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Alteridade - Luis Miguel
Alteridade - Luis Miguel
Alteridade - Luis Miguel
DEPARTAMENTO DE LETRAS
Doutoramento em Letras
Índice
1. Introdução ……………………………………..… 3
4. Conclusão ……………………………………….. 8
5. Bibliografia …………………………………….. 9
1. Introdução
“A experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem
teríamos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar nossa atenção no que nos é habitual,
familiar, cotidiano, e que consideramos ‘evidente’. (...). O conhecimento (antropológico) da nossa cultura
passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos especialmente reconhecer que
somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única.”1
Ao longo da nossa breve pesquisa sobre a temática, sentimos alguma dificuldade
em identificar objectivamente o conceito de alteridade, tendo em conta a complexidade
na sua interpretação, pelo sentido mais filosófico que lhe atribuíamos. Na verdade, esse
receio inicial foi-se dissipando à medida que descobrimos alguns textos que encerram
perspectivas que, estamos em querer, podem revelar contributos importantes para uma
melhor esclarecimento do conceito, particularmente no âmbito da proposta para este
estudo.
vítima, de um combate desigual, vendo-se forçado a jogar um jogo cujas regras não
coincidem com o que entretanto lhe foi ensinado”4, vai ganhando consciência das
realidades que o rodeiam, e desse relacionamento vai brotando o elixir que alimenta a
construção de uma personalidade forte e assumida, se tivermos em conta que “apesar de
humilhado e intimamente ferido, tenha recuperado a capacidade de lutar pelos valores
que, apesar de tudo, permitiram que pudesse entrar sozinho na idade adulta”5.
No sentido de podermos evidenciar alguns aspectos alteritários na obra,
seleccionamos fragmentos do capítulo I, O clarão da cidade, onde prevalece o inter-
relacionamento do personagem Luís Miguel com o pai, o professor e os colegas. No que
respeita ao relacionamento com o pai, o personagem interpreta todos os gestos e atitudes
do pai como se de um herói se tratasse. Essa interpretação marcará ao longo da sua vida,
no romance, todo o seu comportamento. O seu sonho é seguir-lhe a peugada, na luta
pelos direitos humanos. Atente-se na passagem: “O garoto lembrou-se de repente. Ficou
de curiosidade estancada. – Sim, há um anos, quando o levaram preso. Até lhe bateram,
os ... polícias!”, e o autor acrescenta, reconhecendo a injustiça do castigo, que “ O pobre
carpinteiro tinha sido acusado tão injustamente quanto é certo que mais tarde os direitos
humanos prelos quais lutava acabaram por ser-lhe reconhecidos, a ele e aos seus
companheiros”6. Mais adiante, coloca, de novo, na fala do garoto, idêntica revelação, de
reconhecimento pela valentia do pai, quando afirma “mas sempre valeu a sua, naquela
ocasião, meu pai!”7.
A interpretação que o Luís Miguel revela sobre o comportamento do professor, e
particularmente sobre o dos colegas, que o humilham porque não compreendem a sua
postura, e porque menos autênticos não reconhecem a sua diferença, indicia uma
percepção do outro, numa dinâmica própria das relações sociais da época, caracterizada
por um confronto do “eu individual” do Luís Miguel com o outro, na pessoa do professor,
ou do grupo de colegas de escola. Atente-se na fala do garoto, quando afirma, referindo-
se à atitude dos colegas, perante a humilhação a que o professor o sujeitou: “Que idiotas!
4 Martelo, Rosa Maria, Obras Completas de José Marmelo e Silva, Apresentação. Campo das Letras, 2002,
p.276.
5 Idem.
7 Idem: p. 12.
Porque gozavam eles com a sua humilhação? Por que se uniam naquele coro rosnado de
quem defende o dono? Subitamente, desejou abatê-los de qualquer forma, um por um.
Ou fazê-los compreender. (...) Olhou para trás, as pedras choviam sobre ele. O mestre
vinha á frente”8. Repare-se como o Luís Miguel, reconhecendo a insensatez no
comportamento do outro, professor e colegas, hesita entre um comportamento agressivo
ou de compreensão, mas resolve reagir perante a ameaça, refugiando-se na torre da igreja,
dado que o que mais lá havia era calhaus, embora tivesse a ajuda do povo que
envergonhou o professor. O autor, revelando a importância desta peripécia na construção
da personalidade do jovem Luís Miguel, particularmente pela interpretação dos que o
rodeavam, da sua visão negativa, acrescenta que ali, “pela primeira vez na vida, o Luís
Miguel se encontrou sozinho contra o mundo inteiro. E estremeceu”9.
Ainda no relacionamento com o pai permitam-nos salientar, porventura, um
fenómeno de alteridade, que arriscamos apelidar de recíproca, se considerarmos que, na
mesma conversa, o autor realça, por um lado, o reconhecimento que o Luís Miguel
assume pela figura heróica do pai, e por outro a interpretação da figura deuística que o
pai e a mãe têm do filho, quando o garoto pergunta ao pai:
“Por que é que eles perseguem a gente, pai? Também somos filhos de Deus, como eles. Por que
tanto nos humilham e enxovalham? A história diz que já não há escravos! (...) Quem me dera pregar o
Evangelho e apregoá-lo em voz alta ao povo! Eu gostaria muito de vir a ser o defensor dos que têm fome de
pão e de justiça!”10.
8 Idem: p. 18.
9 Idem.
10 Idem: p. 20.
provocada pelo reconhecimento, talvez deformado, do outro, sustentado por uma cultura
de subserviência e sobrevivência, tão característica da sociedade na época em que
viveram.
4. Conclusão
Após este breve estudo estamos gratos pela reflexão que nos proporcionou sobre a
relação alteritária, e muito particularmente pelo despertar para aspectos tão familiares do
quotidiano, que por norma e automaticamente não damos importância.
Podemos concluir que a vida em sociedade, e particularmente o sentido do “eu-
individual”, só é possível tendo em consideração o contacto com o outro, quer no sentido
individual, grupal ou colectivo. Em nosso entender esse relacionamento alteritário
provoca, entre outros fenómenos, um despertar para as diferenças, para o sentido da
complementaridade, bem como para o sentimento da interdependência. Nesse sentido,
cremos que ao conhecer melhor o outro, podemos ganhar empowerment no
desenvolvimento da nossa personalidade, pelo enriquecimento provocado pelas relações
interpessoais, assentes no princípio do reconhecimento do outro, nas suas
particularidades, nomeadamente no modo de pensar, sentir e agir. Por outro lado
acreditamos que o reconhecimento do outro obriga, também, á necessidade de ser
verdadeiro consigo próprio, com a sua identidade, quer em termos pessoais ou colectivos.
6. Bibliografia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alteridade