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CAFÉ:VIDA,PRODUÇÃOeTRABALHO

AGRICULTORES FAMILIARES E ASSALARIADOS RURAIS


BRASIL

R
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APRESENTAÇÃO
A Coalizão do Café, que é uma iniciativa de organizações sindicais e
ONGs holandesas, atua em âmbito mundial pelas melhores condições
sócio-trabalhistas na produção e comércio do café. No Brasil, a
Coalizão se articula com a Aliança Nacional do Café - formada por
Oxfam Internacional, Central Única dos Trabalhadores (CUT),
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag),
federações estaduais dos trabalhadores na agricultura, sindicatos e o
Instituto Observatório Social - que atua pelos mesmos objetivos.

Em setembro de 2002 foi lançada a campanha global “O que tem na


sua xícara” que trata da crise do café e busca apresentar propostas que
impliquem em melhores condições para os agricultores(as) familiares,
bem como para os assalariados(as) rurais. Naquele momento, a Aliança
Nacional apresentou a publicação “Café do Brazil - O sabor amargo
da crise”, uma reportagem mostrando os caminhos do café no Brasil e
sua importância para agricultores familiares e assalariados rurais. Em
maio de 2003, já como uma parceria entre a Aliança Nacional e a
Coalizão do Café da Holanda, foi lançado “Café e Pobreza - Sara Lee:
teoria e prática na responsabilidade social”, que trata da atuação dessa
multinacional no Brasil a partir deste produto.

Em continuidade ao trabalho, as organizações acima apresentam


agora uma nova publicação. “Café: Vida, Produção e Trabalho -
Agricultores Familiares e Assalariados Rurais” é um estudo que
analisa a cadeia produtiva do café, com ênfase nas condições de vida e
trabalho nas duas principais regiões produtoras do Brasil: Sul de
Minas Gerais e Noroeste do Espírito Santo. Diferente das publicações
anteriores, o estudo atual tem uma perspectiva de pesquisa, buscando
identificar e tratar os elos da cadeia de produção do café ao mesmo
tempo em que prioriza apresentar a situação dos assalariados rurais.

Esta publicação, a exemplo das anteriores, foi desenvolvida pela equipe


do Instituto Observatório Social e vem somar-se às ações das
organizações da Coalizão do Café e da Aliança Nacional do Café para
atingirem sua meta comum: a melhoria das condições de vida e de
produção dos agricultores familiares, trabalhadores rurais e demais
trabalhadores do café.

Coalizão do Café
Contag
CUT
Oxfam Internacional
Instituto Observatório Social
ÍNDICE
UMA VISÃO GERAL DO COMPLEXO _________________________ 07
Mercado externo ______________________________________ 08
O mercado de café nos últimos anos ___________________________ 12
Mercado interno ______________________________________ 13
Exportar café com maior valor agregado _________________________ 14
A desregulamentação dos anos 90 ____________________________ 17
Agricultura familiar e mão-de-obra____________________________ 18
CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ NO SUL DE MINAS GERAIS __________ 23
Características populacional e sócio-econômica da região sul de Minas Gerais ____ 24
Café – aspectos técnicos e produtivos __________________________ 26
Estrutura de produção do café arábica no sul de Minas ________________ 28
Colheita do café ______________________________________ 30
Pós colheita _________________________________________ 32
Assalariados do café no sul de Minas – salários e condições de trabalho ______ 36
Demais atores e seus papéis na cadeia produtiva do café _______________ 38
Cooperativas ________________________________________ 40
Corretores __________________________________________ 40
Indústrias __________________________________________ 41
A CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ NO NOROESTE DO ESPÍRITO SANTO ___ 43
Características populacional e sócio-econômica da região _______________ 44
Café - aspectos técnicos e produtivos ___________________________ 46
Estrutura e características da cadeia produtiva do café ________________ 49
Aspectos do emprego na cadeia do café _________________________ 51
Parceria no café ______________________________________ 51
Trabalhadores assalariados ________________________________ 53
Salários ___________________________________________ 53
Principais problemas da cadeia do café - a opinião dos atores ____________ 53
A questão da representação sindical dos assalariados rurais _____________ 54
A questão da intermediação _______________________________ 55
ALTERNATIVAS NO ENFRENTAMENTO DAS DIFICULDADES _______________ 57
2

Trabalhadores assalariados rurais
e agricultores familiares do setor
do café lutam pela melhoria das
condições de vida nesse contexto
de concentração e exclusão social

” 3
4
INTRODUÇÃO
O complexo agroindustrial do café é um dos mais tradicionais e importantes
na economia brasileira, tanto pela geração de renda, quanto no número de
produtores e trabalhadores empregados, constituindo-se na segunda cultura que
mais gera empregos no campo, sendo superado apenas pela de grãos. O com-
plexo, em 2003, foi responsável por 2,1% do total das exportações brasileiras, o
que significou US$ 1,5 bilhão em divisas.
Embora exista uma vasta bibliografia sobre o complexo agroindustrial do
café, esta, em geral, pouco se detém sobre o segmento agrícola, sobre os agricul-
tores familiares e, principalmente, sobre os trabalhadores assalariados rurais. Os
estudos e pesquisas neste setor, em geral, enfocam as questões de mercado,
novas tecnologias de produção, redução de custos, aumento do valor agregado à
cultura e aumento das exportações. Grande parte dos estudos, enfocando as
condições de trabalho na lavoura cafeeira, foi produzida ainda nas décadas de
1970/1980 e dava conta, em geral, do processo de expulsão dos trabalhadores
moradores das grandes propriedades, que se tornaram assalariados contratados
para trabalhos de curta duração.
Este relatório analisa a cadeia produtiva do café, tendo como ênfase as
condições de vida e trabalho dos agricultores familiares e dos assalariados rurais,
tendo como base de investigação de campo as duas principais regiões produtoras
do país: Sul de Minas, produtora de café do tipo arábica, ou café de altitude; e
Noroeste do Espírito Santo, onde se produz café do tipo robusta, ou conillon.
Um de seus objetivos é contribuir para o estabelecimento de normas de
conduta para a cadeia produtiva do café, que apontem para a melhoria das
condições de vida e trabalho dos trabalhadores assalariados rurais e dos agricul-
tores familiares que cultivam café, vítimas do processo de concentração e exclu-
são presentes neste complexo agroindustrial.
O trabalho dá atenção também às possibilidades de melhoria no negócio do
café, objetivando o aumento da agregação de valor, nas duas regiões estudadas.
Todavia, parte-se da constatação de que apenas a agregação de valor não
resolve o problema da distribuição desigual dos ganhos entre os elos que com-
põem a cadeia produtiva do café.
As informações coletadas ao longo da pesquisa foram organizadas neste
Relatório partindo do geral para o específico. Inicialmente é apresentada uma
breve caracterização dos estados e das regiões estudadas, a partir de informa-
ções sócio-econômicas; em seguida, estão os aspectos técnicos e produtivos do
café, as estruturas da cadeia produtiva nas regiões, os atores envolvidos no
processo, as questões relativas ao emprego e à atuação sindical. Buscou-se
salientar os principais problemas vivenciados na cadeia produtiva, segundo a
opinião dos atores, e apresentar recomendações para a elaboração de propostas
alternativas no enfrentamento desses problemas.

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6
UMA VISÃO GERAL DO COMPLEXO

7
Mercado Externo
UMA VISÃO GERAL DO COMPLEXO O complexo do café é de grande importância
na geração de renda e de divisas, resultantes das
exportações. O Brasil mantém-se como o maior
produtor e exportador mundial, embora sua partici-
pação no mercado internacional1 esteja decrescen-
do. Se na década de 1960 o Brasil era responsável
por mais de 40% das exportações mundiais de
café, na primeira metade da década de 1990, essa
participação tinha se reduzido para cerca de 20%.
Apenas no final dos anos 90, com a desvalorização
do real em relação ao dólar, houve uma recupera-
ção parcial da importância do Brasil no comércio
internacional do produto. O mesmo comportamen-
to teve a produção brasileira de café em grão, que
nos últimos 30 anos decresceu.
Na década de 1990 houve uma mudança
importante no cenário mundial dos países produto-
res do café. Esta mudança reflete um aumento
considerável da produção para exportação dos
países asiáticos, com destaque para o Vietnã, que
passou a ser o segundo país produtor de café no
mundo, assumindo a posição até então ocupada
pela Colômbia.
O decréscimo da produção brasileira foi
resultado de uma política de erradicação de pés e
controle de estoques, empreendida pelo governo
brasileiro, até a década de 1990. A partir daí, com
a desregulamentação2 , a produção de café passou
a ser definida por produtores ou por grupos de
produtores. A redução da produção de café em
grãos afetou também o comportamento do seg-


mento de produção de café solúvel, que teve perda
de participação no mercado internacional.

Mesmo com participação


decrescente no mercado mundial,
o Brasil ainda é o maior
exportador de café. Estima-se que
mais de 700 mil pessoas trabalhem


na cultura cafeeira

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TABELA 1 - OFERTA MUNDIAL DE CAFÉ: BRASIL E MUNDO (EM MIL SACAS DE 60 KG)
1990 1995 2000 2002
Brasil 27.321 15.784 32.005 48.480
Colômbia 14.231 12.878 10.532 11.250
Vietnã 1.390 3.938 14.775 10.000
Indonésia 7.441 5.865 6.947 5.670
Índia 2.829 3.560 4.526 4.588
México 4.674 5.300 4.815 4.000
Etiópia 2.909 2.860 2.768 3.750
Costa do Marfim 2.940 2.532 4.846 3.433
Guatemala 3.271 4.002 4.940 3.143
Peru 937 1.871 2.596 2.900
Demais Países 25.378 26.660 23.584 21.589
Total Geral 93.321 85.250 112.334 118.803
Total sem Brasil 66.000 69.466 80.329 70.323
Brasil/Total (%) 29,28 18,51 28,49 40,81
Fonte: Organização Internacional do Café
Elaboração: Observatório Social

GRÁFICO 1 - PARTICIPAÇÃO DA PRODUÇÃO BRASILEIRA NA PRODUÇÃO MUNDIAL (%)

Fonte: Organização Internacional do Café.


Elaboração: Observatório Social

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GRÁFICO 2 - PRINCIPAIS PAÍSES IMPORTADORES DE
CAFÉ DO BRASIL (EM MIL SACAS DE 60 KG) 1992 – 2001

Fonte: IBGE; SECEX/MDIC


Elaboração: Observatório Social

O principal país importador de café do mundo


e do Brasil é, sem dúvida, os Estados Unidos, como
mostrado no Gráfico 2. Mas chama a atenção a
posição ocupada pela Alemanha, que detendo uma
população muitas vezes menor que a estadunidense,
importa quase tanto quanto este. Também têm papel
de destaque, entre os principais importadores, a
Itália e o Japão. Nesse aspecto, deve-se salientar
para a prática da reexportação adotada pelos países
europeus, fundamentalmente, a Alemanha, a Itália e
a Holanda, que compram mais café do que suas
necessidades de consumo internas, visando a reven-
da a outros países, não mais com café em grão, mas
com café torrado e moído, café torrado e solúvel,
enfim, café com maior valor agregado.

TABELA 2 - EXPORTAÇÃO DE CAFÉ (EM MIL SACAS DE 60 KG)


PAÍS 1990 1995 2000 2002
Brasil 16.971 14.411 18.016 27.908
Vietnã 1.145 3.546 11.619 11.771
Colômbia 13.944 9.814 9.175 10.273
Indonésia 6.903 3.947 5.355 3.967
Índia 1.979 2.469 4.441 3.516
Guatemala 3.240 3.701 4.852 3.491
Uganda 2.353 3.079 2.513 3.358
Costa do Marfim 4.283 2.494 6.110 2.901
Peru 1.105 1.760 2.362 2.789
Honduras 1.735 1.796 2.879 2.711
Demais Países 26.903 20.553 21.841 14.623
Total 80.562 67.573 89.162 87.309
Fonte: Organização Internacional do Café.
Elaboração: Observatório Social

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TABELA 3 - REEXPORTAÇÃO DE CAFÉ (EM MIL SACAS DE 60 KG)
Países/Anos 1990 1995 2000 2002
Alemanha 3.292 3.220 5.099 6.669
Estados Unidos 825 1.841 2.301 2.506
Bélgica 891 1.328 2.455 2.416
Cingapura 1.142 1.862 1.411 1.892
França 913 1.081 1.198 1.428
Itália 383 749 1.181 1.376
Espanha 265 397 762 1.180
Holanda 585 617 1.133 1.102
Inglaterra 482 633 715 863
Áustria 415 229 439 552
Demais Países 454 842 1.247 1.401
Total 9.645 12.798 17.939 21.385
Fonte: Organização Internacional do Café.
Elaboração: Observatório Social

Este mercado da reexportação poderia ser não é ocupado pelos países produtores de café
ocupado pelo Brasil, assim como pelos demais devido às barreiras comerciais existentes, funda-
países produtores, na medida em que estes detêm a mentalmente na Europa e nos Estados Unidos e
produção e a tecnologia para processamento do devido, também, à estratégia de expansão e con-
café e, como no caso do Brasil, têm capacidade de centração das grandes empresas transnacionais
processamento. Evidentemente que este espaço atuantes no mercado de café e alimentos.

TABELA 4 - IMPORTAÇÃO DE CAFÉ (EM MIL SACAS DE 60 KG)


Países/Anos 1990 1995 2000 2002
Estados Unidos 21.007 17.107 23.827 21.701
Alemanha 13.671 12.852 14.382 15.733
Japão 5.506 5.597 6.975 7.367
França 6.301 6.214 6.643 7.055
Itália 5.242 5.388 6.344 6.556
Espanha 3.053 3.146 3.820 4.088
Bélgica 2.015 2.401 3.759 4.030
Inglaterra 2.898 2.807 3.096 3.021
Holanda 3.128 2.910 3.044 2.864
Áustria 1.880 1.231 1.301 1.497
Demais Países 8.323 7.105 8.138 8.667
Total 73.023 66.759 81.319 82.580
Fonte: Organização Internacional do Café.
Elaboração: Observatório Social

Nos tradicionais mercados importadores de ções. Por outro lado, os produtores brasileiros,
café do Brasil ocorreu o crescimento da demanda acostumados ao peso das exportações brasileiras no
por cafés especiais3 , frente à demanda por café mercado de café commodity, também pouco investi-
commodity, ou café verde. Embora já houvesse ram neste segmento de cafés especiais, que apresen-
sinais de mudança na demanda externa nesta dire- tam preços diferenciados e mais elevados no merca-
ção, o Brasil pouco investiu, enquanto país produtor, do externo. Mais adiante, quando tratada a produ-
neste segmento de café de qualidade. A movimenta- ção de café no Sul de Minas, as iniciativas em curso
ção do Brasil e dos governos foi sempre no sentido na produção de cafés especiais, que vêm tentando
de controle da produção e dos estoques nacionais e reverter mesmo que tardiamente este quadro, serão
internacionais e não na diferenciação das exporta- melhor exploradas.

11
O MERCADO DE CAFÉ NOS ÚLTIMOS ANOS
ÚLTIMOS
O Gráfico 3 apresenta a evolução dos custos mais atualizados, foi possível perceber, através da
de produção e preços pagos ao produtor no pesquisa de campo, que os produtores de café na
estado de Minas Gerais. Os dados são da safra 2003/2004 tiveram seus preços cotados dos
Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores custos de produção. Isto porque houve uma rápida
em Guaxupé Ltda)4 , a maior cooperativa de elevação do dólar no segundo semestre de 2002,
produtores de café do Brasil, o que dá uma boa que perdurou até o início de 2003, provocando a
amostra dos custos de produção de café arábica alta dos insumos utilizados no café, cotados nesta
no país. Os dados foram calculados para uma moeda. Isso ocorreu num momento em que era
produtividade média de 20 sacas por hectare. imprescindível a aplicação destes insumos para não
A linha de custo de produção indica uma comprometer a safra 2003/2004. Porém, os
tendência de crescimento ao longo dos anos obser- preços internacionais do café permaneceram os
vados. Já a linha de preços mostra a volatilidade mesmos da safra anterior, embora o volume
do mercado, além de apontar um longo período produzido, devido a bianualidade5 do café arábica,
(1991 a 1994) de preços médios, recebidos pelos tenha sido menor. Com isso, os produtores deste
produtores, inferiores aos custos totais de produ- tipo de café não puderam ressarcir-se do gasto
ção. Embora não dispondo de gráficos de custos com os insumos, fechando a safra com prejuízos.

GRÁFICO 3 - PREÇOS E CUSTOS DO CAFÉ ARÁBICA NO MERCADO BRASILEIRO - MÉDIA MINAS GERAIS (US$/SACA)

Fonte: Cooxupé.
Elaboração: Observatório Social

Para o café arábica, a Tabela 5 revela que,


entre os maiores produtores mundiais, o Brasil é o
que possui menor custo de produção. Com relação
à produtividade, embora o Brasil apresente um
desempenho inferior ao da Colômbia, sabe-se que,
com as técnicas de adensamento que estão sendo
incorporadas nas novas áreas de produção, a
produtividade média brasileira deve aumentar para
algo em torno de 1.000 a 1.200 kg/ha (20 sacas/ha).

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TABELA 5 - CUSTO DE PRODUÇÃO E PRODUTIVIDADE DOS PRINCIPAIS
PAÍSES PRODUTORES DE CAFÉ ARÁBICA (SAFRA 1994/95)
PAÍSES Custo Produtividade Produção
de Produção (kg/ha) (mil de sacas
(US$ ton/ha) de 60 kg)
Brasil 1.546,1 709 22.700
Colômbia 1.954,7 771 12.900
México 2.260,5 447 4.075
Guatemala 1.635,9 771 3.150
Etiópia 761,3 528 3.300
Costa Rica 2.287,5 1.548 2.450
Honduras 1.738,3 575 2.050
El Salvador 1.868,1 822 2.330
Fonte: USDA, OIC
Elaboração: Observatório Social

GRÁFICO 4 - PREÇOS MÉDIOS DO CAFÉ


ARÁBICO-BRASILEIRO, PREÇOS MÉDIOS DO
CAFÉ ARÁBICO-COLOMBIANO, PREÇOS
MÉDIOS DO CAFÉ ROBUSTA (EM US$/LB)

MERCADO INTERNO
O mercado consumidor interno de café é o
segundo maior do mundo e, nos últimos cinco anos,
tem apresentado um consumo crescente, embora o
consumo per capita permaneça quase constante,
contrariando a tendência que vinha se apresentando
na década de 19806 . Em 1997, o consumo do-
méstico de café alcançou o patamar de 11,5 mi-
lhões de sacas e, em 2002, 13,5 milhões, conforme
gráfico a seguir.

13
GRÁFICO 5 - CONSUMO INTERNO DE CAFÉ (MILHÕES DE SACAS DE 60 KG)

Fonte: Organização Internacional do Café


Elaboração: Observatório Social

EXPOR
EXPORTTAR CAFÉ COM MAIOR VVALOR
ALOR AGREGADO
No complexo agroindustrial do café, como mundo em 2002 (ver Tabela 3), estima-se que 1/3
em todos os complexos agroindustriais brasileiros, seja na forma de café verde, após sofrer processo
têm surgido análises que defendem a necessidade de rebeneficiamento.
de exportar café com maior valor agregado. Isto É necessário, no sentido da agregação de
significa incorporar ao produto mais serviços e/ou valor, desenvolver pesquisas enfocando não só a
insumos, de tal forma que os preços alcançados no questão da produtividade agronômica, como
mercado externo sejam superiores aos atualmente também a diferenciação da bebida (diferentes
auferidos, pela exportação do café em grão. aromas/corpos, buquês, acidez etc.). Incluem-se as
Existem várias formas de se agregar valor à inovações tecnológicas, ou seja, novos tipos de
exportação de café, a mais evidenciada pelas ten- produtos industrializados, como o café solúvel e o
dências internacionais é a de aumentar a produção e café já torrado, o café torrado e moído com mar-
exportação de cafés especiais ou diferenciados, cas nacionais, que são as principais formas de
assim como de café solúvel. Medidas de promoção agregação de valor ao café, além do mercado de
e marketing são outras formas válidas, pois esse balas, bolos, doces, sorvetes etc.
processo tende a criar uma posição monopolística Também, no segmento de cafés especiais,
para o produto, possibilitando assim um diferencial uma tendência parece estar em crescimento – a de
de preços no mercado. Porém, a produção de cafés cafés rastreados. Ou seja, cafés que chegam às
especiais requer investimentos, dado que envolve mãos do consumidor com todas as informações do
gastos em cuidados nas operações de colheita e processo de produção – onde foi produzido, por
pós-colheita, para a conseqüente melhoria na quali- que família, sob que condições climáticas, agríco-
dade. Além da disposição de investir na produção e las, sociais, trabalhistas e ambientais, quais insumos
no marketing, a agregação de valor não leva a uma foram utilizados etc. E nesta tendência está contida
distribuição mais igualitária dos ganhos, internamente, uma outra que é a do comércio justo e transparen-
para todos os elos da cadeia, e, de outro lado, te. Isto é, no acompanhamento do processo de
esbarra também na posição oligopsônica das gran- produção a existência da possibilidade do consumi-
des empresas transnacionais que têm margens dor de visualizar a distribuição dos ganhos por
elevadas de ganhos na reexportação de cafés espe- todos os elos da cadeia produtiva, e em que condi-
ciais, já com blendies7 elaborados segundo as ções esse café está sendo produzido.
demandas dos importadores. Do total dos mais de Entretanto, quando se fala em exportar café
82,58 milhões de sacas de café reexportados no com maior valor agregado, a questão que tem
14
chamado mais atenção no momento se refere ao Embora a estratégia de aumentar a exportação
café torrado e moído (T&M), que é uma forma de de café com maior valor agregado (cafés especiais,
agregar valor com mais baixo investimento. A café solúvel e café T&M) seja interessante para o
questão de exportar café torrado e moído agora está país, e já esteja sendo perseguida por empresários do
ganhando maior destaque com o engajamento, nesse setor, é necessário que haja preocupação com a
processo, do Governo Federal, através da Comis- melhor distribuição dos ganhos por toda a cadeia
são do Café do Ministério da Agricultura, em con- produtiva, propiciados por esta agregação de valor.
junto com a Confederação Nacional da Agricultura Isto poderá fazer, de uma só vez, tanto a desejável
(CNA)8 . Recentemente foi aprovada ata recomen- internalização de ganhos existentes no mercado
dando que o Governo atue não só no sentido de externo, que são açambarcados pelas empresas
eliminar barreiras, como também de criar facilidades transnacionais, como também tornar-se uma estratégia
para a exportação de café especial torrado e moído. redistributiva, necessária para reverter o processo de
O comércio mundial de café T&M alcança hoje exclusão econômica e social que vêm passando os
mais de 6,5 milhões de sacas, tendo a França como o trabalhadores assalariados e os agricultores familiares.
principal importador, com cerca de um milhão de O que se verifica na maior parte dos comple-
sacas, seguida de Canadá e Estados Unidos. Quanto xos agroindustriais em que é adotada a estratégia
aos países produtores de café, o total exportado foi de aumento do valor agregado (citrícola e
inferior a 118 mil sacas em 2000, equivalente a 1,82% canavieiro, apenas para citar dois), é o fortaleci-
deste mercado. O que significa que a reexportação9 mento de alguns elos da cadeia em detrimento de
pelos países importadores abrange mais de 98% outros. Em geral, os agricultores familiares e, mais
deste segmento de mercado. Como o processo de fortemente, os trabalhadores assalariados não têm
torrefação e moagem é tecnologicamente simples, as se beneficiado dessa estratégia, que tem concentra-
barreiras para ampliação das exportações de café do os ganhos nos segmentos tradicionais exporta-
T&M não são tecnológicas, mas comerciais dores, ou nos novos exportadores, surgidos após o
Estima-se que, dado o atual parque industrial processo de desregulamentação da economia, após
existente no país, poder-se-ia exportar perto de 4 a década de 1990.
milhões de sacas de café T&M. Isto demonstra que a Em todos os complexos agroindustriais
exportação de café T&M esbarra, não apenas em estruturados, a partir da desregulamentação da
esforço individual de produtores, mas em barreiras década de 1990 e da extensão para todos os
comerciais poderosas, levantadas pelas empresas complexos do paradigma de produção enxuta, no
transnacionais que atuam no segmento de reexporta- qual os elos mais fortes transmitem para os mais
ção de café verde e T&M. Estas barreiras só pode- débeis o ônus da redução de custos, verifica-se
rão ser retiradas a partir de políticas comerciais, que também uma redução da rentabilidade dos produ-
dependem também dos Estados Nacionais e não tores menores e menos capitalizados e aumento da
apenas de esforço dos empresários do setor. Neste deterioração das condições de vida e trabalho dos
sentido, a atuação dos países exportadores na Orga- assalariados rurais, embora haja crescido o valor e
nização Mundial do Comércio (OMC) é crucial para a quantidade de produtos exportados.
o levantamento e/ou abrandamento destas barreiras. A tabela a seguir demonstra que a produção
de café continua tendo na Região Sudeste a sua
principal região produtora, com destaque nos
estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Mas é
possível perceber que as Regiões Norte e Nordes-
te e, mais especificamente, os estados de Rondônia
e Bahia começam a despontar, no final da década
de 1990, como as regiões e os estados em que
mais cresceu a produção de café. A tendência
esperada, e que tem sido apontada pelos atores
sociais do complexo cafeeiro, é que a Bahia venha
a alterar significativamente o mapa do café no
Brasil, devido aos investimentos ocorridos após a
década de 1990.
15
TABELA 6 - PRODUÇÃO, ÁREA PLANTADA E PRODUTIVIDADE DE CAFÉ EM COCO NO BRASIL POR ESTADOS E
REGIÕES EM 2001
Quantidade produzida % relação Área plantada % relação Produtividade
(tonelada) Brasil/Estado (hectare) Brasil/Estado (ton/ha)
Brasil 3.639.138 2.356.954 1,54
Norte 290.388 7,9796 248.109 10,53 1,17
Rondônia 255.701 88,0549 222.926 89,85 1,15
Pará 29.433 10,1357 22.218 8,95 1,32
Demais Estados 5.254 1,8093 2.965 1,20 1,77
Nordeste 178.567 4,9068 164.042 6,96 1,09
Bahia 171.579 96,0866 151.039 92,07 1,14
Ceará 4.730 2,6489 7.399 4,51 0,64
Demais Estados 2.258 1,2645 5.604 3,42 0,40
Sudeste 3.044.575 83,6620 1.826.972 77,51 1,67
Minas Gerais 1.703.316 55,9459 1.062.821 58,17 1,60
Espírito Santo 970.920 31,8902 539.927 29,55 1,80
São Paulo 356.000 11,6929 213.400 11,68 1,67
Rio de Janeiro 14.339 0,4710 10.824 0,59 1,32
Sul 57.484 1,5796 66.224 2,81 0,87
Paraná 57.464 99,9652 66214 99,98 0,87
Demais Estados 20 0,0348 10 0,02 2,00
Centro-Oeste 68.124 1,87 51.607 2,19 1,32
Mato Grosso 53.582 78,65 43.277 83,86 1,24
Goiás 10.731 15,75 5.559 10,77 1,93
Demais Estados 3.811 5,59 2.771 5,37 1,38
Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal
Elaboração: Observatório Social

Está ocorrendo no café uma espécie de retorno regiões tradicionais produtoras, nas quais a pequena
às origens. Isto porque a cultura do café começou produção e a produção familiar têm maior peso. A
no Brasil no estado do Pará, gradativamente ela se produção de café, nestas novas regiões, passa a
expandiu para outros estados do Nordeste e, poste- ocorrer em grandes plantações, empregando
riormente, chegou ao Rio de Janeiro e ao Vale do tecnologia de ponta, propiciadas pelo baixo preço
Paraíba. Através deste, ela chega a São Paulo e ao da terra nestes estados, relativamente aos preços da
Paraná e depois a Minas Gerais. Este trajeto parece terra em São Paulo e Sul de Minas. Este é o caso da
ter sido impulsionado pela busca de solos mais Bahia, onde, devido às condições propícias do
férteis e pela fuga das geadas. clima, mesmo pesando a pobreza dos solos, está
Mais recentemente, o café sobe de Minas atraindo produtores mais modernos e mais capitali-
Gerais para o Espírito Santo, para as novas Regi- zados, que estão investindo na produção irrigada de
ões do Cerrado Mineiro e chega a Rondônia e à café em áreas não suscetíveis a geadas.
Bahia, na região das chapadas, reiniciando o A maior parte dos produtos agrários de
caminho de volta às origens, em regiões mais exportação brasileiros tem como vantagem compe-
quentes, seu hábitat natural. Porém, neste novo titiva quatro fatores: terras a baixos preços, baixos
movimento, o que impulsiona não é mais a fertilida- salários, baixa remuneração dos produtores rurais,
de dos solos, mas parece ser a planura das áreas, principalmente os pequenos, e condições climáticas
que possibilita a motomecanização, a disponibilida- (sol o ano inteiro). No café, a variável chave
de de água para irrigação, a correção da fertilidade parece estar reduzindo o peso destes quatro
pela adubação química e a existência de terras a fatores principais a dois: terra barata e sol, atrela-
baixos preços e não sujeitas a geadas. dos à tecnologia de ponta em grandes produções.
Após a desregulamentação, está havendo no Desta forma, o café, caso esta tendência venha a se
café um processo de reconcentração fundiária e confirmar, afasta-se do grupo dos complexos
econômica. Como resultado deste processo, deverá agroindustriais da cana-de-açúcar e da laranja e
ocorrer uma redução da participação relativa das aproxima-se da soja, guardadas as especificidades.
16
A DESREGULAMENTAÇÃO DOS ANOS 90
DESREGULAMENTAÇÃO
De uma forma geral, os estudos realizados processo de globalização, cresceu o poder de
sobre o complexo agroindustrial do café atribuem mercado das grandes corporações transnacionais
a perda de competitividade à regulamentação, do setor de alimentos, que controlam os fluxos
exercida pelo Estado desde o período colonial. agroindustriais globais, visando a produção de
Segundo os autores citados aqui, a forte presença alimentos com maior valor agregado, para merca-
do estado no complexo inibia a modernização dos mais sofisticados e não para o mercado de
necessária e atenuava a incerteza, fatores que massa, que é o mercado tradicional do café.
impulsionam a busca por margens maiores de lucro, O café foi instituído no mercado mundial com
fundamento da chamada competitividade. Na a revolução industrial. O objetivo era a difusão de
pesquisa de COUTINHO, Competitividade da uma bebida com elevado poder energético, propi-
Economia Brasileira de 1993, o autor atribui à forte ciado pela cafeína, presente no café, capaz de
presença do estado no complexo como um dos sustentar a massa trabalhadora na dureza do
elementos para a perda de competitividade externa trabalho urbano industrial, com suas longas jorna-
do café brasileiro, especialmente no fato de a das de trabalho em condições insalubres. Portanto,
política externa fundamentar-se no controle de o café se torna bebida de massa, um produto que
estoques e não se derivar, como em outros países, passa a estar presente em todos os lares, princi-
para a produção de cafés mais finos, fora do palmente nos da classe trabalhadora. Porém, a
comércio de commodity. No trabalho de partir da década de 1970, com a redução do ritmo
FARINA, Estudo da Competitividade do de crescimento da economia mundial, passa a
Agronegócio Brasileiro, de 1998, esta posição de ocorrer o crescimento de produtos com maior
atribuir à regulamentação a perda de valor agregado, relativamente ao crescimento de
competitividade é mais enfática ainda. mercado de produtos de massa, resultado do
Estes trabalhos, porém, não explicam porque, encolhimento do mercado mundial de bens salários.
embora a desregulamentação já tenha ocorrido há As grandes corporações transnacionais tende-
mais de 10 anos, a competitividade do complexo no ram a elevar o seu poder competitivo em detrimento
exterior piorou. O Brasil participa hoje com apenas dos estados nacionais, da mesma forma que
32% do mercado externo, contra os 60% da década alavancaram a capacidade exportadora de países
de 1960, no auge da regulamentação. nos quais elas detinham maior poder de fogo, como
De um determinado ponto de vista, a regula- é o caso dos países asiáticos. Ao crescimento do
mentação pode ter, em alguns aspectos, fundamen- poder das grandes corporações, deve ser acrescen-
talmente no que tange à falta de agressividade tada a debilidade da política externa brasileira e dos
necessária aos exportadores brasileiros para a demais países exportadores de produtos primários,
competição internacional e a pequena inversão em absolutamente vacilante em tentar reduzir as barrei-
agregação de valor, pesado para a redução da ras alfandegárias e extra-alfandegárias, impostas
competitividade do café brasileiro. Mas, por outro pelos países importadores e reexportadores, que
lado, é necessário perceber que, com o chamado protegem suas empresas transnacionais.

17
O comportamento pouco agressivo e condes-
cendente da política externa brasileira provocou efeito
nefasto aos nossos produtos agroindustriais no
exterior. Todos os produtos (café, suco de laranja,
açúcar, soja e, mais recentemente o aço) apresenta-
ram baixa competitividade externa, pós-
desregulamentação, inclusive aqueles em que o
Estado sempre deteve um papel secundário na
coordenação, suco de laranja e soja, por exemplo.
Portanto, hoje, consideramos simplista jogar na
regulamentação do Estado o peso de nossa baixa
competitividade externa. É necessário colocar em
primeiro plano a mudança do quadro internacional, no
qual se destaca o crescimento do papel das grandes
corporações transnacionais e a política externa con-
descendente dos países produtores de commodities,
dependentes e ávidos por recursos externos.
Esta dependência por recursos externos tornou
os países exportadores mais condescendentes às
contrapartidas impostas: a abertura de suas econo-
mias; política externa complacente aos ditames dos
países importadores de commodities e baixa exi-
gência para a instalação no país de filiais das empre-
sas transnacionais, desnacionalizando o setor produ-
tor de alimentos para o mercado interno.
A desregulamentação e a inexistência de
políticas internas de sustentação geral do complexo
acarretaram um processo interno de diferenciação
entre os produtores. As cafeiculturas empresariais
com alta produtividade tendem a permanecer no
complexo, porém tendem a eliminar as cafeiculturas
familiares de pequena escala e regiões decadentes.
Isto é, a desregulamentação está tendo como
resultado, de um lado, o aumento da concentração
com a tendência à expulsão do complexo dos
agricultores familiares e, de outro, a transferência
para os trabalhadores da necessidade de redução
dos custos de produção, decorrendo daí o aumen-
to da precarização do trabalho.

AGRICULTURA FFAMILIAR
AGRICULTURA AMILIAR (PRODUÇÃO DE
PEQUENA ESCALA) E MÃO-DE-OBRA
No café, há o predomínio da agricultura de
base familiar com produção de pequena escala, com
utilização predominante de força de trabalho familiar
e o contrato de trabalhadores assalariados no
período da safra. Ocorre também em regiões de
elevada concentração de agricultores familiares a
organização de mutirões para a colheita. Segundo
18
Vegro e outros(1992), a partir de dados básicos O café é uma das culturas de maior absorção de
dos Censos Agropecuários de 1970, 1980, 1985, mão-de-obra rural, porém, com a desregulamentação
cerca de 54% da produção do café em coco (grão e com a crise de preços, ocorre o aumento da con-
seco) é obtida em estabelecimentos de até 100 ha. centração, com a inexorável tendência à expulsão dos
Já uma Comissão Especial da Assembléia Legislativa produtores menos competitivos do complexo, o que
de Minas Gerais afirma que 90% dos produtores de intensificou o êxodo rural, com conseqüente esvazia-
café brasileiros têm propriedades com menos de mento populacional nas áreas cafeicultoras. A Tabela
100 ha e que 36% do total produz em áreas de até 7 sugere que a erradicação e/ou abandono de cerca
10 ha. Isto apesar de que a queda de preços das de 780.000 ha de cafezais implicou na eliminação de
exportações, após plano Real, tenha gerado uma cerca de 249.600 empregos. Isto significa a conjuga-
profunda reestruturação na participação dos agricul- ção de três fatores absolutamente nefastos do ponto
tores familiares, na produção de pequena escala e na de vista social: redução do número de empregos,
composição do volume anualmente produzido. exclusão social e êxodo rural.

TABELA 7 - BRASIL: EMPREGO GERADO PELA CAFEICULTURA


Ano Área Empregos Gerados Pessoas Beneficiadas
Diretamente Indiretamente
1988 2.720.000 870.400 3.481.600 10.444.800
1992 1.940.000 620.800 2.483.200 7.449.600
Diferença 780.000 249.600 998.400 2.995.200
Fonte: Campanha (1992)
Elaboração: Observatório Social

TABELA 8 - BRASIL: EMPREGO E PESSOAS BENEFICIADAS DIRETA E INDIRETAMENTE NA CADEIA DO CAFÉ NOS
PRINCIPAIS ESTADOS PRODUTORES
Estados Área em produção N.ºCafeeiros Pessoas Pessoas Pessoas
(ha) (1.000 covas) empregadas/dia beneficiadas beneficiadas
(média) diretamente indiretamente
(média) (média)
Minas Gerais 1.062.000 2.295.300 307.980 1.231.920 3.695.760
Espírito Santo 538.960 1.130.920 156.298 625.192 1.875.576
São Paulo 228.520 418.120 66.271 265.084 795.252
Paraná 120.000 284.000 34.800 139.200 417.600
Bahia 101.440 276.378 29.417 117.668 353.004
Rondônia 208.000 302.500 60.320 241.280 723.840
Outros 87.860 177.860 25.480 101.920 305.760
Total 2.346.780 4.885.078 680.566 2.722.264 8.166.792
FONTE: CECAFÉ / DECEX/MDIC 2003

A inserção destas duas tabelas se deve à dos produtores de informar contingentes menores
necessidade de demonstrar que os dados sobre o do que realmente empregados, ou de não declarar.
número de pessoas empregadas e beneficiadas, Além disto, um mesmo trabalhador executa ativida-
direta e indiretamente, variam de acordo com a de remunerada em mais de uma cadeia
fonte e com a forma de estimativa utilizada. agroindustrial, propiciando dupla contagem. É por
Inexistem fontes precisas sobre a quantidade de isto que se apresenta abaixo a estimativa da
trabalhadores empregados diretamente nos com- Fundação SEADE de São Paulo, baseada em
plexos agroindustriais que utilizam uma grande equivalentes homem-ano empregados pela cultura.
quantidade de assalariados em contratos de curta De acordo com o acompanhamento feito pela
duração, como o complexo do café. Como são Fundação SEADE, a cultura do café permanece
contratos sem registro formal, há uma tendência como a segunda maior empregadora na agricultura

19
brasileira. Embora o levantamento desta Fundação moderna predomina a contratação de curta duração
seja feito com base no Equivalente Homem-Ano10 e de trabalhadores assalariados, que significa que
não em número de trabalhadores, ele é capaz de durante um mesmo ano agrícola, um mesmo trabalha-
mostrar com maior grau de precisão a demanda de dor pode, e freqüentemente o faz, prestar serviço em
força de trabalho, na medida em que na agricultura mais de uma cultura, o que possibilita dupla contagem.

TABELA 9 - REQUERIMENTO EM EQUIVALENTE-HOMEM/ANO DAS PRINCIPAIS CULTURAS DO BRASIL - 2000-2001


Cultura EHA 2000 EHA 2001 Variação % Área (1000 ha) Área(1000 ha) Variação%
2000 2001
Café 771.636 770.171 -0,2 2.269,9 2.305,4 1,6
Laranja 126.928 124.945 -1,6 850,9 818,8 -3,8
Cana 582.507 594.858 2,1 5.815,2 5.863,0 0,8
Grãos 2.471.859 2.269.329 -8,2 36.253,0 36.656,4 1,1
Brasil 5.813.461 5.644.197 -2,9 49.972,2 50.473,9 1,0
Fonte: Fundação SEADE
Elaboração: Observatório Social

Além da redução do número de empregos colheita mecânica, os custos da saca se reduzem em


gerados pela erradicação de cafezais e a expulsão quase 30%12 . As máquinas, como a Jacto, produzi-
dos pequenos produtores descapitalizados do da em Pompéia (SP), substitui 150 homens/dia, já a
complexo, entre a porção mais moderna que tende a Brastoff, produzida em Piracicaba (SP) substitui até
permanecer no complexo, a tendência em curso é a 500 homens/dia (FARINA, 1998). O grande
de mecanização da colheita e das demais fases de problema da introdução desses equipamentos são os
maior emprego de mão-de-obra. A mecanização, no seus preços, que chegam a R$ 170 mil. Estimativas
caso do café, ocorre pressionada pela necessidade do setor, de 1992, indicavam que a mecanização já
de redução dos custos de produção. De acordo com era responsável pela colheita de um pouco mais de
estimativas das cooperativas, a colheita de café 4% da área nacional de café.
efetuada por mão-de-obra braçal representa de 40% Para as zonas menos adaptadas à mecanização,
a 60% do custo de produção de uma saca de café, em virtude de declividade mais acentuada, como é o
dependendo da região produtora, e como a evolução caso do Sul de Minas, há diversas iniciativas visando
dos custos de produção, e em particular os da mão- reduzir os gastos com a colheita. Observa-se uma
de-obra na colheita, tem sido uma das grandes intensificação em investimentos na adaptação de
preocupações dos produtores, a tendência à mecani- equipamentos para terrenos ondulados e plantações
zação parece ser inexorável. adensadas. Entre eles, pode-se citar: 1) o convênio
Nas áreas novas de produção - Cerrado Embrapa com a Cooxupé, que desenvolveu um tipo
Mineiro e Baiano - a tendência à mecanização vem de colhedeira, ainda em fase de ajustes, que é
sendo largamente utilizada, visando reduzir custos da operada por uma pessoa e substitui o trabalho de
mão-de-obra, o que tem levado à intensificação dos seis a oito trabalhadores (produzida pela Jacto); 2)
investimentos na aquisição de colhedeiras. Esta colhedeira Jacto que se adapta ao trator, com custo
tendência parece mais acentuada nestas duas regiões estimado em R$ 90 mil; 3) adaptação de
por três motivos fundamentais: primeiro, para estas derriçadeiras pneumáticas manuais da Itália, utiliza-
regiões migraram produtores mais capitalizados, que das na colheita de azeitonas (Pinhalense); 4) estudos
levaram de outras regiões o que havia na ponta do com colhedeiras adaptadas de colheita de uva no
conhecimento, em termos técnicos de produção Chile (Korvan); e 5) teste com modelos compactos
(maquinaria, insumos, mudas, variedades e práticas de colhedeiras da New Holland.
gerenciais); segundo, nestas regiões, principalmente A partir dessa apresentação mais geral do
nos Cerrados Mineiro e Baiano, não há a complexo do café, seguem-se os estudos de caso,
superpopulação relativa existente em outras regiões, resultados de pesquisa de campo realizada nas duas
o que reduz o custo com mão-de-obra11 , e terceiro, principais regiões produtoras de café arábica e
o relevo dessas regiões facilita a mecanização. robusta, respectivamente, Sul de Minas Gerais e
Estimativas de produtores admitem que, com a Noroeste espírito-santense.

20
Notas
1 Existem muitas espécies e variedades de café. As espécies de importância econômica são o Coffea arabica e
o Coffea Cannephora (conhecida como Robusta). A primeira é a mais conhecida e cultivada principalmen-
te na América do Sul e Central, Quênia e Tanzânia, na África, fornecendo cerca de 70% do produto
comercializado. A segunda é cultivada em maior escala na Costa do Marfim, Angola, Uganda, Índia e vários
outros países da África, Ásia e Oceania. O Brasil produz dois cultivares de café: o arábica e o robusta, no
Brasil conhecido como conillon. O primeiro é característico dos estados de Minas Gerais, São Paulo e
Paraná. O segundo é plantado, principalmente, no estado do Espírito Santo. Na produção do café solúvel
utiliza-se o café robusta, uma vez que a taxa de extração de sólidos no processo de fabricação deste café é
superior que a do arábica” (FARINA 1998).
2 Deu-se o nome de processo de desregulamentação da economia brasileira ao amplo programa de retirada
gradual do Estado da atividade econômica, iniciado no governo Collor de Mello (1990/1992) e tendo
prosseguimento nos dois governos de Cardoso (1995/2002). A principal medida que afetou o complexo
agroindustrial do café foi a extinção do Instituto Brasileiro do Café (IBC) em março de 1990, juntamente com
a extinção do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), fazendo com que os preços e estoques de café
ficassem a cargo dos produtores e exportadores sem intermediação do Estado, desta forma o complexo
perdeu uma arena importante de mediação de conflitos entre produtores/exportadores.
3 Cafés Especiais “Diferenciam-se por características como qualidade superior da bebida, aspecto do grão,
forma de colheita, tipo de preparo, história, origem do plantio, variedades raras e quantidades limitadas,
entre outras. Podem também incluir parâmetros de diferenciação que se relacionam à sustentabilidade
econômica, ambiental e social da produção, de modo a promover uma maior eqüidade entre os elos da
cadeia produtiva. Mudanças no processo industrial (...)”. In: SAES, Maria Sylvia. “Diagnóstico sobre o
sistema agroindustrial de cafés especiais e qualidade superior do estado de Minas Gerais”. São Paulo: USP,
s.d.
4 A cooperativa possui 9 mil cooperados em 103 municípios de Minas Gerais e no Vale do Rio Pardo, em São
Paulo. In: https://www.cooxupe.com.br/empresa.htm; visitado em 07/05/2004.
5 Esta bianualidade do café se refere a sua característica de alternar grande safra em um ano e pequena safra
em outro.
6 - Até a década de 1980 havia uma tendência clara de aumento do consumo do café no mercado interno, tanto
em quantidades totais, quanto em quantidades per capita consumidas
7 Misturas de tipos de cafés que resultam em aromas, sabores e bebidas específicas. Por exemplo, é muito
comum blendar uma proporção média de 30% de café arábica com 70% de café robusta para produzir o café
solúvel, porque o robusta apresenta um maior rendimento para esse processo e o arábica tem o sabor mais
apreciado. Mas, também para satisfazer o gosto de determinados clientes, blenda-se tipos de café arábica
procedentes de várias regiões produtoras, dado que cada um apresenta características específicas.
8 FARINA, E. e outros, 1998.
9 Reexportação. Alguns países, com destaque para Alemanha, Holanda e Estados Unidos, têm adotado este
procedimento, que consiste na compra de café em grão dos países exportadores e a revenda no mercado
externo de café torrado e moído.
10 Um EHA (Equivalente-Homem/Ano) representa a jornada de trabalho de um homem adulto, por 8 horas
trabalhadas, durante 200 dias no ano (SEADE).
11 Na pesquisa de campo foi detectada a existência de um contingente de trabalhadores migrantes do café.
Isto é, são trabalhadores que se aproveitam da defasagem da safra do café arábica e robusta e da defasa-
gem de safra do café do Sul de Minas e dos Cerrado de Mineiro e Baiano e sai de região em região, fazendo
as diferentes safras de café.
12 Informações dos produtores, em 1998, indicam que na região do Triângulo Mineiro, a colheita com a
máquina se situa em R$ 80,00, e manualmente fica por volta de R$ 110,00.

21
22
CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ
NO SUL DE MINAS GERAIS

23
CARACTERÍSTICAS POPULACIONAL E
CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ
NO SUL DE MINAS GERAIS
SÓCIO-ECONÔMICA DA REGIÃO SUL DE
MINAS GERAIS
O estado de Minas Gerais é composto de
853 municípios, distribuídos entre 12 mesorregiões.
Segundo informações do Censo Demográfico 2000
do IBGE, a população total do estado de Minas
Gerais nesse ano era de 17.891.494 habitantes,
correspondendo a mais de 10% do total da popu-
lação do Brasil. Com um Produto Interno Bruto na
ordem de R$ 106.169 milhões a preços de merca-
do, Minas Gerais ocupa o 3º lugar dentre os 27
estados brasileiros. Essa mesma performance não
se repete para o PIB per capita, onde ocupa o 10º
lugar no ranking nacional. O IPEA considera que o
Índice de Desenvolvimento Humano (Atlas do
Desenvolvimento Humano no Brasil, IPEA 2000)
de Minas o coloca num nível médio e sua coloca-
ção entre os estados ficou em 9º lugar, com um
índice de 0,773.
O estado de Minas Gerais, com a sua princi-
pal economia na capital, Belo Horizonte, respon-
dendo por quase 20% do produto estadual, tem na
produção agropecuária uma grande fonte geradora
de divisas e, principalmente, de emprego. Segundo
informações do IBGE – Contas Regionais 2000 - o
valor da produção agropecuária foi da ordem de
R$ 14.714 milhões, no ano de 2000,
correspondendo a 13,6% do total do Estado. Caso
desconsidere-se a Região Metropolitana de Belo


Horizonte, o peso desse setor será ainda mais
expressivo no Produto do Estado.
Minas Gerais é um grande produtor em vários
segmentos agrícolas, como a agropecuária, a cana-
de-açúcar, o milho, a soja, a laranja e o café,
dentre outros. O segmento em estudo – café –
Os trabalhadores do café são apesar de não se caracterizar como o principal
pressionados a aceitar qualquer segmento agrícola, em termos econômicos, é um
tipo de trabalho, nas piores dos maiores empregadores, assim como o segundo
condições e com ganho muito maior exportador - café em grão - perdendo
baixo apenas para os minérios1 .


A cultura do café, o beneficiamento e a
comercialização, ocorrem em vários municípios
espalhados nas diversas regiões do estado – Sul/
Sudoeste, Triângulo/Alto Paranaíba, Zona da Mata,
Centro Oeste, e, com menor importância, em
outras. Todos os estudos sobre a produção de café
apontam a mesorregião do Sul de Minas como a

24
maior produtora do Estado. Segundo informações res quanto em quantidade produzida, é a
da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado microrregião de Varginha, composta por 16 municí-
de Minas Gerais (FAEMG), esta região responde pios, segundo classificação do IBGE.
por 47,2% da produção total de café no Estado. Nessa microrregião a cultura do café se carac-
Se a importância do café, em termos estaduais, já teriza como a principal atividade econômica, junta-
é bastante significativa – sendo responsável por 3,7 mente com todas as demais atividades desenvolvidas
milhões de pessoas direta e indiretamente benefici- na cadeia produtiva do café – beneficiamento,
adas2 - para a região Sul de Minas ela se caracte- industrialização, comercialização em grãos verdes,
riza como vital. Pois nesta região predomina a interna e externa. Existe a separação territorial
cultura do café, bem como todas as demais ativida- dessas atividades, por exemplo, as atividades de
des de sua cadeia produtiva. industrialização, armazenamento/comercialização
Dentre as microrregiões que compõem a interna, exportação estão concentradas na sede do
mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais, a município de Varginha, que agrega o porto seco e o
principal produtora, tanto em número de produto- aeroporto da região. Já o cultivo e a comercialização

de varejo se desenvolvem na zona rural de todos os entre os principais municípios produtores de café
municípios da região. da microrregião e o município no qual se concen-
Do ponto de vista da distribuição da riqueza, tram as demais atividades da cadeia produtiva -
gerada na cadeia produtiva do café, todavia, Varginha.
estudos apontam3 que apenas 8% do total de valor A população rural da microrregião de
agregado na cadeia fica no Brasil e, a partir de Varginha corresponde a 18% da população total da
indicadores e dados contidos nas estatísticas região. Em alguns municípios a concentração rural é
oficiais internas, pode-se inferir que a distribuição bem maior – como Guapé, Coqueiral, Campos
desse percentual que fica no Brasil também ocorre Gerais e São Thomé das Letras. Nestes municípios
de forma bastante desigual, sobrando muito pouco tipicamente rurais4 , tanto a renda per capita quanto
para o agricultor familiar e o assalariado rural. a remuneração média dos chefes de famílias são
Na Tabela 10 estão apresentadas informações relativamente menores do que nos municípios mais
de caráter populacional, sócio e econômico (para o urbanizados. Essa diferença se torna mais significa-
ano de 2000), além do número de informantes na tiva quando a comparação é feita especificamente
produção de café (para o período 1995/96), para com a sede do município de Varginha. Tais dados
todos os municípios da microrregião de Varginha, confirmam um fato já conhecido de que dentre as
permitindo uma comparabilidade dessas informa- atividades da cadeia produtiva do café a que
ções, inclusive, permitindo-se fazer um parâmetro menos agrega valor é a atividade rural.
25
TABELA 10 – INFORMAÇÕES SOBRE POPULAÇÃO, ASPECTOS SÓCIO–ECONÔMICOS E INFORMANTES PRODUTORES
DE CAFÉ DOS MUNICÍPIOS QUE COMPÕEM A MICRORREGIÃO DE VARGINHA/MG
Informações População IDHM Renda (%) Rem. **Produtores
Total Rural % Pop Per Taxa de Nom. Média de Café
Rural Capita Alfabetização (R$)* (N.º)
microrregião de Varginha 406.850 72.338 18 0,761 240,22 87,8 692,23 8.465
Boa Esperança 37.074 6.682 18 0,783 278,86 89,4 614,85 786
Campanha 14.098 2.363 17 0,784 278,72 89,0 585,13 256
Campo do Meio 11.436 1.397 2 0,749 199,19 87,1 487,31 247
Campos Gerais 26.541 8.802 33 0,750 208,97 86,9 491,55 1.581
Carmo da Cachoeira 11.600 4.073 35 0,744 199,86 85,6 454,12 320
Coqueiral 9.612 3.494 36 0,751 197,57 89,1 458,77 461
Elói Mendes 21.947 4.892 22 0,768 271,99 86,9 572,62 1.063
Guapé 13.620 7.333 54 0,752 190,88 89,4 442,42 865
Ilicínea 10.532 2.895 27 0,758 229,24 86,4 509,10 835
Monsenhor Paulo 7.615 2.247 30 0,764 243,37 87,3 520,34 235
Santana da Vargem 7.521 2.824 38 0,749 249,37 87,2 537,95 326
São Bento Abade 3.737 285 8 0,712 164,92 84,8 359,55 20
São Thomé das Letras 6.204 2.992 48 0,717 191,54 82,4 403,02 195
Três Corações 65.291 6.872 11 0,780 281,02 90,8 782,18 334
Três Pontas 51.024 10.354 20 0,773 275,71 89,2 687,84 695
Varginha 108.998 4.833 4 0,824 382,27 93,5 935,91 247
* Valor do rendimento nominal médio mensal das pessoas com rendimento, responsáveis pelos domicílios particulares
permanentes (R$)
** Período 1995/96
Fontes: IDH e Renda Per Capita: Relatório PNUD – FJP/IPEA/PNUD; Número de Produtores: IBGE – Censo
Agropecuário 1995/96; Demais dados apresentados na Tabela 1: IBGE – Censo Populacional 2000.
Elaboração: Observatório Social

CAFÉ – ASPECTOS TÉCNICOS E


PRODUTIVOS
Na região pesquisada, o café produzido é do
tipo arábica, café de altitude, que se desenvolve
bem nas regiões montanhosas, e é exatamente por
esta especificidade que a cultura expandiu-se no
Sul de Minas. O café arábica é a variedade mais
consumida no mundo devido a suas qualidades
organolépticas superiores às do café robusta,
produzido em regiões de clima mais quente e de
mais baixa altitude. Devido a estas qualidades a
cotação do café arábica é, em geral, 100% superi-
or à do Robusta nas bolsas internacionais.
O café arábica, produzido na região, é desti-
nado à exportação em grão, à torrefação e moa-
gem, e para compor blends, tão necessários para a
produção de café solúvel5 , como para a produção
de café não solúvel, neste caso para realçar carac-
terísticas de aroma, sabor e corpo da bebida.
O café do tipo Arábica apresenta diversas
classificações relativas a sua qualidade que, por sua
vez, está relacionada às variedades plantadas,

26
condições de plantio (tipo de solo, altitude, ● aspecto do grão;
microclima) e de colheita e pós-colheita (grãos ● forma de colheita;
maduros, grãos inteiros, grau de umidade – forma ● tipo de preparo;
de secagem, número de defeitos, medidos pela ● história da variedade e do grupo social que o
proporção de grãos quebrados, estragados, mofa- produz;
dos, definidos por lote, entre outras característi- ● origem do plantio;
cas). Com base nesses aspectos, o café recebe ● variedades raras e quantidades limitadas;
determinada pontuação que, pelo que pôde ser ● altura média da região de produção;
apreendido nas entrevistas, vai de 1 a 18, sendo ● características de clima (temperatura,
que quanto menor o número, pior a classificação; pluviometria da safra); e
também recebe uma classificação por número de ● época de florescimento e colheita.
defeitos, nesse caso, quanto maior número de Além destas características, alguns mercados
defeitos, pior a qualidade do café. começam a exigir parâmetros de sustentabilidade,
Na região Sul de Minas, segundo informações que incluem a viabilidade econômica da produção,
dos entrevistados, o café nunca é vendido no pé, a a proteção, preservação e melhoria ambiental e a
negociação ocorre apenas após a colheita. Porém melhoria das condições de vida e trabalho dos
há casos em que o corretor, representando poten- produtores e trabalhadores rurais.
ciais compradores, enumera as características Um café com todas essas características e
requeridas para uma futura compra a preços com rastreabilidade e certificação, deixa de ser
diferenciados, o que determinará os tratos culturais commodity e pode alcançar preços de mercado
que o cafezal deverá receber para que os grãos ali superiores. Durante a pesquisa de campo verificou-
produzidos tenham as características desejadas. se que alguns desses cafés especiais chegam a
Isto determinará o tratamento do solo, o uso de atingir preços quatro vezes superiores ao alcançado
defensivos e de que tipo, a forma de colheita e de pelo arábica normal.
secagem, visando a produção de um café especial. Apesar de essa região contar com muitas
Os cafés diferenciam-se, como já dito, por carac- indústrias de torrefação e moagem, a maior parte
terísticas que determinam qualidade superior da do café aí produzido ainda é vendida em coco
bebida, tais como: (grão seco), isto é, in natura, ou beneficiado
(descascado), para ser industrializado, em geral,
fora do país. A Tabela 11 apresenta algumas
informações sobre a produção primária de café na
microrregião de Varginha, que servem apenas
como parâmetro indicativo, dada a defasagem
desses dados (1995/96).

27
TABELA 11 - COLHEITA E VALOR DA PRODUÇÃO DE CAFÉ EM COCO, SEGUNDO AS MICRORREGIÕES E
MUNICÍPIOS DO SUL DE MINAS GERAIS (1995/1996) - EFETIVOS EM 31-07-96 (MIL PÉS)
Messoregiões, Quantidade Valor Pés Área Pés Pés Novos
Microrregiões Colhida (t) Vendida (t) da Produção colhidos Colhida em Idade Total Plantados
e Municípios (mil reais) (mil pés) (ha) Produtiva no Período
Total Geral 1 506 692 340 564 1 351 216 1 199 026 790 030 1 286 757 527 003 262 027
Sul/Sudoeste de Minas 648 175 97 957 587 592 472 360 312 227 503 012 207 104 102 009
Varginha 205 143 2 414 177 717 158 638 91 017 167 481 51 903 29 306
Três Pontas 31 624 280 29 849 26 359 14 711 27 491 7 981 3 745
Campos Gerais 31 877 76 30 100 22 512 12 791 23 102 6 840 3 291
Boa Esperança 28 593 12 23 929 20 322 12 509 22 340 6 753 3 437
Elói Mendes 11 633 32 11 602 11 896 7 549 12 850 2 105 1 607
Varginha 13 892 393 10 069 9 676 6 110 10 333 3 159 1 269
Santana da Vargem 13 233 - 10 652 9 382 5 413 9 664 2 293 1 618
Carmo da Cachoeira 13 342 4 12 462 10 373 5 361 11 141 3 514 2 000
Ilicínea 8 764 28 8 117 10 091 4 901 10 635 3 921 2 631
Guapé 12 199 57 8 820 9 831 4 796 10 457 6 188 3 381
Coqueiral 7 742 0 7 908 7 348 4 399 7 435 2 874 2 328
Três Corações 9 780 80 10 619 6 515 4 075 7 155 2 714 1 844
Campo do Meio 13 930 12 7 002 7 433 3 234 7 509 1 004 712
Monsenhor Paulo 4 646 1 219 2 692 3 071 2 394 3 044 1 032 716
Campanha 2 767 208 2 984 2 513 1 851 2 826 1 255 591
São Thomé das Letras 730 - 566 975 753 1 053 164 60
São Bento Abade 391 13 346 341 169 444 106 77
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 1995/96
Elaboração: Observatório Social

ESTRUTURA DE PRODUÇÃO DO CAFÉ


ARÁBICA NO SUL DE MINAS
A cadeia produtiva do café arábica no Sul de
Minas é composta por diferentes atores sociais,
que desempenham papéis diferenciados e imbrica-
dos ao longo da cadeia.
No primeiro elo da cadeia encontram-se os
produtores de insumos para agricultura. Embora
não existam, na região, indústrias produtoras de
insumos para agricultura, há um grande número de
representantes destas indústrias, para o pronto
atendimento aos produtores. No entanto, verifica-
se que não há uma participação muito intensa de
órgãos de extensão rural para dar suporte técnico
às necessidades dos produtores. O serviço de
extensão é prestado pelas cooperativas atuantes na
região e estas cooperativas, além de prestarem
assistência técnica, são também distribuidoras de
insumos para agricultura, abrangendo uma linha
bem diversificada de produtos, que compreende de
máquinas agrícolas a adubos e defensivos agrícolas.
Após este elo da cadeia de apoio à atividade
agrícola, há o elo mais importante composto por
28
produtores rurais de café. Segundo informações res não familiares, que utilizam mão-de-obra
locais, não há mais no Sul de Minas grandes pro- assalariada, ou outras relações de trabalho6 , para
dutores de café, em grandes propriedades, isto as diferentes atividades do ciclo produtivo do café
porque, após gerações de plantio do produto, as Arábica. Isto não quer dizer que o produtor
propriedades fundiárias passaram por um processo familiar não utilize trabalhadores assalariados,
de desmembramento, resultado do processo quer dizer apenas que na categoria produtor
natural de partilha de terra entre os herdeiros, e não familiar predomina a utilização de mão-de-obra
houve, como em outras regiões, um processo de familiar em todas as atividades do ciclo produtivo
reconcentração fundiária, como pode ser visto nos do café. Porém, eventualmente, dependendo da
dados do IBGE. magnitude da produção, a velocidade em que a
A grande diferença entre os produtores se colheita deva ser realizada, na falta ocasional de
dá entre os produtores familiares, que utilizam trabalhadores familiares, é comum o emprego de
fundamentalmente mão-de-obra familiar em todas trabalhadores assalariados, ou a troca de dias de
as fases do ciclo de produção do café, e produto- serviço, ou o mutirão.

TABELA 12 - ESTABELECIMENTOS POR GRUPO DE ÁREA TOTAL (%) – MINAS GERAIS


Mesorregião, Menos de 10 a 100 a 200 a 500 a 2000 ha sem
Microrregiões 10ha menos de menos de menos de menos de e mais declaração
e Municípios (%) 100ha (%) 200ha (%) 500ha (%) 2000ha (%) (%) (%)
Estado de Minas Gerais 34,15 49,59 8,06 5,59 2,21 0,31 0,08
Mesorregião Sul/Sudoeste
de Minas Gerais 43,30 48,01 5,41 2,68 0,53 0,03 0,05
Microrregião de Varginha 37,63 49,51 7,85 4,18 0,81 0,01 0,01
Campos Gerais 48,73 44,08 5,28 1,71 0,21 0,00 0,00
Elói Mendes 47,07 45,23 5,13 2,42 0,15 0,00 0,00
Guapé 33,43 54,63 6,85 3,98 1,11 0,00 0,00
Boa Esperança 36,85 46,56 9,60 5,85 1,15 0,00 0,00
Três Pontas 28,07 52,55 11,55 6,71 1,12 0,00 0,00
Ilicínea 51,52 42,17 3,25 2,74 0,30 0,00 0,00
Três Corações 15,35 59,31 13,41 9,84 2,09 0,00 0,00
Campanha 26,29 62,32 7,90 2,57 0,92 0,00 0,00
Coqueiral 38,10 52,95 6,44 1,97 0,54 0,00 0,00
São Thomé das Letras 25,00 60,57 9,02 4,64 0,77 0,00 0,00
Carmo da Cachoeira 11,81 56,14 20,72 9,88 1,45 0,00 0,00
Monsenhor Paulo 26,92 58,97 8,33 4,49 1,28 0,00 0,00
Varginha 25,31 51,54 13,58 7,10 2,16 0,00 0,31
Campo do Meio 51,92 39,84 4,12 2,75 1,10 0,27 0,00
Santana da Vargem 50,43 37,18 7,20 4,61 0,58 0,00 0,00
São Bento Abade 24,19 51,61 14,52 8,06 1,61 0,00 0,00
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 1995-1996
Elaboração Observatório Social

Dentre os produtores não familiares, com área beneficiamento do café se dá fora da propriedade
menor do que 100 hectares, que é o módulo de através da compra de serviço de beneficiamento.
maior concentração de produtores, a diferença Pelo que foi percebido nas entrevistas, os
entre eles se dá pelo capital investido na cultura, produtores mais capitalizados dispõem de máquinas e
que dá uma idéia do grau de modernização da equipamentos para beneficiamento na propriedade. Já
produção de café. Nesta medida, há produtores o agricultor familiar, e mesmo uma parte dos produto-
que fazem na própria fazenda todo o processo de res de médio porte, não dispõem desses recursos,
beneficiamento do café, com diferentes cuidados tendo que alugar máquinas, ou mesmo vender o seu
culturais, até produtores em que o processo de produto sem beneficiamento, diminuindo o valor

29
agregado. Um pequeno produtor, entrevistado em
Guapé, chega a pagar ao maquinista R$ 5,00 por
saca de 60Kg, para beneficiar o café (secar e
descascar), o preço varia de acordo com o volume
produzido – quanto maior for o volume, menor o
preço por saca. No período da entrevista, agosto
de 2003, este produtor disse que pagou R$ 4,00
por saca, porque a safra nesse ano foi ruim e o
maquinista estava com pouca demanda de serviço.
Segundo esse produtor, a prefeitura subsidiava uma
parte das despesas com o beneficiamento, mas,
nos últimos dois anos, isso não ocorreu. Embora o
produtor fosse participante da cooperativa local,
esta não disponibilizava o serviço aos seus coope-
rados, por falta de equipamento.

COLHEIT
COLHEITAA DO CAFÉ
Neste ponto, é necessário fazer uma rápida
descrição do processo de colheita do café e suas
variantes, responsáveis pela maior ou menor valori-
zação do produto. Os cuidados tomados nessa
atividade e no pós-colheita determinam a classifica-
ções que o café pode obter e influenciando no
preço alcançado.
A colheita do café arábica pode ser rasa ou
selecionada. Na colheita rasa, o trabalhador debu-
lha com a mão (usando os dedos indicador e
polegar fechados) galho por galho do cafeeiro.
Neste processo de trabalho, todo café é retirado
do galho, independentemente de sua cor (verde,
vermelho e preto), junto com folhas, pedaços de
galhos secos etc. É por isto que o café tem de ser

30
peneirado antes de ser ensacado, para retirar as
impurezas. A colheita rasa pode se dar dos galhos
para a peneira e desta para o saco, ou pode ser
feita dos galhos para o chão. Neste caso, o solo é
rastelado, o material recolhido é peneirado e os


frutos livres de impurezas são finalmente
ensacados.
Já na colheita selecionada, o trabalhador
colhe fruto a fruto, retirando apenas os frutos
vermelhos. Nesta forma de colher são necessárias
várias colheitas no mesmo pé, realizadas diariamen-
te, para que se colham apenas os frutos vermelhos. O Sindicato dos Trabalhadores
A determinação da forma como se dará a Assalariados Rurais de Guapé
colheita depende de uma série de fatores, determi- denunciou a existência de
nados pelos proprietários, e deverá ser supervisio- trabalho escravo na lavoura do
nada pelo fiscal7 , que controla o trabalho realizado café


pelos colhedores.
Na colheita do café o ritmo que a atividade é
realizada depende de características pessoais do
trabalhador, como: destreza; velocidade em realizar
as diferentes atividades e resistência física. O fiscal
supervisiona a atividade do colhedor, para não
permitir que ele colha de qualquer jeito, o que pode
danificar os pés, e para que ele não misture impure-
zas no saco. Porém, quanto maiores os cuidados
na colheita, determinados pelo fiscal, maior é o
trabalho do colhedor e menor será a quantidade de
café colhida no dia de trabalho.
Devido a estas características, os colhedores
são pagos por produção: quantidade de café
colhido, medida em saco. O pagamento por produ-
ção é a forma encontrada pelos proprietários para
aumentar a produtividade. O problema é que esta
31
forma de pagamento é perversa, pois transfere
aos trabalhadores o controle da produtividade
atrelando-a ao ganho. Nestes casos, quanto
mais baixos os salários, maior o incentivo ao
aumento da produtividade. A conseqüência
nefasta é que esta forma de pagamento tende a
contribuir para um desgaste precoce da força de
trabalho e o surgimento de inúmeras doenças do
trabalho.
A colheita seletiva do café exige maior
esforço e maior atenção, reduzindo a produtivi-
dade e o ganho dos trabalhadores. Estes só
tendem a aceitá-la caso a remuneração seja
maior do que na colheita convencional. Porém,
como a cultura do café só exige trabalho durante
um curto período de tempo - junho a agosto -,
combinado com a bianualidade do café, há uma
pressão sobre os trabalhadores para que acei-
tem qualquer tipo de trabalho, nas piores condi-
ções e com ganho muito baixo. Algumas pro-
priedades, que adotam a colheita selecionada,
visando alcançar maiores preços, têm feito baixo
investimento porque o diferencial de pagamento
tem sido muito inferior ao diferencial de preço
alcançado, transferindo, desta forma, um ganho
maior aos proprietários a custa da pauperização
e esgotamento dos trabalhadores. Desta forma,
pode-se afirmar que o aumento do valor agrega-
do ao produto não implica, necessariamente, em
melhoria da distribuição de renda.
O salário dos trabalhadores depende, não
apenas, da quantidade de café colhido, mas,
fundamentalmente, do poder de barganha dos
trabalhadores, e estes têm, por sua vez, um
conjunto de outros determinantes, que vão do
grau de organização e luta até à quantidade de
trabalhadores disponíveis. Como na safra do
café, trabalhadores são atraídos de diferentes
regiões do país e a organização sindical dos
trabalhadores rurais é débil, fica claro que o
poder de barganha dos trabalhadores é bastante
reduzido, o que permite a superexploração dos
trabalhadores assalariados rurais, nas regiões
produtoras de café.

PÓS COLHEIT
COLHEITAA
Após a colheita, a primeira atividade a ser
realizada é a secagem dos frutos, para a posteri-
or retirada da semente, que é o café propria-

32
mente dito. A secagem pode ser de dois tipos: tam-no em sacos. Porém, é necessário que os
manual ou mecânica; caso seja manual, ela poderá sacos estejam bem cheios e tenham a mesma
ocorrer de duas formas: em terreiro, a mais co- quantidade de frutos. É o terrereiro quem verifica
mum, e em varais. se aquele saco daquele colhedor está com a quanti-
A secagem de terreiro é a mais tradicional, em dade de frutos esperada, se não tem outros com-
que o café, depois de colhido e ensacado no ponentes além do café (pedra, terra, folha, galhos
campo, é estendido no terreiro e exposto ao sol etc.). Embora os trabalhadores contem a quantida-
para secar. Nesta atividade entra em cena um outro de de sacos colhidos, esta quantidade é sancionada
trabalhador, o terrereiro, que não participa da pelo terrereiro, e o pagamento é feito pela quanti-
colheita e desempenha uma atividade importante dade de sacos indicada por estes, e não pela
para a valorização do café, porque os frutos mo- quantidade indicada pelo trabalhador.
lhados ficam sujeitos a mofo e têm menor durabili- Depois da secagem, é realizado o
dade, o que abate a classificação. O terrereiro tem descascamento, que é uma atividade mecânica,
que ter o cuidado de expor os frutos ao sol para após a qual obtêm-se os grãos. As máquinas
secar, sem que haja quebra dos grãos. descascadoras devem estar bem calibradas, por-
A secagem é feita em um terreiro cimentado que no processo de descascamento podem danifi-
ou em varais de arame. Embora a secagem em car os grãos. Esta operação é realizada por um
terreiros cimentados seja a mais difundida na outro trabalhador, chamado maquinista, quando a
região, não é a que mais acrescenta valor ao café. descascadora existe na propriedade, porém,
Isso ocorre porque alguns frutos permanecem apenas os produtores mais capitalizados possuem
úmidos ao ficarem em contato com o solo e não esta máquina.
haver uma exposição uniforme ao sol. Além disto, Para os produtores que não dispõem de
caso ocorra chuva, a umidade poderá acarretar máquinas, a venda do café já pode ocorrer na
elevadas perdas ao produtor. A vantagem da atividade de descascamento . Isto porque o
secagem em varal de arames consiste na ação descascamento é uma atividade industrial, realizada
combinada da luz solar e da passagem do ar, já que por máquina, e os produtores que não dispõem de
os varais ficam a cerca de ½ metro do solo máquinas podem alugar o serviço, ou podem
Há ainda a secagem mecânica, bastante beneficiar os grãos nas cooperativas, nos armazéns
utilizada pelos agricultores familiares, que não de maquinistas, diretamente nos exportadores, ou
dispõem de terreiros. Este processo é criticado nas indústrias de torrefação. Ou seja, a atividade
pelos técnicos porque a utilização de temperaturas de descascamento dá início à longa cadeia de
elevadas nos secadores (p. ex. regulação incorreta intermediação comercial do café, do produtor até
ou falha nos equipamentos) pode escurecer, quei- os mercados interno ou externo.
mar ou retirar umidade em excesso dos grãos, Há, portanto, na fase de colheita e
tornando-os mais suscetíveis de quebra na etapa beneficiamento, cinco tipos de atividades, desem-
do beneficiamento. Há na região, inclusive, cami- penhadas, em geral por trabalhadores diferentes: os
nhões com secadores e descascadores, que fazem apanhadores de café; os feitores ou fiscais; os
este serviço nas propriedades. O pagamento por carregadores; os terrereiros e os maquinistas.
esta atividade mecânica pode ser em dinheiro ou
em quilos de café, na medida em que em toda a
região cafeeira o café é “quase moeda”8 . No
Município de Guapé, a prefeitura, até recentemen-
te, subsidiava a secagem mecânica, através de
caminhões, porém, com a falta de recursos das
prefeituras municipais, este serviço aos produtores
foi cancelado.
Uma outra atividade do terrereiro é medir a
produção dos colhedores e indicar a quantidade de
sacas colhidas, para posterior pagamento. Isto
porque os trabalhadores colhem o café e deposi-

33
Estes trabalhadores são, em geral, assalariados, valor da saca paga ao trabalhador varia de acordo
pagos por produção e são remunerados diferen- com a qualidade do talhão de café: um talhão com
temente, cabendo a maior remuneração aos muito café, com pés jovens e de alta produção,
fiscais, maquinistas e terrereiros e as menores aos paga menos do que um talhão de pés mais velhos e
apanhadores e carregadores9 . Em algumas com baixa produção. Ao mesmo tempo, a colheita
propriedades são os próprios apanhadores que seletiva de café, diferente da apanha rasa, paga
transportam os sacos colhidos do talhão para os melhor.
carreadores. Porém, não foi observado nas Os trabalhadores, apanhadores de café,
propriedades visitadas, e nem foi apontado pelos podem ser de diferentes origens:
informantes, se os apanhadores que realizavam z nas propriedades dos agricultores familiares, os
também o carregamento recebem por esta apanhadores podem ser membros da família,
atividade. Algumas vezes, o motorista do cami- que trabalham sem remuneração; ser vizi-
nhão leva junto com ele os carregadores e estes nhos, que trocam dias de trabalho; ou assala-
são pagos pelos motoristas, em outras, nas riados, em geral, da própria comunidade. Mas
maiores propriedades, é designado um conjunto podem ser também migrantes, contratados
de trabalhadores para fazer o carregamento, através de gatos. Porém, só ocorre trabalho
quando os talhões ficam distantes do local de assalariado quando a safra é grande e não há
embarque da carga. membros da família disponível;
A unidade de pagamento de todos estes z nas propriedades médias, predomina o uso de
trabalhadores é o saco de café de 60 quilos. O trabalhadores assalariados, contratados

34
“ Estes trabalhadores são, em geral,
assalariados, pagos por produção e
são remunerados diferentemente
através de gatos, ou diretamente pelo proprie- o seu ganho aumente. É exatamente por isto que a
tário ou pelo administrador da fazenda, que atividade de fiscalização, em geral, é desempenha-
podem ser moradores da região, ou trabalha- da pelo gato, porque o seu pagamento depende da
dores de fora, normalmente do Norte do produtividade da turma. (ALVES, 1991;
Paraná, Norte de Minas e da Bahia; MORAES, 2002)
z nas grandes propriedades predomina o trabalho Os trabalhadores pertencentes a uma determi-
assalariado em todas as fases do ciclo produ- nada turma, de um determinado gato, apresentam-
tivo do café. Estas propriedades são bastante se diariamente nos pontos de embarque combina-
mecanizadas e dispõem de maquinário neces- do, no horário definido. Os trabalhadores dirigem-
sário para o beneficiamento do café. Portanto, se aos pontos de embarque, portando a marmita, o
são assalariados, desde os trabalhadores café, a água e a peneira, seu instrumentos de
rurais até os maquinistas, operadores das trabalho . Os demais instrumentos de trabalho,
máquinas de beneficiamento, de um modo rastelo e escada são disponibilizados pelos proprie-
geral. tários ou pelos gatos. Os equipamentos de prote-
Os feitores ou fiscais são, em geral, os traba- ção individual (luvas, botas, perneiras), assim como
lhadores permanentes das propriedades. É comum as vestimentas próprias para o trabalho, são de
também que o gato, ou turmeiro, responsável pelo responsabilidade e pertencem a cada trabalha-
agenciamento da turma de colhedores, execute dor10 . A jornada de trabalho inicia-se, portanto, às
também a atividade de fiscalização. Esta figura 5h30min, quando os trabalhadores estão disponí-
emblemática do trabalho assalariado rural, em veis para o embarque, e termina às 19h, quando os
geral, execrada pelos trabalhadores e pelo movi- trabalhadores são devolvidos ao ponto. Isto signifi-
mento sindical, é encarregada de disponibilizar ca que o trabalhador encontra-se disponível para o
trabalhadores para a colheita e para outras ativida- trabalho e já submetido ao gato durante 13 horas e
des demandadoras de mão-de-obra do ciclo de meia, em média, por dia, porém, só é considerado
produção do café. Porém, é na atividade de colhei- como tempo de trabalho o que o trabalhador está
ta que é maior o número de trabalhadores. As efetivamente trabalhando.
formas utilizadas pelos gatos para persuadir os Esta jornada efetiva de trabalho inicia-se às
trabalhadores para trabalhos duros, penosos e com 7h e termina às 17h30min, havendo 40 minutos
baixa remuneração, variam do compadrio e para o almoço, que em geral ocorre entre 8h30min
assistencialismo à agressão física, passando pela e 9h, e 30 minutos para o café, em geral por volta
tortura física e moral e pelo endividamento. O das 13h30min11 . A jornada de trabalho efetivo tem
grande disponibilizador de trabalhadores, que se duração de 9 horas, isto é, enquanto durar a luz do
sujeitam às mais precárias condições de trabalho, sol, e enquanto houver café para ser colhido. É
é, sem dúvida, o processo de concentração de verdade que, não havendo mais café, o trabalho
renda existente no Brasil. termina antes do por do sol. Caso a colheita da-
Cada gato é responsável por uma ou mais quela área não termine em um só dia, no seguinte
turmas de trabalhadores, que variam de 10 a 60 os trabalhadores retornam ao trabalho naquele
pessoas, que podem ser da região, ou mesmo cafezal, até que toda a colheita seja realizada.
migrantes. O gato contrata o trabalho com os No Sul de Minas, a jornada de trabalho é de
proprietários, calcula a quantidade de trabalhado- 9 horas, não havendo o pagamento de horas in
res necessários para a atividade e acerta com o ittineré, que a lei garante sempre que os trabalha-
proprietário o pagamento e as condições que ele dores precisem ser transportados até seus locais
deseja para a realização da colheita. Em função da de trabalho. Esse transporte também deve ser
negociação entre os gatos e os proprietários, é pago pelo patrão, tendo em vista que o trabalha-
determinado o pagamento por saco colhido e as dor está à disposição do primeiro durante o
condições em que os trabalhadores realizarão a período da viagem. Como é difícil determinar o
colheita. O ganho do gato é uma percentagem do tempo de duração da viagem de caminhão, da
pagamento dos trabalhadores, também medida em cidade até a fazenda e o tempo de deslocamento
sacos de café. Desta forma, interessa ao gato que a a pé, entre o local de desembarque do trabalha-
turma imprima um ritmo forte de atividade para que dor e o cafezal onde será feita a colheita, este

35
tempo não é considerado, no Sul de Minas,
como tempo de trabalho e os trabalhadores
ASSALARIADOS DO CAFÉ NO SUL DE
nada recebem por ele. Dependendo da distân- MINAS – SALÁRIOS E CONDIÇÕES DE
cia da fazenda e da distância do cafezal, algu-
mas vezes, o tempo de deslocamento chega a TRABALHO
até quatro horas por dia. Com base nas entrevistas realizadas com
A contratação de trabalhadores de fora do seis trabalhadores (sendo um fiscal e cinco
local e da região ocorre mais nos anos de apanhadores, que também realizam outras fun-
grande produção de café12. Nos anos de grande ções, como capina, plantio etc.) em uma fazenda
safra, vêm trabalhadores do Paraná, Minas em Guapé (Sul de Minas), é possível ter uma
Gerais e Bahia, porém, nos anos de baixa safra, noção das condições de vida dos trabalhadores
a mão-de-obra da colheita é fundamentalmente nessa região. Embora sejam, no mínimo precári-
local ou regional. as, não são as piores possíveis de serem encon-
Os apanhadores que trabalham em cafe- tradas, segundo a afirmação da presidente do
zais próximos aos centros urbanos são transpor- STR da região.
tados diariamente, por caminhões, dos pontos Dos trabalhadores entrevistados, todos
de embarque até os cafezais. As condições de possuíam registro em carteira, todavia, com muitos
transporte são absolutamente precárias. Alguns desvios. Isto é, alguns já estavam trabalhando há
caminhões são adaptados para o transporte de oito meses, mas só tiveram o registro em carteira
passageiros, dispondo de bancos de madeira,
no período da safra (isso ocorre pela probabilidade
presos às carrocerias, e de capotas de lona,
de o aparecimento de fiscais do trabalho nesse
madeira, ou plástico. Grande parte dos traba-
período ser maior). Quatro dos seis trabalhadores
lhadores ainda é transportada em caminhões
moravam na fazenda e os outros dois não tinham
comuns, sem bancos, sem capota fixa e sem
transporte, deslocando-se a pé até o trabalho (mais
separação das ferramentas de trabalho, estando
ou menos 4 km). Dos quatro que moravam na
estas condições de transporte em completo
fazenda, três habitavam barraco, sem infra-estrutu-
desacordo com a legislação em vigor.
ra sanitária, inclusive sem banheiros. Todos eles
Em algumas propriedades mais distantes
afirmaram pagar sua alimentação: quatro pagavam-
dos centros urbanos, os trabalhadores ficam
na integralmente e dois, a metade.
alojados na propriedade e deslocam-se a pé
Formalmente a jornada de trabalho diária
para os talhões de colheita. No período da
inicia às 7h e termina às 16h30m, com uma hora
colheita, os trabalhadores ficam alojados em
antigas casas de colono, existentes na propri- para o almoço e 30 minutos para o café. No
edade, em geral em instalações precárias, tais sábado, o trabalho se estende até o meio dia. Mas,
como galpões, quartos de armazenamento de os entrevistados afirmaram (exceto o fiscal) que
insumos agrícolas, inclusive agrotóxicos, sem trabalhavam de domingo a domingo, inclusive nos
instalações sanitárias. Nestes alojamentos feriados, não recebendo remuneração extra por
adaptados, os trabalhadores são os responsá- isto, apenas a produção.
veis por sua alimentação (queima-lata)13 , ou Como ganham por produção, a remuneração
pagam por ela quando é fornecida pelo varia de trabalhador para trabalhador. Todavia,
proprietário. quando questionados sobre a remuneração média
O Sindicato dos Trabalhadores Assalaria- mensal, os apanhadores disseram que recebem
dos Rurais de Guapé denunciou a existência de entre R$ 300,00 e R$ 350,00 mensais; já o fiscal
trabalho escravo em lavoura de café no Sul de recebe fixo dois e meio salários mínimos mais uma
Minas, num município próximo à Varginha. Nesta comissão de 1,5% sobre a produção dos trabalha-
propriedade, os trabalhadores estavam alojados dores. A produção é medida por saca de 60
em barracas de lona plástica, sem banheiro e sem quilos, que, à época, pagava R$ 4,00 por saca.
água potável. A água era a retirada de uma A não disponibilização e o uso de Equipa-
cacimba existente na propriedade. mentos de Proteção Individual (EPI) é um dos
fatores que afetam negativamente as condições de

36
trabalho e, por conseguinte, de vida dos traba-
lhadores do café. Todos os entrevistados foram
categóricos em afirmar que os EPI só são
disponibilizados na aplicação de agrotóxicos,
mesmo assim, um dos empregados que já havia
aplicado agrotóxicos naquela propriedade, disse
que os equipamentos disponibilizados foram
apenas botas e luvas, mas não recebeu máscara,
nem avental ou macacão. Na colheita, apesar da
necessidade do uso de luva, pois o processo é
ofensivo aos tecidos das mãos e antebraços, o
proprietário proíbe o seu uso, sob a alegação de
que prejudica o pé de café, pois retira mais
folhas da planta afetando o desenvolvimento da
próxima safra. Constatou-se que não há
disponibilização de EPI, e na maioria das vezes
há proibição de seu uso, em qualquer fase do
processo produtivo para os trabalhadores, o que
parece ser uma prática na região.
O quadro 1 faz um comparativo entre os
direitos acordados em Convenção Coletiva
entre o Sindicato dos Empregados Rurais da
Região Sul de Minas e aqueles efetivamente
usufruídos pelos trabalhadores entrevistados,
segundo seus relatos.

37
QUADRO 1 – COMPARATIVO ENTRE DIREITOS
ESTABELECIDOS EM CC E AQUELES EFETIVAMENTE
USUFRUIDOS PELOS EMPREGADOS RURAIS DA REGIÃO
SUL DE MINAS

Direitos Estabelecidos Direitos efetivamente usu-


em Convenção Coletiva fruídos pelos empregados

Salário-base da catego- Como recebem por produ-


ria: R$ 264,00 ção e trabalham aos do-
mingos e feriados, a re-
muneração líquida, em
geral, é menor do que o
salário-base, que exclui
os domingos, como final
de semana remunerado,
pago pelo empregador

Jornada de Trabalho Se- Trabalham sempre mais,


manal: 44 horas visto que trabalham em
domingos e feriados, sem
recebimento de extra

Prevê intervalos de 1h Está de Acordo


DEMAIS AATORES
TORES E SEUS PPAPÉIS
APÉIS NA
para almoço e 30 min.
Para o café
CADEIA PRODUTIV
PRODUTIVAA DO CAFÉ
Prevê o fornecimento de Não ocorre. Aqueles que Para melhor esclarecimento do papel dos
transporte para aqueles moram fora têm que vir a
que moram fora da fazenda pé para o trabalho demais atores sociais presentes no Complexo
Agroindustrial do Café, será apresentado um
Prevê a disponibilização Nem todos os emprega- fluxograma14.
de alojamento para os dos que são de fora rece-
trabalhadores de fora do bem moradia, a maioria Os produtores, mesmo estando dispostos
município tem que dividir pequenos numa única categoria, apresentam algumas diferen-
barracos com mais cinco
ou seis pessoas ças entre si. O que difere agricultores familiares,
Prevê local adequado Não tem
produtores médios e grandes, como dito anterior-
para refeição mente, é a disponibilidade de capital, tanto próprio,
Prevê local adequado Não tem quanto através de financiamentos, para investir em
para higiene tecnologia e maquinário. Alguns dos entrevistados,
Obrigatoriedade de Só disponibiliza aos entre eles, o representante do maior armazém da
disponibilização e uso de aplicadores de região (Agaservice – Armazéns Gerais e
EPI agrotóxicos, ainda assim
incompletos, pois não Beneficiamento), acredita que 40% da produção
disponibiliza máscaras e do Sul de Minas ainda é feita por agricultores
roupas.
familiares, com menos de 80 hectares, contudo,
Fontes: Informações do STR do Sul de Minas e Pesquisa acha que estes estão perdendo espaço pela falta de
de Campo Observatório Social, em 08/2003 capacidade de investir.

38
“ No sul de Minas, estima-se que os
agricultores familiares sejam
responsáveis por 40% da produção
do café. Eles estão perdendo


espaço pela falta de capacidade de
investir

QUADRO 2 - FLUXOGRAMA DA CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ NO SUL DE MINAS

39
COOPERA TIV
COOPERATIV AS
TIVAS mo, tudo depende da necessidade de dinheiro e do
preço oferecido pelo produto. Estas vendas podem
Os produtores, em sua maior parte participam ser ou não intermediadas pelos corretores.
das cooperativas existentes na região. Para o As cooperativas, dependendo de suas linhas de
representante da Cooxupé, em torno de 50% dos atuação, participam dos seguintes canais de venda:
produtores são cooperativados, e entre 40% a z mercado externo, diretamente, através de
50% da produção da região é negociada através trades company, ou através de armazéns de
de cooperativas15 . Não existe obrigatoriedade dos exportação, mas vende apenas café em grão;
cooperados comercializarem sua produção através z mercado interno, quer através de marca própria,
das cooperativas. ou através de marcas de terceiros, vende o café
Em geral, os cooperados entregam nas coo- torrado e moído, ou café apenas torrado;
perativas a sua produção para beneficiamento e z indústrias produtoras de café T&M, ou
armazenagem. Isto é decorrente de as compras dos solúvel, ou apenas torrado.
insumos para a lavoura terem sido feitas na coope- Algumas cooperativas, para aumentar a venda
rativa. Embora a sua produção esteja armazenada de seus cooperados por ela própria, criam ações
na cooperativa, ele vende o produto de acordo estratégicas para manter o produtor fiel na entrega
com as suas necessidades de dinheiro e de acordo do produto. A Cooxupé, por exemplo, tem um
com o preço oferecido pelos diferentes comprado- programa de fidelização que garante prêmios ao
res. Isto é, as cooperativas beneficiam e armaze- produtor proporcionais ao volume negociado na
nam a produção de seus associados e estes ven- cooperativa – bônus para aquisição de adubos,
dem o café no momento que consideram oportuno. defensivos, máquinas e equipamentos.
Todavia, todos estão liberados para a venda a
qualquer intermediário, bastando para isto o paga- CORRETORES
mento pelo beneficiamento e armazenagem à
cooperativa. Alguns produtores vendem parte de Com base nos depoimentos dados pelos
sua produção através da cooperativa, parte ven- informantes, a figura chave do processo de
dem a maquinistas/armazéns de exportação, outros comercialização do café no Sul de Minas Gerais é a
às indústrias produtoras de café pronto para consu- do corretor. A maior parte do café comercializado

40
na região é feita através dos corretores, que agem INDÚSTRIAS
nas negociações entre: produtores/mercado; coope-
rativas/mercado; maquinistas/armazéns/mercado. Nas indústrias que atuam na região, são
Esse agente atua como qualquer corretor, isto é, produzidos diversos tipos de derivados do café
como um facilitador das negociações, aquele que – café solúvel, café torrado e moído, café apenas
aproxima ofertantes dos demandantes. O seu papel torrado, especial para máquinas de café expres-
é a busca de negócio, encontrando para os produto- so. Nestes ainda estão incorporados os cafés
res o melhor preço, e para as indústrias e exporta- especiais – orgânicos, rastreados, bebida superi-
dores o produto desejado, na quantidade requerida. or, dentre outros, e em cada linha de produtos,
Pelos seus serviços, ele recebe um percentual de operam com diferentes marcas. Para cada uma
0,5% sobre o montante negociado. destas marcas há diferentes blends e tipos de
Foi possível identificar, no entanto, que o café: forte, fraco, extra-forte, típicos regionais
papel representado pelo corretor não se resume ao etc. Isto é conseguido pela combinação de
de um mero intermediário. Alguns deles dispõem diferentes tipos de café arábica com diferentes
de armazéns de beneficiamento e, portanto, ope- tipos de café robusta, o que dá uma grande
ram como maquinistas, comprando eles próprios a possibilidade de combinações, buscando com
produção e, operando seus estoques, buscando isto atingir nichos específicos de mercado. É
melhores preços no mercado, passando a atuar necessário agregar estes diferentes tipos de café
como comerciantes de café e, neste caso, o seu às diferentes possibilidades de embalagens (em
ganho deixa de ser apenas uma percentagem do papel, a vácuo, em sacos etc.). Algumas dessas
montante comercializado, mas passa a ser o dife- indústrias atuam apenas no mercado local ou
rencial de preço pago ao produtor e recebido no regional, outras, em associações com supermer-
mercado. Desta forma, existem diferentes correto- cados e grandes redes varejistas atuam também
res: aqueles que atuam estritamente enquanto no mercado nacional. Outras indústrias, da
corretores, buscando pôr em contato própria região, atuam também no mercado
demandadores e ofertantes e aqueles que anexam à externo, vendendo com suas marcas, já embala-
função de intermediação, atividades de maquinistas, dos, ou fabricando para outras empresas que
armazenadores, financistas, e especuladores. colocam suas marcas próprias.

41
Notas
1 Balança Comercial de Minas Gerais. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
2 Relatório Final da Comissão Especial da Cafeicultura Mineira, da Assembléia Legislativa de Minas Gerais.
Belo Horizonte, dezembro de 2003.
3 Idem.
4 Uma boa medida seria o número de informantes do café relativo ao tamanho da população rural, todavia,
por se tratar de dados coletados em anos diferentes (população rural medida em 2000 e informantes do café
medidos em 1995/96) fica impossibilitada essa comparação.
5 Segundo informações de um técnico da empresa Café Solúvel Brasília, o café utilizado na produção de
solúveis é do tipo Robusta, que para este fim apresenta uma produtividade superior ao Arábica, somente
usado na produção de solúveis quando o comprador assim o exige.
6 No Sul de Minas, não se encontrou um número expressivo de parceiros, como foi visto no Espírito Santo. A
maior parte dos trabalhadores é assalariada safrista, sem carteira assinada. Há também um número relativa-
mente grande de trabalhadores permanentes e de membros não remunerados da família.
7 Fiscal ou Fiscal de turma, é a pessoa designada para a realização da tarefa de fiscalizar o trabalho dos
apanhadores de café, no sentido de evitar danos aos pés, de evitar roubos, de assegurar que a colheita seja
feita da forma necessária. Em geral a atividade de fiscal também é desempenhada pelo gato, daí o termo
fiscal de turma, em propriedades onde os trabalhadores são contratados diretamente pelo proprietário, sem
a intermediação dos gatos esta atividade é desempenhada pelo capataz da propriedade ou pelo próprio
proprietário.
8 Foi verificado, durante a pesquisa de campo, que o café funciona quase como moeda, todos os débitos e
créditos são convertidos em sacas de café no dia dos seus vencimentos, a partir da cotação do café na
BMF. Toda a região fica ligada na cotação de café do dia. Esta cotação do café é utilizada na conversão dos
débitos e créditos em dinheiro e em café. A compra de um bem ou serviço qualquer tem um valor em
dinheiro, este valor pode ser quitado em café, pela sua cotação no momento.
9 Os carregadores são os trabalhadores que transportam os sacos colhidos pelos apanhadores, dos talhões
até os carreadores e embarcam no caminhão.
10 A vestimenta utilizada pelos colhedores é bastante parecida: roupas quentes, porque em geral pela manhã faz
frio, sobrepostas a outras roupas, e as peças vão sendo retiradas na medida em que o calor aumenta, até
restar a calça, a camisa de manga comprida, a botina e o chapéu. As mulheres usam também roupas sobrepos-
tas, sem faltar a saia, que é colocada sobre a calça comprida, e os lenços para o pescoço, cabelos e chapéu.
11 Cabe lembrar que os trabalhadores iniciam seu dia ainda durante a madrugada, o que explica estes horários
de almoço.
12 Como o ciclo do café é bianual, num ano a produção é elevada e no ano seguinte a produção é fraca,
dependendo das condições de água, isto é, caso a seca não seja muito grande. A safra 2003/2004, foi
considerada fraca, relacionada à safra, 2002/2003, que foi ano de “safrona”. A perspectiva é de que a safra
2004/2005, dependendo das chuvas de verão, seja também uma “safrona” porém menor do que a safra 2002/
2003, já que a seca do ano de 2003 está maior do que a do ano de 2002.Desde abril não há uma grande
chuva, a seca já se prolonga por nove meses e a previsão é de quebra da próxima safra.
13 Este termo designa os trabalhadores que fazem sua própria comida nos alojamentos ou nas casas de aluguel.
Eles fazem uma compra de mantimentos em conjunto e cada um fica responsável por cozinhar um dia para os
demais. Em geral, a comida é feita após a volta do trabalho e o que sobra desta comida será o almoço do dia
seguinte. Alguns trabalhadores deslocam-se com a família e a mulher é encarregada de fazer a comida.
14 Para se chegar a essa estrutura dinâmica, a pesquisa recorreu às informações coletadas junto aos diversos
atores da cadeia produtiva do café – técnicos e diretores de torrefadoras, cooperativa, armazém de
estocagem e exportação, pequeno produtor rural e diretores de sindicatos.
15 Pesquisa de campo.

42
CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ NO
NORDESTE DO ESPÍRITO SANTO

43
CARACTERÍSTICAS POPULACIONAL E
CADEIA PRODUTIVA DO CAFÉ NO
NORDESTE DO ESPÍRITO SANTO
SÓCIO-ECONÔMICA DA REGIÃO
O estado do Espírito Santo é composto de 78
municípios, distribuídos entre quatro
mesorregiões. Segundo informações do Censo
Demográfico 2000 do IBGE, a população total do
estado do Espírito Santo, nesse ano, era de
3.097.232 habitantes, sendo que desse total, em
torno de 42% estão concentrados na capital e na
região metropolitana. Com um Produto Interno
Bruto na ordem de R$ 21.530 milhões a preços de
mercado, o Espírito Santo tem uma participação de
1,96% no PIB Nacional e esta participação vem
crescendo ano a ano.
O PIB do Estado é composto pelas seguintes
participações: agropecuária – 7.6%; Indústria –
37.4%; Serviços em geral – 55% (dados de 1999).
A produção agropecuária se espalha por todo
interior do Estado, sendo seus principais segmentos
a produção de cana-de-açúcar; café; mandioca;
banana; mamão; milho; tomate; cacau; pimenta do
reino; coco baía; reflorestamento; além das ativida-
des extrativas vegetal e mineral e da pecuária.
O estado do Espírito Santo apresentou, no
ano de 2000, um IDH de 0,765, considerado um
nível médio pelo PNUD. Com isso, ocupa o 11º
lugar no ranking nacional, segundo o Atlas do
Desenvolvimento Humano 2000.

“ De todas as atividades da cadeira


produtiva do café, a que menos
agrega valor é a agricultura

44

Esse Estado vem sendo considerado um dos
mais abertos à comercialização internacional e vem
apresentando crescimento superior ao nacional.
Segundo a FRECOMEX1 , o porto do Estado
concentra a maior renda per capta de exportação
do Brasil.
A sua balança comercial se apresenta equili-
brada (importação = exportação), com um volume
de exportação na ordem de US$ 2,4 bilhões, a sua
estrutura obedece ao seguinte grau de importância:
Ferro, ferro fundido e aço com 35,7% do total;
minérios, escórias e cinzas vêm a seguir, com
25,1%; em terceiro a celulose, com 20,9%; e em
quarto o café solúvel e em grãos, com 7,4% do
total; outros setores respondem pelos restantes
10,9% das exportações2 .
O café – agregando produção primária e
industrial -, como demonstrado, é um dos princi-
pais itens da balança comercial do Estado, e apesar
de não ser o componente mais importante do PIB
Estadual, este segmento se caracteriza como o
maior empregador do Estado. Segundo estudo Água Doce do Norte e Pancas – dentre um total
publicado pelo Observatório Social3 , esta atividade de 78 municípios, eles ocupam, respectivamente, as
gera 362 mil empregos diretos e 150 mil indiretos, posições 77º e 76º.
totalizando mais de 500 mil postos de trabalho. Uma outra constatação que merece destaque,
A atividade cafeeira é desenvolvida em mesmo porque repete o que ocorre no Sul de
diversas regiões do Estado. Segundo informações Minas Gerais, é a comparação da remuneração
do Censo Agropecuário 1995/96 do IBGE, o café nominal média dos chefes de famílias com o
em coco é produzido nas mesorregiões: Central, percentual da população rural. Ou seja, pode-se
Litoral Norte, Noroeste e Sul. Dentre estas, a constatar que, salvo raras exceções, como Alto Rio
mesorregião do Noroeste espírito santense é a Novo e Baixo Guandu, quanto menor a taxa de
maior produtora. Essa mesorregião é formada por urbanização do município, menor a remuneração
três microrregiões: Barra de São Francisco, média dos chefes de famílias com remuneração.
Colatina, e Nova Venécia, que por sua vez, agre- Inclusive, apenas três municípios apresentam média
gam 15 municípios. Em todos esses municípios a maior do que a média da Mesorregião observada –
atividade cafeeira é desenvolvida predominante- Colatina, Nova Venécia e São Gabriel da Palha -, e
mente e tem grande importância na composição da todas têm médias abaixo da média do Estado. Não
renda e na geração de empregos. é demais frisar que esses três municípios são
A Tabela 13 apresenta informações de caráter centros de serviços regionais e concentram a maior
populacional e socioeconômico (para o ano de parte das indústrias da região e dos armazéns de
2000), além do número de informantes na produ- intermediação de café. No caso de Colatina e de
ção de café (para o período 1995/96), para todos São Gabriel da Palha, segundo informações obtidas
os municípios das três microrregiões do Noroeste durante as entrevistas, a indústria têxtil instalada
espírito santense. Um dado que chama a atenção nesses dois municípios tem importância fundamental
refere-se à classificação dos municípios da região na geração de emprego e renda.
Noroeste no Ranking Estadual do IDH, exceto Com bases nas informações contidas na
para Colatina, Marilândia, Nova Venécia e São Tabela 13, agregadas às informações da Tabela 14,
Gabriel da Palha, os demais municípios ocupam pode-se confirmar que das atividades da cadeia
posições a partir da 50º, inclusive, os dois piores produtiva do café a que menos agrega valor é a
municípios em IDH do Estado estão nessa região – atividade rural.

45
TABELA 13 – INFORMAÇÕES SOBRE POPULAÇÃO, ASPECTOS SÓCIO –ECONÔMICO E INFORMANTES PRODUTORES
DE CAFÉ DOS MUNICÍPIOS QUE COMPÕEM A MESOREGIÃO NOROESTE ESPÍRITO SANTENSE
Informações População IDH-M Renda (%)Taxa Rem. Nom. **Produtores
Total Rural % da Per Capita de Alfabetização Média de Café
Pop Tot. (R$) de Adultos (R$)* (N.º)
Espírito Santo 3.097.232 634.183 20 - 721,57 55.469
Região Noroeste 386.981 146.549 38 - 179,40 82,38 507,44 15.428
MicrorregiãoBarra
de S. Francisco 86.528 39.496 46 - 158,39 78,57 410,35 4.220
Água Doce do Norte 12.751 6.638 52 0.583 128,43 76,20 369,08 868
Barra de S. Francisco 37.597 16.941 45 0,645 185,77 80,91 457,19 2.002
Ecoporanga 23.979 11.085 46 0.612 152,18 77,60 361,39 742
Mantenópolis 12.201 4.832 40 0.627 167,18 79,58 401,54 608
MicrorregiãoColatina 185.367 55.268 30 - 190,34 84,60 555,48 5.826
Alto Rio Novo 6.964 3.396 49 0.634 174,25 80,03 502,39 458
Baixo Guandu 27.819 8.143 29 0,646 187,53 84,37 484,10 755
Colatina 112.711 21.413 19 0,709 272,35 89,41 610,52 2.276
Marilândia 9.924 5.943 60 0,648 188,97 87,06 425,64 670
Pancas 20.402 11.560 57 0,613 153,43 81,97 453,87 1.098
S. Domingos do Norte 7.547 4.813 64 0,626 165,51 84,78 433,96 569
Microrreg. Nova Venécia 115.086 51.785 45 - 189,48 83,97 505,09 5.382
Águia Branca 9.599 7.258 76 0,630 170,08 82,80 437,27 906
Boa Esperança 13.679 4.510 33 0,631 171,30 82,26 431,67 415
Nova Venécia 43.015 15.625 36 0,673 220,08 85,62 531,44 1.690
São Gabriel da Palha 26.588 8.223 31 0,689 242,48 86,73 529,32 1.384
Vila Pavão 8.330 6.387 77 0,602 143,44 82,43 386,74 987
* Valor do rendimento nominal médio mensal das pessoas com rendimento, responsáveis pelos domicílios parti-
culares permanentes (R$)
** Período 1995/96
Fontes: IDH-M, Taxa de Alfabetização e Renda Per Capita: Relatório PNUD/IPEA - 2000; Número de Produtores:
IBGE – Censo Agropecuário 1995/96; Demais dados apresentados na Tabela 1: IBGE – Censo Populacional
2000.

CAFÉ – ASPECTOS TÉCNICOS E


PRODUTIVOS
O Espírito Santo é o maior produtor nacional
de café Robusta, ou Conillon, respondendo por
cerca de 70% da produção nacional, a produção
anual no Estado varia entre 2,5 a 3,5 milhões de
sacas de café Robusta. Na região pesquisada –
Noroeste espírito santense, o café produzido é
predominantemente do tipo Robusta ou Conillon.
Esse tipo de café, de baixa altitude, considerado
com qualidade inferior ao tipo Arábica, é principal-
mente utilizado na fabricação de café solúvel e, em
proporção que varia entre 20 a 40%, é também
utilizado em blendies de café torrado e moído ou
em café torrado para máquinas de café expresso,
segundo os produtores é porque ele dá gosto mais
forte e encorpado à bebida. Por esse motivo, o
café Robusta é cotado no mercado a preço inferior

46
ao tipo Arábica, e em determinados períodos essa
diferença pode chegar a até 50%
Em virtude das secas freqüentes, o café
produzido no Noroeste do Espírito Santo, tem
necessitado de irrigação. A necessidade de irriga-
ção do café Robusta entra em confronto com o
regime de águas do Estado. Isto porque o Espírito
Santo possui pouca água subterrânea e o
desmatamento a que o estado foi submetido,
principalmente no final dos anos 1960, agravou
bastante tanto a quantidade de água disponível,
quanto o regime de chuvas. A situação de depen-
dência de irrigação e escassez de água agrava os
problemas enfrentados pelos produtores da região.
No ano de 2003, por exemplo, até o mês de
setembro (mês da pesquisa de campo) a região
vinha sofrendo com uma seca persistente, que
durou de abril a novembro, o que, segundo os
entrevistados, já havia comprometido 70% da safra
2004, para quem não irrigou, e 30%, para o
produtor que irriga.
A irrigação aumenta bastante os custos de
produção, especialmente devido ao custo da
energia elétrica, além da mão-de-obra utilizada no
trabalho. A irrigação por aspersores de alta potên-
cia, chamado canhão, é predominante, mas gasta
muita energia e desperdiça água, que já é escassa,
porque de 30% a 40% da água é perdida pela
evaporação e uma outra parte é perdida pela
infiltração rápida no solo. Há pouca utilização da
chamada irrigação por gotejamento, que é a forma
mais racional de irrigação, porque dispõe à planta a
quantidade de água necessária, sem desperdício. O
problema é que a irrigação por gotejamento tem
um elevado custo fixo, devido ao custo maior pela
quantidade de mangueiras, registros e dos
microaspersores ao pé de cada árvore. Este custo
fixo exige investimentos relativamente elevados
comparados à irrigação com canhão. Porém a
irrigação a canhão aumenta bastante o custo com
eletricidade (custo variável). Além disto, os produ-
tores acreditam em chuvas fora de época, o que
economiza no uso do canhão e na eletricidade.
Durante a pesquisa de campo encontramos um
grande número de produtores que dispunham de
canhão para irrigação, mas já não dispunham de
água para irrigar, um outro conjunto dispunha de
canhão, de água, mas não estava irrigando devido
ao elevado custo da energia.
Estes dois problemas associados à necessida-

47
de de irrigação do café e à escassez de água
deixam sérias dúvidas sobre a capacidade de
sustentabilidade do café Conillon no estado do
Espírito Santo.
A Tabela 14 apresenta algumas informações
sobre a produção primária de café na mesorregião
Noroeste espírito santense.

TABELA 14 – COLHEITA, VALOR DA PRODUÇÃO, INFORMANTES, DE CAFÉ EM COCO DOS MUNICÍPIOS QUE
COMPÕEM A MESOREGIÃO NOROESTE ESPÍRITO SANTENSE – 1995/96
Informações N.º de Quantidade Quantidade Valor da Pés Área Hectare Tonelada
Informantes Colhida (t) Vendida (t) Produção Colhidos Colhida Colhido/ Colhida /
(em mil R$) (mil pés) (em ha) 1 Informante 1 Hectare
Espírito Santo 55.469 665.728 59.913 428.698 484.803 437.134 7.88 1.52
Região Noroeste 15.428 202.165 8.726 129.116 162.830 147.451 9.56 1.37
MicrorregiãoBarra
de S. Francisco 4.220 37.848 3.145 23.636 37.811 36.105 8.56 1.05
Água Doce do Norte 868 8.736 - 5.639 11.114 11.745 13.53 0.74
Barra de S. Francisco 2.002 14.245 915 8.922 15.187 14.921 7.45 0.95
Ecoporanga 742 6.808 2.200 3.560 5.568 4.793 6.46 1.42
Mantenópolis 608 8.059 31 5.515 5.942 4.646 7.64 1.73
MicrorregiãoColatina 5.826 82.885 2.633 59.360 71.465 63.200 10.85 1.31
Alto Rio Novo 458 9.252 274 5.652 7.199 7.253 15.84 1.28
Baixo Guandu 755 7.871 939 6.679 7.954 6.856 9.08 1.15
Colatina 2.276 34.430 738 21.970 26.206 23.621 10.38 1.46
Marilândia 670 8.034 121 7.564 7.993 7.359 10.98 1.09
Pancas 1.098 15.693 503 12.084 16.184 13.344 12.15 1.18
S. Domingos do Norte 569 7.604 58 5.411 5.930 4.767 8.38 1.60
Microrreg. Nova Venécia 5.382 81.433 2.947 46.120 53.554 48.146 8.95 1.69
Águia Branca 906 14.768 318 6.867 8.738 8.341 9.21 1.77
Boa Esperança 415 14.407 953 5.255 5.541 5.464 13.17 2.64
Nova Venécia 1.690 24.547 219 15.114 17.707 15.824 9.36 1.55
São Gabriel da Palha 1.384 18.417 717 12.961 13.244 11.030 7.97 1.67
Vila Pavão 987 9.292 740 5.924 8.324 7.487 7.59 1.24
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 1995/96
Elaboração: Observatório Social

“ No Espírito Santo, a
sustentabilidade do café
Conillon está em risco por
dois fatores: escassez de água


e alto custo para irrigação

48
TABELA 15 - ESTABELECIMENTOS POR GRUPO DE ÁREA TOTAL (%) – ESPÍRITO SANTO
Mesorregião, Menos 10 a 100 a 200 a 500 a 2000 e sem
Microrregiões de 10 (%) menos de menos de menos de menos de mais (%) declaração
e Municípios 100 (%) 200 (%) 500 (%) 2000 (%) (%)
Espírito Santo 32,05 59,23 5,04 2,65 0,83 0,08 0,11
Microrregião Noroeste
Espírito-Santense 23,22 66,18 6,20 3,23 1,05 0,07 0,05
Microrregião Colatina 20,22 68,67 7,05 3,19 0,72 0,03 0,12
Colatina 20,12 68,02 7,33 3,40 0,85 0,00 0,28
Pancas 19,24 72,02 5,91 2,12 0,71 0,00 0,00
Baixo Guandu 15,90 68,75 8,27 5,79 1,10 0,18 0,00
Marilândia 19,54 72,27 6,32 1,44 0,29 0,00 0,14
São Domingos do Norte 25,28 65,98 6,68 1,91 0,16 0,00 0,00
Alto Rio Novo 27,12 62,32 7,04 2,90 0,62 0,00 0,00
Microrregião Barra de
São Francisco 26,59 61,46 6,14 3,88 1,77 0,17 0,00
Barra de São Francisco 37,73 56,92 3,67 1,13 0,50 0,05 0,00
Ecoporanga 12,90 59,89 11,20 9,99 5,46 0,57 0,00
Água Doce do Norte 20,52 70,58 5,97 2,72 0,21 0,00 0,00
Mantenópolis 27,35 66,57 3,91 1,74 0,43 0,00 0,00
Microrregião Nova Venécia 23,53 67,68 5,30 2,70 0,77 0,02 0,00
Nova Venécia 20,71 65,48 7,97 4,78 1,06 0,00 0,00
São Gabriel da Palha 25,14 70,36 3,28 0,82 0,41 0,00 0,00
Vila Pavão 22,67 71,31 3,57 1,69 0,75 0,00 0,00
Águia Branca 28,63 65,79 3,26 1,89 0,42 0,00 0,00
Boa Esperança 21,37 63,66 9,03 4,19 1,54 0,22 0,00
Microrregião Central
Espírito-Santense 35,50 59,83 3,01 1,16 0,20 0,01 0,29
Mesorregião Sul
Espírito-Santense 39,49 52,89 4,78 2,31 0,46 0,05 0,01
Mesorregião Litoral
Norte Espírito-Santense 26,76 57,85 7,66 5,19 2,26 0,28 0,01
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 1995-1996

ESTRUTURA E CARACTERÍSTICAS DA CADEIA PRODUTIV


PRODUTIVAA DO CAFÉ
As informações expostas neste item do assalariados, temporária e sem registro em
trabalho foram coletadas através de entrevistas carteira de trabalho. Segundo relato de um
com agricultores familiares, parceiros/meeiros, dos trabalhadores entrevistados, apenas nos
sindicato de trabalhadores, trabalhadores assalaria- últimos tempos as fazendas têm registrado
dos e empresa torrefadora, atores que compõem seus trabalhadores, mas isso não se caracteri-
essa cadeia produtiva e desenvolvem suas ativida- za como uma prática comum na região. Muito
des na região, especialmente na região de Colatina pelo contrário, a prática comum é o contrato
e São Gabriel da Palha. sem carteira.
As relações de trabalho predominantes na No sistema de parceria, o que é produzido
cadeia produtiva do café na região pesquisada se pelo parceiro/meeiro é dividido com o proprietário
estruturam, de modo geral, da seguinte forma: da terra, depois do processo de secagem e
z entre os agricultores familiares e de pequeno beneficiamento. Nesse processo, o parceiro,
porte tem-se a relação de trabalho baseada normalmente, leva o café para ser beneficiado no
no sistema de parceria ou meia; armazém de algum comerciante (que eles próprios
z entre os de médio e grande portes a relação denominam de atravessador) que cobra em torno
de trabalho mais utilizada é a contratação de de 10% pela secagem e beneficiamento do café. A
49
maioria dos parceiros e também dos proprietários
não tem local para armazenar o café produzido,
deixando o produto armazenado no estabeleci-
mento desse mesmo comerciante.
Segundo as exposições dos entrevistados, na
região é bastante comum a prática de deixar o
produto armazenado no galpão de um comerciante,
seja o mesmo que beneficiou o produto ou não (o
que ocorre na maioria das vezes), e ao qual, normal-
mente, o produtor e o parceiro são obrigados a
vender seu produto. Aparece aí o terceiro ator do
processo – o intermediário. Na região, o intermediá-
rio parece desempenhar, mais comumente, o papel
de especulador. A opinião, quanto a sua atuação na
cadeia produtiva, é dividida: alguns acham que ele é
necessário, pelas dificuldades que têm de enfrentar
para comercializar o seu produto, outros acham (e
aqui está a opinião da maioria dos entrevistados) que
a sua atuação empobrece o produtor.
Não foi possível, na pesquisa de campo,
identificar o número de indústrias de café existentes
na região. A pesquisa entrevistou apenas o repre-
sentante da empresa Café Meridiano, a maior da
região, com uma produção em torno de 1.800 a
2.200 sacas ao mês e um total de 100 funcionários.
Essa empresa produz café torrado, para máqui-
nas de café expresso, e café torrado e moído de
diversos tipos. Como o café utilizado nessa produção

50
é, em grande parcela, o tipo Arábica (70%), a empre- após a retirada da casca. O que significa que o
sa adquire o café em três mercados – no próprio proprietário não tem o monopólio da
estado, no Sul de Minas e no Sul da Bahia. Segundo o comercialização. O parceiro também participa da
presidente da empresa, a compra é efetuada direta- comercialização do café por ele produzido.
mente no produtor já selecionado ou em cooperativas. Nessa parceria o trabalhador recebe a terra
Apesar disso, acha que o atravessador desempenha com café já plantado e fica responsável pelos tratos
um papel importante na intermediação, justamente culturais e pela colheita do café. Isto porque o café
pelas dificuldades que um pequeno produtor tem na é uma cultura perene e dura em média 20 anos.
comercialização do seu produto. Para evitar vínculo com a propriedade e com o
A café Meridiano vende apenas para o merca- pagamento de indenização pelos seus pés de café,
do interno regional. Há pouco tempo, a indústria é firmado um contrato entre as partes por um
enviou um lote experimental para o exterior, mas, período(em média cinco anos), sendo renovado
por enquanto acha difícil entrar nesse mercado por automaticamente caso não haja manifestação pela
causa do número de taxas cobradas, o que daria um rescisão de uma das partes. No acordo firmado,
retorno muito baixo. normalmente, tratam da indenização do período
restante do contrato, em caso de rompimento do
ASPECTOS DO EMPREGO NA CADEIA mesmo por uma das partes. A indenização é
calculada pelos rendimentos dos pés ao longo de
DO CAFÉ sua vida útil.
Não existem números exatos sobre o número Quando há necessidade de renovação do
total de trabalhadores na cadeia produtiva do café cafezal, ou de replantio de mudas, a responsabili-
na região, sabe-se apenas que o número é muito dade é do proprietário. É ele quem compra as
significativo, na medida em que o café é a segunda mudas e contrata trabalhadores para executarem o
cultura que mais emprega força de trabalho no país preparo do solo e o plantio. Algumas vezes, o
e dada a extensão da lavoura cafeeira. Este grande próprio parceiro executa estas atividades na condi-
número de trabalhadores e de agricultores familiares ção de trabalhador assalariado. Nenhuma atividade
torna a cadeia produtiva do café responsável por na propriedade que implique em investimento a
uma parcela considerável da renda movimentada no longo prazo (casas, cercas, construções, canais
Estado e pela maior geração de renda e trabalho etc.) pode ser realizada pelo parceiro sob o contra-
nas regiões cafeeiras, como a estudada. to de parceria. Se isso ocorrer o proprietário
A especificidade do emprego nessa cadeia deverá remunerá-lo a parte por tais atividades. Isto
produtiva está na grande incidência da parceria e o significa que o parceiro algumas vezes assume a
uso de trabalhadores assalariados. condição de trabalhador assalariado.
Os insumos necessários à produção do café
(adubos, herbicidas, fungicidas) são de responsabi-
PARCERIA NO CAFÉ lidade de ambos, proprietário e parceiro. Algumas
Uma característica da região pesquisada é a vezes o proprietário adianta o pagamento dos
alta utilização da parceria na produção de café. A insumos e, na colheita, este adiantamento é pago
parceria no café se caracteriza pela cessão de parte pelo parceiro, com a cobrança de juros. Outras
da terra, pelo proprietário a um trabalhador rural, vezes o parceiro consegue pagar de imediato, ou,
através de contrato escrito e registrado, ou sem através do documento de parceria, tem acesso ao
contrato. A importância do contrato escrito é que PRONAF, que lhe permite recursos para o custeio
ele torna-se um instrumento de prova que permite da produção. O parceiro recebe a casa para morar
ao trabalhador ter acesso a financiamento bancário e as despesas de energia da casa, em geral, ficam
(PRONAF) e a benefícios previdenciários. por conta do parceiro. Porém, a energia gasta na
No contrato de parceria fica explícito que o cultura, principalmente com irrigação, são divididas
parceiro tem direito à metade da produção de café ao meio.
da área sob sua responsabilidade. Nesta parceria Ao parceiro cabe, fundamentalmente, a mão-
não se divide o dinheiro apurado com a venda, mas de-obra, empregada em todas fases do processo
é dividido o produto, medido em sacas de café, de produção. Em geral é utilizada mão-de-obra

51
51
familiar, algumas vezes, principalmente na colheita,
o parceiro utiliza mão-de-obra assalariada.
Dependendo do contrato, o parceiro pode
produzir junto com o café, quando este ainda é
bem novo, produtos de subsistência. Outras vezes
na propriedade é destinada uma área para que o
trabalhador cultive outros produtos para sua sub-
sistência. Estes são, em geral, produzidos pelo
parceiro sem adiantamentos dos proprietários e
sobre estes produtos não cabe a meia.
Há casos em que os parceiros, através do
PRONAF, conseguem recursos para o desenvolvi-
mento na propriedade de outra(s) cultura(s) em
maior escala. Mas isto depende de consentimento
dos proprietários. Encontra-se em expansão a
cultura do coco da Bahia (variedade anão) consor-
ciada com o café. Muitos parceiros têm buscado
no PRONAF recursos para o investimento nesta
cultura, mas, por ser também uma cultura perene,
necessita ser plantada pelo proprietário.
Há casos em que os parceiros fazem a cria-
ção de animais, em geral de pequeno porte, tam-
bém destinados à subsistência. A criação de
animais de grande porte parece não ser muito
aceita para parceiros.
Embora o parceiro seja responsável pela
utilização de mão-de-obra, e a que ele utiliza em
maior quantidade durante todo o ciclo de produção
do café seja a mão-de-obra familiar, e embora o
tamanho da família do parceiro seja determinante
da quantidade de terra que estará sob a sua res-
ponsabilidade, é comum o parceiro contratar
trabalhadores assalariados na safra. Ou seja, os
agricultores familiares produtores de café, e dentre
estes os parceiros, utilizam-se comumente de
trabalhadores assalariados durante a colheita. Este
uso se dá pela necessidade de colher rápido, ou
por falta de braços familiares, ou por uma safra
superior à possível de ser colhida pela própria
unidade de produção familiar.
A contratação de mão-de-obra assalariada
por parte do parceiro e do agricultor familiar, torna
as relações de trabalho no Espírito Santo bastante
complexas. Isto porque, a parceria não é uma
relação de trabalho exclusiva da grande proprieda-
de, ela ocorre também entre agricultores familiares.
Tanto o agricultor familiar proprietário da terra
quanto o parceiro são representados pelo mesmo
órgão sindical, o sindicato dos trabalhadores rurais.
Quando o parceiro contrata mão-de-obra assalari-

52
ada, as três categorias estão representadas no animais, consertos de cerca e outros afazeres,
mesmo sindicato. Caso surjam, e normalmente designados pelo encarregado. A particularidade
acontecem, litígios entre as categorias (proprietário deste trabalhador registrado é que ele tinha proble-
X parceiro e parceiro X trabalhadores assalaria- mas de saúde, provavelmente advindos da exposi-
dos), estes litígios são mediados pelo sindicato, que ção a agrotóxicos e, talvez, isto justificasse o
dificilmente consegue sair ileso desta trama. registro. Embora tivesse direito a férias, ele apenas
assinava o recebimento das mesmas, mas nunca as
TRABALHADORES ASSALARIADOS havia gozado e nem recebido os direitos dela
advindos, como o pagamento em dobro e o adicio-
Em Colatina os trabalhadores assalariados nal constitucional de 1/3 da remuneração4 . Afirmou
também moram nas periferias da cidade. Nestes que apenas recebia o 13º salário.
locais há vilas de assalariados. Por volta das 5 h da A jornada de trabalho desses trabalhadores
manhã já há grupos de trabalhadores dirigindo-se vai das 7 às 17h, com 40 minutos para o almoço e
aos pontos e, antes deste horário, é possível perce- 30 minutos para o café. Não está contado na
ber a agitação no interior das casas, para o preparo jornada de trabalho o deslocamento em caminhão
das marmitas, como se estivéssemos na hora do da cidade para o campo, o que torna o tempo à
almoço. disposição do empregador bem maior, ultrapassan-
Foram entrevistados alguns trabalhadores do 10 horas, assim como verificado no Sul de
assalariados dessas vilas. Pode-se perceber que o Minas. Os assalariados também trabalham aos
registro em carteira não é uma prática usual para os sábados, até o meio-dia, e quase todos os feriados,
colhedores e mesmo para aqueles que executam exceto Ano Novo, Natal e Sexta-feira Santa.
atividades específicas para a agricultura. O registro
em carteira ocorre, com maior incidência, para os SALÁRIOS
trabalhadores permanentes, mas não é usual para
os trabalhadores assalariados nesta região. Um dos Em geral, os trabalhadores safristas recebem
entrevistados afirmou que o registro em carteira é por produção ou diária. Segundo os entrevistados,
uma prática que vem aumentando agora na região. o valor da diária varia entre R$ 12,00 e R$ 15,00 ,
Através das entrevistas, foi possível perceber e o pagamento da produção é feito tendo como
as péssimas condições de vida e trabalho tanto referência a saca de 60 quilos, cujo preço varia de
deste contingente de trabalhadores, quanto dos acordo com a produtividade do cafezal: muito
trabalhadores produtores familiares e parceiros. produtivo – R$ 3,00 a saca; produtividade média –
Um dos entrevistados era trabalhador permanente entre R$ 4,00 e R$ 5,00; e pouco produtivo –
numa propriedade e era registrado. O outro não entre R$ 6,00 e R$ 7,00. Todavia, os entrevistados
era permanente, fazia qualquer atividade que disseram que o normal pago na região fica entre R$
aparecesse, mas nunca tinha tido registro em 3,00 e R$ 4,00 por saca colhida. O trabalhador
carteira. Na safra do café trabalhava na colheita. A entrevistado disse que tem registro de um salário
colheita do Conillon vai de abril a julho, mas, mínimo em carteira, mas consegue retirar R$
devido à seca, a safra havia sido pequena e como a 400,00 mensais.
estiagem estava muito longa, praticamente não
havia trabalho no campo. A alternativa nestes casos PRINCIP AIS PROBLEMAS ENFRENT
PRINCIPAIS ADOS
ENFRENTADOS
é a migração, ou o emprego numa outra atividade
existente na região, que é a retirada de granito, nas NA CADEIA DO CAFÉ - A OPINIÃO DOS
pedreiras. O trabalho nas pedreiras também é ATORES
precário, sem carteira assinada e o trabalhador fica
exposto a uma temperatura superior aos 50 graus Apresentam características diversas os pro-
centígrados, devido ao sol na pedra. Além disto, o blemas enfrentados pelos atores que compõem a
trabalhador fica exposto às constantes explosões. cadeia produtiva do café Conillon no Espírito
O trabalhador permanente entrevistado, que Santo. Um deles se refere à questão climática. Os
também colhia café, realizava outras atividades na produtores locais vêm enfrentando uma seca que já
propriedade agrícola, desde cuidado com os comprometeu boa parte da produção local, princi-

53
laboratoriais, que permitam a sustentação de
processos jurídicos.
O agricultor familiar não dispõe de recursos e
menos ainda de conhecimento técnico e de instru-
ção básica para criar alternativas ao uso de
agrotóxicos. Alguns poucos que buscam a inserção
nos projetos do Sindicato ou de outras organiza-
ções para a utilização de práticas agrícolas susten-
táveis, sem agrotóxicos e com diversificação da
produção agrícola, têm conseguido sobreviver em
palmente a das culturas de sequeiro, o que prejudi- melhores condições. A grande maioria ainda se
cando a manutenção dos agricultores familiares encontra fora destes projetos e conta com práticas
produtores de café, também dedicados a culturas agrícolas insustentáveis, que já deixam traços de
de subsistência. O uso de irrigação também está exaustão deste modelo: monocultura com
restrito, por conta da pouca disponibilidade de quimificação e irrigação.
água, ocasionada não apenas pelo baixo nível Pelo fato de serem agricultores de base
pluviométrico nos últimos anos e, especialmente familiar, dispõem de pouco capital. Associe-se a
nos primeiros nove meses do ano de 2003, mas, isto a falta de conhecimento, de informação, de
também, pelo uso incorreto desse recurso natural, recursos técnicos e financeiros e a insuficiência de
segundo informaram os próprios entrevistados. políticas públicas, todos estes ingredientes criam
A baixa produtividade do solo também é um graves problemas para a sustentabilidade da cultura
problema enfrentado pelos produtores. O empo- do café no Espírito Santo.
brecimento do solo se deve, em primeiro lugar, ao A comercialização, para esses pequenos
ritmo de desmatamento sofrido pelo Estado, produtores, só tem condições de ocorrer com a
especialmente no final dos anos 1960. Um Estado intermediação de um atravessador, visto que,
que era riquíssimo em mata Atlântica, em poucas segundo um deles, para carregar um caminhão, são
décadas teve esta cobertura reduzida a menos de necessárias 200 sacas de 60kg, o que nenhum
5% de sua área. A retirada da Mata Atlântica e as desses agricultores consegue sozinho.
queimadas empobreceram o solo e reduziu o
volume de água. O uso indevido de técnicas de A QUESTÃO DA REPRESENT AÇÃO
REPRESENTAÇÃO
produção, do preparo do solo, plantio e tratos
culturais e a quimificação, associados à prática da SINDICAL DOS ASSALARIADOS RURAIS
monocultura do café também contribuíram para o Outros problemas já foram relatados ao longo
empobrecimento do solo. A assistência técnica e a do estudo, como a dificuldade dos trabalhadores
pesquisa insuficientes e o pouco apoio do poder assalariados rurais que, mesmo tendo carteira
público agravam bastante esses problemas. assinada, não gozam dos seus diretos, além daque-
O uso indiscriminado de agrotóxicos, proble- les trabalhadores que, por falta de registro ao
ma recorrente na produção agrícola, tem causado serem demitidos no período pós-safra, não têm
um grave prejuízo ao trabalhador rural. Não são condições de solicitar o Seguro Desemprego e/ou
raros os relatos sobre envenenamentos, inclusive receber seu FGTS5 .
com morte. Na região, há vários casos sem solução A esses dois problemas une-se um terceiro,
e, segundo a presidente do Sindicato dos Trabalha- pelo menos na região de Colatina, foi observado no
dores Rurais, os médicos alegam que o Estado não estudo de caso que a atuação sindical voltada para
dispõe de laboratórios que comprovem o nexo os trabalhadores assalariados rurais praticamente
causal entre o uso de agrotóxicos e o comprometi- inexiste. Ocorre que o sindicato da região, assim
mento da saúde. Embora a prática de produção e como a grande maioria dos sindicatos de trabalha-
manejo deixe claro o uso de agrotóxicos, embora dores rurais no Brasil funciona em regime de
também as doenças apresentadas com suas carac- enquadramento amplo, abrigando diferentes cate-
terísticas mostrem traços inequívocos de envenena- gorias de trabalhadores:
mento por agrotóxicos, são necessárias provas z agricultor familiar, com área inferior a quatro

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módulos fiscais e que não contrata trabalhado- res apenas no período da colheita, que ocorre em
res permanentes; poucos meses do ano), isto é, trabalhadores tem-
z posseiros; porários cuja maioria vem de outros municípios,
z pequenos arrendatários; estados e regiões apenas no período da colheita.
z parceiros; Inclusive, essa foi uma das explicações do STR da
z trabalhadores assalariados rurais; Região de Colatina para justificar a sua insipiente
z outros - pescadores artesanais, seringueiros, atuação junto aos trabalhadores assalariados.
colhedores de frutos etc. Constata-se que a inexistência de atuação
Todas estas categorias podem ser definidas sindical nessa região dificulta a eliminação, ou ao
enquanto trabalhadores rurais, há, porém, uma menos a diminuição, dos problemas anteriormente
distinção fundamental entre elas, que é o acesso ao relatados, como a falta de registro em carteira, o
meio de produção básico da agricultura - a terra. descumprimento de direitos, mesmo quando há
Uma parte desta grande categoria, trabalhadores registro em carteira, e uma série de outras ocorrên-
rurais, tem acesso à terra, quer diretamente, como cias que mantêm péssimas condições de vida e de
os agricultores familiares e posseiros, quer indireta- trabalho dessa parcela de trabalhadores rurais.
mente, como os parceiros e pequenos arrendatári-
os e, além destes, há os assalariados que não têm A QUESTÃO DA INTERMEDIAÇÃO
acesso à terra e sobrevivem exclusivamente da
venda de sua força de trabalho. Para o representante da empresa Café
No entanto, nem todos esses sindicatos conse- Meridiano, o principal problema seria a especulação
guem atender a contento todas essas categorias e praticada tanto por produtores, de qualquer porte,
acabam por se concentrar em apenas uma ou duas quanto por intermediários. A especulação seria o fato
delas. Este é o caso do Sindicato dos Trabalhado- de estes atores segurarem a produção após a colheita
res Rurais (STR) da Região de Colatina, que não e esperarem para vendê-la quando o preço estivesse
dispõe de uma secretaria específica para atender e compensador. Ele acha que segurar o café, da forma
atuar junto aos trabalhadores assalariados. como se faz na região, a espera de preços mais altos
Neste caso, isso decorre do fato da parcela apenas prejudica o mercado. Muitas vezes, disse ele,
de trabalhadores mais próxima ao STR e que o preço não sobe e, quando percebem que está em
compõe a sua diretoria sindical ser formada, exclu- movimento de queda, todos querem vender de vez,
sivamente, por pequenos proprietários e parceiros. daí, o preço cai mais ainda. Ele acredita que um outro
Um outro fato gerador desse problema deriva, problema é a falta de informação do produtor, e a
inclusive, da própria condição de trabalho dos falta de investimento público em educação – formal e
assalariados (especialmente em culturas como a do técnica -, além da falta de uma política de valorização
café que agrega grande contingente de trabalhado- do café e de incentivo às industrias nacionais.

Notas
1 FRECOMEX Comércio Exterior Ltda: www.frecomex.com.br
2 Gazeta On Line. http://gazetaonline.globo.com/valores; visitado em 07/05/04.
3 Revista do Observatório Social – Café, o Sabor Amargo da Crise. In: www.observatoriosocial.org.br Acesso
em 19/09/2003.
4 A Constituição Federal garante aos trabalhadores um adicional salarial correspondente a 1/3 do salário
mensal, a ser pago por ocasião das férias anuais.
5 “O FGTS, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, foi instituído pela Lei nº 5.107, de 13/09/66. Formado por
depósitos mensais, efetuados pelas empresas em nome de seus empregados, no valor equivalente ao
percentual de 8% das remunerações que lhes são pagas ou devidas; em se tratando de contrato temporário
de trabalho com prazo determinado, o percentual é de 2%. ... O Fundo constitui-se em um pecúlio
disponibilizado quando da aposentadoria ou morte do trabalhador, e representa uma garantia para a
indenização do tempo de serviço, nos casos de demissão imotivada.” Ministério do Trabalho e Emprego,
http://www.mtb.gov.br/Temas/FGTS/Oquee/Conteudo/1128.asp; visitado em 04/05/04.

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56
ALTERNATIVAS NO ENFRENTAMENTO
DAS DIFICULDADES

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DAS DIFICULDADES
ALTERNATIVAS NO ENFRENTAMENTO

A partir do quadro apresentado neste estudo e


dando seqüência à campanha que vem sendo desen-
volvida pela Aliança Nacional do Café e Coalizão
do Café, as organizações envolvidas apresentam
algumas ações a serem realizadas como
enfrentamento dos problemas identificados, especial-
mente na perspectiva dos assalariados rurais:


GOVERNO
z Ratificação pelo Brasil da Convenção nº 184 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) que
trata da segurança e saúde no trabalho, visando
melhorar e adequar a legislação brasileira para
regulação e normatização do cumprimento dos
Para enfrentar os problemas que diretos trabalhistas. A Convenção 184 da OIT
atingem os assalariados rurais, os ajudará a coibir a prática desleal do patronato que
governos e as empresas são explora a mão-de-obra assalariada sem registro
convidados a agir em carteira de trabalho, paga salários baixos, não
oferece transporte seguro e adequado, não ofere-


ce alojamentos apropriados para moradia e
repouso dos trabalhadores e não oferecem materi-
ais e equipamentos de proteção para o trabalho de
risco e insalubre (como é o caso do uso dos
agrotóxicos nas lavouras de café).
z Publicação e aplicação da Norma Regulamentar
Rural – NRR – nº 33, permitindo base de susten-
58
tação ao Ministério do Trabalho e Emprego na agroecológica e certificados, além de uma política
fiscalização do cumprimento das condições de de preço mínimo.
segurança e saúde, prevenção de acidentes de z Pesquisa e geração de tecnologias e infra-estrutu-
trabalho, principalmente no uso de agrotóxicos e ra apropriadas para a produção e
durante o período de colheita do café, quando agroindustrialização, visando a melhoria da
aumenta o nível de desrespeito e exploração dos qualidade do café a ser produzido e
trabalhadores assalariados rurais. comercializado pelos agricultores familiares.
z Apoio a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) z Acesso a terra, através da reforma agrária e da
nº 438/2001 que expropria as terras para reforma expansão do crédito fundiário, para que os
agrária de fazendeiros que usarem trabalho escra- meeiros, arrendatários e filhos de agricultores
vo na agricultura. familiares possam melhorar suas condições de
z Criação de uma legislação específica para que o vida na produção do café.
contrato de safra seja feito de forma coletiva,
através dos Sindicatos dos Trabalhadores EMPRESAS
Rurais (STRs), garantindo os direitos trabalhis- z As torrefadoras de café assumem compromissos
tas e previdenciários. claros com respeito à garantia dos direitos dos
z Aumento da fiscalização no meio rural, realizada trabalhadores envolvidos na produção do café,
pelas Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs), incluindo os assalariados rurais, estabelecendo
garantindo aplicação das leis e normas que mecanismos efetivos de monitoramento. Especifi-
protegem os direitos dos trabalhadores. camente, firmando acordos com organizações
z Suspensão do crédito público aos empregadores sindicais, que promovam e apliquem códigos de
que desrespeitarem as legislações trabalhistas e conduta perante seus fornecedores no que se
previdenciárias. refere ao cumprimento da legislação trabalhista, a
z Criação de um programa de capacitação dos melhores salários, transporte seguro e adequado,
trabalhadores quanto ao uso de Equipamentos alojamentos de boa qualidade para moradia e
de Proteção Individual (EPIs), manuseio de materiais e equipamentos de proteção para o
produtos químicos e técnicas que diminuam os trabalho de risco e insalubre.
riscos de acidente no campo. z As empresas envolvidas na cadeia do café, especi-
z Criação e implementação de um Programa Nacio- almente torrefadoras e aquelas que atuam na
nal e Programas Estaduais de Revitalização da comercialização, comprometem-se a negociar
Cafeicultura na Agricultura Familiar viabilizando o com entidades representativas dos agricultores
acesso dos agricultores familiares à assistência familiares a compra direta e o apoio a programas
técnica, a tecnologias adaptadas, a diversificação, de capacitação e outros que possam garantir a
a créditos de investimento e ao custeio e instala- permanência destes agricultores na produção de
ção de infra-estrutura necessária à produção e café, bem como a estabelecer programas de
comercialização, incluindo produção melhoria de qualidade.

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B R ASIL
CONSELHO DIRETOR
Presidente:
Kjeld A. Jakobsen (CUT)

João Vaccari Neto


(Secretaria de Relações Internacionais, CUT)
Rosane da Silva
(Secretaria de Políticas Sindicais, CUT)
Artur Henrique dos Santos
(Secretaria de Organização, CUT)
José Celestino Lourenço
(Secretaria Nacional de Formação, CUT)
Maria Ednalva B. de Lima
(Secretaria da Mulher Trabalhadora, CUT)
Gilda Almeida de Souza
(Secretaria de Políticas Sociais, CUT)
Antônio Carlos Spis
(Secretaria de Comunicação)
Wagner Firmino Santana (DIEESE)
Mara Luzia Feltes (DIEESE)
Francisco Mazzeu (UNITRABALHO)
Silvia Araújo (UNITRABALHO)
Tullo Vigevani (CEDEC)
Maria Inês Barreto (CEDEC)

DIRETORIA EXECUTIVA
Kjeld A. Jakobsen: Presidente
Artur Henrique dos Santos (SNO/CUT)
Ari Aloraldo do Nascimento (CUT)
Carlos Roberto Horta (UNITRABALHO)
Clemente Ganz Lúcio (DIEESE)
Clóvis Scherer (Coordenador Técnico/IOS)
Maria Inês Barreto (CEDEC)
Maria Ednalva B. de Lima (SNMT/CUT)
Odilon Luís Faccio (Coordenador Institucional/IOS)

COORDENAÇÃO TÉCNICA
Arthur Borges Filho: Coordenador Administrativo
Clóvis Scherer: Coordenador Técnico
Maria José H. Coelho: Coordenadora de Comunicação
Odilon Luís Faccio: Coordenador Institucional
Pieter Sijbrandij: Coordenador de Projetos
Ronaldo Baltar: Coordenador Sistema de Informação

EQUIPE TÉCNICA
Francisco Alves - Depto de Engenharia de Produção /
Universidade Federal de São Carlos (DEP/UFSCAR)
Ana Margaret Simões - Observatório Social
Alda Maria N.Sanchez - Depto de Engenharia de
Produção/Universidade Federal de São Carlos (DEP/UFSCAR)

Revisão e validação técnica:


Clóvis Scherer e Odilon Luís Faccio

Pesquisa realizada no
período de março a novembro de 2003

EXPEDIENTE
Fotografia:
Sérgio Vignes/Banco de Imagens OS
Editoração de Fotografia
Ana Iervolino
Projeto Gráfico:
Observatório Social
Diagramação:
Silvio da Costa Pereira (MTb/SC00881JP)
Revisão Gramatical e Ortográfica:
Jane Maria Viana Cardoso
Laura Tuyama
Coordenadora de Comunicação:
Maria José H.Coelho (Mtb 930 PR)

Agradecemos a valiosa colaboração, na forma de


comentários às versões preliminares deste estudo, de
Guilherme Brady e Kátia Maia, da OXFAM; José
Geronimo Brumatti, da CUT; Luiz Vicente Facco,
Alberto Brock e Guilherme Pedro Neto, da CONTAG; e
Sjoerd Panhuysen, da Coalizão do Café - Holanda.

Avenida Mauro Ramos, 1624 sala 204


CEP: 88 020-302 Florianópolis - SC.
FONE/FAX: (48) 3028 4400
E-mail observatorio@observatoriosocial.org.br
Website www.observatoriosocial.org.br
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