenda modelo da


Gameleira, localizada também em Belo Horizonte – MG. Essa associação da fazenda
muito contribuiu para economia dos gastos de manutenção do IJP, já que os produtos
produzidos na Gameleira, a maioria agrícolas, eram comercializados e a renda revertida
para o sustento do Instituto. Com uma estrutura funcional marcada por “modernas
técnicas pedagógicas”, a sua principal meta era formar as crianças e jovens
“abandonados”, com idade entre 8 e 17 anos, em futuros lavradores mineiros. Sempre
em plena sintonia com as exigências e necessidades das elites agrárias por mão-de-obra
assídua e qualificada e que, acima de tudo, fosse “adestrada” a amar a terra e jamais a
abandonar. É importante lembrar que a efetivação dessa proposta espelhava fielmente a
diretriz esboçada pelo Congresso de 1903 em prol da superação do principal obstáculo à
meta de diversificação do sistema produtivo: o problema da desorganização do trabalho
nos campos, principal fonte de riqueza do Estado.
Nesse sentido, FARIA FILHO concluiu, quanto à missão do IJP, que:

O Instituto João Pinheiro foi concebido como um centro


educativo/preventivo que deveria ‘apoderar-se’ de crianças que representam
uma ameaça à sociedade, e ‘restituir’ um trabalhador ideal, perfeitamente
integrado a ela, pelo trabalho honrado e remunerador. É este homem sadio
de corpo e de alma e perfeitamente ajustado à sociedade do trabalho, que o
Instituto procurará formar. Do instituto se espera que faça uma verdadeira
conversão de cada menor que a ele se dirigisse espontânea ou forçosamente.
Falamos numa ‘verdadeira conversão’ por que esperava-se do instituto que
mudasse os rumos de suas vidas, que sem a passagem por ele seria a mesma
daqueles que os abandonassem, a saber, pontuada pela ociosidade, vícios e
vadiagem.38 (FARIA FILHO, 1990, p.89).

Desse modo, vejam na tabela a seguir os outros dois (02) institutos criados em
MG, destinados a cumprir a mesma finalidade institucional direcionada pelo Estado ao
Instituto João Pinheiro, apresentados em ordem crescente da data dos decretos leis
estaduais de criação destes estabelecimentos de ensino de agricultura primária.

38
Para conhecer a trajetória institucional do IJP ver o trabalho de: FARIA FILHO (1991).
55

Tabela 1 - Institutos Agrícolas criados em Minas Gerais, de 1909 a 1911.

Institutos Agrícolas/ Finalidade Institucional Data de Criação


Localização Geográfica
Instituto João Pinheiro, Criado com base no Decreto Estadual
situado no município de Belo Formar os futuros nº. 2416, de 9 de fevereiro de 1909.
Horizonte - MG. lavradores mineiros a fim
de promoverem a
Instituto Dom Bosco, situado restauração econômica de Criado com base no Decreto Estadual
no município de Itajubá - Minas Gerais. nº. 2826, de 14 de maio de 1910.
MG.
Instituto Bueno Brandão, Criado com base no Decreto Estadual
situado no município de Mar nº. 3261, de 01 de agosto de 1911.
de Espanha-MG.
Fonte: Tabela organizada com base no amplo inventário sobre o ensino agrícola mineiro durante a
Primeira República realizado por FARIA (1992, p. 244-246 ).

Com relação aos Aprendizados Agrícolas, vale notar que esses


estabelecimentos eram encarados pelo Estado enquanto instituições educativas de
ensino agrícola elementar também, só que em regime de assistência social às crianças e
jovens carentes; inclusive, ministravam o mesmo conteúdo programático escolar
previsto no cronograma dos grupos escolares. Apesar de terem possuído uma “estrutura
organizacional” inferior aos Institutos, isso é, mais simples, receberam a mesma
atribuição do governo estadual designada aos institutos: formar menores abandonados
em lavradores para as lavouras mineiras. Eram mais simples porque ofereciam menos
vagas, cerca de quarenta e cinco (45), em média, os jovens e crianças também menores
abandonados permaneciam nos Aprendizados Agrícolas quatro (04) anos. Registrou-se
também “maior rotatividade” nesses estabelecimentos, uma vez que não existia uma
idade máxima como pré-requisito para o ingresso e saída dos alunos.
Além dos quatro (04) Aprendizados Agrícolas apresentados na tabela abaixo,
havia também a existência de outros estabelecimentos dessa modalidade educacional
que eram particulares, mas apoiados pelo Estado mineiro através de concessão de
verbas anuais e até de empréstimos de maquinário agrícola, em troca, estes
Aprendizados agrícolas disponibilizavam um determinado número de vagas àqueles
menores abandonados que eram direcionados pelo Estado.
56

Tabela 2 - Aprendizados Agrícolas em Minas Gerais.

Aprendizados Finalidade Institucional Observação


Agrícolas/ Localização
Geográfica
Aprendizado Carlos
Prates-Itabancory, situado Formar os futuros Cabe ressaltar que, cada Aprendizado
no município de Teófilo trabalhadores qualificados Agrícola se especializava mais em uma
Otoni-MG. e dedicados aos variados determinada atividade agrícola. Por exemplo,
Aprendizado José tipos de trabalhos da o de Barão de Camargos especializou-se na
Gonçalves, situado no lavoura mineira para que cultura de chás. Mais uma influência do
município de Ouro Fino - fossem verdadeiros projeto de diversificação econômica traçado
MG. amantes do campo e da pelo Estado em parceria com as elites
Aprendizado Borges vida rural. econômicas de Minas Gerais no Congresso
Sampaio, situado no de 1903.
município de Uberaba-
MG.
Aprendizado Barão de
Camargos, situado no
município de Ouro Preto-
MG.
Fonte: Tabela organizada com base no amplo inventário sobre o ensino agrícola mineiro durante a
Primeira República realizado por FARIA (1992, p. 261-262 ).

Quanto ao nível de Ensino Agrícola Prático Elementar “formal”, que não se dava
no âmbito das instituições escolares, efetivaram-se prioritariamente nas modalidades de:
Ensino Ambulante, Fazendas Modelo – Fazendas Subvencionadas e nos Campos de
Demonstração.
Tais modalidades de ensino agrícola caracterizaram-se pela metodologia de
trabalho educativo mais prático que teórico e eram destinadas para moços maiores de 18
anos. Vale frisar que essas modalidades não tinham como alvo de sua ação educativa os
menores carentes, mas sim jovens lavradores e filhos de trabalhadores rurais mineiros,
para que esses não viessem a abandonar, no futuro, o campo.
Nesse âmbito de configuração do ensino agrícola registrou-se também, por parte
do Estado, a preocupação com a qualificação profissional dos trabalhadores agrícolas ou
dos futuros trabalhadores agrícolas. Entretanto, a maior preocupação era com a
“retenção” desses indivíduos no meio rural de Minas Gerais. Cada modalidade tinha um
foco mais específico, porém o objetivo central convergia para a disseminação de
métodos produtivos práticos e modernos que fossem capazes de diversificar e dinamizar
a agricultura mineira. Conheça então, as principais características das modalidades de
Ensino Agrícola Prático Elementar e a primeira a ser apresentada é a do Ensino
57

Ambulante.

2.3.2 Modalidades de Ensino Agrícola Prático Elementar para


trabalhadores adultos:

1ª) O Ensino Ambulante: pensado como um mecanismo de instrução agrícola


que atingisse prioritariamente as fazendas mais distantes das instituições de ensino
agrícola do Estado, conforme o Artigo 22 do Regulamento Geral do Ensino Agrícola
mineiro de 1911. Esta modalidade educativa esteve vinculada à supervisão da Secretaria
de Agricultura de MG e o principal agente dessa proposta eram os “mestres de cultura”.
Ou seja, cabia a estes “professores ambulantes”, assim como eles eram
classificados, estenderem as “inovações técnicas” aos fazendeiros mineiros situados ao
longo das sete (07) regiões (Norte, Sul, Leste, Oeste, Mata, Centro e Triângulo)
definidas pelo Estado. Aqui vale lembrar da representação do “mosaico mineiro”
atribuída pelo estudo do autor Wirth (1982) mencionado anteriormente. Deve-se
destacar que a grande preocupação da Secretaria de Agricultura mineira era com a
difusão dos conhecimentos úteis à dinamização e à diversificação da produção agrária
desses fazendeiros, especialmente com o uso da mecanização agrícola.
O ensino ambulante fora assinalado pelo Estado mineiro enquanto “prestação de
serviço” e esteve intrinsecamente ligado aos verdadeiros anseios das classes dirigentes
mineiras, fiéis representantes dos reais interesses “do setor agropecuário”,
principalmente após a realização do Congresso Econômico de 1903, em Belo Horizonte
- MG. Não foi fortuito que o Estado tenha determinado normas de funcionamento desta
modalidade de instrução agrícola, com base no Regulamento de 1911, artigos 26-30
como: o tempo de permanência do professor ambulante nas propriedades; difusão dos
ensinamentos a outros produtores da mesma região e, especialmente, uma escala de
prioridades para o atendimento das solicitações. Nesta escala devia prevalecer, em
primeiro lugar, os pedidos de urgência comprovada e, em segundo, os demais pedidos
por ordem cronológica, desde que os fazendeiros solicitantes arcassem com os gastos de
transporte do mestre ambulante, de seu auxiliar e de eventuais instrumentos necessários
às exibições práticas.
Sobre a eficácia do ensino agrícola ambulante pôde-se concluir que essa
modalidade educativa “foi a mais duradoura”, tendo sido extinta apenas nos anos finais
da década de 1920, conforme a autora, que inspirou essa apresentação por “alegação” de
58

questões estruturais como: “carência” de transporte para os próprios professores


ambulantes às sete regiões de Minas e também devido às dificuldades encontradas pelo
Estado em fiscalizar os trabalhos realizados pelos seus agentes da mecanização agrícola,
os professores ou mestres de cultura.
2ª) Fazendas Modelo: João Pinheiro instituiu as fazendas modelo por meio da
Lei nº444, de 1906, já discutida nesse estudo. O governo autorizou, pela Lei nº. 438, de
24 de setembro de 1906, a criação de seis (06) fazendas modelo; dessas somente cinco
(05) foram instaladas nos seguintes municípios mineiros: “da Gameleira em Belo
Horizonte; da Fábrica em Serro; do Retiro do Recreio em Santa Bárbara; Diniz em
Itapecerica e Bairro Alto, em Campanha”. (FARIA, 1992, p. 273).
No início da proposta, as fazendas modelo do Estado foram pensadas por J.
Pinheiro prioritariamente para receberem os melhores alunos das instituições de ensino
primário, a fim de receberem formação técnica em agricultura de nível médio.
O Regulamento de 1911 alterou tal propósito, de forma que essa modalidade
pudesse atender a qualificação profissional de lavradores encaminhados pelo Estado e
por fazendeiros mineiros; assim, estes produtores rurais teriam seus funcionários (os
trabalhadores rurais) aptos às novas técnicas agrícolas da época, principalmente no trato
e no manejo do maquinário rural. Mas, nunca sem deixar de lado a “fabricação” ou
“forma(ta)cão” dos futuros lavradores, já que as fazendas modelo tinham que receber
moços com idade a partir de 18 anos, sempre de “boa” conduta, para serem iniciados
nas técnicas agrícolas e veterinárias, na condição de aprendizes por no mínimo dez (10)
meses.
Redimensionados os propósitos iniciais das fazendas modelos mineiras, o
Regulamento de 1911 estabeleceu o aumento desses estabelecimentos, desde que
conveniados, ou melhor, subvencionados às municipalidades. De acordo com FARIA
(1992) não houve interesse dos municípios em criar novas fazendas e, por isso, não se
registrou aumento no número de estabelecimentos dessa modalidade prática de
disseminação de instrução agrícola elementar.
A mesma autora diferenciou dois momentos distintos na eficácia das fazendas
modelo, um por volta de 1911, quando o Sr. Carlos Prates então, Diretor da Agricultura,
Terras e Colonização, órgão vinculado à Secretaria de Agricultura de Minas Gerais, em
relatório a essa pasta do governo estadual, relatava uma verdadeira propaganda da
eficácia das fazendas modelo e de campos de demonstração como os melhores meios de
divulgação da “lavoura racional e metódica”.
59

O outro momento se deu cinco anos mais tarde quando Raul Soares em 1915 na
condição de Secretário de Agricultura de Minas em relatório oficial dessa secretaria
estadual anunciou um importante preceito que estava sendo seguido pelo governo na
área da instrução agrícola: defender o desenvolvimento do ensino agrícola prático e
elementar adaptado às condições sócio-econômicas do Estado, mas em perfeita
sincronia com as finanças públicas mineira.
Por isso, das cinco fazendas modelo do Estado com exceção da fazenda da
Gameleira, em Belo Horizonte, as demais, ou seja, as outras quatro foram consideradas
por Raul Soares em seu relatório “inúteis” aos olhos do Regulamento de 1911, uma vez
que esses quatro estabelecimentos de instrução agrícola proporcionavam uma gama de
gastos não equivalentes com os objetivos propostos: isso é nelas não houve
aprendizagem agrícola. E quem afirmou isso foi o próprio Delfim Moreira da Costa,
Presidente de Minas Gerais no ano de 1915, em mensagem oficial dirigida ao congresso
mineiro.
Daí o motivo central do fechamento das quatro fazendas modelo pelo governo
estadual, no ano de 1915, pela Secretaria de Agricultura ocupada por Raul Soares.
Segundo o próprio Secretário, as propriedades deveriam ser legalmente “arrendadas ou
vendidas” Na verdade, elas foram definitivamente extintas, restando apenas a
experiência modelar da fazenda da Gameleira, em Belo Horizonte, um sucesso único e
comprovado através da parceria com o Instituto João Pinheiro. É possível afirmar que o
sucesso da fazenda da Gameleira serviu de “consolo” para o governo, que viu seus
esforços enfraquecidos diante das outras quatro experiências frustradas.
3ª) Fazendas Subvencionadas: Esta modalidade prevista pela Lei Estadual
nº454, de 1907, foi ratificada pelo Regulamento de 1911 e consistiu na subvenção do
Estado daqueles fazendeiros interessados em estabelecer em suas propriedades rurais
uma espécie de centro de aprendizagem agrícola prática, simples, em nível elementar e
que visava difundir principalmente a mecanização agrícola para os campos mineiros.
Cada fazenda tinha que receber por um prazo máximo de sessenta (60) dias uma
média de cinco (05) indivíduos ou aprendizes, assim como eram chamados, para que
eles pudessem receber instrução prática de agricultura e manseio das principais
máquinas agrícolas, bem como alojamento e alimentação. Tais aprendizes eram
indicados pelo Presidente da Câmara Municipal pertencente ao município sede da
fazenda. Deve-se mencionar que o valor subvencionado pelo Estado era diretamente
proporcional ao número de aprendizes destinados a estes estabelecimentos agrícolas
60

para receberem conhecimentos úteis ao desenvolvimento diversificado da agricultura


mineira. Outra característica muito importante que merece ser destacada refere-se ao
fato das fazendas subvencionadas terem sido criadas nos municípios onde inexistissem
instituições educativas regulares de instrução agrícola.
A subvenção prevista no Regulamento do ensino agrícola mineiro de 1911
previa a concessão dos recursos financeiros aos fazendeiros por um prazo de dois anos,
pois o Estado almejava, ao final desse período bienal, alcançar o número de sessenta
(60) aprendizes em cada fazenda subvencionada pelo governo estadual. Isto porque,
esses estabelecimentos rurais deveriam, como mencionado, receber e capacitar até cinco
aprendizes em agricultura no tempo de dois meses.
O governo mineiro era exigente quanto à infra-estrutura necessária às fazendas
que desejavam pleitear subvenção do Estado, em troca de seus serviços de disseminação
dos “processos aperfeiçoados de cultura mecânica” para os indivíduos encaminhados
pelo legislativo municipal da localidade onde estava situada a fazenda subvencionada.
Mas, isso não garantiu a eficácia e a eficiência dessa modalidade de instrução agrícola
prática.
Pelo contrário, em 1911 o governo viu-se obrigado a limitar, por meio da Lei nº.
564, de 14 de setembro do mesmo ano, o número máximo de estabelecimentos rurais
que poderiam ser subvencionados em dez (10), até suspender definitivamente as
subvenções no ano de 1915, na gestão do Presidente de Minas, Delfim Moreira, pois
constataram os resultados insuficientes tendo em vista o objetivo central que havia sido
estipulado, legalmente, pelo Regulamento de 1911.
Desse modo, o governo mineiro, após diagnosticar “distorção” nessa proposta
de difusão do ensino prático de agricultura e constatar “abusos” por parte dos
fazendeiros proprietários das fazendas subvencionadas, decidiu, assim como no caso
das fazendas modelo, com exceção da Gameleira, suprimir essa modalidade de
instrução, em 1915.
4ª) Campos de demonstração: Essa proposta de ensino prático de agricultura
expressa muito bem a “essência” da educação para o trabalho, que marcou a primeira
fase39 de desenvolvimento do ensino agrícola mineiro durante a Primeira República.
E João Pinheiro deixou isso muito claro quando registrou no documento do

39
Deve-se ressaltar que, os campos de demonstração já eram discutidos e propostos pelos Deputados do
congresso mineiro da “segunda legislatura” enquanto um instrumento de desenvolvimento da agricultura
do Estado, conforme apontou BORGES (1998, p. 226).
61

Congresso das Municipalidades do Sul de Minas Gerais, realizado na capital mineira em


4 de abril de 1907, da seguinte forma:

O mal que aflige neste momento é a ignorância de como o trabalho deve ser
organizado [...] O trabalho agrícola primário pode ser ensinado aos próprios
trabalhadores rurais, mesmo analfabetos. O homem hoje para produzir não
precisa nem de livros nem de altas doutrinas. Basta em um estado como
este, dez ou doze homens que ensinam ao povo como se pratica a
agricultura moderna, o que é o adubo químico, que adubo convém para esta
ou aquela terra etc; ao povo cabe, aproveitando estas noções, praticá-las
tirando-lhes as utilidades, pouco importando o porque. O que visa o
Governo com os campos de demonstração é ensinar como as máquinas
trabalham, como se planta, e o resultado – quando se colhe. Pediria às
municipalidades que tratassem então de obter um pequeno pedaço de terra de
4 a 6 alqueires irrigável e votasse o auxílio de três contos. O governo do
estado fará então com que se estabeleça imediatamente em cada município, o
ensino prático de agricultura. (PINHEIRO, 1907 apud FARIA, 1992, p. 194-
195, grifos meus.)

Ou seja, o governo mineiro, por meio dos campos de demonstração, sem


maiores preocupações com uma verdadeira formação integral dos trabalhadores rurais
mineiros, almejava exclusivamente difundir o ensino prático de agricultura calcado nos
processos modernos de produção agrícola da época para que fossem assimilados pelos
próprios trabalhadores.
Dessa maneira, os campos de demonstração eram destinados a homens a partir
dos 18 anos de idade e também foram ratificados pelo Regulamento de 1911. Inclusive,
tal regulamento chegou a autorizar que esses campos ministrassem ensino primário,
desde que, anexo ao funcionamento de algum grupo escolar ou escola rural regular.
Mas, como já justificado anteriormente, a instrução agrícola primária foi alvo apenas
dos Institutos e Aprendizados Agrícolas.
Entretanto, o que se materializou na realidade foi uma experiência marcada pelo
insucesso, pois o Regulamento de 1911 as municipalidades deviam fornecer terrenos
apropriados e consideráveis quantias em dinheiro, quanto ao governo estadual caberia a
supervisão técnica.
Essa sumária descrição das modalidades e dos estabelecimentos de instrução
agrícola apontou, na prática, o “teor” do discurso que estava sendo fomentado desde os
anos 1870, em que as elites políticas e econômicas mineiras já discutiam a
profissionalização/forma(ta)cão via instrução agrícola da mão-de-obra “cativa”, com
base num projeto maior que visava à garantia da “desescravização” da sociedade de
forma “lenta” e “gradual”, conforme discutido em tópico anterior do presente estudo.
62

Tal descrição apontou também que as discussões “travadas” em torno da questão


da (des)organização do trabalho no transcorrer do primeiro Congresso Agrícola,
Industrial e Comercial de 1903, no tocante ao ensino agrícola elementar e prático foram
incorporadas em grande parte pelo Estado, após a ascensão de João Pinheiro à
Presidência de Minas em seu segundo mandato. Política essa continuada pelos seus
sucessores até 1916. Nesse período, vale destacar a elaboração do primeiro
Regulamento Geral do Ensino Agrícola de MG, o “Regulamento de 1911”, fruto da
necessidade de ‘organicidade’ desta modalidade educativa.
O ano de 1916 destacou-se, pois fora o momento em que o governo estadual, por
meio da Secretaria de Agricultura, passou a (re)avaliar as suas diretrizes para esse setor
do ensino, em virtude de dois fatores: o primeiro está diretamente relacionado à questão
do “insucesso” de grande parte das modalidades/instituições há pouco cotejado, pois,
como visto, muitas geravam gastos excessivos ao governo que em sua avaliação não
conseguiam corresponder aos propósitos de dinamização e diversificação da
agropecuária esboçada pelo Estado desde o Congresso Econômico de 1903. O caso do
fechamento de quatro (04) das cinco (05) fazendas modelos existentes e da suspensão
das “subvenções” estatais às fazendas que eram subvencionadas é um bom exemplo
dessa (re)orientação da Secretaria de Agricultura delineada a partir de 1916.
Cabe ressaltar que, apesar da opção das elites políticas e econômicas do Estado
pela disseminação do ensino agrícola prático calcado na experiência e na realidade dos
trabalhadores rurais, o mesmo não conseguiu solucionar a antiga questão da
(des)organização da mão-de-obra rural mineira, já que o intenso movimento de
migração interestadual do trabalhador mineiro para as regiões de economia mais
dinâmicas do País, principalmente para o Estado de São Paulo, não foi “estancado” nem
no primeiro decênio, nem no segundo decênio do século XX.
Associado a esta continuidade do problema da organização do trabalho no
campo, fortemente alimentada pela “pouca estabilidade” do trabalho mineiro, ou seja,
pelo “nomadismo” do mineiro já justificado nesse estudo, o segundo fator que deve ser
considerado está intrinsecamente ligado às novas circunstâncias sociais e político-
econômicas vividas em Minas Gerais, em decorrência da Primeira Guerra40 Mundial
(1914-1918).
Sobre os efeitos da primeira grande Guerra, Raul Soares, ainda na posição de

40
Sobre os impactos da primeira Guerra Mundial na economia mundial, ver: HOBSBAWM (1995).
63

Secretário de Agricultura do Estado avaliou em relatório dessa secretaria destinado ao


Presidente do Estado em 1916, que:

[...] Dos grandes males sempre resulta algum bem: a guerra européia
cerceando cada vez mais a importação do país, obrigou-nos a lançar mão dos
próprios recursos até agora esquecidos ou propositalmente deixados ao
abandono, pela facilidade com que nos abastecíamos de produtos
estrangeiros. Por outro lado, crescendo grandemente o consumo e
consequentemente a procura por parte dos países em luta, de um grande
número de mercadorias de produção nacional, - este fato abriu novos
horizontes ao trabalho, fazendo-nos ver a possibilidade de negócios de alto
vulto e lucros consideráveis [...] (MOURA, Raul Soares de, 1916 apud
FARIA, 1992, p. 312).

Por isto, deve-se entender que:

[...] a primeira Guerra Mundial (1914-1918) deixou evidente que a redução


forçada das importações não tinha que dar lugar a uma diminuição
equivalente do consumo. Este poderia ser igualmente bem atendido por
produção nacional, mesmo que ela fosse inicialmente menos vantajosa em
termos de preço e qualidade. Começava-se a compreender que era muito
melhor ter produção nacional a não ter produção alguma. (SNGER, P. 2001,
p. 88).

E foi justamente com vistas a atender às crescentes “demandas” do mercado


consumidor interno e externas provocadas pelos efeitos da Iª Guerra Mundial no que
tange à possibilidade de dinamização da agricultura mineira que o Estado, então,
procurou ainda mais (re)avaliar o “padrão” de sua produção agrícola, tendo em vista
seus métodos de trabalho no campo.
Isso implicou numa grande preocupação para as classes dirigentes, visto que,
com exceção do Ensino Agrícola Ambulante, dos Institutos e Aprendizados Agrícolas,
todas as outras modalidades em detrimento da “comprovada ineficácia” foram extintas
ou suprimidas, no período de 1914 a 1918, durante a gestão da presidência de Minas do
estadista Delfim Moreira.
O que se percebe através da avaliação de Raul Soares é justamente a enunciação
da mudança política que se instaurou com Arthur Bernardes à frente do governo
estadual (1918-1922) quanto à alteração do objetivo central designado pelo Estado ao
ensino agrícola na economia mineira de organizar a mão-de-obra no campo durante a
primeira fase de configuração desse setor educacional.
Conforme a argumentação feita por Dulci (2005), no início deste capítulo,
Bernardes apostou na estruturação de ensino agrícola em níveis médio e superior, não
64

porque desejava deixar de lado a dinamização da instrução agrícola enquanto uma


“estratégia oficial de desenvolvimento” ou que ele desejasse abandonar o “combate” a
questão da desorganização do mercado de trabalho rural.
Pelo contrário, seu ensejo era o de instaurar uma nova fase nessa modalidade de
ensino no Estado, capaz sobretudo de introduzir a ciência no cotidiano dos produtores
mineiros, ou seja, na vida prática dos indivíduos dos campos de todos os níveis sociais e
concepções culturais. Anseio este que se materializou na Lei Estadual nº761 de
6/09/1920, que autorizava a criação da primeira Escola Estadual Superior de
Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais, a ESAV, projetada para
constituir-se num moderno centro de ensino e pesquisa em agricultura e veterinária e
inaugurada em 1926, quando Arthur Bernardes ocupava a posição de Presidente da
República (1922-1926).
Dessa maneira, conclui-se o seguinte:

A importância da Escola de Viçosa não estava em introduzir em Minas o ensino


agrícola de nível superior, uma vez que algumas escolas particulares, subvencionadas
pelo poder público, já o ministravam em escala modesta. O que a distinguia era,
sobretudo, o fato de ter sido planejada como base para um grande salto no rumo da
modernização do campo, pretendida pelo projeto de diversificação produtiva [...]
(DULCI, 1999, p. 52).

Assim sendo, após a tentativa de analisar o processo de configuração e evolução


do ensino agrícola mineiro, durante a Primeira República, mais especificamente, de
1903 a 1920, a fim de interpretar alguns dos motivos que levaram o Estado de MG a
criar e instalar a ESAV, a partir de 1920. O presente estudo tratará no segundo capítulo
da dissertação, de analisar a “gestação” do projeto de constituição da Escola de Viçosa,
atual Universidade Federal de Viçosa.
65

CAPÍTULO II
A GESTAÇÃO DA ESCOLA DE VIÇOSA

2.1 Os antecedentes

No presente capítulo serão apontadas e discutidas algumas peculiaridades


intrínsecas ao processo de criação e instalação da ESAV, no período de 1920, marco
legal da criação da instituição, a 1926, ano da sua inauguração oficial.
O intuito central da análise é apresentar ao leitor a interpretação a que se chegou
com relação às causas históricas que provocaram as iniciativas e debates em torno do
planejamento e da estruturação da Escola de Viçosa. Não somente para descrever o
processo de configuração da instituição, mas principalmente para interpretar os anseios
e propósitos do governo mineiro materializados na criação de uma Escola Superior de
Agricultura e Veterinária no interior da mata mineira pelo governo Arthur da Silva
Bernardes (1918-1922).
Nesse trajeto algumas diretrizes foram traçadas cautelosamente pelo governo de
Minas Gerais e serão cuidadosamente analisadas. Dentre elas, deve-se destacar:
• A contratação de Peter Henry Rolfs,41 especialista norte-americano em
ensino agrícola profissionalizante, pelo governo estadual de Arthur
Bernardes, por intermédio do governo federal dos Estados Unidos
(EUA), para fundar, organizar e dirigir a Escola Superior de
Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais, com base no
modelo das escolas superiores agrícolas americanas, denominados
Land Grant Colleges42.
• A constituição de uma comissão com a finalidade de escolher o
município apropriado a sediar a instituição destinada a ser localizada na

41
Peter Henry Rolfs, nascido, em 17 de abril de 1865 na cidade de Lê Claire, situada no Estado norte-
americano de Iowa. Graduou-se em “Bachelor of Science, 1889, Master of Science, 1891, Iowa State
Agricultural College, Doctor of Science, University of Florida, 1920. Fonte: Livro de Formatura ESAV
1939, s/p.
42
Os “Land Grant Colleges” americanos foram fundamentados na indissociabilidade Ensino, Pesquisa e
Extensão fortemente marcada pelo ideal de uma educação agrícola prática, moderna, democrática, liberal,
flexível, e, sobretudo adequada às necessidades materiais e culturais dos cidadãos americanos situados
nas regiões sedes das escolas em questão. Este sistema de escolas superiores agrícolas fora adotado
primeiramente no oeste e meio oeste americano, tendo como ponto de partida a região do Vale do Rio
Mississipi dos Estados Unidos, a partir dos anos 1860.
66

região da Zona da Mata mineira por recomendação do próprio Governo


de Minas.
• O processo de construção da ESAV durante sete (07) anos, mais
especificamente de 1921, data da sanção do Decreto nº5. 806, o qual
respaldado no Relatório da Comissão já mencionada aprovou a planta e
o planejamento da futura Escola de Viçosa até o ano de 1926, ano da
inauguração oficial da instituição.

Dessa maneira, algumas considerações em torno dessas diretrizes fazem-se


necessárias e serão tecidas ao longo do trabalho.
Antes de apresentar o itinerário de estruturação da Escola de Viçosa deve-se
destacar uma informação curiosa que ainda não havia sido revelada ou comentada pelos
escassos trabalhos existentes sobre a origem da ESAV: o fato do Secretário de
Agricultura de MG do governo Bernardes, o Sr. Clodomiro Augusto de Oliveira, antes
mesmo de assumir esta secretaria ter realizado, conforme solicitação do Presidente
viçosense, uma viagem ao Sul do país, mais especificamente ao Rio Grande do Sul e
por dois países latinos americanos - o Uruguai e a Argentina, a fim de estudar o sistema
de produção agro-industrial e o modelo das instituições de ensino agrícolas naqueles
locais.
De acordo com José Pedro Xavier da Veiga, filho de Clodomiro de Oliveira:

[...] Segundo sugestão de Arthur Bernardes deviam ser estudados os sistemas de agro-
indústria argentinos e uruguaios e seus institutos de ensino, nesses campos,
especificamente. Farto material informativo e muitas observações foram colhidos, nessa
viagem, realizada à custa própria, do futuro Secretário; apenas mencionarei dois fatos,
pelas suas importantes conseqüências [...] Foi na Escola de Agricultura de Estanzuella
que Clodomiro de Oliveira vislumbrou o modelo para a futura Escola de Viçosa.
Pretendia mesmo entregar aos competentes técnicos e professores, daquele Instituto, o
projeto e a organização da Escola de Viçosa. Cousa ignorada por muita gente é que foi
Arthur Bernardes quem decidiu preferir os métodos e sistemas norte-americanos; suas
razões demonstraram sua visão segura do futuro: o grau mais elevado da Agricultura
norte-americana [...] (Jornal Estado de Minas, 8 de agosto de 1975, p.5).

E a primeira atitude tomada pelo governo de Bernardes para colocar a


agricultura mineira no “compasso” da agricultura norte-americana se deu com a
contratação de um especialista capaz de fundar, organizar e dirigir uma Escola Superior
de Agricultura moderna, estruturada nos pilares das Escolas Superiores Agrícolas dos
Estados Unidos (EUA), os Land Grant Colleges. A partir daí coube ao Dr. Peter Henry
67

Rolfs a tarefa de adequar43 o Land Grant System às condições econômicas, sociais e


culturais da população rural mineira.
Rolfs foi contratado pelo governo de MG em 1 de janeiro de 1921; partiu com
sua família dos EUA em meados de janeiro do mesmo ano e chegou ao Rio de Janeiro,
em pleno carnaval, mais precisamente no dia 4 de fevereiro de 1921. Sua contratação só
pôde ser efetivada por causa do empenho do Embaixador brasileiro em Washington,
conforme atesta o livro de Formatura ESAV 1939:

Em 1920 o Exmo. Sr. Governador do Estado de Minas pediu ao então Embaixador


Brasileiro em Washington, Exmo. Sr. José de Cochrane da Alencar, para conseguir, por
intermédio do Departamento do Estado daquela Nação, a indicação dum especialista
capaz de ‘fundar, organizar e dirigir uma Escola Agrícola moderna’. Primeiramente foi
lembrado o Dr. Eugene Davenport, então ‘Dean’ da Escola Superior de Agricultura do
Estado e Illinois. Foi considerado o Dr. Davenport como sendo o homem ideal, pois já
tinha servido um ano como professor, no Estado de São Paulo, antes do estabelecimento
da ‘Escola Agrícola Luiz de Queiroz’. O Dr. Davenport não aceitou o cargo, dizendo ser
velho demais para aceitar cargo tão pesado e que devia ocupar muitos anos. O Dr.
Romell, especialista em Zootécnica do Departamento de Agricultura, foi o segundo a
ser indicado. Também tinha passado uns tempos no Brasil. Igualmente não aceitou, pois
não queria interromper suas pesquisas científicas em zootecnia especializada. Grande
foi a admiração do Dr. Rolfs, então ‘Dean’ da Escola Superior de Agricultura, do
Estado da Flórida, ao ser consultado a respeito de vir ao Brasil. Brasil país longíquo,
que nem nos seus sonhos mais fantásticos pensava conhecer! Mas em meados de
Janeiro de 1921 embarcou com toda a sua família. (Livro de Formatura ESAV 1939,
[s/p]).

Assim, ao chegar ao Rio de Janeiro, em 1921, foram-lhe ao encontro dois


importantes membros da elite agrária mineira, os Srs. Arduíno Bolívar44 e Álvaro da

43
Cabe salientar que, o presente estudo utiliza o (a) conceito/categoria de “adequação” de sistema de
ensino em vez da idéia de “transplante” ou “implante” de modelo pedagógico educacional em Minas
Gerais, nos anos iniciais de 1920, por entender que: “As idéias educacionais defendidas e divulgadas [...]
nas décadas de 20 e 30, não constituíam novidade dentro da sociedade brasileira. Na condição de país
periférico do capitalismo internacional, o Brasil sofreu contínua influência cultural e absorveu, através de
suas elites intelectuais, ideologias nascidas e difundidas no contexto avançado das sociedades
hegemônicas. Aqui assimiladas e traduzidas ou rearticuladas nos termos dos interesses locais dominantes,
funcionavam não apenas como meros ‘ornamentos’, mas como ‘testemunhos’ dos propósitos civilizados e
civilizadores das elites dirigentes [...]”. (XAVIER, 1990, p.60). Isto quer dizer que o sistema de ensino
das Escolas agrícolas norte-americanas que norteou a constituição da ESAV recebeu a “adequação”
necessária à realidade sócio-educacional, política e econômica da população rural mineira, conforme os
interesses ideológicos e político-econômicos da elite agrária de MG. Sobre a desmistificação da crença
“no desvinculo entre a educação brasileira e a realidade nacional” ver o trabalho de: XAVIER (1990,
p.11-24 ).
44
“Arduíno Bolivar nasceu em 1873, em Viçosa, Minas Gerais, e morreu em 1952 em Belo
Horizonte.Estudou no Colégio do Caraça, onde adquiriu notável domínio das Humanidades. Cursou, em
Ouro Preto, o primeiro ano da escola de Farmácia e, em 1902, em São Paulo, obteve o diploma de
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Foi Promotor de Justiça, Juiz de Direito, Diretor de Colégio,
Professor da Faculdade de Direito e da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas de Minas
Gerais, Diretor do Arquivo Público Mineiro, membro ilustre da Academia Mineira de Letras, do Instituto
Histórico e Geográfico de Minas Gerais, da Comissão do Livro Didático. Colaborou na produção de um
68

Silveira45 que, após alguns dias, seguiram com o especialista americano para a capital
mineira.

Estabelecido no Grande Hotel em Belo Horizonte, começou o estudo de problemas


formidáveis, tais como: uma promessa, por parte do governo, de quanto se poderia
inverter no empreendimento; o número de alunos que devia comportar o
estabelecimento nos primeiros anos; a qualidade da Agricultura mineira; os desenhos
para o prédio principal, dormitório e abrigos de campo, para os respectivos
departamentos de prática (Livro de Formatura ESAV 1939, [s/p]).

Rolfs sabia que se “transferisse” para MG o sistema de ensino de uma Escola


Superior Agrícola de seu país, tal como a Escola Superior de Agricultura do Estado de
Iowa ou do Estado da Flórida, sem as devidas “adequações”, estaria fadado ao fracasso
e ao “desperdício de verbas” públicas.
Isto se deve ao fato do especialista ter iniciado, antes mesmo de vir ao Brasil, um
estudo sobre a agricultura de Minas por meio de conferências com o Presidente do
Estado, Arthur Bernardes, “outros educadores” e também quatro estudantes brasileiros
que cursavam a Faculdade de Agricultura, de que era Diretor, a Florida Agricultural
College.
Tais conferências o auxiliaram a compreender cada vez mais os propósitos do
governo Bernardes. Dessa forma, a “[...] futura Escola devia ter como escopo máximo
servir à mocidade rural do Estado, e que não devia ser simplesmente um
estabelecimento para instrução, mas sim para orientar a todos que o procurassem”
(Livro de Formatura ESAV 1939, [s/p]). Assim, a desejada modernização agrícola do
Estado poderia atingir ao maior número de famílias rurais mineiras no menor tempo
possível.
Para a elite política envolvida no projeto de criação da ESAV essas metas
deveriam ser alcançadas, pois caso contrário temia criar um alto grau de rejeição da
população rural quanto ao ensino agrícola, de modo que os fazendeiros continuariam a

Hinário Escolar, em dois volumes, elaborado a pedido do Governo de Minas Gerais, em 1926. Foi um dos
fundadores da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Santa Maria, hoje Puc Minas e também fundador
da Faculdade de Filosofia da UMG, hoje desmembrada em diversos institutos da UFMG, onde foi
catedrático de Literatura Latina. Célebre latinista, seu trabalho de tradução é, talvez, a parte mais
significativa de sua obra, pelo volume e pela qualidade”. Fonte: Dados extraídos do texto Arduíno
Bolivar: a memória do mestre, de Johnny José Mafra e Simone von Rondon, publicado Revista da
Academia Mineira de Letras - ano 81º - vol. XXX - setembro, outubro, novembro-2003, págs. 60/61.
45
Álvaro da Silveira – Engenheiro, Geólogo e também professor da Escola de Engenharia de Belo
Horizonte. Foi membro da Diretoria da Sociedade Mineira de Agricultura (SMA) de 1909-1916. Tendo
ocupado o cargo de Chefe Técnico da Diretoria de Agricultura do Estado. Fonte: DULCI (1999, p.118).
69

enviar seus filhos para os grandes centros urbanos a fim de estudarem as tradicionais
carreiras de Direito, Humanidades, Medicina e Farmácia.
Não que a escola visasse exclusivamente à formação dos filhos das elites rurais
mineiras, no entanto, estes eram imprescindíveis no processo de modernização agrícola
mineira então almejada. Posteriormente, serão tecidas maiores considerações sobre os
principais objetivos político-econômicos e culturais visados pelo governo de Bernardes,
com a criação da Escola Superior de Agricultura de MG.
Peter Henry Rolfs participou efetivamente de todo o processo de fundação da
ESAV, suas primeiras ações foram marcadas pela “organização do plano geral do
estabelecimento” e pela escolha do local mais apropriado para a sede da Escola, o que
foi feito com uma comissão46 instituída pelo governo mineiro. Para este, a localidade
deveria estar situada na Zona da Mata “[...] por ser a de maior riqueza agrícola e
densidade de população [...]”(LISBÔA, 1929, p.3).
No Livro de Formatura ESAV 1939 consta que a comissão visitou “[...] nove
cidades da Zona da Mata, estudando o clima, área de terreno disponível relativamente
grande, próxima a uma cidade pequena, bem como muitos outros pontos [...]” e, a partir
de um minucioso trabalho de análise, foi, então, escolhida à localidade próxima a cidade
de Viçosa-MG.
Com relação à questão da escolha da sede da instituição, “[...] o assunto é
polêmico [...]” afirmou BORGES et al. (2000), pois, segundo o autor:

Até hoje há pessoas que pensam ter sido sua localização em Viçosa uma deferência bem
brasileira à terra natal do autor da idéia, considerando que no vasto território mineiro
haveria outros lugares mais apropriados para a instalação da Escola. (BORGES et al,
2000, p.5-6).

Entretanto, para CAPDEVILLE (1991, p.85) a comissão apenas visitou “[...]


alguns sítios nas vizinhanças de Ubá, Rio Branco, Viçosa e Ponte Nova, decidiu-se,
providencialmente, por localizá-la nas proximidades da cidade de origem do Presidente
do Estado, Dr. Arthur da Silva Bernardes, isto é Viçosa [...]”. Também partidária da
opinião deste autor escreveu SILVA (1995, p.44) que, na memória popular dos
viçosenses até existe um ditado sobre a orientação dada por Bernardes ao Dr. Rolfs

46
Fizeram parte dessa comissão os Drs. Álvaro da Silveira, Arduíno Bolívar, Mario Monteiro Machado e
P. H. Rolfs.
70

quanto à escolha da sede da ESAV “[...] pode instalar a escola em qualquer lugar do
Brasil, desde que seja em Viçosa [...]”, terra natal do Presidente.
Na análise de BORGES (2000), a polêmica lançada sobre a decisão de se
instalar a futura Escola Superior de Agricultura de MG na “terra natal” de Bernardes é
esclarecida principalmente se levada em conta a reputação ilibada dos membros da
comissão; além da honrosa presença do Dr. Rolfs fazia-se presente também, como um
dos membros, o então Diretor de Agricultura da Secretaria de Estado, Dr. Álvaro da
Silveira. Logo, concluiu esse autor: “[...] faz pensar que, pelo menos, um estudo sério na
Zona da Mata foi empreendido e a escolha do local não foi mera deferência a
Bernardes[...]” (BORGES et al, 2000, p.5).
Já AZEVEDO (2005) não compartilha dessa opinião de BORGES (2000) e
entende que, na escolha do local para receber a sede da ESAV, prevaleceu com maior
peso o critério de natureza “política”, pois ao analisar o relatório da comissão
apresentado pelo especialista americano ao governo mineiro, em 10 de março de 1921,
considerou que o relator:

[...] chama a atenção sobre os quesitos que devem ser levados em conta para a escolha
do local de uma escola de agricultura. ‘Se qualquer deles falta, êxito torna-se difícil,
senão impossível, não obstante o dinheiro, paciência e tempo despendidos’. Os quesitos
mencionados e que balizaram a escolha do melhor local para sediar a instituição foram:
salubridade, terras convenientes, localização, publicidade, sentimento geral da
comunidade, distância do centro da população, colheitas e água [...] Ainda em
consonância com esses critérios, o parecer final de Rolfs, descartou a instalação da
Escola nos outros três municípios examinados (Ubá, Visconde do Rio Branco e Ponte
Nova), por não ter visto ‘uma situação ou trecho de terreno que oferecesse possibilidade
do estabelecimento de um instituto do tamanho do que se tem em vista: trechos se
podem encontrar nesses lugares, mas a distância da cidade seria grande demais, para
que ao empreendimento se pudesse dar uma feição prática’. Contudo, ressalva a
necessidade da construção de residências para os professores, em virtude da distância e
do tamanho da cidade de Viçosa, terra natal do Presidente Bernardes. Pode-se
depreender dessa exposição de motivos técnicos que balizaram o parecer final que a
escolha do local para a instalação da Escola de Agricultura, convenientemente, levou
em conta, em última instância, as injunções de natureza política local e estadual, visto
que Rolfs reconhece também que a sede da obra estaria relativamente distante do
município escolhido. (AZEVEDO, 2005, p.64-65).

Outro dado que reforça a tese de que havia um anseio por parte do Presidente do
Estado de “presentear” sua terra natal com a instalação de uma escola agrícola moderna,
consiste no fato de Bernardes, em mensagem de 1920 dirigida ao Congresso Estadual,
71

ter proposto “a criação de uma Escola de Agricultura e Medicina Veterinária em


Viçosa”47.
Sem entrar em maiores detalhes sobre essas divergências acerca de escolha da
sede da ESAV, destaca-se que o mais importante para o presente estudo é salientar a
presença de representantes48 da elite rural e intelectual da região na comissão instituída,
principalmente do Dr. Álvaro da Silveira que, além de Chefe Técnico da Diretoria de
Agricultura, era membro da diretoria da Sociedade Mineira de Agricultura (SMA).
Esta associação, como dita no capítulo anterior do trabalho, representava os
interesses das elites agrárias do Estado, por isso, foi o principal veículo do ruralismo
brasileiro49 em Minas. Tendo proclamado e defendido veementemente desde 1909 a
modernização da agricultura via institucionalização do ensino agrícola no Estado sob
todas as suas modalidades e níveis. Posteriormente, serão tecidos maiores
esclarecimentos quanto às conexões existentes entre diretores da SMA50, membros do
setor produtivo, do aparelho estatal e dirigentes da ESAV.
Sendo assim, com base no Relatório da comissão de escolha do local mais
apropriado para receber a instalação da ESAV o Presidente do Estado de MG, em 30 de
novembro de 1921, sancionou o Decreto nº. 5.806, que aprovava a planta de construção,
os “planos” da Escola e autorizava também a expropriação dos terrenos escolhidos para
a edificação da instituição no município de Viçosa. Isto, caso os proprietários desses
terrenos se negassem a vendê-los para o Estado.

47
Conferir em Dicionário Histórico Biográfico do CPDOC/FGV, verbete da Biografia de “Arthur
Bernardes” disponível no sítio eletrônico http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/640_8.asp
48
Caso da participação do Sr. Mario Monteiro Machado, ilustre fazendeiro da zona da mata mineira e do
intelectual Dr. Arduíno Bolívar na comissão de escolha da sede da ESAV.
49
Segundo MENDONÇA (1997) autora que estudou profundamente sobre a categoria ruralismo durante
a Primeira República, por meio da criação da SNA (Sociedade Nacional de Agricultura), da
institucionalização da instrução agrícola no país e da configuração do Ministério de Agricultura Indústria
e Comércio, deve-se entender que o ruralismo brasileiro de 1889-1930 nasceu: no final do século XIX,
num momento de expansão da urbanização, tendo sido definido pela autora como “um
movimento/ideologia políticos, produzido por agentes sociais concretos, econômica e socialmente
situados numa dada estrutura de classes” (p. 26). Ela também o caracteriza como “[...] um movimento de
institucionalização, em nível da sociedade civil e da sociedade política, da diferenciação dos interesses
agrários no Brasil, ocorrido entre o fim da escravidão e as duas primeira décadas do século atual, [Lê-se
século XX] unificado pelo fim último de restaurar a vocação agrícola do país, mediante a diversificação
da agricultura naciona[...]” (p. 27, grifos no original). “[...] Portanto, trata-se de um movimento, e não
apenas de uma ideologia, que representava os interesses dos setores dominantes (agrários) da sociedade
brasileira, porém não-hegemônicos (isto é, não-vinculados à exportação do café). Daí aessência do mo-
vimento residir na reação à industrialização, o que se daria através da reafirmação de nossa vocação
agrária, e na recusa do exclusivismo do café, o que se expressaria na defesa da diversificação agrícola. O
movimento, ainda que perpassado por divergências internas, seria unificado em torno desses dois
objetivos máximos”, (PERISSINOTTO, 1999, p.151).
50
Sobre o processo de configuração e evolução da Sociedade Mineira de Agricultura durante a Primeira
República ver FARIA (1992, p. 122 – 172).
72

A respeito da aquisição das terras destinadas à criação da Escola, BORGES


(2000) escreveu que:

[...] O Dr. Fernando de Mello Vianna, Procurador-Geral do Estado, veio pessoalmente a


Viçosa, optou pela compra em vez da desapropriação e teve de enfrentar sérias
dificuldades para convencer os agricultores a transferirem as propriedades para o Estado
[...] (BORGES et al; 2000, p.6).

Para PANIAGO (1990) essas dificuldades enfrentadas pelo então Procurador-


Geral do Estado foram de curta duração, pois, ao verificar junto ao Cartório de 2º Ofício
de Viçosa, MG, do titular Geraldo Lopes de Faria, constatou que as escrituras de vendas
dos terrenos foram assinados, em sua maioria, no transcorrer dos meses de janeiro e
fevereiro de 1922, antes mesmo da sanção do decreto nº. 5.806, de 30 de dezembro de
1921, que autorizava a desapropriação dos terrenos escolhidos pela comissão já citada.
Dessa maneira, concluiu a autora que:

A desconfiança típica do viçosense pode ter influído para uma hesitação inicial, mas,
por outro lado, a confiança nos atos de um Presidente de Estado Viçosense pode ter
concorrido para a anulação de uma resistência persistente que pudesse dificultar, ou
mesmo impedir, a construção da ESAV. Afinal, foram comprados os 453 hectares da
área necessária para o início das obras por 294:800$000 (duzentos e noventa e quatro
contos e oitocentos mil réis) [...] (PANIAGO, 1990, p.150).

Assim, após a compra dos terrenos a ESAV, foi instalada legalmente em Viçosa,
pelo Decreto nº. 6.053 de 30 de março de 1922, baixado pelo Vice-Presidente do Estado
em exercício, o Sr. Eduardo Carlos Vilhena do Amaral. “Em verdade, a primeira turma
de trabalho, com alguns foiceiros e um marceneiro, já havia iniciado as atividades em
18 de janeiro” (BORGES et al; 2000, p.7).
Veja a seguir a foto que retrata as fazendas compradas pelo Estado para a
construção da ESAV, em seguida notem a legenda que explicita as delimitações e os
nomes dos antigos donos das referidas fazendas em 1921.
73

Figura 3: Fazendas adquiridas pelo Estado para a instalação do Campus da ESAV em 1921.
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 17.

Figura 4: Legenda das fazendas destinadas à instalação do Campus da ESAV em 1921.


Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 19.
74

Segundo Mourão (1962, p.557), a segunda providência governamental após a


sanção da Lei nº. 761 de 06/09/1920, que criava a ESAV foi a de baixar “[...] o Decreto
nº. 5. 623 de 31 de março de 1921, abrindo um crédito de 1000.000$000 para a
instalação da Escola [...]”, quantia esta já prevista no artigo 5º da Lei de criação da
escola.
Esse autor considerou que a edição do Decreto nº. 5.623/1921 foi morosa, pois
ocorreram “vários meses” após a sanção da Lei nº. 761/1920. Porém, ao se fazer a
conta, logo se percebe que apenas seis (6) meses separaram a edição da Lei de
autorização da criação da escola do segundo instrumento legal baixado pelo governo, o
qual estabelecia o valor destinado aos gastos com a constituição da Escola.
Todavia, vale ressaltar que, ao se observar os trâmites do processo de criação e
instalação da Escola de Viçosa chamou a atenção a seguinte colocação dos autores
Paolo Nosella e Ester Buffa (2000, p.28):

Sabe-se que, no Brasil, há normalmente uma defasagem temporal entre a criação e a


instalação de escolas, especialmente públicas. A criação é atribuição do Poder
Legislativo enquanto a instalação é atribuição do Executivo, que destina à escola a ser
instalada uma verba orçamentária e nomeia o diretor [...]

Tendo em vista a colocação dos autores acima citados, dois fatos atraíram a
atenção no caso de instalação da ESAV. Primeiro: praticamente não houve “defasagem”
entre o período de criação e estruturação da Escola no município de Viçosa, pouco mais
de um (01) ano e meio, o que contraria a lógica nacional e enfraquece a menção do
autor Mourão (1962) quanto à suposta lentidão do governo em dar prosseguimento à
estruturação da instituição, na qual é comum se encontrar uma “demora” em muitas
situações de até quatro (04) anos entre os processos de criação e instalação de uma
instituição pública de ensino no país. Esta ausência de defasagem aponta o elevado grau
de interesse depositado pelo Estado de MG na efetivação do projeto educativo
“esaviano” no menor tempo possível.
O Segundo fato que atraiu a atenção relaciona-se com a orientação dada pelos
autores BUFFA e NOSELLA (2000) no que diz respeito à divisão das tarefas atribuídas
aos poderes legislativos e executivos no tocante à criação e à instalação de instituições
de ensino públicas.
Ao se comparar o processo de constituição da Escola de Viçosa, constatou-se
que não houve apresentação de um projeto de lei à Assembléia Legislativa por
75

intermédio de algum Deputado mineiro, pois, foi o próprio Presidente do Estado, Arthur
Bernardes, que propôs ao Congresso Estadual, em 1920, a criação de uma Escola
Superior de Agricultura e Veterinária pública em MG por meio do Decreto Lei51 nº 761
de 6/09/1920. Por isso, Bernardes é considerado o principal articulador político da
criação da ESAV.
É o que se pode constatar logo abaixo, ao se observar as palavras que dirigiu ao
Congresso mineiro em sua 2ª Sessão Ordinária da 8ª legislatura em 1920:

[...] Não se compreende que um Estado como o de Minas, que tem na produção agrícola
a melhor fonte de sua riqueza e quase só da agricultura tem vivido até hoje, não haja
ainda fundado uma escola desse gênero, que sirva de base à nossa educação agrícola,
que não devemos decurar e que aperfeiçoe nossas noções sobre as especialidades em
que a agricultura se divide. Sem embargo do ensino agrícola ambulante, cujo
desenvolvimento devemos estimular por sua função altamente prática e porque abrange
os que não passam pela escola, tudo nos aconselha a criação de um estabelecimento de
ensino agrícola aperfeiçoado e moderno. Imprimindo mais sistema e acerto ao trabalho
rural, ele concorrerá para tornar mais consciente e produtivo o nosso esforço no trato da
terra. [...] É tempo também de abrirmos novo campo à atividade de tantos moços que ao
saírem dos ginásios, só encontram aberta à seqüência de seus estudos as portas da
academia por onde enveredam, abraçando profissões para que muitas vezes não
possuem aptidão necessária e nas quais vão fazer o sacrifício da carreira e do próprio
futuro. Conviria pois autorizásseis o governo a fundar um instituto daquele gênero e a
contratar profissionais estrangeiros capazes de organiza-lo, dada a escassez de
sumidades em nosso país (BERNARDES, 1920, p.13-14).

A resposta da mensagem dirigida pelo Presidente Bernardes ao Congresso


Estadual foi tão “positiva” que, em 1 de janeiro de 1921, já se encontrava contratado o
especialista norte-americano Peter Henry Rolfs, para atuar no processo de organização
da ESAV.
Vistos os primeiros passos dados pelo governo de Minas relativos à fundação da
Escola de Viçosa, cabe apresentar, a partir do próximo item, o período de construção do
conjunto arquitetônico inicial da instituição, tendo em vista os acontecimentos mais
marcantes dos sete anos de estruturação do estabelecimento.
Tais acontecimentos já revelavam a mudança de estratégia do governo Arthur
Bernardes quanto às funções destinadas ao ensino agrícola mineiro. Conforme
mencionado no primeiro capitulo deste trabalho, se em Minas, nos primeiros decênios
da República, o objetivo maior do Estado era fazer da instrução agrícola um
instrumento de organização da mão-de-obra rural com base numa educação básica para
51
Deve-se ressaltar que, este fato denota um forte sinal de “verticalização do poder” no governo estadual
do Presidente Arthur Bernardes, pois o mesmo simplesmente editou um Decreto Lei para criar a ESAV
em vez de ter tramitado um projeto de lei junto ao poder legislativo do Estado.
76

o trabalho, com a criação da ESAV teve-se como eixo a estratégia52 da modernização do


campo, por meio de todos os níveis de ensino agrícola (primário, médio e superior).

52
O que não se deve perder de vista é que a estratégia de modernização do campo em Minas Gerais tem
“raiz” no projeto de diversificação produtiva esboçado no Congresso Econômico de 1903, já abordado
pelo presente estudo no capítulo anterior.
77

2.2 A Construção

Falar da fase de construção da Escola de Viçosa seria uma tarefa árdua ou quase
impossível caso não se contasse com duas importantes categorias de fontes primárias da
instituição pesquisada: o relatório do Engenheiro Chefe da Comissão de construção da
ESAV, João Carlos Bello Lisbôa, apresentado ao então Secretário de Agricultura do
Estado, Sr. Djalma Pinheiro Chagas em 28 de fevereiro de 1929, e a publicação
“Primeiros Tempos da Universidade Federal de Viçosa pelas Lentes de Rolfs”. Esta
publicação contém importantes fotografias de um rico acervo53 fotográfico do
especialista norte-americano, Dr. P.H. Rolfs, o qual documentou, de 1921 a 1928, os
principais passos da edificação desta escola.
Sabe-se que um estudo histórico de qualquer natureza pode ou não privilegiar
pessoas ilustres, leis, Estados e Nações, a fim de mistificá-los e até mesmo glorificá-los.
Neste item do trabalho, o interesse maior é o de expor ao leitor fatos históricos
pertinentes à construção da ESAV, destacando e classificando as ações dos sujeitos
sociais envolvidos na edificação da instituição investigada, conforme o contexto social,
político, educacional e cultural da época.
Dando prosseguimento ao itinerário de instalação da Escola deve-se mencionar
que, após a escolha do local e compra dos terrenos “[...] foi feita a locação dos edifícios
e organizada a planta geral” (LISBÔA, 1929, p.5). Assim, com as providências iniciais
tomadas, lançou-se, em 10 de junho de 1922, a pedra fundamental do Edifício
Principal54 da ESAV com a presença de grande público, conforme mostra a foto abaixo.

53
Este acervo de fotografias do Professor Rolfs (Peter Rolfs Collection) contém mais de 500 fotografias e
se encontra atualmente na Universidade da Flórida sob a responsabilidade do Sr. Carl Van Ness, Diretor
da Biblioteca desta universidade americana.
54
O Edifício Principal era destinado ao funcionamento da Escola propriamente dito. Nele funcionava
“[...] salas de aulas, laboratórios, gabinetes scientificos, etc e a sua administração (gabinete do Director,
Diretoria, Congregação, Secretaria, Biblioteca, etc.) [...]” (LISBÔA, 1929, p.12).
78

Figura 5: Presença de autoridades locais e do povo viçosense à colocação da pedra angular do Edifício
Principal da ESAV em 10/06/1922.
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 34.

Figura 6: Colocação da pedra fundamental do Prédio Principal da ESAV em 10/06/1922.


Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 34.

Consta, nas fontes primárias analisadas e também em alguns trabalhos55


históricos sobre a instituição, que variadas foram as dificuldades enfrentadas pelos
construtores durante as obras dentre elas, destacam-se as dificuldades: na compra de

55
Ver sobre isso também em: UREMG (1968); LOPES (1995); COELHO, E. (1996); BORGES et al,
(2000); AZEVEDO, (2005) e BORGES & SABIONI, (2006).
79

materiais para a construção56, falta de mão-de-obra especializada, existência de elevados


índices de analfabetismo, doenças entre os operários, principalmente de verminoses e
outros obstáculos57.
Conforme o Relatório final da Comissão58 de Construção, os problemas de
deficiência de materiais, de mão-de-obra especializada, de saúde e do baixo índice de
escolaridade dos operários foram, em grande parte, solucionados pelo “systema de
administração” elaborado por João Carlos Bello Lisbôa59.
Para COELHO, E. (1996, p.45) este sistema de administração possibilitou ao
Engº Chefe obter “[...] de seus operários, durante as construções, uma freqüência ao
trabalho superior a 95% e uma disciplina exemplar, fundamentada na consideração que
por eles tinha [...]”. Esse mesmo autor escreveu que:

56
“Toda a pedra usada nas construções proveio de uma pedreira já existente, mas muito melhorada em
seu funcionamento. As pedras eram transportadas em vagonetes, sobre trilhos de bitola estreita, até o
carregamento nos vagões da Leopoldina Railway. Nas olarias foram fabricados cerca de dois e meio
milhões de tijolos de boa qualidade. As toras de madeira, provenientes de Raul Soares, Lindóia e Rio
Casca, eram desdobradas na serraria. A ferraria fabricava e consertava peças necessárias aos outros
serviços. Na carpintaria foram feitos os engradamentos, soalhos e forros. As portas, janelas e,
principalmente, o mobiliário, de ótima qualidade, foram executados na marcenaria. Telas, escadas e
cochos foram também fabricados localmente”. (BORGES & SABIONI, 2006, p.27).
57
De acordo com o autor AZEVEDO (2005 p.65-66): “Outra grande dificuldade ocorrida durante as
obras, apontada por Bello Lisbôa, foi criada pela obrigação contratual estabelecida a P. H. Rolfs, de
submeter à aprovação do governo mineiro as plantas e os outros desenhos dos edifícios e laboratórios.
Quando Bello Lisbôa assumiu os trabalhos de construção, o pessoal da Secretaria de Agricultura não
aceitava seus projetos, por considerar que tal prerrogativa cabia ao Diretor, o que gerou uma situação de
conflito que, se não fosse superada, poderia interromper o primeiro contrato de quatro anos do então
diretor, o que representaria, para o Estado e para a Escola, grande prejuízo. Contornado esse impasse com
a Secretaria de Agricultura do Estado de Minas, ficou estabelecida a seguinte divisão de trabalho: ao
engenheiro chefe caberia a responsabilidade da construção, enquanto ao diretor foi confiada a
responsabilidade sobre máquinas e pessoal necessários ao início dos trabalhos agrícolas do
estabelecimento”.
58
Vale ressaltar que, a comissão de construção da Escola constituiu-se de um engenheiro chefe, um engº
auxiliar, um guarda livros, um almoxarife e um apontador. E quando se fazia necessário eram admitidos
funcionários para auxiliarem o almoxarife e também ao apontador. Tendo esta comissão sido dissolvida
em dezembro de 1928. Segundo a publicação oficial UREMG (1968, [s/p.]): “As 67 obras realizadas pela
comissão de construção e entregues ao patrimônio da escola a 28 de fevereiro de 1929, desde os
majestosos edifícios, até as estradas, terraplanagens, residências para professores e operários, abrigos para
máquinas e animais e demais instalações, custaram ao Estado 3.723:427$ [...]”.
59
Bello Lisbôa, assim como era comumente chamado na época em estudo, foi o terceiro Engenheiro
Chefe da comissão de construção da ESAV. Contratado Engenheiro do Estado por convite do Engº
Mário Monteiro Machado, em 5 de agosto de 1922, assumiu a função de Engº Auxiliar na construção da
Escola no dia 14 de setembro do mesmo ano e foi nomeado Engenheiro Chefe em 16 de dezembro de
1922. O primeiro Engenheiro Chefe foi o Dr. Honório Hermeto Corrêda da Costa “[...] que esteve à frente
dos trabalhos até 11 de julho do mesmo ano, quando passou a exercer o elevado cargo de Director da
Casa da Moeda, no Rio de Janeiro. Foi segundo chefe da Comissão de Construcção o engenheiro Mario
Monteiro Machado, que servia também ao Estado, na qualidade de engenheiro da 14ª. Cincunscrição de
obras publicas com sede em Ubá, tendo elle chefiado a construcção, até 16 de dezembro de 1922”.
(LISBÔA, 1929, p.3)
80

[...] Em razão do vulto das obras e da falta de material de construção na região de


Viçosa, decidiu o Engenheiro Bello Lisboa, inclusive por economia, criar no município
variados serviços industriais. Foram montadas: uma pedreira, com grande capacidade
produtiva diária; as olarias; que produziram os mais de dois milhões de tijolos
consumidos nas obras; uma serraria; uma carpintaria; uma ferraria; uma marcenaria; e
uma fábrica de telhas de cimento. A areia empregada nas construções foi toda extraída
do subsolo local, e todo o mobiliário, inclusive o que ornamentou o magnífico salão
nobre do Edifício Principal à época de sua inauguração, foi obtido na região. Da mesma
forma, ladrilhos, balaustradas, pedras-plásticas e incrustações de mármore utilizadas
foram localmente obtidos. Através dessas indústrias, algumas centenas de brasileiros
tiveram a oportunidade de receber ensinamento profissional.

De fato, as fotografias a seguir registram grande parte dessa infra-estrutura


criada pelos dirigentes da ESAV.

Figura 7: Operários escavando o subsolo para extração de areia.


Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 27.
81

Figura 8: Central Elétrica, Ferraria (acima); Marcenaria e Carpintaria (abaixo).


Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 28.

Figura 9: Olaria, Pedreira e trilhos para os vagonetes (acima); Exposição de mobiliário e Ladrilhos,
esquadrarias e moldados (abaixo).
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 29.

Todavia, não se deve perder de vista que a profissionalização promovida nas


obras da ESAV visava, sobretudo, a dinamização do trabalho dos operários envolvidos
na edificação da instituição e principalmente a economia nos custos do
empreendimento.
Por outro lado, ao se analisar o relatório do Engº Bello Lisbôa, constatou-se que
o “systema de administração” da comissão de construção da Escola produziu uma boa
82

dose de “entusiasmo pela educação e de otimismo pedagógico”60, pois a alfabetização, a


moralização, a profissionalização e a saúde dos operários foram alvos de seus
construtores desde os primeiros tempos. Assim, o relato abaixo do Engenheiro Chefe da
Construção sugere que a educação, nas obras da ESAV, também era apresentada como
uma panacéia61 para todos os males do país:

Por sermos partidários do aproveitamento de todas as occasiões que se offerecem para


acção social, visando o melhoramento do nosso povo, instituímos vários trabalhos,
cujos fructos são mais que compensadores. Dentre estes destacam-se a Caixa
Beneficiente, creada em 25 de dezembro de 1922, pelo seguinte contracto assignado
pelo pessoal da Escola: ‘Considerando que a falta de saúde e o analfabetismo são as
duas maiores fontes de males dos brasileiros, porque as doenças lhes tiram as forças e
o não saber ler priva-os de luzes, os abaixo assignados, empregados da Escola
Superior de Agricultura e Veterinaria do Estado de Minas Gerais, se comprometem,
para combaterem entre elles essas misérias, a pagar, pontualmente, suas mensalidades,
de accordo com a tabella organizada’. Vencimento mensaes: até 100$000, mensalidade
de 3$500; de 100$000 a 200$000 – 4$000; de 200$ a 300$ - 4$500; de 300$ a 400$ -
5$000; de 400$ em diante – 6$000, mensalmente, e o engenheiro chefe – 10$000,
mensaes. (LISBÔA, 1929, p.71).

Dessa forma, a caixa beneficente financiou, durante a construção, o serviço de


saúde do pessoal, “serviços de ensino de música”62, auxílios funerais e promoveu o
funcionamento do primeiro ensino da instituição: o da instrução primária aos filhos dos
operários e empregados adultos, que foi ministrado por uma professora custeada pela

60
Cf. NAGLE, J. (1974, p.101-102): “O entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico, que tão bem
caracterizam a década dos anos vinte, começaram por ser, no decênio anterior, uma atitude que se
desenvolveu nas correntes de idéias e movimentos político-sociais e que consistia em atribuir importância
cada vez maior ao tema da instrução, nos seus diversos níveis e tipos. É essa inclusão sistemática dos
assuntos educacionais nos programas de diferentes organizações que dará origem àquilo que, na década
dos vinte, está sendo denominado de entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico. A passagem de
uma para outra dessas situações não foi propriamente gerada no interior desta corrente ou daquele
movimento. Ao atribuírem importância ao processo de escolarização, prepararam o terreno para que
determinados intelectuais e ‘educadores’ – principalmente os ‘educadores profissionais’ que aparecem
nos anos vinte – transformassem um programa mais amplo de ação social num restrito programa de
formação, no qual a escolarização era concebida como a mais eficaz alavanca da História Brasileira. De
fato, enquanto o tema da escolarização era proposto e analisado de acordo com um amplo programa desta
ou daquela corrente ou movimento, ela servia a propósitos extra-escolares ou extra-pedagógicos; era uma
peça entre outras, peça importante, sem dúvida, mas importante justamente pelas suas ligações com
problemas de outra ordem, geralmente problemas de natureza política. Nesse momento, a escolarização
era tratada por homens públicos e por intelectuais que, ao mesmo tempo, eram ‘educadores’, num tempo
em que os assuntos educacionais não constituíam, ainda, uma atividade suficientemente profissionalizada
[...]”.
61
Segundo ROCHA (2001, p.450) a palavra panacéia significa: “Suposto remédio para todos os males.
Solução que abrange todos os problemas”.
62
Segundo BORGES & SABIONI (2006, p.22): “A primeira manifestação cultural na ESAV foi o ensino
de música e a fundação de uma Banda de Música, também financiados pela Caixa Beneficente. Essa
banda existiu durante todo o tempo de construção da obra e tocou em todas as festas e solenidades e, até
mesmo, em localidades vizinhas, como Ponte Nova”.
83

caixa dos funcionários numa Escola diurna. Segue, em seguida, fotos da Escola
mencionada e da primeira Banda de Música da ESAV.

Figura 10: Escola para os filhos dos trabalhadores da construção – O primeiro ensino na ESAV.
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 20.

Figura 11: Banda de Música – Uma das primeiras manifestações culturais da ESAV (vendo-se Bello
Lisbôa assentado na posição central).
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 22.

Nota-se que, a figura 10 retrata parte do “espírito” de redenção social que


marcou a educação primária brasileira dentre os anos 1910 e 1920. Observe que o
84

prédio da Escola de primeiras letras das obras da ESAV era dotado de “janelões” a fim
de manter principalmente um clima “arejado” e limpo. Percebe-se também a presença
de um número considerável de alunos e alunas, todos filhos de operários da obra.
Já a figura número 11 aponta ao leitor uma amostra do senso de organização e
estética presente na ESAV desde os seus primeiros tempos. É interessante constatar, que
apesar de se tratar de uma Banda de Música de uma escola agrícola, havia todo o
cuidado com a imagem da banda, por isso todos estavam bem uniformizados e
“alinhados”. Isto denota mais um indício do juízo de organização da instituição e
também mais uma estratégia de disciplinar e melhorar a mente do operário da Escola.
Cabe ressaltar que, no primeiro momento, a escola de educação primária
priorizou o atendimento aos filhos dos operários, para logo em seguida oferecer o curso
primário para os trabalhadores no turno noturno. É o que registra a foto abaixo.

Figura 12: Escola noturna para os operários (vale notar em pé, à direita P.H Rolfs e o Engº Chefe Bello
Lisbôa).
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 21.

A figura acima chega ser curiosa, visto que através da sua imagem algumas
perguntas se fazem necessárias e até suscitam questionamentos que extrapolam os
objetivos do presente estudo, porém contribui para o levantamento de problemas para
serem respondidos em outras oportunidades de pesquisa.
Assim, foram levantadas as seguintes perguntas: Se a Escola noturna da obra da
ESAV era destinada para os operários por que a presença de crianças entre os adultos?
Seriam estas crianças operárias? Com relação ao vestuário, chamou a atenção o fato dos
85

presentes na fotografia estarem de paletó, no entanto estavam de “pés descalços”, por


que isto? Para manter a limpeza e higiene da sala de aula? Pode-se visualizar a presença
dos membros da direção da ESAV, Dr. Rolfs e Dr. Bello Lisbôa na sala, estariam os
alunos participando de alguma comemoração ou atividade avaliativa?
Percebe-se também que apesar da proposta pedagógica esaviana ter sido
inspirada na moderna pedagogia dos Land Grant Colleges americanos constata-se
também resquícios do ensino tradicionalista como – a própria posição da mesa dos
professores e carteiras dos alunos. Isto denota que neste ambiente escolar a posição
central dos professores indica a hierarquização do saber (professor detentor do
conhecimento e aluno agente passivo no processo ensino-aprendizagem).
Com relação ao ensino básico promovido pela Caixa Beneficente durante todo o
tempo da construção, Bello Lisbôa escreveu em seu relatório que:

As escolas primarias mantidas pela Caixa Beneficente prestaram ao Estado de Minas


relevante serviço, alphabetizando muitas centenas de creanças e adultos. De maior
importância, entretanto, é a demonstração que dão as referidas escolas, pelos resultados
obtidos, de ‘querer o povo se instruir’. Estatísticas levantadas no inicio, mostram a
elevadissima percentagem de 92% de analphabetos. O peior, todavia, era a aversão que
mostravam os analphabetos a freqüência à Escola. Com um quadro de 450 operários,
conseguimos, no inicio, depois de muita propaganda, apenas 22 adultos numa classe.
Não nos trouxe este facto nenhum esmorecimento; pelo contrario, intensificamos a
propaganda. Actualmente há, annexas à Escola Superior de Agricultura e Veterinária,
três classes nocturnas para adultos, freqüentadas por mais de 100 alunos, estes
empregados das fazendas vizinhas, visto o pessoal da Escola já estar alfhabetizado,
podemos dizer, dada a fraca percentagem de analphabetos actualmente: apenas 6%.
(LISBÔA, 1929, p.72).

Quanto à saúde dos operários, foi promovido logo no início da administração do


Engenheiro Bello Lisbôa junto aos médicos da Caixa Beneficente, os Drs. João Batista
Brito e Cyro Bolívar Moreira, um rigoroso exame médico, que diagnosticou o quadro de
“98% de infectados por verminoses e outras doenças”. A partir deste resultado
“entristecedor”, conforme relato do Engº Chefe, houve a efetivação de uma intensa
campanha contra a verminose63 e contra as outras doenças detectadas. No Entanto,
Lisbôa afirmou que, no sétimo (7º) ano da construção as doenças no pessoal da Escola
eram praticamente inexistentes. Mesmo assim deixou registrado que:

A campanha contra verminose é difficil e exige energia forte; observamos que os


verminosos repudiam os remédios, isto em conseqüência da doença. Alguns milhares de

63
Sobre a influência da saúde na educação ver GONDRA (2000, p. 519-550).
86

tratamentos de verminoses foram feitos, empregando-se os vermífugos usuaes, sempre


com prescripção medica. Apenas um caso fatal se registrou; o fallecimento dum
operário, não tendo sido possível apurar-se si o óbito foi motivado pelo medicamento
‘necatorina’ ou si por motivo do uso do álcool, pouco antes depois do uso do vermífugo.
(LISBÔA, 1929, p.73).

E o “entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico”64 articulados durante a


construção da instituição não se limitaram à profissionalização, à alfabetização e à
promoção da saúde dos operários, já que eram realizadas, pelo Engº Chefe,
semanalmente, “preleções” sobre assuntos educativos com todos os funcionários que
ocupavam a função de encarregados de serviço (mestres de obra, feitores, etc.). Cabia a
esses encarregados de serviço transmitir os assuntos tratados nas reuniões aos seus
subordinados. Deve-se destacar que esses momentos chamados pelo engenheiro de
“educação propriamente dita” ocorriam sempre aos sábados, após o pagamento
semanal.
Faziam parte do rol dos assuntos tratados nas preleções de Bello Lisbôa, os
seguintes temas “[...] combate ao álcool, pontualidade ao trabalho, não serem usadas
armas; males causados pelo jogo, desgraças da syphilis; amor à pátria, respeito às
autoridades, organização de família, etc [...]” (LISBÔA, 1929, p.72). Todos esses temas
estavam em perfeita sintonia com a ordem, a disciplina, a moralização e a
hierarquização incutida pela administração da Escola no comportamento dos operários.
Por isso, o Engenheiro Chefe descreveu ao Secretário de Agricultura em seu relatório
sobre as preleções que, “[...] attribuimos a este trabalho a prefeita ordem e disciplina
que sempre reinaram, durante a construcção, nas dependências da Escola [...]”
(LISBÔA, 1929, p.73).
Na verdade, essas “qualidades”, que eram tão cultivadas e incutidas pelos
dirigentes da instituição em seus operários, apenas refletiam o pensamento dominante
de uma elite brasileira da década de 1920, que articulava a educação do povo assentada
na trinômia saúde, moral e trabalho, principalmente para organizar a mão-de-obra dos
campos e das cidades. De acordo com a autora CARVALHO (1997, p. 127) “[...]
‘Organizar o trabalho’ no país era a fórmula que condensava as expectativas de
modernização e controle social depositadas na educação [...]”.
Por isso, o sistema de administração da comissão de construção da ESAV
elaborou um perfeito mecanismo de controle e identificação de seus operários desde a

64
Cf. NAGLE (1974, p. 97 - 124).
87

seleção do pessoal destinado a trabalhar nas obras, evitando assim, qualquer entrave no
que diz respeito à ordem e ao progresso da construção. Deste modo, descreveu o
engenheiro chefe a estratégia de identificação dos operários:

Houve por parte da administração o maximo cuidado com a selecção do pessoal;


evitamos, por exemplo, os indivíduos que, por motivo de apresentações, muito
communs, principalmente nas obras publicas, procuram empregos e não pedem
trabalhos, constituindo-se verdadeiros parasitas, muito prejudiciaes à economia das
obras. Mantivemos firme campanha contra os ociosos que, sendo collocados, além do
prejuízo que economicamente causam, se tornam perigosos á comunidade, pelo mau
exemplo que dão [...] Todas as pessoas que trabalharam na Escola e que receberam,
portanto, vencimentos, apparecendo em folhas de pagamentos foram identificadas. Esta
prática é de grande alcance. A identificação com o facto de deixar impressão digitaes,
afasta muitos indivíduos suspeitos. Um criminoso, não dá nunca a identificação, por
temer a acção policial. Numa grande obra como a nossa, constitue inestimável serviço, o
afastamento systemico de indivíduos suspeitos ou criminosos, isto por força de
identificação, apresenta muitas outras vantagens como a de se poder acompanhar com
exactidão o empregado e a melhor distribuição de justiça (LISBÔA, 1929, p.8).

E para garantir a disciplina dos trabalhadores, a administração da obra associou


o mecanismo de controle e identificação dos operários a um sistema de trabalho calcado
na responsabilidade pessoal do operário, o qual consistia na subdivisão do pessoal em
grupos, para que cada grupo fosse coordenado por um encarregado. Desta forma, este
encarregado seria o responsável pelas tarefas e pelo procedimento de sua turma. Vale
notar que os encarregados recebiam também de seus superiores, por escrito, as ordens
de serviços, fossem de efeito geral ou de caráter permanente; isso ocorria também nos
sábados.
Sobre as ordens de serviço, o autor AZEVEDO65 (2005, p.66-67) constatou que
houve prática de autoritarismo, controle do espaço e do tempo livre dos operários por
parte da administração da construção, porque, existiam ordens de serviços dos anos
1923 e 1924 que: responsabilizavam os encarregados de serviço a pagarem “as despesas
com concertos de obras mal executadas”; suspendiam os trabalhadores que faltassem
nos dias de carnaval; proibia a participação dos operários nas festas de 1º de maio (Dia
do Trabalho) da cidade, por terem sido consideradas uma comemoração anárquica e não
cívica.

65
Segundo AZEVEDO (2005, p. 72): “O resultado dos mecanismos criados para o controle da conduta
social dos trabalhadores parece ter sido tão eficaz, que eles se constituíram na pedra fundamental, no
modelo de ação pedagógica e disciplinar que será, em suas linhas gerais, adotado pelo engenheiro junto
aos estudantes e amiúde aos funcionários e docentes, após a inauguração da Escola, onde ocupará o cargo
de Vice-diretor, tendo como uma das atribuições a de zelar pela ordem e disciplina no estabelecimento
[...]”.
88

Existiam também ordens de serviço desses anos que, estabeleciam fixamente


datas e horários para o atendimento médico oferecido pela Caixa Beneficente aos
operários somente aos domingos, “por ser o dia mais apropriado”. Para a freqüência das
crianças, rapazes e homens na Escola primária também havia um rígido controle dos
dias da semana e horários, inclusive havia uma determinada ordem a que, punia, com
descontos na folha de pagamento, todo trabalhador que não mantivesse a freqüência
regular de seu filho na Escola.
SANTOS (2006, p.11)66 também identificou, nas ordens de serviço da comissão
de construção da Escola, um meio de controle social e hierarquização dos operários,
pois:

A observação dos horários de trabalho, que no caso dos membros da comissão


construtora e demais funcionários, deveria ser de 8 às 10, e de 11 às 14 horas, é um
exemplo do ideal de máxima eficiência individual que regia a instituição. Os atrasos e
faltas eram tidos pelos diretores como injustificáveis e geravam demissões e outros
tipos de admoestações, como ocorreu com o empregado Kurt Voss em 25 de julho de
1924, demitido por justa causa.

Ainda segundo esse autor, a ordem de serviço nº 21 de 5 de janeiro de 1924


advertia e coibia qualquer tipo de conversas “alheias às atividades profissionais”.
Este sistema de administração proporcionou aos dirigentes uma situação
confortável quanto ao aspecto disciplinar do pessoal, pois o próprio Engenheiro
encarregado expôs à Secretaria de Agricultura, no relatório final da comissão, que
durante todo o tempo das obras não houve se quer uma ação policial contra os
empregados da ESAV. Destacou, ainda, a importância da pontualidade dos pagamentos
dos trabalhadores na garantia da ordem geral dos trabalhos. Quanto à indisciplina,
ressaltou apenas um princípio de greve, abafada em maio de 1923:

De indisciplina só se registrou um facto de alguma importância, uma tentativa de greve,


sem razão, por parte de alguns empregados, a 1º de Maio de 1923. Foi a administração
forte, para suffocar a rebelião sem ter pedido o menor auxilio á policia e fez justiça,
afastando immediatamente, os responsáveis. (LISBÔA, 1929, p.8).

Deste modo, entende-se que todas as medidas tomadas pelos construtores da


Escola de Viçosa para solucionar os obstáculos da obra conseguiram promover um

66
O artigo deste autor intitula-se “Nos primórdios da Instituição: a ESAV e o acervo documental do
Arquivo Histórico da Universidade Federal de Viçosa” e ainda não foi publicado. Mesmo assim, foi
gentilmente cedido por SANTOS, Thiago Nicodemos Enes.
89

determinado nível de melhorias nas condições de vida dos operários e de seus


familiares.
Contudo, há indícios de que esses homens foram submetidos à educação, ao
melhoramento físico, moral e mental pelo sistema de administração da obra, sobretudo
para atingir a sua principal meta: o progresso, a economia dos custos das construções e
a maior produtividade.
Mesmo assim, os resultados alcançados pelo “systema de administração”
empreendido pela comissão de construção da ESAV quanto à profissionalização,
racionalização do trabalho, controle social, forma(ta)cão moral e mental dos operários
não foi o suficiente para que a meta prevista de conclusão da escola se efetivasse no
prazo, que era de cinco (5) anos, haja vista que, o próprio Dr. P.H. Rolfs apontou, em
relatório destinado à Secretaria de Agricultura, uma série de razões que justificavam o
atraso:

O trabalho nas construcções têm progredido constantemente. Em empreendimento tão


grande como o Estado, iniciou, aqui, seria difficil, se não de todo modo impossível,
completar todas as construcções dentro do prazo de 5 annos. Além de ser muito difficil,
teria sido muito custoso, desde que ninguém póde prophetizar quaes serão as
necessidades da agricultura do Estado, e em que ramo a Escola deve se desenvolver
mais rapidamente. Devido á falta absoluta de carpinteiros e marceneiros hábeis, o
trabalho de apparelhamento dos prédios têm sido mais vagarosos do que se esperava.
(ROLFS, 1927, p.20).

Com relação ao andamento do marco inicial da Escola, isto é, o prédio principal,


os autores BORGES & SABIONI (2006, p. 35) relatam que, em 29 de novembro de
1922, finalizava-se a ereção dos alicerces do prédio, tendo o “[...] porão, o primeiro
andar e parte do segundo andar [...]” construídos em 1923, como se pode perceber
conforme as fotos abaixo.

Figura 13: Ultimação dos alicerces (destaca-se da esquerda para a direita a presença de Rolfs, Clarissa
Rolfs, filha do especialista americano e a do Engº Bello Lisbôa).
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 35.
90

Figura 14: Fase inicial da construção do 2º andar do Prédio Principal.


Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 35.

Já o ano de 1924 foi marcado por uma celebração durante a colocação da


cumeeira67 do edifício principal, justamente no dia 8 de agosto, data do aniversário do
Presidente Arthur Bernardes. Na verdade, esta comemoração foi uma homenagem do
poder público municipal e do povo viçosense ao seu filho mais ilustre, uma vez que,
conforme BORGES & SABIONI (2006, p. 35), estava “[...] presente a sociedade local e
muito povo, desfile dos estudantes do ginásio, discursos e retreta com a Banda de
Música dos operários [...]”. Observem a seguir a foto que atesta o festejado aniversário
do Sr. Bernardes de 8/08/1924, nas dependências da construção da Escola.

67
Segundo ROCHA (2001, p.180 ) cumeeira significa: “A parte mais allta do telhado, seu vértice”.
91

Figura 15: Homenagem a Arthur Bernardes – Festa da colocação da cumeeira do Prédio Principal.
Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 36.

Entretanto, não se deve inferir que a consolidação do projeto de criação da


ESAV ocorreu somente em meio a “harmonia”, “alegrias” e “comemorações”, pois,
além das dificuldades já relatadas quanto à construção da Escola, existiram também
problemas de caráter administrativo entre os seus dirigentes e a Secretaria de
Agricultura, órgão estadual responsável pela instituição no Estado. Dentre esses
problemas vale destacar os principais trechos de uma carta escrita pelo Dr. Rolfs em 13
de novembro de 1925, encaminhada diretamente ao idealizador da Escola de Viçosa,
Arthur Bernardes, na época Presidente da República.
Nela o especialista norte-americano destacava os obstáculos encontrados para a
continuidade de seus trabalhos de organização e instalação da escola, tendo apontado a
grande causa destas dificuldades: o difícil relacionamento com o Senhor Daniel
Serapião de Carvalho68, ocupante da pasta da Secretaria de Agricultura de MG.
O teor desta carta é revelador, porque, em todos os outros documentos
produzidos pelo especialista americano analisados pelo presente estudo, observou-se

68
Daniel Serapião de Carvalho – Advogado e membro da Diretoria da Sociedade Mineira de Agricultura
(SMA) de 1916-1923. “Assessor do Secretário de Agricultura (1914-1918) e do Ministro da Marinha
(1919-1921), Deputado Estadual (1921-1922), Secretário da Agricultura (1922-1926)”. Fonte: DULCI
(1999, p.119).
92

sempre relatos de cordialidade aos Presidentes69 de Estado e Secretários de Agricultura


que sucederam o governo de Arthur Bernardes na Presidência de Minas Gerais. Ao
contrário disto nessa carta, Rolfs revelou-se amigável, mas profundamente angustiado,
“contrariado” e prejudicado com uma gestão pouco cuidadosa do Sr.Daniel Serapião de
Carvalho, no que relacionava ao processo de andamento das instalações da Escola de
Viçosa rumo à sua inauguração oficial, principalmente quanto ao assunto de contratação
de professores. Assim, P.H. Rolfs dirigiu-se a Bernardes:

Exmº Snr. Dr. Arthur Bernardes,


Meu caro senhor e amigo:
[...] Os edifícios e os campos apresentam actualmente aspecto muito mais agradável do
que quando V. Excia os viu, e tem desenvolvido consideravelmente depois da visita de
V. Excia, no ultimo anno. Temos conseguido realizar esta obra, apezar dos obstáculos
quase intransponíveis; sem o auxilio, e mesmo com a opposição, do departamento do
Governo do Estado encarregado da sua realização. V. Excia não pode avaliar que
difficuldades e desapontamentos tenho soffrido, na posição que tenho ocupado, pela
causa da agricultura nacional.
[...] Minha posição tem se tornado pessoalmente insuportável. Fiz recomendações, há
dois annos, ao Secretario de Agricultura pedindo providencias para serem contractados
três professores com ordenado mensal de 1:000$000, para os Departamentos de
Agronomia, Pecuária, e Pomicultura. Até a presente data, não recebi nenhuma solução.
Os campos e edifícios das secções referidas estavam sufficientemente adiantados do
modo que era de muita vantagem para o Estado serem contractados os professores. Si o
Snr. Secretario tivesse tomado as providencias pedidas, poderíamos ter inaugurado, no
ultimo Março, as aulas dos Departamentos respectivos. Até o tempo presente, o Snr.
Secretario não me deu nenhuma autorização para contractar os auxiliares
indispensáveis.
Durante a administração do actual Secretario de Agricultura, tenho soffrido
pacientemente fortes desconsiderações, freqüentes e propositaes. Não tenho deixado de
considerar a differença de línguas e costumes.
Permaneci até agora, sacrificando vantagens pecuniária e pessoaes, porque tenho tido o
firme propósito de auxiliar o grande estado de Minas, e também concluir a realização
desta valiosíssima obra, tão brilhantemente imaginada por V. Exia. Tenho sido paciente
também, porque sei que minha posição é de natureza verdadeiramente diplomática, e
tem sido de valor para o estreitamento das relações entre o Brasil e minha pátria.
Durante a crise política, que tanto mortificou V. Excia tolerei as desconsiderações,
porque sendo perigosa a situação, qualquer critica contra a administração de V. Excia.,
teria sido aproveitada pelos inimigos. Felizmente, está terminada a crise política. Posso
agora retirar-me do Brasil, sendo esta a vontade do Governo de Minas, sem crear serio
embarasso a V. Excia.

69
Segundo o relatório de Bello Lisbôa (1929, p.4): “Durante o período da Construcção da Escola,
presidiram o Estado de Minas Geraes, os Exmos. Snrs. Dr. Arthur da Silva Bernardes, Raul Soares de
Moura, Olegário Dias Maciel, Fernando de Mello Vianna e Antonio Carlos Ribeiro de Andrada; foram
Secretários da Agricultura o engenheiro Cldomiro de Oliveira, Drs. Daniel Serapião de Carvalho,
Augusto Vianna do Castello e Djalma Pinheiro Chagas, interinamente os Drs. Sandoval Soares de
Azevedo, José Bias Fortes e Gudesteu de Sá Pires; durante todo o tempo esteve como Director da
Agricultura o engenheiro Ernesto Von Sperling”.
93

Sigo domingo a Bello Horizonte, onde vou com o fim de apresentar meu pedido de
exoneração ao Exmº Snr. Dr. Fernando Mello Vianna, caso não sejam afastadas as
maiores difficuldades que estão paralyzando o progresso desta Escola.
Lastimo sinceramente ter de proceder desta forma. Si tivéssemos tido a boa vontade do
Snr. Secretario da Agricultura durante os seis últimos mezes, poderíamos ter adiantado
nossos trabalhos de modo a se possível inaugurarmos algumas dos cursos mais
importantes de vários Departamentos antes dos meiados de 1926.
Peço acreditar, seja qual for o fim desta situação, ter eu feito meu maximo esforço para
a realização desta Escola, e ter pessoalmente por V. Excia, profundo respeito e affeição.
Subscrevo-me, com a máxima consideração,
De V. Excia.,
Amigo e admirador,
P. H. Rolfs, Director.

Enfim, apesar de longas as palavras do Professor Rolfs expressam informações


relevantes quanto ao contexto social e político da época em estudo. Primeiro, porque
deixa em evidência o significado da presença de um cientista norte-americano em terras
mineiras, pois, de certa forma, explicitou o estreitamento diplomático entre os Estados
Unidos e o Brasil. Tal fato culminou, anos mais tarde, no recebimento por parte da
Escola de Viçosa de vantagens e auxílios de toda ordem provindos das universidades e
“fundações” americanas70.
Destaca-se também na carta de Rolfs “sinais”, “vestígios” da conjuntura política
do governo do Presidente Bernardes (1922-1926) que, como se sabe, foi marcado pela
efervescência política e permanente ameaça revolucionária representada pelo
movimento tenentista71. Por essa razão, o americano dizia que passada a crise política
nada mais o impediria de deixar o Brasil caso fosse necessário.
Embora, toda a problemática ressaltada ao patrono da ESAV pelo norte-
americano, Rolfs não se exonerou, nem foi exonerado e continuou seu trabalho de
organização da Escola até 1928 quando deixou a direção para assumir o cargo de
Consultor Técnico de Agricultura do Estado de Minas Gerais de 1929 a 1933.
Logo se presume que as maiores dificuldades foram afastadas. Mesmo assim,
vale destacar que, segundo as fontes primárias, os primeiros professores contratados
foram os de zootecnia e de agronomia, que se apresentaram na escola apenas em

70
Ver sobre a cooperação internacional entre a Universidade Rural do Estado de Minas Gerais
(UREMG), antiga ESAV, e a Universidade americana de Purdue o trabalho de pesquisa dos autores:
RIBEIRO, M.G.M. & SILVA, F.V. A extensão universitária na Universidade Rural do Estado de Minas
Gerais nos marcos dos acordos internacionais. Relatório de Pesquisa. Viçosa: Universidade Federal de
Viçosa, mimeo. 2003.
71
Sobre as tensões políticas, econômicas e sociais enfrentadas pelo governo de Arthur Bernardes (1922-
1926) a frente da República Federativa do Brasil ver: LIMA (1983); o artigo “Arthur Bernardes: a
verticalização no poder”, disponível na Revista Governadores de Minas (2001, nº6) e Dicionário
Biográfico de MG: Período Republicano – 1889 a 1991.
94

meados de março e maio de 1927 respectivamente, pouco mais de quatro meses antes da
abertura do primeiro semestre letivo, iniciado em 1º de agosto de 1927, com os cursos
de agricultura nos níveis elementar e médio.
Dessa maneira, visto mesmo que grosso modo o sistema administrativo utilizado
pelos construtores da ESAV e ressaltados os indícios de “entusiasmo pela educação” e
de “otimismo pedagógico” produzidos durante os primeiros anos de edificação da
instituição em estudo, será objeto de análise, no próximo item, a inauguração oficial da
ESAV.
2.3 A Inauguração oficial da Escola.

Segundo descreveu o Engº Bello Lisbôa, com a conclusão do Edifício


Principal72, em agosto de 1926, o prédio:

[...] foi solemnemente inaugurado a 28 de agosto do mesmo anno, estando presentes o


exmo. Dr. Arthur da Silva Bernardes, Presidente da Republica, Dr. Fernando de Mello
Vianna, Presidente de Minas Gerais, Engenheiro Francisco Sá – Ministro da Viação, Dr.
Daniel de Carvalho – Secretario da Agricultura de Minas Geraes, Monsenhor Alípio de
Oliveira – representante do Sr. Arcebispo de Marianna, e grande numero de pessoas
gradas. (LISBÔA, 1929, p.4).

Figura 16: O Marco Inicial da ESAV - O Edifício Principal.


Fonte: BORGES & SABIONI, 2006, p. 36.

No dia 28 de agosto de 1926, considerado a data magna da instituição houve


grande solenidade, presidida pelo Sr. Arthur Bernardes e presenciada por autoridades do
Estado, da Igreja e comunidade local. A presença destas autoridades dava o “ar” da

72
Só com o Prédio Principal da ESAV foram investidos pelo Estado de MG 1.551:898$353. Cf. Relatório
do Engenheiro Chefe da Comissão de Construção da Escola (1929). Atualmente na Universidade Federal
de Viçosa este prédio denomina-se Edifício Arthur Bernardes e é apelidado pelos estudantes como
“Bernadão”.
95

importância deste acontecimento para a vida da agricultura de Minas, já que nesta


ocasião, inaugurava-se também uma nova fase para o ensino agrícola mineiro, cujo eixo
norteador era marcado pela estratégia de modernização do campo a fim de diversificar a
produção, produzir mais com menores custos e no menor tempo possível.
LOPES (1995) ao pesquisar na imprensa local, mais especificamente no “Jornal
Cidade de Viçosa”, sobre as festividades que ocorreram durante a inauguração oficial da
ESAV, constatou que:

As descrições do cenário urbano que se transformava dias antes, para a recepção do


estadista [...] Dr. Arthur Bernardes, dão conta do clima de comemorações que tomou
conta da pequena cidade. O comboio presidencial, cujo primeiro trem conduzia
jornalistas da capital federal, além de autoridades federais e estaduais, bem como de
municípios vizinhos, está registrado em imagens: é o momento de chegada do trem
especial que conduzia o Presidente. Recebida pelos diretores da Escola Bello Lisboa e
P.H. Rolfs, ao som da fanfarra de cavalaria da Brigada Policial do Rio, que ali chegara
na véspera, a comitiva presidencial desembarcou na estação de trem da Leopoldina,
localizada a alguns metros do Prédio Principal, e foi recepcionada na residência de
Rolfs, anuncia o jornal Cidade de Viçosa. Precedido de missa campal e da benção do
edifício, o ato de solenidade da inauguração é marcado pela descição do ‘sumptuoso
salão de conferencias do estabelecimento, admirável concepção artística do dr. Bello
Lisboa, não só pela originalidade do estylo como pela belleza das decorações, num
conjuncto de impeccavel harmonia, graça e elegância, que produz a melhor das
impressões’. O tom dos discursos das autoridades locais é marcado pela ênfase na
importância da Escola para a região, em especial para a cidade de Viçosa, num grau
elevado de ufanismo sobre a especificidade do ensino agrícola que se propunha na
instituição [...] (LOPES, 1995, p. 29-30).

As fotos abaixo relacionadas podem retratar parte do “cenário” da inauguração


que a autora relatou.
96

Figura 17: Chegada do comboio presidencial para inauguração da ESAV


Fonte: Arquivo Central e Histórico da UFV.

Figura 18: Missa campal da inauguração da ESAV em 26/8/1926.


Fonte: Arquivo Central e Histórico da UFV.

A tentativa maior aqui é a de apontar indícios da relação do projeto político da


ESAV com as bandeiras hasteadas pelo Movimento Ruralista Brasileiro73 dos anos
1920, que em Minas Gerais foi difundido pela Sociedade Mineira de Agricultura
(SMA), concomitantemente ao projeto de diversificação produtiva esboçado no
Congresso Econômico de 1903, haja vista que, conforme mencionado anteriormente, a
própria SMA adveio deste congresso das classes produtoras mineiras.
A partir daí optou-se por uma breve análise do discurso que Bernardes proferiu
na sessão solene de inauguração oficial da Escola, porque nele se constatou, sobretudo,
a defesa e a “ratificação da vocação agrícola do País”, isto é, a confirmação e a
justificação do destino essencialmente agrícola do Brasil.

73
Aqui a categoria ruralismo é entendida conforme a ampla análise realizada pela autora MENDONÇA
(1990, 1994, 1997). Deve-se ressaltar que, o movimento ruralista brasileiro na Primeira República
reciclou a vocação agrícola do Brasil “[...] na tentativa de generalizar dois projetos: o de
‘modernização’/diversificação da agricultura e o de ‘maximização da produtividade’ dos
empreendimentos agrários, os quais, em verdade, decorriam da necessidade de redefinição das formas de
enquadramento e controle da mão-de-obra rural, bem como da preservação do monopólio da terra [...]
Fundamental, para a compreensão do projeto acima sumarizado é resgatar o fato de as principais
lideranças do movimento ruralista em foco, não se terem constituído de representantes da grande
cafeicultura paulista, mas sim dos que a ela visavam contrapor seu projeto ‘modernizador’, que em muito
diferia daquele elaborado pela fração de classe hegemônica, ainda que, ambos partilhassem de certos
pressupostos básicos [...]”. (MENDONÇA, 1994, p.32-33).
97

Além disso, o discurso do patrono da instituição foi caracterizado por um forte


sentimento de despedida, já que estava prestes a concluir seu mandato presidencial
(1922-1926), oportunidade esta em que o filho ilustre de Viçosa realizou um balanço da
sua trajetória no cenário político mineiro e nacional, em meio aos seus “conterrâneos”.
Na verdade, esta solenidade foi marcada pelo “tom” da despedida de autoridades
do poder. Pois, até mesmo o então Presidente de MG, Fernando de Mello Vianna74
deixava o governo de Minas para Antonio Carlos Ribeiro de Andrada ser empossado em
7 de setembro de 1926, apenas dez (10) dias após a inauguração oficial da instituição.
No entanto, as palavras que mais chamaram a atenção foram os seguintes
dizeres de Arthur Bernardes:

[...] É com grande satisfação que venho assistir á inauguração da


Escola Superior de Agricultura. Institutos como este e equivalentes
devem ser espalhados por todo o Brasil. A agricultura tem
necessidade de technicos e peritos. Á exploração da terra tem que ser
dada cada vez mais uma orientação scientifica, aperfeiçoando-se os
methodos de cultura. O Brasil é, antes de tudo, e tem de ser um paiz
agrícola. Sem duvida, temos que cuidar das industrias
manufactureiras – em que um tão grande capital está empregado e
tamanhos interesses se criaram á sombra das leis: - devemos a taes
industrias a proteção necessária á sua conservação e crescimento,
mas sem sacrifícios incompatíveis para a nação. O Grande interesse
do Brasil está na agricultura. No aumento da producção está a
solução de nossas difficuldades. Esse augmento tem de ser pedido,
tem de vir da agricultura. Tudo merece ella do Estado. E não haverá
incoveniente em reconhecer que os poderes públicos não lhe têm
dado quanto deviam. Estradas, pontes, transportes, todos os serviços
públicos que interessam o agricultor, braços, mão de obra abundante
e technicamente instruída, exame das terras para as culturas
apropriadas , sementes, irrigação, organização do credito agrícola e
hypothecario, grandes e pequenos institutos a isso destinados, - quasi
tudo está por fazer, ou apenas rudimentar e incompletamente feito. O
problema da producção está imediatamente ligado á mão de obra: -
é preciso fixar e interessar o trabalhador, tornar o meio mais
agradável e próprio a vida, arrancando o trabalhador á sedução da
cidade, dar-lhe assistência e protecção, associar o trabalho ao capital,
creando a harmonia e solidariedade dos interesses.
A transformação agrícola só é possível technicamente preparada,
disciplinados e coordenados os esforços para maior aproveitamento
e rendimento da terra. A organização dos serviços públicos de que
depende o crescimento e expansão da industria agrícola, na
proporção adequada á riqueza e vastidão de nossas terras, é tarefa
digna de tentar o esforço e capacidade de nossos estadistas e
legisladores; tem que ser atacada e realizada como exigem as altas
conveniências do paiz. [...] (BERNARDES, 1926).

74
O mesmo que em 1921, enquanto procurador do Estado se deslocou a Viçosa para adquirir as fazendas
recomendadas pela comissão destinada a escolher a sede da ESAV.
98

Mas, como estabelecer conexões deste pronunciamento do patrono da Escola de


Viçosa com as principais idéias do ruralismo dos anos 1920?
Para responder a essa pergunta se recorreu às idéias de um contemporâneo de
Arthur Bernardes, o autor Arthur Torres Filho75, uma vez que, além de membro atuante
na Diretoria da Associação Nacional do Movimento Ruralista, (SNA - Sociedade
Nacional de Agricultura) coordenou, em 1925, no Ministério da Agricultura, uma
tentativa de reforma do ensino agrícola, através da formulação de “[...] um inquérito
nacional em que as instituições e pessoas, tidas e havidas como conhecedoras do
assunto, foram chamadas a externar o seu ponto de vista [...]” (RODRIGUES, 1942,
p.17-18). Inclusive, P. H. Rolfs foi um dos especialistas que formulou, a pedido do
Ministro da Agricultura, Miguel Calmon76, um trabalho minucioso sobre a questão da
educação agrícola no Brasil.
Ressaltada a “militância” de Arthur Torres Filho em prol do movimento ruralista
dos anos 1920, cabe, então, apontar as principais características do discurso
pronunciado por Bernardes, em 26/08/1926, com o pensamento ruralista da época.
Desse modo, a defesa do destino agrícola do Brasil feita por Bernardes pode ser
compreendida pelo seguinte raciocínio. Na época em estudo, principalmente nos anos
finais de 1920, período da construção e da inauguração da Escola de Viçosa, havia entre
as elites políticas e agrárias a noção de que a solução de todos os problemas do país
viria do progresso da agricultura nacional. Ou seja, a fonte de todos os bens e riquezas
era a agricultura, vista como a “grande indústria” do Brasil.
Por isso, os ruralistas, fossem estes oriundos do setor produtivo ou da elite
política, defendiam a necessidade incondicional de criar mecanismos capazes de
proteger e estimular a pecuária, a lavoura, o ensino profissional (obrigatório) e a
educação. Conforme a autora DUTRA (1990, p.34) “[...] o ensino agrícola nessa
perspectiva é posto como fundamento de organização da moderna economia [...]”.

75
Membro da SNA (Sociedade Nacional de Agricultura) e Diretor do Serviço de Inspeção e Fomento
Agrícola do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio durante o governo presidencial de Bernardes
(1922-1926)
76
Biografia de Miguel Calmon – Nasceu na Bahia em 1879 e faleceu em 1935. “fazendeiro; engenheiro
civil formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro; secretário de Agricultura, Viação e Obras
públicas da Bahia (190-1904); eleito três vezes deputado federal; Ministro da Viação e Obras Públicas
(1906-1909); representante da Associação Comercial da Bahia; fundador da Federação das Associações
Comerciais do Brasil; Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio (1922-1926); vic-epresidente da liga
de Defesa nacional; integrante da Campanha Civilista; senador (1927-1930); membro do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro”. Foi também presidente da SNA (Sociedade Nacional de Agricultura)
de 1921-1922. Fonte: MENDONÇA (1997, p. 197).
99

Isto quer dizer que o ensino agrícola era entendido, pelos ruralistas da época em
estudo, como um poderoso agente de expansão econômica. E é justamente esta palavra
de ordem do movimento ruralista brasileiro que Arthur Torres Filho defendeu em
publicação77 oficial do Ministério da Agricultura em 1926: “[...] Pois será possível, sem
o ensino agrícola generalizado dispormos de forte estrutura econômica? [...]” (TORRES
FILHO, 1926, p.3).
Segundo esse autor, na luta da competição comercial entre as nações só sairiam
vencedoras aquelas que fossem portadoras de uma “boa organização técnica e
econômica”. Esta era uma grande preocupação da época, como se pode perceber abaixo:

Temos deante de nós, sem solução até hoje, do Império à Republica, o problema
agrário, base e fundamento que há de ser de nossa independência política. A produção
agrícola temol-a de defender a todo custo, como questão de capital importância para os
altos interesses do Brasil. Em toda nossa historia, desde mesmo o período colonial, não
tem sido a agricultura a nossa maior fonte de riqueza? Todavia, sem uma producção
lançada em bases seguras, com o grão de civilização dos nossos dias, deante dos meios
rápidos de transporte e dos recursos da technica productiva, não poderemos vencer, no
jogo da livre concorrência, enfrentando outras nações cuja agricultura esteja organizada
sobre bases technica e econômica. Resalta à evidencia que necessitamos de uma política
verdadeiramente constructora, que tome por base a solução do problema agrário
brasileiro, porquanto sem producção abundante, barata e de circulação fácil no nosso
immenso território, nunca conseguiremos desafogar a vida econômico-financeira da
Nação. Aconselham nossas condições sociaes, políticas e econômicas, volvamos a nossa
attenção para o problema agrário. Não se concebe mais, em nossos dias, a exploração
intelligente de um paiz ou região sem o exame do solo, do clima, das variedades
melhoradas de plantas, de applicação dos adubos, do emprego das machinas agrícolas,
enfim, sem os ensinamentos da sciencia agronômica. (TORRES FILHO, 1926, p. 4-5).

Esta citação, apesar de longa, ilustra muito bem a “essência ruralista” do


pronunciamento de Arthur Bernardes durante a inauguração da ESAV, principalmente

77
O próprio Arthur Torres Filho fala da origem da publicação oficial do Ministério da Agricultura em
questão: “ Apesar das múltiplas cogitações impostas pelos assumptos a cargo do Ministério, não escapou
ao Dr. Migul Calmon a necessidade premente de se lançar entre nós as bases seguras da organização do
ensino agrícola. Foi assim que, depois de ouvir por meio de theses , previamente organizadas, pessoas
reconhecidamente capazes em matéria de ensino agrícola, nomeou uma commissão composta do
professor P. H. Rolfs, director da Escola Superior de Agricultura de Viçosa; professor Paula da Rocha
Lagoa, director interino da Escola Superior de Agricultura do Ministério [...] comissão esta que foi
encarregada de dar parecer sobre as theses apresentadas e offerecer conclusões, tendo-me sido delegado
poderes para, de accôrdo com o resolvido, elaborar o projecto de lei para a organização do ensino agrícola
no Brasil, incumbência de que, por minha vez, procurei desobrigar-me do melhor modo possível. Não me
furto ao prazer, como meio de divulgação, de publicar estas conclusões e o ante-projecto de lei por mim
apresentado, afim de que todos os que se interessam sinceramente pelo futuro do Brasil possam inteirar-se
do que ficou resolvido nessa memorável reunião, na qual todos os membros honrados com o convite do
Ministro, numa atmosphera de harmonia digna dos maiores louvores e animados dos mais elevados
propósitos, procuraram emprestr seu concurso dedicado a uma obra, cuja realização, levada a effeito com
sinceridade, poderá assignalar, como na América do Norte, uma época de renascimento para a nossa vida
econômica”. (TORRES FILHO, 1926, p. 122 – 123).
100

quando este mencionou categoricamente a vocação agrícola do país, ao dizer que a


geração da riqueza do Brasil viria excepcionalmente por meio da agricultura moderna. E
ilustra também a fala do patrono da Escola de Viçosa, quando o mesmo fez referência

publicação78 oficial do Ministério da Agricultura em 1926: “[...] Pois será


possível, sem o ensino agrícola generalizado dispormos de forte estrutura econômica?
[...]” (TORRES FILHO, 1926, p.3).
Segundo esse autor, na luta da competição comercial entre as nações só sairiam
vencedoras aquelas que fossem portadoras de uma “boa organização técnica e
econômica”. Esta era uma grande preocupação da época, como se pode perceber abaixo:

Temos deante de nós, sem solução até hoje, do Império à Republica, o problema
agrário, base e fundamento que há de ser de nossa independência política. A produção
agrícola temol-a de defender a todo custo, como questão de capital importância para os
altos interesses do Brasil. Em toda nossa historia, desde mesmo o período colonial, não
tem sido a agricultura a nossa maior fonte de riqueza? Todavia, sem uma producção
lançada em bases seguras, com o grão de civilização dos nossos dias, deante dos meios
rápidos de transporte e dos recursos da technica productiva, não poderemos vencer, no
jogo da livre concorrência, enfrentando outras nações cuja agricultura esteja organizada
sobre bases technica e econômica. Resalta à evidencia que necessitamos de uma política
verdadeiramente constructora, que tome por base a solução do problema agrário
brasileiro, porquanto sem producção abundante, barata e de circulação fácil no nosso
immenso território, nunca conseguiremos desafogar a vida econômico-financeira da
Nação. Aconselham nossas condições sociaes, políticas e econômicas, volvamos a nossa
attenção para o problema agrário. Não se concebe mais, em nossos dias, a exploração
intelligente de um paiz ou região sem o exame do solo, do clima, das variedades
melhoradas de plantas, de applicação dos adubos, do emprego das machinas agrícolas,
enfim, sem os ensinamentos da sciencia agronômica. (TORRES FILHO, 1926, p. 4-5).

78
O próprio Arthur Torres Filho fala da origem da publicação oficial do Ministério da Agricultura em
questão: “ Apesar das múltiplas cogitações impostas pelos assumptos a cargo do Ministério, não escapou
ao Dr. Migul Calmon a necessidade premente de se lançar entre nós as bases seguras da organização do
ensino agrícola. Foi assim que, depois de ouvir por meio de theses , previamente organizadas, pessoas
reconhecidamente capazes em matéria de ensino agrícola, nomeou uma commissão composta do
professor P. H. Rolfs, director da Escola Superior de Agricultura de Viçosa; professor Paula da Rocha
Lagoa, director interino da Escola Superior de Agricultura do Ministério [...] comissão esta que foi
encarregada de dar parecer sobre as theses apresentadas e offerecer conclusões, tendo-me sido delegado
poderes para, de accôrdo com o resolvido, elaborar o projecto de lei para a organização do ensino agrícola
no Brasil, incumbência de que, por minha vez, procurei desobrigar-me do melhor modo possível. Não me
furto ao prazer, como meio de divulgação, de publicar estas conclusões e o ante-projecto de lei por mim
apresentado, afim de que todos os que se interessam sinceramente pelo futuro do Brasil possam inteirar-se
do que ficou resolvido nessa memorável reunião, na qual todos os membros honrados com o convite do
Ministro, numa atmosphera de harmonia digna dos maiores louvores e animados dos mais elevados
propósitos, procuraram emprestr seu concurso dedicado a uma obra, cuja realização, levada a effeito com
sinceridade, poderá assignalar, como na América do Norte, uma época de renascimento para a nossa vida
econômica”. (TORRES FILHO, 1926, p. 122 – 123).
101

Esta citação, apesar de longa, ilustra muito bem a “essência ruralista” do


pronunciamento de Arthur Bernardes durante a inauguração da ESAV, principalmente
quando este mencionou categoricamente a vocação agrícola do país, ao dizer que a
geração da riqueza do Brasil viria excepcionalmente por meio da agricultura moderna. E
ilustra também a fala do patrono da Escola de Viçosa, quando o mesmo fez referência
sobre a necessidade de racionalização do campo, promovida pela introdução da ciência
em toda e qualquer prática agrícola em Minas Gerais. Atividade agrária esta que devia
receber do Estado a infra-estrutura necessária ao seu desenvolvimento.
Outro ponto do discurso de Bernardes, que pode ser compreendido à luz do
pensamento ruralista de Arthur Torres Filho, tem a ver com o “fenômeno da
depopulação dos campos”, isso é, do êxodo rural. Assim como Bernardes, Torres Filho
entendia que o problema da produção estava intrinsecamente ligado à questão da
desorganização da mão-de-obra nacional, fortemente provocado pelo abandono em
massa do homem do campo. Para este autor:

Quem contestará também que os melhores elementos da vida rural são attrahidos para o
commercio, para a industria e demais profissões próprias das cidades? [...] Isso indica
que, para suscitarmos por todos os meios as nossas energias creadoras de riqueza,
teremos que nos preoccupar com a instrucção profissional daquelles que vivem na
agricultura. Sociólogos existem que consideram o êxodo dos campos uma das maiores e
mais graves questões sociaes da nossa época. Mas, sem termos noção bem clara dos
interesses capitaes do paiz, difficilmente alcançaremos as reacções necessárias, como
acontece com o ensino agrícola. Que temos feito em prol da instrucção profissional dos
que vivem na agricultura? Qual não é o numero de rapazes e moças carecendo de boa
instrucção agrícola e domestica? Que temos feito nesse sentido em face das demais
nações civilizadas? É fatal que, sem melhorarmos a nossa situação rural isto é, sem que
a vida do campo se torne capaz de proporcionar o bem estar e a independência, o
homem do campo será attrahido para as vilas, aldeias e cidades. A pouco e pouco a
agricultura se despojará da parte mais intelligente da sua população. Não é o que
acontece, por exemplo, com os filhos dos proprietários mais ricos que, enviando seus
filhos às escolas nas cidades, acabam por encaminhal-os para as profissões
administrativas, liberaes e industriaes? Quaes não serão as conseqüências sociaes desse
facto? Por outro lado, como o progresso vertiginoso da industria, não exerce ella
verdadeira drenagem na mão de obra rural, por pagar melhores salarios do que a
agricultura? Esta-se deante de um problema social de gravidade inequívoca, cuja
solução consiste em se procurar reter o deslocamento da população rural para os centros
populosos. Mas como combater-se esse mal? Outro recurso não vejo senão
promovendo-se a mais larga diffusão do ensino agrícola, mediante um systema de
educação generalizada, desde a criança do campo passando pelo trabalhador e o
agricultor, até o ensino superior, para a formação do profissional completo, instituindo-
se um ensino para todas as situações sociaes. (TORRES FILHO, 1926, p. 5-7).

E, como tal o ensino agrícola é entendido e defendido por Arthur Bernardes na


Escola que ele criou enquanto Presidente de MG, e inaugurou, como Presidente da
102

República. Na ESAV, a difusão da instrução agrícola prática e moderna também era


empreendida enquanto um instrumento capaz de fixar o homem no campo. Conforme
explicitou Torres Filho, Bernardes também almejava a modernização da agricultura
através da racionalização/cientificização da agricultura, por meio do melhoramento das
condições sócio-educacionais e culturais do homem no campo. Por isto, o patrono da
instituição em estudo propôs, em seu pronunciamento, a efetivação de uma espécie de
“pacto social” entre trabalho e capital, ou melhor, entre trabalhadores rurais e donos dos
meios de produção agrícolas.
Diante dessas considerações, pode-se constatar que a criação de uma escola
agrícola moderna no interior da Zona da Mata mineira não foi produto apenas do desejo
de Arthur Bernardes, mas sim dos anseios e propósitos da elite agrária e política mineira
da época, que representava sua ideologia dominante e capitalista através da “ratificação
do destino essencialmente agrícola do país”. Para isso, apontava o ensino agrícola como
a “pedra fundamental” da organização da moderna economia de Minas Gerais.
E são justamente os pilares dos saberes engendrados na ESAV durante a sua fase
de organização, que serão objeto de analise no próximo capitulo do trabalho, em que
procurou responder: Que tipo de homem a Escola de Viçosa almejava formar? E como
o projeto de diversificação produtiva esboçado durante o congresso das classes
econômicas de 1903 foi rearticulado sob a estratégia de modernização do campo,
inaugurada com a criação da instituição em estudo?
103

CAPÍTULO III
OS PILARES DO SABER ESAVIANO

[...] A tarefa de "collocar, organizar e


dirigir" uma Escola Superior Agrícola,
sob as linhas norte-americanas
(conforme linguagem do meu chamado
para o Estado de Minas), tem sido
altamente difficil e ardua. Sem a
Sympathia e cooperação do Governo
Estadoal, pouco, quasi nada podia-se
ter conseguido [...]79(ROLFS, 1929,
[sp.]).

O objetivo central deste capítulo consiste em interpretar as “raízes” pedagógicas,


isto é, as “bases” do saber esaviano, já que nos capítulos anteriores do trabalho buscou-
se analisar as bases históricas que levaram o governo mineiro do Presidente Arthur
Bernardes a criar a Escola de Viçosa, em 1920.
Vale ressaltar que a análise privilegiará o papel exercido pelo especialista norte-
americano diante da tarefa de adequar80 o Land Grant System às condições políticas,
econômicas, sociais e culturais da população rural mineira, durante o período em que o
mesmo ocupou o cargo de Diretor (organizador) da ESAV. P. H. Rolfs foi o responsável
técnico por adequar o modelo americano na Escola, para que a instituição efetivasse a
estratégia de modernização da agricultura pretendida pelo projeto de diversificação
produtiva esboçado pelo Estado, desde o Congresso das classes produtoras, de 1903.
Assim, diante dos interesses das classes produtoras de MG e de acordo com o
modelo dos colleges agrícolas americanos, Rolfs estabeleceu na ESAV um paradigma
de agricultor moderno: o do farmer (fazendeiro) norte-americano. Junto a este
paradigma nascia também a premissa de que o único agente capaz de levar o progresso
aos campos de Minas Gerais era o “agricultor moderno”.

79
Trecho extraído do Relatório Anual do Diretor da ESAV, P.H.Rolfs, referente ao ano administrativo de
1928. Relatório apresentado ao Dr. Djalma Pinheiro Chagas, Secretário de Agricultura, Indústria, Terras,
Viação e Obras Públicas de Minas Gerais. Sem página, tópico conclusão. 20 de fevereiro de 1929.
Viçosa. MG.
80
Sobre o “nível” de adequação do sistema de ensino das escolas superiores agrícolas norte-americanas
na ESAV ver o relevante estudo de RIBEIRO (2006). Neste artigo a autora apresenta um estudo
comparativo entre os Land Grant Colleges e a Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa.
104

Conforme DULCI (1999, p. 52-53):

[...] a concepção da Escola de Viçosa estava ancorada numa espécie de compromisso


entre ordem e mudança. Seu alvo era a renovação do campo, entendida não só em
termos técnicos mas também socioculturais. Um programa de racionalização do meio
rural: a questão a ser enfrentada era o peso da tradição, dos métodos rotineiros de
produção, não a má distribuição da propriedade. A Escola, para isso, devia formar
quadros e, mais ainda, irradiar idéias e valores. Rohlfs compreendia-o claramente ao
insistir no papel pedagógico da Escola, a ser reproduzido por seus graduados, os quais
deveriam estar preparados para liderar intelectualmente a modernização do campo [...]
A formulação de um programa próprio implicava atender às condições locais, aos
recursos existentes e ao potencial a ser aproveitado. Daí a importância conferida à
pesquisa, lado a lado com o ensino e a extensão. Este trinômio, que define a
universidade contemporânea, estava no núcleo do plano de Viçosa. Criar uma
capacidade de produção científica e tecnológica – e de disseminação de seus resultados
– daria grande suporte ao modelo de desenvolvimento interno que os dirigentes
mineiros procuravam consolidar. Temos aí apresentadas as bases da estratégia de
diversificação produtiva [...].

Por isto, o ensino agrícola na ESAV era entendido e defendido pelos seus
organizadores como uma “alavanca”, ou melhor, como um alicerce fundamental na
organização econômica do Estado rumo ao progresso.
Desse modo, será analisado, a partir dos próximos itens do presente capítulo, o
novo espírito de ensino que marcou a organização da instrução agrícola na Escola de
Viçosa. Diante dessas considerações deve-se ressaltar que alguns pontos do projeto
educativo engendrado na Escola se ressaltam e, por isso, serão aqui apresentados e
discutidos principalmente por intermédio das falas e pensamentos do cientista
americano Dr. P. H. Rolfs.

3.0 O Espírito de P.H. Rolfs.

“A ESAV, animada pelo teu espírito,


viverá do teu exemplo, cultuando a
tua memória”81.

Pode-se atribuir certa semelhança entre a Escola de Minas de Ouro Preto e a


81
Frase extraída do busto de bronze de P.H. Rolfs erguido entre o Edifício Bello Lisbôa (Prédio do
primeiro dormitório da ESAV) e o Prédio Principal (Edifício Arthur Bernardes) da antiga ESAV, atual
Universidade Federal de Viçosa (UFV). O busto de bronze do cientista norte-americano foi inaugurado
solenemente em 15/12/1942 como parte das festividades que marcaram a formatura dos Engenheiros
Agrônomos da turma de 1942 da UREMG (Universidade Rural do Estado de Minas Gerais), antiga
ESAV.
105

Escola de Viçosa, no tocante a sua criação. Enquanto a primeira foi organizada por
Henri Gorceix82, a ESAV é devedora de seu organizador Peter Henry Rolfs quanto à sua
moderna unidade funcional estruturada no tripé ensino, pesquisa e extensão. Pois, este
cientista forjou em terras mineiras um novo método de trabalho, assim como o francês
Gorceix o fez em Ouro Preto, apesar dos dois terem pertencido a épocas distintas. De tal
modo, tornou-se importante compreender mesmo que ligeiramente, o tipo de formação
que Rolfs trouxe para Minas Gerais, nos anos 1920.
Como já foi mencionado, a “Escola de Viçosa” tem as suas “raízes” no sistema
Land Grant Colleges americano, e teve como “mentor” o professor Rolfs, nascido em
17 de abril de 1865, na cidade de Lê Claire, situada no Estado norte-americano de Iowa.
Graduou-se em “Bachelor of Science, 1889, Master of Science, 1891, Iowa State
Agricultural College, Doctor of Science, University of Florida, 1920”83. Ele realizou
uma série de publicações especializadas em agricultura e participou também de
importantes associações científicas internacionais, como: American Association for
Advancement of Science (Emeritus Life Member, 1938); membro fundador, Botanical
Society of América, entre outras 84.
Nota-se que o especialista tem a “base” de sua formação acadêmica e cientifica
realizada na primeira85 land grant institution dos Estado Unidos, o Iowa State
Agricultural College. De fato, P.H.Rolfs possuiu forte contato com a “filosofia” do
sistema de ensino Land Grant Colleges, desde que era um estudante de graduação.
Para COELHO, E. (1996, p.24) “[...] Rolfs trouxe de sua ‘alma mater’, ‘Iowa
State College’, os princípios básicos de ‘Ciência e Prática’, ‘Aprender Fazendo’, e a
idéia das quatro pilastras86 na entrada do ‘campus’, que também já existiam no ‘Iowa
State College’ [...]”.
Na verdade, os pressupostos técnicos de “aprender fazendo” e “ciência e
prática” representam uma espécie de “marca” dos Land Grant Colleges, materializadas
também na ESAV. E sinalizam a incorporação de tais princípios, principalmente devido
ao forte vínculo do especialista americano, durante toda a sua trajetória acadêmica, com

82
Para saber mais sobre o francês Henri Gorceix, diretor organizador da famosa Escola de Minas de Ouro
Preto ver: CARVALHO (1978; 2002).
83
Dados Bibliográficos do Dr. Peter Henry Rolfs é oriundo do Livro de Formatura: “ESAV 1939”.
84
Conforme o Livro de Formatura ESAV 1939, [s/p.].
85
Sobre a universidade de Iowa nos Estado Unidos, ver: LOPES (1995, p. 52-53).
86
As quatro pilastras são de concreto e demarcavam, desde a criação da ESAV, a entrada do atual
“Campus” da Universidade Federal de Viçosa (UFV), do perímetro da cidade de Viçosa. Em cada
pilastra se encontram, até hoje, gravadas as seguintes palavras, em português e latim: “Estudar, Saber,
Agir e Vencer”.
106

a “filosofia” instituída pelos colleges agrícolas norte-americanos. Exemplo maior disso


é a própria concepção pedagógica adotada na escola, a qual fora pautada no método
“aprender fazendo”, ou seja, os estudantes “esavianos” só aprenderiam verdadeiramente
se fizessem como deveria ser feito: praticando agricultura no próprio ambiente natural
da profissão rural.
Os novos métodos e o estilo de trabalho do americano engendraram, ao longo da
trajetória da Escola de Viçosa, uma concepção pedagógica moderna de ensino agrícola,
que pode ser bem explicitada pelo tipo de organização dada à instituição por Rolfs e
sua equipe. Dessa maneira, optou-se pelo uso de uma metáfora para apontar ao leitor
uma análise acerca dos pilares que estruturaram o saber esaviano: “o espírito de P. H.
Rolfs”.
Esse espírito contrastava com a tradição vigente no país de opção pelo modelo87
europeu de ensino agronômico, porque Rolfs trouxe ao Brasil, um sistema de instrução
rural, adaptado e modificado de acordo com o desenvolvimento e a necessidade agrícola
de Minas Gerais. E é justamente na crença e na necessidade “[...] da teoria informando a
prática; no incentivo à observação direta e na recusa ao ensino bacharelesco [...]”
(DUTRA, 1990, p.34), que o cientista norte-americano apontou para o Estado e para a
elite agrária mineira alguns caminhos para a superação do atraso econômico de MG. A
seguir resumiu-se em alguns pontos o que parece fundamental neste espírito.

3.1 A formação teórico-prática e a formação moral: dois objetivos da


educação esaviana

“O primeiro objecto duma Escola de Agricultura é o melhoramento das


condições moraes, mentaes, e financeiras da população rural [...]” (ROLFS, 1925, p. 5),
escreveu o organizador da ESAV em relatório, ao ruralista Arthur Torres Filho, do
Ministério da Agricultura, sobre a questão da reformulação do ensino agrícola
brasileiro.
Por isso, Rolfs ao assumir o compromisso, com o Estado de Minas Gerais, de
organizar e dirigir uma escola agrícola estruturada nos pilares institucionais dos Land
Grant Colleges, elegeu como preocupação maior: a educação da “base” populacional do

87
Ver em ROLFS (1925; 1928) a discussão sobre o “peso” do modelo europeu como opção de modelo
para a organização do ensino agrícola no Brasil.
107

meio rural, ou seja, das famílias das fazendas do Estado, por meio do ensino agrícola
moderno, em todos os níveis de escolaridade, sobretudo adaptado às peculiaridades e
necessidades destes cidadãos.
O especialista norte-americano era um cientista consciente de que o ensino
agrícola moderno ideal só seria adequado na escola se a profissionalização “esaviana”
envolvesse, de:

[...] modo especial a educação dos filhos de agricultores, com o fim de augmentar a
riqueza das fazendas, pela applicação dos methodos mechanicos modernos, pelo
aperfeiçoamento das culturas existentes e pela introducção de novas espécies de plantas
e animaes (ROLFS, 1928, p.11).

Assim, esta concepção de ensino agrícola de Rolfs respaldada na premissa de


educar as famílias rurais de MG com a finalidade de aumentar a riqueza das fazendas
foi incorporada logo no primeiro Regulamento88 da Escola de Viçosa, que foi aprovado
pelo governo do Estado três (3) dias antes da inauguração oficial da instituição, pelo
Decreto No. 7.323, de 25 de agosto de 1926, como mostra o artigo 2º abaixo citado:

O ensino ministrado pela Escola, com o intuito de educar a população agricola do


Estado em todos os assumptos pertencentes á vida rural e melhorar a as suas condições
moraes, mentaes, e econômicas, no mais breve tempo possível, será facilitado a
alumnos com qualquer grau de instrucção e deverá ser sempre theorico-pratico.
(REGULAMENTO DA ESAV DE 1926).

Prevaleceu, portanto o cuidado de não permitir que a essência “livresca” e


“bacharelesca” da educação brasileira da época, pedagogia tradicionalista89 – viesse
influenciar negativamente o caráter “theorico-pratico” da educação esaviana, principal
característica pedagógica do método de ensino adotado na escola, o “aprender-fazendo”,

88
Deve-se mencionar que, “[...] o primeiro projeto de regulamento foi apresentado, ainda pelo Dr. Rolfs,
em 12 de abril de 1926 e, como não tivesse agradado ao Governo, um outro foi pedido a agrônomos e
educadores da capital, que o terminaram em princípios de junho do mesmo ano. De posse dos dois
projetos o Dr. Bello Lisbôa elaborou um terceiro que, concluído em 20 de junho, transformou-se no
Decreto nº 7.323, de 25 de agosto de 1926, assinado pelo Presidente do Estado, Dr. Fernando de Mello
Vianna e por seu Secretário de Agricultura, Dr. Daniel Serapião de Carvalho [...] O primeiro regulamento
foi modificado pelo Decreto nº 7.461, de 21 de janeiro de 1927, que manteve, porém entre outras
características, a da realização de trabalhos experimentais”. (UREMG, 1968, [s/p]).
89
Pedagogia tradicionalista – refere-se a uma pedagogia baseada no ensino “verbalista”, enciclopédico,
clássico em que o professor transmite o conhecimento como se fosse o centro do saber e o aluno, como
“tábua rasa”, ou seja desprovido de qualquer informação. Nesse ensino tradicional os conhecimentos não
são adaptados conforme a realidade do aluno e não possuem utilidade prática, isto é, prevalecem os
estudos teóricos, “bacharelescos”.
108

conhecido também pelo termo “pedagogia do exemplo”90.


Inclusive, o próprio Rolfs, em Relatório Anual91 de Diretor da escola, referente
ao ano letivo de 1928, notificou e justificou ao Secretário de Agricultura do Estado de
MG sua aversão pelo ensino agrícola excessivamente teórico, isto é “bacherelesco”:

[...] Temos evitado, igualmente que a Escola se degenere em um estabelecimento de


instrucção theorica, pois, devemos em tudo servir o mais possível aos agricultores, e no
estado actual, elles necessitam de instrucção pratica, ligada á instrucção theorica
apropriada. (ROLFS, 1929, [s/p.]).

Ainda, em relatório, P. H. Rolfs apontou como “termômetro” do nível de


aproximação dos fazendeiros e agricultores do estado com a ESAV, o aumento das
matrículas no estabelecimento e a satisfação destes fazendeiros e produtores rurais que
visitavam a instituição. A partir daí, constatou-se que não seria possível envolver a
população rural se o ensino agrícola ministrado no estabelecimento fosse unicamente de
cunho teórico, isto afastaria os homens do campo e consequentemente seus filhos. Mais
importante ainda, é que se a Escola não estabelecesse uma estreita ligação com a
população rural a ESAV não conseguiria difundir a ideologia92 almejada pelo Estado e
pela elite agrária mineira desde o Congresso Econômico de 1903: expandir a economia
e diversificar a produção através do uso dos métodos e técnicas agrícolas modernas.
Outro indício levantado para se compreender a negação do ensino “livresco” por
parte de Rolfs e demais dirigentes da Escola relaciona-se com o seguinte pensamento
educacional da época em estudo: havia pensadores, como Carneiro Leão e outros que
pertenciam a uma corrente de intelectuais liberais, os quais concebiam que a educação
deveria ser prática e profissional para o povo brasileiro, pois além de incentivar a
formação moral e cívica do Brasil, somente, esta modalidade educativa prática, voltada
para o trabalho, “baseada no cultivo, na capacidade de produção elevaria o Brazil à
altura dos seus interesses” (LEÃO, 1916). Porque, segundo este intelectual:

[...] educar não é ensinar apenas a escrever e a ler. É formar, desenvolver e dirigir as

90
Essa pedagogia será melhor trabalhada no item 3.3.1 do presente trabalho.
91
Referente ao ano administrativo de 1928. Relatório apresentado ao Dr. Djalma Pinheiro Chagas,
Secretário de Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas de Minas Gerais. Sem página. 20 de
fevereiro de 1929. Viçosa. MG.
92
Entende-se ideologia aqui, como: “[...] concepção de mundo, que se manifesta implicitamente na arte,
no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas”.
(GRAMSCI, 1987, p. 16).
109

aptidões individuaes, melhorando-as, dando-lhes possibilidades novas, adaptando-as ás


necessidades da época, ás exigências do momento e do meio (LEÃO, 1916, p. 23-24).

Assim, esta concepção de educação para o trabalho era defendida como um


“contraponto” a tradição das carreiras públicas no país, visto que somente as carreiras
práticas poderiam estimular os indivíduos “[...] a desenvolverem as suas aptidões
pessoaes, a contarem comsigo, com as suas próprias forças, levando-os ao esforço, à
perserverança, à luta, consientes e confiantes na sua capacidade e no seu trabalho”
(LEÃO, 1916, p.29).
Nas carreiras práticas projetava-se através da meritocracia dos indivíduos
superar as práticas paternalistas que costumavam envolver os cargos do funcionalismo
público brasileiro. Trata-se de um princípio do liberalismo clássico em que o cidadão só
conseguiria desfrutar do progresso e do estado de civilização da sua nação se cada
indivíduo fosse capaz de produzir no menor tempo possível e não onerar o seu governo
como faziam os funcionários públicos do Brasil, conforme ressaltava Carneiro Leão.
Pelo contrário, para este intelectual liberal a necessidade primordial era:

Cultivar a terra é a necessidade primeira, uma educação que nos leve a fazê-lo, com
amor e proveito, a mais sabia medida para o engrandecimento da pátria. E não só o
amanho da terra, mas fomentação das industrias, a competência, a capacidade para
acção e o trabalho productor, são os meios únicos de fazerem do Brazil, fraco e pobre,
uma nacionalidade respeitada e grande. (LEÃO, 1916, p.36)

Em síntese, para este autor as profissões “bacharelescas” não contribuiriam com


a produção da riqueza nacional, objetivo maior de toda e qualquer nação capitalista e
ainda enfraqueciam a evolução das carreiras profissionais práticas no país,
principalmente da área agrícola.
Por conseguinte, Rolfs também manifestava tal aversão ao ensino tradicional,
“enciclopédico” e primava pela prática associada à teoria na “medida necessária”, pois
segundo o diretor organizador da ESAV:

[...] no Brasil, como na Europa, encontramos um numero grande de cidadãos bem


instruídos que não podem ganhar por si mesmos os meios necessários para a vida,
sendo-lhes indispensável um auxilio do governo, sem haver serviço correspondente.
Deveria ser o ideal duma republica treinar todos os seus cidadãos de tal maneira que
cada um pudesse ganhar uma vida farta sem que lhe fosse necessário receber o que
podemos chamar uma “subvenção” do governo federal ou estadoal. Incluímos em
“subvenção” qualquer auxilio pecuniário pago a um funccionario que não seja
110

estrictamente necessário para a administração do governo. Desejamos que os nossos


alunos sejam capazes de ganhar uma vida sufficiente cada um por si e depois para a sua
família, por meio da agricultura practica (ROLFS, 1928, p.26).

Desse modo, o especialista americano em conjunto com seu Vice-Diretor, Dr.


João Carlos Bello Lisboa, o mesmo que chefiou a comissão de construção da Escola, e o
primeiro corpo docente93 esaviano, adaptaram cuidadosamente os cursos à realidade
econômica e social da população agrícola de MG, sem perder de vista os interesses
político-econômicos e sócio-culturais do Estado de MG, de lançar “as luzes” do
“Progresso” nas lavouras de Minas Gerais.
Deve-se mencionar que a realidade econômico-social mineira também
apresentava a principal “chaga sócio-educacional” mais combatida dos dois primeiros
decênios republicanos do século XX, o analfabetismo.
Rolfs, diante do prevalecimento da baixa escolaridade encontrada no Estado
mineiro, afirmou, em Tese apresentada na IIª Conferência Nacional de Educação,
realizada em Belo Horizonte, no período de 4 a 11 de novembro de 1928, que:

[...] Ao organizar os vários cursos de instrucção da Escola Superior de Agricultura e


Veterinária do Estado de Minas Gerais tivemos sempre em mente o facto que hoje a
maioria da nossa população agrícola tem pouca instrucção, variando, segundo os
cálculos mais acreditados, entre 60 e 80% de analphabetos [...] ( ROLFS, 1928, p.12)

Esta questão de adaptação dos cursos da Escola de Viçosa ao meio social tornou-
se “chave” do sucesso da instituição. Pouco mais de seis (6) meses após o inicio de seu
primeiro semestre letivo94 houve aumento de mais de cem por cento (100%) do número
de alunos. A instituição iniciou suas atividades de ensino em agosto de 1927, apenas
com vinte (20) alunos matriculados no curso técnico e cinco (5) no curso elementar de
capataz rural, sendo que um aluno deste curso desistiu. Com tal aumento das matrículas,
houve a necessidade de contratar mais professores95.

93
“[...] O primeiro Corpo Docente foi composto pelo Dr. Hermann Rechaag, Porfessor de Zootécnica, Dr.
H. Dipo Soares de Oliveira, Professor de Matemática, e Dr. Diogo Alves de Mello. Este último, tendo
estado onze anos nos Estados Unidos, tinha os títulos de B. S. da Universidade de Missouri [...]” (Livro
de Formatura ESAV 1939, [s/p.]). Compunham também o corpo docente esaviano os seguintes
professores: Francisco Horta lecionava português no ensino médio e elementar; Nelson Lellis, aritimética,
geografia, geometria e desenho no nível médio e elementar também; Otávio do Espírito Santo, português
e história somente no ensino médio. Fonte: Primeiro Anuário da Escola, 1927, p. 10.
94
O Primeiro Semestre letivo da ESAV ocorreu no período de 1º de agosto a 15 de dezembro de 1927.
95
No item 3.3.2 deste capítulo do trabalho será tratado com maiores detalhes a questão do perfil dos
professores que foram chegando à ESAV até meados de 1929, com destaque as qualidades técnicas e
111

Além do mais, o aumento do quadro de alunos esavianos indicou que a meta de


adequação do sistema americano de ensino agrícola à realidade material do “mundo
rural” de MG foi alcançada, principalmente pelo fato da instituição ter oferecido cursos
profissionalizantes de níveis elementares e médios aos filhos dos fazendeiros e
agricultores, até para aqueles que não tivessem os diplomas de instrução primária.

3.2 Cursos oferecidos na ESAV

Veja os objetivos e exigências dos cursos de estudo na ESAV, conforme seu


Regulamento de 192796:

[...] Art. 4º. Os cursos da Escola serão distribuídos nas seguintes modalidades:
I) elementares.
II) médios.
III) superiores.
IV especializados.
Art. 5º. Os cursos elementares, com duração de um anno, constituem um systema de
educação rudimentar para o preparo de agricultores e capatazes ruraes conscientes de
sua profissão, e comprehendem o ensino de agricultura e veterinaria, de caracter
essencialmente pratico, alliado à instrucção geral indispensável.
$ 1º Destina-se estes cursos a suprir as necessidades educativas, relacionadas com a vida
rural, de pessoas que não tenham opportunidade de receber instrucção mais completa
[...]
Art. 6º. Os cursos médios, com duração de dois annos, destinam-se principalmente aos
filhos de fazendeiros ou agricultores que não tenham feito o curso gymnasial e visam
formar bons technicos agrícolas e administradores ruraes [...]
Art. 7º. Os cursos superiores de Agricultura e Veterinaria, destinam-se á formação de
profissionais de agronomia e veterinaria, com ensinamentos theorico-pratico integral
das matérias indispensáveis ao exercício dessas profissões, aproveitando-se nelles os
candidatos que houverem concluído o curso gymnasial.
$ 1º A duração destes cursos será de quatro annos, subdivididos em oito semestres [...]
Art. 9º Os cursos de especialização serão organizados para altos estudos e pesquisas
originaes sobre agricultura e veterinária e destinam-se a alumnos que houverem
concluído um dos cursos superiores desta Escola ou equivalentes [...]
(REGULAMENTO DA ESAV DE 1927, ps.27-28).

Assim, diferentes modalidades de educação rural seriam oferecidas conforme o


grupo social. Para os filhos de fazendeiros, agricultores que detinham o diploma de
grupo escolar, curso médio. Já o curso superior em agricultura e veterinária destinava-se
aos filhos de produtores rurais que eram portadores de certificados de aprovação em
ginásio equiparado ao Colégio Pedro II, com um mínimo de dez preparatórios. E para os

pessoais que um professor esaviano deveria apresentar.


96
Regulamento Aprovado pelo Decreto Estadual No. 7.460 de 21 de Janeiro de 1927.
112

trabalhadores rurais e filhos de agricultores menos privilegiados socialmente eram


oferecidos os cursos de educação mais “rudimentar”, como o de capataz rural. Daí
percebe-se a sintonia da organização dos cursos da Escola com a estrutura de divisão de
trabalho, ou seja, deveriam existir os profissionais para executar e aqueles para orientar
e supervisionar o trabalho no campo. Só não se deve esquecer que na ESAV todo o
aluno independente do curso matriculado deveria “arregaçar as mangas e sujar as mãos
e botinas” isto é, aprender fazendo.
Cabe ressaltar que, tanto os cursos elementares quanto os cursos médios
oferecidos exigiam que os moços tivessem 18 anos completos. Mas o principal pré-
requisito que destacaria a Escola de Viçosa das outras instituições educativas do gênero
se deu por intermédio da flexibilidade no quesito escolaridade, por exemplo: um jovem
com 22 anos que procurasse a escola para estudar no curso de nível elementar formador
de agricultor/capataz rural deveria apresentar apenas o:

“[...] diploma de instrução primaria ou na falta desse poderá o candidato prestar na


Escola exame de habilitação constante de: calligraphia, leitura e arithmetica (as quatro
operações fundamentaes). O Alumno que terminar o curso elementar, poderá
matricular-se no curso médio.” (ROLFS, 1928, p.18).

Já nos cursos médios formadores de Técnicos Agrícolas ou Administradores


Rurais os moços deveriam apresentar “Diploma de Grupo Escolar” e também poderiam
realizar na própria ESAV uma espécie de exame de admissão97, o qual atestaria a
exigência da escolaridade mínima exigida se os futuros esavianos não tivessem tal
diploma.
Estas peculiaridades da instituição em estudo foram plenamente ressaltadas e
ilustradas pelo próprio Diretor da escola, segundo o trecho abaixo:

[...] Temos no Estado muitos excellentes Gymnasios, onde deverão estar os moços de
menos de 18 annos de edade e que não tem ainda os seus preparatórios. Temos uma só
Escola de Agricultura, onde homens sem preparatórios e com mais de 18 annos de
edade poderão receber instrucção agrícola correspondente á edade e preparo. Parece que
a Escola de Agricultura de Minas constitue a única no gênero no centro do Brasil.
Temos, por exemplo, o caso dum rapaz Paulista, de vinte três annos de edade, serio e
intelligente. Antes de vir a Viçosa, apresentou-se em diversas outras Escolas para
matricula, não podendo entrar por lhe faltarem os preparatórios ou por ter edade demais.

97
O referido exame de admissão para os cursos de nível médio na Escola de Viçosa constava “[...] de: 1)
prova escripta de Portuguez, 2) prova escripta de arithmetica, noções de geometria e desenho, 3) história
do Brasil e educação moral e cívica.” (ROLFS, 1928, p.18).
113

Chegou com algum atrazo e quando perguntamos porque não veiu antes, respondeu que
só pouco tempo antes havia tido conhecimento da Escola e que fora necessária sua
presença na fazenda para a safra do café. No fim do semestre foi a casa e trouxe um
irmão, de vinte e um annos de edade, sendo ambos alumnos exemplares. (ROLFS,
1928, p.21)

Este elevado grau de flexibilidade dos cursos oferecidos pela ESAV denota
claramente que a instituição, “a qualquer custo”, almejava fazer com que seus
conhecimentos modernos sobre agricultura fossem apropriados por todos os níveis
sociais da população rural de MG, a fim de prepará-los para o progresso que a escola
queria instalar nos campos mineiros, em resposta aos interesses político-econômicos do
Estado de Minas Gerais.
Por isso, o especialista americano se fez profundo conhecedor da realidade
educacional e sócio-econômica do Brasil, principalmente de MG. Daí identificou os
perfis dos “rapazes da lavoura”, como costumava chamar os filhos de fazendeiros e
agricultores, tendo detectado os moços do campo que deveriam ser alcançados pela
difusão do ensino agrícola moderno proporcionado pela Escola de Viçosa, através dos
estudos e estimativas que realizava sobre a população rural mineira:

O Estado de Minas, com os seus seis milhões de habitantes deve ter mais de um milhão
de famílias, sendo provável que metade destas morem em propriedade agrícolas.
Podemos calcular que em pelo menos um porcento dessas famílias haja um moço com
mais de dezoito annos de edade, sabendo ler e escrever e fazer as quatro operações de
arithmetica, estando portanto em condições de matricular-se na Escola. Assim vemos
que neste Estado há não menos de cinco mil moços que poderiam matricular-se no
nosso Curso Médio. É provável que mais de 90% delles nunca freqüentaram e nem
freqüentarão gymnasios. São os rapazes da lavoura que, na Escola se tornam os
melhores alumnos e que depois retribuirão ao Estado maiores benefícios relativamente
ao tempo que assistiram às aulas [...] (ROLFS, 1928, p. 21-22)

Ou seja, P. H. Rolfs tinha plena convicção de que o projeto educativo esaviano


deveria e poderia abarcar progressivamente o maior número de jovens das famílias
residentes em propriedades rurais. Ciente disto, desde cedo trabalhou em prol do
estabelecimento de um elo cultural, ou seja, de uma estreita e harmoniosa relação da
ESAV com os lavradores e fazendeiros do Estado.
Percebe-se, a partir das colocações e argumentações feitas pelo Diretor
(organizador) da ESAV, a marca do ideal liberal republicano, de que perante o Estado
todos os cidadãos são iguais, não há luta de classes, muito menos estratificação social.
Nesse caso da população rural mineira, que todos os seus integrantes fazendeiros,
114

agricultores e trabalhadores teriam direito a um assento escolar nos bancos da Escola de


Viçosa. Evidente que para cada nível social do indivíduo havia uma determinada
modalidade de curso intrínseca a função social a ser desempenhada, ou seja, trata-se do
“dualismo educacional”98.
Na verdade, esta universalização/democratização e flexibilidade da instrução
agrícola moderna, realizada pela ESAV desde os primeiros semestres do funcionamento
de seus cursos, tinha a meta de reorganizar os conhecimentos e valores culturais dos
filhos dos fazendeiros para que estes multiplicassem, em suas regiões, os conhecimentos
modernos de agricultura. Segundo DUTRA (1990):

[...] O perfil do aluno ideal para a escola agrícola, é traçado, tendo por base a
preferência pelo aluno oriundo da classe média e, preferencialmente, de inteligência
média para executar e não interpretar. A pretensão de fazer desse aluno um futuro líder
para trabalhos internos e externos à escola, tem como limite que essa diferença se
atenha ao aspecto técnico. A busca do padrão civilizatório, dessa forma, permanece fiel
ao ideal hierárquico como padrão para o social (DUTRA, 1990, p. 34).

E foi justamente o que se pôde inferir ao se observar a seguinte colocação do Dr.


Rolfs:

Os alumnos do Curso elementar têm geralmente pouco desenvolvimento mental, não


por falta de inteligência, mas por falta de instrucção, e por isso não esperamos que os
moços que terminam o Curso Elementar voltem para a roça fazendeiros perfeitos ou
agricultores peritos em tudo que é pertinente á lavoura. Ficaremos satisfeitos se elles
voltarem ás fazendas em condições de empregar as machinas agrícolas essenciaes,
entender algo da selecção de sementes, saber ler escrever com algum desembaraço e
fazer o trabalho mais simples de contabilidade agrícola. Deverão saber bastante para
realizar e dirigir os trabalhos agrícolas mais communs. O mais importante é que elles
adquiram o desejo de conseguir melhor trabalho nas fazendas e uma aspiração a serem
melhores cidadãos. O Curso Médio é bastante mais difficil. Exigimos para matricula um
preparo igual ao exigido para matricula nos Cursos Superiores, há quarenta annos
passados. Pelo menos 50% dos alumnos presentemente matriculados em nosso curso
Médio têm intelligencia sufficiente para estarem matriculados no Curso Superior hoje,
se tivessem tido as vantagens de boa instrucção quando tinham de 14 a 18 annos de
edade. São os alumnos deste Curso que mais contribuirão para o futuro bem estar do
Estado produzindo os resultados mais immediatos. Os que completam o Curso
Elementar voltarão, na maioria, às propriedades dos seus paes e muito poucos terão
influencia além da vizinhança [...] (ROLFS, 1928, p.20-21).

O americano chegou à seguinte conclusão quanto ao papel dos moços formados

98
Dualismo Educacional –refere-se a existência de um sistema de ensino que visa direcionar um
determinado grupo de indivíduos desprivilegiados socialmente somente ao nível elementar de
instrução, enquanto que para o grupo dominante este sistema educacional promove a elevação cultural
ao maior nível possível.
115

no curso médio da Escola:

[...] Estou certo, entretanto, que alguns dos formados no Curso Médio terão influencia
além dos limites dos seus municípios, tornando-se excellentes fazendeiros, ou talvez
Mestres de Cultura Ambulantes, se houver para estes últimos direcção adequada. Não
sabem tanto quanto devem saber, necessitando voltar de quando em quando á Escola
para beber de novo na fonte de instrucção, ver novos methodos e machinas e discutir
com os professores os problemas e difficuldades que encontram. (ROLFS, 1928, p.21).

Dessa maneira, percebe-se nessa constatação feita pelo organizador da


instituição pesquisada o propósito de criação na ESAV de mecanismos “tanto da
formação de quadros dirigentes quanto do adestramento da força de trabalho” do meio
rural. Quadros dirigentes estes que dada as suas limitações intelectuais, no que tange à
evolução dos conhecimentos técnicos da agricultura moderna, deveriam sempre
estabelecer estreito contato com a Escola. Esta era mais uma estratégia do
estabelecimento para solidificar ainda mais o elo técnico e cultural da profissionalização
esaviana com a realidade da população rural mineira. Com esta diretriz pedagógica, a
Escola de Viçosa criava mais um produto nobre em MG: o ex-aluno.99
Vale ressaltar que, do corpo documental consultado e analisado, pôde-se
constatar no bojo do projeto educativo de “melhoramento” técnico, moral e mental do
homem100 oriundo da lavoura mineira, dois princípios básicos na profissionalização
esaviana:
• A educação do esaviano, calcada numa moralidade cívica, patriótica101
higienista e de educação para o trabalho.
• A utilização de métodos e técnicas modernas para a renovação do campo.
Dentre estes métodos, destacam-se a mecanização agrícola e a diversificação
das culturas.
Deste modo, no próximo item do trabalho será destacado o tipo de pedagogia
“forjada” na ESAV e como o ensino agrícola da Escola deu suporte material para a
configuração e desenvolvimento do processo de modernização da agricultura do Estado

99
Cabe notar a inexistência de estudos que apontam e analisam a trajetória dos ex-alunos da ESAV, atual
Universidade Federal de Viçosa (UFV) constituindo-se assim numa lucuna de pesquisa no campo da
História da Educação mineira. Principalmente porque “[...] Viçosa foi o celeiro de uma intelligentsia
agronômica que ganharia espaço tanto na administração publica, estadual e federal, quanto no setor
privado, sem falar naturalmente da própria área acadêmica”. (DULCI, 1999, 52).
100
Fosse este homem: trabalhador rural, fazendeiro ou filho de grande, médio ou pequeno agricultor.
101
Deve-se entender por moralidade patriótica no sentido de amor incondicional à terra.
116

através da formação daqueles esavianos que deveriam ser os leaders (líderes) em


agricultura do Estado, no período em estudo.

3.3 A Pedagogia do campo: ensino teórico prático, utilitarista e de tempo


integral

Desde a edição do decreto governamental, que permitiu a criação da ESAV o


Estado concebeu a Escola enquanto uma instituição voltada para “ministrar o ensino
prático e theorico de Agricultura e Veterinária” e realizar estudos experimentais que
concorressem para o desenvolvimento destas ciências em Minas Gerais. O principal
“alvo” da Escola era promover a renovação do campo em duas perspectivas: técnica e
sociocultural.
Por isto, conforme dito anteriormente, foi eleito por P.H. Rolfs um tipo de
produtor ideal: o produtor moderno, pois, tanto para a elite agrária quanto para os
dirigentes da Escola o maior obstáculo para o desenvolvimento da agricultura estadual
eram os métodos arcaicos utilizados pelos “caipiras102 mineiros”, isto é, pelos
trabalhadores rurais. Estes métodos eram classificados como atrasados e anti-
econômicos, por serem resistentes aos avanços da ciência agrícola moderna.
O próprio Arthur Bernardes, mentor da instituição se pronunciou sobre esta
questão do empirismo agrícolas:

Creei esta Escola Superior de Agricultura e Veterinária com o alto objectivo de abolir
o empirismo agrícola, a que tantos mineiros consagravam suas energias, no amanho
diuturno da terra como na creação e pastoreio dos seus rebanhos. Tendo me cabido a
fortuna de creal-a como Presidente de Minas e tendo tido a satisfação de assistir, como
Presidente da República, à sua inauguração official, regosijo-me ao vê-la, hoje, em
pleno funccionamento e já despertando novos estímulos nas gerações moças,
empenhadas, agora, numa actividade racional e scientifica, que há de conduzi-las a
maior e mais fácil prosperidade (BERNARDES, 1929, [s/p]).

Então, diante desta tarefa de superar as técnicas e métodos agrícolas rotineiros


dos produtores de MG, a ESAV traçou em seus cursos de estudo um programa de
ensino totalmente voltado para atender às necessidades agrícolas do Estado.

102
“[...] A cultura do caipira, como a do primitivo, não foi feita para o progresso: a sua mudança é o seu
fim, porque está baseada em tipos tão precários de ajustamento ecológico e social, que a alteração destes
provoca a derrocada as formas de cultura por eles condicionada” (CANDIDO, 1997, p.82).
117

Dessa maneira, esteve a Escola lançando nos solos férteis de Minas Gerais os
principais difusores do novo paradigma de agricultor moderno, os seus próprios alunos,
que seriam formados intelectualmente103 para serem os leaders (líderes) na agricultura
no Estado, ou seja, os líderes do projeto de modernização do campo.
Assim, competia ao quadro discente da instituição difundir entre os fazendeiros
e operários rurais as técnicas, idéias e valores preconizados pelo ensino agrícola
moderno proposto por Rolfs, uma vez que se esperava superar no trabalhador rural
mineiro a figura de um brasileiro doente e indolente, apático e contrário à introdução da
ciência no campo – Jeca tatu104.
Contudo, para melhor compreensão do leitor sobre a concepção pedagógica

103
O termo intelectual aqui deve ser entendido conforme a visão de Gramsci (1989) em que os
intelectuais são entendidos como um grupo social autônomo, porém com uma função social de “porta-
vozes” dos grupos ligados ao sistema produtivo, isto é, ao “mundo da produção”.

104
O Jeca Tatu é um personagem criado pelo escritor Monteiro Lobato que “[...] veio à luz num dos
contos do livro Urupês, de 1918, e no ano seguinte, em Idéias de Jeca Tatu, firmou-se como símbolo de
uma brasilidade caipira, preguiçosa, indolente e acocorada no chão de terra de seu casebre de sapé, e
provocou muitas reações no imaginário da sociedade e da cultura nacionais [...] no primeiro quarto do
século XX, passa a explicar o nosso Jeca como produto do meio físico e social: verminose, subnutrição,
analfabetismo e descaso das autoridades compõem o drama de sua indolência, de sua resignação, de sua
entrega ao destino dos derrotados, de sua desistência de quaisquer futuros. Tudo isso dele, Jeca Tatu, e do
brasileiro, em geral, cujas condições de vida era preciso mudar com urgência” (VOGT, 2004, p.1). Para
LAJOLO (2004, p. 1-2): “[...] A história do Jeca Tatu relaciona-se com a biografia de Lobato. Segundo
seus biógrafos, em 1911 ele herda uma fazenda de seu avô – a fazenda Buquira, no Vale do Paraíba (SP)
– tornando-se fazendeiro. Pelo que se sabe, um fazendeiro cheio de idéias modernas, disposto a
modernizar agricultura e pecuária. Tropeça, no entanto, em práticas muito arraigadas do camponês
brasileiro. Desentende-se com o capataz, fica bravo, despede empregados. E, em uma carta ao jornal O
Estado de S. Paulo, cria uma figura desqualificada (que viria a ser o Jeca Tatu) para representar o caipira.
Essas cartas foram publicadas com tanto destaque no jornal, que ganharam status de artigo, ambos
publicados em 1914: Velha Praga em 12 de novembro e Urupês em 23 de dezembro. O sucesso foi tão
grande que, quando Lobato publica seu primeiro livro de contos, em 1918, dá a ele o nome Urupês [...]
Num primeiro momento, Monteiro Lobato responsabiliza o Jeca – o camponês, o trabalhador rural, o
“sem terra”, na linguagem de hoje – pelos problemas da agricultura. Considera-o preguiçoso demais para
promover as necessárias mudanças na agricultura e no seu (dele, Jeca) modus vivendi. Nesse momento,
Lobato é implacável na desqualificação de toda a cultura caipira, de suas manifestações artísticas à sua
linguagem e às suas práticas econômicas. Um pouco depois, no final dos anos 1910 e no bojo das
campanhas sanitaristas, Lobato muda sua análise do problema: o Jeca não é mais réu, porém vítima, é a
precariedade da saúde pública brasileira – da qual sofre as conseqüências, representadas, por exemplo,
pelo impaludismo e pela verminose. É nesse momento que Lobato se envolve em campanhas de saúde
pública. E finalmente, vinte anos depois, nos anos 40, no livreto Zé Brasil, Lobato aproxima-se mais uma
vez da cultura caipira, articulando-a a questões econômicas: o Jeca – agora rebatizado de Zé Brasil, numa
renomeação bastante sugestiva – é pouco produtivo porque não é dono da terra em que trabalha. Ou seja,
o Jeca não é preguiçoso, nem doente, mas sim vítima do latifúndio brasileiro. Vale a pena assinalar que
essa última versão do Jeca coincide com a aproximação do escritor com o Partido Comunista Brasileiro
(PCB). Para um estudo da evolução do personagem Jeca Tatu na obra de Monteiro Lobato ver LAJOLO
(1983, p. 101-105).
118

engendrada na ESAV serão sumariamente analisados aqui dois eixos que nortearam a
pedagogia do campo, são eles: o método de ensino e o tipo ideal de professor para atuar
na Escola.

3.3.1 Método de Ensino

Duas expressões podem ser utilizadas para melhor explicitar as premissas que
fundamentaram o saber esaviano: “ciência e prática” e “aprender fazendo”, o que
significava a união do conhecimento científico de agricultura com a prática aliada a
teoria na medida certa. Assim era preconizada a profissionalização na Escola de Viçosa
no período analisado.
E quem explica a relação destes pressupostos com o ensino esaviano é o próprio
organizador técnico da Escola:

[...] Quasi todos os estabelecimentos de ensino agrícola que se encontram funccionando


presentemente neste paiz, são apenas um agrupamento de vários departamentos (que
frequentemente são excellentes), dando instrucção nas sciencias, cada estudo mais ou
menos separado e geralmente sem qualquer relação com a agricultura. O Departamento
de Botânica visa formar bons Botanicos, o Departamento de Chimica formar bons
Chimicos e assim por diante. Estes vários departamentos raramente se preocupam com a
idéia de ensinar a parte da sciencia relacionada com a agricultura pratica, ou o que há de
mais moderno quanto a agricultura. Hoje em dia encontramos milhares de livros
excellentes sobre agricultura e as varias sciencias com ella relacionadas. É verdade que
quase todos elles são em língua estrangeira, porém, mesmo assim, há muito pouca razão
em se desperdiçar durante mezes ou até annos o tempo dos alumnos de agricultura em
aprender matéria que não se applicará na sua profissão [...] Os fundamentos das
sciencias são os mesmos para todas as profissões, porém, a sua applicação á agricultura
differe radicalmente da sua applicação ás outras industrias. Em verdade, a agricultura
constitue um modo de vida, - em pensamento, em maneira de viver, de agir, o
fazendeiro differe dos homens de outras actividades de vida [...] (ROLFS, 1928, p.23-
24).

Assim, Rolfs explicava que havia a necessidade de uma “unidade pedagógica”


entre os departamentos de ensino de uma Escola agrícola. Pois, caso contrário esta
dicotomia entre os saberes científicos só conseguiriam formar bons químicos, bons
botânicos e consequentemente não contribuiria com uma formação integral dos
profissionais em agricultura, já que neste campo da instrução profissional o principal
objeto de estudo tinha de ser a agricultura. Desse modo, os demais saberes deveriam
complementar a formação técnica do aluno, mas sem prejudicar a aprendizagem central
da instituição. Trata-se da união entre teoria e prática na medida certa.
Diante disto é que, desde cedo, optou-se na Escola de Viçosa por organizar as
119

disciplinas dos cursos esavianos em quinze (15) departamentos de ensino: Agronomia,


Zootecnia, Horticultura e Pomicultura, Fitopatologia e Entomologia Econômica, Solos e
Adubos, Silvicultura, Química, Engenharia Rural, Anatomia, Microbiologia e
Parasitologia, Fisiologia, Clinica Veterinária, Cirurgia Veterinária, Matemática e
Contabilidade Agrícola e Economia e Legislação Rurais.

Pela enumeração dos departamentos verifica-se que somente os dois últimos não são
propriamente technicos; todos os demais tem influencia directa sobre a agricultura ou
veterinária. É sensível a falta de cadeiras de estudos de sciencias puras; não quer isto
dizer que não sejam estas ensinadas; as partes que forem essenciais para o ensino
agrícola foram distribuídas pelos Departamentos em que são mais proximamente
relacionadas. Houve a maior preocupação em se poupar o esforço dos alumnos para
applical-os nos estudos de influencia directa sobre os campos. (LISBÔA, 1928, p. 14 ).

Toda esta preocupação didática dos dirigentes da instituição estava ligada ao


objetivo de não transformar a profissionalização promovida na Escola numa educação
livresca ou bacharelesca. A exigência da instrução agrícola de ser sempre teórica e
prática denota a intenção da ESAV de não se afastar, em momento algum, daqueles que
eram considerados os principais produtores da riqueza do Estado, os fazendeiros
mineiros. Isto porque os agricultores teriam rejeição aos novos métodos propagados
pela Escola de Viçosa se os mesmos não tivessem cunho essencialmente prático e
condizente com a realidade da agricultura mineira.
Daí a seguinte colocação do cientista norte-americano:

Devemos sempre lembrar que em uma Escola de Agricultura, é a Agricultura que deve
occupar o logar de importância no programma. Sendo o tempo dos alumnos
principalmente occupado com o estudo de Historia, línguas, mathematica, sciencias
naturaes, chimica, physica, etc., não formará bons fazendeiros. Scientistas excellentes
poderão ser produzidos, se a instrucção for bem feita, mas em Escola de Agricultura
devemos visar principalmente produzir os agricultores de que o Brasil tanto carece. Não
digo que qualquer dos estudos referidos acima não seja excellente ou que todos elles,
não devem fazer parte dos programmas das Escolas de Agricultura, mas sim que os
annos que os nossos moços podem dedicar ao estudo da agricultura são
demasiadamente curtos para que possam estudar bem as matérias que lhe serão
indispensáveis na vida futura (ROLFS, 1928, p. 24-25).

Por esta razão é que o primeiro corpo discente da Escola fora composto sem
retirar os alunos de outros estabelecimentos de ensino, já que eram oriundos das
propriedades agrícolas quase todos filhos de agricultores e criadores “[...] intelligentes,
trabalhadores e muito interessados nos methodos modernos de producção” (MELLO,
120

1927, p. 63).
No entanto, não bastava aos moços matriculados na ESAV apenas serem filhos
de produtores rurais. Pois, os alunos deveriam conhecer a profissão que haviam
“abraçado”, gostar e deter o máximo interesse pela agricultura em geral, visto que
quando se tornassem profissionais deveriam estar preparados para engrandecer a
economia do Estado de Minas Gerais. É justamente sobre estas características
necessárias ao aluno esaviano que o professor de agronomia, da primeira turma do
ensino elementar e médio, escreveu em relatório à Secretaria de Agricultura do Estado:

Para que um homem alcance sucesso na sua profissão são necessarias duas coisas: 1)
que elle goste e tenha o maximo interesse, e, 2) que conheça bem a profissão que
abraçou. Sobre o primeiro ponto muito fiz e com bastante prazer posso dizer que
consegui interessar a maioria dos alumnos na vida agrícola, mostrando-lhes os encantos
da roça. Sobre o segundo ponto, fiz-lhes ver a necessidade que cada um tem de conhcer
bem a sua carreira e que, ao sahirem formados desta Escola, é dever de cada um saber
produzir. Outro ponto que muito frizei, foi sobre o trabalho com as machinas agrícolas,
provando que, enquanto não empregarmos os processos modernos e scientificos de
trabalhar na lavoura, não poderemos produzir muito, não estaremos aptos, portanto, a
concorrer com as nações que produzem muito e economicamente, empregando
machinas. É o custo de producção por unidade que mata a nossa producção agrícola.
Demonstrei aos alumnos frequentemente, com estatísticaas, quanto um homem é capaz
de produzir com machinas, e pelo processo rotineiro. Ninguém gosta de trabalhar na
roça pelo método rotineiro, mas todos gostam de trabalhr com as machinas modernas,
trabalho esse muito mais suave e agradável [...] (MELLO, 1927, p. 63-64).

Dessa forma, além de traçar um perfil para o discente da ESAV o professor


Diogo Alves de Mello, em plena sintonia com o paradigma do farmer (fazendeiro)
norte-americano, incutia na mente dos alunos que o único meio de colocar a economia
mineira no compasso do desenvolvimento econômico era disseminar a utilização das
máquinas agrícolas no campo.
Vale aqui lembrar outro condicionante histórico importante, qual seja, a
modernização agrícola calcada na audaciosa estratégia de diversificação produtiva de
que Viçosa constituiu um marco. Daí se pregar nesta Escola o método de ensino
calcado no “aprender fazendo”. O seu corpo discente era constantemente submetido às
aulas práticas com as máquinas agrícolas necessárias para uma lavoura científica e
moderna, como: “[...] vários typos de arados, de grades, de semeadeiras, de
cultivadores, e um tractor ‘fordson’, com arado e grade de discos’ (MELLO, 1927, p.
64). Mas, como era desenvolvido a metodologia do “aprender fazendo” na instituição?
Segundo Rolfs (1927, p. 87):
121

[...] Aqui, os alumnos abrem buracos, aram a terra, fazem limpeza dos estábulos, e
muitos outros serviços de natureza elementar. Nós esperamos que, na vida pratica, elles
não terão de fazer estes mesmos serviços. Porém, todo trabalho tem um modo mais
eficiente para ser feito. Sómente com pratica, podem os alumnos apprender os meios
melhores, e, por conseguinte, ser mestres do assumpoto, para poderem depois ensinar
aos seus empregados os serviços, e exigir dos empregados, que sejam elles feitos
efficientemente. É só fazendo, que podem apprender verdadeiramente como se deve
fazer (ROLFS, 1927, p. 87).

Do método pode-se inferir que a aula prática não se limitava à observação de


demonstrações. Era preciso acima de tudo fazer, trabalhar o tempo todo, conhecer a
prática profissional e gostar do trabalho rural. Nota-se que a proposta pedagógica da
Escola era fiel “ao ideal hierárquico como padrão para o social”, já que os esavianos
deveriam aprender, na prática, os métodos e técnicas a serem utilizadas numa fazenda
moderna, a fim de no futuro saberem instruir seus empregados ou subordinados sobre a
melhor maneira de trabalhar. Isto sucedia porque, para ensinar os futuros produtores
rurais do Estado, deveriam primeiro saber como fazer.
Cabe ressaltar que todas as atividades da instituição ocorriam em tempo integral
(full time), por isto a ESAV funcionava em regime de internato, semi-internato e
externato. De acordo com seu Regulamento de 1927:

Art. 34. No internato será adotado o regimen de responsabilidade pessoal do alumnos,


que serão grupados, no maximo até cinco em cada apartamento.
Art. 35. O semi-internato destina-se aos alumnos que desejarem passar o dia na Escola,
com direito a almoço, merenda e jantar.
Art. 36. O externato ficará quanto à residência, sujeito á vigilância da Diretoria da
Escola, que poderá exigir a mudança de residência de alumnos, por motivo de hygiene
ou moralidade. (REGULAMENTO DA ESAV DE 1927, p. 48).

Pioneira no oferecimento de moradia105 aos seus estudantes a Escola de Viçosa


associou, desde o primeiro semestre letivo, as suas aulas alicerçadas na ciência moderna
e na experimentação à disciplina:

105
A ESAV ofereceu moradia estudantil desde os primeiros tempos da instituição, pois mesmo “[...] não
estando ainda o dormitório em condições de receber alumnos, foram aproveitados alguns dos commodos
do porão do prédio principal como quartos. Esta providencia reconhecemos era muito longe de ser a ideal,
especialmente quanto á disciplina. Não era absolutamente aconselhável utilizar-se, como dormitório
permanente, o porão do prédio. Porém, por motivo da vigilância especial por parte da Directoria, bem
como a cooperação do medico, não tivemos nenhuma difficuldade quanto á saúde dos alumnos. A
disciplina também se manteve como rigor, tendo sido registrados poucos casos de infracções serias [...]”
(ROLFS, 1927, [s/p]). Vale ressaltar que as duas primeiras seções do prédio destinado a hospedagem dos
estudantes esavianos foram inauguradas a 26 de junho de 1928 com a presença de inúmeras autoridades
do Estado, do governo federal, local e da Igreja. Fonte: LISBÔA (1929, p.4).
122

[...] baseada na responsabilidade pessoal dos alumnos, orientada de modo a se


despertar ou desenvolver em cada um o sentimento do bom proceder por força do
caracter, sem temores e sem constrangimento, evitando a todo transe rebaixar os
alumnos, mas eleval-os, combatendo com rigor o fingimento e a hypocrisia, que
tantos males fazem aos internatos [...] (LISBÔA, 1927, p. 42).

Tratava-se da edificação da moralidade do esaviano, visto que a ênfase na


educação pelo caráter e não pela força denota o ideário da moderna pedagogia
concebida na Escola de Viçosa. Reflexo da “Pedagogia Escola Novista” pregada na
Europa e Estados Unidos (Pragmatismo106 de John Dewey). Ideário este que já
sinalizava o contraponto da formação esaviana no que tange aos métodos tradicionais
do ensino brasileiro da época, muito conhecido pela instrução voltada para os estudos
clássicos, enciclopédicos e pelos castigos físicos.
Ao contrário do que imperava nos internatos brasileiros, adotou-se o regime
de cooperação, onde cada estudante era senhor de si, e devia reconhecer o próprio
dever, saber usar seus direitos e primar pela sintonia da coletividade. Havia, na verdade,
uma espécie de “autogoverno”, já que todo mês era escolhido um aluno interno, de cada
sessão do alojamento, para participar do “conselho de disciplina”. Este conselho
contava também com a participação de um professor nomeado pelo diretor.
De acordo com o ex-aluno do curso de agronomia da ESAV, Antonio
Secundino de São José:

O sistema de internato para rapazes era uma cousa nova no País. Outras escolas
tinham-no experimentado antes, abandonando-o por insucesso. Desse modo, os
dirigentes da Escola se esforçavam por estabelecer um regime capaz de fazer um
sucesso do nosso sistema de internato, todo ele, como o é ainda hoje, baseado no
princípio da responsabilidade pessoal. Para isso, era necessário que a disciplina
fosse rígida, observada de perto. E era-o, sem a menor sobra de dúvida [...] (ESAV,
1939, [s/p]).

Logo, se deduziu que, para a direção da Escola, a questão da formação


técnica era indissociável à formação moral. Pois, além do regime de responsabilidade
pessoal que marcou a administração do internato, foi criada também na instituição “[...]
uma reunião geral dos alumnos, de curta duração, com o fito de lhes serem ministrados

106
Segundo COMETTI (2005, p.76): “O pragmatismo baseia-se na insistência sobre a prática, sobre a
atividade experimental, rejeitando a dualidade do materialismo clássico e das limitações do materialismo,
abriu caminho para o desenvolvimento de uma teoria da mente e da natureza, através da ciência
experimental, a qual propõe uma nova interpretação da natureza e um novo critério para o pensamento
reflexivo. Foi dentro desta perspectiva pragmatista que a ciência utilitária se desenvolveu na Escola (Lê-
se ESAV) [...]”.
123

instrucções de ordem moral, cívica e higiênica” (REGULAMENTO DA ESAV DE


1927, p. 52).
Tais reuniões ocorriam no salão nobre do Edifício principal da ESAV, eram
sempre curtas, com média de quinze a vinte minutos de duração “e de natureza prática”.
Inclusive, realizava-se até uma prova escrita sobre o conteúdo das palestras dadas
nessas reuniões, a fim de garantir a atenção e efetivar a participação dos alunos. A partir
de 1928, as reuniões gerais passaram a ocorrer diariamente, de segunda-feira a sábado,
sempre das 10:00 horas às 10:30. Cada professor ficava responsável por um
determinado assunto da temática geral (moral, civismo e higiene), sendo que os
estudantes tinham lugar marcada no salão, isto é, o esaviano “passava a ter” um assento
fixo para todas as reuniões. Tal estratégia almejava coibir a falta proposital dos alunos,
além de expressar o autoritarismo presente nesta proposta modernizadora de ensino.
Buscava-se, assim, cada vez mais um padrão ideal para a conduta do
esaviano, uma vez que:

As reuniões gerais constituir-se-ão num dos principais recursos pedagógicos


utilizados na instituição, para concretizar o projeto de educação integral concebido,
através da inculcação massiva de valores morais, cívicos e higienistas. Mais que
isso, seu formato de organização, o esquadrinhamento do espaço, com a definição
do assento fixo de todos os participantes [...] indicam e demarcam as posições de
autoridade, dos detentores do saber e do poder no estabelecimento, explicitando e
reforçando a visibilidade e a capilaridade do poder disciplinar instituído
(AZEVEDO, 2005, p. 156).

Na verdade, as reuniões gerais eram, na ESAV, uma espécie de instrumento


pedagógico destinado a “formar107” a “alma” do esaviano. Assim, eles estariam
preparados para liderar a modernização do campo pretendida pelo estado e pela elite
agrária mineira dos anos 1920.
Vale lembrar que estas reuniões se parecem muito com aquelas reuniões108
semanais com os encarregados de obras instituídas por Bello Lisboa, quando ele
chefiou a Comissão de Construção da Escola. Estas reuniões destinavam-se a incutir
uma gama de valores morais, cívicos e de higiene voltados para a “edificação” de um
bom trabalhador, saudável, honesto e disciplinado para o trabalho. Segundo AZEVEDO
(2005, p. 156-157):

107
Conforme o sentido de formar almas do autor CARVALHO (1998).
108
Para saber mais sobre esse assunto ver capítulo II do presente trabalho.
124

Ao que se parece, a sugestão da reunião geral partiu do então vice-diretor da


ESAV, que era o responsável pela disciplina e pela área de recursos humanos do
estabelecimento, dede dezembro de 1922, quando assumiu o cargo de Engenheiro-
chefe das obras de construção da Escola [...]

Enfim, o método de ensino forjado na ESAV, além de ter colocado os seus


alunos em estreito contato com a rotina de trabalho do mundo rural, através da
participação dos esavianos em todas as atividades práticas de manuseio de máquinas e
instrumentos agrícolas, pesquisas e experimentos109 realizados nos laboratórios e na
fazenda da Escola, conseguiu incutir na mente de cada um os valores, atitudes e idéias
necessárias à “construção” do tipo ideal de produtor rural estabelecido por Rolfs na
instituição: o produtor moderno.
E P. H. Rolfs não perdeu a oportunidade para registrar o sucesso da
pedagogia do campo estruturada na Escola de Viçosa, quando afirmou o seguinte:

Ao iniciar os trabalhos em Minas, fui seguramente informado por muitos dos


‘leaders’ em educação que os jovens Mineiros não acceitariam a forma americana
de instrucção agrícola, que elles teriam vergonha de sujar as mãos tocando em
arados e outras machinas agrícolas. Tenho a máxima satisfação em dizer-vos que é
exactamente o contrario o que se tem dado com os nossos alumnos; elles preferem
as aulas práticas nos campos às aulas theoricas. É signal disso o facto de termos
tido sempre candidatos em numero superior à capacidade da matricula, que vae se
elevando gradativamente de accordo com as possibilidade do Estabelecimento
(ROLFS, 1928, p. 14).

Este indício de sucesso da metodologia de ensino utilizada na instituição


também denota outro ponto importante que foi muito bem trabalhado por P. H. Rolfs e
seus sucessores: o tipo ideal de professor para atuar na Escola.

3.3.2 O Tipo ideal do professor esaviano

Para os dirigentes da Escola um bom professor deveria ter a formação


acadêmica necessária, experiência profissional e boa conduta social. Além destas três
qualidades básicas, o docente da ESAV deveria dedicação exclusiva, pois, segundo
Rolfs (1925, p. 19-20):

109
Vale ressaltar que, professores e alunos realizavam campos de experimentos no plantio e colheita de
algodão, bata doce para rama, capim elefante, capim imperial, milho catete, milho cristal e suas pragas,
entre outras espécies de milho e arroz, etc.
125

Um ‘professor’ pode ser defenido como sendo uma pessoa que dedica todo seu
tempo ao ensino na Escola. Si uma pessoa tem negócios privados ou profissionaes,
fóra do ensino ( o que é muito prejudicial á Escola), ella é somente professor em
parte do tempo. Estes professores são os mais caros e os que dão piores resultados
nas Escolas porque geralmente consideram os ordenados pagos, como sendo um
‘honorarium’ que lhes é devido pelo Estado ou nação. Deste modo ligam pouco
interesse na cooperação com a Escola, ou para o seu adiantamento. Na América do
Norte, muitos professores, alem do ensino nas Escolas Agrícolas, condusem
pesquizas nas Estações Experimentaes. Todo o tempo, entretanto, é empregado no
estabelecimento. Este modo tem provado satisfatório. Outros professores nestas
instituições, são auxiliares do ‘Extension Work’. Isto também, tem sido mais ou
menos satisfactorio. De modo geral, pode ser dito que um professor muito bem
habilitado, divide sem tempo entre o ensino e trabalhos privados ou profissionaes
fóra do estabelecimento, é menos desejável do que um professor mediano, que
dedica todo seu tempo e attenção para o desenvolvimento e melhoramento da
Escola.

A busca por este tipo de profissional para atuar na Escola extrapolava os


limites dos oceanos, uma vez que P.H. Rolfs recrutava os futuros professores esavianos
nas universidades e instituições de pesquisa de seu país de origem, os Estados Unidos.
Apesar de longos, os trechos da carta110 enviada por Rolfs a Bello Lisboa111 retratam o
processo de “investigação” que era realizado pelo cientista norte-americano, mesmo
quando ele já não ocupava mais a cadeira de diretor da Escola.

Caro Dr. Lisboa:


Acabo de retornar de uma extensa viagem completamente voltada aos interesses da
Escola. Primeiramente fui à Atlanta onde há um jovem canadense que parece
especialmente indicado para ocupar a cadeira de Zootecnia. [...] Depois fui a
Washington onde fiz algumas pesquisas e procurei por um homem que certamente
irá realizar bons trabalhos no Brazil. Entre outros, ouvi falar sobre um jovem de
nome Hambleton (E. J.). Conheci seu irmão que é chefe da Seção de Apicultura no
Governo Federal. A Apicultura tem sido bem mais desenvolvida do que qualquer
outra cultura. Solicitei ao Sr. Hambleton para entrar em contato com seu irmão e
tentar descobrir se o jovem rapaz estaria de fato interessado em ir para o Brasil. [...]
O jovem rapaz é graduado pela Universidade de Ohio, mestre pela Universidade
Cornell e atualmente está cursando o doutorado. Ele é especialista em aracnídeos.
Ele tem 28 anos e se formou em 1926. Como viveram a vida toda em uma fazenda
ele e sua esposa estão perfeitamente familiarizados com o campo e com as suas
dificuldades que podem encontrar. Ele ainda tem grande facilidade para lidar com o
trabalho prático no controle de insetos, o que tem aprendido com a experiência
atual. Este ano ele trabalhou com uma dúzia ou mais de pomares no Condado de
Niágara, onde fiscaliza se as misturas borrifadas estão bem preparadas, se estão
sendo aplicadas ao tempo certo, averiguando os resultados. Por isso notamos que

110
Não se sabe ao certo, mas presume-se que a referida carta data de setembro de 1929, quando o
professor viajava pelos EUA. Inclusive consta no Livro de Formatura “ESAV 1939” que Bello Lisboa
havia solicitado a P.H. Rolfs que contratasse três professores para a Escola, nas áreas de zootecnia,
entomologia e fitopatologia, as mesmas dos candidatos entrevistados pelo norte-americano.
111
Na época da referida carta Bello Lisboa já ocupava o cargo de Diretor da ESAV e P.H. Rolfs de
Consultor Técnico em Agricultura do Estado de Minas Gerais.
126

ele vem trabalhando com problemas práticos no controle de insetos. Ele ainda é
muito bom em entomologia prática, especialmente na classificação de insetos. Teve
ainda experiências como professor. Dentre todos eu acho que ele é o homem mais
bem preparado em entomologia que eu conheci. Dr. Phillips, chefe da disciplina de
apicultura na Universidade de Cornell me disse que Hambleton foi ótimo aluno nos
estudos práticos de apicultura. Eu o questionei sobre o fato de conseguirmos
equipamentos modernos para este trabalho, já que deveríamos levá-lo conosco
quando embarcarmos. O Sr. A. S. Muller, muito embora seu nome seja alemão, se
parece muito com um norte americano e eu imagino que seus antepassados já
estejam morando neste país a muito tempo. Ele acaba de completar três anos em
Porto Rico, onde esteve envolvido com fitopatologia. Seu interesse em Porto Rico
concentra-se nas doenças do café. Todas as colheitas de café neste país são muito
similares às do Brasil, especialmente as do estado de Minas Gerais. Eu fiquei muito
contente no caso do Sr. Muller, pois se eu o tivesse visitado dois dias depois ele
teria assinado contrato de trabalho com Porto Rico para um retorno de mais três
anos. Entretanto ele estava muito atraído pela possibilidade do Brasil oferecê-lo um
cargo como chefe do Departamento e assim, maior área de atuação. Ele tem feito
um bom trabalho em Porto Rico e gostaria de ter voltado para terminar alguns
trabalhos já iniciados. O tipo de ensinamento que ele tem desenvolvido vai na linha
daquele que nós precisamos em Minas Gerais. Já que seu trabalho prático em
fitopatologia tem se voltado para o plantio do café, não será difícil para ele se
adaptar com as práticas dos fazendeiros em Minas. Ele é graduado e mestre pela
Universidade de Cornell. No momento está arcando com as despesas de sua irmã
com a Universidade. Por isso já vemos que o Sr. Muller é um homem que pensa no
conforto e no avanço dos outros. Ele gosta muito de tênis e eu espero que você
tenha um número de quadras prontas para que ele possa dar aos alunos alguma
instrução neste esporte. Ele tem se exposto ao sol por tanto tempo que se está se
parecendo com o filho de um “caipira”. Ele teve três anos de experiência com o
espanhol se tornando fluente. Com um pouco de prática ele irá, sem sombra de
dúvidas, estar preparado para se fazer entender pelos estudantes brasileiros. Eu
disse ao Sr. Muller que observasse a questão dos aparatos científicos que irão
permitir ao seu Departamento realizar trabalhos de pesquisa. Ao tempo certo você
receberá mesas, cadeiras, conexões de gás e outras coisas em nome do laboratório
de Fitopatologia. O Sr. A.O. Rhoad, graduado pela Pennsylvania, é mestre em
laticínios pela Universidade de Cornell. Ele pertence a uma tradicional família
alemã da Pennsylvania, tendo nascido e crescido em uma fazenda. No presente
momento ele ministra aulas de reprodução animal na Cornell. Ele é especializado
no trato de derivados do leite, principalmente manteiga e queijo. Tem considerável
experiência com cooperativas de leite. Também teve experiência no manejo de aves
e se ele for mesmo trabalhar conosco poderá nos fornecer parte da criação avícola
do Departamento da Universidade onde trabalha. A instituição tem uma das
melhores criações avícolas dos Estados Unidos. O fato de ser professor na Cornell
já é uma garantia de que ele é um homem muito bom. Foi muito bem instruído
tomando conta da parte de reprodução animal e se especializando em nutrição
animal. Eu expliquei a ele que nós precisamos de um zootecnista para planejar a
questão da nutrição animal e também o uso dela. Ele me falou sobre as freqüentes
dificuldades encontradas no trabalho quando a alimentação animal destinada ao
Departamento de Zootecnia é de responsabilidade de outros Departamentos. Como
ele não tem experiência em países tropicais terá que se acostumar ao tipo de
colheita. Milho, sorgo, e outras culturas como estas são comuns a ele, mas cana
japonesa, capim elefante e várias outras ele não conhece. Ele ainda tem vasta
experiência na construção e abastecimento de silos. Provavelmente ele ajudou a
enchê-los ou mesmo coordenou tal processo antes de ir para a Universidade. Eu
estive conversando com ele a respeito de qual o tipo de silo recomendado e sobre a
possibilidade de construirmos um em Viçosa. Depois de pensarmos sob a ótica de
127

vários pontos de vista, e levando em consideração as dificuldades que encontramos


em Viçosa, finalmente concluímos que um silo de concreto e tijolos seria o mais
prático. Eu pedi ao Sr. Rhoad para conseguir um modelo para fazermos os blocos
de concreto. A Escola tem sorte de podermos contar com homens tão bem
preparados nas suas diferentes áreas de atuação. Eles tiveram não só cursos de
preparação intensiva, mas também uma vasta experiência prática, sendo bem
sucedidos em diferentes situações. O mais importante é que eles têm uma forma
correta de ver o trabalho que executam. Seus superiores são pessoas que treinaram
uma centena, ou mesmo milhares de jovens rapazes. E estes profissionais estiveram
longe da Universidade o bastante para mostrarem que podem obter sucesso
profissional mesmo longe de seus professores [...]112 (ROLFS, 1929).

Desta forma, nota-se que a formação, a experiência profissional e a conduta


moral de cada professor eram características indispensáveis para o docente esaviano.
Este padrão de qualidade exigido pelos dirigentes da Escola estava em prefeita sintonia
com a concepção pedagógica da ESAV.
Logo se entende por que até o comportamento individual do profissional era
exaustivamente investigado e analisado, pois eram os professores junto à direção que
formavam moralmente e intelectualmente os futuros líderes em agricultura de MG.
Logicamente, um profissional de baixo nível técnico e com má conduta pessoal jamais
estaria apto a trabalhar numa instituição como a Escola de Viçosa, cuja palavra de
ordem era “aprender fazendo” e educar pela edificação do bom caráter.

3.4 A pesquisa utilitária e a extensão rural

Deve-se ressaltar que, na ESAV, todas as atividades eram de caráter


utilitário e deviam sempre estar condizentes com as necessidades da agricultura mineira.
Por isso, foi incorporado no Regulamento da Escola que:

Art. 141 Nos Departamentos adequados da Escola se realizarão experiências sobre


plantas e animaes, estudos e pesquisas originarias com o fim de se descobrirem
verdade básicas uteias á agricultura e á pecuária do Estado e se produzirem novas
espécies e variedades com valor econômico.
Art. 142. Nos Departamentos adequados da Escola serão feitas demonstrações,
visando a propagação de novas culturas, de methodos modernos de agricultura e
tratamento e criação racionaes de animaes domésticos.
Art. 143. Na fazenda da Escola serão feitas culturas em grande escala, sendo
cuidadosamente observada a parte econômica, com o fim de serem induzidos os
lavradores do Estado a applicar os métodos ensinados pela Escola.
Art. 144. Os trabalhos de acclimação de plantas e animaes se realizarão nos
Departamentos competentes e visam a introducção de plantas e animaes

112
A carta em inglês encontra-se na íntegra em anexo “A”. A carta foi traduzida por Thiago Enes.
128

considerados adaptáveis às condições naturaes do Estado. (Regulamento da ESAV


de 1927, 72-73).

Assim, todas as experiências113, demonstrações, aclimação de plantas e


animais da instituição eram sempre realizadas conforme a realidade agrícola do Estado
justamente para garantir a produtividade e disseminação dos modernos métodos e
técnicas de produção agrícola ao maior número possível de produtores rurais mineiros.
Veja abaixo o seguinte relato de Rolfs com relação a experiências com o plantio de
arroz realizadas na fazenda experimental da Escola:

Continuamos as experiências com o plantio do arroz em vargens altas, com


resultados uniformemente bons. Este anno, foi plantada muito maior área, sendo o
total quasi dois hectares. Ficou claramente demonstrado que os methodos
convenientes de cultura mais simples, a do arroz pode ser feita mais
(economicamente) em vargens altas, do que pelos outros methodos geralmente
empregados. Não dizemos que cada pé produza tantos grãos como sob irrigação,
porém, geralmente a irrigação é impossível para os agricultores desta parte de
Minas, a não ser para pequenos plantios, que não produzem o sufficiente para o
gasto, na propriedade. Onde há abundancia de água para irrigação, o terreno é de tal
natureza que o custo de nivelamento para um systema de irrigação é despendioso
demais. Não apenas para o presente, mas para muitos annos vindouros, os
lavradores de Minas deverão confiar na aração profunda, e cultivos freqüentes, para
a producção econômica do arroz. Com o presente numero de trabalhadores ruraes,
a zona da Matta poderia produzir arroz por preços eguaes ou menores do que
os paizes do Oriente (ROLFS, 1927, p.38).

Desse modo, diante desta tarefa de propagação de “conhecimentos agrícolas


úteis” para o desenvolvimento econômico de Minas Gerais, duas estratégias foram
criadas para atrair os fazendeiros para a Escola: a realização de feiras e exposições e a
criação do serviço de extensão rural.
As feiras e exposições eram realizadas com o objetivo maior de divulgar a
Escola para os produtores e, como a ESAV estava localizada em uma região do Estado
de MG quase que exclusivamente agrícola, os seus dirigentes praticamente não
encontravam problemas com a questão da divulgação da instituição.
Nestes eventos destinados à população rural mineira havia exposição de frutas,
citrus e até Dahlias (flores). Eram atividades de caráter utilitário que mostravam ao
público o resultado das experiências de campo dos professores e alunos da ESAV, todas
voltadas, para a diversificação e o desenvolvimento agrícola do Estado.
O professor Diogo Alves de Mello, ao escrever para o Secretário de Agricultura

113
Sobre a reconstituição histórica da produção científico-tecnológica da ESAV ver COELHO (1992).
129

da época, explicava toda a metodologia e a finalidade destas exposições e feiras:

[...] A Exposição de Fructas, [...] deu occasião para que quase 600 pessoas visitassem à
Escola. Todas essas pessoas foram bem recebidas e cada uma deve ter levado da Escola,
alguma informação útil ou interessante. O Diretor, o Vice-Diretor e os professores, tanto
quanto possível, dedicam pessoalmente aos visitantes o tempo que elles desejam,
sempre respondendo com cuidado às consultas e fazendo especial esforço para mostrar a
cada visitante o que lhe interessa mais. Por este modo, os visitantes saem muito mais
interessados do que se fossem mostradas as mesmas coisas, com mais idéia de
ostentação do que de incutir conhecimentos agrícolas úteis. Raramente, passa uma
semana sem ser recebida a visita de um agricultor que procura a Escola com o fim de
realizar o que é essencialmente, o ‘Curso Breve’ de um dia de estudo, em agricultura ou
outra especialidade, de zootechnia, pomologia, horticultura ou agronomia. Pelo modo
que nos é possível, estamos montando estes departamentos para, quando chegar um
agricultor, elle possa approveitar as experiências que estamos realizando. Por meios
dessas visitas tem a Escola espalhado muitos ‘conhecimentos agrícolas úteis’, entre o
povo rural desta zona, sem elle perceber que está sendo instruído. Consideramos o facto
dos agricultores procurarem a Escola, como sendo uma grande victoria para o
estabelecimento e seus methodos (MELLO, 1927, p. 23-24).

É visível que a Escola visava sobretudo estreitar seus laços com os agricultores.
Trata-se de uma questão de “convencimento”, isto é, professores e dirigentes esavianos
almejavam consolidar um novo tipo de produtor rural: o fazendeiro moderno. E era
através da educação do “povo rural” que a instituição espalhava “muitos conhecimentos
agrícolas úteis”. Portanto, pode-se constatar que:

[...] Ao analisar as pesquisas realizadas nessa instituição nota-se seu caráter utilitário,
voltado para resolver os problemas imediatos dos fazendeiros da região [...] Dessa
forma, na ESAV, foi a concepção de utilitarismo que prevaleceu em sua trajetória. Isso
se deu devido à herança do modelo de educação americana transmitida [...] por P. H.
Rolfs, que veio ao Brasil para planejar a criação da Escola, uma vez que o utilitarismo é
uma vertente do pragmatismo norte-americano, que nasceu no seio das instituições dos
Estados Unidos (COMETTI, 2005, p. 76).

Sendo assim, cabe ressaltar que a extensão do saber esaviano também


extrapolava os “muros da Escola”. Sua prática extensionista114 começou com alguns
contatos com os produtores rurais da região, passou pela troca de correspondências de
agricultores, que as enviavam solicitando informações técnicas115 e evoluiu, a partir de
1929 para a realização de uma semana dedicada inteiramente a extensão dos
conhecimentos agrícolas úteis ao produtor rural mineiro e de todo o país através da
114
Para saber mais sobre o processo de configuração e evolução da extensão rural na Escola de Viçosa
ver: COMETTI (2005, p.110-149 ).
115
Eram dúvidas relacionadas a problemas encontrados pelos próprios fazendeiros da região. Vale
ressaltar a procedência de cartas também de pesquisadores estrangeiros que pediam informações,
abordando questões de técnicas de plantio agrícola.
130

realização da Semana do Fazendeiro116, hoje ícone da atividade extensionista agrícola


no Brasil.
Paralelamente a esta prestação de serviço via correspondência a ESAV
“espalhava” informações breves sobre a agricultura prática (de natureza técnica) e
algumas notícias a respeito da Escola por meio de pequenos informativos impressos
denominados “Boletins da Imprensa”. Estes boletins eram enviados aos cidadãos e
estabelecimentos, que julgavam interessados, também eram enviados aos jornais do
Estado para, ocasionalmente, serem divulgadas noticias da Escola, como por exemplo a
data da realização das suas feiras e exposições. Tais impressos também disseminavam
informações sobre candidatos à matrícula nos cursos da ESAV (através dos Estatutos da
Escola), regras para as visitas à Escola entre outros temas relacionados à divulgação da
pedagogia do campo forjada na instituição.
Rolfs sintetiza bem o que foram estas atividades extensionistas da Escola ao
escrever para o Secretário de Agricultura de Minas:

Um dos modos mais importantes para a ‘disseminação’ de conecimentos agrícolas úteis’


é por meio de responder ás consultas feitas pelos agricultores . Mais tarde, quando
forem bem conhecidos em todo o Estado os nomes dos professores da Escola, muito
mais consultas serão recebidas, quanto aos methodos para melhoramento das condições
nas fazendas, e da vida rural. Além de responder ás consultas, deverá a Escola, de vez
em quando, publicar informações sobre a agricultura. Durante o anno findo, temos tido
muitas cartas a respeito da matricula de alumnos. Temos recebido cartas de diversos
outros Estados, bem como muitas dos residentes do Estado de Minas Geraes. As cartas
são sempre respondidas com o maximo cuidado. Geralmente, são de pessoas que já têm
os Estatutos, mas que desejam alguma informação especial a respeito dos cursos. Por
meio dessas cartas, temos evitado muitas difficuldades na matricula dos alumnos.
Durante o anno, mais de setecentas cartas foram expedidas por este gabinete,
representando estas um trabalho enorme, porque a maioria são traduzidas. Mais ou
menos, cem dessas tratavam de matriculas na Escola, e o resto assumptos diversos.
Foram remetidos 1.500 exemplares dos Estatutos da Escola. Por esse meio, a maioria
dos nossos alumnos obtiveram seus primeiros conhecimentos exactos sobre a Escola.
(ROLFS, 1927, p.27).

Diante de tal quadro de atividades extensionistas desenvolvidas pela ESAV

116
A Semana do Fazendeiro segundo BORGES (2000, p.15) “[...] fruto do trabalho de Bello Lisboa e dos
então alunos Joaquim Fernandes Braga e José Coelho da Silva. É tida como a primeira grande
manifestação do extensionismo no Brasil, [...] O evento originou-se de uma visita à Escola, em 1928, do
médico e agricultor Jacintho Soares de Souza Lima acompanhado de um grupo de agricultores ubaenses
[...]”. Este evento é realizado até hoje pela Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Viçosa
(UFV). E acontece tradicionalmente na segunda quinzena de julho. Continua sendo prestigiada por
produtores rurais de todo o território nacional e até internacional. Durante toda a semana cursos teórico-
práticos, palestras, exposições sobre os mais diversos temas como: agricultura, pecuária, zootecnia,
educação, nutrição, entre outros são oferecidos aos participantes. Para conhecer mais sobre este evento
ver o trabalho de SILVA (1995).
131

pode-se estabelecer um alto nível de semelhança com as atividades “extra-muros”


pioneiramente realizadas pelas escolas agrícolas norte-americanas, os Land Grant
Colleges.
E foi com base no tripé ensino, pesquisa e extensão rural que a Escola de Viçosa
atendeu ao projeto de diversificação produtiva almejado pelo Estado e pela elite agrária
mineira desde o congresso econômico de 1903. Lançava-se assim, os pilares da
estratégia política de modernização agrícola do Estado: ensino teórico prático, pesquisa
utilitária e prática extensionista.

3.5 Os Deveres primordiais da E.S.A.V: introduzir o “progresso” no campo e


“ajustar” a renda do trabalhador rural

Conforme mencionado anteriormente, Rolfs procurou, durante todo o processo


de organização da Escola, aplicar a ciência à agricultura mineira. Por isto, ele buscou
desde os primeiros tempos “educar” a população rural de todos os níveis sociais, através
da disseminação dos métodos agrícolas modernos e práticos aos agricultores,
trabalhadores rurais e filhos de fazendeiros.
Já que, de acordo com o cientista:

A producção de riqueza é a base do nosso bem estar. Sem ella, por exemplo as bellas
artes não florescem. O mesmo se dá com a literatura. [...]. Applicando-se a Sicencia à
Agricultura, iniciar-se-a uma época de prosperidade nacional. O Estado de Minas hoje é
exemplo bom de um estado que necessita muito de mentalidades preparadas para por
em pratica os processos modernos de lavoura com os quaes abrir-se a porta do celleiro
de abundante producção agrícola. A Sciencia Agrícola já bem adiantada, nos mostra
processos de lavoura de muito superiores aos usados hoje em Minas. Constitue dever e
prazer da E.S.A.V treinar e preparar os nossos agricultores para que eles possam
utilizar os ensinamentos que lhes trarão prosperidade e melhores vidas [...] (ROLFS,
1928, p.22).

Assim, é neste contexto que a noção de “progresso e civilização”, adotada pela


profissionalização da escola, pode ser entendida na ótica do pensamento liberal clássico.
Pois, na doutrina liberal clássica, “progresso” significa desenvolvimento econômico e
está relacionada diretamente à capacidade de gerar riqueza de uma determinada nação.
Fruto de uma razão econômica estabelecida no universo capitalista, o pensamento
liberal estabeleceu a lógica de que quanto mais uma nação busca o progresso, mais
civilizada ela se torna.
Logo, uma sociedade tornar-se-ia civilizada à medida que conseguisse progredir.
132

Para isso o trabalho devia ser tratado numa perspectiva enobrecedora, visto que, a base
do progresso está no trabalho, ato “construtor” da riqueza e da civilização de uma
nação. É a partir da crença no Progresso que surge a “preocupação” e o interesse
político pela educação profissional. Na ESAV, profissionalização assumiria a condição
de instrumento educativo ideal capaz de introduzir o progresso no campo.
Dessa forma se compreende porque o americano explicitava que era dever da
Escola e, por conseguinte dos esavianos “formar”117 na mentalidade dos agricultores de
MG o não uso dos processos agrícolas arcaicos.
As elites mineiras, tanto a agrária quanto a política, almejavam materializar nos
campos de MG uma idéia de “reforma rural”, através da invenção de um produtor tido
por ideal, pela fala e pensamento ruralista da época: o já referido farmer (fazendeiro)
norte-americano.
Diante destas considerações torna-se importante salientar a seguinte colocação
de MENDÇONÇA (1994) sobre a utilização da categoria agricultor no bojo do universo
ruralista nacional:

Ambígua o suficiente para abrigar categorias sociais tão dispares quanto o


trabalhador rural e mesmo o grande proprietário, a categoria agricultor cumpria
preciosa função no universo da retórica ruralista: a de negar e/ou obstaculizar a
diferenciação social latente no campo brasileiro, desde que a Abolição
introduzira a possibilidade concreta da transformação do trabalho em força de
trabalho. Por intermédio dessa categoria, altamente recorrente em todos os
discursos compulsados, promovia-se um vago reducionismo que a todos
igualava enquanto produtores, pouco importando se em terras próprias ou
alheias [...] (MENDONÇA, 1994, p. 38-39).

E o caso da ESAV não foi diferente, pois o Estado de MG havia decidido, em


1920, por uma estratégia mais “audaciosa” de modernização da agricultura, através da
constituição do projeto da Escola de Viçosa, justamente para promover a dinamização e
a diversificação do setor produtivo. Contudo, sem promover uma reforma agrária, ou
seja, sem provocar qualquer tipo de alteração no quadro de preservação do monopólio
da terra detido pela elite agrária de Minas Gerais. Dessa maneira, as diferenças
existentes entre os agricultores mineiros e brasileiros se limitavam somente à distinção
entre agricultores modernos e agricultores atrasados ou arcaicos, desaparecendo,
assim, da retórica ruralista brasileira, qualquer tipo de diferença sócio-econômica ou de

117
A questão da formação dos esavianos já foi tratada no item 3.3.
133

algum “vestígio” que apontasse a existência de “luta de classes” entres grandes, médios,
pequenos produtores rurais e trabalhadores do campo.
Neste contexto, a escola foi orientada a atuar num crucial ponto do processo de
desenvolvimento do capital agrário: a questão do labor income118, isto é, da baixa
remuneração119 do trabalhador rural mineiro do período estudado, pois, conforme
ROLFS (1928, p.12):

A riqueza do Estado de Minas, natural e produzida, é colossal, muito maior do que a de


algumas nações independentes. Porém, quando consideramos a media do valor dos bens
para a população total, chega-se a um resultado fraco. Quando consideramos o ordenado
médio, achamol-o muito reduzido, comparado com o de outros paizes de igual
civilização. É exactamente neste ponto, isto é, augmentando o rendimento médio do
trabalho, que no Inglez chamamos o “labor income”, fazendo que o trabalho agrícola
diário renda mais, que a Escola prestará o melhor serviço ao Estado e à nação.

Ainda segundo o raciocínio do especialista P. H. Rolfs:

Geralmente quando é pequeno o ordenado diário, é relativamente pequeno também, o


“labor income”. Em alguns logares do Estado de Minas o ordenado diário, é ainda de
2$500; em outros já subiu até 7$000 por dia, em media. Na escola vendemos uma muda
de laranja Bahia pelo preço de 4$000 cada uma, no Estado da Califórnia pagam 40$000
a um trabalhador commum por dia. Lemos no “Minas Gerais” de 9 de Dezembro de
1926, que uma casa exportadora da Califórnia offerecia à venda, a uma casa
importadora de Bello Horizonte, laranjas da Bahia de qualidade superior, por preço
menor que o cobrado pelos productores da região de Bello Horizonte; e isso depois das
despezas de acondicionamento caprichoso e transporte longo. Não é só na América do
Norte que isso se dá; encontram-se em Bello Horizonte fructas frescas da África do Sul,
Nova Zelândia e Austrália, paizes esses onde os ordenados são reconhecidamente altos
para os trabalhadores agrícolas. (ROLFS, 1928, p. 13).

Não que o alto ordenado por si só indicaria ou mesmo garantiria o lucro. No


entanto, Rolfs estava ciente de que deveria preparar aos esavianos para quando
formados orientarem os fazendeiros de Minas a “resolver o problema do ordenado mais
conveniente a ser pago aos operários rurais”. Veja o que pensava P. H. Rolfs:

[...] Estamos certos de que a Escola poderá ajudar os agricultores nesse sentido.
Permitam-me um exemplo: - Nos primeiros annos no Brasil visitei diversos
estabelecimentos que produziam mudas de citrus para a exportação. Suggestionei aos
seus dirigentes algumas modificações simples que seriam convenientes e que

118
Labor income em português significa “renda operária”.
119
Os baixos salários também foram considerados como um dos principais fatores responsáveis pela
incitação ao êxodo rural, fenômeno de “depopulação” do homem do campo que mais contribuiu para a
falta de mão-de-obra agrícola em MG, tanto nos anos finais do século XIX quanto nos anos de 1920,
conforme foi apontado no primeiro capitulo do presente trabalho.
134

reduziriam muito o preço das mudas, a meu ver, depois de acompanhar de perto o
desenvolvimento da citricultura no Estado da Florida. A resposta que tive foi que já
experimentaram esses methodos, os quaes talvez dessem bons resultados na Florida mas
para o Brasil absolutamente não serviam. Hoje posso declarar-vos que as difficuldades
que me disseram encontrar no emprego dos methodos modernos estava na applicação
dos methodos e não na diferença fundamental de condições. Embora esteja a Escola
apenas no inicio e com as suas seções agrícolas muito pouco desenvolvidas, já
vendemos milhares de mudas de citrus iguaes às que se vendem na Califórnia e na
Florida, e superiores a quaesquer outras que tenho visto à venda no Brasil. Foram
produzidas pelos methodos econômicos que me informaram ser inteiramente
impraticáveis; todo o serviço foi feito pelos Mineiros, tendo umas oitenta pessoas, entre
alumnos e outros, adquiridos conhecimentos e pratica na realização deste trabalho. As
mudas foram destribuidas a cento e cincoenta pessoas e estabelecimentos. (ROLFS,
1928, p.13-14).

Mais uma vez entrava em pauta a questão do tipo ideal de agricultor: o agricultor
moderno, já que, pelo exemplo dado por Rolfs na citação acima se percebe o seu ensejo
de mostrar que por meio dos métodos e técnicas agrícolas modernas qualquer produtor
rural poderia reduzir custos na produção e assim investir no pagamento da remuneração
mais adequada aos trabalhadores rurais mineiros e, consequentemente, ganhar novos
mercados. Percebe-se que o pensamento do cientista americano estava calcado num
“certo pressuposto iluminista, de superar o atraso” econômico de Minas pelo saber
técnico em agricultura.
Cabe, ainda, ressaltar que, este dever da Escola de preparar seus alunos para
atuar na regulação do salário do operário rural estava em plena sintonia com o
pensamento ruralista brasileiro da década de 1920. Porque, do mesmo modo que Arthur
Bernardes discursava na solenidade oficial de inauguração120 da ESAV em prol da
criação e da efetivação da “harmonia” e “solidariedade” dos interesses do capital, Rolfs
imprimiu na instituição a orientação pedagógica de que os esavianos deveriam “ajudar”
os fazendeiros mineiros a melhorarem a remuneração dos seus trabalhadores. Porque:

[...] O Brasil deveria desenvolver a instrucção agrícola de tal modo que os fazendeiros
pudessem obter maiores lucros, sendo, por isto, capazes de pagar salários mais elevados
aos trabalhadores. Minas já tem perdido milhares dos seus mais valiosos auxiliares,
grandes massas de trabalhadores, que tem se encaminhados para São Paulo, onde os
fazendeiros mais adiantados podem pagar ordenados mais altos do que as são comuns
em Minas (ROLFS, 1925, p.33).

Portanto, o norte-americano estava realizando uma defesa em prol da


solidificação e associação harmônica do capital agrário de Minas Gerais: a instauração e

120
Ver sobre a relação do projeto político da ESAV com o pensamento ruralista brasileiro dos anos 1920
o item: Inauguração oficial da Escola no segundo capítulo do presente estudo.
135

manutenção da organização do trabalho rural.


Outro ponto muito defendido na Escola por P.H. Rolfs relaciona-se com a sua
preocupação em superar a baixa competitividade dos produtos agrícolas mineiros e
brasileiros no mercado internacional com produtos cultivados em nações caracterizadas,
inclusive por terem condições físicas desfavoráveis, como por exemplo, tipo de solo e
tipo de clima.

Segundo o especialista, os grandes causadores desta baixa competitividade eram


os altos preços de comercialização dos produtos agrícolas. E, para reverter tal
panorama, fazia-se necessário mecanizar ao máximo a produção agrícola de MG e
eliminar a “mão de obra” desnecessária, pois a mesma encarecia o preço final do
produto a ser comercializado. De acordo com seu pensamento:

[...] Esta difficuldade é resultado de administração antieconomica de trabalho. Hoje o


serviço braçal desnecessário encarece o producto a ponto de não produzir lucros. A
pequena Ilha de Cuba já tomou grande parte do mercado de assucar que outrora
pertencia ao Brasil. Na Argentina produz-se um Kilo de milhos bastante mais barato do
que aqui, o que lhes permitte nol-o vender com lucro. Java, Estados Unidos da
Columbia, Venezuela e Guatemala estão progressivamente invadindo o mercado do
café, não porque produzem e sim porque exportam melhor café e por preços de
concorrência. Com pequenas modificações nos methodos agrícolas actuaes, poderá o
Estado de Minas tornar-se rico além da espectativa dos mais optimistas dos seus
cidadãos. Milhares de trabalhadores a enxada poderiam ser empregados em outras
industrias lucrativas, ou podiam occupar-se em uma lavoura rendosa, enquanto hoje
ganham apenas para uma vida sem conforto. Um homem com um burro e um cultivador
faz mais trabalho em um dia do que vinte com enxadas. No terreno da Escola, um
homem com um arado Chattanooga reversível, duas juntas de bois e um menino, fez
mais trabalho em um dia do que 19 homens trabalhando simultaneamente, com
picaretas. O arador nessa experiência foi um Mineiro analphabeto que poucas semanas
antes nunca tinha visto um arado Chattanooga reversível [...] (ROLFS, 1928, p. 14 -15).

Assim, os alunos “esavianos” eram “educados” e instruídos através da prática


associada à teoria na medida certa. Estes estudantes deveriam manter sempre um ideal à
vista: “saber produzir” para o crescimento de Minas e da nação Brasileira. Por isto, a
mecanização havia sido eleita como “carro chefe” dos conhecimentos disseminados
pelo corpo docente da ESAV, conforme os apontamentos do item anterior do trabalho
sobre a concepção político-pedagógica da Escola. Mais uma vez pode-se verificar a
utilização da ideologia iluminista do “saber” enquanto um instrumento ideal e único
para colocar MG na rota das economias mais desenvolvidas do país.

Dessa forma, destaca-se, nesta análise sobre o papel da Escola de Viçosa no bojo
136

da política agrícola de MG dos anos 1920, a relação da ESAV com um dos principais
objetivos da primeira fase121 de desenvolvimento do ensino agrícola mineiro: a
organização da mão-de-obra do campo, visto que, os baixos salários, além de não terem
contribuindo para a dinamização da diversificação produtiva do Estado, estimulavam o
homem do campo a abandonar a atividade agrícola em busca por melhores condições de
sobrevivência nos centros urbanos. Como também incitou a estes homens a buscarem
por trabalho nas lavouras paulistas, onde os fazendeiros de São Paulo ofereciam a estes
trabalhadores melhores salários do que os ofertados pelos fazendeiros em Minas,
conforme apontou o próprio P.H. Rolfs.
Em suma, concluiu-se que, para o organizador da Escola de Viçosa, o caminho
para o “progresso e civilização” do Estado de Minas Gerais seria único: modificar os
métodos agrícolas “rotineiros” de todo e qualquer agricultor tido como arcaico pela
moderna pedagogia do campo, que P.H. Rolfs, em grande parte ajudou a consolidar na
ESAV, durante todo o processo de constituição da Escola. Este propósito estava em
perfeita sintonia com os interesses sócio-econômicos, políticos e culturais das classes
produtoras do setor agrário mineiro e do Estado. A final, o ensejo de ratificação da
vocação essencialmente agrícola de Minas que “pairou” sobre os anos 1920 constituiu-
se num ponto em comum entre todos os sujeitos sociais que fizeram do ensino agrícola
“motor” da economia estadual.
Apesar de difícil, é chegado o momento da realização de um “balanço” de todas
as análises, apontamentos e fatos históricos discutidos pelo presente trabalho. Assim
sendo, o leitor é convidado a apreciar, a seguir as considerações finais desta pesquisa.

121
Sobre a primeira fase da configuração e evolução do ensino agrícola em Minas Gerais ver o primeiro
capítulo do trabalho.
137

CONSIDERAÇÕES FINAIS

[...] Há mais ou menos vinte e seis anos que aqui estivemos para assistir à
inauguração oficial deste Estabelecimento. Exercíamos então as altas
funções de Presidente da República e quizemos dar com a nossa presença o
exato sentido da importância daquele ato. Fincávamos aqui um marco
assinalado, porque divisório de duas épocas distintas na vida agrícola de
um dos maiores Estados da Federação: a que vinha dos primórdios da
nacionalidade, caracterizada pelo primitivismo agrícola, e outra que se
iniciava com a implantação de novos processos de trabalhar a terra e
cuidar das plantas, das árvores e dos animais. Inspirava-nos então, como
ainda hoje, o objetivo de tornar o trabalho mais produtivo com menor
esfôrço do homem [...]. (BERNARDES, 1952, [s/p.]).

Acredita-se que as principais conclusões a que se chegou com a realização dessa


pesquisa já foram explicitadas no transcorrer deste texto e, por isso mesmo, julgou-se
desnecessário retomá-las mais especificamente.
Por outro lado, se fez necessário tecer algumas considerações, que tendem a
sobrevalorizar alguns indícios delineando-os através de “fases” ou “marcos” temporais.
Eis os riscos da “pausa” na construção de um trabalho de pesquisa. No entanto, não é
possível esquivar-se do ato de “concluir”, principalmente, quando o próprio método de
análise tratou o objeto de estudo numa perspectiva “histórico interpretativa”.
Desse modo, este objetivo metodológico da pesquisa praticamente “convocou” o
autor a analisar as origens históricas, isto é, as “raízes” da Escola de Viçosa, já que uma
história factual ou laudatória não corresponderia aos pressupostos teóricos adotados no
presente trabalho.
Logo, procurou-se interpretar o processo de constituição da instituição de ensino
pesquisada durantes os anos 1920, com base em uma gama de documentos impressos
que, como se sabe, “não falam por si mesmos” e por isto, foram submetidos a uma
espécie de diálogo com o autor do trabalho, pois “[...] ao contrário do que afirma a
tradição positivista, as perguntas que o pesquisador formula ao documento (impostas
pelo presente em que está mergulhado) são tão importantes quanto ele próprio” (LOPES
& GALVÃO, 2001 p. 91).
138

Assim, a partir dos elementos considerados neste estudo, pode-se constatar que a
criação da ESAV fez parte de um projeto de desenvolvimento e diversificação produtiva
do Estado de Minas Gerais, forjado para promover a racionalização do campo, ou
melhor, a modernização da agricultura mineira por meio da “invenção” de um tipo ideal
de produtor rural: o farmer (fazendeiro) norte-americano.
Este projeto de “recuperação” e dinamização da economia mineira foi esboçado
pelo Estado e pela elite agrária no Congresso Econômico das “classes produtoras” de
MG realizado em Belo Horizonte - MG, no período de 13 a 19 de maio de 1903. O
evento delegou ao ensino agrícola elementar mineiro a tarefa de formar, qualificar e
organizar a mão-de-obra rural de modo que, as inovações técnicas no trato com a terra e
rebanhos fossem disseminadas a todos os grupos sociais do meio rural mineiro do
período em estudo. Trata-se do pressuposto iluminista que transfere ao “saber” técnico
a tarefa de promover o progresso e a civilização do país.
Deste modo, destacaram-se nesta pesquisa duas nítidas fases que marcaram a
configuração e a evolução do ensino agrícola em Minas Gerais. A primeira fase
caracterizou-se pela materialização de uma política estatal para o setor com ênfase na
educação básica para o trabalho agrícola. Esta educação calcada na idéia de
“positividade do trabalho”, que marcou o período histórico da “pós-escravidão”,
promoveu a profissionalização da instrução agrícola elementar em dois níveis: “[...] o
do ensino profissional em escolas e o da instrução prática de trabalhadores adultos”
(DULCI, 1999, p.51).
O positivista João Pinheiro foi o principal articulador desta missão pedagógica
de educar a população rural para a promoção do progresso, quando ocupou o cargo de
Presidente do Estado de MG (1906-1908). Daí a efetivação do incentivo ao ensino
primário agrícola, a criação de instituições de aprendizagem rural como: fazendas-
modelo, campos de experiência e de demonstração associados ao serviço ambulante de
extensão dos novos métodos e de disseminação do uso de máquinas e equipamentos
agrícolas às comunidades do campo de Minas.
Vale lembrar que, este programa de ensino estadual foi ratificado pelo
Regulamento Geral do Ensino agrícola de 1911. E deve-se notar também que, tal
Regulamento direcionou os sucessores de Pinheiro a continuarem investindo na
educação profissional elementar dos mineiros do meio rural até 1916.
Apesar, do “fracasso” de grande parte das modalidades de ensino agrícola
profissionalizante elementar, conforme visto no primeiro capítulo deste estudo,
139

constatou-se que o foco da primeira fase da instrução agrícola em MG foi a organização


da mão-de-obra rural a fim de reter o trabalhador no campo.
Na segunda fase de evolução do ensino agrícola mineiro, o eixo norteador foi a
idéia de renovar o campo em termos técnicos e socioculturais, visto que a estratégia
utilizada para atender o desenvolvimento e a diversificação produtiva almejada pelas
elites mineiras, desde o Congresso de 1903, foi “rearticulada” durante o governo
estadual do Presidente Arthur Bernardes (1918-1922) com a criação da Escola de
Viçosa, por meio do Decreto Lei nº 761 de 6/09/1920.
Nasciam assim, as “bases” para a efetivação da modernização da agricultura do
Estado. Para isto, Arthur Bernardes buscou no modelo de ensino das escolas agrícolas
norte-americanas, os Land Grant Colleges, o projeto político-pedagógico necessário
para levar a frente tal objetivo. E por influência do principal organizador técnico da
ESAV, o cientista norte-americano Peter Henry Rolfs, a Escola de Viçosa “foi
delineada com a feição e a dinâmica” de um college agrícola americano.
Cabe salientar que nesta segunda fase eram outras as circunstâncias econômicas.
Destacam-se neste período os anos finais da Primeira Guerra Mundial, porquanto Minas
Gerais passou a ter novas oportunidades para participar do mercado agrícola nacional e
internacional e por isto necessitava de uma instituição de ensino que fosse capaz de
qualificar e dinamizar o setor agropecuário mineiro “com base em recursos científicos
avançados”.
Deve-se considerar que, a criação da ESAV acabou inaugurando uma nova fase
no processo de configuração da instrução agrícola mineira. Não que, a elite política
houvesse abandonado as preocupações anteriores com o problema da mão-de-obra rural
abordado no primeiro capítulo deste texto. Houve, na verdade, uma espécie de
ampliação do foco da atenção estatal quanto à premissa de desenvolvimento adotada em
MG. Portanto, a ESAV foi estruturada no tripé ensino, pesquisa e extensão rural
principalmente para servir de alicerce para a tática de diversificação produtiva do
Estado e das “classes produtoras” mineiras.
Porém, havia um grande obstáculo para a efetivação da estratégia de
modernização do campo: o empirismo agrícola de trabalhadores e produtores rurais
mineiros. Diante desta problemática a Escola de Viçosa procurou formar um quadro de
profissionais qualificados que, sobretudo, estivessem em sintonia com as idéias e
valores de uma sociedade moderna e civilizada. Uma vez que, a questão era superar o
“Jeca Tatu” no trabalhador rural, isto significava, metaforicamente, levantar o caipira
140

mineiro que estava de cócoras.


Tratava-se, então, apenas de enfrentar o peso da tradição dos métodos arcaicos
de produção agrícola. Em momento algum a má distribuição de terra seria questionada
ou revisada. Assim, os produtores seriam classificados somente como agricultores
modernos ou atrasados. Consequentemente não ocorreram mudanças na estrutura social
do campo, isto é, permaneciam latentes as desigualdades sócio-econômicas do homem
rural, só, que camufladas pelo discurso ruralista de classificação do produtor no
binômio: arcaico ou moderno.
Para levar a frente este projeto de “reforma rural” formulou-se na ESAV um
novo tipo de agricultor, o farmer (fazendeiro) norte-americano. Este tipo de agricultor
tido como ideal era oposto ao Jeca Tatu de Monteiro Lobato, porque não se opunha a
cientificização da agricultura e tratava os problemas da terra apenas sob a ótica dos
aspectos técnicos. Ao contrário do trabalhador (operário) rural e do pequeno produtor
que, além de desprovido de recursos financeiros e métodos modernos de produção,
almejava ser proprietário da terra que produzia, em outras palavras, sonhavam com a
reforma agrária.
É diante destas considerações, que esta pesquisa classifica a modernização do
campo promovida pela Escola de Viçosa, como “conservadora”122 e conivente com a
manutenção e ampliação da hegemonia da elite agrária mineira do período em estudo.
E como suporte material para a materialização desta “modernização
conservadora”, engendrou-se na Escola de Viçosa um “otimismo pedagógico”123, isto é,
uma pedagogia do campo inspirada no ideário da Escola Nova, haja visto que até
mesmo o utilitarismo presente nas atividades da instituição fora oriundo de uma
vertente do pragmatismo norte-americano, que tem “raiz” nas instituições dos Estados
Unidos.
Cabe destacar também que, as atividades de ensino, pesquisa e de extensão rural
da Escola eram realizadas com vista a atender as condições locais e os recursos
existentes. Alem disso, estas atividades foram marcadas por princípios pedagógicos de
tempo escolar integral (full time). Em que as aulas teóricas tinham base na ciência
moderna e na experimentação, com ênfase nos trabalhos práticos através do método
“aprender fazendo”, no próprio ambiente rural.

122
Entende-se por modernização conservadora aquela que não promove transformações sociais como:
reforma agrária e diminuição das desigualdades entre os homens, etc. Cf. DULCI (1999; 2005).
123
Entende-se “otimismo pedagógico” conforme NAGLE (1974, p.101-102).
141

No bojo destes princípios a disciplina baseava-se na “responsabilidade pessoal


dos alunos”, isso significava ter disciplina “pelo caráter e não pela força”, tal qual era
preconizado pelas premissas da “Pedagogia Escola Novista”.
Neste projeto educativo os estudantes “esavianos” seriam os principais agentes
difusores do ideal modernizador do homem e da lavoura mineira. Ou seja, eles deveriam
“liderar intelectualmente” a modernização do campo. Por isso que, estes “moços”
recebiam conhecimentos técnicos e científicos modernos sobre agropecuária, associados
às idéias e valores morais, cívicos, higienistas e de educação para o trabalho defendida
pela elite agrária e política da época.
Enfim, concluiu-se que, a contratação do cientista Peter Hernry Rolfs significava
a escolha do Estado de MG personificado na figura política de Arthur Bernardes por um
sistema de ensino que representava a “pujança” e o desenvolvimento econômico
conquistados pela agricultura norte-americana tão almejada pela burguesia agrária de
Minas. Daí a finalidade esaviana de racionalizar e diversificar a produção agrícola de
MG, no menor tempo possível aliada à premissa de moralização do trabalhador rural.
Deste modo, entende-se que o projeto político de criação da ESAV além de ter
hasteado as principais bandeiras do movimento ruralista brasileiro dos anos 1920, em
Minas Gerais, esta instituição definiu um novo momento no processo de
desenvolvimento da instrução agrícola mineira: o compromisso de reformar o campo,
sem alterar as relações de produção do “mundo rural”.
Dessa maneira, tendo em vista as considerações acima apresentadas pode-se
entender a Escola de Viçosa não como um “aparelho ideológico de Estado”, do autor
Althusser, mas, sim como um “aparelho privado de hegemonia”124. Pois, no caso de
Viçosa, a presente pesquisa apontou indícios que “sinalizam” a ESAV enquanto uma
instituição civil que cumpriu sua função social no âmbito da cultura e da hegemonia
“direcionada” pela elite política e agrária de MG, no período estudado.
Espera-se que, a realização desta pesquisa possa de alguma forma contribuir
com o debate do campo da História de Instituições Escolares mineiras e que por meio
deste estudo outras análises sob o tema proposto possam ser “despertadas” e
desenvolvidas. Principalmente no sentido de se apontar reflexões críticas pós 1929,
sobre o processo de desenvolvimento e atuação da antiga ESAV, atual Universidade
Federal de Viçosa (UFV).

124
Conforme a instituição escolar era entendida por Gramsci.
142

Além disso, deve-se considerar que esta instituição nos dias atuais, ainda
direciona a sua produção científica e tecnológica em favor dos principais segmentos
capitalistas do ramo agronômico e de seus respectivos grupos sociais.
143

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ANEXO A

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