Alteridade - Luis Miguel

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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR

DEPARTAMENTO DE LETRAS

Ensaio Sobre Alteridade em Adolescente Agrilhoado

Unidade Curricular 9033 – Temas Aprofundados de Literaturas e Culturas

Doutoramento em Letras

Estudos Didácticos, Culturais, Linguísticos e Literários

Regente: Prof. Dr.ª Paula Elyseu Mesquita

Benjamim Jorge Neves Luciano


Ensaio Sobre Alteridade em Adolescente Agrilhoado
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Índice

1. Introdução ……………………………………..… 3

2. O conceito de alteridade – tentativa de definição . 4

3. Aspectos na relação alteritária de Luis Liguel….. 5

4. Conclusão ……………………………………….. 8

5. Bibliografia …………………………………….. 9

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“Ou aprendemos a viver como irmãos, ou


vamos morrer juntos como idiotas”.

Martin Luther King

1. Introdução

A temática sugerida para este trabalho, foi, inicialmente, um desafio preocupante,


tendo em conta que nunca, de forma tão objectiva, tínhamos trabalhado sobre este
aspecto ligado ao inter-relacionamento do eu com o outro. Na verdade, o princípio básico
que serviu de ponto de partida para este breve estudo prendeu-se, historicamente, com
uma frase que abria o velhinho manual de Organização Política e Administrativa da
Nação (OPAN), disciplina que era obrigatória no antigo 7º ano de Liceu, e que dizia: “ O
homem é um ser eminentemente social”. Pensamos que esta pequena grande verdade
encerra um conceito tão verdadeiro quanto diverso, se tivermos em conta que o ser
humano não pode viver sozinho, de forma saudável, o que, por outro lado, implica um
conjunto de situações/reacções, particularmente ao nível do inter-relacionamento, que,
pela sua diversidade, poderão, de futuro, merecer-nos, cada uma delas, um estudo mais
aprofundado.
Face ao que acabámos de referir, estamos em querer que o conhecimento do outro
se afigura, assim, essencial para um relacionamento profícuo, compreensivo e
clarividente, um verdadeiro elemento propulsor das dinâmicas das relações sociais. De
outra forma, cremos poder afirmar que fechados em nós mesmos, estereotipando a
“nossa” espécie, facilmente nos tornaríamos elementos anti-sociais, o que se revelaria
num comportamento egoísta e hipócrita, que necessariamente conduziria à auto-exclusão
social, com consequências incontroláveis, personalizando um “Eu caçador de mim”,
como no poema de Milton Nascimento, em vez de tentarmos em conjunto procurar
novos desafios e, consequentemente, encontrar novas respostas, não só para os problemas
pessoais, mas, sobretudo, para os problemas grupais e sociais. Estamos de acordo com
Laplantine, quando refere que:

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“A experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem
teríamos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar nossa atenção no que nos é habitual,
familiar, cotidiano, e que consideramos ‘evidente’. (...). O conhecimento (antropológico) da nossa cultura
passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos especialmente reconhecer que
somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única.”1
Ao longo da nossa breve pesquisa sobre a temática, sentimos alguma dificuldade
em identificar objectivamente o conceito de alteridade, tendo em conta a complexidade
na sua interpretação, pelo sentido mais filosófico que lhe atribuíamos. Na verdade, esse
receio inicial foi-se dissipando à medida que descobrimos alguns textos que encerram
perspectivas que, estamos em querer, podem revelar contributos importantes para uma
melhor esclarecimento do conceito, particularmente no âmbito da proposta para este
estudo.

2. O conceito de alteridade – tentativa de definição.


O conceito de alteridade foi-nos surgindo em diversos ambientes, quer temporais,
no sentido da sua revelação cronológica, em que os povos dominam pela força outros
povos, por razões que se prendem com razões ideológicas, religiosas ou outras; quer
espaciais, quando se revela por motivos relacionados com o poder territorial, económico
ou político; quer sociais, quando se revela na interacção entre duas pessoas, em grupo ou
na sociedade. Acreditamos que nos ambientes referidos, estão subjacentes práticas que
podem estar relacionadas com a oposição ao outro, logo que se inicia o inter-
relacionamento, que por norma assenta no seu desconhecimento ou mesmo na falta de
reconhecimento. Por ora, queremos limitar o nosso breve contributo, para o eventual
esclarecimento daquele conceito, à importância da alteridade na definição da identidade.
Na palavra alteridade, o prefixo alter, vem do latim e significa o outro. A prática da
alteridade, pensamos, assenta no sentido da capacidade de nos colocarmos no lugar do
outro, e, no âmbito dessa relação interpessoal, podermos identificar e reconhecer novos
comportamentos, novas reacções e conhecimentos, que, de forma reflexiva, podem alterar
e melhorar as nossas próprias convicções. que são fruto do ambiente em que estamos
inseridos e que naturalmente nos influencia. Estamos em querer que a relação alteritária
é um comportamento essencial à cidadania, pelo que a aceitação do outro se torna
1 http://pt.wikipedia.org/wiki/Alteridade

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essencial para a construção da identidade. Charles Taylor, faz depender a nossa


identidade da interacção com os outros, porque ela se revela “em diálogo sobre e, por
vezes, contra, as coisas que os nossos outros-importantes querem ver assumidas em
nós”2. Por outro lado, pensamos que a relação alteritária é o ponto de partida e chegada
nas relações entre seres no âmbito da cidadania, tendo em conta que esse relacionamento
sugere a identificação e o respeito pelo outro, bem como a capacidade de aprender a
aprender o contrário do que pensamos, dizemos ou somos. Pensamos que este sentido
dialógico, que caracteriza o relacionamento entre seres humanos, não será
necessariamente inibidor daquilo que nos diferencia, que nos torna autênticos e originais.
Quando pensamos nas conquistas dos povos, por exemplo pelos portugueses, que
culminaram no colonialismo, e na escravatura, estamos perante a uma postura impositiva,
com base em valores relacionados com o classicismo e o cristianismo, que considerava os
outros, como por exemplo os negros, como seres selvagens, bárbaros, incivilizados,
justificando assim a opressão que justificava a sua cristianização obrigatória, a sua
rendição à civilização ocidental, acreditamos estar perante um ambiente que nega e não
compreende a alteridade, por desconhecimento e, ou, pelo não reconhecimento do outro.

3. Aspectos da relação alteritária de Luis Liguel


Face à liberdade de escolha referida na proposta, e porque temos vindo a
desenvolver alguma investigação sob o conceito A língua como forma de arte, em vários
romances ligados à linguagem regional, resolvemos escolher Adolescente Agrilhoado3, e
muito particularmente o personagem Luis Miguel, para tentarmos encontrar
manifestações do seu comportamento, ou referenciadas pelo autor, que revelem práticas
de alteridade. No romance, considerado por muitos estudiosos como neo-realista,
sobressaem diversas situações relacionadas com conflitos de ordem pessoal, social e
política, que advêm do relacionamento entre o personagem Luís Miguel e os
representantes do pré-estabelecido, nomeadamente o pai, o padre da aldeia, o professor e
o reitor do seminário. O personagem, através de um “processo de maturação de um ser
humano que, entre a infância e a idade adulta, se torna protagonista, ou mais exactamente

2 Taylor, Charles, A Politica do Reconhecimento. 1994, p. 53.


3 Silva, José Marmelo e, Adolescente Agrilhoado. Campo das Letras, 2008.

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vítima, de um combate desigual, vendo-se forçado a jogar um jogo cujas regras não
coincidem com o que entretanto lhe foi ensinado”4, vai ganhando consciência das
realidades que o rodeiam, e desse relacionamento vai brotando o elixir que alimenta a
construção de uma personalidade forte e assumida, se tivermos em conta que “apesar de
humilhado e intimamente ferido, tenha recuperado a capacidade de lutar pelos valores
que, apesar de tudo, permitiram que pudesse entrar sozinho na idade adulta”5.
No sentido de podermos evidenciar alguns aspectos alteritários na obra,
seleccionamos fragmentos do capítulo I, O clarão da cidade, onde prevalece o inter-
relacionamento do personagem Luís Miguel com o pai, o professor e os colegas. No que
respeita ao relacionamento com o pai, o personagem interpreta todos os gestos e atitudes
do pai como se de um herói se tratasse. Essa interpretação marcará ao longo da sua vida,
no romance, todo o seu comportamento. O seu sonho é seguir-lhe a peugada, na luta
pelos direitos humanos. Atente-se na passagem: “O garoto lembrou-se de repente. Ficou
de curiosidade estancada. – Sim, há um anos, quando o levaram preso. Até lhe bateram,
os ... polícias!”, e o autor acrescenta, reconhecendo a injustiça do castigo, que “ O pobre
carpinteiro tinha sido acusado tão injustamente quanto é certo que mais tarde os direitos
humanos prelos quais lutava acabaram por ser-lhe reconhecidos, a ele e aos seus
companheiros”6. Mais adiante, coloca, de novo, na fala do garoto, idêntica revelação, de
reconhecimento pela valentia do pai, quando afirma “mas sempre valeu a sua, naquela
ocasião, meu pai!”7.
A interpretação que o Luís Miguel revela sobre o comportamento do professor, e
particularmente sobre o dos colegas, que o humilham porque não compreendem a sua
postura, e porque menos autênticos não reconhecem a sua diferença, indicia uma
percepção do outro, numa dinâmica própria das relações sociais da época, caracterizada
por um confronto do “eu individual” do Luís Miguel com o outro, na pessoa do professor,
ou do grupo de colegas de escola. Atente-se na fala do garoto, quando afirma, referindo-
se à atitude dos colegas, perante a humilhação a que o professor o sujeitou: “Que idiotas!

4 Martelo, Rosa Maria, Obras Completas de José Marmelo e Silva, Apresentação. Campo das Letras, 2002,
p.276.
5 Idem.

6 Silva, José Marmelo e, Adolescente Agrilhoado, p. 11.

7 Idem: p. 12.

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Porque gozavam eles com a sua humilhação? Por que se uniam naquele coro rosnado de
quem defende o dono? Subitamente, desejou abatê-los de qualquer forma, um por um.
Ou fazê-los compreender. (...) Olhou para trás, as pedras choviam sobre ele. O mestre
vinha á frente”8. Repare-se como o Luís Miguel, reconhecendo a insensatez no
comportamento do outro, professor e colegas, hesita entre um comportamento agressivo
ou de compreensão, mas resolve reagir perante a ameaça, refugiando-se na torre da igreja,
dado que o que mais lá havia era calhaus, embora tivesse a ajuda do povo que
envergonhou o professor. O autor, revelando a importância desta peripécia na construção
da personalidade do jovem Luís Miguel, particularmente pela interpretação dos que o
rodeavam, da sua visão negativa, acrescenta que ali, “pela primeira vez na vida, o Luís
Miguel se encontrou sozinho contra o mundo inteiro. E estremeceu”9.
Ainda no relacionamento com o pai permitam-nos salientar, porventura, um
fenómeno de alteridade, que arriscamos apelidar de recíproca, se considerarmos que, na
mesma conversa, o autor realça, por um lado, o reconhecimento que o Luís Miguel
assume pela figura heróica do pai, e por outro a interpretação da figura deuística que o
pai e a mãe têm do filho, quando o garoto pergunta ao pai:
“Por que é que eles perseguem a gente, pai? Também somos filhos de Deus, como eles. Por que
tanto nos humilham e enxovalham? A história diz que já não há escravos! (...) Quem me dera pregar o
Evangelho e apregoá-lo em voz alta ao povo! Eu gostaria muito de vir a ser o defensor dos que têm fome de

pão e de justiça!”10.

Perante estas palavras do garoto, a mãe, emocionada, revelou um segredo:


“ O menino chorou e riu dentro de mim, ... , quando o padre levantou na missa a hóstia
sagrada!”, ao que o pai reagiu, dizendo “Este menino não é nosso, não. Ou Deus no-lo
leva muito cedo, ou lhe destina algum poder especial na terra”. Parece-nos, que todos os
intervenientes neste episódio, assumem reacções afectivas que podem ser semelhantes na
experiência da alteridade, porque ambas são ingénuas, ainda que possam ter explicação
diferente: no caso do Luís Miguel devido a sua tenra idade, embora permitindo um
espaço para dúvidas e diferenças no seu pensamento; no caso dos pais poderemos
salientar o aprisionamento a conceitos e valores relacionados com a ilusão, porventura

8 Idem: p. 18.
9 Idem.
10 Idem: p. 20.

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provocada pelo reconhecimento, talvez deformado, do outro, sustentado por uma cultura
de subserviência e sobrevivência, tão característica da sociedade na época em que
viveram.

4. Conclusão
Após este breve estudo estamos gratos pela reflexão que nos proporcionou sobre a
relação alteritária, e muito particularmente pelo despertar para aspectos tão familiares do
quotidiano, que por norma e automaticamente não damos importância.
Podemos concluir que a vida em sociedade, e particularmente o sentido do “eu-
individual”, só é possível tendo em consideração o contacto com o outro, quer no sentido
individual, grupal ou colectivo. Em nosso entender esse relacionamento alteritário
provoca, entre outros fenómenos, um despertar para as diferenças, para o sentido da
complementaridade, bem como para o sentimento da interdependência. Nesse sentido,
cremos que ao conhecer melhor o outro, podemos ganhar empowerment no
desenvolvimento da nossa personalidade, pelo enriquecimento provocado pelas relações
interpessoais, assentes no princípio do reconhecimento do outro, nas suas
particularidades, nomeadamente no modo de pensar, sentir e agir. Por outro lado
acreditamos que o reconhecimento do outro obriga, também, á necessidade de ser
verdadeiro consigo próprio, com a sua identidade, quer em termos pessoais ou colectivos.

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6. Bibliografia

MARTELO, Rosa Maria, Obras Completas de José Marmelo e Silva,


Apresentação. Campo das Letras, 2002,

SILVA, José Marmelo e, Adolescente Agrilhoado. Campo das Letras, 2008.


1ª edição Portugália, Coimbra, 1948.

SILVA, Maurício da , Alteridade e Cidadania. http://www.evirt.com.br/

TEÓFILO, TERESA, Cap. I, Identidade e Alteridade,


http://ooutrochines.no.sapo.pt, 2003.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Alteridade

http://www.jrank.org/api/ . Dicionário de termos Literários.

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