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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS

UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE FORMOSA


DEPARTAMENTO DE LETRAS

YARA ELISA FERREIRA GONTIJO

TRÊS PSICOSES EM INTERMÍDIAS: NORMAN BATES NO ROMANCE, NO


FILME E NA TELEVISÃO

FORMOSA
2016
YARA ELISA FERREIRA GONTIJO

TRÊS PSICOSES EM INTERMÍDIAS: NORMAN BATES NO ROMANCE, NO


FILME E NA TELEVISÃO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Departamento de Letras de Universidade Estadual
de Goiás, Unidade Universitária de Formosa, como
requisito à obtenção do Título de Licenciado em
Letras Português/Inglês e suas respectivas
literaturas.

Orientador: Profº. Gabriel Antunes

FORMOSA
2016
YARA ELISA FERREIRA GONTIJO

TRÊS PSICOSES EM INTERMÍDIAS: NORMAN BATES NO ROMANCE, NO


FILME E NA TELEVISÃO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Letras da UEG campus Formosa como
requisito final à obtenção Licenciado em Letras.

Data de aprovação:___/___/___

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________
Prof.º Msc. Gabriel Antunes (Orientador)
Universidade de Brasília

_____________________________________________
Prof.ª Dra. Émile Andrade
Universidade de Brasília

_____________________________________________
Profº. Marcelo Mello
Universidade de Brasília
RESUMO
Este trabalho visa Investigar as relações intermidiáticas entre o romance Psicose de
Robert Bloch (1959), o filme Psicose de Alfred Hitchcock (1960) e o seriado Bates
Motel dos criadores Carlton Cuse, Kerry Ehrin e Anthony Cipriano (2013).
Consistindo-se em analisar as diversas maneiras de como contar uma história, na
literatura, no cinema e na televisão, e discutir como se dá o processo de adaptação
da narrativa, personagens e o espaço e como tais elementos passam por uma
metamorfose para se encaixar de uma mídia a outra. Dessa forma, a
problematização discutida se dá quando em meio ao processo de intermidialidade é
possível pensar em uma literatura fora do papel, ou seja, se é arte pode se
transmutar com o passar do tempo, sem perder sua essência e literariedade.

Palavra-chave: Norman Bates, Psicose, intermidialidade, literatura.


ABSTRACT

This work aims to investigate the inter-media relations between Robert Bloch's novel
Psycho (1959), Alfred Hitchcock's Psycho (1960) and the TV show Bates Motel by
creators Carlton Cuse, Kerry Ehrin and Anthony Cipriano (2013). Consisting of
analyzing the different ways of telling a story, in literature, in cinema and on
television, and discussing how the process of adaptation of narrative, characters and
space takes place and how these elements undergo a metamorphosis to fit into a
media to another. In this way, the discussed problem occurs when in the midst of the
process of intermidiality it is possible to think of a literature out of paper, that is, if it is
art, it can transmute itself over time without losing its essence and literacy.

Key-words: Norman Bates, Pshyco, intermidiality, literature.


SUMÁRIO

Introdução.................................................................................................. 07
Capítulo 1 – O Romance............................................................................08
1.1 – Sobre o Livro.....................................................................................08
Capítulo 2 – Do livro para Hitchcock..........................................................15
Capítulo 3 - Do Hitchcock para o mundo...................................................29
Considerações Finais.................................................................................35
Referências Bibliográficas .........................................................................36
7

INTRODUÇÃO

A pesquisa apresenta parte da distinta visão de um mesmo personagem em


épocas diferentes, ajustando-o para diferentes tipos de veículos comunicativos.
Norman Bates em transição entre a literatura, o cinema e a televisão, partindo da
análise do livro Psicose de Robert Bloch, do filme Pshyco de Alfred Hitchcock e do
seriado Bates Motel, dos criadores Carlton Cuse, Kerry Ehrin e Anthony Cipriano.
Norman Bates é um personagem que conseguiu escapar de sua condição
literária, sendo prova de que quando o livro, o cinema e a televisão se combinam
são capazes de produzir novas possibilidades de como contar histórias.
O trabalho proporcionará o entendimento de que atualmente tornou-se
comum a televisão e o cinema fazerem interações com obras literárias de autores
famosos reescrevendo a trama através de seriados, minisséries, novelas e filmes
objetivando uma maior relação e comunicação com o público.
É possível observar como são construídas as diversas estratégias de
filmagem e de expressão dos sujeitos, tempos e espaços no cinema e na televisão,
atentando-se, principalmente às formas de construção narrativa que rompem os
limites entre ficção e realidade, e aprofundam os procedimentos de narração.
Nesse sentido, pode-se compreender a intermidialidade como um processo
que amplifica as possibilidades e artifícios da narrativa, permitindo novos modos de
apreender as artes e suas experiências estéticas.
Desse modo abrir as fronteiras da teoria da narrativa para outras mídias e
desenvolver uma nova maneira de pensar a produção literária para além do papel,
compreendendo a literariedade através dos signos narrativos pertencentes ao
domínio de outras artes como o cinema e a televisão.
Assim, é relevante a análise da intermidialidade entre as três obras ficcionais
referidas, intentando observar, interpretar e descortinar como esse processo de
tradução intermediática se relaciona entre ambas, de modo a não perder a
especificidade de sua literariedade.
8

Capítulo 1 – O romance

1.1 Sobre o livro

Robert Bloch, escritor americano, encantado pelo fantasmagórico e pelo


fantástico, influenciado pelo escritor H.P Lovecraft escreveu muitos contos de terror.
Em 1958 sofreu uma crise existencial do qual sentia que não havia criado nada que
o levasse a ser reconhecido e sua instabilidade financeira juntamente com sua
esposa doente o fez crer que não conseguiria produzir nada significativo. Foi nessa
insatisfação com a vida que ele escreveu seu romance Psicose, publicado em 1959.
Em 1957 Ed Gein foi acusado de alguns assassinatos em Wisconsin e chocou
boa parte da sociedade da época pela peculiaridade de seus crimes, ele dispunha
de um relacionamento doentio e abusivo com a mãe superprotetora, depois de sua
morte guardou o seu cadáver. Foi preso por assassinar duas mulheres e as retalhar,
usando a pele como roupas e os ossos para mobiliar sua casa. Esse serial killer
inspirou Robert Bloch a criar o personagem Norman Bates em seu romance e
também motivou a criação dos filmes O silêncio dos inocentes de 1991 dirigido por
Jonathan Demme e o filme O massacre da serra elétrica lançado em 1974 do diretor
e roteirista Tobe Hooper.
A escolha desse tema para o escritor foi devido a natureza psicológica, queria
escrever sobre o horror real, frívolo e violento que permeava os crimes dos
assassinos em série.
A narrativa acontece de forma rápida e econômica isso torna a leitura
agradável. É emocionante ver como a trama se desenrola de forma diferente do
filme dirigido por Hitchcock, conseguindo nos surpreender ao final de cada capítulo.
A obra literária tem seu início com Norman Bates lendo um livro e
conversando com sua mãe, inserindo e situando o leitor na cabeça do personagem
deixando claro o papel empregado pela mãe em sua vida, dentro de seu ponto de
vista. Permitindo um fluxo de consciência pelo viés dos narradores.
Bloch cria um Norman Bates com a fisionomia diferente, era gordo com seus
40 anos de idade, solteiro dedica sua vida apenas a cuidar do motel, sendo
introspectivo e incapaz de se relacionar com outras pessoas, totalmente controlado
pela mãe.
9

Norman mostra ter um profundo conhecimento de psicologia que torna seu


mundo mais sombrio, como mostra o diálogo entre Norman e sua mãe:

“– Mas eu só queria explicar uma coisa à senhora. É o que


eles chamam de Complexo de Édipo. Achei que se nós dois
pudéssemos examinar juntos racionalmente o problema e tentar
compreendê-lo, talvez as coisas mudassem para melhor.
– Mudar, garoto! Nada vai mudar. Pode ler todos os livros do
mundo, que será sempre o mesmo. Não precisa dar ouvido a essa
conversa obscena para saber que é você. Até uma criança de oito
anos saberia! E eles sabiam, todos os seus amiguinhos da época.
Você é um ‘filhinho da mamãe’. Era assim que lhe chamavam, é e
sempre será. Um grande gordo e marmanjo ‘filhinho da mamãe’!”1

Esse começo revela o protagonista como um leitor voraz de livros, e isso fala
muito sobre sua natureza, demonstrando sua inteligência autodidata, e esse fato se
torna meio irônico dentro da narrativa, pois ele sempre tenta levar as coisas pelo
lado racional, e mais tarde vemos que na realidade sua perspectiva sobre sua vida é
deturpada.
A narrativa apresenta poucos personagens, possui além do personagem
principal Mary Crane, sua irmã Lila, seu namorado e o detetive Aborgast e alguns
personagens não tão importantes como o patrão de Mary, o empregado de seu
namorado Sam, o xerife e o médico.
Desse modo, Norman destaca-se, pois seu lado psicótico é encarregado de
sustentar a trama e segurar a atenção e o interesse do leitor, e este por sua vez,
mostra-se em um constante conflito entre amor e ódio em relação a todos os
acontecimentos de sua vida.
Norman cresceu escutando sua mãe dizer que o sexo era perverso e que
todas as mulheres não prestam, exceto ela. Desse modo, ele começou a
desenvolver certo fascínio pela mãe.
Assim quando ela se envolve com outro homem, Norman envenena-os
levando todos a pensar que haviam tirado a própria vida. Logo depois do crime, ele
passou um mês no hospital psiquiátrico e quando saiu à primeira coisa que fez foi
desenterrar sua mãe achando que ela ainda estava viva. Depois disso ele
1
Block, Robert. Psicose. p.21
10

desenvolve um transtorno dissociativo de identidade, que faz com que ele assuma
por vezes a personalidade da sua falecida mãe e sua psicose o deixa sem saber
distinguir o real do imaginário.
Seus pensamentos são verdadeiramente perturbadores e expõe que a maior
parte de sua loucura é devida aos seus problemas com a mãe. É nessa relação de
mãe e filho que está o ápice de Psicose. Assim, Bloch deixa a dúvida de até que
ponto ele era louco por efeito da convivência com a mãe ou mal por natureza.
O escritor dá vida a Mary Crane já no segundo capítulo do romance, no qual
ela aparece dirigindo o carro já na estrada, e tudo o que acontecera com a
personagem antes desse ocorrido é narrado por meio de flashbacks, como ela havia
roubado 40 mil dólares da empresa em que trabalhava e fugido, além de seus
planos do que fazer com o dinheiro conhecemos, ainda, sua irmã e seu noivo
mediante a suas memórias retrospectivas até que estas sejam interrompidas no
momento em que ela acaba se perdendo e encontrando o motel.
No terceiro capítulo Mary conhece Norman, quando vai dar entrada para se
hospedar no motel e ao vê-lo, instantaneamente o acha patético “ao ver a gorda face
de óculos e ao ouvir a voz macia e vacilante, Mary soube não haveria a menor
dificuldade.” (BLOCH, 2013 p, 43.) ao conversarem ele a chama para jantar em sua
casa que ficava atrás do motel, ela como estava com fome não recusou o convite
inesperado, até porque se achava no controle perto daquela figura estranha, e
sentia-se bem da forma como ele a olhava, pois fazia tempo que nenhum homem a
olhava daquela forma.
A casa era velha e com móveis antigos, parecia uma casa do século 19,
nunca havia sido modernizada. A janta foi servida na cozinha, e o assunto entre os
dois é sobre Norman, que para a Mary este se tornava cada vez mais patético e
digno de pena, ele havia lhe dito que não podia beber, fumar ou se relacionar com
mulheres porque sua mãe não permitia, achava tudo isso uma depravação, sua vida
girava em torna de gerenciar o motel e cuidar de sua mãe e seu único hobby era ler
e praticar taxidermia que é a arte de preservar animais mortos exatamente iguais
como quando estavam vivos.
A princípio o rapaz sente bem sendo questionado pela moça, no entanto
quando ele explica que seu relacionamento com a mãe era difícil e o quão
dominadora ela poderia ser a garota o indaga se não seria melhor colocá-la em um
asilo, Norman perde a cabeça e começa a gritar:
11

“Ela não está louca!” A voz já não era macia em tom de desculpas:
era alta e estridente [...] “Ela não está louca”, ele repetiu. “Não
importa o que você ou os outros possam pensar. Não importa o que
digam os livros, o que diriam os médicos do hospício. Sei muito bem
o que aconteceria. Fariam um exame rápido e a prenderiam lá, se
pudessem – eu só teria que dizer uma palavra. Mas eu não vou
dizer, porque eu sei. Entende? Eu sei, e eles não. Eles não sabem
como ela cuidou de mim por todo esse tempo, [...] os sacrifícios que
fez. [...] Aquela vez em que ela veio me dizer que queria se casar de
novo, eu não deixei. [...]Não venha me falar de ciúmes, de posse - eu
era pior do que ela. Dez vezes mais louco, se for definir assim.
Teriam me internado se soubessem das coisas que disse, o que fiz,
como eu levei a situação. [...] E quem é você para dizer que alguém
deve ser internado? Eu acho que todos nós somos um pouco loucos
de vez em quando.”2

Deixando incontestavelmente nítido o amor abusivo e doente que sentia por sua
mãe, e esta por sua vez, não podemos saber ao certo se denotava esse carinho e
cuidado desenfreado pelo filho, pois apenas sabemos o que o Norman mostra, não
sendo viável arriscar a confiar em suas memórias, pois ele não sabe distinguir sua
imaginação de suas lembranças.
Por essa passagem podemos até pensar se o autor não joga dicas para o leitor
sobre o verdadeiro Norman Bates, mas também elucida o quanto esse personagem
se torna estranho e um tanto desprezível, não deixando espaço para o leitor criar
empatia.
O livro exprime a visão dos personagens em cada capítulo, a cena do
banheiro é narrada, primeiramente, dentro da ótica de Mary, vemos o que ela vê e
acompanhamos seus pensamentos e sentimentos. Deitada em seu quarto e absorta
em suas reflexões sobre o que tinha feito, ela se arrepende e decide retornar e
devolver o dinheiro. Em seguida levanta da cama, tranqüila e decidida, tira suas
roupas e vai para o banheiro do qual viria a ser assassinada.
Robert Bloch narra a entrada da mãe no quarto até o banheiro, porém não a
descreve, apenas após ele abrir as cortinas que Mary o vê que as características do
assassino são reveladas. E somente com um golpe sua cabeça é separada de seu
corpo e ela morre. Esse acontecimento fez-se em um parágrafo de três linhas “Mary
começou a gritar. A cortina se abriu mais e uma mão apareceu, empunhando uma
faca de açougueiro. E foi a faca que, no momento seguinte, cortou o seu grito. E a
sua cabeça.” (BLOCH, 2013 p, 55.)

2
Bloch, Robert. Psicose. p. 50
12

No próximo capítulo observamos Norman na recepção do motel se


embriagando e seus pensamentos são todos voltados para Mary, e começa a espiá-
la por um buraco na parede, o que faz pensar se ele não a colocou nesse quarto
propositalmente, para poder vigiá-la. Ele se sente culpado pela confusão de
sentimentos que crepitavam em seu ser, ocasionadas pela imagem de Mary
despindo-se, então, começa a pensar no que sua mãe diria de seus desejos e se
recorda que ela tem a chave de todos os quartos do Motel, assim ele sai correndo e
a encontra morta no chuveiro.
A violência é talvez o elemento mais simbólico da narrativa, ela se insere no
texto de forma sugestiva, não é detalhada, nem descrita de maneira minuciosa.
Acontecem apenas dois assassinatos no livro, o de Mary e o do detetive Arbogast e
estes surgem sem suspense, e dentro de suas respectivas narrativas não agregam
ao destino dos personagens nenhum indício de seus futuros fatídicos, as mortes
acontecem de repente.
Depois da morte de Mary, a curiosidade se volta para compreender melhor o
que se passa nessa relação de mãe e filho, até descobrir que na realidade Norma
estava morta há muito tempo. O livro usa de uma estratégia para ludibriar o leitor
nesse mistério, em nenhuma parte do livro em que aparece a mãe de Norman o
autor provoca o sentimento de dúvida em relação a sua existência.
Robert Bloch era familiarizado com o estilo da narrativa de terror e a
característica mais marcante para ele era a ambiguidade, era essa inexatidão dos
pensamentos e das convicções dos personagens que provocava o efeito de
estranho na história.
O horror do romance se insere nesse aspecto psicológico, onde mentes
racionalistas, persuadidas pelo medo começam a pensar a situação de maneira
errônea. Sam Loomis e o Xerife de Fairvale empregam a razão para procurar Mary,
Lila Crane ao entrar na casa de Norman é dominada pelo medo e começa a dar
explicações sobrenaturais para as coisas que encontra dentro da mansão “Não há
fantasmas, Lila disse para si mesma. Franziu a testa ao perceber que tinha sido
necessário negar para si. E, no entanto, ela podia sentir uma presença viva ali.”
(Bloch, 2013, p 215)
Mesmo com todos esses elementos de terror, é interessante a forma como o
autor retrata a vida, querendo ou não ele transcreve acontecimentos cotidianos de
seus personagens e expõe a corrupção de seus valores, e muitas vezes a futilidade
13

de seus desejos e que na realidade fizeram o que fizeram por sua sobrevivência,
mas que foram repentinamente lançados em acontecimentos tortuosos, quase como
se esse destino trágico fosse inevitável.
Porém Psicose foi uma obra literária pouco aclamada, não havia muitas
pessoas interessadas na história de um homem de meia idade que ainda vivia com a
mãe e tinha um motel na beira de uma estrada abandonada. Os críticos da época
diziam que o livro possuía um peso emocional fraco.
Do ponto de vista estrutural e narrativo a construção da trama se faz por
meio da economia de detalhes e isso provoca uma falta de carga dramática, tanto na
fala dos personagens como na narração dos acontecimentos. No último capítulo,
quando descreve o caso de Norman Bates e de seus assassinatos, associamos a
notícia como à de um jornal.
“A primeira página foi quase toda dedicada ao caso de Bates [...]
alguns textos compararam a história ao caso de Ed Gein, [...] eles se
esmeraram na descrição daquela “casa de horrores” e apostaram
tudo na suposição de que Norman Bates vinha assassinando
hóspedes há anos. Exigiram uma investigação completa de cada
pessoa desaparecida naquela área durante as duas últimas décadas
e insistiram na drenagem de todo o pântano, para ver se descobriam
outros cadáveres. 3

A história de Psicose inspirou o cineasta Alfred Hitchcock a produzir o filme de


mesmo nome em 1960, muito bem adaptado, e construiu algo “puramente
cinematográfico”, diz ele em sua entrevista com Truffaut. Foi com o filme que o livro
ganhou maior prestígio.
Atualmente podemos ver ressonância e o peso que esse romance
proporcionou, estamos constantemente recriando esses clássicos do passado, prova
disso é série televisiva Bates Motel inspirado no Norman Bates que tem sua primeira
temporada lançada em 2013. Vários filmes e livros usaram a mesma temática que
Bloch, são personagens com um transtorno dissociativo de identidade um exemplo é
o filme Clube da Luta de 1999 dirigido por David Fincher, baseado no romance de
Chuck Palahniuk e o filme Uma Mente Brilhante dirigido por Ron Howard que
também faz uso dessa mesma ideia e temos um filme mais recente de 2011 Cisne
3
Block, Robert. Psicose. Tradução de Anabela Paiva, Darkside books – Rio de Janeiro,
2013. P 224
14

Negro dirigido por Darren Aronofsky, demonstrando como esse tópico encantou e
encanta as pessoas.
Em vista disso, o romance de Robert Bloch conquistou um lugar no nosso
século, ao escrever sobre o terror provocado pela mente humana, e ao trazer esse
universo dos assassinos em série, do qual se tornou no imaginário de muitos leitores
um personagem icônico interessante e curioso, sendo bastante procurado pela
nossa sociedade de consumo.

Capitulo 2 – Do livro para Hitchcock.


15

É interessante notar a metamorfose de quando uma obra literária vive, é


segmentada de artifícios criativos e repassada para futuras gerações e será
reescrita e modernizada para outras formas de arte.
Neste sentido, a obra de Robert Bloch encontrou espaços em áreas afins
sendo transmutada para outras linguagens narrativas. Demonstrando dessa forma
que a arte abre infinitas possibilidades de serem recontadas e compreendidas. Tudo
o que o autor quer dizer nas entrelinhas pode ser suplantado em imagens, tempo e
espaço e são exatamente essas infinidades de possibilidades que imortalizam seus
autores.
Quando Alfred Hitchcock põe suas mãos no livro Psicose ele o transforma, foi
com o filme que Norman Bates atingiu sua imortalidade fazendo com que ele se
transmutasse pelo tempo até os dias de hoje. O diretor baseou todo o seu filme no
romance de Robert Bloch, ainda assim o filme recebeu uma maior aceitação do
público do que a obra literária. Truffaut diz em certo momento para Hitchcock em
sua entrevista:
“Li o romance Psicose, de Robert Bloch, e achei-o
vergonhosamente deturpado. A toda hora lemos algo como: “Norman
foi se sentar ao lado de sua velha mãe e começaram a conversar.”
Essa narrativa convencional me choca muito. O filme é contado com
4
muito mais lealdade, o que se percebe ao revê-lo.”

O filme foi lançado em 1960 ao passo que surpreendeu e assustou grande


parte dos telespectadores, o espanto já se deu pelo fato de ser em preto e branco e
ninguém ainda havia visto um filme como aquele, perturbador e sinistro mas ao
mesmo tempo brilhante, e que ao utilizar o terror psicológico em vez do sobrenatural
mudou a linguagem do cinema.
A princípio ninguém considerava que Psicose seria um sucesso, por motivos
de não ser nada parecido com algo que o cineasta já havia trabalhado, mas
Hitchcock escolheu fazer o filme mesmo assim, um dos motivos foi a cena do
banheiro que em sua visão era excepcional. “Acho que a única coisa que me
agradou e me fez decidir fazer o filme foi o caráter repentino do assassinato no
chuveiro; é completamente inesperado”, afirmou Hitchcock (TRUFFAUT, 2004, p.
270). O fato de muitos não acreditarem no seu sucesso o instigou a realizar o que

4
Truffaut, François. HitchcockTruffaut. p. 270
16

viria a ser sua obra prima. Ele fez o filme com um extraordinário cuidado,
escolhendo bem atores e roteiristas.
Porém o filme não conseguiu patrocínio, para muitos não parecia ser um bom
investimento. A Paramount tinha um contrato com o diretor e se recusou a
patrocinar, e foi a Universal que viu algum potencial no seu trabalho. Muitos diziam
que Hitchcock deveria parar de produzir enquanto ainda estava por cima sendo o
mestre do suspense, no entanto, para ele havia muita coisa a ser feita.
Produzir esse filme seria mostrar para todos que mesmo velho se superaria
em qualquer gênero e forma de suspense. Não ter incentivo só fez com que ele
fosse adiante. Desse modo Psicose custou oitocentos mil dólares e depois de
lançado rendeu mais de treze milhões de dólares.
O cineasta almejava sentir novamente a sensação de quando fez seu primeiro
filme, aquela liberdade que sentia no início da carreira de não saber se iria conseguir
agradar ao público. “Psicose marcaria a ruptura do diretor com seu passado e
mostraria para a indústria que um velho cavalo de batalha cinematográfico de 60
anos podia chocar e inovar acompanhado de melhor sangue novo.” (REBELLO,
2013, p.37).
O diretor preferiu começar o seu filme introduzindo Marion (Mary no livro),
diferente do livro, que começa com Norman Bates, um homem de meia idade, se
distanciando também da fisionomia do ator escolhido para interpretá-lo no filme.
Essa troca de personagens principais foi um importante artifício para gerar mais
suspense no decorrer da história. Essa ideia não partiu do diretor e sim de seu
roteirista Joseph Stefano, por causa dela, ele conseguiu o trabalho como roteirista.
Hitchcock insere a cena na qual aparece Marion de sutiã na cama com seu
amante logo no início, ele queria demonstrar como os filmes de romances com
beijos e cenas censuradas não atraiam o público, ainda enfatiza o horário do
encontro, que se deu na hora do almoço, insinuando que a moça prefere sexo do
que descanso e comida.
Além disso, intentava projetar nesses dois personagens logo no começo o
comportamento de muitos jovens, em suas próprias palavras “sei que eles mesmos
se comportam como John Gavin e Janet Leigh, e quase sempre temos que mostrar-
lhes como eles mesmos se comportam.” (TRUFFAUT, 2004, p.270).
17

A renovação do público foi algo que o diretor levou em conta e foi por isso que
Psicose tem muitos elementos novos e modernos. Esse começo é um exemplo
disso, foi seu primeiro filme em que aparece uma cena de nudez.
A arquitetura da casa e do motel proporcionam ao filme um ar de mistério que
de acordo com Hitchcock foi totalmente desproposital, na Califórnia do Norte pode-
se encontrar muitas casas que se parecem com a de Psicose, chamam essas casa
de “gótico californiano”. O diretor queria ser o mais original possível então escolheu
a casa e o motel autênticos com os modelos californianos que deu a composição
genuína da casa vertical e o motel horizontal.
As filmagens de Psicose foram feitas secretamente, poucas pessoas tinham
acesso, o diretor não queria que ninguém soubesse como seria a história do filme,
tanto que comprou todos os exemplares do livro de Bloch e quando o filme foi
lançado não permitiu que ninguém entrasse atrasado nas salas de cinema, tudo isso
apenas para manter o segredo.
Joseph Stefano foi um dos mais jovens roteiristas contratados por ele, cheio
de ideias que agradavam o diretor. Entretanto para Hitchcock o que mais importava
e impressionava era como iria fazer para manipular o público, não o preocupava
tanto com o que o roteirista colocava ou tirava do roteiro, contanto que pudesse
fazer as filmagens como bem pretendesse. Porém, para dar um tom mais realístico
no filme ele fez com que todos da equipe estudassem o local onde seriam feitas as
gravações, soubessem mais sobre a cultura do local, a forma como se vestiam,
falavam, andavam etc.
Antony Perkins, ator que interpretou Norman Bates, aceitou fazer o papel,
mesmo sendo por uma baixa quantia porque devia um favor ao cineasta, mas
também porque seria algo que ele nunca tinha tentado na vida, e já havia se
cansado de apenas fazer papeis românticos. Era algo que poderia fazer sua carreira
ir ao auge ou ser um fiasco.
O ator foi escolhido por sua aparência ingênua, carismática, por ser atraente,
sensível, diferente do livro do qual não passa a mesma sensação “(...) muitos
assassinos são pessoas sedutoras – ele têm que ser para atrair suas vítimas.”
(RABELLO, 2013, p. 377).
A relação entre o bem e o mal em Psicose se estabelece dentro da
personificação da natureza doentia de Norman Bates. Ele assassina sua própria
mãe Norma e se convence de que ela se matou, mais tarde mata uma mulher no
18

banheiro e joga a culpa na mãe e fica perturbado ao voltar a cena do crime, e por
último quando foi investigado pela polícia fica preocupado em esconder a existência
dela.
Norman é um personagem que esconde várias faces, revelando-as apenas
quando o filme chega ao seu fim. Isso acontece porque Hitchcock oculta o fato de
que ele e a mãe são a mesma pessoa, não dando nenhum indicativo disso ao longo
do filme, esse fato permite ao diretor trabalhar com essa falta de suspeita do público
sobre a personalidade do personagem a favor de influenciar na certeza de que a
mãe morta é a verdadeira assassina da trama.
Assim ele inova o que conhecemos como Norman Bates do livro, ao trazê-lo
com uma aparência ingênua e incapaz de fazer mal a alguém, o diretor engana e
manipula o espectador sobre sua verdadeira natureza “[...] quanto mais perfeito for o
vilão, mais perfeito será o filme” (TRUFFAUT, 2004, p.189) diz Hitchcock.
Nessa vertente, consideramos inicialmente a mãe sendo a representação do
mal empregado quase indubitavelmente na narrativa do filme, e o Norman
aparentemente vemos apenas como uma vítima, disfarçado de algo bom, nesse
sentindo o que primeiramente pensamos ser o mal, não passava de um cadáver.
Psicose, não abre espaço para o espectador se identificar com nenhum
personagem, a não ser com Marion (Janet Leigh), porém essa primeira parte do
filme que diz respeito a história dela é o que em Hollywood chama de “red herring”
em português “arenque vermelho”, é uma tática para manipular o público inserindo
uma informação que não é relevante ou uma pista falsa com o propósito de
esconder as verdadeiras intenções para o aumentar o impacto do assassinato
fazendo com que ele se torne uma surpresa.
O diretor faz com que o espectador acompanhe sua gigantesca jornada desde
o roubo, a cena em que ela dirige o carro e pensa na reação de todas as pessoas
que deixou, assim Hitchcock desperta no público a simpatia pela personagem ao
ponto de torcemos por ela, mesmo sabendo que o que ela fez é errado. Assim, o
cineasta faz com que o público se afeiçoe à garota querendo saber do seu destino,
faz o espectador se perguntar se ela conseguirá escapar impune e até torcemos
para isso
19

A fim de não gerar desconfiança do que está para acontecer com Marion, ele
faz com que sua história se torne demorada, tudo que se refere a sua fuga com o
dinheiro, a viagem e a troca do carro servem para desviar a atenção.
Janet Leigh era uma atriz bastante requisitada, e todos esperavam que
Hitchcock a desse o papel de Lila Crane, porém ela ficou como papel de Marion
Crane nas palavras do diretor para Truffaut:
“[...] Aposto tudo o que você quiser que, numa produção
comum, teriam dado a Janet Leigh o outro papel, o da irmã que
investiga, pois não é hábito matar a estrela na primeira terça parte do
filme. Quanto a mim, foi de propósito que matei a estrela, pois assim
o crime era mais inesperado ainda. Aliás, foi por isso que, mais
adiante, insisti para que não se deixasse o público entrar depois do
filme ter começado, pois os retardatários ficariam esperando o
momento de ver Janet Leigh, quando na verdade ela já teria deixado
a tela e morrido!”5

Usando imagens e sons o cineasta consegue provocar ansiedade nos


espectadores, fazendo com que sintam parte integrante do filme, acompanhando os
personagens de perto, desse modo o público percebe coisas que os personagens
ainda não sabem, proporcionando tensão e angústia, pois as cenas acabam por se
tornar fatalistas. É extremante importante essa conexão entre o público-personagem
pois possibilita a impressão de coautoria no destino da narrativa.

Esse jogo acontece pelo uso do suspense e da surpresa brilhantemente


empregado como uma estratégia narrativa dentro do filme. O suspense, quando o
espectador sabe o que vai acontecer, possui todos os dados da cena e a surpresa
quando vem é segmentada pela violência inesperada e chocante.

Com um suspense psicológico, o diretor transforma cenas do cotidiano em


algo mais peculiar e assustador, induzindo as pessoas que estão assistindo o filme o
sentimento de dúvida e a se fazer indagações, o diretor nunca se permite duvidar da
capacidade do público de prever os acontecimentos e isso faz com que ele pense
muito nas várias maneiras de manipular e conduzir os pensamentos do espectador,
permitindo com que a narrativa de Psicose seja o mais imprevisível possível. Esse
suspense no qual o estranho se instala no cotidiano que faz de uma cena simples
5
Truffaut, François. HitchcockTruffaut. p. 275
20

virar sugestões de violência é típico do cinema de Hitchcock, e se distingue daquele


suspense contra o relógio, das corridas e do medo de não chegar a tempo.

O terror e horror caminham em uma linha tênue no filme de Hitchcock, pois é


comum que estas temáticas acabem por se complementar. Stephen King faz
diferença entre eles, o terror ocasiona um sentimento de medo ocasionado pela
imaginação daquilo que é apenas sugerido ao passo que horror é o contrário desse
processo mental, ele acontece quando há um sentimento de repulsa depois de ter
uma experiência ruim. O suspense atua em tentar encobrir a causa do terror ou do
horror, e as vezes os dois ao mesmo tempo. Hitchcock usa desses elementos para
construir todo o seu filme.

O papel da mulher no filme é bastante interessante, ora ela se estabelece


como um recipiente para as projeções sentimentais dos homens, ora como agente
das mesmas, e ainda, como vítima ou uma representação de algo perverso.
O amor de mãe para filho e vice-versa é tema bastante recorrente tanto no
cinema quanto na literatura, e Hitchcock para montar a personagem de Norma Bates
a constrói como um ser misterioso dentro da narrativa, e quando se descobre que
ela já estava morta, percebe-se o quanto sua imagem é poderosa, pois ela é a
ausente, mas que ao mesmo tempo, existe apenas no pensamento de seu filho
Norman. Esse fato a faz ser uma dos personagens mais fascinante na história.
Enquanto que a mãe de Norman produz essa imagem de ausência, Marion
Crane remete a uma outra, de transparência, pois sabemos tudo a seu respeito,
seus medos, suas ambições, sobre o roubo do dinheiro, sua insegurança em relação
a seu caso com Sam.
Para o cineasta a incógnita que permeia o universo feminino era importante
para a criação e representação das mesmas. Assim, ao esconder e revelar a
verdadeira natureza das personagens deixou espaço para que elas se tornassem
autônomas e reinventadas ao longo do tempo.
A cena do banheiro, se tornou um ícone do cinema, sendo a mais famosa do
longa. De forma diferente do livro, no qual Bloch utiliza uma violência banalizada e
sangrenta, no filme o diretor emprega o terror psicológico dando na vítima várias
facadas e a trilha sonora que colabora para o suspense. A cena demorou sete dias
para ser filmada, houve setenta posições de câmera, não se podia mostrar a nudez
21

nem a moça sendo apunhalada, o diretor usou uma duble nua de Janet Leigh para
fazer a cena, da atriz, ele utilizou apenas o rosto, os ombros e as mãos.

Hitchcock teve muito trabalho para produzir essa cena que durou apenas
quarenta e cinco segundos do filme. Mostrar a privada em alguns fremes foi alvo de
grande crítica, considerado de mau gosto, o diretor também não queria nenhuma
música como pano de fundo, apenas o som ambiente para dar uma sensação de
realidade a cena, apesar disso, Bernard Herrmann cria uma música para ser
utilizada nessa sequência que viria a ser um ícone no cinema. É curioso investigar e
explorar essa cena.

Nessa sequência o público vê Marion fazendo as contas do seu roubo em um


papel, logo depois rasga e atira-os no vaso sanitário. Em seguida ela fecha a porta e
começa a se despir de suas roupas para tomar banho. Enquanto isso Norman a
espia por um buraco na parede. Hitchcock escolhe filmar essas sequências em um
plano fechado, quase não vemos o corpo de Janet Leigh, apenas parte das pernas e
da cortina. Através de Marion podemos ver a mudança de plano, para logo o diretor
a colocar no canto direito da tela possibilitando o espectador olhar para a porta e ver
o que vai acontecer antes mesmo da personagem.

Marion está tomando seu banho tranquilamente quando o assassino abre a


porta sem que ela perceba, o público sabe que o assassino está entrando
provocando um desconforto, o vulto do assassino se aproxima e a câmera vai dando
zoom de encontro a ele, até que nos encontramos atrás da cortina com a sombra do
assassino na frente. Na hora que o vulto puxa a cortina a música tem seu início e a
moça se vira gritando e depois podemos ver o vulto de uma senhora com o cabelo
preso indo embora da cena do crime.

Os olhos abertos de Marion caracterizando a morte foi algo inovador, pois


antes o indício de morte dos personagens nos filmes eram os olhos fechados, porém
na cena quando ela já inerte no chão do banheiro prevalece com os olhos abertos
ao passo que o diretor escorre a câmera de seus olhos para o ralo do chuveiro onde
a água misturada ao sangue flui, dando a sensação de que sua vida está esvaindo
pelo ralo. Para o barulho da faca entrando no corpo de Marion fez-se o uso de um
melão sendo fatiado violentamente
22

Figura 1. TRUFFAUT, 2004, p.278

Logo depois do assassinato o interesse do público recai sobre Norman. Para


a cena da limpeza do banheiro no qual acompanhamos o personagem a limpar
minuciosamente, isso provoca uma sensação maior de realidade para a cena e
depois que ele se livra de todos os vestígios ficamos do lado dele, quando ele leva o
carro para o lago e ele para de afundar e mesmo que exista uma pessoa morta lá
dentro desejamos que o carro afundasse todo. Depois quando descobrimos que a
mãe de Norman está morta a oito anos mudamos novamente de lado.

Em Psicose começamos a gostar e a torcer por uma ladra, e mais tarde


gostamos de um assassino em série para depois ficarmos contra ele quando
descobrimos a verdade e queremos que os personagens que estão investigando o
caso descubram também.

As pessoas ao acompanhar essa personagem assumem uma posição de


voyeur, o próprio cinema se submete a essa condição, tem a ver com o desejo
irreprimível de capturar o proibido, somos seres que gostamos do estranho, do
fetiche, do que há de mais obscuro no outro, isto está ligado à relação de
23

transformação que é própria de nosso tempo, esse culto a estranheza e ao


inquietante. Em vista disso não surpreende achar Norman Bates um personagem
interessante.
A próxima morte do filme é também inesperada e surpreendente. Para a cena
do assassinato do detetive Aborgast, Hitchcock deixou o seu diretor de fotografia e
seu assistente filmarem a subida da escada do detetive rumo ao seu assassinato,
usando os desenhos de Saul Bass, pois o diretor teve uma febre e não podia
comparecer para produzir as filmagens, Saul Bass era encarregado de desenhar os
créditos do filme. Entretanto Hitchcock não usou nada do que eles produziram, pois
da maneira que filmaram do ponto de vista para o diretor parecia que o detetive
estava se sentindo culpado ao adentrar a casa e isso serviu de inspiração para
produzir mais perfeitamente a cena na visão do cineasta.
Por conseguinte o diretor levou em consideração tudo o que já havia feito
anteriormente no filme, tudo o que tratava a respeito de levar o público àquele
momento, pois supostamente no segundo andar da casa existia uma mulher idosa
culpada do assassinato de uma pessoa no banheiro, então o que ele pudesse inserir
de suspense e tensão a cena traria a surpresa fatídica. “[...] devíamos recorrer ali a
extrema simplicidade; bastávamos mostrar um escada e um homem subindo essa
escada com a maior simplicidade possível.” (TRUFFAUT, 2004, p.278).
No momento em que o detetive chega ao final da escada Hitchcock teve a
ideia de utilizar uma câmera no alto, para não ter que mostrar o rosto do assassino e
nem as costas mostrando o físico que geraria a desconfiança sobre o verdadeiro
assassino, sem contar que olhando por cima não causa nenhuma impressão de
tentar ocultar o rosto da mãe.
O cineasta também quis mostrar o rosto do detetive quando estava sendo
esfaqueado e ao mesmo tempo a escada atrás dele. “Era exatamente como uma
música: a câmera lá no alto, junto com os violinos e de repente a grande cabeça
junto com os instrumentos de sopro. No plano alto eu tinha a mãe que chegava e a
faca ia abaixando.” (TRUFFAUT, 2004, p.278).
24

Figura 2. TRUFFAUT, 2004, p.276

Para fazer a sequência do detetive caindo da escada Hitchcock filmou


primeiro ele descendo a escada sozinha e depois colocou o ator atrás de um projetor
sentado em uma cadeira mexendo apenas os braços.
Outra cena em que o diretor usa a câmera no alto é a parte em que Norman
leva a mãe para o sótão. Primeiramente vemos Perkins subindo a escada e a
câmera o acompanha, e quando ele entra no quarto a câmera não o acompanha
mais e sim vai se aproximando da porta bem devagar e aos poucos vai subindo para
o espectador veja a cena por cima, com o objetivo de não gerar desconfiança no
público e nem para que eles se perguntem o porquê dessa câmera ficar parada.
O cineasta ainda insere um diálogo entre os dois para servir de distração, no
qual Norman tenta convencer a mãe a se esconder no porão. “Eles estão vindo,
mãe. Ele veio atrás da garota e agora alguém vai vir atrás dele. Mãe, por favor, é só
por uns dias. Só por uns dias para que não encontrem você. “(PSICOSE, 1960).
25

Figura 3.TRUFFAUT, 2004, p.281

Hitchcock foi o cineasta que teve seu mérito na manipulação de sentimentos


dos espectadores, são gestos e olhares e posições de câmera que dizem muito mais
sobre a verdade inquietante sobre o que é ou não é real, a revelação dos sinais que
expõem mais sobre a razão da conduta dos personagens e exibem uma vasta onda
de interpretações que os diálogos não são capazes de demonstrar, o que se vê é
meramente uma sugestão do que está acontecendo. “Para mim, era apaixonante
utilizar a câmera para desorientar o público.” (TRUFFAUT, 2004, p.278).
O psicanalista Slavoj Zizek em seu documentário O guia pervertido do cinema
faz uma análise psicanalítica do filme, para ele não há nada mais natural do que os
desejos humanos, e muitas vezes não sabemos o que desejar, o cinema age nessa
questão, sendo a arte mais cruel de todas, pois ela diz o que desejar.

A casa de Norman Bates é dividida em três níveis, o porão, térreo, e o


primeiro andar, de acordo com o psicanalista essas três repartições correspondem
as três divisões da subjetividade humana elabora por Freud. O térreo é o ego, no
qual Norman se comporta como um filho tranquilo e normal, o primeiro andar
encontra a figura materna, essa representação da mãe já morta refere-se ao
superego, a terceira trata do porão que é o id, que se encontra todo o aglomerado
de ações ilícitas.
No entanto o id e o ego estão intrinsecamente relacionados, de maneira que
podemos analisar a cena quando Norman transporta a mãe do primeiro andar para o
26

porão, é como se ele estivesse movendo sua própria mente do superego para o id,
primeiro ouvimos a mãe reclamando “Não! Não vou me esconder na despensa”
(PSICOSE, 1960) e depois subitamente ela se torna obscena “Você acha que sou
suculenta?” (PSICOSE, 1960) o superego não tem características éticas, existe
sempre alguma coisa de louco e obsceno na conduta do superego.
Zizek ainda diz que não devemos tentar voltar nossos olhos por de trás da
ficção e sim tentar ver a verdade dentro da ficção, aceitação dessa nova
representação do real como verdadeira provoca entre o espectador e as imagens na
tela do cinema uma relação interessante e bonita, pois sabemos que estamos sendo
enganados e nos deixamos iludir, na realidade pagamos para isso.
As imagens sempre foram um problema para a experiência humana, no que
tange ao entendimento, e do imaginário disponível que cada pessoa têm, pois uma
imagem fala muito, e é a partir dessa gama de interpretações possíveis que o diretor
encontrou um meio de controlar e conduzir as ideias dos espectadores.

Estamos diante de um cinema que trabalha a capacidade das pessoas de


tentar enxergar além daquilo que se deixa mostrar, é tentar ler as entrelinhas e
exercitar a habilidade de decifrar.

Alfred Hitchcock em sua entrevista com François Truffaut declara que:

“[..] Em Psicose, o tema me importa pouco, os personagens


me importam pouco, o que me importa é a montagem dos
fragmentos de filme, a fotografia, a trilha sonora, e tudo que é
puramente técnico conseguiam arrancar berros do público. [...] Não
foi uma mensagem que intrigou o público. Não foi uma grande
interpretação que intrigou o público. Não era um romance muito
apreciado que cativou o público. O que emocionou o público foi o
cinema puro.”6

Temos assim um caso em que o cinema puro pode proporcionar a absorção


das emoções subterrâneas ao ver uma imagem na tela e deixar-se conduzir por ela,
essa articulação com os sentimentos, e com a lógica da imagem bem como a
câmera em posição de um narrador permitem as várias vozes e maneiras de narrar,
isso ocasiona a possibilidade do cinema de manipular o interesse do público e o
entendimento do que se vê.
6
Truffaut, François. HitchcockTruffaut. p. 287.
27

Atualmente a adaptação da literatura para o cinema é vista com um certo


preconceito e até mesmo desacreditada, pois consideram-se importante que antes
do filme seja necessário conhecer a obra literária, e que por mais bem adaptada que
está seja não poderá ser melhor que a original, no entanto Hitchcock prova que com
sua técnica cinematográfica impecável o filme pode ser melhor que o livro, tudo
depende de como se faz para contar essa história.
O filme não é uma cópia do livro e sim uma nova maneira de se narrar a
mesma história, partindo da premissa de que ambas são independentes, mas que se
relacionam, desse modo o filme Psicose é uma nova obra, não podendo ser
considerada uma imitação, sobretudo quando as duas formas de arte são tidas em
épocas diferentes.
A linguagem cinematográfica ao contrário do que muitos pesam se aproxima
da linguagem encontrada na literatura e passam pelos mesmos problemas em tentar
combinar dentro da obra forma e conteúdo ao passo que as duas deixam livre as
possíveis interpretações sobre as mesmas.

“Contra o cinema, e em favor da literatura, tem-se dito às


vezes que o primeiro impediria construir o mundo na imaginação, ao
saturá-lo com o visivelmente mostrado. Mas a imagem jamais é
exaustiva. Ao contrário, ela vive de sua não exaustividade, de sua
irritante insuficiência.”7

O livro de Bloch encontrou apoio no âmago do cinema, pois este achou um


meio de se reproduzir em outras formas de arte, demonstrando que com a
contemporaneidade uma obra literária nunca é um fim para si mesmo, ela pode ser
recontada e este fato a grandifica, pois hoje se preza não a história mas como se
desenvolvem as várias maneiras de contá-la. Desse modo “na era da
interdisciplinaridade, nada mais saudável do que tentar ver a verbalidade da
literatura pelo viés do cinema, e a iconicidade do cinema pelo viés da literatura”
(Brito, 2006: 131).

7
Cabrera, Julio. De Hitchcock a Greenaway. p. 21
28

Em vista disso, os diferentes mecanismos construídos por Robert Bloch e


Alfred Hitchcock causam efeitos diferentes tanto de horror quanto de terror para os
leitores do romance e para o público do filme. A genialidade do diretor ao recontar e
adaptar essa história para o cinema abriu as portas para que essas obras sejam
consideradas clássicas atualmente.

Hitchcock soube planejar estratégias para chamar e prender a atenção do


espectador, fez isso com tamanha maestria que influenciou muitos filmes
futuramente, e em todos os gêneros. É possível detectar seu legado frente a história
do cinema que perdura até os dias de hoje, inclusive Hitchcock é um dos cineastas
mais estudados e imitados no mundo contemporâneo. Ele se tornou um ícone no
que tange a suas estratégias narrativas que tornaram o fazer cinema uma prática de
inteligência.
29

Capítulo 3 – Do Hitchcock para o mundo.

A literatura e o cinema fazem parte de um sistema midiático que engloba


todos os tipos de arte, é possível estudá-los através de seus pontos em comum e
entendidos como mídias que se correlacionam de inúmeras maneiras é o estudo
dessas relações e proximidades que uma tem com que chamam de intermidialidade.
O estudo da teoria da mídia bem como a intermidialidade não deve ser
entendidos como estudo estético, linguístico, intertextual, de análises discursivas e
nem reflexões artísticas, essas temáticas não são assuntos recorrentes.
A literatura e o cinema são recursos midiáticos que conquistaram um lugar na
sociedade de grande importância e fez-se necessário os estudos da intermidialidade
que cerne a questão dos processos de mudança, adaptação, transmutação,
tradução e suas associações com ouras formas de mídia, entender como se
desenvolve a metamorfose de uma obra para o cinema e vice-versa.
Assim, é fundamental compreender como que a literatura e o cinema
retratam e constroem a realidade e refletir também como tais mídias se auto
representam, são conceitos interessantes para o mundo contemporâneo.
A intermidialidade também reflete a complexidade que o cinema encontra ao
tentar ser, involuntariamente, uma obra de arte que consegue inserir nela todas as
outras e mudar o que conhecemos como estética, de acordo com Walter Benjamin
em seu ensaio intitulado a “Obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica”,
publicado em 1936, as novas práticas de reprodução das obras de arte mudaram o
impacto na sensibilidade e na estética, essas transformações não foram apenas no
campo artístico, mas também na assimilação e na receptividade do homem frente
as modificações que a contemporaneidade trouxe.
Dessa maneira, o cinema é a consolidação de todas as artes, pela sua
capacidade de imitar e produzir a realidade que o cerca, assim, atualmente ele é o
maior meio de exibição cultural. As imagens não servem apenas para demostrar o
que se quer passar, elas constituem um conceito flexível do mundo que Julio
Cabrera chama de conceito-imagem.
O cinema não apenas representa o real de forma objetiva, ele também possui
a capacidade de criar outras dimensões da qual aceitamos aquela realidade como
verdadeira e isso não o impede de fazer afirmações ou criar problematizações reais
dentro da ficção, cabe ao espectador a apreensão daquilo que se quer passar.
30

O filme de Hitchcock foi imortalizado, abrindo caminho para novos tipos de


arte, tal qual o seriado Bates Motel produzido pela Universal Television que relata a
história de Norman Bates (Freddie Highmore) antes dos eventos que ocorrem no
filme.
A primeira temporada de Bates Motel foi lançada em 2013, dos criadores
Carlton Cuse, Kerry Ehrin e o também roteirista Anthony Cipriano, a série se
desenvolve nos dias atuais, retratando a vida de Norman em sua adolescência,
enfatizando em cada episódio a relação complexa e confusa que ele estabelece com
a mãe.
A serie se desenvolve nos dias atuais e pode causar certo estranhamento ao
espectador, por reviver esses personagens e proporcionar uma nova experiência,
acompanhando uma versão moderna, diferente da história que o público já
conhecia. É possível perceber como Bates Motel renova e expande a obra original, o
seriado também usa como utensílio para a narrativa a psicanálise dentro de uma
perspectiva moderna.
É interessante analisar a impossibilidade de haver um entendimento familiar,
no sentido em que cada relação esconde um segredo resguardado por mentiras.
Assim a história começa depois que o marido de Norma morre misteriosamente, ela
se muda para a cidade de White Pine Bay, em Oregon- EUA, leva seu filho Norman
de 17 anos e compra um motel na beira da estrada com a intenção de recomeçar a
vida.
A mãe possui uma imagem ambígua dentro da narrativa, que ultrapassa os
limites quando o assunto é seu filho, sua superproteção e ciúme tal qual seu amor
demasiado se tornam muito mais enfáticos no seriado, enquanto Norman é retratado
como um anti-herói que não se dá conta de sua própria patologia.
Como meio de adaptação filme - seriado foi necessário a introdução de novos
personagens, o meio-irmão de Norman, Dylan Massett que aparece um dia
procurando abrigo e ainda tenta liberta-lo de sua mãe controladora, conhecemos
também sua colega Emma Decody uma menina que sofre de fibrose cística,
apaixonada por ele, a única menina que Norma parece aprovar, talvez seja pelo fato
de que ela não irá ter uma vida muito longa. Bradley Martin é a garota por que
Norman se apaixona, popular e bonita, porém mais tarde ela começa a se interessar
pelo seu irmão. O xerife também tem um papel importante na trama e acaba se
envolvendo com Norma.
31

Alguns elementos existentes no filme são trazidos de volta para o seriado, um


exemplo é a cópia fiel da casa e do motel com objetos antigos e alguns modernos, a
prática de taxidermia, a questão do suspense presente na trama, o duplo sentido
nas ações dos personagens, o mistério, entre outros elemento.
Freddie Highmore foi escolhido para interpretar Norman Bates no seriado por
lembrar bastante o personagem do filme de Hitchcock, ambos provocam e
transpassam a mesma ideia de inocência e ingenuidade, sua delicadeza na fala, a
postura ao andar, tudo contraria o fato de que ele poderia ser um assassino.
Observa-se um Norman apaixonado e cobiçado por outras meninas, um
pouco menos controlado por sua mãe, tendo em certas horas iniciativa própria. A
partir da relação entre mãe e filho desenvolvidos na série podemos entender melhor
esse personagem enigmático.
O desenvolvimento psicológico de Norman e Norma acontece de forma
gradual, deixando sempre o público confuso, pois vemos Norma uma mulher bipolar
como uma mãe controladora e obsessiva pelo comportamento do filho, no entanto
em outro episódio ela aparece como uma vítima das fatalidades da vida, cujas
atitudes são reflexos de defesa em relação a tudo que passou.
O amor platônico que o filho sente pela mãe o incita a matar o próprio pai,
enquanto este abusava violentamente de sua amada mãe, e assim entra em conflito
consigo mesmo por abandoná-la para viver com o irmão e mais tarde matar sua
professora, pois seus desejos por ela despertam ciúmes em sua mãe, lembrando
evidentemente a Marion, personagem do filme.
Norman está constantemente entrando em sua psicose, deixando o
espectador sem saber ao certo o que realmente aconteceu e o que é fruto de sua
imaginação. É um personagem que provoca pena, por não compreender o que
acontece consigo, e ainda assim, ao mesmo tempo é capaz de provocar medo e
tensão, pois em uma cena que aparenta ao espectador ser normal e cotidiana,
sempre há a expectativa dele ter um ataque e matar alguém. O olhar do protagonista
contribui para essa complexidade, ora um olhar ambíguo que imerge no vazio e
tristeza e ora inundado de sentimentos.
Bates Motel é um seriado que pode apresentar alguns elementos góticos em
termos de espaço físico, como por exemplo, o próprio motel e a casa que fica longe
da cidade. Outro fato que contribui para esse elemento gótico é a forma como usam
a escuridão e a sombra em muitas cenas, as mais importantes sempre ocorrem na
32

parte da noite, como o assassinato da professora, ou quando Norma vigia seu filho,
entre outras. É interessante notar como as sombras empregadas no seriado servem
pra manipular o espaço e o que se vê, física ou mentalmente.
O motel e casa, presentes no filme de Hitchcock se tornaram um
representação simbólica na mente do espectador, nesse sentindo quando o seriado
resgata essa imagem icônica passa a sensação de familiaridade para a trama, ao
mesmo tempo funciona como um personagem, o único que conhece e esconde
todos os segredos.
A série televisiva produz algumas relações com o filme de Hitchcock, como no
primeiro episódio da temporada que faz uma homenagem ao mestre do suspense,
ao inserir uma cena em que o espectador visualiza Norma (após ser estuprada pelo
antigo dono da propriedade e com a ajuda de seu filho Norman o mata) recebendo o
delegado Zack Shelby e o xerife Alex Romero que por alguma desconfiança
decidem averiguar o motel, assim, o público fica apreensivo com a chegada dos dois
policias, pois o corpo do antigo proprietário está escondido na banheira prestes a ser
descoberto.

Figura 4 Bates Motel, 2013


33

Um dos personagens mais significativos do seriado é a professora Watson


que foi a primeira a perceber que havia algo diferente e estranho acontecendo com
Norman, e como consequência disso acaba por provocar sua morte no final da
temporada no último episódio lembrando muito a morte de Marion no filme. Tanto
Marion como a professora Watson despertam em Norman o desejo sexual que logo
é reprimido pela imagem opressora da mãe em seu subconsciente.

Figura 5. Bates Motel, 2013

Partindo para uma visão mais analítica do seriado observa-se a evolução dos
personagens, principalmente de Norman, já que essa forma de arte possibilita uma
maior abordagem da mente do protagonista e visualiza-se a evolução de sua
“psicopatia” desde o início, com mais detalhes.
Dessa forma, o público tem a oportunidade de se aproximar ainda mais de
Norman e outros personagens, novos e antigos, e também sente-se alívio ao
perceber que não houve prejuízo a narrativa ao recriar uma história diferente da qual
se conhece. Bates motel, assim, se consagra ao introduzir elementos de suspense
de forma a sempre trazer referências do filme de Hitchcock.
34

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensando na intermidialidade entre as três formas de contar a história de


Norman Bates, é possível visualizar pontos em comum, como o fato de serem
controlados pela mãe e de serem incapazes de larga-la. Tanto no filme, quanto no
romance e na televisão Norman tem a possibilidade de ir embora, porém não
conseguem se desvincular da mãe.
Um outro ponto em comum é a condição de voyeur que o público se encontra,
afinal todas as formas de arte te ensinam não só a desejar, mas o que desejar.
Norman, em todas as formas de arte em que o encontremos há um fato sobre
ele que nunca muda, o personagem não consegue distinguir o real do imaginário, o
que é certo ou o que é errado. Nesse sentido o público sente dificuldade em
identificar o real e começa a duvidar de fatos corriqueiros da vida de Norman, pois o
suspense se insere justamente nessa passagem onde aquilo que é normal e comum
pode nas entrelinhas não ser o que aparenta.
Tendo em vista aspectos observados nas pesquisas percebe-se que para
falar das três obras analisadas pode-se ver que Norman Bates assume novas
características, pois ele é recriado por outras pessoas em épocas diferentes.
As leituras dos livros estudados possibilitam uma maior análise, tais como as
formas de narrativa, a trilha sonora, sons e imagens a posição da câmera, gestos e
olhares que nos dizem mais a respeito dos personagens do que os diálogos no caso
do filme e do seriado. Tudo isso se fez necessário para se refletir sobre o
comportamento desses mesmos personagens e assim melhor entendê-los.
Desse modo, pode-se pensar na literatura para fora do papel, e como o
cinema e a televisão representa esse objetivo. Norman Bates é um exemplo de um
personagem que conseguiu se imortalizar em outras formas de arte, demonstrando
que o mais importante não é a história contada em sua representação fiel e sim as
várias maneiras de se contar a mesma história. Atualmente é comum ver obras
literárias recriadas e repassadas para o cinema e a televisão.
As três formas de contar a história de Psicose proporcionam divertimento
independente da forma de narrativa e encontra-se conforto em saber que
35

personagens tão bem feitos e autônomos continuaram se renovando graças às


várias formas de mídia e reprodução dos mesmos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bates Motel, Direção de David Straiton; Ed Bianchi; Johan Renck; Paul F. Edwards;
S. J. Clarkson; Tucker Gates, EUA, Distribuição Univelsal studios, 2013, Dvd,Cor,
450 min.

BLOCH, Robert. Psicose. Tradução de Anabela Paiva, Darkside books – Rio de


Janeiro, 2013.

CABRERA, Julio. De Hitchocok a Greenway, pela história da Filosofia: novas


reflexões sobre cinema e filosofia. Nankin, São Paulo, 2007.

FIENNES, S. (2006). The Pervert's Guide to cinema, Documentário, 150 min.

KING, Stephen. Dança macabra; o fenômeno do horror no cinema, na literatura e na


televisão dissecado pelo mestre do gênero. Tradução de Louisa Ibañez. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2007.

Psicose. Direção Alfred Hitchcock, EUA, Distribuição Paramount Pictures/ Universal


Studios, 1960, Preto e Branco, 109 min.

REBELLO, Stephen. Alfred Hitchcock e os bastidores de psicose. Tradução de


Rogério Durse – Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.

TRUFFAUT, François. TruffautHitchcock. Tradução de Rosa Freire D`Aguiar – São


Paulo: companhia das letras, 2004.

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