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Abstract Introdução
1 Instituto Fernandes Birth defects have increased progressively in Os defeitos congênitos vêm apresentando rele-
Figueira, Fundação Oswaldo
Brazil, shifting from the fifth to the second cause vância crescente como causa de sofrimento e
Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.
2 Instituto de Medicina of infant mortality from 1980 to 2000, thus prejuízos à saúde da população. Define-se co-
Social, Universidade highlighting the need for specific health policy mo malformação congênita a anomalia estru-
do Estado do Rio de Janeiro,
strategies. Some governmental and nongovern- tural presente ao nascimento 1. Uma definição
Rio de Janeiro, Brasil.
mental actions related to birth defects in Brazil mais ampla seria a expressão “defeito congêni-
Correspondência include information services on teratogenic to” (tradução do inglês “birth defect”), incluin-
D. D. G. Horovitz
agents and inborn errors of metabolism, moni- do toda anomalia funcional ou estrutural do
Centro de Genética Médica
José Carlos Cabral toring of birth defects, neonatal screening and desenvolvimento do feto decorrente de fator
de Almeida, Instituto treatment of some genetic diseases, and rubella originado antes do nascimento, seja genético,
Fernandes Figueira,
Fundação Oswaldo Cruz.
immunization. In addition, flour fortification ambiental ou desconhecido, mesmo quando o
Av. Ruy Barbosa 716, with folic acid for prevention of certain birth defeito não for aparente no recém-nascido e só
Rio de Janeiro, RJ defects has begun recently. Despite the impor- manifestar-se mais tarde 2.
22250-020, Brasil.
dafne@ceresgenetica.com.br
tance of such initiatives, it is still difficult to Estudos indicam que a incidência geral dos
view birth defects from a comprehensive per- defeitos congênitos na América Latina não di-
spective. A specific national policy on birth de- fere, significativamente, daquela encontrada
fects must be formulated. Active participation is em outras regiões do mundo 3. De modo geral,
needed by the Ministry of Health, using existing pode-se considerar que não menos de 5,0%
genetic services as the backbone, in order to de- dos nascidos vivos apresentam alguma anoma-
velop a regionalized, hierarchical, and func- lia do desenvolvimento, determinada, total ou
tional network related to birth defects in Brazil. parcialmente, por fatores genéticos. Acrescen-
tando-se os distúrbios que se manifestam mais
Birth Defects; Health Policy; Genetic Services; tarde, como certas enfermidades crônicas de-
Medical Genetics; Health Planning generativas, é ainda mais evidente o conside-
rável efeito que têm os fatores genéticos sobre
a saúde 2.
Apesar dos fatores genéticos estarem impli-
cados em praticamente todas as doenças, co-
mo resultado de sua interação com o ambien-
te, o papel relativo do componente genético
poderá ser maior ou menor 4. Dentre as doen- Finalmente, com o objetivo de localizar ou-
ças nas quais o componente genético é pre- tras ações relacionadas aos defeitos congênitos
ponderante, podem ser citadas as monogêni- no Brasil, foram utilizadas informações obtidas
cas, individualmente raras, porém acometen- através de um questionário fechado enviado
do como grupo 2,0% da população geral, as aos serviços de genética médica brasileiros 7,
cromossômicas, presentes em 0,7% dos nasci- notadamente aquelas relacionadas a linhas de
dos vivos (e em metade dos abortamentos es- pesquisa/projetos extramurais. Foi confeccio-
pontâneos) e as multifatoriais, responsáveis nada planilha no programa Excel, sendo tabu-
por grande parte das malformações congênitas ladas todas as informações colhidas de modo a
e também por muitos problemas comuns da ter-se um mapa das principais características
vida adulta 4. Neste artigo, em alguns momen- dos serviços, em especial, quanto a: (a) oferta,
tos, os termos “defeito congênito” e “doença ge- (b) distribuição geográfica, (c) financiamento,
nética” são usados como sinônimos, apesar de, (d) características do atendimento, (e) linhas
atualmente, praticamente todas as doenças se- de pesquisa e (f ) projetos extramurais. Uma
rem “genéticas” em algum aspecto (mesmo uma vez sinalizada a existência de atendimentos es-
eventual predisposição para doença infeccio- pecíficos (diferenciados da rotina de atendi-
sa). Na realidade, tais termos, no âmbito deste mento clínico dos serviços de genética), solici-
texto, referem-se às doenças monogênicas, tou-se informação adicional sobre os mesmos.
cromossômicas e às malformações congênitas, Os dados assim coletados foram analisados in-
nas quais o papel da genética clínica (também ter e intra fontes e depois cruzados com a pro-
utilizada como sinônimo de genética médica) dução atual de literatura sobre defeitos congê-
é de reconhecida importância. No Brasil, a prá- nitos e natureza dos serviços a eles dirigidos.
tica médica nessa área teve início recente quan- Para melhor expor e discutir os resultados
do comparada com outras especialidades. obtidos, subdividiu-se o presente artigo em
Diante do exposto sobre os defeitos congê- três seções. A primeira aborda o crescente im-
nitos, tivemos como objetivo determinar a re- pacto dos defeitos congênitos na saúde, ilus-
levância desses no Brasil, mapeando estraté- trados pelos levantamentos da evolução das
gias já implementadas para sua abordagem. causas proporcionais de mortalidade e do peso
Apenas após a obtenção de tais dados, caso de- dos defeitos congênitos na morbidade hospita-
finido que se trata de problema significativo, lar no Brasil. A segunda seção mostra as ações
poderá ser estruturada política pública na área. disponíveis no país relacionadas aos defeitos
Foi realizada uma análise documental, to- congênitos (governamentais e não-governa-
mando como fonte documentos oficiais emiti- mentais); tais ações incluem monitorização
dos pelo Ministério da Saúde (MS), notada- dos defeitos congênitos, informações sobre te-
mente portarias ministeriais e da Secretaria da ratógenos e erros metabólicos, triagem neona-
Assistência à Saúde, resoluções de agências go- tal, tratamento de doenças genéticas e medi-
vernamentais e manuais operacionais do Mi- das preventivas para defeitos congênitos espe-
nistério. A análise dessas fontes foi executada cíficos. Finalmente, na última seção, são teci-
tendo como guia as proposições da análise te- das considerações acerca das informações ob-
mática 5. Paralelamente, a partir de um instru- tidas e, apresentadas propostas para elabora-
mento de coleta previamente elaborado e vali- ção de política de saúde voltada para os defei-
dado, lançou-se mão dos seguintes bancos de tos congênitos.
dados disponibilizados pelo MS: Sistema de In-
formações sobre Mortalidade (http://tabnet.da-
tasus.gov.br/cgi/sim/obtmap.htm, acessado em Defeitos congênitos
31/Out/2003) e Sistema de Informações Hospi- e seu impacto na saúde
talares (http://tabnet.datasus.gov.br/tabnet/
tabnet.htm#Morbidade, acessado em 31/Out/ A mortalidade infantil é um importante indica-
2003). Procurou-se basicamente identificar: (a) dor de saúde de um país ou comunidade, por
evolução da mortalidade proporcional por estar associado a fatores como saúde materna,
causas em menores de um ano entre 1980 e qualidade e acesso a serviços de saúde, condi-
2000; (b) permanência hospitalar de pacientes ções sócio-econômicas e práticas de saúde pú-
entre 0 a 19 anos; (c) mortalidade hospitalar blica. Quando estratificadas as causas de mor-
para esse mesmo grupo etário e; (d) correlações talidade infantil, observa-se, em várias regiões
desses dados com o capítulo XVII da Classifica- do mundo, uma diminuição na taxa total de
ção Internacional de Doenças (CID) 6 (“malfor- óbitos no grupo, em especial, nas causas infec-
mações congênitas, deformidades e anomalias ciosas; como resultante, a proporção de mor-
cromossômicas”). tes atribuíveis às malformações congênitas vem
aumentando 8,9. Outro dado relacionado às ano- cessita de tratamento contínuo, implicando em
malias congênitas, além da mortalidade, é a altos custos. A estimativa de custo-vida médio
maior morbidade, definida como risco para o por criança para as anomalias congênitas deve
desenvolvimento de complicações clínicas, in- compreender, além do tratamento médico, ser-
cluindo número de internações e gravidade viços do desenvolvimento (como fisioterapia,
das intercorrências. A maioria das doenças não- fonoaudiologia, terapia ocupacional), educa-
infecciosas, maior causa dos óbitos em nações ção especial ou inclusiva, perda da produtivi-
desenvolvidas, provavelmente têm um compo- dade por incapacidade ou morte e perda na ar-
nente genético 10,11. recadação salarial familiar do responsável pe-
Também, no Brasil, em hospitais de refe- los cuidados da criança 15. A esse cálculo deve-
rência, as malformações congênitas assumem riam também ser adicionados os custos psicos-
papel importante na morbidade e mortalidade. sociais, como trauma psicológico da família e
No Instituto Fernandes Figueira (IFF), Funda- dificuldades de adaptação à sociedade “nor-
ção Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Rio de Janeiro, mal”, inclusive com grande risco de desestru-
de janeiro de 1999 a julho de 2003, malforma- turação familiar.
ção congênita foi um dos três diagnósticos prin- Através dos dados computados pelo MS, no
cipais codificados na internação em 37,0% das banco de dados do Sistema de Informações so-
admissões hospitalares pediátricas. A mortali- bre Mortalidade, pode ser observada a evolu-
dade hospitalar, no grupo com malformação, ção das causas de mortalidade infantil desde
foi 9,8%, o dobro daquela do grupo sem mal- 1980. A Figura 1 apresenta graficamente a evo-
formação 12. Em 1986, 13,4% de um grupo de lução da mortalidade proporcional entre os
pacientes acompanhados pelo serviço de ge- menores de um ano nos cinco principais gru-
nética da Fundação Faculdade Federal de Ciên- pos de causa de óbito entre os anos de 1980 e
cias Médicas de Porto Alegre, Rio Grande do 2000 no Brasil.
Sul, faleceram, numa proporção quase cinco Quando excluídas e redistribuídas propor-
vezes superior ao grupo controle, sem defeitos cionalmente as causas mal definidas, as causas
congênitos 13. Dado semelhante foi observado perinatais eram a principal causa de mortali-
na cidade de São Paulo, com uma mortalidade dade infantil no Brasil em 1980, responsáveis
quatro vezes maior num grupo com anomalias por 38,0% dos óbitos em menores de um ano,
congênitas quando pareado com controles sem ocupando as anomalias congênitas a quinta
malformação 14. Além da gravidade, foram do- posição, com 5,0% do total. Em 1990, o perfil
brados o tempo e o custo das internações dos começou a mudar, notando-se uma redução
pacientes com defeitos congênitos em relação proporcional nas causas infecciosas e nutricio-
aos controles 13. nais, passando as anomalias congênitas para
Ao levantar, na base de dados do Departa- 8,0% e quarta causa. No último ano avaliado
mento de Informática do SUS (DATASUS – http: (2000), as diferenças foram bastante significa-
/ / t a b n e t . d a t a s u s. g ov. b r / t a b n e t / t a b n e t . tivas, com grande redução proporcional dos
htm#Morbidade), as informações relacionadas óbitos por causas infecciosas e respiratórias,
a malformações congênitas, observa-se que a que passaram para menos de 10,0%, assumin-
mortalidade hospitalar, em 2002, na faixa etá- do as malformações congênitas a segunda po-
ria pediátrica (0 a 19 anos), foi de 1,13%, pas- sição, como causa de 13,0% dos óbitos em me-
sando para 3,33% quando o capítulo CID do nores de um ano. Essas estatísticas referentes
diagnóstico era o XVII (“malformações congê- aos defeitos congênitos e mortalidade infantil
nitas, deformidades e anomalias cromossômi- no Brasil podem ser classificadas como sur-
cas”). Na faixa de menores de um ano, a morta- preendentes, considerando sua magnitude e a
lidade hospitalar foi 3,59%, sendo 9,99% em total ausência de políticas governamentais re-
casos com malformação. Ainda neste levanta- lacionadas à prevenção e ao manejo desse gru-
mento, a permanência hospitalar média, em po de problemas.
caso de malformação, foi de 5,7 dias, contra
uma média de 4,5 dias. No quesito custo, o da-
do é ainda mais significativo, com valor esti- Ações já existentes no Brasil
mado em R$ 1.168,93 nas internações com mal- relacionadas aos defeitos congênitos
formação congênita, contra um valor médio
das AIH (Autorização de Internação Hospita- A seguir, serão descritos alguns programas es-
lar) de R$ 365,74. peciais relacionados aos defeitos congênitos.
Além da alta morbi-mortalidade, outra pro- Trata-se, na maioria, de iniciativas isoladas, al-
blemática envolvida em tais patologias é a cro- gumas organizadas por grupos técnicos ou ser-
nicidade. O indivíduo com doença crônica ne- viços de genética, preocupados com questões
Figura 1
Evolução do número de óbitos por grupo de causa de mortalidade em menores de um ano de 1980 a 2000 no Brasil.
60.000
Malformações
congênita
40.000 Doenças do
aparelho respiratório
Causas perinatais
20.000
10.000
óbitos
0
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
saúde com alto custo por AVAI ganho 27. Como avaliação, tratamento e acompanhamento dos
argumento favorável, pode ser utilizada a “re- pacientes 31. Atualmente, a Imiglucerase é a
gra de resgate” (rule of rescue – Jonsen), na qual droga mais cara do programa de medicamen-
não se deve abandonar uma pessoa à própria tos extraordinários. Tal financiamento, contu-
sorte pelo alto custo de seu tratamento, se o do, tem possibilitado uma vida normal e pro-
mesmo está disponível e é comprovadamente dutiva para os brasileiros acometidos por essa
eficaz 28. A opção pelo não tratamento também doença rara.
seria incompatível com o princípio da integra- Alguns pontos devem ser ressaltados a res-
lidade, assim como com os princípios consti- peito dos programas terapêuticos para doen-
tucionais da universalidade e igualdade 27. ças genéticas disponíveis via SUS. Tratamentos
São descritos abaixo dois programas do MS para outros tipos de doenças metabólicas vêm
para tratamento de doenças genéticas: sendo desenvolvidos, muito provavelmente es-
tarão disponíveis em breve e virão a ser requi-
a) Programa de Osteogênese Imperfeita sitados pelas famílias e associações de pacien-
tes. É fundamental que novos programas sigam
A osteogênese imperfeita é uma doença causa- protocolos bem estabelecidos, a exemplo dos
da por mutações no colágeno tipo I, caracteri- disponíveis atualmente. Aliadas às questões te-
zada por fragilidade óssea e osteopenia. Os pa- rapêuticas, deverão ser traçadas estratégias pa-
cientes apresentam múltiplas fraturas que po- ra prevenção de novos casos, sendo essencial o
dem evoluir com graves deformidades ósseas e papel da genética clínica com o aconselhamen-
limitação funcional. O tratamento com subs- to genético, considerando ser essa uma das pou-
tâncias do grupo dos bifosfonatos leva à dimi- cas possibilidades de estabilização dos custos
nuição da reabsorção óssea e ganho de massa crescentes dos tratamentos 32.
óssea, diminuição de fraturas e melhora na qua-
lidade de vida. • Ações governamentais relacionadas
Em dezembro de 2001, foi publicada porta- à prevenção e monitorização
ria 29 autorizando o tratamento da osteogênese dos defeitos congênitos
imperfeita no âmbito do SUS. O IFF/FIOCRUZ,
centro de referência no Rio de Janeiro, iniciou, Além da triagem neonatal e tratamentos já des-
em abril de 2002, o tratamento dos portadores critos, três iniciativas recentes, caso efetiva-
da osteogênese imperfeita com Pamidronato mente implementadas, poderão auxiliar sobre-
Dissódico, tendo quarenta pacientes sido inse- maneira a programação do atendimento e pre-
ridos nesse programa até maio de 2003 30. Se- venção dos defeitos congênitos.
guindo-se as normas estabelecidas pela porta-
ria, outros centros poderão ser cadastrados, es- a) Fortificação da farinha com ácido fólico
tendendo o atendimento ao maior número pos-
sível de afetados em todas as regiões brasileiras. Os defeitos de fechamento do tubo neural são
malformações de etiologia multifatorial, com
b) Programa de Doença de Gaucher fatores genéticos e ambientais envolvidos na
sua gênese. Já está bem estabelecida a relação
A doença de Gaucher é uma doença metabóli- entre a deficiência do ácido fólico, metabolismo
ca hereditária, que compromete o metabolis- materno da homocisteína e ocorrência de mal-
mo dos lipídeos; suas principais manifestações formações desse grupo. Estudos controlados em
são o aumento do fígado e baço, alterações he- países com prevalência aumentada de defeitos
matológicas e lesões ósseas. O tratamento de de fechamento do tubo neural mostraram que a
reposição enzimática foi introduzido na práti- suplementação dietética com folato em mulhe-
ca clínica na década de 1990. res pouco antes e durante a fase inicial da gesta-
No Brasil, a Associação Brasileira de Porta- ção diminui esses riscos de ocorrência 33. Traba-
dores da Doença de Gaucher foi fundada em lho realizado no Chile 34 mostrou redução de
1994, tendo como objetivos a divulgação da 31,0% na incidência de defeitos de fechamento
patologia e a obtenção do tratamento pelo SUS do tubo neural após fortificação da farinha de
para os afetados. O trajeto inicial foi bastante trigo com 2,2mg/kg de ácido fólico.
tortuoso, incluindo liminares e mandatos judi- A Agência Nacional de Vigilância Sanitária
ciais para a compra do medicamento a partir (ANVISA), considerando as recomendações da
de 1995. Atualmente, a medicação é diretamen- OMS e da Organização Pan-Americana da Saú-
te custeada pelo MS, tendo sido, em 2002, esta- de (OPAS) quanto à fortificação de produtos
belecidos protocolo oficial para tratamento da alimentícios com ferro e ácido fólico, regula-
doença e centros de referência estaduais para mentou tal fortificação no Brasil 35. A partir de
Resumo Referências
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