Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Síndromes Vertiginosas
Figura 1: Sexo masculino, 45 anos, otorreia crônica intermitente, otalgia ocasional, tontura ro-
tatória há 1 ano, piora durante as crises de otorreia. Semiologia vestibular não realizada, perda
mista profunda, com mínimo GAP à esquerda. CT em corte coronal demonstrando fístula no
canal semicircular lateral em área de velamento na mastoide (seta).
Figuras 2a e 2b: Sexo masculino, 47 anos, tonturas rotatórias há anos, perda auditiva mista
moderada a profunda bilateral; semiologia vestibular clínica normal, VENG com hiperrflexia
labiríntica unilateral. Tomografia computadorizada em cortes axiais, demonstrando áreas de
maior radiotransparência, correnspondentes à otosclerose compromentendo região apical da
cóclea e conduto auditivo interno (seta).
vertigem crônica. Principalmente nas crises ças e situações clínicas envolvidas na sua etio-
agudas, é acompanhada de sintomas e sinais logia. O fator etiológico causador da vertigem
neurovegetativos (náuseas/vômitos, palidez e pode ser suspeitado durante a anamnese entre
sudorese), podendo ainda ser acompanhada de 75% a 80% dos casos; eventualmente, através
sintomas otológicos (zumbidos, perda auditiva, de exames complementares a grande maioria
sensação de pressão) e, até mesmo, causar a dos casos pode ser efetivamente diagnosticada.4
sensação de morte iminente.
Desta forma, um conhecimento apropriado Considerações gerais
sobre sua etiologia e fisiopatologia possíveis A manutenção do equilíbrio corporal de-
é extremamente importante para os devidos pende de uma harmoniosa interação entre os
direcionamentos (Quadro1), haja vista a ne- sistemas sensoriais e motores e um processa-
cessidade da caracterização do tipo de tontura, mento preciso dessas informações. Desta forma,
da suspeição dos possíveis diagnósticos topo- o Sistema Nervoso Central (SNC) necessita de
gráficos e etiológicos e da definição do plano informações provenientes dos sistemas vesti-
terapêutico, em virtude do grande desconforto bular, visual e proprioceptivo a respeito do que
causado ao paciente e da grande gama de doen- ocorre no meio ambiente, com a finalidade de
geral, geriatra, endocrinologista, neurologista, central, ocorrem alterações nos núcleos vesti-
psiquiatra, cardiologista, oftalmologista, reu- bulares e/ou nas inter-relações vestibulares e/
matologista, imagenologista, entre outros) deve ou auditivas no SNC. Nestes casos, é comum
ser considerada e assume grande importância a presença de desequilíbrio severo, oscilopsia,
(Quadro 4). sintomas neurológicos e lenta compensação dos
CONSIDERAÇÕES ESPECÍFICAS sintomas.16 A história clínica bem conduzida
Em relação à investigação da vertigem, é capaz de fornecer dados qualitativos impor-
alguns parâmetros são fundamentais na anam- tantes, capazes de direcionar o diagnóstico e o
nese otoneurológica: característica clínica dos acompanhamento do paciente.17
sintomas, início, intensidade, duração, evolução No exame clínico, deve-se realizar a avalia-
temporal, sintomas associados, doenças de base, ção do equilíbrio postural e da função cerebelar
fatores predisponentes à tontura e fatores de me- (ambas com olhos abertos e fechados) e da
lhora ou piora.8,9,14 Entre as doenças vestibulares presença ou ausência de nistagmo espontâneo
deve-se determinar se há um comprometimento ou posicional, de olhos abertos, a avaliação do
das estruturas vestibulares centrais ou periféri- funcionamento dos nervos cranianos, coloração
cas a partir da história clínica e exame físico, pois de mucosas, aferição da pressão arterial, ausculta
o tratamento e a evolução têm direcionamentos cardíaca e carotídea. Além destes, são ainda re-
diferentes.5 alizadas a avaliação do reflexo vestíbulo-ocular,
O sintoma mais comum nas vestibulopatias através da vectoeletronistagamografia – VENG
periféricas é a vertigem (importante observar (nistagmo posicional, nistagmo espontâneo e se-
se é episódio único ou recorrente). Se episódio miespontâneo, movimentos sacádicos, rastreio
único, aventar as principais hipóteses diagnósti- pendular, nistagmo optocinético, prova rotató-
cas: neurite vestibular, labirintopatia traumática ria pendular decrescente – PRPD e nistagmo
ou infecciosa, fístula perilinfática, ansiedade/ pós‑calórico) e, mais raramente, a avaliação da
pânico e Acidente Vascular Cerebral de fossa função vestíbulo-espinhal, através da posturo-
posterior. Se episódios recorrentes, as principais grafia estática e dinâmica.
hipóteses são: Vertigem Postural Paroxística Na avaliação das provas de equilíbrio
Benigna, hidropsia endolinfática, insuficiência estático, o paciente é colocado em posição
vértebro-basilar e migrânea vestibular.6 Outras ortostática, com os pés juntos e braços juntos
manifestações clínicas podem estar associadas ao corpo (testes de Romberg e, eventualmente,
às queixas de tontura: manifestações neurovege- Romberg‑Barré – sensibilizado pela colocação
tativas (náusea, vômitos, sudorese, taquicardia), de um pé diante do outro), há lateralização para
alterações neurológicas, sintomas auditivos direita ou esquerda (dependendo do labirinto
(hipoacusia, plenitude auricular, otalgia, acú- lesado) nos casos de afecções vestibulares; que-
fenos) sinais auditivos (otorreia, otorragia), da geralmente sem lado preferencial nos casos
desequilíbrios/queda, síncope/pré-síncope e de afecções centrais; queda após a inibição da
alterações psíquicas.9 fixação ocular nos casos de afecções propriocep-
Quando a origem é periférica, seja ela irri- tivas; em casos de cerebelopatias há alargamento
tativa ou deficitária, ocorrem distúrbios devido da base de sustentação, sem a qual ocorre queda
ao comprometimento do órgão labiríntico e para os lados (Fig. 3a e 3b). Eventualmente, pode
do nervo vestibular até sua entrada no tronco ocorrer queda para frente ou para trás em casos
encefálico, com conflito de informações, es- de acometimento em regiões centrais (vérmix)
pecialmente se o acometimento for unilateral. do cerebelo.
Nestes casos, é comum a presença de náuseas/ À realização da prova de equilíbrio dinâ-
vômitos severos, disacusia e compensação mico de Unterberger, que envolve uma marcha
rápida dos sintomas.15,16 Nos casos de origem do paciente sobre um ponto fixo com os olhos
Figura 3a e 3b: Sexo feminino, 79 anos, tonturas não rotatórias há 2 anos, com crise aguda de
desequilíbrio e tontura rotatória recentes; dismétrica e disdiadocinésica à avaliação clínica.
Ressonância magnética em cortes coronal e axial, demonstrando ampla área isquêmica com
hipossinal em T1 e hiperssinal em T2, comprometendo as substâncias branca e cinzenta do ce-
rebelo à direita (setas). Observe marcada redução volumétrica cerebral e moderada cerebelar.
fechados, ocorrerá alteração se o paciente mado teste dinâmico de Fukuda-Unterberger;
apresentar um deslocamento lateral ou desloca- nesta aferição deslocamentos laterais de até 45º
mento anterior ou posterior; geralmente, nestes ou rotação de até 60º são consideradas aceitá-
casos em que ocorrem tais tipos de alteração, veis, principalmente em pacientes idosos. Por
o paciente desvia em direção ao labirinto hi- fim, o teste de Babinski-Weill também avalia o
pofuncionante. Este teste pode ter aferição do equilíbrio dinâmico e pode denotar a suspeita
deslocamento quando tomada por base uma de afecção cerebelar quando o paciente apre-
cruz sobre a qual o paciente marcha, no cha- senta marcha ebriosa ou em estrela quando de
ciados, podendo cursar com leve perda auditiva quências graves e, em alguns casos, também nas
sensório-neural. Ressalte-se que a destruição to- frequências agudas, configurando o padrão em
tal da função auditiva e vestibular pode decorrer curva “U” invertido. Em fases mais avançadas,
de infecções por vírus como ocorre na Caxumba a perda auditiva ocorre em todas as frequências
e Herpes Zoster; nestes, além do acometimento e o audiograma tende a apresentar-se como
neural, ocorre ainda comprometimento do uma curva mais plana. Felizmente, apenas uma
ouvido interno. pequena parcela de pacientes com esta doença
torna-se severamente incapacitado. Além das
Síndrome/Doença de Ménière crises características e sua típica evolução, o
Diferente da conceituação geral, a síndrome diagnóstico pode ser firmado pela Eletrococleo-
de Ménière é o termo que se refere à doença de grafia, onde pode ser observado um aumento na
causa definida e apresenta a hidropsia endo- latência dos potenciais de somação e de ação do
linfática como o seu substrato fisiopatogênico nervo coclear, além de um aumento na relação
(Figura 4), ao passo que a doença de Ménière entre os mesmos, com relação diretamente pro-
tem etiologia destas alterações audiovestibula- porcional ao aumento da pressão endolinfática.
res desconhecida. A hidropsia é definida como
aumento do volume da endolinfa com conse-
Labirintite aguda
quente dilatação do sistema endolinfático, sendo Geralmente, decorre de intoxicações agudas
que uma crise típica compreende vertigens (e.g. álcool) ou por infecções na orelha média,
associadas à piora da audição (perda auditiva disseminação hematogênica ou através das
sensorioneural flutuante, porém progressiva), meninges, trauma físico ou barotrauma. Os
zumbidos, plenitude aural, desconforto a sons sintomas são típicos de uma síndrome labi-
intensos, diplacusia e sintomas neurovegetati- ríntica periférica aguda, onde ocorre vertigem
vos. No início da doença, a audiometria tonal rotatória para o lado afetado, desvios segmen-
limiar apresenta perda sensorioneural nas fre- tares ipsilaterais e se observa nistagmo com fase
rápida para o lado acometido.26-30 A otite média periférica aguda ou crônica, na dependência do
aguda leva a uma inflamação do revestimento fator etiológico, sendo este geralmente detectado
mucoperiosteal da cavidade da orelha média, à anamnese e ao exame físico. Nas síndromes
originada por um agente microbiano, desen- de deiscência de canal semicircular superior, há
cadeando alterações funcionais e estruturais, descontinuidade óssea, habitualmente no ápice
levando à otalgia, plenitude, acúfenos, hipoa- do canal, deixando o espaço perilinfático em
cusia e algumas vezes vertigem29,30 pela invasão íntimo contato com a dura-máter da fossa cra-
do espaço perilinfático através da membrana niana média sujeitando o referido espaço a um
da janela redonda, ao passo que nos casos de
aumento de pressão ou alterações hidrodinâmi-
acometimento crônico além desta via, pode
cas no mesmo, gerando sintomas vestibulares e
ocorrer destruição óssea e invasão direta deste
perda auditiva condutiva ou mista (Figura 5).
mesmo espaço. Além dos sinais e sintomas au-
diológicos, podem ocorrer cefaleias temporais, Cinetose
instabilidade e vertigem.28-30
É uma síndrome caracterizada por ver-
Fístula Labiríntica tigem, palidez, náusea, vômito, sudorese,
A fístula labiríntica é uma comunicação salivação, bocejos e mal-estar global, devidos
anormal entre a orelha interna e estruturas adja- à estimulação excessiva do sistema vestibular
centes, geralmente ouvido médio e/ou mastoide. quando em “ambiente em movimento”, com
Podem ocorrer de forma congênita ou adquirida o sistema labiríntico submetido a acelerações
súbita (trauma físico, barotrauma, iatrogênica) lineares e angulares. A não concordância entre
ou estarem associadas a alterações crônicas as mensagens envolvidas no equilíbrio (sistema
regionais (e.g. otite média crônica, tumores). vestibular, visual e proprioceptivo) é o desenca-
As crises se assemelham a uma crise labiríntica deante dos sintomas.
Figura 5: Sexo feminino, 29 anos, tonturas rotatórias há 2 anos, perda auditiva condutiva.Tomo-
grafia computadorizada em corte sagital demonstrando área deiscente no canal semicircular
superior (seta).
Síndrome de Wallenberg
Também conhecida como síndrome da
artéria cerebelar posterior inferior; decorre de
acidente vascular cerebral na artéria vertebral
ou cerebelar póstero-inferior. Caracteriza-se por
alterações sensoriais que acometem o tronco e
as extremidades do lado oposto ao acidente vas-
cular e hiposensibilidade/hipofunção que afeta
a face e os nervos cranianos ipsilateralmente à
doença. Além de dificuldades na deglutição,
rouquidão, soluços e hipogeusia, ocorrem
alterações de equilíbrio e marcha, nistagmo e
vertigem (com látero-pulsão ipsilateral) com
náuseas e vômitos.
Alterações circulatórias no território da Figura 6: Sexo masculino, 55 anos, tonturas
artéria cerebelar ântero-inferior podem levar há anos, Arteriografia demonstrando este-
nose do óstio da artéria vertebral direita
à isquemia das estruturas irrigadas por esta (seta).
incidência na população mundial. É, talvez, the Vestibular System. 2nd ed. London: Oxford
Press; 2001.
a principal queixa após os 65 anos de idade,
presente em cerca de 80% da população. A sua 10. Nishino LK, Ganança CF, Manso A, et
al. Reabilitação vestibular personalizada:
origem tem, em aproximadamente 85% dos levantamento de prontuários dos pacientes
atendidos no ambulatório de otoneurologia
casos, localização no sistema vestibular, sendo as da I.S.C.M.S.P. Rev Bras Otorrinolaringol.
outras causas combinadas ou de origem exclusi- 2005;71(4):440-7.
va ocular, neurológica, psíquica, metabólica ou 11. Ganança FF, Perracini MR, Ganança CF.
Reabilitação dos distúrbios do equilíbrio
cardiovascular. Dessa forma, um conhecimento corporal. In: Ganança MM (coord.) Vertigem:
apropriado sobre sua etiologia e fisiopatologia abordagens diagnósticas e terapêuticas.
Fascículo III. 1 ed. São Paulo: Lemos; 2002.
possíveis é extremamente importante.
O principal desafio do médico diante de um 12. Ganança FF, Ganança CF, Caovilla HH, et al.
Como manejar o paciente com tontura por meio
paciente com queixa de vertigem é a realização da Reabilitação Vestibular. 1 ed. São Paulo:
Janssen-Cilag; 2000.
do diagnóstico (topográfico e etiológico) e a
definição do plano terapêutico, uma vez que 13. Campos CAH. Principais quadros clínicos no
adulto e no idoso. In: Ganança MM, editores.
as inúmeras doenças e situações clínicas que Vertigem tem cura? 1 ed. São Paulo: Lemos;
1998.
cursam com este sintoma, geralmente, requerem
abordagem e tratamento específicos. Ressalte-se 14. Herdman SJ. Reabilitação Vestibular. 2nd ed.
São Paulo: Manole; 2002.
que o fator etiológico associado à vertigem pode
15. Ganança MM, Caovilla HH, Ganança
ser suspeitado durante a anamnese em 80% CF. Vertigem e sintomas correlacionados
dos casos. Quando não há certeza diagnóstica avaliação funcional do sistema vestibular In:
Ganança MM. (coord.) Vertigem: abordagens
nesta etapa, a identificação é feita ao final da diagnósticas e terapêuticas. Fascículo I. 1 ed.
investigação complementar (exames audio- São Paulo: Lemos; 2002.
Roberta Bak
Médica Otorrinolaringologista;
Residência Médica em Otorrinolaringologia -
HUCFF-UFRJ;
Primeira Tenente Médica Otorrinolaringologista -
PMERJ.