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INFORME C3, Porto Alegre, v. 10, n. 4 (Ed. 23), Dez. - 2018. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.

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edição 23
ano 10, nº 04
CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA - SAÚDE

CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


Dossiê
ESCREVER EM SAÚDE

Organização:
Aline Zeller Branchi
Ananyr Porto Fajardo
Elisandro Rodrigues
Maria Marta Borba Orofino
Rodrigo de Oliveira Azevedo
Thaiani Farias de Castilhos
artigos

artigos
INFORME
“Dizer que são coisas informes é dizer não que
não têm formas, mas que suas formas não
encontram em nós nada que permita
substituí-las por um ato de traçado ou
reconhecimento nítido. E, de fato, as formas
C3

informes não deixam outra lembrança senão


a de uma possibilidade… “(VALÉRY, 2012, 79)

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Ano 10- n. 04 - Edição 23


EXPEDIENTE Dez - 2018
CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA - SAÚDE

CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


Coordenação Geral:
Wagner Ferraz DOSSIÊ
ESCREVER EM SAÚDE
Editores:
Wagner Ferraz e Renata Sperrhake ORGANIZADORES
Aline Zeller Branchi
Editores assistentes: Ananyr Porto Fajardo
Elisandro Rodrigues e Gilberto Silva Santos Elisandro Rodrigues
Maria Marta Borba Orofino
Direção de Arte: Rodrigo de Oliveira Azevedo
Anderson Luiz de Souza e Wagner Ferraz Thaiani Farias de Castilhos

Organização: FOTOS
Processo C3 - Grupo de Pesquisa Alexandre Medeiros
Estudos do Corpo William Schumacher

Projeto Gráfico e diagramação: INFORME C3


Wagner Ferraz é um periódico técnico-científico e artístico registrado com Nú-
mero Internacional Normalizado para Publicações Seriadas (Inter-
Edição e arte da capa: national Standard Serial Number) - ISSN: 2177-6954. Voltado para
Anderson Luiz de Souza publicações no campo das ARTES (em geral – dança, teatro, músi-
ca, performance, circo, visuais, entre outras...) e EDUCAÇÃO com
desdobramentos e atravessamentos com outras áreas de conhe-
Conselho Editorial: CoMISSÃO Editorial DO DOSSIÊ: cimento como Educação Física, Psicologia, Saúde Coletiva entre
Prof. Dr. Alexandre Rocha da Silva (UFRGS/RS); Prof. Dr. Sa- Profª Mestranda Aline Zeller Branchi (Gerência outras... Publicada semestralmente e disponibilizada para visualiza-
muel Edmundo Lopez Bello (UFRGS/RS); Prof. Dr. Luis Henri- de Ensino e Pesquisa/GHC); Profª Drª. Ananyr ção e download gratuitamente. Tem os Estudos na área da Educa-
que Sacchi dos Santos (UFRGS/RS); Profª Drª Kathia Castilho Porto Fajardo (Gerência de Saúde Comunitá- ção e Artes como foco de suas edições dialogando com diferentes
(UAM/SP); Prof. Dr. Luciano Bedin da Costa (UFRGS/RS); ria/GHC); Profª Drª. Maria Marta Borba Orofino áreas de conhecimento envolvendo Dança, Artes Visuais, Teatro, CAPA
Profª Drª Marta Simões Peres (UFRJ/RJ); Profª Drª Fabiana (Gerência de Saúde Comunitária/GHC); Prof. Música, Antropologia, Comunicação, História, Sociologia, Cultura,
de Amorim Marcello (UFRGS/RS); Prof Dr Airton Tomazzoni Dr. Rodrigo de Oliveira Azevedo (Gerência Moda e outras com o objetivo contribuir para a difusão de conhe- Foto: Alexandre Medeiros
(UERGS/RS); Profª Drª Marilice Corona (UFRGS/RS); Profª Drª de Ensino e Pesquisa/GHC); Profª Msª Thaiani cimentos e experiências proporcionando espaço para publica-
Sayonara Pereira (USP/SP); Profª Drª Magda Bellini (UCS/RS); Farias de Castilhos (Gerência de Ensino e Pes- ções de textos livres, artigos, resenhas, entrevistas, poemas, críticas, Arte da Capa e
Prof Dr Celso Vitelli (UFRGS/RS); Profª Drª Daniela Ripoll (UL- quisa/GHC) crônicas, fabulações, desenhos, fotografias e produção visual em tratamento de imagem:
BRA/RS); Prof. Ms. Leandro Valiati (UFRGS/RS); Profª Ms Lu- geral. Criado e desenvolvido pelo Processo C3 – Grupo de Pesqui- Anderson de Souza e
ciane Coccaro (UFRJ/RJ); Profª Ms Flavia Pilla do Valle (UFR- sa, que publicou sua 1ª edição em março de 2009, conta com a Wagner Ferraz
GS/RS); Prof Ms Camilo Darsie de Souza (UNISC/RS); Profª Ms colaboração de pesquisadores e artistas de diferentes lugares do
Eleonora Motta Santos (UFPEL/RS); Profª Ms Giana Targanski Brasil que participam voluntariamente enviado suas propostas e Local:
Steffen (UFSC/SC); Ms Zenilda Cardoso (UFRGS/RS); Profª trabalhos. Além de convidados que contribuem com números es- Porto Alegre
Ms Miriam Piber Campos (INDEPIN/RS); Ms Luciane Glaeser pecíficos de acordo os temas de cada edição. 2018
(RS); Ms Jeane Félix (UFRGS/RS); Ms Alana Martins Gonçal-
ves (UFRGS/RS); Profª Ms Sabrine Faller (INDEPIN/RS); Ms Luiz
Felipe Zago (ULBRA/RS); Ms Carla Vendramin (UFRGS/RS);
Prof Esp Anderson de Souza (FEEVALE/RS); Prof Ms. Wagner
Ferraz (UFRGS/RS); Profª Drª Luciana Éboli (UFRGS/RS); Pro-
fª. Drª. Daniele Noal Gai (FACED/UFRGS); Profª. Drª. Paola
Basso Menna Barreto Gomes Zordan (IA-PPGEdu/UFRGS);
Profª. Drª. Cibele Sastre (UFRGS/RS); Profª. Drª. Cibele Sastre
(UFRGS/RS); Carlise Scalamato (UFSM/RS); Samira Trancoso
(FEEVALE e ESPM/RS); Rossana Della Costa (UFSM/RS).
artigos

artigos
Informe C3 / v. 10, n. 04 (edição 23), Dez, 2018. Informe C3. – Porto Alegre, RS: Processo
C3 e Estudos do Corpo, 2018. On line. 422 p. Disponível em: www.informec3.weebly.com
Informe C3 - Periódico Eletrônico
ISSN: 2177-6954
Processo C3
1. Artes. 2. Educação. 3. Corpo. 4. Cultura. 5. Pesquisa. 6. Moda. 7. Saúde. 8. Ensino Estudos do Corpo
Porto Alegre
C3

Contatos:
submissao.informec3@gmail.com
www.informec3.weebly.com
O conteúdo apresentado pelos colaboradores (textos, imagens...) não são de responsabilidade do Processo C3 e
da Revista Eletrônica Informe C3. Nem todo opinião expressa neste meio eletrônico ou em possível verão impressa,
expressam a opinião e posicionamento dos organizadores, editores e responsáveis por este veículo.

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APRESENTAÇÃO
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APRESENTAÇÃO
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ESCREVER
EM Escrever em Saúde

SAÚDE Aline Zeller Branchi


Ananyr Porto Fajardo

ESCREVER
Elisandro Rodrigues
Marta Orofino
Rodrigo de Oliveira Azevedo
Thaiani Farias de Castilhos

EM O dossiê “Escrever em Saúde” é o primeiro que a Residência em


Saúde do Grupo Hospitalar Conceição (RMS/GHC) realiza com os Trabalhos

SAÚDE
de Conclusão de Residência (TCR). A RMS/GHC está publicando, no ano de
2018, seu terceiro livro intitulado “Formação em serviço para o SUS: fazer e
pensar na integralidade da atenção”. O primeiro é de 2010, “Residências em
Saúde: fazeres e saberes na formação em saúde”; o segundo, de 2014, “RIS/
artigos

artigos
GHC: 10 anos fazendo e pensando em atenção integral à saúde”. O dossiê

ESCREVER
e o livro são compostos apenas com trabalhos oriundos dos processos de
pesquisa dos residentes durante seus processos de ensino em serviço.

A RMS/GHC, que foi instituída no ano de 2004, a partir de um projeto


financiado pelo Ministério da Saúde, no ano de 2019, estará fazendo seus

EM
15 anos. No seu início, contava apenas com 03 programas de residência.
Hoje, conta com 6 Programas Multiprofissionais e 1 em Área Profissional da
Saúde. A Residência é uma modalidade de pós-graduação, lato sensu, que
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oferece formação em serviço para diversos campos e profissões da saúde,


com um total de 2 anos de imersão em serviço e formação (o Programa

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de Residência em Cirurgia Bucomaxilofacial tem 3 anos de duração). Em


2018, os 07 programas somam um total de 73 preceptores e mais de 170
residentes.
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O dossiê “Escrever em Saúde” possui 22 artigos, frutos das pesquisas,
dos processos de formação em serviço e dos Trabalhos de Conclusão de
Residência. São textos de residentes das turmas que tiveram início entre
2012 (terminando em 2014) e 2016 (terminando em 2018). São 22 artigos
que mostram a pesquisa a partir dos Programas de Residência: Atenção
Materno-Infantil e Obstetrícia; Gestão em Saúde; Onco-Hematologia;
Saúde da Família e Comunidade e Saúde Mental. Conta, também, com
um texto de preceptores e docentes da RMS/GHC.

Esta publicação é uma das formas de darmos visibilidade ao que se


escreve e pesquisa-se nos dois anos de formação da Residência. Agrademos
à Revista Informe C3 por disponibilizar esse espaço de veiculação das
pesquisas, bem como às autoras e aos autores que acreditam na formação
no Sistema Único em Saúde.
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NOSOCRÔNICAS: UMA PROPOSTA DE


CUIDADO-APRENDIZAGEM COM ARTE E
CIÊNCIA
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As imagens que estão nesse Dossiê são do trabalho Nosocrônicas
de Diego Kurtz1. Diego é um fisioterapeuta que usa metáforas,

NOSOCRÔNICAS
simbolismos nos seus rituais de saúde e nos convoca a criar e resignificar;
A contar histórias em que, rapidamente, mudam-se lugares, proporções,
visões e pontos de vista. Uma distinta e singular forma dramática, onde
os objetos são manipulados à vista das crianças com o terapeuta
no centro do espaço. Seu trabalho está baseado na imaginação,
curiosidade e conhecimento a partir de exercícios e improvisações.

As imagens e
NOSOCRÔNICAS é uma exposição de tecnoimagens construídas
por assemblagem que se aproximam dos conceitos operatórios
pertinentes aos readymades e objet trouvé. Inventariados por Diego

o artista desse
Kurtz produtos do percurso criativo, investigativo e experimental
da sua trajetória artística e profissional no Hospital da Criança
Conceição. Através de uma vivência estética inspirada no universo

Dossiê
dos procedimentos e dos objetos hospitalares, o autor nos convida
a desemoldurar olhares sobre as coisas e os acontecimentos do
trabalho. Convoca nossos corpos sensivelmente a fim de (re)significar
nossas práticas e o encontro com as coisas e com os outros.

Esta exposição nasceu do percurso criativo, investigativo


e experimental envolvendo arte e ciência. Teve como objetivo
inventariar tecnoimagens criados durante 10 anos no atendimento de
crianças hospitalizadas. Possui como estrutura fundamental o papel do
componente estético artístico nas práticas de cuidado na forma de
uma instalação denominada Nosocrônicas – Inventário Tecnológico.
artigos

artigos
Vivência estética inspirada no universo dos procedimentos e objetos
hospitalares. Um convite para desemoldurar as práticas do cuidado
cotidiano em saúde e a convocação do corpo sensível para o
encontro com o outro.

1 Graduação Fisioterapia – Ulbra; Especialização em Gestão Pública – UERGS;


Especialização em ensino da saúde – UFRGS; Mestre em Avaliação e produção de
C3

tecnologias para o SUS - Escola GHC; Fisioterapeuta da UTI Pediátrica do Hospital da


Criança Conceição; Chefe do serviço de Fisioterapia do Hospital da Criança Conceição;
Professor da Escola GHC; Ator/Bonequeiro da Caixa do Elefante Centro Cultural de Projetos
e Pesquisas. SITE: www.caixadoelefante.com.br. E-MAIL: bonecosdagente@gmail.com

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Ao nos encontrar com as obras somos convocados a


desemoldurar a função do objeto preservando a sua forma. Isso nos
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exige uma maior duração da percepção e dos devires advindos
deste encontro. Somos levados a buscar a sensação para além do
reconhecimento habitual. Exercitamos ações essenciais do processo
criativo tais como observar, evocar imagens, abstrair, reconhecer
padrões, formar padrões, estabelecer analogias, pensar com o corpo,
ter empatia, pensar de modo dimensional, criar modelos, brincar,
transformar, sintetizar. São as tecnoimagens que como arte implicam
na estética, ética, sensibilidade, dos modos de ver e saber.

Durante os encontros com os quadros eram realizados jogos e


exercícios selecionados a partir de vivências com o teatro de formas
animadas. As experimentações partiam sempre das possibilidades
de transformar objetos em personagens do cotidiano; o desafio de
dar vida ao inanimado fez os participantes relacionarem-se através
do imaginário e instituiu novas formas de comunicação no grupo;
sentiram-se provocados a refletir sobre como esta produção de
saberes poderia se relacionar a seus fazeres em saúde; perceberam
que as atividades poderiam ser utilizadas nos encontros com grupos
comunitários. As respostas que os sujeitos que visitaram e vivenciaram
a exposição confirmavam que é possível experimentarmos através
da arte outras formas de intervenção nas práticas pedagógicas
para impactar práticas de saúde. Percebia a exposição como uma
tecnologia pedagógica que colocava objetos de trabalho reais na
cena educativa para romper com o paradigma de que os processos
de trabalho reais são o que são, e que esta é a realidade. Construímos
práticas a partir das coisas (objetos) para reconstruirmos coisas (pessoas
e processos de trabalho) na prática. A inclusão da arte e dos processos
artigos

artigos
criativos gerados por ela nos espaços de educação potencializa tanto
os processos de aprendizagem como os de atuação, em especial na
promoção da saúde onde linguagem e sensibilidade são essenciais.

Diego Kurtz
C3

Fotógrafos: Alexandre Medeiros e William Schumacher

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artigos

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FISIOTERAPIA APÓS TRATAMENTO A LONGITUDINALIDADE NA ATENÇÃO PLANTAS MEDICINAIS NA ATENÇÃO
CIRÚRGICO PARA O CÂNCER DE MAMA PRIMÁRIA EM SAÚDE PRIMÁRIA À SAÚDE: UMA
Aline Tarta Zwick.........................................29 Daniela da Silva Champe .......................165 ALTERNATIVA NO CUIDADO
EM SAÚDE
USO DE PROTOCOLOS DE PRÉ-NATAL DE O PAPEL DO ENFERMEIRO DA SAÚDE MEN- Marcelo Melo Silva
BAIXO RISCO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À TAL NA ATENÇÃO ESPECIALIZADA: UMA Luciane Kopittke ...........................297
SAÚDE REVISÃO (2001-2017)
Ana Zilda de Castro Reck Francielle Martins Lampert QUAL A PREVALÊNCIA DE ANEMIA
SUMÁRIO
Margaret Schneider ..................................47 Thaiani Farias de Castilhos ......................187 EM GESTANTES?
Mírian Benites Machado
ALTERAÇÕES FUNCIONAIS APÓS NARRATIVAS EM SAÚDE: POSSIBILITANDO Betina Soldateli
TRATAMENTO CIRÚRGICO PARA O RELATOS DE ENCONTROS Sandra Maria Pazzini Muttoni ......313
CÂNCER DE MAMA Liege Ramos Alflen
Bianca Vieira Fernandes ..........................65 Maria Marta Borba Orofino .....................205 FORÇA DE TRABALHO NECESSÁRIA
PARA UMA EQUIPE DA ESTRATÉGIA
BUSCA POR ASSISTÊNCIA ODONTOLÓGICA ACOLHIMENTO: TECNOLOGIA ESTRATÉGICA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: MÉDICOS E
EM UNIDADE DE PRONTO ATENDIMENTO: À ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE ENFERMEIROS
AS PERSPECTIVAS DO USUÁRIO EM UMA Luana da Piedade Primon Mirvana Martins Nascimento Xavier
CAPITAL BRASILEIRA Circe Jandrey Pereira
Bruna Lucian Petry Janaína Kettenhuber ...............................223 Desirée dos Santos Carvalho ......327
Circe Jandrey
Egídio Demarco .........................................79 PROMOÇÃO DE CIDADANIA: UM RELATO COSTURANDO NARRATIVAS ACERCA
DA EXPERIÊNCIA QUE DEU LUZ À DO ACESSO A UMA UNIDADE DE
A IMPORTÂNCIA DA INSERÇÃO CULTURAL AUTONOMIA DO USUÁRIO SAÚDE DE PORTO ALEGRE
PARA UM USUÁRIO DA SAÚDE MENTAL Luiza Bohnen Souza Simone de Azevedo Corrêa ........351
Carmela Slavutzky Cristiane Camponogara Baratto
Ana Lúcia Valdez Poletto .........................99 Vanessa Azambuja de Carvalho ...........243 ANÁLISE DA SAÚDE NA MÍDIA:
RELAÇÕES DE PODER E PRODUÇÃO
AVALIAÇÃO DO ESTOQUE DOMICILIAR DE MOVIMENTOS E RESISTÊNCIAS NA DE SENTIDOS
MEDICAMENTOS DE PACIENTES CONSTITUIÇÃO DE UMA EQUIPE DE APOIO Stefania Rosa da Silva
ACAMADOS NO TERRITÓRIO DE UM MATRICIAL EM UNIDADE DE SAÚDE DE Alexandra Jochims Kruel
SERVIÇO DE PORTO ALEGRE Cristianne Maria Famer Rocha ....369
ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Luíza Maria da Rocha Zunino
Cassiela Roman Ana Celina de Souza ...............................259 O SENTIDO DO GRUPO NA UNIDADE
Evelise de Souza Streck DE INTERNAÇÃO DA ONCOLOGIA/
Luciane Kopittke ......................................115 RELAÇÃO ENTRE NÚMERO DE DENTES E HEMATOLOGIA DO HOSPITAL NOSSA
VARIÁVEIS SOCIOECONÔMICAS EM UMA SENHORA DA CONCEIÇÃO:
SOBRE O CUIDADO À POPULAÇÃO TRANS POPULAÇÃO DE HIPERTENSOS E DIABÉTICOS RESIGNIFICANDO ESTE MOMENTO
EM UM CAPS AD III DE UM SERVIÇO DE SAÚDE DA ZONA NORTE Taniele Saldanha de Souza
Cristiane Camponogara Baratto DE PORTO ALEGRE, RS Maria Marta Orofino .....................385
Lívia Zanchet ............................................129 Maiara Mundstock Jahnke
Idiana Luvison ALEITAMENTO MATERNO: PERCEP-
DOCÊNCIA NA SAÚDE: PROMOVENDO Julio Baldisserotto .....................................281 ÇÃO DAS MÃES
COLETIVOS ORGANIZADOS Thainara Fontoura Brandolt da Ro-
Aline Iara de Sousa cha
Daniel Demétrio Faustino-Silva Lena Azeredo de Lima
Jussara Mendes Lipinski Margarita Silva Diercks .................399
Jeane Felix ...............................................149
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Foto: Wagner Ferraz
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Artigo 1
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FISIOTERAPIA APÓS TRATAMENTO
CIRÚRGICO PARA O CÂNCER DE MAMA

Aline Tarta Zwick, Porto Alegre/RS1

FISIOTERAPIA
RESUMO: O objetivo deste artigo foi analisar a fisioterapia em mulheres
com complicações após cirurgia para o câncer de mama. Foram
incluídas 111 mulheres, encaminhadas para fisioterapia entre jan/2007
e dez/2015. As condutas mais utilizadas foram cinesioterapia, analgesia

APÓS
e dessensibilização. O momento de encaminhamento à fisioterapia foi
tardio em sua maioria e apresentou associação significativa com a
presença de dor (p = 0,003). Já o início precoce da fisioterapia associou-
se com a presença de síndrome da rede axilar (p < 0,0001). Houve

TRATAMENTO
diferença significativa entre o número de atendimentos das pacientes
que tinham linfedema (p = 0,001) e dor (p = 0,03), necessitando de mais
atendimentos. A fisioterapia tem papel fundamental na prevenção e

CIRÚRGICO
recuperação de alterações funcionais.
Palavras-chave: Câncer de Mama. Complicações Funcionais.
Fisioterapia.

PARA O CÂNCER PHYSIOTHERAPY AFTER SURGICAL TREATMENT FOR BREAST


CANCER

DE MAMA
ABSRACT: The objective of this article was to analyze physiotherapy in
artigos

women with complications after surgery for breast cancer. A total of

artigos
111 women were referred to physical therapy between 2007/Jan and
2015/Dec. The most used procedures were kinesiotherapy, analgesia
and desensitisation. The time of referral to physiotherapy was late in the
majority and presented a significant association with the presence of
pain (p = 0.003). Early physiotherapy was associated with the presence
of axillary web syndrome (p <0.0001). There was a significant difference
between the number of patients who had lymphedema (p = 0.001) and
pain (p = 0.03), requiring more physiotherapeutic care. Physiotherapy
C3

1 Fisioterapeuta, graduada pela UFCSPA – Porto Alegre/RS. Atua no Hospital Getúlio


Vargas – Sapucaia do Sul/RS. E-mail: aline.zwick@gmail.com. Residência Integrada em Saúde
do GHC com ênfase em Oncologia e Hematologia – Turma de 2015.

C3
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has a fundamental role in the prevention and recovery of functional Em virtude disso, o tratamento para o câncer de mama
alterations. deve ter sua abordagem por uma equipe multidisciplinar visando o
Keywords: Breast Cancer. Functional Complications. Physiotherapy. tratamento integral ao paciente (BRASIL, 2004). Dentro dela, surge
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o fisioterapeuta, visto que as pacientes submetidas ao tratamento

Introdução fisioterapêutico tem diminuído seu tempo de recuperação e retornam
O câncer de mama é o tipo de neoplasia de maior ocorrência mais precocemente às suas atividades cotidianas, laborais e de lazer,
em mulheres no Brasil e no mundo, perde apenas para o câncer readquirindo adequadas amplitude de movimento (ADM), força,
de pele não melanoma. Sua incidência tem aumentado ao postura, coordenação, além de melhor autoestima e, principalmente,
longo dos anos, tanto em países em desenvolvimento quanto nos diminuindo a incidência de complicações pós-operatórias e
desenvolvidos (BRASIL, 2016; BREGAGNOL & DIAS, 2010). Atualmente, aumentando a sua qualidade de vida (JAMMAL, 2008).
estima-se 57.960 novos casos de câncer de mama no Brasil por ano, Visto que um programa fisioterapêutico iniciado precocemente
e aproximadamente 25% destes irão a óbito (BRASIL, 2016). Os altos reduz o risco de aparecimento dessas complicações, o objetivo deste
índices de mortalidade são propiciados pelo diagnóstico tardio e/ estudo foi analisar o tratamento fisioterapêutico empregado em
ou tratamento inadequado (BREGAGNOL & DIAS, 2010). O câncer mulheres com complicações físicas e funcionais após cirurgia para o
de mama não possui um único fator causal. Sendo assim, diversas câncer de mama.
condições podem estar relacionadas ao aumento do risco de
desenvolvê-lo, como idade, fatores endócrinos, história reprodutiva, Metodologia
fatores comportamentais e fatores genéticos (BRASIL, 2016). Foram estudados os prontuários eletrônicos e fichas de avaliação
O tratamento para o câncer de mama inclui a cirurgia fisioterapêutica de 145 mulheres submetidas ao tratamento cirúrgico
e a radioterapia para tratamento local e a quimioterapia e a para o câncer de mama, atendidas no Ambulatório de Fisioterapia
hormonioterapia para tratamento sistêmico (BRASIL, 2004). O do Serviço de Mastologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição
procedimento cirúrgico dependerá do estadiamento clínico e do (HNSC), situado no município de Porto Alegre/RS. Trata-se de um
tipo histológico do tumor, podendo ser conservador (ressecção de estudo epidemiológico descritivo do tipo transversal retrospectivo.
um segmento da mama, tumorectomia ou quadrantectomia), ou Foram incluídas informações referentes às mulheres acima
não conservador (mastectomia). Ambos os tipos são, atualmente, dos 18 anos, diagnosticadas com câncer de mama, que realizaram
associados à linfadenectomia axilar total ou parcial (BATISTON; procedimento cirúrgico, e após, foram encaminhadas para o
SANTIAGO, 2005). acompanhamento fisioterapêutico no Ambulatório de Fisioterapia
As pacientes submetidas ao procedimento cirúrgico, do HNSC no período entre janeiro de 2007 e dezembro de 2015. Esse
artigos

artigos
independente da abordagem utilizada, poderão apresentar inúmeras período compreende desde o início das atividades no ambulatório
complicações físicas e funcionais que, de forma geral, são dolorosas, em questão até o desenvolvimento deste estudo. Prontuários e fichas
incapacitantes e podem comprometer a recuperação, acarretando com informações incompletas foram excluídos do estudo, bem
em diminuição da qualidade de vida e riscos no desempenho das como aquelas pacientes que tiveram perda de seguimento ou foram
atividades de vida diária (BREGAGNOL; DIAS, 2010). As alterações encaminhadas a outro serviço de fisioterapia, restando um total de
mais comumente encontradas são: problemas respiratórios; necrose 111 mulheres.
cutânea; seroma; lesões nervosas; dor; fraqueza e disfunção articular Para coleta sistemática dos dados, foi elaborada uma planilha
no membro superior envolvido; complicações cicatriciais; linfedema; eletrônica no software Microsoft Excel onde foram registradas as
cordões axilares; entre outras (BREGAGNOL; DIAS, 2010; NASCIMENTO
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informações relevantes, tais como: idade no momento do diagnóstico;


et al., 2012). tipo histológico do câncer de mama; tipo de cirurgia e tratamento

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oncológico realizado; momento do encaminhamento ao serviço Rede Axilar (SRA); 8,1%, tratamento para linfedema (tabela 1). Das 111
de fisioterapia, sendo considerado tratamento precoce até 30 dias mulheres, 55,8% tiveram duas condutas associadas em seu tratamento;
e tardio após este período; presença de complicações funcionais 18,9% três; 8,1% quatro procedimentos. Todas as pacientes receberam
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desenvolvidas após a cirurgia; condutas fisioterapêuticas realizadas; orientações quanto aos cuidados com o membro homolateral à
duração do tratamento fisioterapêutico (dias de atendimento). cirurgia e exercícios domiciliares.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa do Grupo Hospitalar Conceição, sob protocolo 1.361.857 Tabela 1. Condutas fisioterapêuticas utilizadas no pós-operatório.
Condutas Fisioterapêuticas N (%)
conforme previsto na resolução 466/12 do Conselho Nacional de Cinesioterapia 108 (97,3)
Analgesia 66 (59,5)
Saúde. Dessensibilização 42 (37,8)
Os dados tabulados foram submetidos à análise estatística Manobra p/ SRA 17 (15,3)
TFC adaptada 9 (8,1)
descritiva, sendo assim, as variáveis quantitativas descritas através Fonte: Elaborada pela autora
de média e desvio padrão ou mediana e intervalo interquartílico e
as variáveis categóricas expressas em frequência e porcentual. Suas Acerca do momento de encaminhamento ao setor de
associações foram analisadas por meio do Coeficiente de Correlação fisioterapia foram em sua maioria de forma tardia (57,7%), considerada
de Pearson e Teste do Qui-Quadrado, respectivamente. Os dados neste estudo após um mês de cirurgia. O encaminhamento tardio
foram analisados no programa SPSS (Statistical Package for the Social apresentou associação significativamente estatística com a presença
Sciences) versão 19.0 e foi considerado estatisticamente significativo de dor (p = 0,003), e o início precoce do tratamento fisioterapêutico
o valor de p < 0,05. associou-se estatisticamente com a presença de SRA (p < 0,0001). As
demais complicações não tiveram associação significativa com o
Resultados momento de encaminhamento.

Foram estudados os dados de 111 mulheres que realizaram Tabela 2. Comparações entre momento do encaminhamento à fisioterapia e
tratamento cirúrgico para o câncer de mama. A mediana de idade foi complicações funcionais.
de 53,50 anos (P 25-75 33-83) no momento do encaminhamento para o Momento do encaminhamento
Complicação funcional
Ambulatório de Fisioterapia. Em relação ao tipo histológico do tumor a Precoce Tardio Valor-p
maioria das pacientes (85,6%) apresentou carcinoma ductal invasivo; Dor 32,5% 67,5% 0,003*
também foram encontrados carcinoma lobular invasivo (10,8%)
Alteração de sensibilidade 46,8% 53,2% 0,227
e carcinoma ductal in situ (3,6%). Quanto à abordagem cirúrgica
SRA 80% 20% < 0,0001*
realizada constatou-se a predominância da mastectomia com
artigos

artigos
linfadenectomia axilar (LA) (33,3%), seguida de quadrantectomia com Escápula alada 50% 50% 0,606

LA (28,8%), quadrantectomia com biópsia do linfonodo sentinela (BLS) Linfedema 28,6% 71,4% 0,409
(22,5%) e mastectomia com BLS (15,3%). Todas as pacientes realizaram Restrição de ADM 39,4% 60,6% 0,572
ou estavam realizando tratamento oncológico concomitante. Diminuição de FM 41,2% 58,8% 1
Com relação às condutas fisioterapêuticas utilizadas, variaram Fonte: Elaborada pela autora
conforme as complicações relatadas por cada mulher: 97,3%
realizaram cinesioterapia, que incluía exercícios passivos ou ativos Não foi utilizado um protocolo de reabilitação durante os
(assistidos, livres e/ou resistidos), com uso de bastão, faixa elástica ou atendimentos fisioterapêuticos analisados neste estudo. Desta forma,
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caneleira adaptada, e alongamentos de membros superiores; 59,5% não foi estipulado a quantidade de atendimentos a serem realizados
analgesia; 37,8%, dessensibilização; 15,3%, manobra para Síndrome da por cada paciente, variando este número de acordo com a sua

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necessidade. A mediana de atendimentos foi de 7 (2-80); sendo que (JAMMAL, 2008). No presente estudo não é realizada a intervenção pré-
61,3% realizaram o máximo de 10 atendimentos, e 12,6% precisaram cirúrgica devido à organização do hospital e número de profissionais.
de 21 ou mais atendimentos. Houve diferença estatística significativa
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A conduta mais frequentemente utilizada pelos fisioterapeutas
entre o número de atendimentos das pacientes que tinham linfedema
do Ambulatório de Fisioterapia do HNSC foi a cinesioterapia. De acordo
(p = 0,001) e dor (p = 0,03) necessitando de mais atendimentos em
com Bergmann et al. (2006) e Jammal et al. (2008) a mobilização
comparação com as mulheres que procuraram a fisioterapia devido a
do membro superior deve iniciar o mais precoce possível, limitando
outras complicações. Do total de pacientes que relataram possuir dor,
os exercícios de ombro a 90° até a retirada dos pontos e do dreno;
46,8% realizaram mais de 10 atendimentos, enquanto que daquelas
sempre respeitando a tolerância de cada paciente. Essa modalidade
mulheres que não tinham sintomas álgicos apenas 20,6%. Quando
permite restaurar ou melhorar o desempenho funcional dos membros
trata-se do linfedema, esse número é ainda maior, 64,3% das pacientes
comprometidos. Os programas de reabilitação física através do
com essa complicação necessitaram de mais de 10 atendimentos.
exercício almejam desenvolver a força e o trofismo muscular, o senso
de propriocepção do movimento, resgatar a amplitude de movimento
Discussão (ADM) e prevenir a imobilidade. Existem vários tipos de exercícios
Há um consenso na literatura quanto ao desenvolvimento de (alongamentos, passivos, ativos, ativos assistidos e ativos resistidos)
complicações físicas e funcionais após cirurgia para o tratamento do que podem ser utilizados em pacientes com câncer de mama de
câncer de mama, podendo variar de acordo com a extensão desse acordo com a alteração desenvolvida, seu grau de déficit funcional e
procedimento. Quanto maior a abordagem cirúrgica e o envolvimento capacidade de cada uma (SAMPAIO et al., 2005).
da cadeia linfática axilar, maior a chance de desenvolver tais
Segundo Rett et al. (2012) a cinesioterapia é importante para
alterações (BATISTON; SANTIAGO, 2005; RETT et al., 2012; GÓIS et al.,
aumentar a ADM, reduzir a dor no início do tratamento e manter
2011; NOGUEIRA et al., 2010). Essas complicações podem levar a um
seu controle ao longo do tempo; quanto mais precoce o início dos
importante prejuízo da funcionalidade do membro superior operado
exercícios, menor a possibilidade de restrição da ADM e menor a
e consequentemente da paciente, comprometendo sua qualidade
intensidade da dor, culminando em uma maior funcionalidade e
de vida. Em virtude disso é importante diagnosticar essas alterações
qualidade de vida para a mulher envolvida. Alguns autores sugerem
precocemente, bem como orientar essas mulheres para o adequado
atividades em grupo para facilitar devido a grande demanda e
tratamento das complicações, almejando, se possível, evitá-las
promover a interação entre essas mulheres, estimulando a realização
(NASCIMENTO et al., 2012).
dos exercícios (JAMMAL, 2008; BERGMANN et al., 2006). O Ambulatório
Nesse contexto, a fisioterapia apresenta um importante papel deste estudo não dispõe de recursos para práticas em grupo, limitando
na prevenção e reabilitação de complicações após cirurgia para os atendimentos a atividades de forma individual.
artigos

artigos
o câncer de mama (JAMMAL, 2008). Em estudo de Nascimento et
al. (2012) em que foram analisados 707 prontuários, demonstrou-se A segunda intervenção mais realizada de acordo com esta
a eficácia da fisioterapia ao constatar que no Hospital da Mulher pesquisa foram métodos analgésicos, que incluíram a estimulação
Professor Doutor José Aristodemo Pinotti (CAISM) a maioria das elétrica nervosa transcutânea (TENS) e a crioterapia. A TENS utiliza a
pacientes (55%) apresentou melhora da função do membro superior corrente elétrica para induzir a analgesia. O método funciona com
homolateral à cirurgia e ausência de complicações ao final do eletrodos acoplados à pele, através de uma fina camada de gel,
Programa de Reabilitação Fisioterapêutica, recebendo alta deste. O para permitir a transmissão dos impulsos elétricos para a região a ser
tratamento fisioterapêutico pode iniciar no pré-operatório, quando as estimulada. O mecanismo mais aceito para o seu efeito analgésico é
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mulheres devem ser orientadas quanto à postura que irão adquirir no a ‘teoria da comporta’ descrita por Melzack e Wall (1965), em que há
pós-operatório e à importância em aderir à fisioterapia precocemente a participação de um mecanismo neurofisiológico de controle da dor

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situado na medula espinhal. Trata-se de um recurso não invasivo, de maioria visível no exame físico pós-operatório, quando as pacientes
fácil aplicação, que pode ser utilizado em diversos pacientes (jovens, realizam abdução do membro superior afetado; pela dor originada
adultos e idosos) com possibilidades de induzir analgesia prolongada. na axila e/ou no olécrano irradiando ou não para a porção inferior do
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Praticamente não existem efeitos colaterais, são poucas as suas braço homolateral, causando limitação à movimentação dos ombros
contraindicações e o custo não é elevado (SAMPAIO et al., 2005). e extensão do cotovelo (FUKUSHIMA et al, 2011). No Ambulatório de
Fisioterapia do estudo em questão utilizam-se manobras de estiramento
Já a crioterapia (redução da temperatura local) possui
e alongamento em casos de SRA a fim de ‘romper’ o cordão
dois mecanismos que podem explicar seu efeito analgésico: a
juntamente com a cinesioterapia. Não há consenso na literatura
contrairritação, redução da dor pela ativação da comporta espinhal
acerca da eficácia da fisioterapia em pacientes com essa alteração,
como na TENS; e o efeito neurogênico, redução da atividade elétrica
nem quais seriam as condutas realizadas, mas nota-se resolução
das fibras nociceptivas pelo resfriamento local. Em pacientes com
espontânea após três meses (CARDOSO, 2015). No entanto, em relato
alergia ou intolerância ao frio, comprometimento arterial periférico
de caso, Villamiel et al (2007) demonstrou que a fisioterapia, através de
e nas regiões tratadas com radioterapia ou com alterações de
um protocolo fisioterapêutico composto por cinesioterapia em grupo
sensibilidade deve-se evitar a aplicação de crioterapia (SAMPAIO
e atendimento individual com mobilização articular, alongamento e
et al., 2005). Bergmann et al. (2006) reforça a utilização desses
manobras de estiramento dos cordões, contribui para o tratamento
métodos analgésicos em pacientes com câncer de mama que
da SRA em menor tempo, prevenindo a redução da ADM e da força
desenvolveram dor como complicação pós-cirúrgica. Com relação à
muscular.
dor oncológica, a sua redução através de qualquer um dos métodos
promove o aumento do nível de função e atividade do paciente, Segundo a International Society of Lymphology, o principal
que assim, consegue participar de programas de exercícios físicos e tratamento fisioterapêutico para o linfedema é a terapia física
consequentemente melhorando a sua qualidade de vida (SAMPAIO complexa (TFC), conjunto de técnicas já bem aceitas e descritas
et al., 2005). na literatura. A TFC consiste na combinação de técnicas de acordo
com a fase em que está o linfedema de cada paciente: cuidados
Outra conduta amplamente aplicada foi a dessensibilização,
com a pele, automassagem linfática, drenagem línfática manual
sempre associada à outra intervenção, como cinesioterapia ou
(DLM), cinesioterapia, enfaixamento compressivo funcional e uso
analgesia. De acordo com a revisão sistemática de Nogueira et al.
de contenção por luvas/braçadeiras (INTERNATIONAL SOCIETY OF
(2010) a alteração de sensibilidade, seja na porção medial do braço,
LYMPHOLOGY, 2003; BERGMANN et al., 2006). No presente estudo,
axilar e/ou lateral do tórax, que acomete mulheres após cirurgia para
8,1% das mulheres realizaram tratamento para linfedema. Porém, no
o câncer de mama é frequente e deve estar relacionada com a lesão
Ambulatório de Fisioterapia do HNSC é realizada uma adaptação
do nervo intercostobraquial durante o procedimento cirúrgico. Essas
artigos

artigos
da TFC, devido às características do serviço e de acordo com as
alterações podem ser classificadas como anestesia, hipossensibilidade
possibilidades da paciente envolvida. Inclui cinesioterapia, orientações
ou hipersensibilidade. Bergmann et al. (2006), Cerqueira et al. (2009)
quanto aos cuidados com a pele e automassagem linfática e
e Nascimento et al (2012) sugerem a aplicação de dessensibilização
enfaixamento compressivo ou luva/braçadeira. Os materiais para
com diferentes texturas em casos de parestesia em região inervada
contenção não são fornecidos pelo hospital, sendo necessário que a
pelo intercostobraquial.
paciente adquira por conta própria, o que pode limitar o tratamento.
A SRA é definida como vasos linfáticos esclerosados que formam Os recursos fisioterapêuticos que provocam calor superficial e profundo,
faixas fibrosas na axila e ocorrem após interrupção do fluxo linfático por exemplo, infravermelho e ondas curtas, não devem ser aplicados
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na axila pela linfadenectomia axilar ou pela dissecção do linfonodo no membro superior afetado, pois favorecem a ultrafiltração arterial
sentinela. É caracterizada pela presença de uma rede axilar em sua para o interstício podendo desencadear o linfedema (BERGMANN et

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al., 2006). chances de evitar complicações. A associação estatisticamente


significativa entre SRA e o encaminhamento precoce (p < 0,0001)
Todas as pacientes do Ambulatório estudado receberam
sugere-se, provavelmente, a uma particularidade do serviço, em que
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orientações quanto a exercícios domiciliares e cuidados com o membro
os profissionais mastologistas que encaminham as pacientes estão
superior homolateral à cirurgia, este último principalmente para
cientes do benefício da fisioterapia nessa alteração específica. Dessa
aquelas em que foi realizada linfadenectomia axilar. Há um consenso
forma, se torna evidente a necessidade de transmitir informações
entre os autores que, após o tratamento cirúrgico para o câncer de
relevantes sobre a importância da abordagem fisioterápica após
mama, as pacientes devem ser orientadas sobre os cuidados com
as cirurgias de câncer de mama para os demais profissionais da
a pele do membro superior homolateral ao procedimento cirúrgico,
saúde, principalmente os médicos que fornecem o encaminhamento
a fim de evitar possíveis traumas e ferimentos (BERGMANN et al.,
tardio, bem como, pacientes e familiares a fim de alertá-los sobre
2006; INCA, 2012). O Serviço de Fisioterapia do Instituto Nacional do
a possibilidade de engajar-se na fisioterapia (BATISTON; SANTIAGO,
Câncer oferece também material sobre cinesioterapia para executar
2005).
no ambiente domiciliar, bem como cuidados com posicionamentos
(INCA, 2012). Todavia, essas orientações devem ser repassadas com Com relação ao número de atendimentos ou sessões de
ponderação para que não estimule um sentimento de incapacidade fisioterapia, não há um consenso na literatura. No entanto, em estudo
ou impotência física. Aos poucos e no seu devido tempo, a mulher de Nascimento et al. (2012) o programa de reabilitação teve início
que realizou procedimento cirúrgico na mama deve retomar suas no primeiro dia de pós-operatório e estendeu-se por 12 sessões.
atividades profissionais, domésticas e de lazer; e quando for preciso Reavaliações foram agendadas conforme a necessidade para 3,
devem ser orientadas alternativas que supram sua necessidade 6 ou 12 meses após a cirurgia ou de forma espontânea quando a
(BERGMANN et al., 2006). mulher julgou importante. De forma semelhante, Bergmann et al.
(2006) descreve o programa com início no pré-operatório, seguido
Os programas de reabilitação após cirurgia para o câncer de
do primeiro pós-operatório e consultas para 30 dias ou 180 dias,
mama têm como objetivo principal prevenir as complicações que
visto que as pacientes seguem as orientações no âmbito domiciliar.
possam surgir devido ao procedimento, em virtude disso, o ideal é que
Uma vez que no ambulatório de fisioterapia do HNSC não há um
se inicie o mais precocemente possível (BATISTON; SANTIAGO, 2005;
protocolo de reabilitação, definiu-se que cada paciente recebe
GUTIÉRREZ et al., 2007). No entanto, a pesquisa atual evidenciou que
avaliação individualizada e segue o atendimento de acordo com a
a maior parte das mulheres encaminhadas ao setor de fisioterapia
sua demanda específica. Este fato pode ser considerado como uma
(57,7%) havia realizado a cirurgia há mais de um mês, caracterizando o
limitação, visto que dificulta o estudo da efetividade das condutas
encaminhamento tardio. Este fato corrobora com o estudo de Batiston
abordadas. Devido a isso se constatou uma variação no número
e Santiago (2005) em que, das 160 mulheres incluídas, 76,9% foram
artigos

artigos
de sessões, mas com predominância para até 10 atendimentos
encaminhadas de forma tardia, com complicações já instaladas. No
(61,3%). As pacientes que procuraram atendimento por queixa de
mesmo estudo destacou-se a forte associação entre o início precoce
dor ou linfedema necessitaram de mais atendimentos até a alta da
da fisioterapia e a ausência de complicações pós-cirúrgicas, o que
fisioterapia em comparação com outras complicações, com valores
reforça a efetividade do início imediato do tratamento fisioterapêutico
estatisticamente significativos (p = 0,03 e p = 0,001, respectivamente).
na prevenção dessas alterações.
Estes números podem ser explicados pelo difícil manejo dessas
No presente estudo, todas as pacientes já possuíam alguma
complicações e a aceitação pela paciente da permanência deles
complicação, impedindo a avaliação deste evento. Porém, constatou-
após a cirurgia.
se a associação significativamente estatística da presença de dor com
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o encaminhamento tardio à fisioterapia (p = 0,003), demonstrando


que quanto antes o tratamento fisioterapêutico tiver início, mais

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Conclusão CARDOSO, Francini de Santana. Abordagem fisioterapêutica na


No presente estudo a maioria das mulheres foi encaminhada síndrome da rede axilar após cirurgia de câncer de mama: revisão de
tardiamente para o setor de fisioterapia, sendo a complicação mais literatura. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. 2015
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prevalente nestas pacientes a dor. As mulheres que procuraram CERQUEIRA, Waleska A.; BARBOSA, Leandro A.; BERGMANN, Anke.
Proposta de Conduta Fsioterapêutica para o Atendimento Ambulatorial
atendimento fisioterapêutico por queixa de dor ou linfedema instalado
nas Pacientes com Escápula Alada após Linfadenectomia Axilar.
necessitaram de um número maior de atendimentos em comparação Revista Brasileira de Cancerologia.Vol. 55, n.2, p.115-120, 2009.
com as demais. FUKUSHIMA, Kassandra Ferreira Pessoa; SILVA, Hilton Justino da;
FERREIRA, Caroline Wanderley Souto. Alterações vasculares resultantes
As principais condutas fisioterapêuticas utilizadas foram da abordagem cirúrgica da axila: uma revisão da literatura. Rev.
cinesioterapia, analgesia e dessensibilização. Este achado reflete Brasileira de Mastologia. Vol. 21, n. 2, p. 91-98, 2011.
as complicações mais comumente encontradas nessas pacientes e GÓIS, Mariana Carlos de; TRINDADE, Karinne Maria Oliveira da;
o seu método de tratamento exigido, visando o reestabelecimento COBUCCI, Ricardo Ney Oliveira; MICUSSI, Maria Thereza Albuquerque
dessas mulheres o mais precocemente possível. Barbosa Cabral; REVOREDO, Myrza Maria Paiva. Prevalência
das complicações pós-operatórias decorrentes da mastectomia
Visto que o número de sobreviventes ao câncer de mama é radical modificada com linfadenectomia axilar. Revista Brasileira de
Mastologia. Vol. 21, n. 4, p. 157-160, 2011.
cada vez maior devido às técnicas cirúrgicas avançadas e outros
GUTIÉRREZ, Maria Gaby Rivero de; BRAVO, Michelle Manzoli; CHANES,
tratamentos aplicados é relevante que essa sobrevivência seja
Daniella Cristina; VIVO, Maria Claudia Rodrigues de; SOUZA, Gabriela
acompanhada de qualidade de vida. É indispensável que a mulher Olbrich de. Adesão de mulheres mastectomizadas ao início precoce
em vigência do tratamento para o câncer de mama receba uma de um programa de reabilitação. Acta Paulista de Enfermagem. Vol.
reabilitação completa, física, psicológica e social. E neste contexto, 20, n. 3, p. 249-54, 2007.
a fisioterapia tem papel fundamental, proporcionando a prevenção INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Cuidados
após cirurgia de mama com esvaziamento axilar: Orientações aos
de alterações funcionais e a recuperação destas se já instaladas,
pacientes. Rio de Janeiro, INCA, 2012.
possibilitando o retorno dessa paciente as suas atividades de interesse.
INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Mastologia:
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INFORME C3, Porto Alegre, v. 10, n. 4 (Ed. 23), Dez. - 2018. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.com INFORME C3, Porto Alegre, v. 10, n. 4 (Ed. 23), Dez. - 2018. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.com

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artigos
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artigos

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Artigo 2
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USO DE PROTOCOLOS DE PRÉ-NATAL DE BAIXO RISCO NA
ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Ana Zilda de Castro Reck, Porto Alegre/RS 1
Ma. Margaret Schneider, Porto Alegre/RS 2

USO DE
RESUMO: Entre as atividades realizadas pelos enfermeiros na Atenção
Primária à Saúde, está o acompanhamento do pré-natal. Para isso,
é necessário que esse cuidado seja baseado em conhecimentos e
em evidências científicas. Os protocolos assistenciais são instrumentos

PROTOCOLOS
que auxiliam o fazer dos processos de trabalho e servem de respaldo
para as ações desses profissionais. O objetivo desta pesquisa foi
analisar a utilização de protocolos assistenciais de pré-natal de baixo
risco pelos enfermeiros do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo

DE PRÉ-NATAL
Hospitalar Conceição (GHC) do Município de Porto Alegre/Brasil.
Foram entrevistados cinco enfermeiros, todos informando que utilizam
o protocolo de pré-natal de baixo risco do GHC e, com isso, se sentem

DE BAIXO RISCO
mais seguros e respaldados para realizar suas atividades.
PALAVRAS-CHAVE: Atenção Primária à Saúde. Enfermagem em Saúde
Pública. Enfermagem. Pré-Natal.

NA ATENÇÃO THE USE OF LOW RISK PRENATAL PROTOCOLS IN PRIMARY


HEALTH CARE

PRIMÁRIA À ABSTRACT: Among the activities carried out by the nurses at the Primary
Health Care there is the prenatal care attendance. Therefore, it is
artigos

artigos
SAÚDE
necessary that this care must be based on scientific knowledge and
evidences. The assistential protocols are instruments that assists the
work process and serve as a support for all these professionals’ actions.
The main objective of this research was to analyze the use of low
risks prenatal assistential protocols by the Community Health Service

1 Enfermeira graduada pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto


Alegre (UFCSPA), residente da Residência Multiprofissional em Saúde do Grupo Hospitalar
Conceição, ênfase em Saúde da Família e Comunidade. E-mail: anazcreck@gmail.com
C3

2 Enfermeira, mestre em Saúde Mental Coletiva, professora da Universidade Luterana


do Brasil (ULBRA), assistente de coordenação da Unidade de Saúde SESC/Gerência de Saúde
Comunitária, GHC. Orientadora. E-mail: margaretschneider@terra.com.br

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nurses from Grupo Hospitalar Conceição (GHC) in Porto Alegre city. parturiente, puérpera e ao recém-nascido (BRASIL, 2013; BRASIL, 1987).
Five nurses had been interviewed, all affirming to use GHC’s low risk Na consulta de enfermagem, além da competência técnica,
prenatal protocol and so, feeling safer and supported to perform their
é importante que o enfermeiro faça uma escuta qualificada sobre
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activities.
KEYWORKS: Primary Health Care. Nursing in Public Health. Nursing. as demandas da gestante. Essa ação facilitará a criação de
Prenatal. vínculo entre profissional-usuário e, consequentemente, auxiliará no
desenvolvimento de ações educativas que visem a qualidade de
Introdução
O Ministério da Saúde, no atual modelo de atenção à saúde vida da gestante (BRASIL, 2013).
brasileiro, estabelece que a Atenção Primária, ou Atenção Básica, é Entre as atribuições do enfermeiro na atenção básica está, além
a principal porta de entrada para o sistema de saúde. A Atenção de prestar uma assistência humanizada à mulher desde o início de
Básica à Saúde é uma terminologia brasileira, enquanto a Atenção sua gravidez, a solicitação de exames complementares, a realização
Primária à Saúde é uma terminologia mundial. No entanto, a Política de testes rápidos e a prescrição de medicamentos previamente
Nacional de Atenção Básica considera os termos Atenção Primária estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada
à Saúde (APS) e Atenção Básica à Saúde (ABS) como equivalentes pela instituição de saúde (BRASIL, 2013).
(BRASIL, 2012). Para prestar assistência adequada é necessário que o enfermeiro
As equipes que prestam assistência à saúde na Atenção esteja sempre se atualizando com base em conhecimentos científicos
Primária são multiprofissionais e o enfermeiro é um dos integrantes. que servirão de respaldo para sua prática e, para garantir tal
As atribuições do enfermeiro na Atenção Primária, dentre outras são: atualização, foram elaborados os protocolos assistenciais.
prestar assistência à população, atuar no gerenciamento da unidade Na saúde, os protocolos podem ser considerados como
de saúde, realizar cuidados de enfermagem tanto no âmbito individual normas que orientam os profissionais de saúde. De acordo com o
como coletivo, fazer a gestão de projetos terapêuticos, monitorar o Ministério da Saúde, os protocolos são recomendações desenvolvidas
estado de saúde da população adstrita da unidade e gerenciar a sistematicamente para auxiliar no manejo de um problema de saúde,
sua equipe de enfermagem e serviço de saúde (MISHIMA et al., 2011). numa circunstância clínica específica, preferencialmente baseados
Para realizar as atividades competentes ao enfermeiro, com na melhor informação científica (BRASIL, 2008).
segurança, fundamentados em conhecimentos científicos e baseados Os protocolos clínicos são documentos que proporcionam uma
em evidências científicas, os profissionais precisam ter respaldo para maior possibilidade de se chegar aos resultados esperados, pois são
seguir essas ações consideradas as mais adequadas para a resolução desenvolvidos por órgãos competentes e que indicam as melhores
de doenças e promoção da saúde. Por isso, há necessidade de práticas a serem utilizadas (JACQUES; GONÇALO, 2007). Ainda,
criação e uso dos protocolos assistenciais. segundo Werneck,
artigos

artigos
Dentre as atividades realizadas pelos enfermeiros na APS, está Os protocolos podem ajudar a definir, padronizar e revisar
continuamente a maneira de processar a atenção
o acompanhamento do pré-natal, que consiste em proporcionar o
direta à saúde e as ações de organização do serviço.
desenvolvimento da gestação, visando o parto de um recém-nascido Competência profissional é uma exigência: elaboração e
acompanhamento da utilização de protocolos é excelente
saudável e a qualidade da saúde materna (BRASIL, 2013).
oportunidade de educação permanente em saúde.
Segundo o Ministério da Saúde o enfermeiro pode realizar (WERNECK, 2009, p.76).
inteiramente a pré-natal de baixo risco na rede de atenção básica.
Essa atividade esta garantida na Lei do Exercício Profissional, Um estudo (RODRIGUES, NASCIMENTO e ARAÚJO, 2011) realizado
regulamentada pelo Decreto nº 94.406/87 Art. 8º, inciso II, alínea “h”, na no interior de Minas Gerais com enfermeiros de Estratégia Saúde da
qual consta que ao enfermeiro incumbe, como integrante da equipe
C3

Família sobre o uso de protocolo de enfermagem para assistência


de saúde, prestação de assistência de enfermagem à gestante, de pré-natal mostrou que alguns enfermeiros não consideravam as

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suas ações prestadas à gestante como parte do pré-natal, apenas Os participantes da pesquisa foram esclarecidos sobre os objetivos da
as consultas médicas. Sobre os protocolos, os enfermeiros os veem mesma e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
como um documento que normatiza as ações, serve de respaldo, os Também foi garantido aos participantes privacidade na aplicação do
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ampara e direciona as atividades a serem realizadas. Como aspectos questionário e o anonimato na divulgação dos dados.
dificultadores em relação ao uso dos protocolos, foi citada a falta de
capacitação teórica e prática de assistência à gestante. Resultados e discussões
A pesquisa aqui relatada teve como objetivo analisar a Os 5 enfermeiros participantes dessa pesquisa são
utilização de protocolos assistenciais de pré-natal de baixo risco pelos predominantemente do sexo feminino (n=3), com média de idade
enfermeiros do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar de 37 anos (mínimo 28 anos e máximo 52 anos); todos apresentam
Conceição do Município de Porto Alegre/Brasil, bem como identificar escolaridade a nível de pós-graduação, sendo 4 do tipo Lato sensu e
os protocolos assistenciais utilizados, verificar se os enfermeiros utilizam 1 Stricto sensu (mestrado) e tempo médio de atuação profissional de
o protocolo de pré-natal de baixo risco na sua prática assistencial e 12 anos (mínimo 5 anos e máximo 22 anos).
conhecer a compreensão dos enfermeiros sobre a necessidade de Na análise de conteúdo das falas, emergiram cinco categorias
utilização desses protocolos assistenciais durante seus atendimentos. temáticas que representaram os principais fatores que norteiam o
Metodologia uso de protocolos de pré-natal de baixo risco na Atenção Primária
Estudo de abordagem qualitativa, realizado em duas Unidades à Saúde: (1) Atividades Realizadas no Pré-Natal de Baixo Risco; (2)
de Saúde do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Uso de Protocolos de Pré-Natal de Baixo Risco; (3) Potencialidades no
Conceição na cidade de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Uso de Protocolos de Pré-Natal de Baixo Risco; (4) Fragilidades para
Sul. Participaram deste estudo cinco enfermeiros que aceitaram o o Uso de Protocolos de Pré-Natal de Baixo Risco e (5) Prescrições
convite para entrevista. Os critérios de inclusão era estar trabalhando de Medicamentos pelos Enfermeiros no Pré-Natal de Baixo Risco na
no Serviço de Saúde Comunitária por um período mínimo de seis meses Atenção Primária à Saúde.
e realizar atividades assistenciais na unidade de saúde.
A coleta de informações foi realizada por meio de uma entrevista Atividades realizadas no pré-natal de baixo risco
semiestruturada; a primeira parte continha os dados do entrevistado, Dentre as atividades realizadas pelos enfermeiros na APS, está
como idade, sexo, escolaridade e há quanto tempo trabalhava na o acompanhamento do pré-natal, que consiste em proporcionar
Atenção Primária. A segunda parte continha questões norteadoras o desenvolvimento da gestação, visando um parto de um recém-
abrangendo o tema da pesquisa. As entrevistas foram realizadas entre nascido saudável e a qualidade da saúde materna (BRASIL, 2013).
agosto e outubro de 2017 no serviço de saúde de cada participante Entre as atribuições do enfermeiro na atenção básica está, além de
artigos

artigos
e agendadas previamente. As informações foram gravadas em um prestar uma assistência humanizada à mulher desde o início de sua
aparelho celular e após foram transcritas na íntegra pela autora gravidez, a solicitação de exames complementares, a realização
e entrevistadora dessa pesquisa para garantir a veracidade das de testes rápidos e a prescrição de medicamentos previamente
informações. estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada
Os dados foram analisados pela técnica de análise temática pela instituição de saúde (BRASIL, 2013).
proposta por Minayo (2010), que compreende três etapas: Pré- No presente estudo, todos os enfermeiros citaram que realizavam
Análise, Exploração do Material e Tratamento dos Resultados Obtidos consulta de enfermagem como uma forma de assistência ao pré-natal
e Interpretação. de baixo risco. Com isso, percebe-se que a consulta de enfermagem
C3

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do é uma prática fortalecida entre os enfermeiros do serviço, bem como
Grupo Hospitalar Conceição (CEP/GHC), projeto: 17048 de 12/04/2017. as ações que compõem a consulta de enfermagem como o exame

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físico e a solicitação de exames complementares. Realizo a consulta de enfermagem específica de pré-natal


e também a questão de saúde da mulher, a coleta de
Eu faço o acompanhamento da gestante, consultas, citopatológico que também é um apêndice do pré-natal. E2
e dentro dessas consultas tem várias atividades no
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acompanhamento, enfim, exame físico, solicitação de A assistência compartilhada em uma equipe multidisciplinar
exames, acompanhamento no geral. E5
também foi citada ao relatar que o pré-natal é realizado juntamente
Segundo o Caderno de Atenção Básica sobre Atenção ao Pré- com o médico da unidade, intercalando as consultas.
Natal de Baixo Risco, é função do Enfermeiro (a) na Atenção Primária Sim, consultas de pré-natal intercaladas mensalmente com a
identificar as gestantes com algum sinal de alarme e/ou identificadas consulta médica. E3
como de alto risco e encaminhá-las para consulta médica. Caso seja
O Caderno de Atenção Básica sobre Atenção ao Pré-Natal de
classificada como de alto risco e houver dificuldade para agendar a
Baixo Risco cita como função do Enfermeiro a realização da consulta
consulta médica (ou demora significativa para este atendimento), a
de pré-natal de gestação de baixo risco intercalada com a presença
gestante deve ser encaminhada diretamente ao serviço de referência
do (a) médico (a) (BRASIL, 2013). No entanto, no mesmo documento, o
(BRASIL, 2013).
Ministério da Saúde afirma que o enfermeiro pode realizar inteiramente
No entanto, foi citada por um enfermeiro a continuidade da o pré-natal de baixo risco na rede de atenção básica. Essa atividade
consulta de enfermagem de pré-natal na unidade de saúde mesmo esta garantida na Lei do Exercício Profissional, regulamentada pelo
das gestantes que estão realizando acompanhamento no serviço Decreto nº 94.406/87 Art. 8º, inciso II, alínea “h” cabendo ao enfermeiro,
de referência para o alto risco. Acredita-se que esse formato de como integrante da equipe de saúde, prestação de assistência de
assistência seja um método para manter o acompanhamento integral enfermagem à gestante, parturiente, puérpera e ao recém-nascido;
e longitudinal da gestante e evitar que a atenção primária perca o (BRASIL, 2013; BRASIL, 1987).
vínculo com ela. Além disso, esse acompanhamento durante o pré- Acredita-se que cabe ao profissional enfermeiro decidir se possui
natal de alto risco facilitaria o período puerperal e a puericultura. condições de realizar inteiramente o pré-natal, uma vez que existem
locais onde não há uma estrutura adequada para uma assistência
Sim, consulta de pré-natal de baixo risco e consulta de de qualidade e até mesmo a falta de profissionais médicos. Ademais,
enfermagem complementar aquelas que fazem pré-natal
de alto risco. E1 acredita-se que o trabalho com outros profissionais sempre vem a
acrescentar, tanto para os profissionais que compõem a equipe
Além da consulta de enfermagem ser citada como assistência, quanto para os usuários.
a atividade em grupo também foi mencionada por um enfermeiro. A
prática de desenvolver atividades educativas, individuais e em grupos
Uso de protocolos de pré-natal de baixo risco
artigos

artigos
(grupos ou atividades de sala de espera) também é considerada uma
Segundo o Ministério da Saúde, dentre as atribuições assistenciais
função do enfermeiro (BRASIL, 2013).
do enfermeiro da Estratégia Saúde da Família estão: realização de
Realizo consulta individual, já tive experiência com trabalho
consulta de enfermagem, solicitação de exames complementares,
com grupo. E4
prescrição/transcrição de medicamentos, conforme protocolos e
A saúde da mulher também foi citada como um tipo de normas assistenciais estabelecidos nos Programas do Ministério da
assistência no pré-natal com a coleta para exame citopatológico do Saúde e as disposições legais da profissão (BRASIL, 2002).
colo do útero. O Caderno de Atenção Básica sobre Atenção ao Pré- Para tanto, é necessário que o profissional enfermeiro disponha
Natal de Baixo Risco ainda cita como função do enfermeiro o exame de algum material que possa seguir e que sirva de respaldo para
C3

clínico das mamas (BRASIL, 2013). realizar as atividades de sua competência, fundamentado em
conhecimentos científicos e baseado em evidências científicas.

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Todos os enfermeiros entrevistados nesse estudo citaram que do GHC ele não diferencia muito a atividade do enfermeiro
e a atividade do médico. Então algumas coisas eu vejo, eu
utilizam o protocolo de pré-natal de baixo risco do Grupo Hospitalar faço, porque estão no protocolo, mas eles não tem essa
Conceição, provavelmente por ser o protocolo da instituição da qual distinção. Diferente, por exemplo, de alguns protocolos do
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ministério que tem diferenciado o que uma categoria faz
fazem parte e, por isso, se sintam mais seguros para atuarem seguindo e o que a outra não faz. (...) Mas eu não vejo muito essa
esse material. distinção do que o médico faz e o que o enfermeiro faz assim
no protocolo. Não acho que seja tão claro. E4
Eu sigo o protocolo do GHC de atenção à saúde da
gestante. E1 Quando um dos entrevistados foi questionado se sente falta
Sigo o protocolo do Grupo Hospitalar Conceição, o protocolo
de pré-natal. E2 dos protocolos que segue serem específicos para a enfermagem, a
O protocolo do GHC, da Gerência de Saúde Comunitário. resposta foi:
E3
Eu sinto falta, com certeza. Porque para nós enfermeiros,
Um profissional relatou a existência de um protocolo do município não só no pré-natal, mas em todos os nossos atendimentos,
de todas as ações programáticas. Acho que é bem bom
de Porto Alegre. No entanto, o entrevistado diz não utilizá-lo muito. a gente ter alguma coisa direcionada para o enfermeiro,
porque a gente sabe que tem toda uma questão de reserva
(...) eu sigo o protocolo do GHC. Eu não uso muito o de mercado aí, então se a gente tiver direcionado isso e
protocolo do município de Porto Alegre que tem também. souber exatamente onde que está o nosso limite, eu acho
Eu me referencio no da instituição. E4 que nos ajuda muito. E3

O protocolo do Ministério da Saúde de Pré-Natal de Baixo Risco Através dessas falas, pode-se perceber a necessidade de se
também foi citado por um participante. especificar a atuação de cada profissional no protocolo de pré-
O protocolo do GHC e do Ministério da Saúde. E5 natal de baixo risco. Mesmo que algumas atividades possam ser
compartilhadas por várias profissões, é importante que as competências
Protocolos específicos de enfermagem para o pré-natal de de cada categoria sejam descritas e reconhecidas a fim de fortalecer
baixo risco e proporcionar mais segurança para o profissional que está atuando.
O protocolo de enfermagem é um instrumento que vai normatizar
e respaldar as ações dos enfermeiros, uma vez que é baseado em Potencialidades no uso de protocolos de pré-natal de baixo
conhecimentos científicos e no exercício da profissão. (MINAS GERAIS, risco
2006). As principais potencialidades dos protocolos assistenciais de
Nesse estudo, todos entrevistados citaram que os protocolos pré-natal de baixo risco citadas foram a de servir de respaldo para os
que utilizavam não eram específicos para enfermeiros. profissionais e transmitir segurança nas suas ações.
Não, é só o protocolo de pré-natal ele é geral, ele é para
artigos

Sim, porque respalda que a gente possa fazer consulta de

artigos
outros profissionais consultarem da equipe. Mas exclusivo da
enfermagem, fazer prescrição de medicamento, solicitar os
enfermagem não tem. E2
exames. E1
Não, é multiprofissional. É mais médico e enfermeiro os
Sim, porque nos respalda com relação as nossas ações, as
protocolos. E5
nossas atividades e é uma fonte de consulta importante.
Eu utilizo o geral. E3
Nem sempre a gente vai lembrar de tudo. E3
Eu acho que qualifica o meu trabalho, acho que qualifica a
A falta de especificidade de cada profissional nas atividades assistência, me ajuda no sentido de orientar nas condutas. Eu
acho que o protocolo ajuda a gente a lembrar de algumas
descritas no protocolo também foi citada: condutas que às vezes a gente se perde. E4
(...) a maioria dos protocolos do serviço eles colocam como:
consulta puerperal, consulta gestante, diz que pode ser feito O fato dos protocolos serem baseados em evidências científicas
C3

pelo médico ou pelo enfermeiro, mas não especifica (...) E1


e serem considerados recomendações também foi citado como uma
(...) tem coisas que são meio compartilhadas. O protocolo até potencialidade:

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Eu acho que os protocolos institucionais eles fortalecem e capacitações foi citado por um entrevistado.
respaldam a prática do profissional enfermeiro. Uma vez Olha eu vou te dizer assim, nesses últimos dois anos, 2016 e
que os protocolos, a própria construção do protocolo se 2017, eu não participei da atualização. Na gerência tem toda
dá baseado em evidências científicas. Então, geralmente
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programação das atualizações de todos protocolos, mas eu
os protocolos são atuais, e eles direcionam. Para mim eles não fiz nesses dois anos não. É muita da prática mesmo. E
servem muito pra organizar como que eu vou fazer o meu tem algum motivo por não ter participado? (entrevistadora)
atendimento. (...) E claro, não entendo o protocolo como Pela falta de tempo mesmo. Planejamento do tempo. E3
algo que seja engessado assim, o protocolo é uma diretriz,
é algo que recomendam em determinado trabalho, em
determinado procedimento, uma conduta. E claro também Acredita-se que pode haver dificuldades do profissional se
que vai também da experiência clínica, da interpretação ausentar do local de trabalho para a realização de capacitações
da gente em relação a isso. Mas eu acho que eles são bons
orientadores. E4 dependendo dos turnos e horários em que são disponibilizadas as
capacitações. Muitas vezes a falta daquele profissional na unidade de
Essa fala vai ao encontro do que está preconizado pelo Ministério saúde faz diferença no processo de trabalho. Poderiam ser realizadas
da Saúde, que menciona os protocolos como recomendações capacitações em diferentes horários e dias da semana e mais vezes
desenvolvidas sistematicamente para auxiliar no manejo de durante ano para que assim, atingisse um número maior de profissionais
um problema de saúde, numa circunstância clínica específica, que pudessem participar das formações.
preferencialmente baseados na melhor informação científica (BRASIL, Dois profissionais relataram que realizaram capacitação para o
2008). uso do protocolo de pré-natal no serviço em que atuam:
Os protocolos também foram mencionados como um Eu fiz uma capacitação no serviço, mas por interesse meu.
Foi quando tu entrou no serviço? (entrevistador) Foi quando
instrumento de consulta rápida para as dúvidas que podem surgir eu entrei. E1
durante um atendimento: Eu fiz uma atualização esse ano sobre a assistência de pré-
natal de baixo risco pelo serviço. Pelo GHC? (entrevistadora)
Porque quando surge alguma dúvida tu tem um instrumento Sim. E5
ali para tá acessando, um acesso fácil. Seria mais nesse
sentido assim de ter um material de apoio acessível na hora A necessidade de ser disponibilizadas mais capacitações
de alguma dúvida. E5 também foi citado:
Eu avalio como uma ferramenta de consulta frequente,
serve para tirar dúvidas. Uma ferramenta que a gente Eu acho que teria que ter mais capacitação dos profissionais
utiliza para transmitir mais segurança, para o profissional se para utilizar esses protocolos, porque se não vem do
sentir mais tranquilo e poder seguir as condutas que estão profissional se interessar e se sentir seguro e querer ir atrás,
preconizadas para o pré-natal de baixo risco, ele ajuda a ele não utiliza. No mesmo serviço tem colegas que utilizam e
transmitir segurança. E2 que prescrevem enfim... e tem outros que ainda falam com
o médico, não sabem que tem essa capacidade técnica
que está respaldada. E1
Fragilidades para o uso de protocolos de pré-natal de baixo risco
Uma das fragilidades encontradas nesse estudo quanto ao O estudo realizado no interior de Minas Gerais (RODRIGUES,
artigos

artigos
uso de protocolos foi a falta de formação para a sua utilização. A NASCIMENTO e ARAÚJO, 2011) sobre o uso de protocolo de
maioria dos entrevistados diz não ter realizado formação para o uso enfermagem para assistência de pré-natal também mostrou a falta
dos protocolos de pré-natal de baixo risco. de capacitação teórica e prática de assistência à gestante como
aspectos dificultadores em relação ao uso dos protocolos.
Não. E2
Para alguns sim. Agora da gestante eu não recordo de ter A subutilização dos protocolos também foi citada:
participado de nenhuma capacitação assim, foi mais a
leitura mesmo. Pegar o protocolo e me apropriar de forma Eu acho que ele é pouco utilizado. Tem um potencial bem
mais individual. E4 bacana, mas as pessoas, enfim, acabam esquecendo
muitas vezes e até porque como a gente tem facilidade
Na fala do E4 percebe-se que ele se atualizou através da leitura de estar discutindo casos com outros profissionais, a gente
C3

do protocolo. acaba deixando ele um pouco de lado assim. E5

A falta de tempo para a disponibilidade de participar de

C3
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Eu acho que eles são subutilizados. Eles poderiam ser melhor mas dai pelo protocolo municipal de saúde da mulher. De
utilizados e tem muitos antigos, acho que eles teriam que saúde da mulher? Não de gestante? (entrevistador) Não de
ser revistos. Muitas vezes a gente recebe só notificações de gestante, aí do município de Porto Alegre. O GHC não tem
algumas coisas que mudaram, mas não muda o local de esse mais abrangente assim, que seria o acolhimento. Mas só
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consulta em si, o livro mesmo. E1 se necessário e se tiver indicação. E1

Mesmo tendo um material de apoio e pesquisa nas unidades,


Apenas um entrevistado diz não prescrever nenhum
ainda há pouca utilização dos protocolos. Talvez o aumento do número
medicamento para a gestante de baixo risco:
de capacitações fizesse com que os profissionais lembrassem com
mais facilidade do material e o utilizassem mais, até mesmo durante Não prescrevo nenhum medicamento. Por algum motivo?
(entrevistador) Porque eles não constam no protocolo do
discussões de casos com outros profissionais. Além disso, colocá-lo em GHC, então eu não me sinto respaldado. Se constassem, eu
um lugar de fácil visualização e acesso facilitaria a consulta. poderia prescrever. E2

Werneck (2009) salienta que os protocolos apresentam limites


Também foram citados os medicamentos que possuem respaldo
e que mesmo sendo baseados em conhecimento científico e
para os enfermeiros prescreverem e os que são de competência do
tecnológico, não devem ser tomados para além de sua real dimensão.
profissional médico como, por exemplo, os antibióticos.
Utilizar um protocolo carente de avaliação, de acompanhamento
(...) no caso de outras situações que eu lembro assim
gerencial e revisão científica, gera risco de se produzir um processo agora, infecção urinária, acaba passando para consulta
de trabalho pobre e desestimulante. Portanto, os protocolos devem médica para prescrição de antibiótico, que não é da nossa
competência. E3
acompanhar a evolução do conhecimento técnico e científico e
serem atualizados constantemente. Além disso, o autor cita que a Foi citado que antigamente se prescreviam mais medicamentos
elaboração e acompanhamento da utilização de protocolos é uma com respaldo e hoje não mais.
oportunidade de realizar educação permanente em saúde.
Antigamente eu prescrevia, mas de uns tempos pra cá a
gente tem discutido, acho que algumas condutas tem ficado
Prescrições de medicamentos pelos enfermeiros no pré-natal mais frágeis, acho que a enfermagem está mais exposta,
eu tenho evitado prescrições. Mas antes eu prescrevia
de baixo risco na atenção primária à saúde hidróxido de alumínio, prescrevia paracetamol, que eram
O Ministério da Saúde cita no Caderno de Atenção ao Pré-Natal medicamentos que até então não seriam problemáticos e
que tinha até então em protocolos antigos nossos assim. Hoje
de Baixo Risco que uma das atribuições do enfermeiro na atenção em dia não. E4
básica é a prescrição de medicamentos previamente estabelecidos
em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela No fluxograma do Pré-Natal na Atenção Básica do Protocolo
instituição de saúde (BRASIL, 2013). de Saúde das Mulheres, do Ministério da Saúde de 2016 consta que
Dos 5 enfermeiros entrevistados, 4 relataram que prescrevem o enfermeiro deve prescrever suplementação de ferro e ácido fólico
artigos

artigos
medicamentos para as mulheres no pré-natal de baixo risco. A maioria (BRASIL, 2016).
dos medicamentos prescritos pelos enfermeiros foram o Ácido Fólico e Dos cinco entrevistados, apenas um não realiza prescrições.
o Sulfato Ferroso, sendo que todos citaram estar seguindo o protocolo Com isso, percebe-se que a prescrição de medicamentos é uma
do Grupo Hospitalar Conceição de Pré-Natal de Baixo Risco. Além atividade forte e presente nas consultas de pré-natal e de saúde da
disso, foi mencionada a prescrição no caso de vaginoses. mulher, que acaba sendo abordada no pré-natal também, como
no exemplo das vaginoses. Novamente o protocolo de pré-natal de
Sim, o ácido fólico, sulfato ferroso, se tiver alguma vaginose
aí a gente segue o protocolo de abordagem sindrômica no baixo risco do Grupo Hospitalar Conceição foi mencionado como
que se refere a gestante né. E1
o mais utilizado por ser um material da própria instituição em que os
O paracetamol foi citado apenas por um entrevistado, que diz
C3

profissionais atuam e, por isso, se sentem mais respaldados em suas


seguir o protocolo do município de Porto Alegre para tal: ações.
Algum outro medicamento? (entrevistador) Paracetamol,

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58 59
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Considerações finais enfermagem, e dá outras providências.


Com o presente estudo pode-se perceber que os enfermeiros BRASIL. Ministério da Saúde. Grupo Hospitalar Conceição/Gerência de
do Serviço de Saúde Comunitária do GHC valorizam os protocolos Ensino e Pesquisa. Diretrizes Clínicas/Protocolos Assistenciais. Manual
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assistenciais de pré-natal de baixo risco, principalmente o protocolo Operacional. Porto Alegre: 2008. 11 p.
da própria instituição, e o utilizam como instrumento que vai dar BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.
suporte técnico e científico para suas atividades. Além disso, veem os Departamento de Atenção Básica. Atenção ao pré-natal de baixo
risco. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção
protocolos como um respaldo e um amparo legal para as suas ações. Básica. – 1. ed. rev. – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2013. 318
A prática clínica do enfermeiro, como a consulta de p.: il.
enfermagem no pré-natal, é consolidada e fortalecida. O uso de BRASIL. Ministério da Saúde. Atuação do Enfermeiro na Atenção
protocolos de pré-natal é presente na prática clínica dos enfermeiros, Básica. Informe da Atenção Básica, 2002.
principalmente em casos de dúvidas. No entanto, é mencionada a BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica.
inexistência de um protocolo específico para a enfermagem e a falta Brasília: Ministério da Saúde, 2012. 110p
de especificidade na descrição das atividades relacionadas a cada BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução
categoria profissional no protocolo de pré-natal do GHC. Nº 466, de 12 de Dezembro de 2012. Brasília, 2012.
A necessidade de mais cursos de capacitação para o uso de BRASIL. Ministério da Saúde. Protocolos da Atenção Básica: Saúde
das Mulheres / Ministério da Saúde, Instituto Sírio-Libanês de Ensino e
protocolos também foi citada, bem como a importância da revisão
Pesquisa – Brasília: Ministério da Saúde, 2016. 230 p.
e atualização dos materiais. Quanto à prescrição de medicamentos
JACQUES, Édison Jacques; GONÇALO, Cláudio Reis. Gestão
pelos enfermeiros, essa prática é estabelecida pela maioria dos Estratégica do Conhecimento Baseado na Construção de Protocolos
entrevistados que se baseiam principalmente no protocolo de pré- Médico-Assistenciais: O Compartilhamento de Idéias entre Parcerias
natal do GHC, por se sentirem mais seguros e respaldados. Estratégicas como Vantagem Competitiva. RAI - Revista de
Administração e Inovação. São Paulo, v. 4, n. 1, p. 106-124, 2007.
Por essa pesquisa ter sido realizada com apenas cinco
enfermeiros do Serviço de Saúde Comunitária do GHC não se sabe MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa
se as opiniões apontadas seriam as mesmas em todo o serviço. Vale qualitativa em saúde. 12.ed. São Paulo: Hucitec, 2010. 407 p.
MINAS GERAIS. Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais.
ressaltar que são escassos os estudos nessa área e, por isso, houve Boletim Informativo. Minas Gerais, 2006.
dificuldades em encontrar estudos recentes para discutir os dados
MISHIMA, Silvana Martins, et al. A prática clínica do enfermeiro
desta pesquisa. Ademais, acredita-se que seja necessária a realização na atenção básica: um processo em construção. Revista Latino-
de mais pesquisas sobre a utilização de protocolos assistenciais de Americana de Enfermagem. Jan-fev 2011.
pré-natal e das demais áreas de atuação do enfermeiro, visto que é RODRIGUES, Edilene Matos; NASCIMENTO, Rafaella Gontijo do;
um instrumento de grande valia para qualificar o atendimento. ARAÚJO, Alisson. Protocolo na Assistência Pré-Natal: Ações, Facilidades
artigos

artigos
e Dificuldades dos Enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família. Rev
Acredita-se que esse estudo poderá auxiliar na reflexão sobre o
Esc Enferm USP, 2011.
uso de protocolos assistenciais pelos enfermeiros atuantes no Serviço
WERNECK, Marcos Azeredo Furkim. Protocolo de cuidados à saúde e
de Saúde Comunitária do GHC e do município de Porto Alegre, e que de organização do serviço / Marcos Azeredo Furkim Werneck, Horácio
o mesmo venha para ressaltar a importância desse instrumento para Pereira de Faria e Kátia Ferreira Costa Campos. Belo Horizonte: Nescon/
uma assistência integral e de qualidade. UFMG, Coopmed, 2009. 84p.

Referências bibliográficas
C3

BRASIL. DECRETO No 94.406, DE 8 DE JUNHO DE 1987. Regulamenta a


Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da

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artigos

artigos
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Artigo 3
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ALTERAÇÕES FUNCIONAIS APÓS TRATAMENTO CIRÚRGICO
PARA O CÂNCER DE MAMA

Bianca Vieira Fernandes, Porto Alegre/RS 1

RESUMO: Objetivo: identificar as alterações funcionais decorrentes

ALTERAÇÕES
do procedimento cirúrgico em mulheres com câncer de mama.
Método: Trata-se de um estudo descritivo, retrospectivo. Foram
consultados 111 prontuários eletrônicos e fichas de avaliação
Fisioterapêutica de mulheres submetidas à cirurgia por câncer de

FUNCIONAIS
mama no Hospital Nossa Senhora da Conceição, do Rio Grande do
Sul, que realizaram acompanhamento fisioterapêutico no ambulatório
de fisioterapia. Resultados: As complicações mais prevalentes
foram dor (69,3%), alteração de sensibilidade (68,5%) e restrição de

APÓS
ADM (59,4%). Conclusão: os tratamentos para o câncer de mama
foram responsáveis por uma alta prevalência de complicações em
membro superior homolateral à cirurgia. O ideal é que o programa de

TRATAMENO
reabilitação fisioterápica tenha início o mais precocemente possível,
visando prevenir o aparecimento de tais complicações.
Palavras-chave: Câncer de mama. Tratamento cirúrgico. Alterações
funcionais.

CIRÚRGICO FUNCTIONAL CHANGES AFTER SURGICAL TREATMENT FOR


BREAST CANCER

PARA CÂNCER ABSTRACT: Objective: to identify the functional changes resulting from
artigos

artigos
the surgical procedure in women with breast cancer. Method: This is a
descriptive, retrospective study. A total of 111 electronic records and

DE MAMA
physical therapy records of women submitted to breast cancer surgery
at the Hospital Nossa Senhora da Conceição in Rio Grande do Sul,
Brazil, were consulted in the physiotherapy outpatient clinic. Results: The
most prevalent complications were pain (69.3%), sensitivity alteration
(68.5%) and ADM restriction (59.4%). Conclusion: treatments for breast
cancer were responsible for a high prevalence of complications in the
C3

1 Possui graduação em Fisioterapia pelo Centro Universitário Metodista do IPA (2011).


Pós- graduada em Gerontologia pela Universidade Estácio de Sá (2014) e Onco/hematologia
pelo Grupo Hospitalar Nossa Senhora da Conceição. Atualmente é residente na ênfase –
Atenção Básica na Escola de Saúde pública. E-mail: . Turma de residência 2015.

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upper limb homolateral to the surgery. Ideally, the physiotherapeutic A fisioterapia desempenha um importante papel, na prevenção
rehabilitation program should begin as early as possible to prevent the e no tratamento de complicações após cirurgia por câncer de mama,
onset of such complications.
contribuindo para o retorno às atividades de vida diária e melhora
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Key words: Breast cancer. Surgical treatment. Functional changes.
da qualidade de vida. Sendo necessário um acompanhamento
em todas as fases do tratamento, identificando as necessidades do
Introdução
paciente, os sintomas e suas causas (SOUSA et al., 2013; BERGMANN
O câncer de mama vem se apresentando como uma doença
et al., 2006). Tendo em vista a importância do diagnóstico das
desafiadora, sendo o tipo de câncer que mais acomete as mulheres
alterações que o tratamento cirúrgico pode causar em pacientes que
em todo o mundo. No Brasil, foram estimados 57.960 casos novos de
possuem o diagnóstico de câncer de mama, o objetivo deste estudo
câncer de mama para o ano de 2016 e as taxas de mortalidade
foi identificar as alterações funcionais decorrentes do procedimento
continuam elevadas, em decorrência do diagnóstico e estadiamento
cirúrgico em mulheres com câncer de mama, para que assim possa
tardios. Existem diferenças nas taxas de incidência da doença entre as
ocorrer adequada recuperação funcional.
regiões do Brasil. A região sul é a primeira região com maior incidência
deste tipo de tumor, sendo estimados 74,30 casos para cada 100 mil
Metodologia
mulheres. Fatores como o perfil da população e hábitos nocivos são
as hipóteses para esta situação (BRASIL, 2016). Trata-se de um estudo descritivo, retrospectivo, onde foram
O tratamento é planejado de acordo com o estadiamento da consultados 145 prontuários eletrônicos e fichas de avaliação
doença e através das características individuais de cada paciente, fisioterapêutica de mulheres submetidas à cirurgia por câncer de
sendo o procedimento cirúrgico a conduta habitual, que pode ser mama no Hospital Nossa Senhora da Conceição, do Rio Grande do
conservadora (quadrantectomia), com retirada apenas do tumor Sul, que realizaram acompanhamento fisioterapêutico no ambulatório
ou a mastectomia com remoção completa da mama. Podem ser de fisioterapia no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2015.
empregadas, como terapias complementares neoadjuvantes ou Foram excluídos do estudo os prontuários com informações
adjuvantes, a quimioterapia (Qt), a radioterapia (rt) e a hormonioterapia incompletas, perda de seguimento e por encaminhamento ao
(ABREU et al., 2014). Quanto maior a extensão da cirurgia, bem como outro serviço de fisioterapia, restando 111 prontuários. Para coleta
a realização do esvaziamento axilar e o tratamento adjuvante, seja sistemática dos dados, foi elaborada uma planilha eletrônica (Excel)
ele quimioterápico, radioterápico ou hormonioterápico, maior a onde foram registradas as informações necessárias, tais como: idade
possibilidade de complicações físicas e funcionais que, de forma no momento do diagnóstico, tipo histológico do câncer de mama, tipo
geral, são incapacitantes e podem comprometer a recuperação, de cirurgia e tratamento realizado, momento do encaminhamento
acarretando em diminuição da qualidade de vida (QV) e riscos no ao acompanhamento fisioterápico, sendo considerado tratamento
artigos

artigos
desempenho das atividades de vida diária (AVDS) (BREGAGNOL, precoce até 30 dias e tardio após este período; e presença de
2010). complicações físicas funcionais avaliadas pelo fisioterapeuta e
As alterações mais comumente encontradas são infecção, relatada pela própria paciente.
necrose cutânea; seroma; parestesia; dor; diminuição de força Na análise estatística, as variáveis quantitativas foram
muscular e amplitude de movimento (ADM) do membro envolvido; descritas através de média e desvio padrão ou mediana e intervalo
síndrome da rede axilar e linfedema como complicação tardia interquartílico, enquanto que as variáveis categóricas foram expressas
(BREGAGNOL, 2010; NASCIMENTO et al., 2012; NASCIMENTO et al., em frequência e porcentual.
2010). Os dados foram analisados no programa SPSS (Statistical
C3

Package for the Social Sciences) versão 19.0. Este estudo foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Grupo Hospitalar Conceição,

C3
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conforme previsto na resolução 466/12 do Conselho Nacional de idade de 56,2 anos.


Saúde. A prevalência de carcinoma ductal invasivo foi de 85,6% dos
casos, apresentando comportamento similar no estudo de Medeiros
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Resultados et al., 2016, que avaliou o perfil epidemiológico e estudo de sobrevida
Foram analisados 111 prontuários, sendo observada uma média dos pacientes com câncer de mama atendidos em Curitiba/PR, com
de idade de 54,4 anos, (±11,2 anos). Com tipo histológico predominante 5.158 pacientes, o carcinoma ductal infiltrante apareceu em (81,7%)
ductal invasivo (85,6%), seguido de lobular invasivo (10,8%) e ductal das pacientes.
in situ (3,6%). A cirurgia mais frequente foi à mastectomia com A abordagem terapêutica do câncer de mama envolve a
esvaziamento axilar (33,3%), seguida por quadrantectomia com cirurgia, quimioterapia, radioterapia e hormonioterapia. Geralmente,
esvaziamento axilar (28,8%). Das 111 pacientes, 57,6% realizaram os tratamentos propostos associam duas ou mais abordagens. Nesta
quimioterapia e radioterapia adjuvantes e hormonioterapia (tabela pesquisa, 57,6% da mulheres com câncer de mama realizaram
1). quimioterapia adjuvante, radioterapia e hormonioterapia. Para
As complicações mais prevalentes foram dor (69,3%), alteração Bergmann et al., 2006, o tratamento adjuvante se sobrepõe às sequelas
de sensibilidade (68,5%), restrição de ADM (59,4%), síndrome da rede cirúrgicas, aumentando os riscos de complicações.
axilar (18%), escapula alada (18%), FM diminuída em membro superior A mastectomia com linfadenectomia axilar foi o procedimento
acometido (15,3%) e linfedema (12,6%). Sendo 57,7% das pacientes cirúrgico mais realizado na população deste estudo, para Bergmann
encaminhadas ao atendimento de fisioterapia tardiamente, quando et al., 2000, pode ser explicado pelo provável estadiamento avançado
já apresentavam complicações instaladas. em que se encontram as mulheres no diagnóstico, o que não pode ser
avaliado no presente estudo por dados indisponíveis no momento da
Tabela 1 – Principais características clínicas das mulheres submetidas a tratamento
coleta.
para câncer de mama.
Variáveis n=111 Quanto às alterações encontradas nas mulheres após tratamento
n (%)
Tipo histológico cirúrgico para o câncer de mama, observou-se que a maioria das
Ductal invasivo 95 (85,6)
Lobular invasivo 12 (10,8) participantes apresentava dor. Sousa et al., 2013, relataram presença
Ductal in situ 4 (3,6)
Tipo de cirurgia de dor em 51,6% das mulheres estudas, o que também é encontrado
Mastectomia com LA 37 (33,3)
Quadrantectomia com LA 32 (28,8) no estudo de Lamino et al., 2011, em que 47,2% da população da
Quadrantectomia com biopsia LS 25 (22,5)
pesquisa apresentaram dor, sendo classificada como moderada e
Mastectomia com biopsia LS 17 (15,3)
Tratamento oncológico intensa.
Qt, rdt adjuvantes e hormonioterapia 64 (57,6)
Qt neo, rdt adj e hormonioterapia 35 (31,5) Para Ferreira et al., 2014, é uma complicação comum e que
Rrt e hormonioterapia 12 (10,8)
Fonte: Elaborado pela autora, 2015.
pode ter várias causas. A dor ocorre, frequentemente, nas regiões que
artigos

artigos
foram lesionadas (axila, região medial do braço e/ou parede anterior
Discussão
do tórax do lado afetado) pelos tratamentos do câncer de mama.
Os resultados obtidos no presente estudo demonstraram uma
Os sintomas incluem sensações de choque, queimação, agulhada
média de idade de 54,4 anos, variando entre 33 a 83 anos. A literatura
dolorosa e aperto nas regiões axilar, medial ou superior do braço
aponta a idade como sendo o principal fator de risco para o câncer
e/ou no tórax. A dor é descrita também como súbita e intensa e, e
de mama. As taxas de incidência aumentam rapidamente até os 50
pode iniciar imediatamente após a cirurgia, seis meses ou até um ano
anos. Após essa idade, o aumento ocorre de forma mais lenta (BRASIL,
após o tratamento, persistindo com o repouso e aumentando durante
2016). Dados similares a estes foram observados, nos estudos de Anjos,
as atividades diárias, respondendo muito pouco aos fármacos.
C3

2012, que avaliando os fatores associados ao câncer de mama, com


Geralmente, as mulheres que desenvolvem este sintoma apresentam
170 mulheres de uma cidade do sul do Brasil, observou média de
uma redução funcional e uma alteração emocional importante.

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Outra complicação frequente observada, foi as alterações manipulação da axila, como parte do tratamento do câncer de
de sensibilidade ocorridas em 68,4% dos casos. Sendo geralmente mama decorrente de lesão parcial ou total do nervo torácico
associadas à lesão do nervo intercostobraquial, que inerva a face longo ou nervo de Bell, foi encontrada em 18% das participantes.
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medial superior do braço e face lateral do tórax, que pode ocorrer Pouco descrita na literatura, há uma variação da incidência de
durante o procedimento de linfonodectomia axilar e/ou ser resultado escápula alada de 1,5% a 12,6%. Danos nesse nervo resultam numa
do uso de terapêuticas complementares como a quimioterapia e desestabilização de toda estrutura escapuloumeral, podendo trazer
radioterapia e se manifestam como anestesia, hipoestesia e, em como consequências: alterações posturais, diminuição da amplitude
menor grau, hiperestesia (VIEIRA et al., 2016). Confirmando estes de movimento no braço operado e quadros álgicos na articulação
achados, Guedes et al., 2013, em estudo restrospectivo e documental, do ombro como na região periescapular.
identificaram a ocorrência de alterações de sensibilidade superficial A lesão no nervo torácico longo pode levar a uma fraqueza
e profunda em mais de 60% das mulheres com neoplasia mamária ou à paralisia do músculo serrátil anterior. Essa disfunção acarreta
submetidas a intervenção cirúrgica. na desestabilização da cintura escapular, uma vez que o serrátil
A diminuição da amplitude de movimento (ADM) e força é considerado como um dos principais músculos de fixação da
do membro superior homolateral à cirurgia é encontrada em, escápula na caixa torácica durante a elevação. O quadro clínico
aproximadamente, 59,4% e 15,3% das mulheres. Essa complicação se dá pela limitação do ombro na elevação do braço entre 80º e
tem sido descrita como a mais relatada entre as pacientes, sendo 120º, principalmente na flexão, já que, quando o enfoque ocorre
influenciada por extensão da abordagem cirúrgica, linfonodectomia na abdução, a lesão é do nervo espinhal, mais conhecido como
axilar e a realização de radioterapia. nervo acessório (inervação do músculo do trapézio). O paciente
A limitação da ADM e a diminução da força muscular provoca pode se queixar também de fraqueza no movimento (elevação a
impacto negativo na funcionalidade, pois gera dificuldade em 90º) e presença ou não de dor, porém a característica principal é a
alcançar objetos acima da altura do ombro, em realizar o movimento proeminência da borda medial da escápula e a rotação do ângulo
de abotoar o sutiã, como também pentear ou secar os cabelo inferior na linha média (CERQUEIRA et al., 2009).
(RETT et al., 2013). Jeronimo et al., 2013, em seu estudo, mostrou que O linfedema foi observado em 12,6% das pacientes deste
a cinesioterapia é eficaz na recuperação funcional da articulação estudo. Não há consenso na literatura quanto à incidência dessa
glenoumeral de mulheres mastectomizadas. Os dados apontaram, condição (BASTION et al., 2005). É importante ressaltar que o linfedema
melhora significativa em todos os grupos musculares ao longo de 10 do membro superior constitui uma sequela crônica e incapacitante,
e 20 sessões. Para a amplitude de movimento foi observado ganho causada por obstrução linfática, que se manifesta pelo aumento do
significativo para a flexão e adução do ombro. volume do membro causado por acúmulo de líquido intersticial de
Em relação a síndrome da rede axilar 18% das mulheres alta concentração protéica MARCHON et al., 2016). Os principais
artigos

artigos
apresentaram esta complicação. A principal hipótese que explicaria fatores associados ao seu aparecimento constituem a própria
o surgimento destes cordões fibrosos seria a interrupção do fluxo linfadenectomia axilar, a radioterapia na cadeia de drenagem, o
linfático na axila, seja por trombose dos vasos linfáticos ou resultantes índice de massa corpórea, o trauma e a infecção no braço (BASTION
de alterações cicatriciais (FUKUSHIMA et al., 2011). Menezes et al., et al., 2005) Sampaio et al., 2013, observou-se uma ocorrência de
2008, avaliaram o perfil das pacientes pós-cirurgia de câncer de linfedema em 16,9% das pacientes, e dentre as variáveis clínicas
mama com síndrome do cordão axilar. Das 112 pacientes avaliadas, associadas, apenas a mastectomia radical com a retirada de
7,1% apresentaram cordão linfático, acarrentando na restrição de linfonodos, mostrou-se um fator de risco para o desenvolvimento de
amplitude de movimento do ombro e consequente na qualidade linfedema em mulheres com câncer de mama.
C3

de vida. A escápula alada, uma alteração cirúrgica, durante a O momento do encaminhamento destas pacientes à
reabilitação fisioterapêutica foi em sua maioria tardia. O ideal é

C3
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que o programa de reabilitação fisioterápica tenha início o mais Cancerologia. Vol. 55, n. 2, p. 115-120. 2009.
precocemente possível, visando prevenir o aparecimento de tais
FERREIRA V.T., et al. Caracterização da dor em mulheres após
complicações (NASCIMENTO et al., 2012). No entanto, esta pesquisa
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tratamento do câncer de mama. Rev. De Enfermagem. Vol. 18, n.
evidenciou que, no serviço estudado, a maior parte das pacientes 1, 2014.
é encaminhada para o tratamento com complicações já instaladas. FUKUSHIMA K.F.P, SILVA H.J, FERREIRA C.W.S. Alterações vasculares
resultantes da abordagem cirúrgica da axila: uma revisão da literatura.
Conclusão Rev. Brasileira de Mastologia. Vol. 21, n. 2, p. 91-98, 2011.
Neste estudo os tratamentos para o câncer de mama foram JERONIMO A.F.A et al. Efeitos da cinesioterapia na força muscular e
amplitude de movimento em pacientes mastectomizadas. Fisioterapia
responsáveis por uma alta prevalência de complicações em membro
Brasil. Vol. 14, n. 4, 2013.
superior homolateral à cirurgia. A dor foi a alteração mais prevalente
GUEDES M.I.S et al. Ocorrência de alterações de sensibilidade em
na amostra estudada, seguida de diminuição da sensibilidade e mulheres comneoplasia mamária submetidas à intervenção cirúrgica.
ADM. Assim, podemos concluir que o ideal é que o programa de Fisioterapia Brasil. Vol. 14, n. 4, 2013.
reabilitação fisioterápica tenha início o mais precocemente possível, LAMINO D.A, MOTA D.D.C.F, PIMENTA C.A.M. Prevalência e
visando prevenir o aparecimento de tais complicações. comorbidade de dor e fadiga em mulheres com câncer de mama.
Rev Esc Enf USP. Vol. 45, n. 2, p. 508–14, 2011.
MARCHON R.M, et al. Influência do apoio social na resposta terapêutica
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Submetidas ao Tratamento do Câncer de Mama. Revista Brasileira de
escápula alada após linfadectomia axilar. Revista Brasileira de

C3
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artigos

artigos
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Artigo 4
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BUSCA POR BUSCA POR ASSISTÊNCIA ODONTOLÓGICA EM UNIDADE DE
PRONTO ATENDIMENTO: AS PERSPECTIVAS DO USUÁRIO EM
UMA CAPITAL BRASILEIRA

ASSISTÊNCIA Bruna Lucian Petry, Porto Alegre/RS 1

ODONTOLÓGICA
Circe Jandrey, SSC/GHC, Porto Alegre/RS 2
Egídio Demarco, SSC/GHC, Porto Alegre/RS 3

EM UNIDADE
RESUMO

Os serviços de urgência, incluindo a assistência pré-hospitalar


das Unidade de Pronto Atendimentos (UPA), por funcionarem

DE PRONTO ininterruptamente, podem atrair os usuários que não se vincularam


à Atenção Básica (CACCIA-BAVA et al., 2011). Apesar de parecer
mais resolutivo para os usuários, esse fato pode desencadear uma

ATENDIMENTO: AS
série de prejuízos para o sistema como filas, lentidão no atendimento,
insatisfação, estresse na equipe e pacientes, diminuição na qualidade
do atendimento e, ainda, aumento nos gastos públicos com saúde.

PERSPECTIVAS DO
Este estudo teve por objetivo identificar motivos que levaram usuários
vinculados ao Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar
Conceição (SSC/GHC) a buscarem assistência odontológica de

USUÁRIO EM UMA
urgência na UPA Moacyr Scliar/Porto Alegre-RS em horários de
atendimentos regular das Unidades de Saúde (US) durante o período
de abril a julho no ano de 2017. A investigação foi realizada por

CAPITAL BRASILEIRA
meio de análise do sistema de informações e entrevista telefônica
através de um questionário estruturado composto por 5 questões. Os
resultados apontaram que, para essas condições, houve – em média
– atendimento de 20 usuários/mês no período acompanhado, com
artigos

maior procura às segundas-feiras (30%) e no turno da tarde (58,8%).

artigos
O questionário foi aplicado a 50 usuários dentre aqueles atendidos
no período; entre os entrevistados, a dor de dente foi o motivo mais
frequente da procura (62%); 80% procuraram a urgência odontológica
da UPA pela primeira vez, sendo que 98% tinham conhecimento por
sua US de referência. O estudo indica que 26,7% dos usuários buscam

1 Programa de Residência Integrada em Saúde, Saúde da Família e


Comunidade, Grupo Hospitalar Conceição, Porto Alegre, RS, Brasil.

2 Serviço de Saúde Comunitária, Grupo Hospitalar Conceição, Porto Alegre,


RS, Brasil.
C3

3 Serviço de Saúde Comunitária, Grupo Hospitalar Conceição, Porto Alegre,


RS, Brasil.

C3
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a UPA por não conseguirem atendimento na sua US, enquanto 17,8% Ambulatory Health Care.
dos respondentes desconhecem a existência de dentista na sua US
ou de atendimento a urgências; 15,6% dos participantes acreditam
que a UPA é mais rápida ou mais perto de onde estavam e 11,1% Introdução
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relatam atendimento na US sem resolutividade. Para o período em
questão, torna-se possível inferir que as US integrantes do SSC/GHC Na última década, o Ministério da Saúde tem se dedicado a
acolhem grande parte da demanda aguda/consulta dia dos seus
usuários, devido a esta procura corresponder a 0,08% do contingente organizar a atenção às urgências do sistema de saúde do país. Em
populacional coberto por esse serviço (90.000 habitantes). Esse estudo 2003, foi configurada a Política Nacional de Atenção às Urgências
apresenta limitações pela dependência do contato telefônico com
os usuários, havendo uma perda significativa da amostra, porém (PNAU) baseada nos serviços municipais, regionais e estaduais. Essa
apresenta informações relevantes como base para estudos futuros política deu especial atenção à assistência pré-hospitalar e também
com amostra maior. enfatizou a compreensão de que a atenção às urgências não está
Palavras-chave: Sistema Único de Saúde. Odontologia. Atenção
Primária à saúde. Atenção Ambulatorial à Saúde. restrita ao hospital (BRASIL, 2003). Para isso, retomou a ideia, já proposta
anteriormente, de constituição de redes locorregionais de atenção
às urgências com um componente pré-hospitalar fixo, integrado
SEARCH FOR DENTAL ASSISTANCE IN EMERGENCY CARE tanto pela Atenção Primária à Saúde (APS) como por Unidades de
SERVICES: THE USER’S PERSPECTIVES Pronto-Atendimento não-hospitalares (UPAs), as quais constituiriam
retaguarda para a primeira (BRASIL, 2002).
ABSTRACT
O cuidado em saúde no SUS foi ordenado em níveis de atenção:
Emergency services - including prehospital care such as the Emergency
Care Unit (ECU) - operate uninterruptedly, and this condition can attract primária, secundária e terciária, visando melhor programação e
users who are not linked to Primary Care Health (PHC) services (CACCIA- planejamento das ações e serviços do sistema de saúde (GOMILDE
BAVA et al, 2011). Despite going to ECU seems to be more resolvable
for users, this fact can cause losses to the system such as queues, et al., 2012). Assim, a atenção primária é constituída pelas Unidades
slowness in care, discontent, team and patient stress, decrease in the Básicas de Saúde (UBS) e Equipes de Atenção Básica, enquanto o nível
service quality, and increase in health public spending. This study aims
at identifying reasons for why users - linked to the Community Health intermediário de atenção compõe-se pelo Serviço de Atendimento
Service of Conceição Hospital Group (SSC/GHC) - seek emergency Móvel às Urgências (SAMU), pelos Centros de Especialidades e pelas
dental care at the ECU Moacyr Scliar/Porto Alegre-RS in regular Health
Units (HU) service hours during April to July in 2017. Secondary data UPAs. O atendimento em nível secundário e terciário é realizado nos
of the information system and telephone interview - with a 5 question hospitais; desse modo, os problemas mais frequentes passam a ser
structured instrument - were used. Under these conditions and period
of time, results showed there was an average of 20 users/month, acolhidos nas UBS, fazendo com que os ambulatórios de especialidades
higher demand on Mondays (30%) and during afternoon hours (58.8%). e hospitais realizem seus papéis com efetividade e utilização mais
The questionnaire was applied to 50 users; toothache was the most
frequent cause of demand (62%); 80% sought the dental urgency of racional dos recursos existentes (BRASIL, 2009).
the ECU for the first time, and 98% were aware of their reference HU.
artigos

artigos
Results also indicate that 26.7% of users seek ECU because they can As UBS têm como principal orientação ser a porta de entrada
not get care in their HU, while 17.8% of respondents are unaware of preferencial ao sistema de saúde. Sua função é integrar as ações
the presence of a dentist in their HU or emergency care; 15.6% of the
participants believe that the ECU is faster or closer to where they were programáticas e de demanda espontânea; articular ações de
and 11.1% report previous assistance in the HU without resolution. For promoção à saúde, prevenção de agravos, vigilância à saúde,
the period in question, it is possible to infer that SSC/GHC Health Units
receive a large amount of their users’ acute demand/consultation day tratamento e reabilitação, trabalho em equipe; criam-se relações de
since this demand corresponds to 0.08% of the population covered vínculo e responsabilização entre as equipes e a população adstrita,
by this service (90,000 inhabitants). This study presents limitations due
to the dependence of telephone contact with users, where there is a garantindo a continuidade das ações de saúde e a longitudinalidade
significant sample loss, but presents relevant information as a basis for do cuidado, e também estimulam a participação popular e o controle
future studies with larger samples.
C3

social (BRASIL, 2009).


Key-words: Unified Health System, Dentistry. Primary Health Care.

C3
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As UPAs, normalmente, dão respostas rápidas às necessidades à criação do Programa de Residência Médica em Medicina
dos usuários, principalmente nas queixas agudas e graves, promovendo Comunitária, em 1980, possibilitando, posteriormente, em 1982, a
cuidados paliativos e acesso a diferentes tecnologias (no serviço ou criação da primeira unidade do SSC, com o objetivo de aperfeiçoar
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em pactuação com outros). Porém, as UPAs situam-se aquém do seu a formação profissional nessa especialidade médica e prestar
perfil de urgência e emergência ao realizar atendimento a usuários cuidados à população circunvizinha ao Hospital Nossa Senhora da
com patologias que necessitam de tratamento continuado, e não Conceição (HNSC). As demais unidades foram sendo organizadas
de serviços de pronto atendimento (MARQUES, LIMA, 2007). Por outro por mobilização e reinvindicação direta das comunidades (GRUPO
lado, os serviços de urgência, incluindo a assistência pré-hospitalar HOSPITALAR CONCEIÇÃO, 2007). Nesse sentido, esta investigação
das UPAs, por funcionarem ininterruptamente, atraem os usuários que se justifica pela importância de compreender razões pelas quais os
não se vincularam à Atenção Básica (CACCIA-BAVA et al., 2011). usuários escolheram a UPA para o atendimento odontológico de
urgência em horário regular de funcionamento das UBS; e teve como
Os usuários que representam a demanda espontânea são
objetivos identificar motivos que levaram usuários vinculados ao SSC/
atraídos, entre outros aspectos, pela atenção imediata, medicalização
GHC a essa procura e quantificar a assistência prestada pela UPA
e realização de exames mais sofisticados do que aqueles disponíveis
Moacyr Scliar a essa parcela de usuários durante o período de quatro
na atenção primária (CARRET, FASSA, KAWACHI, 2007). Apesar
meses.
disso parecer mais resolutivo para o usuário, essa condição pode
desencadear uma série de prejuízos para o sistema como filas, lentidão Metotologia
no atendimento - inclusive de casos graves -, insatisfação e estresse O presente estudo apresenta caráter exploratório, em perspectiva
na equipe e pacientes, diminuição na qualidade do atendimento e, descritivo-retrospectiva e com abordagem quantitativa. O projeto foi
ainda, aumento nos gastos públicos com saúde (COELHO, et al., 2010). submetido à Plataforma Brasil, sob número CAAE 62286716.3.0000.5530,
e aprovado após da análise do Comitê de Ética em Pesquisa do GHC,
Cabe mencionar que o atendimento às urgências odontológicas
sendo mantida confidencialidade quanto à identificação dos sujeitos
na atenção básica está amparado pela Política Nacional de Saúde
investigados. As entrevistas foram realizadas por telefone, utilizando-se
Bucal, que prevê o acolhimento dos usuários em situação de urgência
um roteiro estruturado composto por 5 questões; foram entrevistados os
odontológica, sendo a maioria casos de infecções agudas de origem
usuários da área de abrangência da SSC/GHC atendidos na urgência
endodôntica ou periodontal (BRASIL, 2012).
odontológica da UPA Moacyr Scliar nos meses de abril a julho de 2017
A UPA Moacyr Scliar - vinculada ao Grupo Hospitalar Conceição em horários regulares de funcionamento das UBS.
(GHC) -, localizada na Zona Norte de Porto Alegre/RS, dispõe de
A realização das entrevistas teve início após a primeira semana
nove consultórios, 22 leitos de observação e atende durante 24 horas
artigos

artigos
de abril de 2017, tomando por referência uma lista de usuários da área
nas áreas clínica, cirúrgica, odontológica e pediátrica. Conta com
de abrangência da SSC/GHC, os quais haviam sido atendidos no setor
uma equipe de 197 profissionais do GHC, de caráter multiprofissional
de odontologia da UPA Moacir Scliar na semana do referido mês.
composta por médicos, odontólogos, enfermeiros, técnicos em
Desta lista foram excluídos atendimentos realizados em dias não úteis,
radiologia, assistentes sociais, serviço de nutrição, farmacêuticos,
além daqueles ocorridos em horários de fechamento das US. Além da
técnicos de enfermagem, auxiliares administrativos e segurança. No
utilização de data e o horário, foi coletado o número de registro do
ano de 2015, atendeu mais de 110 mil pacientes.
usuário no Sistema de Informação do GHC, para posterior acesso a
O Serviço de Saúde Comunitária (SSC) do GHC é constituído seu contato telefônico.
por uma rede de doze unidades de Atenção Primária à Saúde (APS),
C3

Na semana seguinte ao atendimento, o contato telefônico foi


localizadas na Zona Norte de Porto Alegre. Sua origem remonta
efetuado convidando o usuário a participar do estudo. Primeiramente,

C3
82 83
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foi explicado o motivo da ligação e posteriormente, houve a leitura referenciado pela equipe do Consultório na Rua4. O usuário não foi
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A partir do incluído entre os entrevistados pela dificuldade no contato telefônico
consentimento do usuário, a entrevista foi efetuada. Todo o material e fragilidade de vínculo com a US.
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da pesquisa, bem como a gravação do consentimento, deve
A distribuição de atendimentos segundo o dia da semana
permanecer armazenado por 5 anos.
encontra-se na Tabela 1, na qual é possível observar maior procura por
Os dados coletados foram tabulados, digitados e processados assistência às segundas-feiras (30% dos usuários). Essa predominância
com planilhas eletrônicas elaboradas em Excel®. A apresentação pela segunda-feira é vista também por outros autores (OLIVEIRA et
dos resultados foi realizada utilizando-se uma análise descritiva, com al., 2011; JACOBS, MATOS, 2005; FONSECA et al., 2014), e pode estar
frequências absolutas e relativas através do programa SPSS. relacionada à facilidade de acesso ao sistema, disponibilidade de
profissionais sem marcação prévia para atendimento imediato e ao
Resultados e Discussões acúmulo de “urgências” não resolvidas no final de semana (JACOBS,
Relativamente a problemas dentários, nos quatro meses de MATOS, 2005).
produção dos dados desse estudo, a UPA Moacyr Scliar recebeu
Tabela 1. Distribuição do grupo pesquisada que procurou atendimento na UPA
um total de 3.481 pessoas, sendo 2.321 residentes no município de Moacyr Scliar de abril a julho/2017 segundo o dia da semana. Porto Alegre. 2017.
Porto Alegre. Deste contingente, 214 são moradores da área de
Dia da Semana Freqüência Total (%)
abrangência do SSC/GHC, o que equivale a 9,22% dos atendimentos. Segunda-feira 24 30,0
Terça-feira 14 17,5
Importa destacar, também, que este dado não está restrito apenas Quarta-feira 17 21,3
Quinta-feira 14 17,5
Sexta-feira 11 13,8
aos dias de semana e horários definidos pelo recorte proposto pela Total 80 100
investigação. Fonte: Sistema de informações da UPA Moacyr Scliar.

Considerando o conjunto de atendimentos odontológicos de Na distribuição da procura/busca por atendimento segundo o


urgência realizados em dias úteis e horário regular de funcionamento turno, 33 usuários (41,3%) procuraram o serviço pela manhã, enquanto
das US durante os quatro meses pesquisados, chegou-se a um total de os outros 47 (58,8%) o procuraram durante a tarde, sendo considerado
80 usuários do SSC/GHC que buscaram o serviço com essa finalidade. turnos da manhã entre 8h às 12h e tarde das 12h01 às 18h. Observou-se
Este número equivale a uma média de 20 moradores/mês procurando uma maior procura de atendimento no turno da tarde, dado também
o serviço, frente às 90 mil pessoas abrangidas pelas 12 US do SSC/ apontado em outros estudos (FONSECA et al., 2014; SIMONS, 2008),
GHC do município de Porto Alegre (GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO, divergindo, no entanto, de alguns autores que encontraram o período
2016). da manhã com maior procura e volume de atendimentos (OLIVEIRA
et al., 2011; GARCIA, REIS, 2014). Esse dado pode estar relacionado
artigos

artigos
No período selecionado para realização de entrevistas, a UPA ao maior número de horas à tarde se comparado à manhã; ou ainda
sofreu uma reforma estrutural com duração aproximada de 1 mês, pode ser atribuído à cultura organizacional de cada comunidade
deslocando, assim, o atendimento odontológico para outro espaço ou região que apresenta o hábito de buscar, frequentemente, o
físico. Este fato, no entanto, não parece ter afetado a procura pelo atendimento à tarde.
serviço nesse período, permanecendo a média de atendimentos
de 20 usuários cadastrados no SSC/mês. Registra-se, também, que, Dos 80 integrantes do grupo atendido no período em estudo,
durante a terceira semana do mês de maio, não houve procura foi obtido contato telefônico, para aplicação do questionário, com
por atendimento nos horários estudados, apenas um usuário foi
4 Este constitui-se em uma modalidade de atendimento extramuros dirigida aos usuários
C3

de substâncias psicoativas, que vivem em situação de maior vulnerabilidade social, e ofertam


cuidados em saúde em seus próprios contextos de vida, adaptados para as especificidades
de uma população complexa (BRASIL, 2010)

C3
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54 usuários (67,5%). Para cada integrante foram efetivadas até 3 odontológica em 87,7% dos usuários pesquisados.
tentativas de ligação em turnos diferentes. A impossibilidade do
No campo da odontologia, tem sido apontada a necessidade
contato pode ter ocorrido por diversos fatores, como cadastros
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premente de maior atenção para esse aspecto. Segundo Ekanayake
desatualizados, números de telefones inexistentes ou usuários que não
e Mendis (2002), a dor de origem dental é um significativo preditor
possuem aparelho telefônico; além disso, a impossibilidade de contato
de utilização dos serviços. Estudo sobre saúde bucal de adultos
também pode ser decorrente do horário em que foram efetuadas as
dentados no Reino Unido indicou que a dor dentária é a condição
ligações – entre 8h e 17h – período em que muitos trabalhadores não
para maior frequência de utilização dos serviços nos últimos 12
podem atender ligações em seu telefone particular. Essa dificuldade
meses (40%), interferindo diretamente sobre as atividades cotidianas
é encontrada em diversos estudos, como Martins, Nolasco e Severino
(NUTTALL, 1998).
(2012), que não tiveram sucesso no contato telefônico com uma
parte considerável da sua amostra, tendo optado por utilizar outros Outros motivos de procura pela UPA foram: edema facial
meios de comunicação como e-mail, sites de busca e telefones de identificado pelo usuário (16%), lesão em tecido mole (10%), fratura de
vizinhos, algo não realizado neste estudo. Mesmo com a evolução dos restauração (2%) e situações como dentes com extração indicada e
sistemas eletrônicos de informações, ainda há grandes fragilidades no doença periodontal (10%).
contexto da captação e sistematização das mesmas. Tabela 2. Distribuição dos entrevistados segundo a busca por atendimento na UPA.
Porto Alegre. 2017.
Dentre os usuários com êxito no contato telefônico, 3 (5,6%) deles
não aceitaram ouvir a leitura do TCLE até o final e, consequentemente, Motivo da procura Freqüência Total (%)
Dor de dente 31 62
não responderam à entrevista; 1 pessoa (1,9%) afirmou não ter estado Edema facial 8 16
Fratura/Falha de
1 2
neste serviço na data registrada pelo Sistema de Informações, restauração
Lesão em tecido mole 5 10
resultando, assim, num total de 50 entrevistados. Um fator que pode Outros 5 10
Total 50 100
ter contribuído para a negativa ao convite é a necessidade de leitura Fonte: Elaborado pela Autora

do TCLE por telefone antes da aplicação do questionário. Trata-se de


Referente à segunda pergunta, 40 usuários (80%) relataram
um documento extenso com muitas informações, diferente de uma
ter procurado a UPA para atendimento odontológico pela primeira
pesquisa feita presencialmente, onde o pesquisador pode entregar
vez nessa ocasião, sugerindo não ser este um hábito recorrente.
cópia do documento e sua leitura em voz alta não se faz obrigatória.
Frequentemente, o primeiro contato com os serviços de saúde é
Relativamente ao usuário que afirmou não ter estado na UPA - nem na
fruto de uma escolha feita pelos usuários, enquanto as escolhas
cidade de Porto Alegre no dia em questão -, o mesmo pode ter sido
subsequentes são influenciadas decisivamente pela atuação
confundido com um homônimo.
profissional. Logo, quando o usuário é acolhido em um serviço de
artigos

artigos
A primeira pergunta da entrevista versou sobre o motivo da saúde e cria vínculo com os profissionais a partir desse contato inicial,
procura pela UPA, conforme a Tabela 2, e a dor de dente foi a causa mais é favorecido seu envolvimento com a instituição (GOMIDE, PINTO,
frequente de busca para 31 pessoas (62%) na urgência odontológica. FIGUEIREDO, 2012).
De certo modo, esse era um achado esperado, uma vez que vários
Indagados sobre suas US de referência, 49 usuários (98%) tinham
problemas na cavidade bucal culminam, comumente, no desfecho
conhecimento de qual seria a sua, o que sugere que os usuários ou
dor dentária (PINTO et al., 2012). O mesmo estudo relata tal condição
alguém de seu entorno acessam ou já acessaram serviços da US.
como queixa predominante em 78% da população estudada em uma
Esse resultado é importante porque possibilita inferir, para o grupo
Estratégia de Saúde da Família; de modo semelhante, Lacerda et al
C3

estudado, que a procura pela UPA estaria relacionada a fatores


(2004) já haviam referido a dor dental como motivo da última consulta
distintos do conhecimento sobre sua US de referência. Igualmente,

C3
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cabe observar que 28 entrevistados (62,2%) já utilizaram os serviços US Sesc 2 2,5 5.333
US Barão de Bagé 4 5 3.973
odontológicos de sua US, sem que, contudo, estejam disponíveis US Parque dos Maias 5 6,3 8.991
US Leopoldina 11 13,8 12.614
US Jardim Itu 5 6,3 8.381
informações sobre as formas de acesso empregadas.
CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA - SAÚDE

CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


US Santíssima Trindade 6 7,5 4.290
US Nossa Senhora Aparecida 3 3,8 5.227
US Coinma 5 6,3 5.187
US Costa e Silva 14 17,5 4.810
Os 80 usuários foram distribuídos em suas US de referência de Cadastro desatualizado: não -
acordo com os cadastros do Sistema de Informações (Tabela 3). está mais no território do SSC/ 5 6,3
GHC
Há fatores que podem estar relacionados as variações observadas Total 80 100 90.188
Fontes: Sistema de Informação da UPA Moacyr Scliar, Ministério da Saúde (2016) e
em cada US, como a população adscrita, como é o caso da US da Autora.
Conceição (16,3%) e Jardim Leopoldina (13,8%) que apresentam uma
população consideravelmente maior se comparada às demais. Dentre os 45 entrevistados residentes em territórios integrantes
do SSC/GHC, o último questionamento buscou identificar o motivo
A US Conceição apresenta 19.290 e a US Leopoldina 12.614 que os levou a procurarem atendimento odontológico de urgência
usuários cadastrados (BRASIL, 2016). Outro fator que também deve na UPA (Tabela 4). Como resultado, temos que mais de um quarto
ser considerado é a distância da US à UPA, o número de cirurgiões- dos usuários (26,7%) recorreram à sua US antes de procurarem a UPA,
dentistas vinculados a cada US, a carga horária contratada, porém não obtiveram atendimento para a sua necessidade. Alguns
a vulnerabilidade da população em questão e o modelo de respondentes (17,8%) relataram desconhecer a existência de dentista
atendimento que cada US propõem. Sabe-se que cada US do GHC na sua US ou afirmaram, conforme suas experiências anteriores, que
tem autonomia na decisão da organização dos fluxos e demandas não há atendimento para urgências, apenas com hora marcada.
conforme seu território adscrito, com a utilização limitada de fichas Outros 15,6% informaram ter procurado a UPA por ser mais perto de
ou um acolhimento aberto, por exemplo. Quatorze usuários (17,5%) onde estavam no momento, ou por considerarem este atendimento
do estudo são vinculados à US Costa e Silva que apresenta uma mais rápido do que o da US. Cinco usuários (11,1%) responderam ter
população adscrita comparativamente menor - 4.810 usuários – e sido inicialmente atendidos na urgência odontológica da sua US de
não se localiza próximo à UPA. Esse resultado pode estar relacionado referência, sem que o atendimento houvesse sido resolutivo. Dois
à infraestrutura odontológica da US em questão (que só possui uma entrevistados (4,4%) receberam a indicação de procurar a UPA pela
cadeira odontológica), ao modelo de atendimento utilizado, à cultura própria US, enquanto outros dois (4,4%) foram diretamente à UPA ao
organizacional da população ou a outros fatores não identificados. supor que não conseguiriam ser atendidos devido ao horário da sua
Os dados obtidos até o momento não possibilitam caracterizar cada procura. Houve ainda dois relatos (4,4%) sobre férias dos profissionais
US e suas respectivas populações, mas apontar dados que subsidiem ou fechamento da US por questões administrativas ou greve. Apenas
estudos futuros. um dos atendimentos (2,2%) foi retorno de um atendimento prévio do
artigos

artigos
Alguns usuários (6,3%) atendidos na UPA não estavam com seus final de semana.
endereços residenciais atualizados, aparecendo como vinculados ao Tabela 4. Distribuição do grupo estudado quanto a busca de atendimento na UPA.
Porto Alegre. 2017.
SSC/GHC no Sistema de Informação, mesmo sem mais residir nesta
área, conforme informação após contato telefônico. Motivo da busca pela UPA Frequência Total
Indicado pela US 2 4,4
Tentou atendimento na US e não conseguiu 12 26,7
Tabela 3. Distribuição da população estudada em suas Unidades de Saúde de Por causa do horário 2 4,4
Desconhecimento que na US tinha dentista e/ou
referência. Porto Alegre. 2017. 8 17,8
atendia urgências
Não sei qual meu posto ou não frequento 2 4,4
A UPA é mais perto e/ou mais rápida 7 15,6
População Amigos/Conhecidos me indicaram a UPA 1 2,2
Unidade de Saúde de Foi atendido na US, porém sem resolução 5 11,1
Frequência Total (%) Adscrita Greve/Férias do dentista/questões administrativas 2 4,4
Referência
C3

(IBGE, 2010) Retorno de atendimento no final de semana na UPA 1 2,2


US Conceição 13 16,3 19.290 Outros 3 6,7
US Floresta 6 7,5 7.906 Total 45 100
US Divina Providência 1 1,3 4.186 Fonte: Elaborado pela autora

C3
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É possível relacionar a diversidade de motivos para busca por sentido a ampliação do acesso a APS é medida indissociável com
atendimento odontológico na UPA com distintos fatores influenciando vistas ao aprimoramento da gestão e à utilização eficiente de serviços
esta escolha. Ainda que o usuário nem sempre se prenda à norma de emergência (GARCIA, REIS, 2014).
CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA - SAÚDE

CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


sobre a APS como porta de entrada para o sistema de saúde, é
O presente estudo apresenta limitações pela dependência do
importante considerar que, entre o grupo estudado, mais de um quarto
contato telefônico com os usuários, em que há uma perda significativa
dos entrevistados (26,7%) buscaram - sem sucesso - o atendimento na
da amostra; apresenta, porém, informações relevantes como base
sua US antes de ir à UPA. Outros 5 usuários (11,1%) também seguiram
para investigações futuras com amostras maiores.
essa mesma lógica de buscar a APS como primeira escolha, porém
este atendimento não foi resolutivo para a queixa principal do Considerações Finais
entrevistado, optando, então pela ida à UPA. Percebe-se assim que A partir dos resultados obtidos, pode-se referir que em uma
a capacidade de resolução no primeiro nível de atenção é uma população de 90 mil habitantes do SSC/GHC, 80 usuários buscaram
qualidade fundamental dos sistemas de saúde, a qual pode impactar atendimento odontológico de urgência na UPA durante horário regular
no funcionamento dos outros níveis e nos serviços de urgência de atendimento de suas Unidades de Saúde no período entre abril a
(DOMÉNECH et al., 2016). julho de 2017. Houve maior procura por assistência em segundas-feiras
(30%) e no turno da tarde (58,8%); e conseguiu-se contato telefônico
Ainda, 7 entrevistados (15,6%) relataram considerar a UPA mais
com 54 deles, dos quais 3 (5,6%) não aceitaram participar e 1 (1,9%)
rápida no atendimento ou estar mais perto deste local no momento da
afirmou não ter estado na UPA na data registrada pelo Sistema de
procura. Segundo Donabedian (1973), o conceito de acessibilidade
Informações, resultando em um grupo de 50 entrevistados.
refere-se à facilidade com que as pessoas obtêm assistência à
saúde, sendo esta dependente de fatores sócio-organizacionais e Dor de dente foi o motivo mais frequente da procura pelo
geográficos que se relacionam. Já o conceito de acesso é abordado atendimento na urgência odontológica (62%), seguida por edema
como liberdade para uso, baseada na consciência da possibilidade facial (16%), lesão em tecido mole (10%), condições como dentes
de utilização pelo indivíduo e na sua capacidade para escolha com extração indicada e doença periodontal (10%) e fratura de
(THIEDE, MCINTYRE, 2008). restauração (2%). Enquanto 98% dos entrevistados conheciam sua
Unidade de Saúde de referência, 80% deles procuraram a UPA para
Outros 8 respondentes (17,8%) relatam o desconhecimento de
atendimento odontológico pela primeira vez; 62,2% do grupo já
Dentista em sua Unidade de Saúde ou de atendimento de urgência
utilizaram os serviços odontológicos de sua Unidade de Saúde em
por estes. Andrulis aponta a questão da dificuldade de compreensão
momento anterior.
do processo saúde-doença e do funcionamento do sistema de saúde
por uma parcela da população como um fator que prejudica a No período estudado, 47,6% dos usuários atendidos estão
artigos

artigos
inserção do cidadão no sistema e no cuidado à sua saúde, afirmando adscritos a três unidades do SSC (US Costa e Silva, US Conceição e
a importância da criação de estratégias de comunicação com US Jardim Leopoldina); para duas elas – Conceição e Leopoldina –, é
usuários como forma de melhorar a atenção ofertada (ANDRULIS, possível atribuir esse resultado ao quantitativo populacional adscrito
2000). muito superior ao das demais unidades; importa salientar, ainda, que
cargas horárias profissionais distintas entre as diferentes US do SSC
Embora a procura por atendimento de urgência na UPA tenha
podem interferir nesse resultado; em outras palavras, uma US com
sido pequena durante o período estudado, as dificuldades de acesso
menor carga horária profissional e maior quantitativo populacional
na APS (demora na marcação de consultas, com meses de espera,
pode apresentar maior procura pelo atendimento na UPA.
C3

filas longas e horários restritos de atendimento) podem contribuir para


a busca por assistência em serviços de urgência e emergência. Nesse Dentre o grupo estudado, 26,7% dos usuários referiram ter

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buscado primeiramente atendimento em sua US, mas sem sucesso. locorregionais de atenção integral às urgências em conformidade
Mesmo que 17,8% dos entrevistados desconheçam a existência de com a política nacional de atenção às urgências. Diário oficial da
união da república federativa do Brasil. Brasília, DF, 2009.
atendimento odontológico regular e/ou de urgência em sua US, 15,6%
CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA - SAÚDE

CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


dos respondentes percebem a UPA como mais próxima do local onde BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Grupo Hospitalar Conceição. Gerência
se encontravam ou mais rápida no atendimento; cabe destacar que de Saúde Comunitária. Apoio Técnico em Monitoramento e Avaliação.
Sistema de Informações em Saúde e Serviço de Saúde Comunitária
11,1% dos informantes declararam ter sido atendidos previamente em (SIS-SSC/GHC). Boletim Informativo Mensal, jul. 2016. mímeo. contato:
suas US, porém sem resolutividade, e 4,4% relatam ter buscado a UPA frui@ghc.com.br, mlenz@ghc.com.br
por considerar que devido ao horário da procura não conseguiriam
BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Institui a política nacional de atenção
mais atendimento nas US. às urgências, a ser implantada em todas as unidades federadas,
respeitadas as competências das três esferas de gestão. Portaria n.
Embora seja um estudo de caráter preliminar, observa-se que o 1.863. Diário oficial da união, Brasília, DF, p. 56, 2003.
número de usuários do SSC/GHC que optaram por buscar a UPA para
CACCIA-BAVA M. C. G. et al. Pronto-atendimento ou atenção básica:
o atendimento odontológico (20 usuários/mês) no período da pesquisa escolhas dos pacientes no sus. Medicina. Ribeirão Preto, v.4, n. 44, p.
correspondeu a 0,08% do contingente populacional coberto por esse 347-354, 2011.
serviço (90.000 habitantes); para o período em questão, torna-se
CARRET M. L., FASSA A. G., KAWACHI I. Demand for emergency health
possível inferir que as US integrantes do SSC/GHC acolhem grande parte service: factors associated with inappropriate use. Bmc health serv res,
da demanda aguda/consulta dia dos seus usuários. Considerando o 2007.
recorte de tempo desse estudo, ainda que o percentual de usuários COELHO M. F. et al. Análise dos aspectos organizacionais de um serviço
do SSC/GHC acolhidos em horário regular de funcionamento das US de urgências clínicas: estudo em um hospital geral do município de
tenha sido inferior a 10% do total de atendimentos dentários realizados ribeirão preto, SP, Brasil. Rev latinoamericana enfermagem. Ribeirão
Preto, v.4, n.18, p. 770-777, 2010.
pela UPA, sugere-se acompanhar essa frequência de utilização como
estratégia de avaliação da resolutividade da APS. DOMÉNECH D. et al. Capacidad resolutiva del primer nivel de atención:
experiencia de la Unidad Docente-Asistencial de Medicina Familiar y
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C3

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do componente pré-hospitalar fixo para a organização de redes

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artigos

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Artigo 5
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A IMPORTÂNCIA DA INSERÇÃO CULTURAL PARA UM USUÁ-
RIO DA SAÚDE MENTAL

Me. Carmela Slavutzky, Porto Alegre/RS1


Me. Ana Lúcia Valdez Poletto, SSC/GHC, Porto Alegre/RS2

A IMPORTÂNCIA RESUMO:Este estudo tem interesse em abordar como a inserção


cultural (participação em programa de rádio comunitária, ativida-
des culturais e artísticas) pode fazer diferença em relação à pro-

DA INSERÇÃO
dução de vida e autonomia na trajetória de um usuário de saú-
de mental. A pesquisa utilizou a metodologia qualitativa e foi
analisada através da Análise de Conteúdo de Bardin. Os resultados
encontrados foram que o usuário ao qual foi ofertada uma rede
de cultura e saúde obteve um cuidado diferenciado, conseguindo

CULTURAL PARA
modificar sua vida, retomar seu trabalho e sua vida social e cultural.
Palavras-chave: Cultura. Saúde mental. Humanização. Inserção social.
Clínica ampliada.

UM USUÁRIO DA
SAÚDE MENTAL
THE IMPORTANCE OF CULTURAL INSERTION FOR AN USER OF
MENTAL HEALTH
ABSTRACT: This study has an interest in addressing how cultural insertion
(activities such as community radio, political and artistic events) can
make a difference in relation to the quality of life and autonomy for
artigos

artigos
an user of mental health. The research used qualitative methodology
and was analyzed through the Bardin Content Analysis. The results
showed that people using a network of culture and health activities
obtained a differentiated care, thus improving their life conditions,
work return capability, as well as social and cultural life circumstances.
Keywords: Culture. Mental health. Humanization. Social insertion.
Expanded care.

1 Reabilitação e Inclusão pelo Centro Universitário Metodista IPA (2012), Terapeu-


ta Ocupacional, Especialista em Saúde Mental, formada pelo Programa de Residência In-
C3

tegrada em Saúde do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), Porto Alegre/RS. Turma 2015.

2 Assistente social trabalhadora do Grupo Hospita-


lar Conceição, Mestre em Educação pela UFRGS (2014), Porto Alegre/RS.

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Introdução Ao chegar à Residência (março de 2015), reencontrei uma


Este estudo nasceu da vontade de escrever sobre a relação grande amiga da época da UFRGS que logo me convidou para dar
da cultura com a saúde e de lugares de produção arte de cultura. oficinas de cerâmica no Chalé da Cultura, local onde fui acolhida, no
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Descrever como estes elementos podem contribuir com maior início tão difícil da Residência. Este local pertencia à GSC – Gerência
autonomia na vida de usuários de saúde mental, a partir do relato de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição.
de Pedro (Usuário do serviço CAPS AD III do GHC), que será seu nome
fictício. O Chalé da Cultura era um espaço no pátio do Hospital Nossa
Senhora da Conceição (Porto Alegre/RS) onde se reuniam pessoas
O objetivo geral da pesquisa foi investigar se a inserção em para fazer arte, música, poesia e leitura, para mim, um grande ponto
atividades culturais podem contribuir para produzir autonomia no de encontro. O local foi inaugurado em março de 2010. A proposta
usuário de saúde mental. Os objetivos específicos foram identificar do Chalé da Cultura era de realizar ações de Saúde, Arte, Cultura
qual o percurso/inserção do usuário em atividades culturais, desde e Educação para trabalhar o cuidado e a promoção de saúde,
seu ingresso no Caps AD; identificar se mudanças/movimentos oferecendo espaço de encontro, conversa, atenção e acolhimento.
relacionados às atividades culturais (caso elas tenham ocorrido) O público beneficiado eram trabalhadores do GHC, gestores, usuários,
auxiliaram na promoção de maior autonomia do usuário. familiares e comunidade em geral.

Em minha trajetória na residência, encontrei diferentes modos de Mais adiante, no mesmo ano de 2015, com colegas residentes,
pensar e promover o cuidado em saúde mental. Fui me identificando usuários e trabalhadores dos serviços de saúde mental do GHC, fui ao
com os pressupostos da Reforma Sanitária Brasileira e Reforma Mental Tchê3, em São Lourenço do Sul. Em uma perspectiva voltada
Psiquiátrica, com o entendimento de que o doente mental deve ser para o bem-estar do usuário e sua família, estavam mais de seis mil
respeitado como cidadão em sua essência, em suas diferenças e pessoas em prol de uma saúde mental mais digna e humana. Minha
que possa contar com uma rede de atenção psicossocial. Segundo visão de cuidado realmente mudou. Observar o quanto a inserção em
Vasconcelos et al. (2016, p. 314): espaços políticos e culturais eram importantes, na vida dos usuários.
No plano macroestrutural da Reforma Sanitária Brasileira, O quanto isso fazia a diferença em relação ao seu processo de
as mudanças no modelo assistencial provocaram avanços autonomia. Nesse período também me interessei em acompanhar e
consideráveis na redefinição de práticas de saúde.
Foram propostas novas concepções sobre o processo participar do Programa Quartas Intenções4, em que estive em contato
saúde-doença e modos de organização das instituições com usuários de serviços de saúde mental extremamente politizados.
cuidadoras. Com isso, foi possível dar um salto de qualidade
no planejamento de processos terapêuticos. O campo Questionei-me, a partir de então, o quanto a cultura pode contribuir
da saúde mental acompanhou tais transformações, para produção de saúde
pautando-se na atenção psicossocial e suas dimensões
artigos

artigos
teórico-conceitual, técnico-assistencial, jurídico-política e
No mês de setembro de 2015, ingressei no Programa Quartas
sociocultural. Nessa perspectiva, as práticas devem produzir
a continuidade da vida do usuário, num processo de Intenções da rádio AMORB (Associação de Moradores do Bairro Rubem
reconstrução da cidadania, de entendimento, bem como
Berta – POA/RS). O programa é desenvolvido por usuários, profissionais
do exercício real dos seus direitos, da possibilidade de vê-los
reconhecidos, e a capacidade de praticá-lo. de saúde e residentes dos serviços de saúde mental. Segundo Lewis
et al. (2013), a realização do programa foi pensada a partir de um
Ingressei na Residência após ser estimulada pelo professor da
Faculdade de Educação UFRGS, Ricardo Burg Ceccin, quando estudei
3 Encontro de saúde mental, promovido pela Prefeitura de São Lou-
dois semestres como aluna especial em 2012 e 2013, para tentar o renço do Sul/RS, em que profissionais da saúde, usuários e familiares reúnem-
se para refletir e pensar sobre os rumos da Política de Saúde Mental no RS.
Doutorado, que no final não se concretizou ainda.
C3

4 Programa Quartas Intenções: programa de rádio (Rádio Comunitária da


Associação de Moradores do Bairro Rubem Berta) composto por usuários, residentes,
trabalhadores, reunindo cultura e saúde a partir do cotidiano e da liberdade de expressão.

C3
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convite da Associação de Moradores a profissionais de serviços de despertou a atenção pelo seu empoderamento no tratamento, sendo
saúde mental com a proposta de ampliar o espaço de debate em corresponsável no processo de produção de sua própria saúde. Isso é
saúde mental, articulando ações de cultura e saúde, e promovendo comum ao que diz a Política Nacional de Humanização (2013).
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encontros dos usuários com a comunidade.
Segundo a Política Nacional de Humanização (2013, p. 7):
Isso vem ao encontro do Relatório da IV Conferência de Saúde Os usuários não são só pacientes, os trabalhadores não
Mental Intersetorial (2010, p. 116) “A consolidação do processo de só cumprem ordens: as mudanças acontecem com o
reconhecimento do papel de cada um. Um SUS humanizado
reforma psiquiátrica requer a criação e implantação de políticas reconhece cada pessoa como legítima cidadã de direitos
públicas na interface da cultura, da saúde e da saúde mental que e valoriza e incentiva sua atuação na produção de saúde.
promovam a participação de pessoas com sofrimento psíquico”.
Pedro inseriu-se em eventos políticos em defesa da Reforma
Neste estudo, apresento um usuário do CAPS AD III o qual Psiquiátrica, participou de oficinas terapêuticas no serviço e também
acompanhei em espaços culturais e atividades no serviço. O CAPS do grupo musical Tocante, bem como de suas apresentações musicais
AD III, conforme a Lei n. 10.216/01, “dispõe sobre a proteção e os em diversos espaços públicos da cidade como, por exemplo, praças
direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o e centros culturais. O grupo Tocante tem como proposta uma oficina
modelo assistencial em saúde mental”. O serviço no qual o usuário é de música, que acontece semanalmente no CAPS AD III do Grupo
acompanhado localiza-se na Zona Norte de Porto Alegre, gerenciado Hospitalar Conceição. O Tocante reúne usuários, residentes de saúde
pelo Grupo Hospitalar Conceição. Atende usuários de álcool e outras mental e trabalhadores do local para cantar, tocar instrumentos e
drogas a partir de 16 anos de idade. É um serviço “portas abertas” trocar experiências de vida. É uma oficina aberta em que todos os
(não é necessário encaminhamento; o indivíduo pode chegar ao usuários podem participar, independentemente da fase do tratamento
serviço estando em situação de rua ou sem documentação que em que se encontram.
será atendido). O acolhimento acontece todos os dias da semana,
Atualmente, Pedro, em conjunto com o médico psiquiatra do
funciona 24 horas e tem nove leitos para permanência de usuários,
CAPS AD III, Vauto, é responsável pelo Tocante no que diz respeito às
caso seja necessário.
apresentações e à articulação deste nos espaços da cidade.

O caminhar de Pedro
No cuidado de Pedro, a cultura, a música e a arte foram Metodologia
fundamentais na construção de uma nova rede: CAPS AD III, O estudo utilizou-se da abordagem qualitativa a partir de
Programa Quartas Intenções da Rádio AMORB, Chalé da Cultura – entrevistas semiestruturadas, em que o usuário contou sobre a
artigos

GHC e Geração POA-SMS (Secretaria Municipal de Saúde). Segundo experiência do processo de seu tratamento relacionado à sua

artigos
o folheto 20 Anos do Geração POA: 1996-2016: inserção cultural e social. Ele participa de diversas atividades culturais
O Geração POA é um serviço da Prefeitura Municipal de e políticas.
Porto Alegre, componente da Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS) no eixo da Reabilitação Psicossocial. Promove ações Foram realizados três encontros em diferentes locais da Zona
em saúde, educação, cultura e economia solidária através
Norte de Porto Alegre, região de fácil acesso ao usuário. As entrevistas
do trabalho.... Acessam pessoas a partir de 16 anos, que
tenham desejo de trabalhar e que sejam usuárias da Rede foram filmadas após consentimento do usuário mediante a assinatura
de Atenção Psicossocial. O encaminhamento é feito através
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual ele leu em sua
do Sistema Único de Saúde (SUS) de referência do usuário
(Unidades Básicas e/ou Serviços de Saúde Mental). íntegra. O projeto teve sua aprovação no CEP com o número 15316.
C3

Desde 2015, quando ingressei na Residência, este usuário me Esta pesquisa respeitou os aspectos éticos previstos na

C3
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INFORME C3, Porto Alegre, v. 10, n. 4 (Ed. 23), Dez. - 2018. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.com INFORME C3, Porto Alegre, v. 10, n. 4 (Ed. 23), Dez. - 2018. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.com

Resolução n. 466/12, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) (BRASIL, A análise dos dados permitiu o desdobramento de três categorias:
2012). A pesquisa foi previamente apresentada para aprovação à Saúde mental e singularidades; Redes e locais de circulação; e arte,
cultura e autonomia.
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coordenação dos serviços do GHC, com devido registro em termo de
consentimento institucional. Foram garantidos o sigilo e o anonimato 1) Saúde mental e singularidades
do sujeito pesquisado.
Segundo Lemos (2007), a realidade não é recebida como um
A análise de dados deu-se à luz da Análise de Conteúdo, arquivo e congelada em uma memória em espaços estanques. As
segundo Laurence Bardin (2009), cuja organização ocorre em três realidades sociais seriam sempre construídas e não simplesmente
etapas cronológicas: pré-análise; exploração do material e tratamento repassadas. Certos gostos de Pedro, como as artes e a música,
dos resultados; inferência e interpretação. vêm desde a infância e, mesmo depois de seu envolvimento com
Buscou-se, a partir desta análise, obter a interpretação mais substâncias psicoativas (SPAs), permaneceram. Ele salientou que:
profunda dos fatos relatados, ultrapassando o alcance meramente Eu sempre gostei desde pequeno, até meus irmãos me
xingavam, eles queriam ver desenho infantil e eu queria ver
descritivo do conteúdo manifesto. Para tanto, realizou-se inicialmente programas de música que davam.
uma leitura flutuante, buscando a visão geral do conjunto através das
impressões prévias e orientações dos dados. Quando se envolveu com substâncias psicoativas, Pedro
abandonou por aquele período muitos de seus sonhos, entre eles de
As conversas com o usuário foram categorizadas por assunto e tocar violão, de ter uma banda musical, um trabalho e uma família.
analisadas para pensar se a cultura fora um dispositivo de autonomia Segundo ele, o início do processo de busca pelo cuidado em saúde
para o mesmo e como ele pensava que essas atividades culturais mental/álcool e drogas aconteceu quando ele se deu conta de que
tinham auxiliado no seu tratamento. As categorias analisadas no era impotente perante a SPA que vinha utilizando, proporcionando-lhe
estudo foram: um grau de sofrimento insuportável. Em 2014, começou seu tratamento
no CAPS AD III, local onde foi acolhido.
1) Saúde Mental e Singularidades;
Segundo Lima (2011, p. 112):
2) Locais de Circulação e Redes;
Desta forma, os serviços que desenvolvem a assistência às
pessoas com transtorno mental não podem ser cristalizados e
3) Arte, Cultura e Autonomia. marcados por um cotidiano em que se reproduzem técnicas
e protocolos de saúde; devem se ancorar numa perspectiva
Ao final, foram distribuídos os trechos do texto pelas da inventividade e fomentar ações voltadas para seus
categorizações, sendo realizada a leitura dialogada com o texto das usuários, e não para suas doenças, desenvolvendo práticas
artigos

de acolhimento, de sociabilidade, de desenvolvimento de

artigos
entrevistas e, posteriormente, procedeu-se a identificação dos trechos potencialidades e de produção de vida e de singularidade.
selecionados para o registro e sua análise.
Foi então buscar ajuda no CAPS AD III de um grupo hospitalar
As perguntas norteadoras das entrevistas foram: O que mudou da Zona Norte de Porto Alegre. Este foi o início de um processo, como
na tua vida a partir do contato com a arte e a cultura? A oferta de salientou:
espaços culturais fez diferença no teu tratamento? As inserções nestes ...mudar por dentro é que é o difícil, saber dizer não, saber
que não pode saber que, mesmo que um dia tenha gosta-
espaços de cultura te levaram a uma maior autonomia?
do daquilo (SPAs), nunca te fez bem, não te trouxe nada e
te levou tudo, não te trouxe nada que diga, oh, venci algu-
ma coisa fazendo aquilo ali, não venceu, tu só perdeste, daí
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Resultados e Discussão tu começa a ver as consequências e não venceu nada...

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Ele ficou 30 dias no hospital para desintoxicação no ano de A rede de atenção à saúde é composta pelo conjunto
de serviços e equipamentos de saúde que se dispõe num
2014. Mais adiante, uns meses após ter ingressado, retornou ao CAPS
determinado território geográfico, seja ele um distrito
AD III. Os técnicos do serviço já o tinham convidado para participar
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sanitário, um município ou uma regional de saúde. Estes
serviços são como os nós de uma rede: uma unidade
da Oficina de música Tocante, mas ele não havia aceitado. Estava
básica de saúde, um hospital geral, um centro de atenção
ambivalente em relação ao seu tratamento. Após um período, tendo psicossocial, um conselho municipal de saúde etc.
ingressado em outros grupos, foi novamente convidado e acabou por
Ceccim e Merhy (2009) afirmam que o maior desafio da Política
inserir-se no Tocante.
HumanizaSUS está na capacidade de armar uma “rede guarida”,
Ele descreveu como realizou seu tratamento, sendo consideradas rede de encontros, rede de potências. A rede à qual nos referimos
suas singularidades: perpassa a de saúde e se expande, pois engloba a cultura e saúde.
...não é uma terapia que seja única, que sirva para todo
mundo, mas para mim foi legal. A partir daí eu busquei tudo
Quanto ao Grupo Tocante, seus planos para o futuro são:
que de fato é meu, e o que é que é meu? É atuar, é ler ... o grupo Tocante, a minha ideia mesmo é que tenho visto
bastante, é tocar, é participar de eventos culturais, é que na internet, e as músicas que tenho pego, a ideia mesmo
a minha riqueza que eu tenho hoje não é material, tenho é gravar um cd, este ano estava falando com um dos inte-
minha casa, meu carrinho, mas a riqueza mesmo eu busco grantes do grupo, a gente estava pensando em não de-
é o saber, é ler é aprender, é divulgar, é compartilhar com pender do governo, alugar um estúdio e fazer uns dois ou
as pessoas que precisam, se tiver que fazer uma oficina de três ensaios e fazer uma gravação bem boa...
artesanato ir lá e fazer, espontâneo...
Em relação ao Geração POA, Pedro salienta:
Desde 2014 vem se mantendo longe das SPAs, em tratamento
Eu ainda faço parte do Gera POA, trabalho com serigrafia,
no CAPS AD III, e frequentando outros locais como o Geração POA,
fiz até um curso de serigrafia avançada, tem serigrafia,
onde realiza oficinas de serigrafia desde o seu início e já deu aulas de velas de papel reciclado, bijuterias e, como o trabalho tem
pessoas que tem doenças mentais, isto me ensinou a ter
violão.
paciência...

2) Locais de Circulação e Redes


E quanto aos locais por que passou, ressalta que “...eu guardo
Segundo Nespolo et al. (2014, p. 1238): cada pedacinho dos grupos que passei, cada local que me auxiliou...”.

O conceito de Ponto de Cultura envolve a construção de Segundo o relatório da Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde
uma rede articulada, ou seja, um ponto só se torna Ponto de
Cultura a partir do momento que interage e se integra com Mental no Brasil, Conferência Regional de Reforma dos Serviços de
os demais Pontos de Cultura e com outras organizações da Saúde Mental – 15 Anos depois de Caracas (2005, p. 25):
sociedade civil.
A construção de uma rede comunitária de cuidados é
artigos

Pedro começou a se relacionar com diversos locais culturais, fundamental para a consolidação da Reforma Psiquiátrica.

artigos
A articulação em rede dos variados serviços substitutivos
entre eles Geração POA, Chalé da Cultura, Rádio AMORB – Programa ao hospital psiquiátrico é crucial para a constituição de
Quartas Intenções, grupo de música Tocante, como segue o relato: um conjunto vivo e concreto de referências capazes de
acolher a pessoa em sofrimento mental. Esta rede é maior,
...aí comecei a me relacionar com pessoas da área cultural no entanto, do que o conjunto dos serviços de saúde
tipo Chalé da Cultura, o pessoal lá do Gera POA, e dali para mental do município. Uma rede se conforma na medida em
diante minha ideia é divulgar o Tocante, é desenvolver o que são permanentemente articuladas outras instituições,
Tocante, é tocar sozinho se for o caso também, mas é nunca associações, cooperativas e variados espaços das cidades.
me desvincular disto aí, muita coisa, a rádio, me esqueci da A rede de atenção à saúde mental do SUS define-se assim
rádio, na rádio também fazia muita intervenção ao vivo, tocava como de base comunitária.
também.
As conexões entre cultura e saúde auxiliaram muito no
C3

Segundo a cartilha do Ministério da Saúde HumanizaSus, Redes tratamento de Pedro:


de Produção de Saúde (2010, p. 10):

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...fez bastante diferença a cultura no tratamento, no CAPS social, redes formadas, apoio familiar, auxílio da cultura no seu trajeto
teve o grupo Tocante, depois o Geração POA que me foi de tratamento. Nessas falas aparece o quanto Pedro se empoderou,
apresentado pelo CAPS, teve a rádio, o Chalé era uma
coisa prazerosa... está muito mais autônomo e independente depois que iniciou
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acompanhamento no CAPS AD III, as Oficinas no Geração POA e sua
Os locais disponibilizados para Pedro em seu tratamento fizeram participação na Rádio e no Chalé da Cultura. Com o auxílio de todos
toda a diferença, pois foram pontos de saúde e cultura importantes esses meios de cultura e saúde, vem compondo uma nova forma de
para o desenvolvimento do cuidado em saúde. viver e de ver a vida.
3) Arte, cultura e autonomia Além disso, a música entra também nas aulas de violão no
Geração POA, Pedro contou:
Pedro descreve em seu depoimento:
Agora, dia 2 de setembro de 2016, começo a ensinar violão,
Os meus planos são, como estou trabalhando em um café na
profissionalmente, finalmente, já tem uma turma grande,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e já tive contato
inclusive este espaço foi conquistado por nós e eu consegui
com um professor de química que dá aulas no curso pré-
fazer isto depois da sobriedade que tive, consegui falar com
vestibular, e me ofereceu para estudar lá, penso em fazer um
o secretário, secretário municipal, nós tivemos no gabinete
cursinho ano que vem para cursar uma faculdade um dia.
dele, tivemos uma reunião e explicamos como estava sendo
Pretendo fazer alguma coisa como Serviço Social, Terapia
usado o espaço por uma ONG que capacitava professores
Ocupacional ou algo assim na área da saúde.
para rede estadual e o prédio era municipal e nós ali do
lado precisando...
Pedro pensava em estudar, trabalhar, crescer como ser humano.
Ele queria estudar algo na área da saúde, de forma a poder seguir
auxiliando seus iguais a encontrarem a autonomia e independência
que ele encontrou. Isso vem ao encontro da política HumanizaSUS,
pois o cuidado com os usuários é fundamental.

A política HumanizaSUS (2004) sustenta este cuidado com o


usuário:
A Humanização, como um conjunto de estratégias para
alcançar a qualificação da atenção e da gestão em saúde
no SUS, estabelece-se, portanto, como a construção/
ativação de atitudes ético-estético-políticas em sintonia
com um projeto de corresponsabilidade e qualificação
dos vínculos interprofissionais e entre estes e os usuários na
produção de saúde. Éticas porque tomam a defesa da vida
como eixo de suas ações. Estéticas porque estão voltadas
artigos

artigos
para a invenção das normas que regulam a vida, para os
processos de criação que constituem o mais específico do
homem em relação aos demais seres vivos. Políticas porque
é na polis, na relação entre os homens que as relações
sociais e de poder se operam, que o mundo se faz.
Pedro ensinando violão na oficina de férias do Geração
POA, 2017.
Pedro segue complementando onde poderia trabalhar:
Gostaria de fazer um pós-graduação em musicoterapia Por estar desejando o tratamento, a partir de suas singularidades
para tratar as pessoas, porque a música ajudará outras alinhavou sua própria rede intersetorial de saúde e cultura.
pessoas como eu fui ajudado nestes últimos dois ou três
anos.
C3

Isso nem sempre acontece, a experiência de Pedro pode ser


Muitas conquistas foram obtidas por Pedro: emprego, inclusão compartilhada com mais e mais usuários e trabalhadores, de forma

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que possamos contar com arte e cultura no cuidado em saúde. nização. 2004. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ publi-
cacoes/ humanizasus_2004.pdf>. Acesso em: 10/1/2015.
______. Lei n. 10.216/01. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA - SAÚDE

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Considerações Finais ccivil_03/ leis/ leis_2001/l10216.htm>. Acesso em: 22/1/2017.
O presente estudo apontou que a Rede de Cuidado em Saúde
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política
e Cultura foram fundamentais na trajetória do paciente. As entrevistas Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Redes de
despertaram-me um desejo de seguir pesquisando o tema. O objetivo produção de saúde. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à
inicial desta pesquisa foi investigar se as inserções em atividades Saúde, Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do
SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.
culturais poderiam contribuir para produzir autonomia no usuário da
CECCIM, R. B.; MERHY, E. E. Intense micropolítica and pedagogical ac-
saúde mental. Em nossos encontros com Pedro pode-se identificar o
tion: humanization. Comunicação Saúde Educação, v. 13, supl. 1, p.
quanto a rede intersetorial envolvendo cultura e saúde contribuíram 531-42, 2009.
em seu processo de empoderamento e em seu desenvolvimento CURY, Fernando Guedes; SOUZA, Luzia Aparecida de; SILVA, Heloisa
como um todo. da. Narrativas: um olhar sobre o exercício historiográfico na Educação
Matemática. Bolema, Rio Claro, v. 28, n. 49, p. 910-925, 2014. Acesso
Destacamos da importância de que mais locais de cultura e em: 16/5/2016.
saúde sejam ofertados na cidade. Isso com o propósito de que mais FERREIRA NETO, João Leite. Subjetividades contemporâneas: algumas
pessoas possam ser acolhidas por outra perspectiva, de promoção de contribuições de Deleuze.  Revista Plural, Belo Horizonte, n.13, p. 105-
vida, arte e cultura na saúde e com a saúde. Assim como mais redes 113, mar. 2000.
que envolvam arte e cultura no tratamento em saúde mental. LEMOS, Flávia Cristina Silveira. História, cultura e subjetividade. Rev. do
Departamento de Psicologia. UFF, v. 19, n. 1, p. 61-68, jan-jun 2007.
Realizar esta pesquisa despertou-me o desejo de ir fazer meu LIMA, E. J. B. O cuidado em saúde mental e a noção de sujeito: plu-
ralidade e movimento. In: SPINK, M. J. P.; FIGUEIREDO, P.; BRASILINO, J.
estágio optativo em um dos locais que tanto auxiliou o usuário
(orgs.) Psicologia social e pessoalidade [on-line]. Rio de Janeiro: Cen-
pesquisado, o Geração POA. De fato, local onde realizei este estágio e tro Edelstein de Pesquisas Sociais; ABRAPSO, 2011, p. 109-134.
foi fantástico! O tratamento com os usuários é diferenciado e humano, MESQUITA, José Ferreira de; NOVELLINO, Maria Salet Ferreira; CAVAL-
onde o trabalho, a saúde e a cultura andam juntos. CANTI, Maria Tavares. A reforma psiquiátrica no Brasil: um novo olhar
sobre o paradigma da saúde mental. 2010. Disponível em: <http://
Enfatizamos de que mais estudos devem ser realizados nesse www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2010/docs_pdf/eixo_4/
abep2010_2526.pdf>. Acesso em: 25/11/2014.
sentido, pois o tema é relevante e deve ser aprofundado. A arte,
a cultura e a saúde precisam andar juntas para que o usuário seja MUYLAERT, Camila Junqueira et al. Entrevistas narrativas: um importan-
te recurso em pesquisa qualitativa. Rev. Esc. Enferm. USP, São Paulo, v.
beneficiado de forma integral. 48, n. spe2, p. 184-189, Dec. 2014. Acesso em: 13/12/2015.
artigos

artigos
NESPOLO, Gabriela Fabian et al. Pontos de Cultura e saúde: desafios
e potencialidades na visão de seus coordenadores. Rev. de Enferma-
Referências Bibliográficas gem UFPE On Line. Recife, maio de 2014. Acesso em: 12/12/2016, às
12h30.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Trad. Pinheiro, Augusto e
Reto, Luís Antero. Revista Edições 70 LDA, Portugal, 2009. Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental. Conferência Re-
gional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de
Brasil, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Caracas. Brasília, novembro de 2005. Disponível em: <http://bvsms.sau-
Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de.gov.br/bvs/ publicacoes/ Relatorio15 _anos_Caracas.pdf>. Acesso
de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência em: 24/1/2017, às 19h30.
Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 Anos depois
C3

de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de 2005.


______. Ministério da Saúde. HumanizaSUS: política nacional de huma-

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INFORME C3, Porto Alegre, v. 10, n. 4 (Ed. 23), Dez. - 2018. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.com INFORME C3, Porto Alegre, v. 10, n. 4 (Ed. 23), Dez. - 2018. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.com
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artigos

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Artigo 6
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AVALIAÇÃO
AVALIAÇÃO DO ESTOQUE DOMICILIAR DE MEDICAMENTOS
DE PACIENTES ACAMADOS NO TERRITÓRIO DE UM SERVIÇO
DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

DO ESTOQUE Ma. Cassiela Roman, UFRGS, Porto Alegre/RS 1

DOMICILIAR DE
Esp. Evelise de Souza Streck, Passo Fundo/RS 2
Dra. Luciane Kopittke, GHC, Porto Alegre/RS 3
RESUMO: A assistência domiciliar caracteriza-se por prestar cuidados à

MEDICAMENTOS
saúde de pacientes que se encontram incapacitados para deslocarem-
se aos serviços de saúde, entre eles verificar os medicamentos em
uso. O objetivo do estudo foi avaliar a farmácia caseira de pacientes
acamados no território de uma Estratégia Saúde da Família (ESF) no sul

DE PACIENTES
do Brasil. Nas residências visitadas, os medicamentos são armazenados
na sala (44%), no quarto (33%) e 67% realiza o descarte na ESF.
Sobre os medicamentos utilizados pelos pacientes, os cuidadores
desconhecem informações como: dose prescrita (88%), horário

ACAMADOS
prescrito (84%) e interação com outros medicamentos ou alimentos
(88%), evidenciando que a atuação do farmacêutico junto à equipe de
saúde do serviço pode qualificar a assistência domiciliar desenvolvida.
Palavras-chave: Armazenamento de Medicamentos. Assistência

NO TERRITÓRIO
Domiciliar. Assistência Farmacêutica. Atenção Primária à Saúde.
Cuidador. Medicamento.

DE UM SERVIÇO EVALUATION OF THE DOMICILIARY STOCK OF MEDICATIONS


OF PATIENTS COVERED IN THE TERRITORY OF A PRIMARY
HEALTH CARE SERVICE

DE ATENÇÃO
artigos

ABSTRACT: Home care is characterized by providing health care for

artigos
patients who are unable to go to health services, including checking
the medicines in use. The objective of the study was to evaluate the

PRIMÁRIA À SAÚDE
home pharmacy of patients bedridden in the territory of a Family
Health Strategy (FHS) in the south of Brazil. In the residences visited,
medicines are stored in the room (44%), in the bedroom (33%) and

1 Farmacêutica, Especialista em Saúde da Família e Comunidade – Residência


Integrada em Saúde do Grupo Hospitalar Conceição, Mestre em Assistência Farmacêutica
(PPGASFAR/UFRGS), cassielar@hotmail.com Turma da RIS-GHC: 2014 – 2016.

2 Farmacêutica, Especialista em Saúde da Família e Comunidade (RIS-GHC).


C3

3 Farmacêutica, Doutora em Ciências da Saúde/UFCSPA, atua no Serviço de Saúde


Comunitária do GHC e coordena MP ATS-SUS/GHC.

C3
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67% lead to FHS for discard. Regarding medicines used by patients, inadequado, pode ocorrer desperdício do fármaco, facilitar o consumo
caregivers are unaware of information such as: prescribed dose (88%), irracional, propiciando agravos à saúde, bem como aumentar o risco
prescribed time (84%) and interaction with other medications or foods
(88%), evidence that the performance of the pharmacist with the de casos de intoxicação por estes agentes, principalmente em crianças
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CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


health team of the service can qualify the home care developed. (SCHENKEL et al., 2005; TOURINHO et al., 2008; LASTE et al., 2012).
Keywords: Drug Storage. Home Care. Pharmaceutical Care. Primary
Health Care. Caregiver. Medication.
A fim de evitar tais procedimentos, percebe-se que a atuação
Introdução do farmacêutico junto à equipe de saúde auxilia o cuidador sobre o
A assistência domiciliar na Atenção Primária à Saúde uso e armazenamento dos medicamentos dos pacientes acamados
(APS) constitui-se em uma atividade realizada para responder às ao fornecer informações sobre os medicamentos prescritos. Além
necessidades de saúde de usuários que, de forma temporária ou de identificar a presença de interações medicamentosas ou com
permanente, estão incapacitados para deslocarem-se aos serviços alimentos, usos inadequados, reações adversas, promovendo o
de saúde (BRASIL, 2003). O envelhecimento da população, o uso correto e o uso racional de medicamentos (URM) (BRASIL, 2010;
aumento das doenças crônico-degenerativas e suas complicações, QUINALHA & CORRER, 2010; SILVA et al., 2016).
acidentes automobilísticos e violências (causas externas) são alguns
O objetivo do estudo foi avaliar o estoque domiciliar de
dos principais fatores responsáveis pela necessidade das práticas de
medicamentos de pacientes acamados no território de uma Estratégia
cuidado em saúde no domicílio e que institui e valoriza a função do
Saúde da Família (ESF), em um município no sul do Brasil, com cuidador
cuidador. Este realiza o acompanhamento do paciente por meio de
responsável.
apoio da equipe de saúde que auxilia na qualificação dos cuidados
realizados, entre eles, a administração dos medicamentos para o
tratamento do paciente (BRASIL, 2012a; BRASIL, 2013). Método
Estudo transversal, realizado no território de uma ESF em um
A avaliação do estoque domiciliar de medicamentos para município do interior do Rio Grande do Sul, no período de julho a agosto
a promoção do seu uso racional se torna relevante na atenção de 2015. Os dados sobre o estoque domiciliar de medicamentos foram
domiciliar. Tal estoque também é conhecido como farmácia caseira coletados em visitas domiciliares por meio de entrevista semiestruturada
e usualmente é constituído por uma variedade de medicamentos, com os cuidadores, maiores de 18 anos, que aceitaram participar
sejam fora de uso, provenientes de sobras de tratamentos anteriores, do estudo mediante assinatura do termo de consentimento livre e
ou em uso, quando prescritos para o tratamento de distúrbios agudos, esclarecido.
crônicos e medicamentos habitualmente utilizados em automedicação
(SCHENKEL et al., 2005; DAL PIZZOL et al., 2006; BECKHAUSER et al., Os dados coletados foram registrados e analisados a fim de
2012). Não raramente, estão presentes medicamentos vencidos ou mapear o perfil sóciodemográfico dos pacientes e seus cuidadores.
artigos

artigos
com validade duvidosa, podendo acarretar em problemas à saúde Foram coletadas informações sobre os medicamentos, conhecimento
(RIBEIRO & HEINECK, 2010; BECKHAUSER et al., 2012). dos cuidadores em relação ao tratamento prescrito e medicamentos
utilizados pelos pacientes.
Estudos demonstram que a farmácia caseira é corriqueira,
sendo encontrado pelo menos um medicamento em mais de 90% O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
das residências avaliadas (SCHENKEL et al., 2005; DAL PIZZOL et al., Grupo Hospitalar Conceição (CEP/GHC) em abril de 2015 (Projeto:
2006; TOURINHO et al., 2008; RIBEIRO & HEINECK, 2010; LASTE et al., 15057) e o seu desenvolvimento seguiu os preceitos éticos previstos da
2012). Outro aspecto relevante é a observação das condições de Resolução nº 466 de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL,
C3

armazenamento dos medicamentos, as quais são importantes para 2012b).


manter a estabilidade e eficácia do fármaco. Se guardado em local

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Resultados 67% dos cuidadores levam à ESF, o que demonstra atenção para o
Dos 12 pacientes acamados assistidos pela ESF, nove cuidadores, descarte apropriado.
de diferentes pacientes, aceitaram participar do estudo. A idade dos
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Sobre os conhecimentos referentes aos medicamentos utilizados
pacientes apresentou uma média de 75 anos e a maioria (88%) reside
pelos pacientes, 32% dos cuidadores afirmam saber qual a finalidade
com a família (Tabela 1), demonstrando que há uma rede de apoio
dos medicamentos e 24% sabem onde armazená-los. A maioria
que auxilia em seus cuidados.
desconhece dose prescrita (88%), horário de administração (84%) e
Tabela 1 – Características sóciodemográficas dos pacientes acamados
interação com outros medicamentos ou alimentos (88%), em que um
Variável Pacientes acamados cuidador relatou conhecer a informação.
n (%)
Idade Média: 75 anos (49-93) Dos 43 medicamentos encontrados, três estavam vencidos
Sexo
Feminino 5 (56) e em dois domicílios foi referido que havia medicamentos para
Masculino 4 (44)
Escolaridade
Não alfabetizado 1 (11) automedicação no estoque domiciliar, evidenciando atenção
Ensino fundamental incompleto 8 (88)
Estado Civil para a validade dos medicamentos e cautela frente à prática da
Casado 5 (56)
Divorciado 1 (11) automedicação. A média de medicamentos utilizados foi de 6,2
Viúvo 3 (33)
Reside
Sozinho 1 (11) medicamentos/paciente, sendo os mais prescritos: Enalapril (55%),
Família 8 (88)
Fonte: Elaborado pelos autores Sinvastatina (55%), Ácido Acetilsalicílico (44%), Paracetamol (33%) e
Omeprazol (33%).
Em relação aos cuidadores, a maioria é do sexo feminino (88%),
sendo, geralmente, filha do paciente, parente próxima ou profissional
contratada pela família. Em sua maior parte apresentam o ensino Discussão
fundamental incompleto (44%) e cinco cuidadores acompanham Analisando a farmácia caseira dos pacientes acamados,
o paciente pelo qual são responsáveis há no mínimo quatro anos, constatou-se que a maior parte dos medicamentos em estoque é
favorecendo o vínculo entre eles (Tabela 2). proveniente de prescrição médica, evidenciando o cuidado frente à
prática da automedicação por parte dos cuidadores, dado também
Tabela 2 – Características sóciodemográficas dos cuidadores
encontrado no estudo de Mendes e colaboradores, o qual relata este
Variável Cuidadores
fato em 99% dos pacientes pesquisados (MENDES et al., 2014). Diferente
n(%) de outro estudo, em que 58,4% dos medicamentos armazenados no
Idade
30 a 40 anos 3 (30) domicílio de pacientes atendidos por uma ESF, no interior de Minas
41 a 50 anos 3 (30)
51 a 60 anos 2 (20)
61 a 70 anos 1 (10) Gerais, são isentos de prescrição (RIBEIRO & HEINECK, 2010).
Sexo
artigos

Feminino 8 (88)

artigos
Masculino 1 (11)
Escolaridade O achado do estudo é relevante frente ao empenho dos
Ensino fundamental incompleto 4 (40)
Ensino fundamental 2 (20) profissionais de saúde, principalmente o farmacêutico, na busca pelo
Ensino médio 2 (20)
Ensino superior incompleto 1 (10) URM (MENDES et al., 2014). Quando os medicamentos são isentos de
Tempo de acompanhamento do
acamado prescrição há o favorecimento da prática da automedicação, muitas
Menos de 1 ano 1 (10)
4 a 7 anos 5 (50)
10 a 15 anos 2 (20) vezes por se tratar de medicamentos que têm um acesso facilitado e,
16 a 20 anos 1 (10)
Fonte: Elaborado pelos autores também, pelo estímulo do consumo em nossa sociedade (BUENO et al.,
2009; LOCH et al., 2015). Além disso, a falta de tempo para procurar um
Nas residências visitadas, os medicamentos são armazenados
profissional da saúde e a busca por uma solução imediata favorecem
na sala (44%) e no quarto (33%) livres da exposição à luz, calor,
C3

a ação (BUENO et al., 2009). Contudo, se utilizado de forma incorreta,


umidade ou crianças. Em relação ao descarte dos medicamentos,
sem orientação de um profissional, o medicamento pode trazer riscos

C3
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para a saúde do indivíduo ao invés de agir como uma ferramenta prescrita, a forma e o horário de administração e, principalmente,
terapêutica para o tratamento de problemas agudos ou crônicos de entre as possíveis interações entre medicamentos e/ou alimentos. Estes
saúde (MENDES et al., 2014). são fatores que contribuem para a organização dos medicamentos
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que estão sendo utilizados a fim de obter os resultados terapêuticos
O URM começa pela qualidade do medicamento que será
esperados, de forma que a qualidade de vida dos pacientes seja
utilizado, sendo importante armazená-lo em local adequado
beneficiada (PINHEIRO, 2010).
no domicílio (LIMA et al., 2010). No estudo foi observado que os
cuidadores mantêm os medicamentos de seus pacientes em caixas Na APS, por não fazer parte da equipe mínima da ESF, o
fechadas, armazenadas na sala ou quarto, em sua maioria, ao abrigo profissional farmacêutico insere-se no Núcleo de Apoio à Saúde
da luz, calor, umidade e longe do alcance das crianças, diferente dos da Família (NASF), equipes multiprofissionais que atuam de forma
resultados de outros estudos que realizaram esta avaliação, em que integrada com as equipes das ESF em uma lógica de trabalho de
os estoques domiciliares são encontrados, com maior frequência, em apoio matricial a estas equipes (BRASIL, 2011). Assim, os profissionais
cozinhas, dormitórios e banheiros (SCHENKEL et al., 2005; BUENO et al., do NASF compartilham seus conhecimentos com a equipe de saúde,
2009; RIBEIRO & HEINECK, 2010; LASTE et al., 2012; SILVA et al., 2012). possibilitando um trabalho interprofissional, que auxilia no manejo das
demandas de saúde da população, ampliando o escopo dos serviços
Nos estudos relatados, muitos dos locais para armazenar os
ofertados na APS e contribuindo para a sua resolutividade (BRASIL,
medicamentos possibilitam a exposição dos produtos a constantes
2014; SILVA et al., 2016).
variações de temperatura, à luz direta e isentos de cuidados com
medidas de segurança em relação às crianças (RIBEIRO & HEINECK, Entre as atribuições do farmacêutico no NASF destaca-se a
2010; LASTE et al., 2012), os quais caracterizam-se por serem locais atuação junto às equipes de saúde em ações voltadas à intervenção
não recomendados para o armazenamento. O ideal é que estejam nos problemas ou situações de saúde no contexto individual, familiar
guardados em um armário próprio ou uma caixa fechada seguros e e coletivo, não só na busca de tratamento e cura das doenças, mas
longe do alcance das crianças, em ambientes livres de umidade, luz também na motivação à modificação de atitudes, em perspectivas
e calor, para preservação da qualidade dos medicamentos e evitar promocional e preventiva (BRASIL, 2010). Bem como ações de
intoxicações acidentais (SCHENKEL et al., 2005; BECKHAUSER et al., educação permanente, atendimento individual e coletivo, discussão
2012). de casos, participação em reuniões de equipe, auxiliar no ciclo da
assistência farmacêutica do município, desenvolver atividades de
Outro fator importante diz respeito ao descarte de medicamentos
educação em saúde, realizar visitas domiciliares, entre outras (SILVA et
devido a sobras ou vencimento. Dependendo do local em que for
al., 2016).
descartado (como vaso sanitário, rios, terrenos baldios ou mesmo no
artigos

artigos
lixo comum) (BUENO et al., 2009), podem causar contaminação do solo A visita domiciliar é o momento em que o farmacêutico pode
e do meio ambiente. No estudo, a maioria dos cuidadores leva à ESF, avaliar o uso de medicamentos prescritos ou não, que compõem
por conhecerem os prejuízos causados ao ambiente e por saberem o estoque domiciliar, identificar condições de armazenamento e
que por meio da unidade de saúde o descarte é realizado por uma auxiliar sobre o descarte apropriado. Além de fornecer orientações e
empresa, que atende o município, especializada e licenciada para informações sobre os medicamentos aos cuidadores, de forma que
este tipo de serviço. eles ampliem os seus conhecimentos sobre o tratamento prescrito ao
paciente e tenham os cuidados pertinentes com a farmácia caseira
Sobre os conhecimentos dos cuidadores em relação aos
(BRASIL, 2010; BRASIL, 2017).
medicamentos utilizados pelos pacientes, nota-se que carecem de
C3

maiores informações sobre qual é o uso dos medicamentos, a dose Em casos de problemas de adesão ou uso incorreto do

C3
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tratamento medicamentoso, o farmacêutico pode agir junto aos BRASIL, 2012a. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à Saúde.
Departamento de Atenção Básica. Caderno de atenção domiciliar.
profissionais da ESF, cuidador e paciente para orientar sobre o seu uso Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento
correto e propor estratégias que facilitem a adesão ao tratamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2012.
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(BRASIL, 2010; BRASIL, 2017). De forma que o cuidado farmacêutico BRASIL, 2012b. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova
se constitua em uma ação interprofissional do farmacêutico com a as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo
seres humanos. Brasília: Ministério da Saúde, 2012.
equipe de saúde (SILVA et al., 2016).
BRASIL, 2013. Portaria n. 963, de 27 de maio de 2013. Redefine a
Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Brasília: Ministério da Saúde, 2013.
Conclusão
Avaliar a farmácia caseira fornece dados relevantes sobre o BRASIL, 2014. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.
Departamento de Atenção Básica. Núcleo de Apoio à Saúde da
armazenamento dos medicamentos, a sua utilização após aquisição Família – Volume 1: Ferramentas para a gestão e para o trabalho
e aderência ao tratamento. No caso dos pacientes acamados cotidiano. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde,
Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
essa prática se torna ainda mais importante, já que outra pessoa se
responsabiliza pelos seus cuidados e necessita de informações para a BRASIL, 2017. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.
Departamento de Atenção Básica. Práticas Farmacêuticas no Núcleo
resolutividade da farmacoterapia prescrita. de Apoio à Saúde da Família (NASF). Ministério da Saúde, Secretaria
de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Brasília:
A partir dos resultados obtidos, percebe-se que a atuação do Ministério da Saúde, 2017.
profissional farmacêutico junto à equipe de saúde da ESF pode auxiliar BUENO, C. S.; WEBER, D.; OLIVEIRA, K. R. Farmácia caseira e descarte
na coordenação do cuidado e segurança dos pacientes acamados. de medicamentos no bairro Luiz Fogliatto do município de Ijuí – RS. Rev
Ciênc Farm Básica Apl., v. 30, n. 2, p. 203-210, 2009.
Além de fornecer orientações aos cuidadores sobre os medicamentos
utilizados, armazenamento e descarte corretos, bem como realizar DAL PIZZOL, T. S. et al. Análise dos estoques domiciliares de
medicamentos essenciais no sul do Brasil. Acta Farm, Bonaerense, v.
ações de educação em saúde para maximizar o URM, o que qualifica 25, n. 4, p. 601-607, 2006.
a assistência domiciliar desenvolvida pelo serviço da APS. LASTE, G. et al. Papel do agente comunitário de saúde no controle
do estoque domiciliar de medicamentos em comunidades atendidas
pela estratégia de saúde da família. Ciência & Saúde Coletiva, v.17,
n. 5, p. 1305-1312, 2012.
Referências Bibliográficas
LIMA, G. B.; NUNES, L. C. C.; BARROS, J. A. C. Uso de medicamentos
BECKHAUSER, G. C.; VALGAS, C.; GALATO, D. Perfil do estoque armazenados em domicílio em uma população atendida pelo
domiciliar de medicamentos em residências com crianças. Rev Ciênc Programa Saúde da Família. Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, n. 3, p.
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BRASIL, 2003. Ministério da Saúde. Grupo Hospitalar Conceição. Manual LOCH, A. P. et al. Estoque domiciliar de medicamentos de pessoas
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artigos
de assistência domiciliar na atenção primária à saúde; organizado por assistidas por uma equipe de profissionais da Estratégia de Saúde da
José Mauro Ceratti Lopes. Porto Alegre: Serviço de Saúde Comunitária Família. Rev Bras Med Fam Comunidade. Rio de Janeiro, v. 10, n. 37, p.
do Grupo Hospitalar Conceição, 2003. 1-11, 2015.
BRASIL, 2010. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. MENDES, L. V. P.; LUIZA, V. L.; CAMPOS, M. R. Uso racional de
Departamento de Atenção Básica. Diretrizes do NASF: Núcleo de medicamentos entre indivíduos com diabetes mellitus e hipertensão
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à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da v. 19, n. 6, p. 1673-1684, 2014.
Saúde, 2010.
PINHEIRO, M. R. Serviços Farmacêuticos na Atenção Primária à Saúde.
BRASIL, 2011. Portaria n. 2488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Rev Tempus Actas Saúde Coletiva, p. 15-22, 2010.
Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes
e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia QUINALHA, J. V.; CORRER, C. J. Instrumentos para avaliação da
C3

Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de farmacoterapia do idoso: uma revisão. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol., v.
Saúde (PACS). Brasília: Ministério da Saúde, 2011. 13, n. 3, p. 487-489, 2010.

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RIBEIRO, M. A.; HEINECK, I. Estoque domiciliar de medicamentos na


comunidade Ibiaense acompanhada pelo Programa Saúde da
Família, em Ibiá – MG, Brasil. Saúde Soc. São Paulo, v. 19, n. 3, p. 653-
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663, 2010.
SCHENKEL, E. P.; FERNANDES, L. C.; MENGUE, S. S. Como são
armazenados os medicamentos nos domicílios? Acta Farmacéutica
Bonaerense, v. 24, n. 2, p. 266-270, 2005.
SILVA, A. G.; LIMA J. G.; LIRA A. C. Atuação do farmacêutico nos
Núcleos de Apoio à Saúde da Família: uma contribuição para o
fortalecimento da Estratégia Saúde da Família. Ver. APS, v. 19, n. 1, p.
14-23, 2016.
SILVA, R. C. G. et al. Automedicação em acadêmicos do curso de
medicina. Medicina (Ribeirão Preto), v. 45, n. 1, p. 5-11, 2012.
TOURINHO, F. S. V. et al. Home medicine chests and their relationship
with self-medication in children and adolescents. J Pediatr (Rio J), v.84,
n.5, p. 416-422, 2008.
artigos

artigos
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artigos

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Artigo 7
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SOBRE O CUIDADO À POPULAÇÃO TRANS EM UM CAPS AD III1

Esp. Cristiane Camponogara Baratto, UFRGS, Porto Alegre/RS2


Me. Lívia Zanchet, UFRGS, Antibes/França3

SOBRE O
Resumo: É notável a importância dos profissionais da saúde mental
se apropriarem das discussões a respeito da população LGBT, em
especial da transexualidade, pois a ela cabem demandas específicas
de saúde, bem como um maior uso e abuso de álcool e outras
drogas. Desta forma, propusemos um processo reflexivo na equipe

CUIDADO À
de um CAPSad III a respeito do atendimento a transexuais quando
tais pacientes necessitam de permanência noturna no serviço, onde
os leitos são separados pela binária masculino/feminino. Objetivamos
apresentar, por meio de narrativas, o que foi enunciado pela equipe.

POPULAÇÃO
Foram realizados grupos focais e sua análise foi feita pelo método
narrativo proposto por Onocko-Campos e Furtado.
Palavras-chave: Transexualidade. Saúde mental. Profissionais de
saúde. Álcool e outras drogas. Cuidado em saúde.

TRANS EM UM ON CARE FOR THE TRANS POPULATION IN A CAPS AD III

CAPS AD III
Abstract: It is remarkable the importance of mental health professionals
to appropriate the discussions about LGBT population, specially the
transsexual people, because of their specific health demands, and
the larger use of alcohol and other drugs. By this way, we purpose a
reflexive process with a team from one CAPSad III regarding the care
provided to transsexuals when such patients need night care in the
service, where the beds are separated by the male/female binary.
We aim to present, through narratives, what was stated by the team.
artigos

artigos
Focal groups were conducted and their analysis was made using the
narrative method proposed by Onocko-Campos e Furtado.

1 O trabalho de conclusão da residência, bem como os artigos que dele derivam, não
teriam a mesma implicação e qualidade se não tivessem sido acompanhados pela Psicóloga
Eliana Dable de Melo, trabalhadora do Grupo Hospitalar Conceição. Por isso, agradecemos
pelas suas discussões e contribuições valiosas durante o processo de pesquisa, análise e
escrita.

2 Psicóloga, especialista em saúde mental pela Residência Integrada em Saúde


(RIS/GHC 2014-2016), mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social e
Institucional da UFRGS. E-mail: Cristiane.cb@hotmail.com
C3

3 Psicóloga, especialista em saúde mental pela Residência Integrada em Saúde


Mental Coletiva (RIS ESP/RS – 2008-2010), doutoranda do Programa de Pós-graduação em
Psicologia Social e Institucional da UFRGS. Orientadora do presente trabalho de conclusão.
E-mail: liviazanchet@gmail.com

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Key words: Transsexuality. Mental health. Health professionals. Alcohol se dá/daria a atenção a uma paciente4 transexual com questões
and other drugs. Health care. de saúde mental, realizamos uma pesquisa sobre este tema em dois
serviços (CAPSad III e internação psiquiátrica em hospital geral),
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Introdução
referida ao trabalho de conclusão da Residência Integrada em Saúde
A sexualidade é um tema que vem sendo discutido por várias
(TCR), na ênfase de Saúde Mental, de uma das autoras do artigo. O
áreas do conhecimento e sob diferentes vieses. Podemos encontrar
primeiro artigo derivado do TCR tratava sobre as duas equipes e foi
discussões que tentam legitimar uma variedade de gêneros e formas
publicado em uma revista latino-americana5. Dessa forma, o presente
de exercer a sexualidade e outras que vão no sentido de patologizar
trabalho analisará com profundidade as narrativas do CAPSad III.
essa variedade, tomando como base o binarismo heterossexual e de
gênero como parâmetros de normalidade.
Objetivo
É notável o avanço que os movimentos sociais têm com relação
O objetivo deste trabalho é apresentar, por meio de narrativas,
à busca de direitos igualitários para a população de lésbicas, gays,
o que a equipe de um CAPSad III do Rio Grande do Sul, enunciou
bissexuais, transexuais e travestis (LGBT). Um exemplo é a Portaria nº
sobre o cuidado à população trans em seu serviço a partir de grupos
2.836, de 1º de Dezembro de 2011 que instituiu, no âmbito do SUS,
focais realizados no local.
a Política Nacional de Saúde Integral LGBT. Esta política visa, dentre
outras coisas, ao atendimento e acesso igualitário aos serviços de
Metodologia
saúde, pautados no respeito à identificação de gênero que o usuário
A pesquisa se caracterizou como qualitativa e de abordagem
do serviço possui. Pela existência de uma legislação como essa, fica
exploratória. Foram realizados grupos focais para os quais a pesquisadora
evidente a necessidade pautar o tema de sexualidade e gênero junto
elaborou dois instrumentos: um caso hipotético, construído com
às equipes de saúde.
base em histórias contadas em blogs de mulheres trans, e perguntas
Duarte (2011) destaca a importância da saúde mental se
norteadoras de discussão. O caso apresentado para a equipe do
apropriar das discussões a respeito da população LGBT, pois esta,
CAPSad III problematizava a questão do uso de álcool e outras drogas
quando marginalizada, discriminada e estigmatizada tende a
e o sofrimento psíquico na relação com a transexualidade, sendo que
desenvolver um sofrimento psicossocial intenso, podendo ser mais
a personagem trans necessitava de permanência noturna no serviço.
intenso se comparado a outras populações. O autor afirma que a
O caso e as perguntas foram discutidos em um primeiro grupo focal
população LGBT é mais suscetível aos transtornos mentais, inclusive
que teve duração de uma hora e contou com a participação de
ao uso abusivo de substâncias psicoativas, uma temática tão cara
dez profissionais do serviço6; este número foi delimitado em função
aos serviços de saúde atualmente.
do espaço físico disponibilizado e do horário de trabalho da equipe
Nesse sentido, uma pesquisa feita por Parente et al. (2015) com
naquele momento. As falas do grupo foram audiogravadas, transcritas
artigos

artigos
316 LGBTs apontou que 70,9% dos indivíduos utilizavam álcool e que
e posteriormente transformadas em narrativas por meio da extração
os indivíduos que sofreram violência psicológica e verbal foram os
de seus núcleos argumentais, conforme o método proposto por
que mais consumiram algum tipo de droga. Entender as situações
Onocko-Campos e Furtado (2008). Os participantes encontraram-
de riscos e agravos aos quais o grupo LGBT está exposto contribui
para que suas reais necessidades possam aparecer e que se possa 4 Optamos por utilizar a terminologia “pacientes” em respeito ao modo de dizer da
equipe. De acordo com os profissionais, os pacientes preferem ser assim chamados, pois o
desenvolver ações preventivas aos problemas associados ao uso termo “usuários”, preconizado pelo SUS, é o mesmo utilizado pejorativamente quando se faz
do álcool e outras drogas, entre outros, a partir de uma perspectiva referência a “usuários de drogas”.

multidisciplinar (PARENTE ET AL., 2015). 5 Disponível em: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/rlagg/article/view/8292


C3

Pensando ser relevante levar a equipe à reflexão sobre como 6 A equipe da época contava com 33 profissionais, 1 estagiário de enfermagem e
10 residentes (6 da ênfase de saúde mental, 2 da saúde da família e comunidade e 2 da
psiquiatria).

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se em um segundo grupo focal para discutir e validar as narrativas entre as pessoas trans, sendo que apenas encontramos dados relativos
construídas, dando seguimento à proposta metodológica em questão, a internações hospitalares. Segundo Arán e Murta (2009), na maioria
participativa. Todos os participantes consentiram sua participação das internações médico-hospitalares, esses homens e mulheres ficam
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assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado na enfermaria em conformidade ao sexo com o qual se identificam
pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição. socialmente ou num leito específico para quem realiza o processo
Sobre esta forma pesquisa, podemos dizer que está filiada a transexualizador. Já para Cirilo e Miranda (2012), de trinta e nove
uma busca por avançar na direção da complexidade das pesquisas hospitais pesquisados na região paulista, apenas quatro afirmaram
qualitativas em saúde, envolvendo a narrativa enquanto mediadora respeitar a identidade de gênero na distribuição de leitos e banheiros
entre experiência e discurso, ação e linguagem, indivíduo e sociedade, durante a internação, e seis que claramente desconsideram a
e estrutura e acontecimento (ONOCKO-CAMPOS; FURTADO, 2008). identidade de gênero. Assim como no CAPSad III pesquisado, alguns
Esse método aplicado a grupos focais em saúde mental permite hospitais desse último estudo também avaliam, para a internação,
explorar as relações entre estrutura e eventos observados e/ou aspectos como as necessidades dos pacientes em relação ao
registrados nos serviços de saúde, fugindo da dicotomia entre macro diagnóstico e prognóstico e à disponibilidade de vagas.
e micropolítica nas pesquisas, dando densidade a múltiplas vozes Ainda menos respeitada é a identificação de gênero das
inseridas no contexto. A devolução à equipe deu-se por meio da travestis no SUS. Segundo Muller e Knauth (2008), no sistema público,
divulgação do TCR finalizado. elas ficam hospedadas em quartos masculinos, sem que lhes seja
dada a possibilidade de ficarem em um quarto feminino ou com
Resultados e discussão outras travestis. Os autores afirmam que elas são tratadas a partir do
As narrativas construídas giraram em torno a oito temáticas sexo designado ao nascimento e como “homens vestidos de mulher”,
principais, as quais apresentamos a seguir. deslegitimando sua identificação feminina.
É com essas palavras de “homem vestido de mulher” que alguns
1. Decisão sobre o leito membros da equipe se referiram à paciente transexual do caso
Ao discutir sobre qual leito a mulher trans do caso hipotético hipotético. Apesar disso, houve um convencimento de quase toda a
ocuparia no CAPSad III, a equipe considerou importante para a equipe de que mesmo se assim for vista, ela deveria ser considerada
decisão os seguintes pontos: a questão de leitos vagos, a garantia do mulher, tendo como exemplo a questão de raça e cor – que é também
quarto somente para ela, a ocupação do leito feminino, a opinião autodeterminada.
e possível construção conjunta com os outros pacientes e, ainda, a Parte da equipe sugeriu que essa e outras discussões deveriam
violência institucional. ser feitas de forma coletiva, incluindo também os demais pacientes
Em um primeiro momento, membros da equipe apontaram para do serviço. Ressaltam a importância em se incluir a temática LGBT
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a possibilidade de deixar um quarto inteiro reservado para a paciente em geral nos espaços de discussão dos pacientes para estimular a
do caso hipotético, caso houvesse vagas, mas a maioria da equipe reflexão, diminuindo a incidência de preconceito e exclusão nos
entendeu que, se isso acontecesse, seria uma forma de segregação. espaços de convivência.
Deixar uma paciente sozinha, para eles, seria reconhecer que ela tem O preconceito, segundo a equipe, poderia gerar violência
uma diferença negativa e isso não seria terapêutico. A equipe ainda contra a paciente, o que é contraditório, já que ela está em um espaço
apontou em tom de brincadeira que, se o critério para um quarto de cuidado: “Reconhecemos que, daqui a pouco, o lugar que é pra
individual fosse ter alguma “diferença”, deveriam ser criados quartos ser protetivo e que deve zelar para que a pessoa diminua o uso de
para todas as possibilidades de diferenças entre os pacientes. drogas ou outro objetivo, faz com que a pessoa reviva situações de
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Ainda são poucas as pesquisas a respeito da utilização de leitos abuso aqui dentro” (extrato da narrativa).

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Segundo a pesquisa de Parente et al. (2015), os indivíduos que levando à ideia de que o/a transexual “é a pessoa que nasceu com
sofreram violência de ordem psicológica e verbal foram os que mais o corpo errado e assumiu o estereótipo daquele gênero com o qual
consumiram algum tipo de droga ao longo da vida, sendo o álcool se identifica, independente de ter realizado cirurgia ou não” (extrato
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a principal delas. Isso demonstra a importância de trazer o tema das da narrativa).
vulnerabilidades para discussão na saúde mental. O CAPSad III, por Dois participantes da equipe afirmaram ter realizado um curso
exemplo, ao trabalhar na perspectiva do cuidado integral à saúde, na modalidade de educação à distância que conceituava transexual
tem a possibilidade de transformar realidades, tanto com relação ao como sendo a pessoa que não se identifica com o sexo biológico que
uso de substâncias quanto em relação à própria violência do estigma nasceu, tanto homem quanto mulher. A equipe também se questionou
e do preconceito que colocam o sujeito em maior vulnerabilidade. a respeito do que é que define a pessoa – se a cultura ou o sexo
Para finalizar a discussão sobre esta temática, a equipe tentou biológico – sendo que os dois fatores foram vistos como inseparáveis.
imaginar como seria um fluxo para encaminhamento da paciente Outra proposição ainda foi a da transexualidade se tratar de uma
para um dos leitos no serviço. Em primeiro lugar, entenderam que escolha da pessoa, argumento que foi rebatido quando foi proposto
deveriam escutar a paciente, depois conversariam com a equipe e, pensar nisso quanto à heterossexualidade ser ou não uma escolha. A
por fim, com os outros pacientes. Um dos participantes afirmou que, equipe concluiu, com essas discussões, que entende a transexualidade
ainda assim, a opinião da pessoa deveria ser a mais valorizada na como a condição que a pessoa sente que é.
escolha do leito. Arán (2006) afirma que geralmente se parte do pressuposto de
A escolha sobre quem será escutado em um processo decisório uma dicotomia entre sexo e gênero. Sexo seria definido pela natureza,
como esse aponta para a importância que a equipe dá para a própria fundamentado no corpo biológico e genético, e o gênero como
usuária e para os outros pacientes do serviço. A gestão participativa sendo adquirido através da cultura. Esta forma de pensar limita a
e o protagonismo do movimento social, como afirmam Arán, Murta e possibilidade de compreensão das subjetividades e das sexualidades
Lionço (2009), são fundamentais para que ações em saúde venham a enquanto plurais. A autora propõe que entendamos o gênero como
responder e espelhar as reais necessidades e valores de cada grupo “efeito performático que possibilita a constituição e o reconhecimento
social, tornando o modelo de atenção mais próximo da equidade de uma trajetória sexuada, a qual adquire estabilidade em função da
objetivada pelo SUS. Ouvindo todos os envolvidos, a equipe prima pela repetição e da reiteração de normas” (ARÁN, 2006, p.51).
proteção ao desejo e por um tratamento não-patologizante (ÁVILA, Deste modo, concordamos com Ávila (2014) que falar de
2014). transexualidade implica em uma reflexão anterior sobre o que
entendemos por sexualidade, indo além das concepções biológicas, e
2. Entendimento de transexualidade desconstruindo binarismos rígidos presentes nas categorias de gênero
Outra temática destacada nas narrativas diz respeito ao tradicionais: homem/mulher, masculino/feminino, heterossexual/
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entendimento de transexualidade que os participantes da pesquisa homossexual.
têm. Surgiram várias frentes pelas quais eles puderam pensar essa Ainda quanto ao biológico e corporal, a equipe tentou
condição, desde a necessidade ou não de cirurgia para legitimar a identificar a importância da cirurgia para a afirmação da identidade
transição de gênero, as visões biológica e cultural e o espectro da trans. Um membro da equipe entendia a cirurgia como essencial para
transexualidade. que não se visse a pessoa como um homem por baixo das roupas
Uma das definições que a equipe lançou mão para explicar femininas. Boa parte da equipe compartilhou de dúvidas semelhantes
a transexualidade foi a de ver a pessoa como alguém que não se quanto à cirurgia ser critério de diferenciação entre a transexualidade
identifica com o gênero designado no nascimento. Outra definição e o travestilidade, ou mesmo da masculinidade para a feminilidade.
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também foi a de alguém que não se identifica com o próprio corpo, É interessante notar que a própria equipe se corrigia quando, em
alguns momentos em que havia a troca de pronome “ela” por “ele”

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ao se referir ao caso, e quando alguém falava em ser “totalmente” ou horário e em salas muito próximas, o que possibilitava brincadeiras
“praticamente” mulher, no intuito de afirmar que são mulheres a partir que simula a entrada dos pacientes no outro grupo, em ambos os
do momento em que se consideram como tais. casos. Essa consideração sobre o desejo da paciente fez com que a
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Um membro da equipe cunhou o termo “espectro” no sentido equipe problematizasse a indicação dela para o grupo de mulheres,
de pontuar a diversidade de identidades não binárias existentes em no sentido de tentar entender quais são as questões do feminino e
nossa cultura. Boa parte da equipe entendeu ter dificuldade de do masculino com as quais ela se identifica, e buscando ferramentas
diferenciar os/as transexuais de outras identidades desse espectro, para pensar as próximas indicações que farão, não só de pacientes
como por exemplo, das travestis. Houve uma tentativa de conceituar LGBT ou do “espectro”, mas de todos do serviço. É interessante notar
travesti como alguém que, além de se travestir, se identifica aos sexos que esta divisão binária heterossexual entre dois grupos restringe as
masculino e feminino, e não vê problema em manter sua genitália identidades e sexualidades não binárias que queiram tratar de suas
porque isso também é parte de sua identificação. Manter o órgão questões que não são estritamente do “mundo masculino” e/ou do
masculino, para alguns, faz com que a travesti seja vista como um “mundo feminino” em um espaço grupal. De certa forma, podemos
homem vestido de mulher. dizer que (até o momento) não há espaço para o “espectro”.
Esta consideração vai ao encontro do que Guaranha (2014), Quanto ao tratamento que a equipe ofereceria para a
recorrendo a Lomando e Nardi (2013), afirma sobre, de maneira população transexual, além da questão do acolhimento noturno e
geral, os/as trabalhadores/as da saúde verem uma travesti como um dos dois grupos já referidos, entendem que ele deveria pautar-se no
“homem que se veste e se porta como mulher”, e a diferenciar da cuidado com os outros pacientes, no respeito, no cuidado do espaço
mulher transexual que seria “uma alma feminina presa em um corpo de ambiência e no respeito à forma como a pessoa quer ser chamada.
masculino” (GUARANHA, 2014, pp.34-35). A autora ainda circunda o Estas pontuações de cuidado podem se estender a toda saúde
conceito de travesti de forma semelhante ao que a equipe elaborou mental, como preconizado pelas políticas atuais sobre o tema. Sendo
dizendo que “a maioria das travestis não busca o reconhecimento de ampliada para outros sujeitos e outras questões além do sofrimento
uma identidade exclusivamente feminina ou masculina, nem referencia ligado a transexualidade em si, Duarte (2011) concorda que é o que
o desejo da realização da cirurgia como forma de corporificação de se espera da atenção à saúde da população trans, pois a saúde desta
sua experiência” (GUARANHA, 2014, p.26). – e de qualquer sujeito – independentemente da sua sexualidade
e das identidades de gênero, não pode ficar restrita à abordagem
3. Como é/imaginam o processo de trabalho com trans? Outras reducionista da sua saúde sexual.
questões do tratamento/atendimento Ainda nesse sentido Duarte (2011) ressalta que o próprio Ministério
Outra temática extraída das narrativas é com relação da Saúde do Brasil inclui, nas atribuições do profissional de saúde
ao processo de trabalho e outras questões no tratamento/
mental, a promoção do respeito às diferenças como princípio ético
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atendimento à população transexual no CAPSad III. A

artigos
equipe identificou inicialmente duas atividades grupais e, por isso, as mesmas não podem ser usadas como instrumento de
semanais oferecidas pelo serviço que serviram como norte
para as discussões e questionamentos sobre a questão LGBT reprodução da desigualdade e da discriminação, como bem aponta
no serviço: o Grupo de Homens e o Grupo de Mulheres. a equipe.

Estes grupos são indicados pela equipe para pacientes com


4. Experiências no CAPSad III
questões que envolvem o “mundo masculino” e o “mundo feminino”
A equipe, ao ser questionada sobre experiências com pacientes
e que podem se beneficiar com o trabalho grupal. Um membro da
transexuais no serviço, relata algumas situações já ocorridas sobre a
equipe ilustrou a situação de uma paciente do grupo de mulheres
diversidade de gênero e os desafios que sentem quando se deparam
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que disse ir para esse grupo “com um pezinho no grupo de homens


com identidades não binárias/heteronormativas.
também”. É interessante explicitar que os grupos aconteciam no mesmo
Uma delas, o caso de uma mulher lésbica considerada pela

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equipe como de aspecto masculinizado que ficou em um quarto gênero e sexualidade para discussão nas equipes de saúde mental,
feminino na permanência noturna. Ter ficado neste leito e quarto com intuito de fortalecer discursos que possibilitem um cuidado de
causou um constrangimento inicial nas outras pacientes, mas a saúde integral e sem exposição a sofrimento e vulnerabilidade por
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equipe afirmou que este se dissipou com o passar do tempo. Alguns motivos de preconceito e/ou desconhecimento.
participantes começaram se questionar sobre a escolha do leito: Outro membro da equipe lembrou de uma paciente transexual
“Alguns de nós entendemos que ela poderia ter ficado no quarto que havia frequentado o serviço há alguns anos. Na época, ainda
masculino, já outros discordam dessa possibilidade, pois não se trata não havia um campo para “nome social” na ficha de atendimento
de um caso de transexualidade”. Com essa narrativa, podemos do serviço, mas mesmo assim foram colocados os dois nomes, o da
identificar que a equipe faz, mesmo que implicitamente, uma certidão de nascimento e o social. Este último era utilizado pelo serviço
diferenciação entre identidade de gênero e orientação sexual. A na relação com a paciente.
diferença aparece aqui entre quem se identifica com o gênero
feminino e quem é homossexual e assume uma postura diferente da 5. Experiências nos serviços e na vida
que se espera de homens e mulheres. A equipe entende que, quem Situações ocorridas em outros serviços onde os membros da
se autoidentifica como mulher ou homem deve ir para o quarto que equipe já haviam trabalhado ou mesmo situações relativas a gênero
respeite a sua identificação. e sexualidade em outras áreas da vida também foram comentadas.
Outro caso que apareceu nas discussões foi de uma paciente Um membro da equipe contou que em seu outro trabalho havia uma
travesti que foi designada a ficar em um quarto masculino por critérios paciente transexual que utilizava seu nome feminino e isto foi violado.
biológicos quando necessitou de permanência noturna. Apesar da Outro trabalhador deste local recusou-se a chamar a paciente pelo
designação deste quarto, a paciente se relacionava majoritariamente seu nome feminino em detrimento dos documentos oficiais com nome
com as mulheres do CAPSad III, que a tratavam como mulher. A masculino, e isso gerou um processo judicial para o local. Um membro
equipe se questionava sobre a decisão que tomou neste caso, até da equipe entendeu como “pirraça”, outro como “ser macho” essa
que um membro da equipe afirmou que “o” paciente escolheu ter atitude de fixar-se no nome do documento ignorando o pedido da
uma postura masculina nos serviços de saúde, mudando, inclusive, pessoa, mas ninguém concordou com essa forma de agir e disseram
sua vestimenta. que respeitariam o pedido da paciente. Quanto ao reconhecimento
Quanto a este caso podemos destacar dois pontos. O primeiro por parte dos profissionais de saúde, Guaranha (2014) afirma que o
diz respeito à existência de homo e transfobia nas instituições de saúde Estado é materializado na prática desses profissionais e que, ao não
e que se manifestam de diversas formas (DUARTE, 2011). O “escolher reconhecer as identidades trans, acaba por deslegitimar a existência
uma postura masculina” quando se tem uma identidade de gênero desses sujeitos, questiona a validade daquela vida.
feminina pode indicar situações até mesmo violentas que a paciente Ao pensar sobre essas outras experiências, a equipe acabou por
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sofreu em serviços de atenção à saúde e que, para se proteger de recordar-se de momentos que não dizem respeito à transexualidade
uma possível repetição, se manifesta escondendo ou alterando essa em si, mas a sexualidades não normativas, como a homossexualidade,
identidade. Podemos nomear isso como preconceito antecipado, por exemplo. Um membro da equipe contou uma experiência pessoal
experiências anteriores ruins que barram o/a paciente de mostrar- de uma amiga que tinha atração apenas por uma mulher específica
se como é antes mesmo de tentar. Assim como dito anteriormente e não por outras mulheres, e isso o fez questionar a respeito da
com Duarte (2011), sobre os serviços de saúde não tratarem apenas homossexualidade enquanto vivência única para cada pessoa.
da saúde sexual das pessoas LGBT, pontuamos que uma abordagem Nesse sentido, outro membro da equipe relatou que uma
restrita ao problema com álcool e outras drogas, deixando de colega de outro trabalho foi casada com um homem e teve um
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trabalhar a questão da saúde sexual e de gênero, pode não ser filho com ele. Quando do falecimento deste marido, ela conheceu
tão efetiva. Por isso, reiteramos a necessidade de trazer os temas de

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uma mulher que a apoiou, deu carinho e elas acabaram por ter a revisão dos currículos da graduação da área da saúde a fim de
um relacionamento e casar. Segundo essa pessoa, a amiga não capacitar a abordagem e tratamento das questões vinculadas à
era lésbica anteriormente a essa experiência, validando a ideia de
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sexualidade. Essas, além do nome social, são formas de melhorar o
fluidez da sexualidade. A partir disso, a equipe se questionou quanto à acesso e a permanência da população trans nos serviços de saúde e
fluidez também da bissexualidade, entendida por alguns como gostar também de saúde mental.
e sentir-se atraído por “pessoas”, independente das características Acreditando que realizar pesquisa dentro dos serviços de
sexuais do parceiro/a. saúde compõe uma estratégia de educação permanente e uma
oportunidade para explorar assuntos relevantes, a pesquisadora
6. Conhecimento de leis ou portarias sobre a questão LGBT e trouxe para o grupo focal algumas legislações importantes para
cursos esse contexto. Além de ampliar a discussões sobre o uso do nome
Ao ser questionada com relação ao conhecimento de leis e social, algumas diretrizes sobre o cuidado e leis sobre o processo
portarias sobre a questão LGBT, dois profissionais da equipe afirmaram transexualizador foram apresentadas.
ter feito um curso na modalidade à distância sobre a saúde da
população trans, oferecido por uma universidade federal havia dois 7. Pré-conceitos/preconceitos
anos. Neste curso, as nomenclaturas foram discutidas, bem como fora Durante as discussões no grupo focal surgiram algumas questões
solicitado criar alguma estratégia dentro do serviço para o trabalho relativas a pré-conceitos/preconceitos com a população LGBT de
com essa população. Dessa forma, foi incluído o campo para forma geral. Dentre elas, a preocupação relatada por um participante
preenchimento do nome social na ficha de avaliação do serviço. a respeito da felicidade das filhas, independentemente das relações
O uso do nome social nos serviços de saúde tornou-se uma que elas viessem a ter – se homo ou heterossexuais. Essa preocupação
estratégia de promoção de acesso principalmente de transexuais e foi questionada para o caso de serem filhos homens, pois, segundo
travestis, já que um dos principais fatores de exclusão do sistema é a outro participante, é mais fácil aceitar uma mulher homossexual do
precariedade no acolhimento, segundo Arán, Murta e Lionço (2009). que um homem nessa condição. Ainda assim, a resposta do colega
Apesar de ser uma boa estratégia de inclusão, Ávila (2014) afirma foi no sentido da importância de a pessoa buscar a própria felicidade.
que o uso do nome social não resolve definitivamente os problemas Isso produziu afirmações como “meu marido não aceitaria se os
cotidianos enfrentados por quem continua a apresentar o nome de filhos fossem homossexuais” e “seria mais difícil ainda aceitar se fosse
registro nos documentos oficiais. Podemos incluir nesses problemas transexual, de filho para filha” (extratos das narrativas).
a questão dos leitos de permanência noturna, o uso de banheiros Um membro da equipe afirmou que todas as pessoas deveriam
masculinos ou femininos, entre outros. se permitir experiências com relação a sua sexualidade ao longo da
Fora a questão do nome social, a equipe demonstrou vida alegando que “não existe problema nisso, mas sim convenções
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desconhecimento de leis e portarias que tratem da população sociais feitas para acabar com a felicidade das pessoas”. Esse
trans. Para Cardoso e Ferro (2012) o desconhecimento das leis reflete participante se referia ao preconceito que existe e que se inscreve na
também o desconhecimento das redes de apoio e das políticas constituição do indivíduo, o qual internaliza isso e acaba por se privar
públicas e configura uma barreira para o atendimento e cuidado de experiências que fujam do esperado socialmente. Privar-se de
integral da pessoa pelos serviços. Aproximar-se destas legislações experiências em função do preconceito, também pode caracterizar
qualificaria, portanto, os serviços prestados nas mais diversas áreas. a existência de um preconceito antecipado arraigado na nossa vida
É nesse sentido que Muller e Knauth (2008) ressaltam a social.
importância de ampliar o debate sobre gênero e diversidade sexual Duarte (2011) nos conta que a cultura midiática hegemônica
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entre os profissionais de saúde, pois dessa forma se estaria qualificando contribui para a solidificação de modelos e conceitos sexistas,
o atendimento a essa população. Os autores também propõem

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machistas, misóginos e homofóbicos e que, com isso, limita a livre ofensivos.


expressão das identidades LGBT. De situações privadas a públicas, o Como já referido na metodologia deste trabalho, um segundo
que vemos como consequência dessas limitações são violações da grupo focal foi realizado para a apresentação e discussão das narrativas
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dignidade humana e dos direitos de cidadania. Dessa forma, o autor construídas pela pesquisadora. Neste momento, membros da equipe
afirma ser necessário teceram novos comentários sobre a temática da transexualidade,
localizar os discursos da população em geral e em
suscitados após a realização do primeiro grupo, como a indicação
particular dos profissionais do campo da saúde, que muitas
vezes reproduzem as relações de poder socialmente de cursos na modalidade à distância oferecidos online e indicações
estabelecidas, que reforçam estereótipos e caricaturas que
de filmes que abordam a temática. Este segundo momento também
reduzem as singularidades e subjetividades da população
LGBT. (DUARTE, 2011, p.85). foi utilizado como forma da pesquisadora responder às dúvidas
elaboradas pela equipe no primeiro encontro.
Localizando esses discursos, é possível trabalhar as intersecções
que atravessam o cuidado ao usuário da saúde (e da saúde mental). Conclusões
Acreditamos que o grupo focal realizado na pesquisa proporcionou Finalizando este trabalho, destacamos da indicação que
o encontro dos profissionais com seus pré-conceitos e preconceitos a Política Nacional de Saúde Integral à População LGBT faz de
sobre a transexualidade e a população LGBT, que muitas vezes não intensificar a formação dos profissionais de saúde, desde a graduação
eram enunciados. Esse encontro favoreceu a desconstrução de até momentos de educação permanente. Estudar, refletir e trazer
estereótipos e a promoção de respeito às identidades de gênero e para seu serviço e sua equipe temas como o cuidado à população
orientações sexuais diversas, a partir da troca de ideias proporcionada. transexual é apenas o início da desconstrução de preconceitos em
A homofobia e a transfobia estão presentes nos discursos busca de um atendimento igualitário e integral.
cotidianos da nossa sociedade de diversas formas, não sendo diferente Cardoso e Ferro (2012) corroboram nosso pensamento ao afirmar
nos serviços de saúde. Isso traz consequências significativas para a que as redes de saúde que visam atender melhor esta população
saúde mental e exige um desprendimento do profissional ao trabalhar dependem das transformações no modo de pensar e de agir dos
com a integralidade da pessoa, entendendo suas vulnerabilidades profissionais de saúde. Discutir de que forma o padrão heterossexual
e sofrimentos, de forma a buscar uma mudança nisso, e não repetir e o binarismo influenciam o atendimento dos profissionais da saúde
situações de violência já vivenciadas pelo paciente. a essa população, mesmo que de modo subjetivo, já contribui para
essa transformação positiva.
8. Dúvidas e outros comentários sobre o tema Como vimos, a população transexual tem demandas específicas
Durante o grupo focal com a equipe do CAPSad III, surgiram quanto à saúde mental, muitas vezes ligadas a situações de violência
algumas dúvidas e outros comentários sobre a temática LGBT no geral e preconceito. Assim como a população pode ser atendida apenas
artigos

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que consideramos importantes referir. Uma das dúvidas levantadas por sua questão sexual, ela também pode ser atendida apenas pela
pela equipe foi sobre a seriedade do projeto de lei conhecido sua demanda de saúde mental. Queremos salientar aqui que o ideal
popularmente como “cura gay”. Alguns membros da equipe é que tudo seja trabalhado conjuntamente, tanto com a pessoa
chamaram esse projeto de ridículo, sem fundamento, enquanto outros quanto com a equipe, com os outros pacientes e extra-muros, para
achavam se tratar de uma brincadeira e não um projeto real. que as realidades mudem e as vulnerabilidades diminuam.
Também foi disparada uma dúvida sobre as diferenças entre os Como bem apontou a equipe do CAPSad III, é necessário
termos utilizados para falar da população LGBT, como por exemplo, envolver todos os presentes na cena da ocupação de leitos para
lésbica e “machorra” ou “sapatona”, bissexual e “gilete”. Alguns evitar repetição de situações de violência e para que se possa ser
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membros da equipe explicaram que os termos lésbica e bissexual são efetivo no atendimento das demandas. Faz-se relevante, portanto,
“politicamente corretos” e os outros são considerados pejorativos e ouvir e considerar o desejo dos usuários nos processos decisórios do

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serviço. Isso reforça os princípios da saúde mental que se pautam na v.6, nº2, p.1-14, 2008.
crescente autonomia e protagonismo do usuário. PARENTE, Jeanderson Soares, et al. Álcool, drogas e violência:
Há muito o que refletir e fazer para mudar essa realidade e implicacões para a saúde de minorias sexuais. Reprodução e
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promover o acesso e a permanência nos serviços. Delineia-se um climatério, 30(3), p.108–114, 2015.
longo caminho para ultrapassar as barreiras pessoais e coletivas do ONOCKO-CAMPOS, Rosana Tereza; FURTADO, Juarez Pereira.
Narrativas: apontando alguns caminhos para sua utilização na
trabalho, além de barreiras reais que impedem essas pessoas de
pesquisa qualitativa em Saúde. In ONOCKO-CAMPOS, RT; FURTADO JP;
ocuparem os serviços. PASSOS, E; BENEVIDES R. (Orgs). Pesquisa Avaliativa em Saúde Mental:
Este estudo não tem a pretensão de ser generalizado para outros desenho participativo e efeitos da narratividade. São Paulo: Aderaldo
contextos de trabalho, mas esperamos ter ressaltado a importância de & Rothschild Editores, 2008.
se iniciarem discussões como essas nos serviços de saúde. Apontamos
ainda a necessidade de ampliação dos estudos na temática da
transexualidade, seja sobre o cuidado oferecido à essa população,
seja em relação às próprias expectativas e experiências que essas
pessoas têm vivido.

Referências Bibliográficas
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sexo-gênero. Ágora (Rio de Janeiro), v. IX, n.1 jan/jun, 49-63, 2006.
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2009.
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Alegre, 2014. Dissertação (mestrado em Psicologia) – Universidade
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caso do atendimento às travestis é “babado”. Cadernos EBAPE.BR,

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Artigo 8
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DocÊncia na saÚDE: promovendo coletivos
organizados

Aline Iara de Sousa, SSC/GHC, Porto Alegre/RS1


Daniel Demétrio Faustino-Silva, SSC/GHC, Porto Alegre/RS2
Jussara Mendes Lipinski, Universidade Federal do Pampa,
Uruguaiana/RS 3

DOCÊNCIA
Jeane Felix, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa/PB.4

Resumo: Na perspectiva de ver o trabalho dos coletivos como

NA SAÚDE:
potente, destacam-se as atividades vivenciadas no âmbito do Núcleo
de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EducaSaúde/UFRGS), em
parceria com o Ministério da Saúde onde foram realizadas atividades

PROMOVENDO
de formação, por meio de ações da Educação à Distância (EAD). A
proposta foi organizar e executar processos educativos de profissionais
de diversas áreas para atuação no Sistema Único de Saúde (SUS). As
atividades propostas pelo Núcleo do Educa Saúde foram realizadas
com a participação de coordenadores(as), tutores(as) e cursistas.

COLETIVOS
Cada um(a), no e pelo seu trabalho, assumiu o compromisso de
modificar as práticas dos ambientes nos quais desempenham seus
saberes e fazeres profissionais. Neste texto, tomamos como campo de
experiências o Curso de Especialização Docência na Saúde.

ORGANIZADOS
Palavras-chave: Ensino. Saúde. Sistema Único de Saúde. Educação
Superior.
artigos

artigos
1 Graduada em Enfermagem (1999), mestre em Enfermagem pela UFRGS (2002), especialista
em Saúde Pública (2006) e Docência na Saúde pelo EducaSaúde UFRGS (2015). Atua como
enfermeira no Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição e orientadora
da Residência Integrada em Saúde.

2 Graduado em Odontologia (2004), especialista em saúde coletiva (2006), mestre em


Odontopediatria (2009) e doutor em Saúde Bucal Coletiva (2015) pela UFRGS. Odontólogo
do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição, atua como orientador
da Residência Integrada em Saúde e professor do Mestrado Profissional de Avaliação e
Produção de Tecnologias para o SUS do GHC.

3 Graduada em Enfermagem e Obstetrícia pela FURG (1990), mestre em Assistência de


Enfermagem pela UFSC (2000) e doutora em Enfermagem pela UFRGS (2010). Professora da
Universidade Federal do Pampa.
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4 Graduada em Pedagogia (2002), mestre em Educação pela UFPB (2005) e doutora (2012)
e pós-doutora (2015) em Educação pela UFRGS. Professora do Centro de Educação da
Universidade Federal da Paraíba.

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TEACHING IN HEALTH: PROMOTING ORGANIZED qualidade de vida, não agindo de maneira autônoma e automática,
COLLECTIVES mas pensando sobre cada um de seus fazeres para torná-los
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adequados ao seu espaço e tempo. Nessa perspectiva, de acordo
Abstract: In the perspective of seeing the collective work as potent, the com
activities carried out within the scope of the Education, Evaluation and o conceito de coletivo tem sido frequentemente
Pedagogical Production in Health Center of the Federal University of utilizado, seja no âmbito da psicologia, seja no âmbito
Rio Grande do Sul (EducaSaúde / UFRGS) are highlighted in partnership da sociologia, para designar uma dimensão da
with the Ministry of Health where training activities were carried out, realidade que se opõe a uma dimensão individual
through Distance Education (EAD) actions. The proposal was to (...), este modo de apreensão do coletivo/social
organize and execute educational processes of professionals from deriva de uma abordagem dicotômica da realidade
different areas to work in the Unified Health System (SUS). The activities característica das ciências modernas, cujo efeito,
proposed by the Núcleo do Educa Saúde were carried out with the dentre os mais visíveis, é a separação dos objetos e
participation of coordinators, tutors and students, and each one, in dos saberes. (ESCÓSSIA E KASTRUPP, 2005, p. 295).
and through his work, made a commitment to modify the practices of
the environments in which they play their knowledge and professional
practices. In this text, we take as field of experience the Specialization As mesmas autoras propõem uma compressão de coletivo que
Course Teaching in Health. rompa com a tradicional dicotomia indivíduo-sociedade para pensá-
Keywords: Teaching. Health. Unified Health System. Higher Education.
lo de uma outra lógica, “atenta ao engendramento, ao processo que
antecede, integra e constitui os seres” (ESCÓSSIA e KASTRUPP, p. 2005,
Introdução p. 297). Em consonância com as autoras, compreendemos coletivo
Desde os primórdios, o ser humano, por meio de seu trabalho, como algo que potencializa e que ocorre no engendramento,
vem modificando, aprendendo, desenvolvendo novas tecnologias no imbricamento e na articulação do grupo, algo que se forma e
na tentativa de viver cada vez melhor. Para atender algumas de que se constrói em movimento, que representa os diferentes sem
suas necessidades, foi passando a exercer suas atividades de modo descaracterizá-los, mas potencializando-os.
coletivo e não mais de forma isolada. Nesse sentido, o trabalho, Nessa perspectiva de ver o trabalho dos coletivos como
como uma ação de grupo, atende também a uma das necessidades potente, destacam-se as atividades vivenciadas no âmbito do Núcleo
humanas básicas, conhecida como gregária, que leva as pessoas a se de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde da
unirem deixando, momentaneamente, suas características individuais Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EducaSaúde/UFRGS), em
para assumirem as características de um grupo no qual se percebe parceria com o Ministério da Saúde. Nessa parceria, foram realizadas
confiança, respeito e inclusão. Assim, o trabalho representa as atividades de formação, por meio de ações da Educação à Distância
diferentes manifestações de homens e mulheres em uma sociedade, (EAD), cujo coletivo esteve comprometido com a organização e
sendo este considerado um meio para obtenção da sobrevivência de execução de processos educativos de profissionais de diversas áreas
cada indivíduo e de sua família e, também, como fonte de realização para atuação no Sistema Único de Saúde (SUS). As atividades propostas
artigos

artigos
pessoal e de prazer, seja pela produção de seu próprio sustento ou pelo Núcleo do Educa Saúde foram realizadas com a participação de
vendendo sua força de trabalho. coordenadores(as), tutores(as) e cursistas e cada um(a), no e pelo
Desse modo, vemos que, ao longo do tempo, homens e seu trabalho, assumiu o compromisso de modificar as práticas dos
mulheres se organizaram para que sua força de trabalho coletiva ambientes nos quais desempenham seus saberes e fazeres profissionais.
pudesse ajudá-los a realizar suas tarefas em menor tempo e com Assim, cada participante frente a sua prática profissional específica
maior qualidade. estava comprometido com os interesses, necessidade e saberes
Assim, a formação de coletivos organizados não é uma ideia que se construíam no grupo. Neste texto, tomamos como campo de
nova, o que entendemos como novo é a formação de coletivos que experiências o Curso de Especialização Docência na Saúde, sobre o
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busquem nos diferentes “fazeres”, em seu cotidiano de trabalho, qual falaremos adiante.
novas tecnologias que possam melhorar este, de forma a ampliar a Dessa maneira, a partir da reflexão sobre coletivos,

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objetivamos  refletir sobre nossas experiências como formadores(as), seus respectivos(as) orientadores(as) de aprendizagem, responsáveis
tutores (as) e orientadora de aprendizagem, em um curso voltado à por apoiar o trabalho dos(as) docentes-tutores(as) de cada região.
formação de docentes, para a área de saúde, de todas as regiões do Assim, este texto surgiu na tentativa de contar uma parte da
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País. Apostamos na força pedagógica e política de nossa experiência história do coletivo sul em que docentes-tutores (as) e orientadora de
para propor reflexões sobre a formação de docentes, incluindo o aprendizagem relatam seus trabalhos, aprendizados, afetos e, porque
processo formativo em que fomos construtores(as) e participantes, não dizer, desafetos em algumas situações. Tais experiências foram
experimentando tanto o compromisso de ajudar a construir essa fundamentais para promover aprendizagens e levaram, certamente,
formação em EAD quanto os aprendizados e afetos produzidos nos ao amadurecimento e à construção de um coletivo que se conheceu,
nossos espaços de trabalho e formação. Assim, tomamos experiência amparou, protegeu e acima de tudo cresceu e produziu saberes.
na perspectiva proposta por Larrosa (2002), para o qual a experiência No curso, a proposta era despertar o potencial docente,
foi o que nos passou, o que nos aconteceu, o que nos tocou. Não “o buscando dar sentido às vivências de cada um(a) dos(as)
que se passa, não o que acontece, ou o que toca” . O mesmo autor envolvidos(as), tornando a experiência do trabalho coletivo como
relata ainda que, aquilo que nos toca, que nos envolve e aproxima, na perspectiva
a cada dia se passam muitas coisas, porém, ao
que mencionamos. A atividade se amparou em um conceito do
mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia
que tudo o que se passa está organizado para que protagonismo, na qual cada profissional deveria colocar em discussão
nada nos aconteça”. Nessa direção, seríamos todos
e em análise algumas das situações cotidianas do trabalho, buscando,
(as) nós, sujeitos de nossas experiências, “algo como
um território de passagem, algo como uma superfície em seus próprios espaços laborais, com seus pares, a humanização da
sensível que aquilo que acontece afeta de algum
atenção, a construção de vínculos, o acolhimento, a formação de
modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas,
deixa alguns vestígios, alguns efeitos”. É, pois, a partir redes de cuidado, a garantia de acesso a usuários (as) dos serviços de
de nossas experiências que este texto se constrói e,
saúde (UFRGS/MS, 2015b).
desse modo, nos formamos, (des) aprendemos e nos
construímos como docentes. (LAROSSA, 2002 p.21). A proposta era trabalhar na perspectiva da Educação
Permanente em Saúde (EPS), na qual o objeto do processo formativo
O Docência na Saúde como um território de aprendizagens desloca-se da reprodução de conhecimentos pré-estabelecidos para
O Curso de Especialização de Docência em Saúde teve por a reflexão e a busca por soluções coletivas para problemas que surgem
objetivo principal: “ajudar a formar profissionais para o trabalho no do cotidiano do trabalho (CECCIM, 2005b). O processo de trabalho,
SUS tanto na saúde quanto na docência” e frente a esse objetivo como um espaço de aprendizagem, tem a potência de revelar o
oportunizou, às Instituições de Ensino Superior (IES) interessadas, conflito entre o cotidiano da prática profissional e o conhecimento
apresentarem projetos de intervenção, que deveriam ser desenvolvidos formal (UFRGS/MS, 2015b).
institucionalmente ao longo do curso por docentes dessas respectivas Para o avanço da proposta, cada participante precisava,
artigos

artigos
IES. Esses(as) docentes integrariam o coletivo na condição de cursistas portanto, ser protagonista, e o coletivo sul definiu por protagonismo
(UFRGS/MS, 2015a). a ideia de tomar a frente, trazer ao debate, fazer perguntas, mas
 Nessa proposta, docentes-cursistas de cada instituição deveriam também ajudar a construir as respostas, assumir compromissos e
atuar, conjuntamente, em coletivos de três participantes para cada responsabilidades frente a nós mesmos e aos outros, trabalhando em
projeto. O trabalho seria desenvolvido por esse conjunto de docentes, prol de algo que nos instigava e complementava como profissionais e
o que por si só já estimulou a formação de vários pequenos coletivos pessoas.
que, ao longo dos dezoito meses de duração do curso, construíram e Na perspectiva do exercício do protagonismo, o curso partiu,
implementaram um projeto de intervenção no seu espaço de trabalho então, da compreensão de uma docência que se afirma “por sua ética
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e ensino. A formação dos(as) docentes-cursistas, ao longo do percurso, e política. Ética da afirmação da vida, política das aprendizagens.
deu-se pelo acompanhamento direto de docentes-tutores(as) e de Por isso, não é uma didática dos métodos, das escolas de métodos”

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(UFRGS/MS, 2015a, p.15). Nessa concepção, o(a) docente envolvido(a) não foram esquecidas ou deixadas à margem das outras práticas,
- fosse ele (a) cursista, tutor(a) ou orientador(a) de aprendizagem -, uma vez que reconhecer, nos atravessamentos de saberes e fazeres,
“transmite a si mesmo como aprendente, não informações; constrói
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a importância de se mobilizar e qualificar o cuidado prestado aos
aprendizagens, não consciências. Consciência é já a posse de uma usuários(as), bem como às comunidades, permite a melhoria do sistema
razão, aprendizagem é a potência de singularizar e ensinar é talvez de saúde como um todo. Nesse sentido, corroboramos as ideias de
contribuir a que se aprenda com outros sentidos” (UFRGS/MS, 2015a, Barros em relação à formação:
p.8). Assim, éramos motivados(as), todos(as) e cada um(a) de nós, que se configure em múltiplas formas de ação,
como produção de saberes e práticas sociais
a procurar/encontrar sentidos, afetar-se pelo processo formativo, que instituem sujeitos de ação, aprendizados
questionar, provocar, buscar respostas, encontrar novos caminhos… permanentes e não práticas de modelagem
[...] escapando da produção de profissionais
A aprendizagem que se dava em ato, em um movimento não linear, como mercadorias amorfas, despotencializadas,
coletivo e singular ao mesmo tempo. silenciosas e serializadas [...] que valorizam apenas
a “competência técnica” e que insistem em
Como já foi dito, as aprendizagens em seus amplos sentidos discernir o que é especificamente cuidar” do que
foram sendo desenvolvidas por meio de uma plataforma de Educação é “especificamente político”. [...] nossas práticas
podem ser suporte importante para as mudanças
a Distância (EAD) - o Moodle e, trabalhando sobre essa perspectiva, que queremos. (BARROS, 2005 p.137).
o curso reforçou que não precisamos estar próximos presencialmente
para construirmos redes que unem, aproximam e amparam, basta que Como pressupostos metodológicos, foram reafirmadas também
possamos, em coletivo, descobrir (e porque não dizer?) redescobrir e necessidades de práticas pedagógicas voltadas às demandas
reinventar o potencial de cada um de nós e, assim, tomarmos como efetivas do campo, o que no cotidiano profissional torna-se um desafio
base nossas forças para o enfrentamento das nossas fragilidades. permanente e motivador, inspirando o ir e vir da docência, com suas
Portanto, a ideia que se apresentou foi a de que também nas dobras e inúmeras potencialidades no processo de ensino-aprendizagem, para
nos fios deste movimento se poderia não só desacomodar e impactar o qual, Ceccim (2005, p.7) ressalta que:
os(as) trabalhadores(as) em saúde envolvidos no processo, mas se somos atores ativos das cenas de formação e trabalho
(produtos e produtores das cenas, em ato), os eventos em
também estimular o protagonismo destes(as) em um convite a outras cena nos produzem diferença, nos afetam, nos modificam,
formas de ser e fazer docência para o SUS. produzindo abalos em nosso “ser sujeito”, colocando-nos em
permanente produção. O permanente é o aqui-e-agora,
Nessa trajetória, os caminhos percorridos foram sustentados por diante de problemas reais, pessoas reais e equipes reais.
referenciais teóricos sólidos, os quais detalharemos na sequência e que
remetiam os(as) envolvidos(as) a um repensar não só do fazer prático Nesse cenário, a potência da proposta do Docência na Saúde
da docência em saúde. Antes disso, buscava-se um desacomodar de esteve na possibilidade de ajudar a formar profissionais capazes de
preconceitos, afastando a imobilidade e os entraves que pudessem (re)pensar sua relação para e com o outro e de assumir práticas
artigos

artigos
imobilizar o nosso potencial criativo, que visualiza, propõe e opera que contemplassem diferentes saberes e sujeitos eos apoiasse na
mudanças por meio do protagonismo dos envolvidos, tanto nas construção de redes que incluíssem e valorizassem a sua dimensão e
universidades como nas unidades de saúde, assim como os usuários(as) toda subjetividade:
para ocupar o lugar ativo da Educação Permanente em
envolvidos(as), que são partes fundamentais dessa teia do processo Saúde precisamos abandonar (desaprender) o sujeito
de ensino-aprendizagem. que somos, por isso mais que sermos sujeitos (assujeitados
pelos modelos hegemônicos e/ou pelos papéis instituídos)
precisamos ser produção de subjetividade: todo o tempo
Das bases teórico-metodológicas que sustentaram nossas abrindo fronteiras, desterritorializando grades (gradis) de
comportamento ou de gestão do processo de trabalho.
experiências no Docência na Saúde Precisamos, portanto, também trabalhar no deslocamento
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Para além dos conceitos teóricos, práticas docentes diversas dos padrões de subjetividade hegemônicos: deixar de ser
os sujeitos que vimos sendo, por exemplo, que se encaixam

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em modelos prévios de ser profissional, de ser estudante, de cuidado em saúde. Corroborando essa ideia, Tauchen e Borges (2013)
ser paciente (confortáveis nas cenas clássicas e duras da
clínica tradicional, mecanicista, biologista, procedimento- afirmam que:
centrada e medicalizadora. (CECCIM, 2005, p 7). professores inovadores buscam romper, ao longo de seus
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percursos didáticos, com o modo de pensar simplificador,
tendo em vista que tal modo de pensar ao invés de
Nesse sentido, todo o trabalho realizado teve como norte o perceber os elos integradores do processo didático, acaba
por desajuntá-los e reduzi-los.
respeito ao outro, aos seus saberes e, até mesmo, aos ‘não saberes’
e, sobretudo, a intencionalidade na busca de transpor as fronteiras
Quando os elos integradores se fazem presentes, novos
desses espaços para outros seres e fazeres.
deslocamentos e reflexões podem ocorrer, pois:
Refletir conjuntamente sobre os processos de trabalho
Políticas de formação docente e o curso Docência na Saúde significa, assim, abranger aspectos que afetam, incomodam,
mobilizam e movimentam gestores(as) e trabalhadores(as),
No Brasil, as políticas de formação de profissionais de saúde em suas práticas laborais cotidianas, bem como usuários (as),
passaram por diversas mudanças até que, na década de 1970, surgiu na utilização dos serviços ocupados por estes(as) profissionais.
Nessa direção, apresentamos aqui a gestão dos processos
o Movimento da Reforma Sanitária, considerado o grande marco de trabalho como desafio coletivo, por meio da reflexão
das mudanças que vivemos hoje no setor saúde. Nesse período, conjunta desses processos e da tessitura coletiva das ações
em saúde. No nosso ponto de vista, tais reflexões podem
houve uma espécie de rompimento com a racionalidade higienista e produzir, para além de outros e novos modos de gerir os
medicalizadora até então vigentes na formação dos (as) profissionais processos de trabalho, novos encontros e sentidos. (MEYER,
FELIX e VASCONCELOS, 2013, p.867).
(UFRGS/MS, 2015a).
Essa racionalidade, ainda que se encontre presente e que
Das nossas aprendizagens e deslocamentos como docentes
seja legítima na descrição de fatores fisiopatológicos que envolvem
O coletivo que relata a experiência desta proposta, vivida
os processos de adoecimento, tem se mostrado insuficiente para
no curso Docência na Saúde, foi composto por docentes de cursos
compreender e explicar os fatores individuais e singulares do
de graduação e pós-graduação em universidades federais e
adoecimento, desde a procura pelo serviço de saúde e pelo
preceptores(as) de um serviço de Atenção Primária à Saúde. Os
acolhimento nesse serviço, assim como na formação de vínculos que
espaços formativos dos envolvidos perpassam pelo acompanhamento
oportunizam uma melhor adesão do(a) usuário(a) ao tratamento.
de estagiários(as) de graduação dos diversos cursos da área da saúde,
Portanto, mais do que o fisiológico e/ou patológico, o processo saúde-
bolsistas do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde  - PET
doença está amparado em diversas questões físicas, ambientais,
- Saúde e residentes do Programa de Residência Integrada em Saúde
religiosas, culturais, éticas, dentre outras.
(RIS), ênfase em Saúde da Família e Comunidade do Grupo Hospitalar
Para atender a tal gama de questões, parece oportuno enfatizar
Conceição (GHC), em Porto Alegre/Rio Grande do Sul.
a necessidade de que diferentes profissionais estejam atuando de
Nos encontros entre tutores (as) e cursistas, muitos rizomas
artigos

artigos
forma organizada e integrada. Na formação de profissionais, é preciso
se construíram em decorrência das propostas do curso tanto nos
que estejamos atentos(as) às necessidades dos(as) acadêmicos(as)
espaços de reflexão teórica como na prática cotidiana. Ressalta-
como profissionais em formação inicial que são. Deve-se oportunizar
se que utilizamos o conceito de rizomas de acordo com Deleuze e
o desenvolvimento de atividades que possam preparará-los para
Guatarri (1995), já o protagonismo foi discutido com e entre os(as)
compreender as demandas dos(as) usuários(as) que atenderão, para
trabalhadores(as) do SUS, fomentando a prática reflexiva e propositiva
cuidar de cada usuário(a) em suas singularidades e particularidades,
na construção, desconstrução e ou transformação dos(as) profissionais.
para escutá-los(as) e para respeitar suas escolhas de vida e de
As atividades aconteceram com a utilização de metodologias ativas
saúde. Para isso, acreditamos que é fundamental formar profissionais
onde se oportunizou a transformação das práticas tradicionais de
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comprometidos(as) com o Sistema Único de Saúde (SUS) e que


“capacitação encomendada” para uma construção ascendente,
compreendam usuários(as) como cogestores(as) do seu processo de

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participativa, dialógica e centrada nos processos de trabalho. subjetividades e de individualidades em um modo de se potencializar
O trabalho aconteceu sob forma de seminários de núcleo e de as nossas aprendizagens na docência. Nesse sentido, muitos foram os
campo, por meio de discussões, que fizeram emergir o processo de
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deslocamentos e as reflexões teóricas que puderam contribuir para a
trabalho cotidiano. A utilização das ferramentas Prezzi, PBwork, mapas formação e para o aprender de um sujeito docente, pois de acordo
conceituais e chuva de palavras ajudaram a tornar as atividades mais com DELEUZE (1998):
dinâmicas e interativas. Um exemplo emblemático da construção Aprender é o nome que convém aos atos subjetivos
operados em face da objetividade do problema
aconteceu no núcleo da odontologia, em que os residentes foram (Ideia), ao passo que saber designa apenas a
convidados a compor a organização do seminário teórico semanal, generalidade do conceito ou a calma posse de
uma regra das soluções (...). Aprender é penetrar no
que historicamente era realizado apenas pelos preceptores. O universal das relações que constituem a ideia e nas
convite se deu no intuito de estimular o protagonismo dos residentes e singularidades que lhes correspondem. (...) aprender
a nadar é conjugar pontos relevantes de nosso corpo
promover reflexões que pudessem ser significativas para sua prática, com os pontos singulares da Ideia objetiva para formar
entendendo que significativo “é aquilo que o aprendiz já conhece” um campo problemático. Esta conjugação determina
para nós um limiar de consciência ao nível do qual
(AUSUBEL; NOVAK E HANESIAN, 1980). nossos atos reais se ajustam as nossas percepções das
Dessa forma, buscou-se que trabalhassem com aquilo que correlações reais do objeto, fornecendo, então, uma
solução do problema.
eles(as) já conheciam para, a partir desse contexto, compor novos
saberes, assim o trabalho passou a ser construído por preceptores e
Para o grupo, retomar a travessia do movimento de ensino-
residentes, o que deu um novo olhar aos encontros. Ainda, a partir da
aprendizagem promoveu a oportunidade de se repensar o ir e vir
experiência desse coletivo, foi desenvolvido um projeto-piloto de uso da
no processo e remeteu aos movimentos de conhecer, reconhecer,
plataforma Moodle, ou seja, na modalidade EAD, para trabalhar, com
aprender e desaprender, construindo, dessa maneira, um lugar/uma
os(as) residentes, conteúdos teóricos do núcleo de Odontologia da
dobra nesse cenário de inúmeros desafios. As estratégias de ensino
RIS nas seguintes temáticas: ética, bioética e legislação odontológica.
e aprendizagem utilizadas tiveram objetivos nítidos para todos os(as)
Esse processo, até então, não havia sido experenciado pela RIS-GHC.
envolvidos no processo, em uma ideia de construção e desconstrução
Tal proposta possibilitou a interação entre preceptores(as) e residentes
de saberes que promoveram a autonomia, o autoconhecimento
sob outra lógica, transitando entre atividades presenciais e à distância,
e, particularmente, condições para lidar com o diferente, com o
configurando-se como um espaço potente para as trocas conceituais
novo, com a exposição e a contraposição, o que permitiu aos (as)
e práticas cotidianas no serviço, de modo muito interessante e em
envolvidos(as) divergir, sintetizar, resumir e desenvolver habilidades
uma nova perspectiva.
necessárias ao seu processo de aprender.
Outro exemplo aparece também na experiência de construção
de um varal coletivo de ideias, com outro grupo de residentes e
artigos

artigos
Considerações Finais
profissionais de saúde de uma unidade básica, proposto como um
A proposta do Curso Docência na Saúde enquanto uma
espaço de trocas de vivências coletivas e individuais, experiências
formação continuada de profissionais para trabalho no SUS, por
culturais e de afeto que movimentaram a reconstrução de saberes
meio de EAD, apresentou limitações e potências. Entre as limitações,
no processo de ensino-aprendizagem, ferramenta que foi estimulada
destacamos nossa própria inexperiência com atividades EAD. No
também no Curso de Docência. De forma geral, todas as propostas
entanto, este coletivo destaca a oportunidade como uma aventura,
do uso de tecnologias avançaram tanto de forma conceitual como
não por inconsistência ou insegurança na proposta, mas por instigar-
prática no nosso cotidiano de trabalho
nos a caminhar por espaços nunca antes transitados. Nestes, em muitos
Cabe destacar também que ainda na elaboração e
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momentos, estivemos andando sobre um fio, de medos, inseguranças,


implementação dos planos pedagógicos foi possível uma
mas também de grandes conquistas.
experimentação ímpar de acomodações e desacomodações de

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Já entre as potências, destacamos os novos aprendizados de janeiro: Ed. 34, 1995. 94 p. (Coleção TRANS).
e, frente a eles, instaurou, ampliou e potencializou-se nosso novo DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição; tradução Luiz Orlandi, Roberto
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campo. Nos tantos percursos, buscamos acordar a potência Machado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1998.
criativa que já existia em nós, ousamos ampliar conceitos, despir-
ESCOSSIA, Liliana da; KASTRUP, Virgínia. O conceito de coletivo como
nos dos preconceitos, permitindo ao docente-tutor-preceptor ser um
superação da dicotomia indivíduo-sociedade. Psicol. Estud., Maringá,
experimentador do processo de ensino-aprendizagem em vez de v. 10, n. 2, p. 295-304, ago. 2005.
mero contemplador deste.
Na perspectiva de nossa vivência, podemos afirmar que o LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência.
Revista Brasileira de Educação. Jan/Fev/Mar/Abr, Nº 19, 2002.
Docência na Saúde foi ganhando corpo e vida no nosso trabalho, na
medida em que várias das ferramentas teórico-metodológicas que MEYER, Dagmar Estermann; FELIX, Jeane; VASCONCELOS, Michele de
utilizamos durante o curso foram sendo incorporadas também ao nosso Freitas Faria de. Por uma educação que se movimente como maré
e inunde os cotidianos de serviços de saúde. Interface (Botucatu),
cotidiano de docentes e preceptores (as) e não apenas como tutores
Botucatu, v. 17, n. 47, p. 859-871, dez. 2013.
(as) do curso. Para este coletivo, a oportunidade de ser e fazer o curso
EAD do Educa Saúde contribuiu para que pudéssemos ultrapassar TAUCHEN, Gionara; BORGES, Daniele Simões. Docência inovadora
fronteiras do nosso saber-fazer pedagógico para outros terrenos na universidade: percursos e princípios organizadores. Perspectiva,
Florianópolis, v. 31, n. 2, p. 721-751, jun. 2013. ISSN 2175-795X.
profissionais em que também atuamos, admitindo a potencialidade
do saber-fazer e do redescobrir sempre, especialmente quando nos UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL; MINISTÉRIO DA
fortalecemos, nas redes, nos rizomas, nos afetos e no encontro com o SAÚDE. Docência na Saúde: uma proposta didático-pedagógica
– Bases Introdutórias [documento eletrônico]. Universidade Federal
outro e consigo mesmo.
do Rio Grande do Sul, Núcleo de Educação, Avaliação e Produção
Pedagógica em Saúde (Educa Saúde), Ministério da Saúde. Brasília,
Referências Bibliográficas DF: UFRGS/MS, 2015a.

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Psicologia educacional. (trad. de Eva Nick et al.) Rio de Janeiro: SAÚDE. Docência na Saúde: uma proposta didático-pedagógica Eixo
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Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde
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a formação dos profissionais de saúde: transdisciplinaridade e
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Ensinar saúde: a integralidade e o SUS nos cursos de graduação na
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ambicioso e necessário. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 9, n. 16, p.
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DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia,


vol. 1 / Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. 1 ed. Rio

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Artigo 9
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A LONGITUDINALIDADE NA ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE

Daniela da Silva Champe, Porto Alegre/RS 1

RESUMO: O presente estudo qualitativo aborda, no formato de estudo


de caso, o atributo da longitudinalidade. Com o objetivo de analisar

A
como este se constitui no trabalho desenvolvido por uma Unidade
de Saúde na perspectiva de seus trabalhadores e usuários, realizou-
se a coleta dos dados por meio de grupo focal, entrevistas e análise
de prontuários. Identificou-se que a longitudinalidade se caracteriza
por elementos como a afetividade e a disponibilidade. O tempo de

LONGITUDINALIDADE
vinculação do usuário com a Unidade de Saúde, a resolutividade
e a postura acolhedora da equipe foram apontados como fatores
que favorecem a longitudinalidade. Também se evidenciou que a
vinculação longitudinal não ocorre de forma homogênea entre os

NA ATENÇÃO
membros da família que são acompanhados pela Unidade de Saúde.
Palavras-chave: Longitudinalidade. Atenção Primária em Saúde.
Saúde da Família e Comunidade.

PRIMÁRIA EM SAÚDE LONGITUDINALITY IN PRIMARY HEALTH CARE

ABSTRACT: The present qualitative study addresses, in the case study


format, the attribute of longitudinality. With the objective of analyzing
how this constitutes the work developed by a Health Unit from the
perspective of its workers and users, the data were collected through
a focus group, interviews and analysis of medical records. It was
identified that longitudinality is characterized by elements such as
affectivity and availability. The time of attachment of the user to the
Health Unit, the resilience and the welcoming attitude of the team were
artigos

artigos
pointed as factors that favor longitudinality. It was also evidenced that
the longitudinal attachment does not occur homogeneously among
family members who are followed up by the Health Unit.
Keywords: Longitudinality. Primary Health Care. Family and
Community Health.
C3

1 Assistente Social, Especialista em Saúde da Família e Comunidade pelo Programa


de Residência Integrada em Saúde – RIS, Turma 2013, do Grupo Hospitalar Conceição/GHC;
Mestra em Serviço social pela PUCRS. Contato: asocial.daniela@gmail.com.

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Introdução direitos sociais. Esse direcionamento foi freado pela guinada neoliberal
O presente artigo é fruto da pesquisa realizada no Trabalho de que se instaurava no Brasil na mesma época, caracterizada pela
Conclusão da Residência Integrada em Saúde – TCR/RIS – na ênfase contrarreforma do Estado – reformas orientadas para o mercado –
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de Saúde da Família e Comunidade, do Grupo Hospitalar Conceição. para reestruturação econômica, em detrimento dos aspectos sociais
O estudo pauta-se no conceito ampliado de saúde, nos princípios e em um contexto de crise política e econômica (BEHRING e BOSCHETTI,
diretrizes do Sistema Único de Saúde - SUS (BRASIL, 1990), nos atributos 2011).
da Atenção Primária à Saúde – APS (STARFIELD, 2002), com destaque
para o atributo da longitudinalidade. Assim, o contexto dos anos 1990 foi essencial para a conformação
das políticas sociais brasileiras, que paulatinamente sofreram e sofrem
Entende-se a relevância de pesquisar a materialização deste processo de transferência do âmbito do Estado para a esfera do
atributo em uma Unidade de Saúde (US) que está inserida no território mercado e da sociedade civil. Tem-se uma tendência de políticas
e exerce seu trabalho junto à comunidade há 25 anos. Além disso, sociais focalizadas, seletivas, que carregam um caráter conservador,
há a peculiaridade da população desta comunidade ter sofrido um de culpabilização dos pobres e responsabilização das famílias pelo
processo de reassentamento habitacional neste período e a US ter enfretamento dos novos riscos sociais (RAICHELIS, 2013).
acompanhado esse movimento.
Já o debate sobre a APS é anterior a Reforma Sanitária, surgiu no
Para contextualizar sobre o modelo de saúde que organiza a âmbito internacional em meados de 1920. Mas, é na década de 1970
realidade pesquisada, faz-se necessário realizar um breve resgate que ganha espaço com a I Conferência Internacional sobre Cuidados
histórico, cujo marco legal é a Constituição Federal de 1988. Na Primários de Saúde. Nessa conferência é divulgada a Declaração de
década de 1980, a política de saúde brasileira sofreu mudanças Alma-Ata que preconizava a APS como organização do sistema de
estruturais e um dos movimentos determinantes desse processo foi saúde, equitativo, voltado para responder às necessidades de saúde
a VIII Conferência Nacional de Saúde que teve como temática a da população e modificar a abordagem dos sistemas de saúde -
Democracia e Saúde. Essa foi a primeira conferência com participação de uma atenção voltada ao curativo, individual e hospitalar para
popular de diversas representações da sociedade (BRAVO, 2012). uma voltada ao preventivo, coletivo, territorializado e democrático
Justamente foi a mobilização desses segmentos, com destaque para (FAUSTO E MATTA, 2007). No Brasil, há registros de ensaios de atuação
classe trabalhadora, que garantiu alguns avanços no modelo de da atenção primária desde a primeira metade do século XX, discussão
saúde vigorado até então. essa que saiu de evidência com a amplitude da pauta da Reforma
Foi o relatório final da VIII Conferência que apresentou o projeto Sanitária em 1986 e só voltou a ser discutida na próxima década, com
da Reforma Sanitária brasileira. Este fundamentou relativamente a criação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (ibdem).
a Constituição Federal de 1988 e a Lei Orgânica da Saúde (Lei
artigos

artigos
APS é a “porta de entrada, considerada como acessibilidade
8.080/90), que reivindicou a criação do Sistema Único de Saúde e primeiro contato no sistema de serviços de saúde e o lócus de
(SUS). Nesse contexto, a saúde passa a ser um direito universal da responsabilidade pela atenção aos pacientes e população no
população brasileira garantida pelo Estado através de políticas decorrer do tempo” (STARFIELD, 2002, p. 9). De acordo com Starfield
sociais e econômicas (BRASIL, 1988). Outra mudança essencial foi (2002), a APS se difere dos outros níveis assistenciais por apresentar
a concepção de saúde ampliada como bem-estar físico, mental e quatro atributos: atenção ao primeiro contato, longitudinalidade,
social (BRASIL, 1990). integralidade e coordenação. Desses atributos, a longitudinalidade
Dessa maneira, a Constituição de 1988 vislumbrou um horizonte tem sido considerada característica central e exclusiva da APS.
C3

de proteção social – tardiamente comparado a outros países - na Cunha (2009) faz uma revisão de literatura sobre longitudinalidade
direção da reforma democrática do Estado e da promulgação dos e constata que o referencial brasileiro não utiliza este termo, substitui por

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outros conceitos como vínculo, continuidade e vínculo longitudinal, o descritivos, narrativos e subjetivos, fornecidos pelos sujeitos que
que dificulta a análise em função da variação de nomenclaturas e, por vivenciaram uma experiência, delimitada por um tempo, espaço
vezes, de significados. Desta forma, o autor define longitudinalidade e contexto social. Segundo Minayo (2000), este tipo de estudo se
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contextualizando com a realidade brasileira: “relação terapêutica debruça sob realidades muito particulares, que não são quantificáveis
estabelecida entre paciente e profissionais da equipe de APS, que e dizem respeito às “relações dos processos e dos fenômenos que não
se traduz no reconhecimento e na utilização da unidade básica de podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO,
saúde como fonte regular de cuidado ao longo do tempo” (CUNHA, 2000, p.21-22).
p. 66, 2009). A autora aponta ainda que na literatura internacional,
A pesquisa foi desenvolvida na Unidade de Saúde Santíssima
longitudinalidade aparece relacionada à relação usuário/profissional
Trindade, localizada na zona norte de Porto Alegre. A população
de saúde e na literatura brasileira, vínculo longitudinal relacionado à
cadastrada na US é de 40212 pessoas e a equipe multiprofissional é de
relação usuário/equipe de saúde.
273 trabalhadores. Os sujeitos da pesquisa foram os usuários da US e
A partir dessa revisão, Cunha apresenta três elementos que a equipe de saúde trabalhadora da US. No entanto, pondera-se que
compõem a longitudinalidade: esses são recortes particulares, faz-se importante lembrar que, quando
a existência e o reconhecimento de uma fonte regular de citados na pesquisa, os usuários e trabalhadores não dizem respeito a
cuidados de Atenção Primária, o estabelecimento de vínculo uma generalização, mas sim àqueles que participaram das coletas de
terapêutico duradouro entre os pacientes e os profissionais
de saúde da equipe local e, ainda, a continuidade dados do estudo.
informacional (CUNHA, p. 66, 2009, grifo nosso).
A comunidade, que existe há mais de 45 anos, refere-se aos
Sobre a Fonte Regular de Cuidados de Atenção Primária, moradores do Porto Novo, que sofreram no ano de 2009 remoção
o autor entende que esta diz respeito à população reconhecer habitacional da Vila Dique. Na origem da Vila Dique, “famílias oriundas
a unidade de saúde como referência para o atendimento da do interior do RS, de característica rural, começaram a povoar a vila
maioria das necessidades de saúde, essa identificação depende da trazendo hábitos rurais, como relações mais próximas de vizinhança
disponibilidade dessa fonte. Acerca do Estabelecimento de Vínculo e solidariedade” (GIL, p. 29, 2013). A Vila Dique foi removida por estar
Duradouro, se refere à relação terapêutica ao longo do tempo, relação localizada próxima do Aeroporto Internacional Salgado Filho, que
interpessoal caracterizada por confiança e responsabilidade. E sobre tinha projeto de ampliação, em Porto Alegre e, salienta-se que, até
a Continuidade Informacional, que é a base da longitudinalidade, a finalização deste estudo, parte da comunidade não havia sido
está relacionada à “qualidade dos registros em saúde, seu manuseio transferida.
e disponibilização, de forma a favorecer o acúmulo de conhecimento
sobre o paciente por parte da equipe de saúde” (ibdem). Para obter dados do ponto de vista dos trabalhadores de saúde
artigos

artigos
se realizou um grupo focal com objetivo de coletar, a partir do diálogo
Adotando-se este referencial teórico, o presente estudo tem e do debate, informações acerca de um tema específico (CRUZ NETO
como objetivo, analisar como se constitui o atributo da longitudinalidade et al., 2002). Foram convidados para o grupo focal, 09 trabalhadores
no trabalho desenvolvido na Unidade de Saúde Santíssima Trindade, da US, sendo que 08 deles participaram. O grupo teve duração de
na perspectiva de seus trabalhadores e usuários. 120 minutos e o tema central foi a longitudinalidade e, como eixos

Método 2 Os números referem-se ao período da coleta de dados, ano de 2014.


Este trata-se de um estudo de caso que se propõe aprofundar um
ou poucos objetos a fim de detalhá-los. A partir da pesquisa qualitativa, 3 Este número também corresponde ao período da coleta de dados, ano de 2014.
C3

A equipe multiprofissional contemplava na ocasião os profissionais: médicos de família e


aproxima-se da realidade através de aspectos observacionais, comunidade, dentistas, farmacêuticos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, técnico
em saúde bucal e agentes de saúde.

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norteadores, os elementos: fonte regular de cuidados de atenção no questionário com perguntas abertas, utilizado por Cunha (2009).
primária; estabelecimento de vínculo duradouro e; continuidade
Os dados obtidos foram tratados a partir de análise de conteúdo,
informacional, conforme roteiro previamente construído4. Os critérios
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que contempla uma análise de significados e dos significantes, para
para inclusão foram: o tempo de inserção na equipe de pelo
isto divide-se em três fases: 1) a pré-análise; 2) a exploração do
menos 02 anos e, para ter mais diversidade de experiências, optou-
material; 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação
se em convidar trabalhadores com tempos diferentes de inserção
(BARDIN, 1979).
e experiência na US. Foram 02 trabalhadores com 02 a 07 anos, 03
trabalhadores de 08 a 13 anos e 03 trabalhadores com mais de 14 anos. Cabe salientar que o estudo obteve apreciação do Comitê
Outro critério de inclusão foi em relação ao vínculo empregatício com de Ética em Pesquisa do Grupo Hospitalar Conceição e seguiu as
a US: foram elegíveis os trabalhadores com contratos regidos pela diretrizes e normas regulamentadoras da Resolução nº 466/ 2012 do
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) ou cedidos pelo Município de Conselho Nacional de Saúde, que trata de fundamentos éticos e
Porto Alegre, tendo em vista que possuem vínculos de trabalho que científicos de pesquisas em seres humanos. Os participantes envolvidos
garantem maior estabilidade. no estudo tiveram garantia do sigilo de seus dados confidenciais e das
informações prestadas, bem como autorizaram suas participações
Para obter dados acerca do elemento Continuidade
através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Informacional, que diz respeito aos registros de informações sobre o
acompanhamento dos usuários, utilizou-se como base de coleta de
A longitudinalidade como eixo transversal nos processos de trabalho
dados os prontuários, através de pesquisa documental. Para coleta
Na análise dos dados coletados, foram identificadas três
desses dados foram investigados alguns critérios, a partir de um
categorias principais, são elas: cuidado, vínculo e registro, as quais
roteiro igualmente embasado na proposta de Cunha (2009). Foram
são discutidas nesta seção. De imediato, observou-se a consonância
selecionados 09 prontuários de usuários da US, em que os critérios de
desses termos com as características de longitudinalidade identificadas
inclusão foram: o tempo de abertura do prontuário, isto é, prontuários
no referencial teórico.
existentes há pelo menos 02 anos. Essa seleção ocorreu através de
indicação dos profissionais da equipe de saúde que participaram Para a primeira categoria, adotou-se a definição para o termo
do grupo focal, os prontuários também formam distribuídos em três cuidado: um “modo de fazer na vida cotidiana” (PINHEIRO, p. 110,
grupos classificados pelo critério tempo: 03 prontuários com 2 a 7 anos 2008) que se constitui na atenção, responsabilidade e zelo com o outro
de existência; 03 prontuários de 8 a 13 anos e 03 prontuários com mais e não para o outro. Ultrapassa o saber profissional e as tecnologias
de 14 anos. Nestes 09 prontuários de família estavam inscritos o total necessárias, pois inclui os saberes, desejos e necessidades do outro.
de 40 usuários. Merhy (2000) complementa ao afirmar que no campo da saúde, o
artigos

artigos
principal objeto da prática é a produção do cuidado e não a cura ou
Para obter informações do ponto de vista dos usuários que
a promoção da saúde.
acessam os serviços da US, 03 usuários foram convidados para
participar de entrevista. Esses foram indicados pelos mesmos Os trabalhadores da US que participaram das pesquisa
trabalhadores citados anteriormente e selecionados de acordo com consideram que a equipe de saúde exerce o cuidado em saúde de
o mesmo critério de tempo de vinculação de seleção dos prontuários. forma disponível e acolhedora frente às demandas de saúde dos
Destes, 02 participaram das entrevistas semi-estruturadas, baseadas usuários. Para eles, um fato que ilustra essa postura foi a ocasião em
que se disponibilizaram a prestar assistência em dois territórios, quando
foi iniciado o processo de remoção da comunidade. Aponta-se que
C3

4 Roteiro construído a partir dos estudos de Almeida e Macinko, que testaram a versão
brasileira do PCA-tools (instrumento de avaliação da APS formulado pela Universidade Johns esta história comum entre comunidade e US - a remoção - se traduz
Hopkins) e a partir da adaptação de Elenice Machado da Cunha (2009) que pesquisou sobre
Vínculo Longitudinal na Atenção Primária em sua tese de doutorado. em falas de afetividade e empatia bastante evidentes nos relatos do

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grupo focal. uso das tecnologias possíveis para identificação do problema de


saúde, tratamento adequado e satisfação do usuário (MERHY, 1994),
Os trabalhadores também avaliaram que o acesso dos usuários
e mais: produzir autonomia do usuário, “no seu modo de andar a vida”
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à US é favorável, tendo em vista a equipe ampliada, quando
frente o aumento da capacidade de auto-cuidado (MERHY, 2000).
comparado a realidade do acesso às Estratégias de Saúde da Família
Destaca-se que não há medição ou avaliação desse critério na US,
que atuam no Brasil. Essas, segundo a Portaria 2.488/2011 que as
questão essa que é central para avaliação dos processos de trabalho
regulamentam, podem atender com uma equipe mínima de médico,
nas práticas de saúde.
enfermeiro, técnico de enfermagem e agente comunitário de saúde,
uma população de até 4.000 pessoas, exceto os agentes de saúde Outro dado que indica o reconhecimento da US como fonte de
que atendem em microáreas de no máximo 750 pessoas cada (BRASIL, cuidado é que, de acordo com os trabalhadores, a US é referência para
2011). a comunidade para diversas demandas de saúde, numa perspectiva
de saúde ampliada, isto é, resultante das condições de alimentação,
Ainda sobre isto, um trabalhador considerou que tal facilidade e
habitação, educação, renda, meio-ambiente, acesso a serviços
disponibilidade no acesso dificultam os momentos em que é necessário
de saúde, etc (BRASIL, 1990). Eles entendem que a comunidade é
restringir os atendimentos da US. Essa consideração faz refletir sobre o
oriunda de uma realidade deficiente de políticas públicas e dessa
tipo de relação está estabelecida e como é realizada a comunicação
forma, acostumou-se a ter a US como referência para escuta e ou
entre esses atores: de que forma a US transmite a informação que
solução de problemas diversos, normalmente situações ligadas ao
precisa restringir seu atendimento por um determinado motivo e de
ambiente de convívio comum dos moradores do território. Esta prática
que forma a comunidade interpreta essa mensagem e como se sente
da população ocorre até os dias atuais, porém em menor escala.
implicada nesse processo.
Sobre tais demandas complexas, os trabalhadores levantaram
A Política Nacional de Humanização (2003) indica que esses
a preocupação com a responsabilidade e alcance da equipe
sujeitos compartilhem as responsabilidades nos processos de cuidado
de saúde sob elas, o que indica a necessidade de aproximação e
e gestão em saúde. Dessa forma, preconiza relações que “promovam
articulação com outros setores e serviços públicos, e também, sobre
o desenvolvimento, a autonomia e o protagonismo das equipes e da
o espaço do Controle Social neste contexto. Além disso, é inquietante
população, ampliando o compromisso social e a co-responsabilização
a forma como as queixas comuns e coletivas dos moradores podem
de todos os envolvidos no processo de produção da saúde” (BRASIL,
estar sendo trazidas para US de forma individual e assim trabalhadas.
p. 40, 2008).
Outra constatação que se evidencia sobre cuidado é em relação
A avaliação de que há disponibilidade na equipe e acesso
a procura e atendimento da população em outros dispositivos. Os
satisfatório da US também foi a opinião dos usuários entrevistados.
artigos

artigos
trabalhadores identificaram que os usuários acessam outros cuidados
A análise de prontuários também reforça: grande parte (80%) dos
externos à US, no entanto, essas outras opções se dão de forma conjunta
prontuários mostraram que os usuários utilizaram os serviços da US no
ou complementar com o cuidado oferecido pela US, constatação
último ano. Cunha (2009) destaca que esses elementos são essenciais
essa que se confirma através da fala dos usuários entrevistados. Os
para que a US seja reconhecida com fonte regular de cuidado.
trabalhadores relataram inclusive que esses atendimentos externos
Acerca dessa questão, os trabalhadores trouxeram um a US (foram citados benzeduras, chás, atendimento farmacêutico,
contraponto bastante relevante entre “o que se oferece” e “como atendimento em clínicas populares ou pronto atendimento) são
se oferece”. Mesmo considerando que há oferta de acesso, informados aos profissionais de referência da US, de forma que estes
eles expressaram a preocupação acerca da resolutividade do
C3

opinem sobre os encaminhamentos sugeridos.


atendimento prestado, que diz respeito a ir além da conduta: fazer
Aponta-se que alguns resultados em relação ao acesso, diferiram

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dos achados de uma pesquisa de tema semelhante desta, realizada atendidos pela US, tendem a realizar acompanhamento de saúde com
em 2011, na mesma US, a qual apresentou que a procura dos serviços referências (profissionais de saúde) mais definidas. Já, os pacientes
de emergências hospitalares pelos usuários era bastante frequente. mais novos (tempo de vinculação) tendem a optar pelo profissional
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Esta pesquisa também levantou a questão de “condições de escuta”, que possa lhe atender o mais breve possível. Starfield (2002) faz essa
que na ocasião, foi evidenciada como uma problemática: “sendo relação, dizendo que quanto mais longa a relação entre profissional
uma delas a estrutura física da recepção da US, que impedia uma (ou US) e usuário, maior é a satisfação desse último, pois consegue
escuta qualificada da demanda do usuário” (GHIGGI et al., 2014, obter os benefícios da longitudinalidade (melhor reconhecimento e
p.248). prevenção dos problemas de saúde, menos hospitalizações, menos
custos, etc.). Cunha (2009) indica que vínculo nessa perspectiva se
Supõe-se que a situação da “escuta” não foi citada no grupo
caracteriza pela confiança e responsabilidade, aspectos que se
focal e nas entrevistas do presente estudo em virtude da forma do
constituem ao longo do tempo.
acesso da US ter modificado no ano de 2013, quando se adotou o
acolhimento como forma de encaminhamento para as demandas Dos 40 usuários com registros de evolução de atendimentos,
dos usuários, onde a escuta se tornou ferramenta essencial. Reitera- inseridos nos prontuários analisados, apenas 10 indicam vinculação
se que tal modificação também merece um estudo específico que com um profissional ou com a equipe da US. Este resultado corresponde
possa avaliar a satisfação dos atores envolvidos nesse processo. a, em média, um integrante por família. Chama a atenção, então,
nestes prontuários, que um membro da família apresentou vinculação
Ainda sobre cuidado, acesso e disponibilidade da fonte de
que contemplava as características da longitudinalidade e os
atenção, constata-se, através de relatos dos trabalhadores de
demais membros do núcleo familiar possuíam atendimentos pontuais
saúde, que os profissionais do núcleo5 da medicina não costumam
com diversos profissionais, sem continuidade no cuidado em saúde.
ser procurados pelos usuários além dos horários de consulta médica,
Esse fato convoca ao questionamento de uma experiência de
isto é, os usuários não procuram estes trabalhadores para esclarecer
longitudinalidade que não se estende para os demais membros da
dúvidas fora de consulta. No entanto, foram citados outros núcleos
família. Considerando que atenção primária no Brasil é essencialmente
(psicologia, serviço social e agentes comunitários de saúde) como os
voltada para o cuidado integral à saúde das famílias, acredita-se que
mais acessados fora de horário de agenda para obter esclarecimentos.
esta é uma prática que merece ser revisitada e refletida pela equipe
Acerca da categoria vínculo, aqui entendido como uma relação de saúde pesquisada.
que liga os sujeitos, que indica interdependência e compromisso
Sobre vinculação com um profissional de referência ou com
mútuo (CAMPOS, 2003), destaca-se que, para os trabalhadores,
a equipe, os usuários entrevistados, bem como os prontuários
o vínculo entre usuário e US depende de uma série de elementos,
analisados indicaram que o vínculo ocorre com o profissional e este é,
artigos

artigos
dentre eles principalmente do interesse e preferência do usuário, da
essencialmente, o profissional médico. Entende-se que este dado não
disponibilidade do profissional de saúde e da viabilidade de um sistema
dialoga com a perspectiva de ampliação da dimensão cuidadora
de agenda que possibilite a marcação de retornos e continuidades
da equipe, e isto pode reduzir a integralidade da atenção. Merhy
de atendimentos.
(2000) reforça que todo profissional de saúde é sempre um operador
Um dado bastante relevante, que indica a relação entre o do cuidado, independente de seu núcleo profissional, e este, uma vez
vínculo e a relação ao longo do tempo, é a percepção de alguns sendo o profissional de referência atua como um operador do cuidado
trabalhadores de que usuários mais antigos, isto é, há mais tempo e um articulador com os demais núcleos de saberes profissionais.

Acerca desta discussão, os trabalhadores de saúde também


C3

5 “Núcleo demarcaria a identidade de uma área de saber e de prática profissional.


E o campo, um espaço de limites imprecisos onde cada disciplina e profissão buscariam em puderam elucidar seus diferentes pontos de vistas. Eles consideram
outras apoio para cumprir suas tarefas teóricas e práticas” (CAMPOS, 2000, p. 220).

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que há situações distintas onde o vínculo com um profissional de vinculação com um profissional é o conhecer, os usuários relataram
referência, não necessariamente o profissional médico, pode produzir confiança e satisfação com o fato do seu profissional de referência
uma relação terapêutica bastante resolutiva para as demandas do lhe conhecer bem, saber seu histórico de saúde, seu contexto de vida
CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA - SAÚDE

CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


usuário (nas situações de saúde mental, por exemplo). No entanto, e organização familiar. Além disso, de acordo com esses usuários, o
foi evidenciada nos dados uma preocupação dos participantes em processo de falar sobre si foi referido como algo complexo, que ocorre
relação à equipe de saúde, indicando que esta possa se considerar paulatinamente no decorrer dos atendimentos, dessa forma, manter
capaz de acolher e ser responsável pelo cuidado do usuário. E o usuário vínculo com uma referência específica, evita a repetição dos relatos
por sua vez, possa confiar também na equipe. Starfield (2002) contribui com outros profissionais.
afirmando que a vinculação com um profissional em particular é mais
Os trabalhadores citaram o pré-natal como uma oportunidade
eficiente que com um local específico (US), no entanto, pondera
de conhecer o usuário e sua organização familiar, o termo
que se este local possui os demais atributos de APS satisfatórios, os
“aproximação” foi bastante utilizado, sugerem que a frequência
benefícios podem ser semelhantes às vinculações com um profissional
dos atendimentos contribui para esta percepção. Nesse contexto,
específico.
observam-se elementos de afetividade bastante evidentes por tratar
Para os profissionais de saúde, o vínculo se estabelece e cria de uma ocasião em que se acompanham novos arranjos de ciclos
características terapêuticas quando há a pré-disposição do usuário e de vida. Outro momento, citado como chance de conhecer melhor
do trabalhador para estabelecer uma relação. Também destacaram o usuário, é realização da visita domiciliar. Consideram que esse
que é necessário ter empatia, sensibilidade e escuta para a situação “conhecer” é essencial para prestar um atendimento mais qualificado,
do usuário. Em relação aos encaminhamentos das demandas trazidas mas ponderam que, pela realidade dos processos de trabalho
por eles, para um grupo de trabalhadores, dar respostas resolutivas ao (grande demanda, pouco tempo de atendimento) ou até mesmo
usuários é determinante para a manutenção do vínculo. Já, para outro pela limitada abertura que o usuário permite, às vezes, não é possível
grupo de trabalhadores, uma postura acolhedora que demonstre realizar o “conhecer”. Contudo, relatam que a postura de interesse e
interesse e dedicação para tais demandas pode fomentar a relação curiosidade é uma constante e que esta ganha intensidade nos casos
de responsabilidade e confiança mútua entre profissional de saúde e atendidos com maior complexidade.
usuário. Considerando os agravos complexos de saúde e os processos
A última categoria que emergiu dos dados coletados foi registro,
que influenciam e/ou repercutem deles, a solução não é algo viável
que é uma expressão, uma maneira de deixar uma marca, o ato de
em muitas das vezes e o enfoque das intervenções estão em buscar
registrar. Na área da saúde, o principal documento de registro é o
alternativas e melhorias na qualidade de vida.
prontuário, nele estão registradas informações “geradas com base
Entretanto, observa-se que essas duas dimensões levantadas, em fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente
artigos

artigos
da resolutividade e do acolhimento, são indissociáveis nas práticas e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico”
em saúde. De acordo com Assis et al. (2010) o acolhimento adota a (VASCONCELLOS et al., p. 173, 2008). Os prontuários da US pesquisada
“escuta, a identificação de problemas e intervenções resolutivas para são constituídos de pastas de papéis, onde o registro é realizado por
enfrentamento e resolução de problemas” (ASSIS et al., 2010, p. 23). escrita à mão e contém informações de todos os membros da família
que residem na mesma casa.
Os dados que representam a opinião dos usuários concordam
com este último grupo de trabalhadores. Quando questionados sobre De acordo com as contribuições dos trabalhadores da equipe,
os motivos de vinculação, também foram citados elementos como um registro realizado com qualidade nos prontuários dá subsídios e
disponibilidade, interesse e dedicação. No entanto, a característica pode garantir a continuidade do atendimento ou acompanhamento
C3

mais citada nas falas dos usuários que repercute diretamente na dos usuários pelo mesmo ou por outros profissionais, favorecendo o

C3
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vínculo deste usuário com a equipe de saúde. Entretanto, consideram estão registradas nos documentos.
que tais informações não dão conta do “conhecer” o usuário.
Este dado pode indicar algumas características acerca dos
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A fala de um usuário entrevistado confirma essa constatação, processos de trabalho da equipe e do tipo de assistência prestada à
este referiu que quando não é atendido pelo seu profissional de comunidade. Entre elas, que as práticas de saúde realizadas de forma
referência, percebe que os demais profissionais estão bem informados coletivas ou no território não têm prioridade de registro no prontuário.
sobre ele. No entanto, este mesmo usuário afirma que, mesmo O que não quer dizer que não são realizadas, mas a inexistência desses
tendo sua queixa sanada durante a consulta, não sente a mesma relatos nos prontuários desfavorece a efetividade da longitudinalidade.
satisfação de quando é atendido pelo seu profissional de referência,
Já, os resultados que dizem respeito à organização das
o que confirma a característica de longitudinalidade. Acerca disso,
informações, podem ser considerados como satisfatórios em relação à
os usuários referem que quando se vinculam a um profissional de
legibilidade e coerência cronológica (87,5% e 100% respectivamente).
referência, estabelecem uma relação de confiança e assim outros
No entanto, as informações que dizem respeito a encaminhamentos e
assuntos, para além da queixa biológica, surgem com mais facilidade.
andamentos de referências e contrarreferências mostraram-se raras e
Observa-se nos relatos dos trabalhadores um cuidado ético incompletas. Atenta-se para essa insuficiência, visto que este registro
presente sobre o registro no prontuário, eles ponderam as informações, é essencial para fundamentar ações da APS como, por exemplo, a
procuram registrar o contexto dos usuários de uma forma ampliada, coordenação do cuidado.
questionando constantemente o quanto a informação é relevante
para o entendimento e cuidado em saúde daquele usuário. Os Considerações Finais
usuários entrevistados relataram que o prontuário é consultado com A longitudinalidade no trabalho desenvolvido pela US, na
frequência durante o atendimento em saúde, também percebem que perspectiva de seus trabalhadores e usuários, caracteriza-se por
o registro de novas informações de saúde são realizadas no mesmo. elementos como a afetividade, no que diz respeito a relação
estabelecida entre esses sujeitos, e também a disponibilidade, no que
Outra questão que chama atenção é em relação às
diz respeito ao acesso da US e a postura dos trabalhadores.
impressões subjetivas dos trabalhadores acerca de algum aspecto
do atendimento. Eles referem que registram com mais frequência Também foram apontados o tempo de vinculação com a US, a
àquelas informações já investigadas. As impressões iniciais ou subjetivas resolutividade e a acolhida frente às demandas trazidas pelos usuários
costumam ser transmitidas para o colega da equipe através da como fatores que favorecem a longitudinalidade. O elemento
discussão de caso ou ainda, quando registradas são sinalizadas como “conhecer” o usuário, surgiu como prática que viabiliza e sustenta
hipóteses. Sobre as informações concretas, já confirmadas, como, o mesmo atributo. A definição em relação a vinculação do usuário
artigos

artigos
por exemplo, os diagnósticos, houve consenso de que é importante com uma equipe de saúde ou com um profissional de referência é
registrar no prontuário. algo avaliado de acordo com a especificidade de cada situação,
das necessidades de saúde do mesmo e de qual modalidade de
Considerando os dados levantados nos prontuários, observa-
acompanhamento lhe trará mais benefícios.
se que os registros, em sua maioria, apresentam informações do
universo biológico e se restringem às consultas no consultório. Ou Ao debruçar-se sobre a longitudinalidade nesses processos de
seja, informações ampliadas do contexto dos usuários (aspectos trabalho, foram observadas algumas necessidades que merecem
sociais, econômicos, psicológicos, familiares, etc), bem como outras novos estudos e análises, tais como: a comunicação entre US e
atividades de promoção e prevenção da saúde ou outras formas comunidade no que se refere à corresponsabilidade do cuidado;
C3

de atendimento (visitas domiciliares, participação em grupos de a medição da resolutividade do cuidado em saúde oferecido pela
educação em saúde, participação no conselho local de saúde) não US; e o fortalecimento do espaço do controle social e do trabalho

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intersetorial frente as demandas da comunidade. ________. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.
Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS:
Para finalizar destacam-se dois achados que podem interferir Documento base para gestores e trabalhadores do SUS. 4. ed. Brasília:
CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA - SAÚDE

CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


e fragilizar as práticas de cuidado com vistas a longitudinalidade, Editora do Ministério da Saúde, 2008. Disponível em: <http://bvsms.
são elas: a vinculação limitada a um indivíduo da família, e onde saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizasus_gestores_trabalhadores_
sus_4ed.pdf> Acesso em janeiro 2015.
os demais membros não utilizam a US como fonte de cuidado, o
que vai na contramão do objetivo da saúde da família; e o registro BRAVO, M. I. S. As lutas pela saúde: desafios da frente nacional contra
a privatização da saúde. Anais da 64ª Reunião Anual da SBPC: São
no prontuário restrito à consulta ou atendimento de saúde na US, Luís, MA, 2012.
evidenciando a necessidade de registro de informações ampliadas
________. Política de Saúde no Brasil. In: MOTA, A. E. et al. (orgs). Serviço
sobre o usuários (contexto social, participação em grupos de Social e Saúde. 4. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: OPAS, OMS,
educação em saúde, visita domiciliar, espaços de controle social) Ministério da Saúde, 2009.
bem como os encaminhamos sobre o cuidado em saúde (referência CAMPOS GWS. Reflexões sobre a clínica ampliada em equipes de
a outros serviços e contrarreferências). saúde da família. In: Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec;
2003.
A evidência dessas necessidades particulares dialogam com o
________. Saúde Pública e Saúde Coletiva: campo e núcleo de saberes
debate macro, no que se refere à política de saúde brasileira e a reflexão
e práticas. In: Rev. Ciência & Saúde Coletiva, 2000.
crítica sobre as práticas em saúde que tratam do “compromisso com
CRUZ NETO, Otávio; MOREIRA , Marcelo Rasga; SUCENA, Luiz Fernando
o sujeito e seu coletivo, estímulo a diferentes práticas terapêuticas
MAZZEI. Grupos Focais e Pesquisa Social Qualitativa: o debate orientado
e co-responsabilidade de gestores, trabalhadores e usuários no como técnica de investigação. XIII Encontro da Associação Brasileira
processo de produção de saúde” (BRASIL, p. 39, 2008). de Estudos Populacionais, realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil
de 4 a 8 de novembro de 2002.
CUNHA, Elenice Machado da. Vínculo Longitudinal na Atenção
Referências Bibliográficas Primária: avaliando os modelos assistenciais do SUS. Tese doutorado
em Ciências na área de Saúde Pública. FIOCRUZ. Rio de Janeiro, 2009.
ASSIS, MMA., et al. orgs. Produção do cuidado no Programa Saúde
da Família: olhares analisadores em diferentes cenários [online]. FAUSTO, Márcia Cristina Rodrigues; MATTA, Gustavo Corrêa. Atenção
Salvador: EDUFBA, 2010. Primária à Saúde: histórico e perspectivas. In: Modelos de atenção e
a saúde da família / Org. Márcia Valéria G.C. Morosini e Anamaria
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa. Edições 70. 1979.
D’Andrea Corbo. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2007.
BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política social:
GHIGGI, Letícia Abruzzi; BARRETO, Danyella da Silva; FAJARDO, Ananyr
fundamentos e história. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Biblioteca
Porto. Reflexões de uma equipe de saúde e sua população adscrita
básica de serviço social; v.2).
sobre longitudinalidade da atenção. Rev. APS. 2014 abr/jun; 17(2): 244
artigos

artigos
BRASIL. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política - 254.
Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes
GIL, Carmem Zeli de Vargas. Da Vila Dique ao Porto Novo. Extensão
e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia
popular, rodas memórias e remoções urbanas. São Leopoldo: Oikos,
Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de
2013.
Saúde (PACS).
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento –
________. Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada
pesquisa qualitativa em saúde. 7ª edição. São Paulo: Hicitec/Abrasco,
em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
2000.
________. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as
MERHY, Emerson Elias. Em busca da qualidade dos serviços de saúde:
condições de promoção e recuperação da saúde, a organização e o
os serviços de porta aberta para a saúde e o modelo tecno-assistencial
C3

financiamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.


em defesa da vida. In: CECILIO LCO, organizador. Inventando a
Brasília, MS, 1990.
mudança na saúde. São Paulo: Editora Hucitec; 1994.

C3
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INFORME C3, Porto Alegre, v. 10, n. 4 (Ed. 23), Dez. - 2018. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.com INFORME C3, Porto Alegre, v. 10, n. 4 (Ed. 23), Dez. - 2018. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.com

MERHY, Emerson Elias. O ato de cuidar: a alma dos serviços de saúde?


Cadernos CINAEM – Fase III. São Paulo. Brasil. 2000.
CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA - SAÚDE

CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


PINHEIRO, Roseni. Cuidado em Saúde. In Dicionário da educação
profissional em saúde. Orgs Isabel Brasil Pereira e Júlio César França
Lima. N 2.ed. rev. ampl. - Rio de Janeiro: EPSJV, 2008.
RAICHELIS, Raquel. Proteção social e trabalho do assistente social:
tendências e disputas na conjuntura de crise mundial. Serv. Soc. Soc.,
São Paulo, n. 116, p. 609-635, out./dez. 2013.

SILVA, Cristiane Rocha; GOBBI, Beatriz Christo; SIMÃO, Ana Adalgisa. O


uso da análise de conteúdo como uma ferramenta para a pesquisa
qualitativa: descrição e aplicação do método. Organ. rurais agroind.,
Lavras, v. 7, n. 1, p. 70-81, 2005.
STARFIELD, Bárbara. Atenção Primária, equilíbrio entre necessidades
de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde,
2002.
VASCONCELLOS, Miguel Murat; GRIBEL, Else Bartholdy and MORAES,
Ilara Hammerli Sozzi de. Registros em saúde: avaliação da qualidade
do prontuário do paciente na atenção básica, Rio de Janeiro, Brasil.
Cad. Saúde Pública [online]. 2008, vol.24, suppl.1, pp. s173-s182. ISSN
0102-311X.

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artigos

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Artigo 10
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O PAPEL DO ENFERMEIRO DA SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO
ESPECIALIZADA: UMA REVISÃO (2001-2017)*
Francielle Martins Lampert, Porto Alegre/RS 1
Me. Thaiani Farias de Castilhos, CAPS AD III/GHC, Porto Alegre/RS 2

O PAPEL DO
RESUMO: O perfil do enfermeiro em Saúde Mental (SM) permeia fatores
históricos, socioeconômicos e culturais. A SM surgiu no Brasil no séc.
XIX e têm como marcos a Lei n°10.216/01 e a criação dos dispositivos
substitutivos. Este estudo analisa os conteúdos em artigos científicos

ENFERMEIRO DA
quanto ao papel do enfermeiro da SM na atenção especializada
(2001-2017). Com a análise de conteúdo emergiram 4 categorias
da Enfermagem: nos seus fazeres, Socializadora, Educadora e
Afetuosa. Os enfermeiros buscam reconhecimento efetivo e cabe

SAÚDE MENTAL
a eles desmistificarem sua prática e divulgarem seu trabalho, tanto
no ambiente de trabalho quanto na academia, salientando sua
competência, conhecimento, compromisso profissional, alicerçados à
prática da enfermagem, visando transformar e conquistar seu espaço.
Palavras-chave: Enfermagem Psiquiátrica. Saúde Mental. Cuidados

NA ATENÇÃO
de enfermagem.

ESPECIALIZADA:
THE ROLE OF THE MENTAL HEALTH NURSE IN SPECIALIZED
ATTENTION: A REVIEW (2001-2017)
ABSTRACT: The Mental Health (MH) nurse profile permeates historical,

UMA REVISÃO
socioeconomic and cultural factors. The SM appeared in Brazil in the
19th century having as landmarks Law No. 10,216/01 and the creation of
substitute devices. This study analyzes the contents of scientific articles
regarding the role of the nurse of MS in specialized care (2001-2017).

(2001-20017)
artigos

artigos
With the analysis of content emerged 4 categories of Nursing: in their
actions, Socializing, Educating and Affective. Nurses pursue effective
recognition and it is up to them to demystify their practice and
publicize their work, both in the work environment and in the academy,
emphasizing their competence, knowledge, professional commitment,
based on the practice of nursing, wishing to transform and conquer
their space.
Keyworks: Psychiatric Nursing. Mental Health. Nursing Care.

1 Enfermeira, Residente do Programa de Saúde Mental 2016-2018. Especialista em


Saúde Pública. Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail:franlampert@gmail.com.
C3

2 Psicóloga, Mestre em Psicologia Social, Especialista em Dependência Química.


Coordenadora da Residência Multiprofissional em Saúde-GHC. Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail:
thaianifv@gmail.com.

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Introdução Industrial Inglesa e Francesa, houve um rompimento com a relação


O perfil do enfermeiro permeia fatores históricos, socioeconômicos de subordinação vigente no período feudal. Emergiu o modelo de
e culturais. A enfermagem psiquiátrica e seu fazer surgiu alinhada ao força de trabalho que refletiu diretamente no modelo de tratamento
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projeto da medicina social, após ser vislumbrada uma nova maneira à loucura, onde o conceito de ociosidade não era visto de maneira
de cuidado que respeitasse a seguinte tríade: o paciente era visto benéfica (REINALDO; PILON, 2007).
como único, era preciso um conhecimento sobre ele e era necessário No Brasil a psiquiatria surgiu no século XIX, onde se destacava o
saber como controlá-lo. A psiquiatria foi pioneira como especialidade papel das enfermeiras das Santas Casas e asilos de caridade como
médica e estava diretamente relacionada a um projeto de principais protagonistas da saúde mental brasileira. Esses lugares eram
conhecimento e transformação da sociedade na Europa do século considerados de finitude de vida, produção de morte e doença. O
XVIII (MACHADO et. al., 1978). trabalho da enfermagem se pautava em três eixos: higiene social,
Esta medicina social buscava uma reorganização nos espaços higiene física e controle social (MACHADO et. al., 1978).
hospitalares e asilares. Pussin, primeiro enfermeiro psiquiátrico Este modelo asilar e higienista se tornou mais forte com a
reconhecido, não tinha um nome popular entre as grandes ascensão do capitalismo no Brasil, onde a loucura foi vista como uma
celebridades da saúde mental, mas aliado a Philipe Pinel iniciou um mercadoria de fácil aceitação e de lucro incontestável. Atrelada a
processo de intervenções reformistas nos asilos franceses de Bicêtre e uma política centralizadora do saber e do cuidado, somente o médico
Salpetrière, tornando-se uma das figuras referência para os estudos e era o detentor do conhecimento e cura, tendo-se o predomínio de
práticas da enfermagem da área (MALVÁREZ, 1991). políticas voltadas ao modelo biológico para atender às necessidades
A Revolução Francesa e suas ideologias humanistas tiveram em saúde mental (NICÁCIO, 1990).
sua influência no campo da saúde mental trazendo a tona à carga A imagem da enfermagem tem relação com a trajetória religiosa,
degradante dos antigos manicômios como: as condições sub- onde o bom enfermeiro, em sua grande maioria mulheres, prestava um
humanas de pacientes internados, pacientes algemados, dieta restrita serviço de submissão, conformismo, alienação, obediência e silêncio.
e não suficiente para sua sobrevivência e inúmeras restrições quanto à Os que exerciam a enfermagem eram leigos (pobres, escravos e
higiene e saúde. Pinel conseguiu em 24 de maio de 1789 autorização da antigos doentes) que prestavam seus trabalhos nas Santas Casas de
comuna revolucionária parisienses para libertar os chamados doentes Misericórdia, sob a supervisão e ordem das congregações religiosas.
mentais que sofriam algum tipo de violação a sua integridade, surgiu Seus fazeres eram passados de uma irmã para outra sem formalidades
então o livro de maior papel nos registros da história da psiquiatria ou padronização (BARROS, 2000).
da época, o Tratado Médico-Filisófico sobre a alienação mental, A primeira escola de Enfermagem psiquiátrica foi criada no
considerado o material escrito pioneiro antipsiquiátrico e introdutor ao Hospital Nacional dos Alienados denominada “Escola Profissional
conceito de moral no tratamento dos doentes (FOUCALT, 1978). de Enfermeiros e Enfermeiras da Assistência a Alienados” no Rio de
artigos

artigos
Segundo Foucault (1978) o feito de Pinel teve repercussão e Janeiro, por meio do Decreto n°791 de 27 de setembro de 1890. Era
influência em outros países. Em 1792 William Tuke criou o primeiro administrada academicamente por médicos psiquiatras e buscava a
asilo humanizado, na cidade de York - Inglaterra. No século XVIII, obtenção de mão de obra (MACHADO et. al., 1978).
era do Iluminismo, William Cullen, psiquiatra de Edimburgo - Escócia, A década de 1970 foi o berço da Reforma Psiquiátrica Brasileira,
estabeleceu a primeira categorização das doenças psíquicas. E no que teve como precursores a reforma sanitária e o movimento
mesmo período a filosofia denominada Trancendental criada pelo antimanicomial, trazendo à tona a situação precária e não efetiva
alemão Immanuel Kant emergia no cenário da saúde mental, onde dos manicômios e asilos (LUZ, 1994). A reforma psiquiátrica no Brasil vai
se defendia que todos trazem formas e conceitos prévios que devem além de apenas desinstitucionalizar os pacientes de asilos e hospitais
C3

ser considerados no tratamento da loucura. públicos e conveniados (por suas condições precárias e animalização
Com a consolidação do capitalismo, após a Revolução de seus internos), mas também uma transformação dos modelos

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assistenciais, dos paradigmas e das ações corporativas centradas no profundamente a prática do enfermeiro na saúde mental especializada
manicômio e suas práticas (FURTADO; CAMPOS, 2005). este estudo busca analisar os conteúdos vinculados a artigos científicos
Este modelo asilar e manicomial perdurou durante anos no quanto ao tema do papel do enfermeiro na saúde mental na atenção
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Brasil. No século XX a política nacional de recursos humanos em especializada em publicações no intervalo de 2001 até 2017.
enfermagem- tanto dos serviços de saúde como da assistência
hospitalar- juntamente com a Reforma Sanitária trouxeram novas Procedimentos metodológicos
diretrizes aos cursos da área da saúde (VILLA; CADETE, 2000). Ainda na Trata-se de um estudo descritivo do tipo revisão integrativa com
década de 1980 realizou-se a elaboração e implementação de uma abordagem qualitativa. Por meio deste método, buscou-se analisar
proposta de currículo mínimo para o curso de graduação, trazendo e sintetizar dados prévios da literatura existente sobre a temática:
como cerne a pedagogia problematizadora, buscando aliar a teoria à papel do enfermeiro na saúde mental especializada e apontar novos
prática (ANGELO, 1994), e posteriormente deu corpo à Lei de Diretrizes questionamentos e reflexões sobre a construção de novas práticas da
e Bases para a Educação 9424/96, que realiza uma conexão entre a enfermagem no campo da saúde mental no Brasil.
academia e a prática, com programas de qualificação profissional A revisão integrativa é um método que proporciona a síntese de
mesmo para enfermeiros já inseridos no mercado de trabalho (BRASIL, conhecimento e a incorporação de aplicabilidade de resultados de
1996). estudos significativos na prática (SILVEIRA, 2005). Os artigos utilizados
A saúde mental sofreu inúmeras mudanças através dos anos neste estudo foram selecionados do banco de dados da Scientific
advindas de movimentos populares de trabalhadores da área de Eletronic Libray on-line (SciELO), do site da Biblioteca Regional de
saúde, de sanitaristas, de familiares de pacientes psiquiátricos, dos Medicina (Bireme), através do LILACS, MEDLINE, BDENF, IBECS, Index e
próprios pacientes, entre outros; tendo como principal marco a CUMED. Quanto aos critérios de inclusão, foram selecionados apenas
promulgação da Lei n°10.216 de 2001. Há ainda várias portarias artigos redigidos em idioma português, em sua íntegra, que tiveram
ministeriais que viabilizam a organização e o financiamento deste sua publicação realizada entre os anos de 2001 a 2017 - período após
novo modelo de assistência em saúde mental (BRASIL, 2004). a aprovação da Lei n° 10.216/01.
Este novo modelo de assistência conta com dispositivos como: A Durante a pesquisa foi utilizado como critério de inclusão artigos
Atenção Psicossocial Estratégica (Centros de Atenção Psicossociais), A que apresentavam como descritor o termo “Papel do Enfermeiro na
Atenção Residencial de Caráter Transitório (Unidade de Acolhimento, Saúde Mental” no título, resumo ou assunto e deveriam estar disponíveis
Serviço de Atenção em Regime Residencial), A Atenção Hospitalar na íntegra com acesso livre e gratuito. Tendo sido localizados 2.090
(Enfermaria especializada em Hospital Geral, Serviço Hospitalar de trabalhos. Como critérios de exclusão foram eliminados os trabalhos
Referência para Atenção às pessoas com sofrimento ou transtorno que não versassem sobre a enfermagem nos dispositivos de saúde
mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e mental especializada. Foram excluídos 2.079 artigos. Sobrando um
artigos

artigos
outras drogas) e As Estratégias de Desinstitucionalização (Serviços total de 11 estudos que preenchem os requisitos estipulados para essa
Residenciais Terapêuticos) (BRASIL, 2011). pesquisa.
Tais dispositivos utilizam-se das chamadas tecnologias leves que A síntese dos dados foi realizada através da técnica de análise
devem estar presente no fazer deste novo modelo de assistência. As de conteúdo (MORAES, 1999). Esta técnica inicia com o processo de
tecnologias leves exigem do profissional a escuta, o acolhimento ao preparação, visando identificar as diferentes amostras de informação
paciente no sentido amplo da palavra, o vínculo, a responsabilização, a serem analisadas e iniciar o processo de codificação de materiais.
e habilidades para lidar com os altos graus de incerteza intrínseca Em seguida iniciou-se o processo de unitarização, que consiste em
desse trabalho (MERHY, 2002). revisitar os materiais e realizar uma classificação denominada “unidade
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Tendo em vista essas mudança, ainda recentes, no modelo de análise”.


de assistência ao paciente psiquiátrico e visando analisar mais O próximo estágio desta técnica de análise de conteúdo é a

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categorização, sendo criado um agrupamento de dados classificados conformação de um padrão de práticas com a produção de valores,
por semelhança ou analogia, que devem manter os seguintes critérios: demarcando a identidade de uma área de saber e de sua prática
serem válidas, pertinentes ou adequadas, obedecer à exaustividade profissional. O campo consiste num espaço de limites imprecisos
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ou inclusividade, manter a homogeneidade, atender a exclusividade em que cada disciplina e profissão buscam em outras o apoio para
ou exclusão mútua, ter objetividade, consistência ou fidedignidade. A cumprir suas tarefas teóricas e práticas.
descrição é a etapa em que ocorre a comunicação do resultado do As práticas da enfermagem tiveram de se adaptar ao que
trabalho. Tem-se ainda a interpretação, propondo uma compreensão corresponde ao chamado cuidado indireto, que foram sendo
aprofundada do conteúdo por meio da inferência e interpretação. incorporados nos serviços multiprofissionais, assim como já existia nos
Neste estudo foram contemplados os aspectos éticos, nomeando âmbitos hospitales (BERTONCELLO, FRANCO, 2001).
os autores dos estudos analisados. O papel da enfermagem no cuidado indireto diz respeito à
articulação dos técnicos de enfermagem com os demais membros da
Resultados e discussão equipe e até mesmo entre os diferentes turnos de trabalho, com um
O método de análise de conteúdo possibilitou analisar, cunho integrador, permitindo e propiciando a união da equipe como
interpretar e agrupar os dados semelhantes. Utilizou-se como base um todo (ABIRACHED, 2017; SADÍGURSKI, 2002), provocando assim um
teórica a categorização de Mello (1998), a autora traz em seu estudo melhor fluxo de comunicação entre a equipe e consequentemente
intitulado “Proposta de orientação para sistematização de assistência um cuidado integrado de qualidade.
de enfermagem psiquiátrica” as categorias “a enfermeira como A enfermagem também se ocupa de questões clínicas,
criadora de um ambiente terapêutico”, “a enfermeira como agente implementação de rotinas, administração/preparo/supervisão de
socializador”, “a enfermeira como conselheira”, “a enfermeira como administração de medicamentos e também seus efeitos, escala dos
professora”, “a enfermeira como substituta dos pais”, juntamente técnicos (ABIRACHED, 2017; DIAS; ARANHA E SILVA, 2010; SILVA et. al.,
com “o papel de técnica em enfermagem” e “a enfermeira como 2009; LOBO; MATTIOLLI; SANTOS, 2008), consultas de enfermagem,
terapeuta” que serviram de subsídio para a categorização proposta prescrição de enfermagem, aplicação de sistematizações de
por este trabalho. enfermagem e avaliação dos pacientes (DIAS; ARANHA E SILVA, 2010;
Do presente estudo emergiram quatro categorias: 1) Enfermagem OLIVEIRA; ALESSI, 2003; SADÍGURSKI, 2002).
nos seus fazeres, 2) Enfermagem Socializadora, 3) Enfermagem Além disso, ser enfermeiro também se aplica em funções comuns
Educadora e 4) Enfermagem Afetuosa. da equipe, como por exemplo, a realização de grupos, oficinas,
acolhimento, reestruturação psíquica, realizar atividades de lazer,
Enfermagem nos seus fazeres intervenções em rede, coordenação do serviço, encaminhamentos
Analisando os fazeres da Enfermagem podemos evidenciar a outros serviços (DIAS; ARANHA E SILVA, 2010; SILVA et. al., 2009;
artigos

artigos
que há uma preocupação com a qualidade do serviço prestado, SADÍGURSKI, 2002). Cabe ao enfermeiro, ainda, atentar para sinais
a educação e aperfeiçoamento da equipe de enfermagem, bem e sintomas que os pacientes possam apresentar (LOBO; MATTIOLLI;
como o treinamento interno para questões específicas do núcleo SANTOS, 2008; SADÍGURSKI, 2002), atividades burocráticas (OLIVEIRA;
(ABIRACHED, 2017; LIMA et. al., 2010; DIAS; ARANHA E SILVA, 2010; ALESSI, 2003; SADÍGURSKI, 2002) e atuar em situações de crise
SILVA et. al., 2009; LOBO; MATTIOLLI; SANTOS, 2008; SILVEIRA; ALVES, (SADÍGURSKI, 2002).
2003; SADÍGURSKI, 2002). A Enfermagem em seus fazeres aparece como sendo um
Campos (2000) trás que a institucionalização de saberes e sua norteador e não definidor de papéis ou limitador de tarefas. Reconhece
organização em práticas ocorrem pela conformação de núcleos e que possuem atividades restritas aos enfermeiros, técnicos e auxiliares
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de campos. O núcleo nada mais é do que os conhecimentos e a e consegue desempenhar com maestria tais demandas.
Faz-se importante salientar que somente a técnica dos fazeres não

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é suficiente para que o enfermeiro tenha suas funções contempladas, diversos. Desta forma, podem-se criar condições de possibilidades
é importante o conhecimento científico específico e a ética profissional para que o enfermeiro tenha subsídios necessários para um trabalho
para um desempenho de suas atribuições (JESUS et. al., 2010; AVILA mais qualificado e universal.
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et. al., 2013). Percebe-se que a função da Enfermagem Socializadora traz
consigo um grande desafio no que diz respeito à quebra de estigma
Enfermagem Socializadora para uma eficaz resocialização. Apesar de toda evolução de
É papel da equipe de Enfermagem trabalhar de maneira saberes e práticas no campo do cuidado em saúde mental, ainda
socializadora. Esta tarefa inclui ações como interagir e buscar apresenta-se na comunidade – inclusive a científica - uma crença
interação entre a equipe e os pacientes, buscar diminuir o estigma sobre a inviabilidade social, a periculosidade e a incapacidade do
dos portadores de transtornos mentais, promoção de um ambiente portador de grave sofrimento psíquico, bem como uma crença de
terapêutico, formação de vínculos, valorização a autonomia do “normalidade” monolítica, unívoca e inequívoca, em que poucos
sujeito (ABIRACHED, 2017; PAVANATTO et. al., 2015; DIAS; ARANHA E têm direto (FRANÇA, 2008). A adaptação de novos hábitos de vida,
SILVA, 2010; SILVA et. al., 2009; SADÍGURSKI, 2002). ou a criação deles, também aparece como elo do paciente com a
Trata-se de promover ações que visem um engajamento no viver sociedade.
em sociedade, mudanças no estilo de vida e em atividades de vida
diárias, favorecendo a capacidade do indivíduo de gerar normas Enfermagem Educadora
para sua vida, resgate e reconstrução de dignidade e cidadania, Esta categoria resgata o papel do enfermeiro na educação
reinserção social, comunitária e laboral, dentro das possibilidades de para a vida, a educação no aceite da doença (tanto por parte do
cada realidade (ABIRACHED, 2017; PEDREIRA; SOARES; PINTO, 2012; paciente quanto da família), auxiliar o paciente a aceitar a si próprio
SILVA et. al., 2009; KANTORSKI; MIELKE; TEIXEIRA JÚNIOR, 2008; LOBO; sem ter como característica principal a patologia, melhorar as relações
MATTIOLLI; SANTOS, 2008). pessoais (indivíduo, comunidade e família), valoriza o conhecimento e
Para Lobosque (2001), uma das grandes militantes da luta o saber de cada indivíduo (PERRRENOUD, 1999).
antimanicomial, o principal pilar que sustenta a resocialização é Cabe à equipe de enfermagem compreender o paciente e sua
o abandono da exclusividade da técnica. Não se trata de tornar família, visando ações que o abranjam como um todo, onde possam
o tratamento exclusivamente empírico ou abrir mão de formação ser adotadas medidas de acordo com cada situação, e estabelecer
prévia, mas fazer uso dos conhecimentos adquiridos (academia, assim um cuidado humanizado (REISDORFER et. al., 2015).
especializações, entre outros) para uma inovadora e singular técnica A educação para o enfrentamento de momentos de crise,
de produção de vida em comunidade, do sujeito em sociedade, na manejo da raiva e situações de frustração. Bem como a educação
cultura, na história de seu tempo. para a medicalização: o que tomar, quando tomar, quando não
artigos

artigos
Segundo França (2008) é possível e fundamental a tomar, sinais e sintomas, efeitos adversos (ABIRACHED, 2017; DIAS;
instrumentalização do antigo doente mental para a cidadania, ARANHA E SILVA, 2010; SILVA et. al., 2009).
buscando um engajamento em árduo e criativo trabalho de A educação aparece como instrumento facilitador, sendo
construção de projetos terapêuticos voltados para a inclusão social. uma forma de cuidar na enfermagem e transcender os preceitos
De acordo com mesmo autor é possível uma terapêutica além- básicos do cuidado, o que potencializa a capacidade de cuidar do
muros, com vistas a participações em eventos públicos, passeios, enfermeiro, promove a intervenção de forma construtiva nas relações
grupos de discussão, atividades recreativas, visitas domiciliares entre desenvolvidas entre os sujeitos (FERRAZ et. al., 2005).
outras, fazendo com que o trabalho profissional, o projeto terapêutico Tais práticas educativas devem permitir aos pacientes a
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singular e a pluralidade de saberes possam transitar por campos oportunidade de conhecer e reconhecer a obtenção de destreza

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para a tomada de decisões, buscando uma melhor qualidade de lugar do enfermeiro nas equipes multiprofissionais da Rede de Atenção
vida (FIGUEIREDO, RODRIGUES-NETO, LEITE, 2010). Psicossocial.
Enfermagem Educadora talvez seja a categoria mais ampla da A enfermagem muitas vezes se vê diante de um dilema, sem a
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função de enfermagem. A função de auxiliar o próprio paciente a certeza sobre seu papel dentro de uma equipe de saúde. O enfermeiro
identificar e superar situações de crise, criando uma consciência sobre que trabalha com saúde mental especializada, em sua grande
a patologia e trabalhar a mesma com os familiares é um binômio maioria, não exerce sua profissão em centros hospitalares e percebe
fundamental e que, muitas vezes, chega aos serviços de saúde uma diferença no seu fazer, talvez advinda da inserção em equipes
fragilizado ou até mesmo inexistentes. multiprofissionais, onde seus trabalhos parecem ser comuns.
A ampliação do território de vida, que pacientes, tiveram com as
Enfermagem Afetuosa práticas possíveis a partir da Reforma Psiquiátrica, ampliou também os
O papel da enfermagem por vezes é associado ao de um familiar territórios da enfermagem. Esta também deixou os muros do hospital,
próximo, não raras vezes pode ser visto demonstrações de afeto entre ganhando as comunidades e novas possibilidades de se reinventar,
pacientes e a equipe de enfermagem. Estes gestos, tanto por parte o que, é claro, não acontece livre de angústias e questionamentos
da equipe para com o paciente e o inverso, são identificados como (ABIRACHED, 2017; DIAS; ARANHA E SILVA, 2010; OLIVEIRA; ALESSI, 2003).
reconhecimento e gratificação (ABIRACHED, 2017; LIMA et. al., 2010). Buscando uma diminuição destes desconfortos Colpo, Camargo
Tal imagem da enfermagem como sendo um núcleo profissional e Mattos (2006) sugerem uma profunda discussão a cerca da
afetuoso não deve ser vinculada a imagem errônea de serviço importância do papel da enfermagem, tanto por parte dos enfermeiros
caritativo (BACKES;ERDMANN, 2009; COLPO; CAMARGO; MATTOS, como pela equipe de saúde. É fundamental que os demais profissionais
2006; CARRIJO, 2012). O desafio aqui se apresenta em como manter de saúde também viabilizem um espaço de escuta e educação
o lugar do afeto e do cuidado humanizado – tão importantes na continuada, buscando uma melhor relação de trabalho entre os
saúde mental – sem confundir-se com um lugar menosprezado para a profissionais da equipe multiprofissional, reduzindo assim um possível
função da enfermagem. sofrimento gerado e estimulando a interlocução dos diversos núcleos
A mídia aparece tendo um papel importante na disseminação profissionais, minimizando as dificuldades advindas do cotidiano do
da figura frágil da enfermagem quando vincula aos meios de trabalho (CARRIJO, 2012).
comunicação uma imagem errônea do ser enfermeiro como sendo Além da trajetória histórica da profissão, estereótipos negativos
alguém de caráter delicado, focado na subserviência, ou até mesmo incutidos sobre a enfermagem também dizem respeito às posturas
com cunho punitivo e por vezes de caráter duvidoso (CARRIJO, 2012). assumidas pelos enfermeiros, à insatisfação no contexto de trabalho,
Esta categoria busca romper com os estereótipos, mas ressaltando à submissão e obediência a determinações de outros profissionais da
o papel do afeto e do cuidado humanizado da enfermagem no saúde, à execução da prática sem reflexão e sem conhecimento
artigos

artigos
campo das práticas em saúde mental. A Enfermagem Afetuosa não clínico, corroborando para intensificar a indefinição da importância
busca substituir outras relações (familiares), mas servir de ponte, criando do fazer do enfermeiro para a equipe de saúde, os pacientes e a
vínculos e buscando uma maior adesão do paciente ao tratamento sociedade de um modo geral.
de maneira humaniza. Para Silveira (2012), a satisfação no trabalho provoca melhoras
significativas na assistência direta ao paciente, provocando assim
Conclusão uma maior qualidade no serviço prestado.
O campo da saúde mental trouxe importantes desafios à As competências do enfermeiro em saúde mental sofreram
enfermagem. Distanciar-se de procedimentos mais regrados, alterações ao longo dos anos, passando de observação e aplicação
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protocolos e normas operacionais pré-estabelecidas trouxe a da terapêutica médica para atividades administrativas, que segundo
necessidade de revisão de práticas e, de certa forma, de reconstruir o

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Reinaldo e Pillon (2007) o distanciou de seu objeto de trabalho. Por meio deste estudo foi possível identificar algumas propostas
Os enfermeiros acabam ficando mais vinculados a questões de para que o enfermeiro possa efetivamente assumir seu papel na
organização do serviço, ou até mesmo burocráticos, assistentes atenção à saúde mental. A relevância deste estudo se deve a
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de coordenação ou coordenadores da equipe, e isso acarreta importância dos seus achados que poderão propiciar a reflexão
um prejuízo para a caracterização do trabalho efetivamente do do enfermeiro quanto a sua prática profissional, de modo a buscar
enfermeiro, não raras vezes fazendo seu papel parecer subordinado valorização e reconhecimento almejados.
a outros profissionais do serviço (ABIRACHED, 2017, DIAS; ARANHA E Sugere-se ainda que os enfermeiros se aproximem ainda mais
SILVA, 2010, SILVEIRA; ALVES, 2003, OLIVEIRA; ALESSI, 2003). da busca pelo conhecimento científico, publicizando seus achados
O núcleo de cada profissão, no caso também aquele específico e dividindo suas experiências profissionais com seus pares, instigando
da profissão da enfermagem, é preservado e ampliado nos serviços acadêmicos a traçarem uma nova trajetória profissional, alicerçada
substitutivos, os chamados equipamentos de saúde especializada, às em evidências e despida de empirismo.
interconexões objetivando-se no campo da reabilitação psicossocial,
o que pode causar um pouco de estranheza e até mesmo o não
reconhecimento de seu real papel e identidade de núcleo, o que Referências Bibliográficas
levam muitos enfermeiros a exercer papéis de cunho burocrático ou ABIRACHED, R. T. Atuação da enfermagem na implantação das
administrativo. residências terapêuticas para pessoas com transtorno psiquiátrico no
Por meio deste estudo se pode inferir que o enfermeiro da saúde município de Duque de Caxias-RJ (2004-2011). 2017. 123 f. Dissertação
mental especializada apresenta-se como uma profissão plástica e de (Mestrado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem Anna Nery,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
constante construção e reestruturação, consegue transitar sobre os ANGELO, M. Educação em enfermagem: a busca da autonomia.
múltiplos campos do saber e exerce um papel articulador entre as Revista Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 11-14,
mais diversas áreas e profissões. Abr. 1994.
AVILA, L. I. et al. Implicações da visibilidade da enfermagem no
Entretanto, ainda apresenta-se um tanto nebuloso quando
exercício profissional. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre,
comparado a outros núcleos profissionais. O enfermeiro como v. 34, n. 3, p. 102-109, 2013.
um profissional que compõem a equipe de saúde multidisciplinar BACKES, D. S.; ERDMANN, A. L. Formação do enfermeiro pelo olhar do
ainda transita de maneira exitosa pelo campo ao qual se insere empreendedorismo social. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto
Alegre, v. 30, n. 2, p. 242-248, 2009.
ainda impregnado por sua trajetória de submissão a outros núcleos BARROS, S. Ensino da enfermagem psiquiátrica e reabilitação
profissionais. psicossocial. In: JORGE, M. S. B, SILVA, W. V, LEMOS, F. B, (org.). Saúde
Embora o papel do enfermeiro da saúde mental na atenção mental: Da prática psiquiátrica asilar ao terceiro milênio. São Paulo:
Lemos Ed; 2000.
especializada tenha sofrido constantes modificações ao longo de sua
artigos

artigos
BERTONCELO, N. M. F.; FRANCO, F. C. P. Estudo bibliográfico de
trajetória histórica, ainda é preciso à conquista de seu papel tanto publicações sobre a atividade administrativa da enfermagem em
pela equipe multiprofissional, quanto pela sociedade. Identifica-se um saúde mental. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão
engajamento advindo dos enfermeiros em saúde mental, mas ainda Preto, v. 9, n.5, p.83-90, 2001.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 3.088, de 23 de dezembro
há o que galgar em busca de um reconhecimento efetivo. Cabendo de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com
aos próprios enfermeiros desmistificarem o seu fazer e divulgarem sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do
o seu trabalho, tanto no ambiente de trabalho quanto no ramo uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília, 23 de dezembro de 2011.
acadêmico, salientando assim sua competência, conhecimento,
BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Lei n. 9.394, de 20 de
compromisso profissional, alicerçados à prática da enfermagem, dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
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poderão transformar e conquistar seu espaço junto a equipe de saúde Nacional. Brasília, 20 de dezembro de 1996.
multidisciplinar. BRASIL, Ministério da Saúde. Legislação em saúde mental: 1990-2004,

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INFORME C3, Porto Alegre, v. 10, n. 4 (Ed. 23), Dez. - 2018. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.com INFORME C3, Porto Alegre, v. 10, n. 4 (Ed. 23), Dez. - 2018. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.com

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Artigo 11
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NARRATIVAS EM SAÚDE: POSSIBILITANDO RELATOS DE
ENCONTROS

Liege Ramos Alflen, Porto Alegre/RS1


Maria Marta Borba Orofino, SSC/GHC, Porto Alegre/RS 2

NARRATIVAS RESUMO: O presente trabalho visou através de narrativas relatar as


vivências de um atendimento em um Consultório na Rua. No qual,
a partir das linhas descritas a seguir, faz referência aos encontros

EM SAÚDE:
ocorridos entre duas pessoas, as quais ocupavam lugares distintos
no espaço institucional de saúde, sendo um usuário de um serviço
de saúde voltado para a população em situação de rua e uma
trabalhadora Terapeuta Ocupacional, em constante formação.
Tendo como base o trabalho humanizado e como ferramentas a

POSSIBILITANDO
escuta, o afeto e o vínculo. Utilizando as narrativas como um método
provedor do debate reflexivo acerca da produção do cuidado em
saúde neste contexto, dando visibilidade para uma população que é
estigmatizada e marginalizada todos os dias. A utilização das narrativas

RELATOS DE
como metodologia vem ao encontro da proposta da liberdade em
contar a essência do indivíduo que estava em cena, produzindo
um novo sentido para sua trajetória de vida através de seus relatos,
potencializando o seu modo de estar no mundo, dando nome e um

ENCONTROS
lugar para aquele sujeito, que aqui terá suas histórias de algum modo
eternizadas.
Palavras-chave: Narrativas. Cuidado humanizado. Escuta.

NARRATIVES IN HEALTH: POSSIBILITATING REPORTS OF


MEETINGS
artigos

artigos
ABSTRACT: The present work aimed through narratives to report the
experiences of a care in a Doctor’s Office. In which, from the lines
described below, they refer to the meetings that took place between
two people, who occupied different places in the institutional health
area, being a user of a health service aimed at the street population

1 Terapeuta Ocupacional. Residente em Saúde Mental pelo Grupo Hospitalar


Conceição. Porto Alegre, RS. Email: Liege.Alflen@hotmail.com  Endereço para
correspondência: Maria Marta B. Orofino, Gerencia de Ensino e Pesquisa do Grupo Hospitalar
Conceição. Av. Francisco Trein, 596, prédio administrativo. Cristo Redentor, Porto Alegre. CEP:
91350-200.
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2 Doutora pelo programa de pós graduação em letras da UFRGS. Terapeuta


Ocupacional, funcionária do Grupo Hospitalar Conceição. Porto Alegre, RS. Email: 
martaorofino@gmail.com  

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and a worker Occupational Therapist, in constant formation. Based on Jorge e Brêda (2011, p. 86) definem as práticas do Consultório na
humanized work and as tools of listening, affection and bonding. Using
narratives as a method that provides reflective debate about the Rua como sendo, genuinamente, o cuidado na rua, apresentando
production of health care in this context, giving visibility to a population um contexto dinâmico, onde a imprevisibilidade integra a rotina
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that is stigmatized and marginalized every day. The use of narratives
as methodology used, comes to the encounter with the proposal of de trabalho, solicitando flexibilidade, articulação, capacidade de
freedom to tell the essence of the individual who was on the scene, negociação, aceitação, respeito e valorização da diversidade.
producing a new meaning for his life trajectory through his reports,
potentializing his way of being in the world, giving name and a place Minha formação em Terapia Ocupacional foi fortemente
for that guy, who here will have his stories somehow eternalized. irrigadora desse processo além da necessidade da busca por
KEYWORDS: Narratives. Humanized care. Listening.
subsídios para as abordagens do cuidado ampliado em saúde.
Conhecer o cotidiano dessas pessoas só poderia ser
Introdução através da escuta do seu repertório de vida, uma vez que
A narrativa como forma de pesquisa qualitativa surgiu de suas atividades diárias eram a todo instante reorganizadas,
encontro ao desejo em relatar a forma dos indivíduos em situação de conforme a demanda do dia, ora pelas questões climáticas
rua estarem no mundo. Sendo a narrativa o processo metodológico ou pela necessidade de mudança de território pela violência.
que dialoga com a realidade. Ricour (1997, p. 105) já citava essa Em um primeiro momento, julguei ser mais pertinente a reflexão
metodologia como uma operação mediadora entre a experiência das políticas específicas para pessoas idosas em situação de rua,
viva e o discurso, no qual ela ligaria a explicação à compreensão: problematizando os processos do envelhecimento. Com o passar
“superar a distância entre compreender e explicar”. do tempo e das vivências no serviço, bem como com a construção
Nesse sentido, o objetivo do estudo surge para fomentar do Trabalho de Conclusão da Residência em Saúde Mental, foi se
publicações em saúde, utilizado dessa abordagem para tratar de traçando discussões que trouxeram disparadores para a constatação
questões do trabalho e discutir sobre práticas do cuidado humanizado. da riqueza desse encontro de cuidado em saúde no dia a dia e da
Para guiar o desfecho deste artigo, traremos as narrativas, importância de uma pesquisa que corrobore com novas formas de
pois conforme defendem Campos e Furtado (2008, p. 1091), as produção em saúde, estimulando o uso de narrativas como relato de
narrativas também são de interesse para as pesquisas sobre o SUS, pois casos e até mesmo de evoluções dos atendimentos. Entende-se que
permitiria explorar as relações entre estrutura e eventos observados através deste formato é possível dar mais vida aos relatos e significados
e/ou registrados nos serviços de saúde, fugindo assim da dicotomia para os atendimentos.
indesejável entre macropolítica e micropolítica nessas pesquisas.
Encontros de um envelhecer na rua.
Procedimentos Metodológicos “Pas-so da ca-ve-i-ra”, dizia ele, com ênfase em algumas sílabas,
O início quando questionávamos sua origem, parecia que nos olhos bem azuis
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artigos
O desejo em abordar o cotidiano da população em situação passava a imagem nítida do lugar... “estrada de chão, sem vizinhos
de rua foi o disparador para o que hoje se consiste em narrativas, por perto, engenho”.
oriundas do encontro com o senhor que aqui chamarei de Neto Como atividade, ordenhar as vacas, carpir, acordar cedo e
Dar visibilidade para uma população que é estigmatizada muito esforço físico. Esses eram os marcos presentes em todos os relatos
e marginalizada todos os dias, em todos os lugares do mundo, da época em que vivera nessa localidade pertencente à Gravataí, a
fez-se necessário após o contato com os sujeitos atendidos no qual morara até os dezenove anos.
Consultório na Rua, onde a necessidade de compreender a história “Vim para Porto Alegre e nunca mais voltei, não sei se minha mãe
de vida dessas pessoas para entender o que produzia sentido ou meu pai existem e não sei das minhas irmãs”... “Ontem o Pedrinho,
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para eles, enquanto indivíduos, era a todo momento necessária. meu irmão mais velho, veio me dar um almoço e uns trocados, ele é

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inspetor da delegacia”... “Sou padeiro e confeiteiro, sei fazer massa grande. Conforme o tempo foi passando, fomos compreendendo que
folhada, prefiro fazer doces”... “ Trabalhei em três padarias, uma delas todo o dia realmente era um novo dia, como uma página a ser escrita,
é bem famosa, fica lá na Esquina Democrática”... “ Morei com a que poderia ser direcionada pela memória remota ou pela memória
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Martinha lá na Bonja, ela usava cadeira de rodas”... ”Tenho dois filhos, recente. O que não impedia que fosse guidada em conjunto das duas,
um homem e uma mulher”... “ Ontem visitei o Pedrinho lá no Sarandi”. ou então que a combinação de ir até o Consultório diariamente só se
Precisão no relato do endereço, rua tal, bairro tal, número 1220 desse em decorrência dele, que ao passar pela praça reconhecera
“perto de uma escola grande na esquina”. o guarda, e então se aproximava, sendo rapidamente convidado a
“Durmo na frente da 14ª Delegacia de Polícia, deixo minhas entrar pelo seu amigo que já sabia seu nome e sobrenome. Assim,
cobertas em um relógio na rua, conheço todo mundo de lá ”... ”Ganho ele era então capturado e direcionado a algumas memórias e
café da Verinha, tu conhece a Prima Vera?!”... “Tô molhado porque combinações do dia, as quais nem sempre concordara:
ontem cheguei tarde na marquise do Big Mix”... “Briguei, porque - Mas para quê mesmo é esse remédio? - Com um tom de negação.
cheguei primeiro para guardar os carros lá frente do Banco do Brasil”... No decorrer do tempo, com o passar dos encontros que ali se
“Não dá para brigar, ele tem faca, essa gurizada tá cada vez pior”... davam, víamos o tempo agindo e os vínculos surgindo, assim como
“Final de Semana guardo carro lá no restaurante da Protásio, vinte pila novas escritas nesta narrativa.
o prato feito, só para granfino pagar tudo isso em uma refeição só”...
“Conheço o Albergue, mas lá o pessoal é da pesada e não respeitam Uma chegada, um começo.
ninguém, tem muito barulho”... “Não gosto de morar na rua, é muito A cada chegada ao Consultório, era uma nova página sendo
solitário”. escrita, não era possível prever, logo que era anunciado no portão,
Nem sempre os diálogos se deram de forma coesa, nem se ele chegara até ali por lembrar-se da combinação realizada na
ordenada, ora na rua a caminho da Unidade de Saúde para os exames sexta-feira, se estaria organizado em tempo-espaço sabendo qual
rotineiros de acompanhamento da tuberculose, entre uma bituca era o dia da semana, ou então que durante o final de semana não
de cigarro e outra que ele juntava do chão, ora sob a proteção do estivera no Consultório e deparado-se com o vazio do local, pois não
teto da garagem do Consultório, acompanhado de um café preto, se lembrara que não trabalhávamos no final de semana, pois era
que com o tempo foi devidamente adoçado conforme o gosto bem comum o surgimento da pergunta: - “vocês vão estar em casa no final
açucarado dele, em alguns dias, seguido da pergunta se não tinha de semana? Respondíamos:
um leite para compor. - Não, senhor Neto, aqui não é nossa casa, nós não estaremos, nem a
Teixeirinha, Júlio de Freitas e Menino da Porteira em alguns Dona E (responsável pelos serviços gerais que vez ou outra entrava no
momentos eram a trilha sonora, que orquestravam e auxiliavam para meio da conversa). Aqui é um serviço de saúde, vinculado ao Hospital
que algumas práticas de cuidado pontuais não fossem interrompidas. Conceição, só funciona de segunda a sexta-feira das oito horas até
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O Menino da Porteira era o mais presente, mas apresentado de as dezoito.
diferentes formas, algumas com entusiasmo, peito estufado e olhos O início de nosso contato se deu quando eu, recém chegada
brilhantes, em outros, com lágrimas e tristeza. ao Consultório na Rua, na companhia da minha dupla de trajetória
Para aquele senhor de estatura mediana, com uma leve dos serviços no percurso da Residência Multiprofissional em Saúde,
curvatura na região cervical, os dias variavam constantemente, um ainda estávamos nos apropriando do campo, conhecendo a equipe.
dia poderia ser outono de mil novecentos e setenta e poucos, e no Era por volta do meio dia, um dia de sol, em uma segunda-feira,
outro de dois mil e um. durante os burburinhos e conversas paralelas quando nos foi dito:
Alguns dias a cor da pele era clara e suas sardas aparentes, “Vocês têm que conhecer o Sr. Neto, é um senhorzinho muito
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mescladas com a ação do tempo pelos seus sessenta e sete anos, outros simpático, mas com um funcionamento paranoide, tentamos vincular
dias sua pele era escurecida pela poeira e escondida sob a barba ele ao serviço, mas ele é sempre muito arredio.”. Durante esse diálogo,

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as informações se deram por duas pessoas, uma em sincronia com a “Macaquinho é isso que os moradores deixam pendurados
outra, na perfeita complementação das falas. nas grades para que possamos pegar”, enquanto abria a sacola e
“É preciso iniciar o tratamento de tuberculose” - dizia uma avistava uma vasilha com sopa, a qual dissera que pegaria na volta.
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terceira pessoa. “Hoje ele tem uma consulta na Unidade de Saúde,
vocês poderiam acompanhar ele, vão indo até a Unidade de Saúde O seu olhar, diferentes construções...
que encontro com vocês lá” - solicitou a terceira profissional fixa da Durante nossos encontros, conforme o vínculo foi se
equipe envolvida na conversa. estabelecendo, víamos nitidamente que Neto maquiava alguns
A dupla recém chegada não tinha maiores informações, além relatos na busca de não ser julgado, o que com o tempo fomos
dos cuidados básicos para evitar o contágio da tuberculose por ele desconstruindo, informando que esse não era o objetivo.
estar bacilífero, que foram repassados durante a conversa, em pé, na A maioria dos fatos era relacionada ao uso de álcool, logo no
sala, enquanto ele esperava na área externa do Consultório. Mesmo começo, Neto tinha geralmente três sacolas plásticas de mercado,
assim, a dupla foi motivada a cumprir a missão incumbida, sem roteiro, nas quais continham, em uma, seus casacos, na outra, algo que
sem maiores informações, com a escuta e o desejo de se aproximar encontrara ou ganhara para comer e, na terceira, uma latinha de
daquele usuário, que recebia uma nova forma de cuidado, diferente cerveja ou uma garrafinha com uma misturinha. Mas o discurso quanto
daquela que havia sido apresentada durante a passagem pela ao uso de álcool, mesmo que seus olhos não estivessem indicando o
Internação Hospitalar em Saúde Mental, durante o período de quatro que falara, era: “Não uso álcool, isso só faz mal”. Com o passar dos
meses. Cuidado esse, livre, sem paredes, só com os paralelepípedos encontros, um novo discurso surgia: “Às vezes, uso álcool, ajuda a
e o trajeto, que não tínhamos muita certeza de qual deveria ser até a passar o frio e espantar a solidão”.
Unidade, mas que nos foi informado pela profissional que ele saberia, Sr. Neto dizia que preferia ser sozinho, não gostava de andar em
pois conhecia o território como a palma da mão. grupo, pois, de acordo com sua fala, “é só para a gente se incomodar”.
Quando eram oferecidos Albergues, referia:
O trajeto, a espera… “Não, lá é muito barulho, a TV fica ligada até tarde, não tem
As oito quadras percorridas até a Unidade de Saúde foram respeito com quem quer dormir”.
realizadas a passos lentos, pois Neto apresentava uma hérnia inguinal Durante a pergunta se tinha filhos ou se havia casado, explicava:
e dava paradas para juntar as bitucas de cigarros dispostas no chão, “Tive uma companheira, ela era minha prima, fui morar com
pelo caminho, dos mais variados tamanhos, inclusive as que dariam ela para ajudar a cuidar, ela era cadeirante, tivemos dois filhos, uma
somente uma tragada. Quando encontrava uma, de um tamanho menina e um menino”. Quando buscamos contato com o irmão
mediado, logo dizia: de Neto, tivemos algumas respostas diferentes das quais estávamos
“Ó, esse aqui era rico!” - e juntava aquela de tamanho mais habituadas a ouvir.
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generoso com as demais em uma carteira velha de cigarro. Neto não tinha contato com o irmão há mais de quinze anos,
“Vocês sabem o que é macaquinho?” - respondi-lhe que o que impossibilitaria que houvesse o visitado no final de semana,
não, assim como Patricia, minha dupla, a qual mais tarde ele faria na mesma casa em que nos passava o endereço, pois agora quem
referência à Patricia Pilar cada vez que era chamada por alguém morava na residência era seu sobrinho, ou, ainda, que ganharia
perto dele, ou então quando lesse em seu crachá. Não sabíamos dinheiro de seu irmão quando o encontrara na praça.
do que se tratara, até porque antes que pudéssemos falar que era o O que tivemos confirmação pelo discurso do familiar é que Neto
animal, ele já nos informou que não era, então, aproximando-se de morara na garagem de seu irmão logo que chegou a Porto Alegre,
uma grade de um prédio e pegando uma sacola pendurada no lado que tinha saído de lá pois tinha conflitos com sua cunhada e que havia
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externo, nos informou: trabalhado como padeiro e confeiteiro. Também, confirmamos que

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havia morado na Bom Jesus com sua prima por um período, porém, a ser utilizados, sem tanta confiança de que funcionariam, mas, em
que havia tido filhos com ela foi veemente negado pela esposa de uma dessas vezes, ele mostrara o que ficara guardado em seu bolso,
seu sobrinho, referindo que isso era uma história delicada na família. referindo que sua ida se dera em decorrência dele.
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Os fatos citados foram relatados pelo sobrinho e sua esposa, Comprovando a importância do investimento, e a busca de
uma vez que, na busca pelo irmão de Neto no endereço que ele técnicas voltadas ao perfil do usuário do serviço. O bilhete escrito
sabia de cor, fomos avisados que quem residia ali eram eles, e que havia atingido o resultado esperado pela escritora.
o irmão de Neto, chamado por ele com muito carinho de “Coronel Durante a confecção do bilhete, algumas vozes anunciavam
Pedrinho”, não tinha interesse em resgatar a relação com o irmão, que possivelmente a técnica não funcionaria, pois a chance dele
visto que já havia disposto de muita energia nos cuidados da irmã de nem colocar a mão no bolso era a mais expressiva.
ambos, que possuía diagnóstico de transtornos mentais e que falecera Contrariando as possibilidades, N realizara o exame necessário
alguns anos antes de buscarmos contato, no período em que residia para que, conseguisse efetivar um de seus planos, que surgira com
em uma casa lar para idosos. mais frequência, o de conseguir um local de moradia protegido.
O exame era a porta de entrada para que aquele senhor que se
O Bilhete, as músicas expunha cada vez mais a riscos, obtivesse a garantia do seu direito a
O vínculo criado com N deu-se diariamente através de vários um local de proteção do frio, calor, e violência da rua. Conforme ele
mecanismos de estratégias. os riscos de viver na rua aumentavam com o passar dos anos, e cada
A primeira foi a utilização da quentinha, a qual continha uma vez mais desgastante a busca por um local para dormir, o qual era
refeição que auxiliava diariamente para que ele fosse realizar o TDO realizado somente quando o movimento da rua diminuía, ou então
de Tuberculose. A segunda foi a utilização de músicas antigas para de sua saída desses locais, que usufruía das marquises, antes de ser
que amenizassem a dificuldade de espera entre o deslocamento até expulso pelos funcionários.
a Unidade de Saúde e a espera pela avaliação médica.
As músicas permitiram que Neto adaptasse suas vivências a As demandas, a relação.
partir de alguns dos clássicos, como o Menino da Porteira e no Dia O encontro com Neto é relatado no decorrer dessas narrativas,
em que saí de casa, de modo involuntário, conforme sua memória ia apontadas através das demandas que surgiam dessa relação,
guiando-o e sua emoção visível o norteando. tomando forma através das escutas e da observação semanalmente,
Apareciam dificuldades no cotidiano de Neto, provocadas as quais eram delineadas inicialmente pela necessidade do TDO
pelos seus esquecimentos cada vez mais frequentes, como de onde (tratamento diretamente observado) de tuberculose. Isso é importante
guardara suas cobertas, aquelas que no início eram carregas em destacar aqui, pois se consiste em uma doença infectocontagiosa
sacolas, ou então, conforme relato dele, que estavam guardadas no que necessitava de um tratamento por caracterizar-se como um
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relógio de luz em frente à igreja que costumava dormir, e que, depois risco epidemiológico para sociedade, uma vez que o sujeito esteja
já não eram mais nem lembradas que um dia existiram. bacilífero, o que correspondia à realidade de Neto. Essa era uma das
Novas estratégias surgiam quando notávamos os avanços metas a ser atingida pelo serviço do Consultório na Rua, evidenciada
dessas dificuldades, como a necessidade de realizar o almoço no pelo panorama atual de Porto Alegre, que se caracteriza como a
Consultório, uma vez que se tornou frequente após dispormos a ele Capital do País com maior incidência.
o recipiente em uma sacola, horas depois, ele retornar sem a mesma Deve-se destacar, também, a dificuldade de adesão ao
e ser questionando se havia deixado lá o seu almoço. Em um desses tratamento, por ser necessário o uso prolongado da medicação,
episódios, após uma recapitulação de seus passos, resgatamos a que, dependendo da constatação do número de cruzis existentes
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sacola esquecida no banco da praça que ficara em frente ao serviço. no usuário, poderá consistir na ingesta de três comprimidos de três
Bilhetes lembrando a necessidade de ir ao Consultório passaram

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centímetros de comprimento. O tratamento pode ainda produzir no maior sofrimento psiquico.


organismo reações como enjoo, mal estar e náuseas, evidenciando Durante o processo foi necessário uma grande articulação com
a necessidade maior que os usuários possuam uma estrutura física e a Assistência social, para que quando N concluiu o tratamento de
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uma alimentação adequada. Esse fato possibilitava maiores desafios tuberculose, fosse acolhido em uma Casa Lar, que possibilitasse a
para a criação de estratégias que dessem o mínimo suporte para ele condições de pertencimento gradual, em virtude da mudança
Neto dar continuidade ao tratamento. significativa em seu cotidiano.
De acordo com a dinâmica de trabalho da equipe do Consultório Foram necessárias várias reuniões com serviço e visitas no
na Rua, todos os profissionais conheciam e estavam a par do plano de local com N, antes mesmo da sua efetiva mudança. A equipe que
tratamento de Neto, e assim engajados para elucidar suas questões de o recebeu de modo muito profissional e afetuoso, realizou através do
saúde, que se expandiam também para um diagnóstico de Hepatite seu vício pelo café, o inicio da criação do vinculo, e sua interação
C, uma hérnia inguinal provocada pelos grandes percursos que ele com os demais moradores.
realizara e cada vez mais evidentes as suas questões psíquicas, que o
expunham a maior vulnerabilidade. Resultados
O que se tornara evidente a cada período que Neto frequentara As narrativas.
o Consultório na Rua era o envolvimento dos profissionais com este Durante as outras jornadas ocorridas no processo da realização
usuário. Mesmo com suas questões mais paranoides iniciais, além de da Residência em Saúde Mental e dos cursos que a vida dá, eu e
sua progressiva fragilidade física e psíquica, ele conquistara inclusive Neto tivemos um afastamento... Ele foi para um lado, eu, para outro...
a atenção dos profissionais de suporte, como da higienização e Mas foi através da narrativa que ocorreu a possibilidade de um novo
transporte. encontro, por meio da ressignificação da sua história de vida, pela
O desejo em elucidar suas demandas sociais que se tornavam leitura daqueles que se propõem ao exercício da produção do
eminentes tornavam o envolvimento ainda maior, diante de que cuidado em saúde.
Neto, por pertencer à terceira idade, apresentava a necessidade de As narrativas surgiram da imersão no campo, pelo fascínio no
um local protegido que o auxiliasse nas necessidades provenientes do cotidiano e do encontro com cada indivíduo, que é facilitado pela
envelhecimento e respeitasse sua adaptação à mudança brusca de minha formação. Sua utilização se dá pela importância em relatar
rotina, a qual há mais de trinta anos ocorria na rua. esse encontro específico, que desde o primeiro momento me instigou
Com o final do tratamento de tuberculose, que durou pouco e gerou energia para a escuta e o acolhimento singular, no qual eu
mais de seis meses e diante de N referir que um local protegido tanto acredito.
começara a fazer sentido para ele, iniciou um novo processo. Narrar as histórias de Neto não foi uma missão fácil, diante
O empenho dos profissionais da equipe na busca de formas do desejo em tornar esse indivíduo mais visível a cada relato das
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de realizar o tratamento de tuberculose, dava-se principalmente, vivências, indo de encontro à responsabilidade de dar voz às memórias
devido a fragilidade dos serviços da Assistência Social do Município construídas com ele, diante da sua vida.
de Porto Alegre, que não dispunham de equipamentos de abrigagem Com a provocação de repassar alguns dos sentimentos
que dessem aporte a pessoas com questões de saúde grave como envolvidos durantes as abordagens, acredito que a empatia e afeto
a tuberculose, somada a questões de saúde mental, como as quais presentes a cada escuta ou combinação com Neto possam ter
Neto apresentara. sido divididas, evidenciando a importância destas nos avanços da
A desorganização de N em virtude do quadro demencial, terapêutica, na busca por sua maior qualidade de vida.
precisou ser acolhida de forma primordial na busca de um lar para Escrever estas narrativas foi um modo de relembrar e vivenciar
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ele, pois, a mudança abrupta de seu território poderia desencadear esse percurso terapêutico, realizado em conjunto, de modo
compartilhado. As breves páginas do livro da sua vida ficaram

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registradas de um modo diferente daquele relatado em prontuário, espera do atendimento na Emergência, nem que o vínculo já criado
buscando dar corpo àquele senhor de estatura mediana, olhos azuis com a equipe foi o que sustentou que ele colocasse a máscara
e andar curvado, que falecera três meses após ir morar na Casa Lar, para entrar no carro, assim como não evadisse e nem fizesse uso do
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aos sessenta e sete anos, vítima de uma isquemia cerebral. cigarro no banheiro do hospital. Esse fato diariamente era necessário
Mas que hoje ganha vida a cada palavra que é lida, que combinar com o mesmo para que não ocorresse nas dependências
espero, de modo tão respeitoso quanto o mesmo nos tratara e do Consultório na Rua.
merecia. No dia vinte, não foi registrada na evolução também a
preocupação da equipe e a enorme discussão oriunda pela
Discussão necessidade de pensar estratégias de cuidado que auxiliassem
A construção e as evoluções. Neto, uma vez que a cada dia ele se expunha a maiores riscos em
O processo da escrita das narrativas permitiu que eu voltasse a decorrência da perda de memória e da violência no território.
cada relato feito por Neto, bem como revivesse alguns desses nossos Diante disso, posso afirmar que o processo terapêutico só se
encontros. deu pelo depósito de afeto e vínculo reestabelecido diariamente por
A partir desta escrita e com algumas questões levantadas em todos os membros da equipe, desde o segurança que o chamara do
orientação a fim de problematizar e nortear a capacidade produtiva, outro lado da rua e que abria o portão, até o motorista que o deixara
busquei algumas evoluções feitas por mim no prontuário, prontuário na Unidade de Saúde.
este em papel. Atualmente, repousa em uma caixa de plástico, Franco e Merhy (2012, p. 154) referem que o processo de
armazenada em um armário, onde está destinada aos arquivos trabalho na saúde é marcado pela ação, pelo processo vivo do ato,
“mortos”, em que todos os relatos de vida e acompanhamento de sendo a subjetividade e os processos de subjetivação implicados nesse
Neto, assim como de outros cinco ou seis, ficam armazenados. processo, que se constituem como campos de força da micropolítica,
Durante uma das leituras, foi possível identificar a dissonância do processo de trabalho e do modo de produção da saúde.
de como as histórias foram contadas aqui através das narrativas e Conforme as narrativas surgiam, questionamentos referentes
como foram evoluídas em prontuário. aos motivos pelos quais não narramos as vivências desses encontros
“19/07/16: N. comparece ao ConsRua, apresentando surgiam, assim como quais movimentos seriam necessários para que
hematoma com pequena perfuração em MS esquerdo, conforme esses registros também compusessem as evoluções, lado-a-lado, nos
relato do mesmo, fruto de uma agressão ocorrida no sábado, refere prontuários.
ter sido furtado seu casaco e algumas sacolas, fato ocorrido na Praça
da X. Após avaliação da equipe foi acompanhado até a Emergência Conclusão
do Hospital X. Norberto foi atendido, recebeu curativo e medicação As narrativas respondem um ponto das perguntas que surgiram
artigos

artigos
e logo em seguida liberado. Acompanhamos até o Consultório onde durante essas vivências. Pode-se afirmar que é possível utilizar relatos
realizou TDO de TB e recebeu alimentação. Combinamos de retornar carregados de sentimento, sem perder o profissionalismo, e que é
no dia seguinte para segmento do tratamento e realização da troca necessário permitir se afetar sem cruzar a linha tênue da transferência
do curativo. Segue em acompanhamento”. e da contratransferência. Que tão importante quanto o cuidado, o
No dia 20/07/16, uma nova evolução, na qual evoluo que Neto exercício do registro humanizado se faz necessário, dando voz, vez,
realizou o tratamento com tuberculostático e na qual refiro avaliação sentido, sentimento às histórias de vida que nos são contatadas, assim
de perda de memória recente significativa. como a história de Neto.
O que não consta nas evoluções foi a necessidade de, no Sendo assim, deve ser destacada a importância de um cuidado
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dia 19, criar-se estratégias para que ele aceitasse permanecer na humanizado que priorize as necessidades do usuário, que a escuta e o

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afeto sejam norteadores do processo terapêutico.


Que as práticas no cotidiano de trabalho das equipes possibilitem
a horizontalidade e intervenções descentralizadas, alcançando não
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somente o diagnóstico e a produção científica, mas também a
possibilidade de encontros nos atendimentos, nos quais os profissionais
estejam abertos a essa vivência, e deslocamento para a realidade
de seus atendidos. Produzindo intervenções potencializadoras da
ressignificação da vida e cuidado humanizado dos sujeitos, que além
da resolutividade pontual do adoecimento, seja possível alcançar os
determinantes de saúde.

Referências Bibliográficas

CAMPOS, R.; FURTADO, J. Narrativas: Utilização na pesquisa qualitativa


em saúde. Rev. Saúde Pública. p. 1091. São Paulo, 2008.

FRANCO, T. B.; MERHY, E. E. Cartografias do trabalho e do cuidado em


saúde. Revista Tempus Actas de Saúde Coletiva, p. 154. 2012.

JORGE, J. S.; BRÊDA, M. Z. Consultório de rua: novo espaço, novo


dispositivo, inovadora forma de cuidado. In: SOARES, M. H.; BUENO,
S.M.V. Saúde Mental: novas perspectivas. São Caetano do Sul: Yendis
Editora; p. 86. 2011.

RICOEUR, P. Tempo e narrativa. Campinas: Papirus; v.1. p 105 1997.


artigos

artigos
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Artigo 12
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ACOLHIMENTO: TECNOLOGIA ESTRATÉGICA À ATENÇÃO
PRIMÁRIA EM SAÚDE

Luana da Piedade Primon, HMGV, Sapucaia do Sul/ RS1

ACOLHIMENTO:
Dra Circe Jandrey, SSC/GHC, Porto Alegre/ RS2
Janaína Kettenhuber, SSC/GHC,Porto Alegre/ RS3

TECNOLOGIA
RESUMO: Objetivou-se produzir um relato sistematizado e reflexivo
sobre o processo de Acolhimento com Equipe de Escuta (EE) ocorrido
na Unidade de Saúde Jardim Leopoldina (USJL), Porto Alegre/RS,
entre 2006 e 2010. Através de entrevista em profundidade com nove

ESTRATÉGICA
integrantes da equipe – e posterior análise temática de conteúdos
proposta por Minayo (2004) – identificam-se motivos para suspensão
do formato. Atribuíram-se diferentes significados para Acolhimento,
apontando complementaridade e distanciamento entre vivências

À ATENÇÃO
e referencial teórico utilizado em sua conformação. Demanda
excessiva, número insuficiente de profissionais e pressão para rapidez
no atendimento produziram sobrecarga, sofrimento e estresse laboral,
com encerramento desse formato. Frente às dificuldades apontadas,
não houve consenso sobre sua melhor conformação.

PRIMÁRIA EM
PALAVRAS-CHAVE: Acolhimento. Atenção Primária à Saúde. Acesso
aos Serviços de Saúde. Humanização da assistência.

SAÚDE USER EMBRACEMENT: STRATEGIC TECHNOLOGY FOR PRIMARY


HEALTH CARE
artigos

ABSTRACT: The objective is to produce a systematic and reflective

artigos
report of the process of  user embracement listening team (EE) that
occurred at the Jardim Leopoldina Health Unit (USJL) in Porto Alegre/
RS, Brazil, between 2006 and 2010. The qualitative data were produced
through interviews with nine members of the USJL workteam and the
results were discussions using the thematic analysis proposed by Minayo

1 Especialista em Saúde da Família e Comunidade (RIS/ GHC-2014)/ Avaliação


em Serviços de Saúde (UNA-SUS/ UFCSPA). Nutricionista Hospital Municipal Getúlio Vargas.
Contato luanaprimon@hotmail.com.

2 Doutora em Educação (UFRGS). Mestre em Saúde Bucal Coletiva (UFRGS). Especialista


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em Saúde Coletiva (UFSM)/Gestão em Saúde (UFRGS)/Práticas Pedagógicas em Serviços de


Saúde (UFRGS). Cirurgiã-dentista SSC/GHC/UFRGS.

3 Especialista em Saúde da Família e Comunidade (RIS/ GHC). Enfermeira SSC/ GHC.

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(2004); the data suggested that different meanings were assigned to na assistência ofertada na USJL. Além de revisão de literatura sobre
the term user embracement, indicating detachment among living a temática, compilaram-se experiências externas, realizando-
experiencies and theoretical references. Excessive demand, lack
of professionals in the listening team’s rota and pressure for quick se, também, diagnóstico de acesso e demanda estimada local.
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treatments resulted in burnout, fatigue and stress. There is no consensus Após discussões com participação da comunidade e profissionais,
about the best conformation for user embracement.
KEYWORKS: User Embracement. Primary Health Care. Health Services configurou-se o chamado Acolhimento com Equipe de Escuta (EE)
Accessibility. Humanization of Assistance. para acolher aqueles que aportassem ao serviço. Em outras palavras,
à ocasião, era a EE quem recebia os usuários em sua chegada à US.
Introdução Invariavelmente, os fluxos de atendimento iniciavam com a EE, a qual
Constituído por princípios e diretrizes que garantem não apenas contava com a distribuição voluntária dos membros da equipe em
o direito ao acesso universal, gratuito e integral, mas também a escala semanal. À exceção de médicos, dentistas e administrativos
humanização da assistência à saúde no país, o Sistema Único de – apoiadores e retaguarda à EE – profissionais contratados e em
Saúde (SUS) tem evidenciado a necessidade urgente de reversão dos formação integravam a escala, composta por duplas de diferentes
modos de operá-lo. Pautadas – via de regra – pela hora de chegada núcleos. Esse formato perdurou até 2010, quando, segundo relatos, foi
de usuários, filas cotidianas e disputas por atendimento mostram a avaliado em diversas reuniões de equipe como insustentável. Durante
distância entre a Política Nacional de Humanização (2004) da atenção a realização da pesquisa, não foram encontradas atas de reuniões do
à saúde preconizada e a realidade da assistência no país (SIMÕES, et período estudado.
al., 2007). Desde então, a USJL tem disponibilizado metade das consultas
médicas para agendamento prévio, dividindo-as entre ações
Desde sua criação, o SUS prossegue com o desafio de produzir
programáticas5 e outros atendimentos. As primeiras são marcadas
modelos explicativos para compreendê-lo em suas práticas, além
diretamente na recepção e as demais, agendadas quinzenalmente,
de viabilizar alternativas de intervenção para seu aperfeiçoamento.
a partir das oito horas da manhã, condição que leva à formação
Nesse sentido, discussões sobre acolhimento têm se estabelecido para
de filas. De modo semelhante, mesmo que com menor intensidade,
contribuir com as duas demandas.
também a procura para atendimento de demanda espontânea do
Concebido enquanto tecnologia estratégica (BRASIL, 2004;
dia6 – as chamadas consultas-dia – resulta em filas.
MERHY, 2004), Acolhimento4 possibilita intervir para o aperfeiçoamento
Fundamentais à configuração preconizada pela Estratégia
do sistema ao ampliar e qualificar o acesso dos usuários, assumindo
de Saúde da Família (ESF) e pela formação profissional em serviço –
a reorganização do processo de trabalho e promovendo a
Programa de Residência Multiprofissional em Saúde (RMS) e estágios
humanização da assistência. Para além de triagem ou escuta
curriculares no campo da saúde –, as atividades realizadas no
interessada, Acolhimento contempla a identificação de problemas/
território compreendem, em articulação à assistência médica e de
artigos

artigos
vulnerabilidades e intervenções resolutivas para o seu enfrentamento
enfermagem, ações de agentes comunitários, pessoal técnico-
(BRASIL, 2006).
administrativo, farmácia, nutrição, odontologia, psicologia e serviço
Em 2006, durante a constituição do Conselho Local de Saúde
social. O número de profissionais atuantes na USJL é equivalente
(CLS) no território de abrangência da Unidade de Saúde Jardim
a cinco equipes de Saúde da Família; são realizados atendimentos
Leopoldina (USJL) – SSC/GHC, dificuldades para acesso foram o
individuais, interconsultas, visitas domiciliares, assistência farmacêutica
principal problema identificado pela comunidade usuária. Formado
um Grupo de Trabalho sobre o tema, produziu-se o Projeto “Leopoldina
Acolhe” com a intencionalidade de debater e fomentar mudanças 5 Ações programáticas constituem conjuntos de atividades que visam à organização
de respostas dos serviços de saúde para problemas e/ou necessidades específicas da
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população de um território (FERREIRA, et. al., 2009).


4 A grafia do vocábulo inicia com letra maiúscula como forma de diferenciar quando 6 Entendido aqui como qualquer atendimento não programado previamente que
se trata da noção de processo de trabalho (nota das autoras). represente uma necessidade momentânea dos usuários.

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e atividades coletivas com metodologias variadas. trabalho no período entre 2006 e 2010, estabelecendo-se sua
No presente momento, a forma de acesso à demanda divisão em três grupos: o primeiro esteve composto por profissionais
espontânea é realizada através de acolhimento pela enfermagem. que participavam da EE como acolhedores- agente comunitário
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O usuário chega à USJL, aguarda a verificação dos sinais vitais pelos de saúde, assistente social, enfermeiro, psicóloga, técnica/ auxiliar
profissionais de enfermagem, sendo indagado sobre a razão pela qual de enfermagem e técnica de saúde bucal - (Grupo 1); o segundo,
procura o atendimento e cabendo-lhe optar entre responder ou não. por trabalhadores apoiadores à EE - médico, dentista e auxiliar
Em sequência, o usuário é chamado para escuta à sua demanda pelo administrativo - (Grupo 2); o terceiro, por coordenadores da unidade
profissional enfermeiro; conforme a avaliação realizada, são possíveis no período estudado (Grupo 3).
as seguintes condutas: discutir com profissional médico supervisor no Realizou-se sorteio de um representante por núcleo profissional
turno, encaminhar para consulta no dia (conforme horários disponíveis) do Grupo 1. Nos núcleos com um único profissional, o mesmo foi
ou orientar agendamento segundo calendário de marcação; o convidado a participar; dentre os representantes do Grupo 2, foi
acolhedor pode, igualmente, realizar procedimentos específicos de sorteado um dos apoiadores; em relação a coordenadores da USJL
competência da enfermagem, planejar visitas domiciliares ou outras no período em estudo, o convite à entrevista foi extensivo aos dois .
intervenções pertinentes, promovendo discussões de caso com os Os dados foram produzidos em entrevistas orientadas por roteiro
profissionais responsáveis pela área de vigilância7 específica. de perguntas semiestruturadas; os encontros ocorreram entre abril e
junho de 2013, no local de trabalho, mediante agendamento prévio,
A USJL realiza atendimento entre 8h e 18h, período no qual há
leitura e assinatura em duas vias do Termo de Consentimento Livre e
enfermeiro responsável pelo acolhimento à demanda espontânea.
Esclarecido (TCLE). As entrevistas, com duração média de 20 minutos,
Além do espaço instituído para esse formato de acolhimento, qualquer
foram gravadas e suas transcrições foram realizadas na íntegra pela
necessidade do usuário pode ser recebida pelos demais profissionais,
primeira autora8. A amostra foi composta por nove sujeitos e, para
que podem orientar a respeito de fluxos, medidas e ou referências
preservar o anonimato dos entrevistados, suas falas foram identificadas
adequadas.
com a letra T seguida pelo número ordinal correspondente à entrevista.
Discussões acerca dos temas acolhimento e acesso estão
comumente presentes no cotidiano da USJL. Na perspectiva de que
Resultados e Discussão
é necessário olhar o passado para entendermos o presente, o estudo Os conteúdos oriundos das entrevistas foram submetidos à
objetivou produzir reflexões sobre o processo de Acolhimento com EE análise temática proposta por Minayo (2004). Operacionalizado em
ocorrido na USJL entre os anos de 2006 e 2010. três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos
resultados obtidos e interpretação, o processo analítico resultou na
constituição de quatro categorias: 1-perspectivas de acolhimento; 2-
artigos

Metodologia

artigos
Realizou-se um estudo descritivo com abordagem qualitativa equipe de escuta como porta de entrada; 3- demanda espontânea:
dos resultados, aplicando-se a técnica de entrevista em profundidade a enfermagem é responsável? 4- comparações entre formas de
para produção de dados (MINAYO, 2004). O projeto investigativo acolher. Na sequência, os resultados são apresentados e discutidos
foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Grupo Hospitalar conforme essa categorização.
Conceição, com aprovação pelo Parecer Nº 10881412.9.0000.5530.
Perspectivas de acolhimento
As entrevistas foram realizadas nas dependências da USJL.
Foi possível identificar a atribuição de múltiplos sentidos
Foram entrevistados profissionais integrantes da equipe de
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8 Luana da Piedade Primon, à época, nutricionista residente em formação no Programa


7 Área geográfica de atuação de uma equipe de saúde. de Residência em Saúde da Família e Comunidade do GHC .

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ao termo acolhimento, os quais, combinados entre si, apontam em atitudes dos sujeitos a cada encontro no serviço de saúde, leva-
complementaridade (TEIXEIRA, 2003; BRASIL, 2011). Em suas diversas nos à dimensão acolhimento postura. Essa dimensão, associada à
definições, o acolhimento expressa aproximação entre sujeitos, resolubilidade e responsabilização da assistência à saúde (BRASIL,
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movimento de inclusão, de “estar com”. Em suas falas, os entrevistados 2011; GUERRERO, 2013) surge na fala de sujeitos de pesquisa:
A proposta de acolhimento vem de uma política do Ministério
trazem esse movimento. Tratam o acolhimento como sinônimo de da Saúde que tem objetivo de humanização do atendimento
humanização da relação: no SUS. O acolhimento deveria envolver a equipe de saúde
na sua totalidade [...] com uma postura de bem receber, ouvir
“[...] a primeira coisa que me lembra é abraço, acolher é demandas e necessidades dos usuários, definir prioridade no
que nem pegar uma criança no colo, acolher [...]” T3. acesso, equidade, e dar encaminhamentos necessários em
cada caso [...] T9.
Guerreiro e colaboradores (2013) referem o acolhimento
como uma boa prática de saúde realizada na Atenção Primária à Assumir postura de acolhimento passa pela disposição do
Saúde (APS), desdobrando-o nas dimensões acolhimento diálogo, serviço em dar resposta à demanda do usuário, por meio de seus
acolhimento postura e acolhimento-reorganização dos serviços. trabalhadores. Essa resposta pode contemplar desde explicações
É desejável que o acolhimento esteja presente em todos os sobre fluxos de funcionamento da US, atendimentos clínicos ou, até
encontros que o usuário tem durante sua trajetória no serviço de saúde mesmo, referência a outros serviços para continuidade da assistência,
e os entrevistados sinalizam que a dimensão acolhimento diálogo estabelecendo articulações que lhe garantam eficácia (BRASIL, 2006;
apresenta grande importância nesse aspecto. Trata-se, assim, de GUERRERO, 2013).
interlocução que busca maior compreensão sobre as necessidades Para promover a reorganização do serviço, é importante refletir
do usuário e as possibilidades/modos para atendê-las: sobre o acolhimento às demandas espontâneas e programadas.
Eu acho que o acolhimento ele acontece no momento que De que modo a equipe se organiza frente a isso? Quem são os
a pessoa entra, é o acesso que a pessoa tem dentro da
unidade, no momento que ela chega, desde o guarda até acolhedores? A dimensão acolhimento reorganização do serviço
a recepção, enfermagem, todo mundo que a pessoa passa está associada ao âmbito gerencial e tem, como requisito, a gestão
ela é acolhida [...] a gente acolhe em todos os momentos
quando a pessoa chega à unidade [...] T2. estratégica de pessoas e ações (BRASIL, 2011; GUERRERO, 2013).

Nessa acepção, o acolhimento diálogo é visto como um Acolhimento demanda ampliação na oferta de serviços e de
distribuidor, tendo o papel de tudo receber, interligar e mover por esse cuidados na APS e é necessário estímulo gerencial para sua construção.
espaço, conectando conversas (TEIXEIRA, 2003). Nesse sentido, ações de educação permanente, materializadas em
reuniões de equipe com discussões sobre como configurá-lo, podem
Ainda que, para uma das entrevistadas, o acolhimento seja
contribuir com essa intenção:
efetivado de forma fragmentada, limitando-se à recepção do usuário
artigos

artigos
[...] a minha preocupação era um pouco maior, no sentido
no serviço de saúde, para os demais participantes, o ato de receber de que a equipe, como um todo, tivesse um conhecimento,
alguém em sua chegada ao serviço é entendido como condição pelo menos das coisas que estavam sendo escrita sobre o
acolhimento, a gente se preparou bastante pra implantação
mediadora do processo, sendo indispensável em todos os momentos do acolhimento [...] a gente foi pensando formas de adaptar
de encontro entre trabalhadores e usuários. essas coisas aqui pra nós [...] T5.
[...] eu pensava que acolhimento era uma forma de acesso
né, depois eu fui entender [...] que era uma postura, hoje, A interconexão da tríade acolhimento diálogo, acolhimento
assim, depois de algum tempo, eu acho que acolhimento postura e acolhimento reorganização do serviço reconfigura e
é tudo isso, [...] mas ele é mais uma forma de postura da
equipe [...] T4. renova as ações dos serviços de saúde (GUERRERO, 2013); traz, em
suas definições, a participação do usuário como corresponsável pela
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A compreensão de que o acolhimento não deve ser efetivado reconstrução das práticas de saúde.
como prática isolada, e sim como conjunto de práticas, traduzidas

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Sobre a diversidade de interpretação e permeabilidade atribuída O entrevistado (T5) faz referência ao modelo de prática
ao acolhimento, os dados produzidos pelo estudo convergem para prevalente no atendimento à saúde, que estabelece o profissional
o que está exposto na literatura; o mais importante não é a busca como autoridade detentora de conhecimento e habilidades, a
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pela definição ‘correta’ ou ‘verdadeira’ de acolhimento, mas, sim, quem cabe prescrições. Nessa condição, o profissional assume a
explicitar qual a noção de acolhimento assumida situacionalmente responsabilidade pela tomada de decisão e o usuário apresenta-
por seus atores, em suas perspectivas e intencionalidades (BRASIL, se dependente e passivo (SIMÕES, 2007; MERHY, 1994; TESSER, 2006).
2011). No entanto, enquanto tecnologia leve, o acolhimento visa ao
protagonismo dos sujeitos, incentivando a construção de redes de
Equipe de Escuta como porta de entrada autonomia e compartilhamento de saberes e responsabilidades
Ao avaliarem o processo de acolhimento realizado entre 2006 (MERHY, 2004).
e 2010 na USJL, à exceção de um entrevistado, os grupos associaram Uma das principais dificuldades referidas foi a oferta insuficiente
acolhimento principalmente à EE, o que sugere restrição do conceito de consultas-dia frente à demanda centrada no atendimento
à recepção de usuários pelos serviços, equívoco frequentemente médico, produzindo intenso sofrimento laboral nos acolhedores.
realizado por profissionais de saúde. Acolhimento na porta de entrada Tesser (2010) destaca que, em geral, os usuários tendem a pressionar
só ganha sentido pleno se entendido como momento inicial da por esse atendimento específico e que, muitas vezes, o acolhedor
condição de acolher durante todo o processo de produção de saúde: transita no espaço da escuta sob tensão, dado que responsabilidades
[...] Em relação ao processo de acolhimento, houve diagnósticas e terapêuticas são atribuições, usualmente, médicas:
com o decorrer do tempo, um reducionismo da ideia
[...] de certa forma, era um sofrimento, em função que às
de acolhimento. Acolhimento virou sinônimo de sala de
vezes não tinham consulta para ofertar [...] muitas vezes não
escuta. Apesar de ser discutido e clareado o significado
demandava uma consulta médica, mas pra eles [usuários]
de acolhimento naquelas diversas reuniões, o foco era tão
tinha que ser uma consulta médica. A gente oferecia grupo
estreito que o acolhimento virou sala de escuta [...] T9.
[...] o que a gente podia oferecer na hora. E muitas vezes
não era isso que eles procuravam [...] T2.
A análise das falas dos entrevistados apontou dissenso entre
percepções subjetivas e descrições das experiências vividas pelos Ainda que escuta, avaliação de risco, vulnerabilidade,
participantes da escuta. Enquanto para alguns houve o relato orientação, resolução e medidas de cuidados sejam de competência
de emoções (instabilidade, insegurança, empatia) produzidas de todos profissionais de saúde, há parcelas da população que não
nesses encontros, outros reportaram divisão na equipe quanto aos legitimam essas atribuições. Conforme alguns entrevistados, para
entendimentos sobre saúde e à adoção de postura prescritiva: diversos usuários, estar na sala de escuta se constituía em triagem
Eu sempre me emociono com as histórias das pessoas, fazer para consulta médica (ainda que nem sempre suas necessidades
o acolhimento proporciona isso. De escutar pra além da demandassem) e, consequentemente, recusavam-se a receber
artigos

artigos
doença, da dor, escutar as histórias que constroem essas
pessoas [...] era o acolhimento que eu acreditava, que até outras modalidades de assistência. Estabelecer essa equivalência
hoje eu acho que deve ser feito [...] é muito instável fazer seria favorecer perspectivas que categorizam sofrimentos e sintomas
acolhimento, nós trabalhadores temos que estar preparados
pra isso, não tem como a gente ir para o acolhimento em diagnósticos; esse aspecto, apontado por cinco dentre os
pensando que vai acontecer isso, que a resposta vai ser participantes do estudo, seria condição que tem se tornado cada vez
essa, não [...] e isso deixa os trabalhadores inseguros [...] T6.
mais frequente:
[...] a equipe dividida com os modos de entender a saúde,
eu acho que a nossa equipe é bem dividida nesse sentido, Alguns trabalhadores entendiam que para fazer acolhimento
que acreditam que se pode compartilhar com o usuário e tinha que ter um número de consultas [médicas] para
outra que não, e é mais fácil sabe, é tu poder falar com a agendar, como não tinha, as pessoas acabavam muito
pessoa e ser unicamente prescritivo, tu tem uma dor nas inseguras de dizer não, de construir um plano junto com
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costas, tu vai para um médico que vai prescrever [...]T5 o usuário [...], de trazer para ele pensar junto o que fazer
então [...] eu acho que esse não é só o comportamento
quando não tem consulta, eu acho que deveria ser o

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comportamento sempre [...] o acolhimento proporcionava Conforme os entrevistados, demanda excessiva, número
isso, que a gente pudesse construir junto com o usuário que
forma de tratamento ele poderia receber aqui na unidade insuficiente de profissionais na escala da EE, pressão por rapidez no
[...]T6. atendimento e o medo da agressividade de usuários produziram
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sobrecarga de trabalho, estresse e sofrimento laboral. Mitre e
Foi relatado que o número irrestrito de usuários atendidos a
colaboradores (2012) apontam achados semelhantes no que tange
cada turno, superior à capacidade da EE – em termos quantitativos e
às dificuldades para operacionalização e qualificação dos processos
qualitativos –, configurou-se como um dos obstáculos ao processo de
de trabalho na APS.
acolhimento tal qual realizado à época. A fala abaixo pontua:
Tinha bastante reclamações, muita espera dos pacientes A partir das entrevistas, foram identificados possíveis motivos
[...] tudo era agendado ali [...] uma coisa simples, como
para o encerramento do Acolhimento com EE. A fala do entrevistado
agendar teus exames anuais, passava pelo acolhimento [...]
o processo era muito demorado [...] se ele [acolhimento] T4 contempla, em grande parte, o que foi trazido pelos demais
fosse realizado em uma unidade pequena, onde a porta
participantes:
de entrada é entre uma e duas equipes, ele deve funcionar
muito bem, mas assim, pra uma porta de entrada pra cinco Eu acho que a demora no atendimento, a revolta de alguns
equipes, doze mil usuários com uma sala de acolhimento só, usuários [...], eram uma pressão aqui na equipe, que gerava
a gente não consegue ter agilidade no processo, então isso uma pressão da porta pra dentro [conflitos na equipe].
gera estresse, as pessoas não querem ficar esperando e com A falta de gente, não tinha protocolo também, a gente
toda a razão [...] T4. tentava construir, construir e aquilo não, nunca saiu [...], mas
eu acho assim, o motivo maior eu acho que foi o sofrimento
Se uma das prioridades trazidas pela PNH (BRASIL, 2004) passa da equipe, até pelas condições de trabalho [...] T4.
pela diminuição de filas e do tempo de espera para atendimentos,
Simões (2007) e Souza (2008) - com seus respectivos colaboradores
segundo os entrevistados, esse objetivo não foi atingido com a
- apontam a necessidade de profissionais de saúde igualmente serem
implantação do formato em estudo.
acolhidos no seu processo de trabalho por meio de capacitações,
Foi consenso que Acolhimento com EE apresentava dificuldades, espaços de escuta pela gestão, salários adequados, incentivos e
as quais, no entanto, foram percebidas em diferentes níveis de níveis de autonomia no trabalho; em outras palavras, seria cuidado ao
severidade e sofrimentos, destacando-se, para alguns, a exaustão cuidador. Humanização implica também investir no trabalhador para
profissional e o sentimento de impotência laboral: que ele tenha condições de prestar assistência de qualidade.
[...] a gente fazia o acolhimento, a gente vinha ali e falava,
Após refletir sobre significados e avaliações relativas ao
falava e resolvia [o problema] deles, mas a nossa cabeça
dos funcionários, ficava desse tamanho, entende? Ela Acolhimento com EE, chega-se aos dias de hoje, onde o acolhimento
resolvia a questão [...] mas nós ficávamos bem estressados,
é realizado, essencialmente, pela enfermagem.
mais que atualmente [...] T1.
Demanda espontânea: a enfermagem é responsável?
artigos

artigos
[...] o sofrimento do trabalhador era muito grande, por não
conseguir corresponder às demandas dos usuários [...] a
maioria da equipe não aguentava mais aquela forma de Ao gerar tensionamentos contínuos na equipe USJL, a noção de
ficar dizendo não pro usuário [...] em momento algum, eu vi acolher permanece fundamentalmente centrada no atendimento à
dizerem que não é melhor pro usuário e sim de que a outra
parte, de que a gente não conseguia dar conta [...] T4. demanda espontânea e prossegue como motivo para muitas reuniões.

Em seu cotidiano, a APS trabalha com situações e problemas de


Frente às falas, observa-se que havia aflição por parte de alguns
saúde cuja variabilidade exige diferentes esforços da equipe. Algumas
entrevistados; é possível pensar que, além de constituir risco à saúde
dessas demandas podem aparecer em caráter de urgência, pois há
profissional, o sofrimento pode tê-los levado à utilização de estratégias
situações em que o usuário não pode programar o atendimento.
C3

defensivas, nas quais se verifica indiferença a quem possa lhe causar


Acolhê-lo no momento da sua demanda é atribuição profissional de
sofrimento, postura contrária ao preconizado pela PNH (BRASIL, 2004).
todo integrante da equipe e suas práticas contribuem para construção

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e/ou fortalecimento de vínculos (positivos ou não). Eu acho que o nosso modelo de acolhimento sobrecarrega
uma categoria em especial, que é o enfermeiro [...] o
Segundo os entrevistados, algumas dificuldades identificadas enfermeiro fica responsável por todo acolhimento, de todo
usuário que chega, é muito pesado e eu acho que nós temos
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no formato anterior permanecem até hoje. Conforme a percepção uma equipe de técnicos e auxiliares de enfermagem que
de dois participantes, o acolhimento atual é equivalente a triagem; é estão aqui há muito tempo, muitos anos trabalhando, e isso
faz com que eles fiquem limitados e eles sabem o que têm
possível pensar que seu entendimento sobre acolher se diferencia da que fazer, fica uma coisa meio engessada, tem que passar
forma como tem sido realizado presentemente, o que se expressa na por um enfermeiro [...] a gente não aproveita o potencial
que a gente tem [...] T3.
seguinte fala:
[...] na verdade não é bem um acolhimento é mais uma Cabe destacar que orientações aparentemente limitantes das
triagem eu diria, então pra mim acolhimento, pensando no
sentindo amplo do que é acolhimento, eu acho que antes competências de técnicos e auxiliares de enfermagem são pautadas
era mais efetivo, comparado com acolhimento que é feito por diretrizes de planejamento do SSC/GHC (BRASIL, 2013) em
hoje. Mas a forma de acesso talvez hoje seja mais fácil [...] os
pacientes aceitam melhor [...] T7. consonância a deliberações das instâncias regulatórias do exercício
profissional (COFEN, 2007; COFEN, 2009).
Já a diminuição no tempo de espera identificada no formato
As reflexões possibilitadas pelas entrevistas apontaram que a
sem escuta, pode ser decorrência de uma redistribuição de tarefas
sobrecarga de trabalho permanece, materializada, em especial pela
entre todos os integrantes da equipe da USJL, dado que a suspensão
demanda espontânea, mas que houve um deslocamento em quais
da EE ocorreu de forma concomitante a outras mudanças no processo
profissionais recebem essa solicitação.
de trabalho local:
[...] agora, a gente ta com acolhimento né? Eu acho que Comparação entre as formas de acolher
ele é bem mais ágil [...] o mais importante é que a porta de
entrada dele não é única. Então assim, tu tem uma demanda As colocações a seguir indicam que os entrevistados compararam
do dia? Tu quer conversar? Passa no acolhimento, mas se tu
quer só agendar alguma consulta, um exame, a psicóloga,
os processos atual e anterior de acolhimento e que houve opiniões
a nutrição, tu vai direto na recepção, tu agiliza o tempo do distintas a esse respeito:
usuário [...] T4.
[...] nos moldes que está atualmente eu acho mais correto.
Agora é a enfermagem, passa na enfermagem e passa para
Ainda que a diminuição da sobrecarga da equipe tenha sido
o enfermeiro e eu acho que é a pessoa adequada [...] T1.
apontada com a retirada da EE, outros entrevistados identificaram
[...] eu sou tentada a achar que aquele formato de
que a enfermagem assumiu esse excesso de trabalho. Mencionaram acolhimento [equipe de escuta] é um formato bacana, a
a importância de esse acolhimento ser compartilhado com outros gente teria que pensar de um jeito de dar conta, mais rápido
[...] de talvez mais uma equipe para fazer isso [...]T5.
núcleos, ampliando o olhar e as possibilidades de intervenção:
[...] acho que muda algumas coisas com o enfermeiro Não houve consenso entre os entrevistados sobre qual a melhor
artigos

artigos
também, porque daí ele fica só ali [...] o enfermeiro sempre conformação para acolhimento (mesmo quando restrita à ideia de
fica sozinho [...] ficou uma decisão muito solitária, isso era
uma coisa que era pra ser discutida entre um profissional e o recepção), pois, em ambos os formatos, os participantes referiram
outro, então eu acho que era muito mais produtivo [equipe dificuldades.
de escuta] do que como ta agora [...] T2.
Dois entrevistados posicionaram-se claramente contra um
Todos os profissionais, em algum momento da entrevista,
possível retorno ao formato anterior. O excerto a seguir mostra essa
referiram a importância da presença da Enfermagem no processo
posição, propondo inclusive, que uma população menor ou o trabalho
de acolhimento às demandas espontâneas. As falas, inclusive, não
em micro equipes facilitaria o acolhimento:
consolidaram uma visão única sobre qual profissional da enfermagem
C3

Aquele formato [equipe de escuta] para uma população


deveria realizar o acolhimento, desconsiderando que ele já iniciaria menor funcionaria, tu poder ouvir, acolher, mas a nossa é
no momento da entrada do usuário no serviço de saúde: muito grande, não acho viável a retomada [...] eu acho que

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depois de dividir as equipes, talvez trabalhando por território, do trabalho e à população acolhida, salientando-se que o formato
mas como tá não [...] T8.
atual recebe, unicamente, a demanda assistencial não programada.
Por outro lado, a importância de voltar a pensar acolhimento
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Segundo os entrevistados, algumas dificuldades do formato
em equipe, para além do acesso, foi um aspecto, também, apontado:
anterior permanecem até hoje. Na atual modelagem, também há
A minha sugestão é que voltemos a pensar o acolhimento
aspectos a serem analisados pelos envolvidos no processo de atenção
como um processo que envolve a equipe inteira, não é uma
sala de escuta. Sem esquecer também que a sala de escuta à saúde, para que as ações de acolhimento avancem e articulem
se relaciona à formatação do acesso à unidade de saúde,
outras possibilidades, além de triagem centrada em profissionais de
ou seja, tenta organizar a demanda espontânea, mas não
resolve questões relacionadas aos programas de saúde e enfermagem. Nesse sentido, percebe-se a necessidade de prosseguir
indicadores [...] T9.
com a qualificação do processo de acolhimento, promovendo as
Nesse sentido, depreende-se que organizar o acesso com participações da equipe e comunidade (a ser viabilizada e garantida
equidade e trabalhar a postura acolhedora na equipe são situações através do CLS, instância formalmente presente na USJL, mas ainda com
complementares e não excludentes. A ampliação do acesso, um frágil representatividade entre a população). Independentemente dos
dos objetivos da PNH (2004), ocorre ao serem contempladas tanto a formatos/concepções assumidos no serviço de saúde, é imprescindível
agenda programada quanto a demanda espontânea. que Acolhimento faça sentido para aqueles que o constituem.

Referências Bibliográficas
Algumas considerações à guisa de conclusão
BRASIL, Ministério da Saúde. Secretária Executiva, Núcleo Técnico da
A concepção de acolhimento reportada pela maioria dos Política Nacional de Humanização. Humaniza SUS- Política Nacional
entrevistados desse estudo sugere distanciamento entre suas de Humanização: a humanização como eixo norteador das práticas
de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília. 2004.
experiências vividas e as referências teóricas discutidas para embasar
o processo. Registram que acolhimento é uma pratica possível de BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Núcleo
Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas
estar presente em todas as relações de cuidado. Contudo, ainda que
praticas de produção de saúde. 2ª ed. Brasília. 2006.
o acolhimento deva ocorrer em todo encontro entre profissional e
BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde,
usuário – enquanto tecnologia leve do processo de atenção à saúde–
Departamento de Atenção Básica. Acolhimento à demanda
e que essa postura seja observada em espaços e práticas distintos da espontânea. Brasília. 2011.
USJL, os entrevistados não a identificaram como tal.
BRASIL. Ministério da Saúde, Grupo Hospitalar Conceição, Serviço de
Todos os participantes referiram que acolhimento centrado na EE Saúde Comunitária. Diretrizes para o planejamento 2013. Orientações
para a organização da assistência nas unidades de saúde e centros
artigos

artigos
apresentava dificuldades. Percebeu-se um emaranhado de emoções de apoio psicossocial. Porto Alegre. 2013.
causado por trabalhar com acesso a partir da EE, produzindo-se
COFEN. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução nº 311 de 8 de
sofrimento laboral. No entanto, algumas pessoas conseguiam lidar fevereiro de 2007.
com as situações apontadas à EE, utilizando o espaço para construir/
COFEN. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução nº 358 de 15 de
compartilhar com usuários. outubro de 2009.
Ao comparar os formatos anterior e atual de acolhimento, FERREIRA, S.S.R. et al. As ações programáticas em serviços de atenção
identificaram-se semelhanças, tais como estar diretamente ligado à primária à saúde. Rev Brasileira Saúde da Família. v.23, n.3, p.48-55,
Jul./Set. 2009.
recepção do usuário no serviço de saúde, permanecer restrito a um
C3

grupo de profissionais e centrado na figura da Enfermagem. Entretanto, GUERRERO, P. O acolhimento como boa prática na atenção básica à
saúde. Texto & Contexto Enferm. v.22, p. 132-40, Jan./Mar. 2013.
foram observadas diferenças, especialmente, quanto à organização

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de porta aberta para a saúde e o modelo tecno-assistencial em
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Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação
na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Ver –
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Artigo 13
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PROMOÇÃO DE CIDADANIA: UM RELATO DA EXPERIÊNCIA
QUE DEU LUZ À AUTONOMIA DO USUÁRIO

PROMOÇÃO
Esp. Luiza Bohnen Souza, Porto Alegre/RS 1,
Esp. Cristiane Camponogara Baratto, Porto Alegre/RS 2
Esp. Vanessa Azambuja de Carvalho, Porto Alegre/RS 3

DE CIDADANIA: RESUMO: Na história da luta antimanicomial, o resgate do direito à


cidadania é importante. No trabalho da Residência Integrada em
Saúde, em um serviço de saúde mental inicia-se uma oficina de

UM RELATO DA
cidadania, a fim de promover o empoderamento dos usuários para
que pudessem ocupar de forma mais efetiva espaços de construção
política da sua própria saúde. Esse texto busca descrever essa
experiência. A oficina ocorreu entre os anos de 2015 e 2016, totalizando
mais de quarenta e cinco encontros. Foram vistos temas como direitos

EXPERIÊNCIA
e deveres do cidadão, a Reforma Psiquiátrica e Políticas de Saúde
Mental, entre outros. O grupo se organizou para ocupar espaços
políticos, como assembléias e atos públicos a fim de defender pautas
de interesse da saúde mental e da população usuária de álcool e

QUE DEU LUZ À


outras drogas.
Palavras-chave: Cidadania. Empoderamento. Saúde mental.

AUTONOMIA DO
PROMOTION OF CITIZENSHIP: A REPORT OF THE EXPERIENCE
THAT GAVE LIGHT TO THE AUTONOMY OF THE USER OF
HEALTH

USUÁRIO ABSTRACT: In the history of the anti-asylum struggle, the rescue of the
right to citizenship is important. In the work of the Integrated Residency
artigos

in Health, a mental health service starts a citizenship workshop in order

artigos
to promote the empowerment of users so that they can more effectively

1 Enfermeira do Hospital São Lucas da PUCRS; Especialista em Saúde Mental


pelo Programa de Residência Integrada em Saúde do Grupo Hospitalar Conceição;
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem pela UFRGS. E-mail: luizabs@
hotmail.com

2 Psicóloga; Especialista em Saúde Mental pelo Programa de Residência


Integrada do Grupo Hospitalar Conceição; Mestranda no Programa de Pós-graduação em
Psicologia Social e Institucional pela UFRGS. E-mail: cristiane.cb@hotmail.com.

3 Psicóloga; Especialista em Saúde Pública pela UFRGS; Especialista em


C3

Psicologia Clínica na Terapia Sistêmica de Família, Casal e Individual pelo INFAPA; Especialista
em Saúde da Família e Comunidade pela Residência Integrada em Saúde do Grupo
Hospitalar Conceição; e Mestranda de Psicologia Social e Institucional pela UFRGS. Email:
azambujadecarvalho@gmail.com

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occupy political spaces in the construction of their own health. This text aprofundando conhecimentos e criando novas possibilidades de
seeks to describe this experience. The workshop took place between cuidado integral à população de usuários de álcool e outras drogas.
2015 and 2016, totaling over forty-five meetings. We work with topics
such as rights and duties of the citizen, Psychiatric Reform and Mental A metodologia empregada foi descritiva, reflexiva e analítica.
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Health Policies, among others. The group organized itself to occupy O presente texto consiste em um relato de experiência, resultado
political spaces, such as assemblies and public acts in order to defend
interests of mental health and of the population that used alcohol and de reflexão que integra a construção teórica e as experiências
other drugs. vivenciadas ao longo do trabalho das residentes no CAPS AD III Passo
Key words: Citizenship. Empowerment. Mental health.
a Passo. Um estudo de pesquisa descritiva tem como características:
observar, registrar, analisar, descrever fatos ou fenômenos (MATTOS;
Introdução
JÚNIOR; BLECHER, 2008). Portanto, optamos pelo método qualitativo
Todo o ponto de vista é a vista de um ponto. Entender o problema
de pesquisa. Visto que uma pesquisa de caráter qualitativo responde
de desigualdade do Brasil significa buscar conhecer os diversos
questões específicas e singulares, sendo diferente de uma pesquisa
pontos de um movimento, significa conhecer as várias interpretações
quantitativa. Confome Minayo (2008, p. 21), ela trabalha com um
sobre uma questão. Em um momento no qual o País vive avanços e
universo “que corresponde a um espaço mais profundo das relações,
retrocessos em um mesmo cenário político e social, um olhar atento se
dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos
faz ainda mais necessário. No que tange aos movimentos da borda do
à operacionalização de variáveis”. Como forma de registro das
mundo social, os significados precisam ser visibilizados e publicizados.
atividades propostas, comentários e reflexões, foi utilizado o caderno
O trabalho com saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS) pode
de ata da oficina. Para análise das impressões registradas foi realizada
ser visto como um movimento de fronteira que trabalha com uma
busca de materiais teóricos com temas relacionados ao estudo,
população fronteiriça.
tais como: cidadania, trabalho em saúde mental, acolhimento de
O usuário dos serviços de saúde mental muitas vezes é sujeito
situações de álcool e outras drogas e empoderamento.
estigmatizado e excluído dos espaços sociais decisórios. Portanto, na
história da luta antimanicomial, o resgate do direito à cidadania vem Ao falar dos direitos da população de usuários de álcool e outras
como demanda importante. Este texto apresenta uma tentativa de drogas nos deparamos com um contexto de ambivalentes ações de
incentivo à participação na esfera política a usuários de um Centro cuidado. Há uma Política de Saúde Mental estruturada e vigente no
de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas (CAPS AD III) do Grupo País que pensa a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) visando uma
Hospitalar Conceição (GHC) da cidade de Porto Alegre, Rio Grande atenção integral à saúde. A RAPS estabelece os pontos de atenção
do Sul. para o atendimento de pessoas com problemas mentais, incluindo
Nosso objetivo principal é relatar a experiência de uma Oficina os efeitos nocivos do uso de crack, álcool e outras drogas. A Rede é
de Cidadania oferecida no CAPS AD III, com nome de Passo a Passo, do composta por serviços e equipamentos variados, tais como: os CAPS,
artigos

artigos
GHC, criada por residentes multiprofissionais da Residência Integrada os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência
em Saúde do GHC, de duas ênfases em destaque, a ênfase em Saúde e Cultura, as Unidades de Acolhimento (UAs) e os leitos de atenção
Mental e a ênfase em Saúde da Família e Comunidade. O contexto integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III). Faz parte dessa política o
da residência multiprofissional nos permite ter inúmeras experiências, programa de Volta para Casa, que oferece bolsas para pacientes
desde ensaios como profissionais do SUS como uma grande política, egressos de longas internações em hospitais psiquiátricos (BRASIL,
até a imersão em um sistema de cuidado específico, como o caso da 2013). Essa articulação em rede diversificada e conectada define a
atenção em saúde mental. Nesse sentido, as autoras deste trabalho aposta organizativa da luta antimanicomial dentro do SUS.
vivenciaram um período de formação no CAPS AD III Passo a Passo, Entretanto, existem retrocessos nas gestões de saúde mental
C3

quando gestores buscam estratégias de burlar a política incentivando


as práticas manicomiais de se pensar saúde. Em um território em que

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a noção de saúde está em disputa, populações que vivem à margem Juntamente ao conceito de cidadania e para viabilizá-lo
estão em risco de não serem ouvidas em suas demandas por direitos. em um contexto de atenção à saúde mental, falamos também
A população de usuários de álcool e outras drogas configura-se como em empoderamento do usuário. Segundo Vasconcelos (2000),
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vulnerável, vivenciando uma atmosfera muitas vezes preconceituosa o empowerment nada mais é do que a valorização do poder
em relação as suas vivências. Os desafios de implementarmos a RAPS contratual dos clientes nas instituições e do seu poder relacional nos
em Porto Alegre permeiam toda a vida social da cidade e influenciam contatos interpessoais na sociedade. Trabalhar com a perspectiva do
a garantia dos direitos a essa população. empoderamento do usuário da saúde mental é pensar constantemente
Em 2015, as residentes da RIS no GHC buscaram, ao criar a invenção de novos dispositivos assistenciais e terapêuticos que
e incentivar a Oficina de Cidadania, proporcionar um espaço contemplem a complexidade da existência-sofrimento de seus clientes
aos usuários do serviço no qual é possível conversar sobre essas e do campo, abrangendo desde estratégias médicas e psicológicas
contradições. Abrir e incentivar conversações a respeito do contexto até estratégias culturais, sociais e políticas no âmbito da cidade e da
social em que eles estavam envolvidos, para além das paredes do sociedade em geral (VASCONCELOS, 2000), promovendo, assim, o
CAPS AD III Passo a Passo; pensar a cidade, o Estado e o País; analisar fortalecimento da cidadania e da participação social.
e debater como os princípios do SUS e da RAPS estavam sendo Alguns exemplos que este autor dá para o processo de
preservados ou sucateados sob a condução dos então gestores de empoderamento são:
Estímulo às iniciativas de auto-ajuda, suporte mútuo, mudança
saúde das três esferas de Governo. cultural, defesa dos direitos informal, legal e profissionalizada,
Ao pensar a RAPS, lembramos que o conceito de saúde de forma individual e coletiva, e a participação efetiva dos
usuários nas decisões nos serviços e agências promotoras
brasileiro é amplo, sendo saúde o resultado do acesso das pessoas e de políticas de saúde mental, nos níveis de planejamento,
coletividades às políticas, aos bens e serviços sociais que promovem execução, avaliação de serviços e na formação de recursos
humanos para o trabalho no campo da saúde mental.
a qualidade de vida. No SUS, estamos pautados nos princípios da (VASCONCELOS, 2000, p. 189).
universalidade, integralidade, equidade e descentralização. A ideia
de integralidade compõe um processo que se inicia na formulação Tendo esses conceitos como norte da atuação nos serviços de
de políticas pelo Estado, passa pela gerência nos distintos níveis até saúde mental, em especial no CAPS AD III, a equipe tinha demanda
a produção de ações de cuidado de saúde por meio do cotidiano por usuários que efetivamente se envolvessem com o controle social.
dos serviços (BRASIL, 2009). Baseados nesses valores, lutamos por Foi pensando nesse objetivo que, em conversa com a equipe, surgiu
uma política pública intersetorial de cuidados em liberdade, onde o a ideia de iniciar uma oficina que estimulasse o envolvimento dos
cidadão participa da construção de um projeto de vida significativo e usuários com discussões relativas ao campo da saúde mental.
respeitoso que promova autonomia, qualidade de vida, assim como Para Scarparo, Leite e Santos (2013), ter a cidadania como ideal
a cidadania.
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vinculado às práticas de saúde mental é empenhar-se no desafio de
O conceito central da oficina é o da cidadania, o qual tem forjar participação com respeito à diversidade nos territórios. Para elas,
imensa importância para o trabalho na saúde mental. Entendemos a cada canto da cidade pode ser cenário para fazer saúde, já que
cidadania como uma medida de convivência social que emerge das seu propósito é o pleno gozo do direito à vida de qualidade. Assim,
lutas cotidianas por novos direitos ou pela garantia dos já existentes, a aposta da Oficina de Cidadania ampliou-se, como relataremos
através da participação direta dos cidadãos (ESPIRITO-SANTO, 2009). adiante, e passou a ocupar os espaços da cidade, fazendo saúde e
Numa sociedade pautada pela cidadania, a escuta, a discussão de promovendo cidadania e empoderamento para além das paredes
argumentos e o planejamento constroem condições de materializar institucionais. Em concordância com Afonso e colaboradores (2010),
em práticas cotidianas a saúde como direito das pessoas e interesse pensamos a oficina como um trabalho estruturado, com foco em
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da sociedade (SCARPARO, LEITE, SANTOS, 2013). torno de uma questão central. Espaço no qual, independentemente

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do número de encontros, os participantes se propõem a elaborar uma de cuidado mais horizontalizados, norteados pelo empoderamento e
questão, em um contexto social. A oficina usa informação e reflexão, pela auto ou co-gestão tenham menores investimentos nos serviços.
trabalhando com os significados afetivos e vivências relacionadas aos A oficina ocorreu de abril/15 a fevereiro/16, totalizando
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temas discutidos. 45 encontros que tiveram, ao longo deste período, cerca de 48
Entendemos que registrar a experiência dessa oficina, criada participantes. Funcionava como um grupo aberto e autogestionado,
e finalizada durante o período da residência, é fundamental para tendo as regras do grupo pactuadas entre todos. Era semanal e com
marcar as ações humanas em um período histórico e “contribuir para duração de 1h30. Foram abordados os seguintes temas: direitos e
a construção de uma Memória Social da Reforma Psiquiátrica no deveres do cidadão, a Reforma Psiquiátrica Brasileira, redução de
Brasil” (SCARPARO, LEITE, SANTOS, 2013, p.140). Dito isto, desejamos, danos, internação compulsória, legalização da maconha, pessoas
neste trabalho, registrar memórias e experiências e, a partir delas, em situação de rua e dependência química, relações e violências
analisar brevemente os pontos positivos e os pontos a melhorar dessa de gênero, espiritualidade, prevenção ao suícidio com a Campanha
oficina. Setembro Amarelo, entre outros. Conforme Afonso e colaboradores
(2010), esses temas abordados são os temas geradores, os quais
Oficina de Cidadania: organização e funcionamento mobilizaram o grupo porque se relacionavam às experiências, tocando
A Oficina Cidadania buscava trocar ideias e expandir em necessidades e vivências dos seus cotidianos. Os temas geradores
informações sobre temas referentes às Políticas Públicas, os direitos não esgotavam o assunto e podiam ser trabalhados em um ou mais
e deveres dos cidadãos. Essa oficina foi pensada e criada pelas encontros.
Residentes de Saúde Mental e trabalhava com a leitura e discussão Inicialmente, os temas eram escolhidos pela equipe das
aberta de leis, projetos de leis, propostas, Políticas de Saúde, entre residentes, pensando temas geradores que centrassem a distribuição
outros. O coletivo ainda se organizava para representar o CAPS AD III da informação sobre os direitos e deveres dos usuários de drogas.
em eventos, como a apresentação do Plano Estadual de Saúde Mental Era assim escolhido um disparador, como por exemplo um texto,
do RS, que aconteceu em Plenária Aberta do Conselho Estadual de uma lei, uma portaria ou notícia de jornal e revista que abordasse
Saúde. Ela teve como característica o fato dos usuários ajudarem o tema. Cada encontro começava com o grupo de participantes
uns aos outros, relatando possibilidades de busca de direitos e até se apresentando. Cada um dizia uma informação que ninguém
mesmo sendo espaço seguro de denúncia de situações de violação sabia sobre eles, uma curiosidade ou um fato inusitado sobre si. Essa
de direito. Destacávamos o empoderamento através da informação, estratégia, além de ser uma dinâmica “quebra gelo” para começar
em uma roda de conversa que incentivava as relações horizontais o encontro, proporcionava um espaço de descontração. E também
entre profissionais e pacientes. tinha o objetivo de estabelecer uma relação de horizontalidade
Tendo como pressuposto que o CAPS em questão tinha entre os participantes, usuários e trabalhadores/residentes/estagiários
artigos

artigos
um funcionamento semelhante em termos da centralidade dos do serviço. Assim, falava-se apenas o nome e o fato interessante/
profissionais na condução do cuidado, a Oficina de Cidadania veio inusitado sobre si, na primeira vez em que a pessoa participava,
numa corrente contra-hegemônica de colocar o usuário em primeiro dizia de onde vinha ou sua profissão/area de estudo, mas a partir
plano na condução e organização dos encontros e com intuito de de uma participação mais seguida, falava-se da vida de cada um,
tornar-se autogestionada pelos usuários com o passar do tempo. proporcionando uma camaradagem entre os participantes.
Vasconcelos (2000) bem aponta que, nos principais países latino- Após esse ínicio de descontração, estabeleceu-se conjuntamente
americanos, os profissionais da saúde e da saúde mental tendem a regras para a distribuição do disparador e para a discussão. Lia-se o
ser a figura central no processo de tratamento e cura devido à cultura texto, dividindo ele em parágrafos, espontaneamente, os participantes
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terapêutica acentuada. Isso faz com que, historicamente, os dispositivos liam um parágrafo cada um. Depois da leitura, começava a discussão
das informações vistas. Comumente, tirava-se dúvidas sobre algum

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dado ou conceito específico, essa ação poderia ser feita por Vasconcelos (2000), os movimentos sociais e o movimento dos usuários
qualquer participante, sendo que a fala não centrava-se na equipe em saúde mental, mais do que lutar por direitos civis, também lutam
das residentes. Muitos usuários tinham uma trajetória no movimento por direitos sociais especiais, como: direito ao tratamento específico e
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social, como por exemplo, no Movimento Nacional de Moradores suporte previdenciário definitivo e/ou provisório, durante o período de
de Rua, sendo assim eles também tiravam e esclareciam pontos e crise; serviços de atenção psicossocial; serviços residenciais; esquemas
traziam detalhes de suas experiências com determinada ideia da especiais de trabalho; auxílios específicos (transporte, por exemplo),
política ou da lei. Vivências individuais com a rede de atenção à entre outros.
saúde eram amplamente compartilhadas. No tema gerador sobre Em outras palavras, é necessário dar atenção a todas as
a internação compulsória, muitos relataram situações díficeis que esferas da vida do indivíduo, e não apenas para a questão que o
viveram e contestaram a lei, apontando outras maneiras de organizar leva para tratamento no serviço, pois assim estaremos efetivando a
a internação. Assim, a escrita da política e a implementação dela integralidade do cuidado preconizada pelo SUS. Ou seja, não basta
eram avaliadas, discutindo-se como a política, muitas vezes, aponta que os profissionais de saúde, aqui na figura das residentes, escolham
para uma ação divergente de como os serviços atuam e se organizam. temas que julguem relevantes para os participantes da oficina, é
Os participantes trocavam impressões sobre suas experiências e preciso investir na escuta das reais necessidades e desejos desses
indicavam os temas seguintes que queriam conversar. Logo, a escolha usuários e facilitar/acompanhar o engajamento deles na luta por
da maioria dos temas dava-se de maneira coletiva de acordo com esses direitos. É esse estar junto que transforma a vida e produz saúde
o interesse do momento, baseado em preferências pessoais ou em e cidadania.
ideias de discurtirmos questões amplas sobre o contexto social da
vida dos usuários. Discussões finais
Além disso, os temas geradores produziram desdobramentos Apesar da oficina ter surgido com o intuito de despertar interesse
interessantes, como o interesse dos usuários do serviço de participar de nos usuários do serviço, a partir da apropriação de conhecimento
eventos e espaços políticos onde essas temáticas eram apresentadas político, direitos e deveres enquanto usuários do SUS, em organizar
e discutidas. Sendo assim, o grupo se organizou para ocupar espaços um espaço de conselho local, esse objetivo não se efetivou. No
políticos, como assembleias e atos públicos a fim de defender pautas entanto, o número de participantes dos espaços de assembleia (que
de interesse da saúde mental e da população usuária de álcool e outras ocorrem quinzenalmente e têm um formato similar ao de conselhos
drogas. Ainda, a partir da participação na oficina, pode-se observar locais) cresceu de forma efetiva nos meses seguintes após o início
uma maior presença nas assembleias do CAPS com maior interesse na das atividades da Oficina de Cidadania. Alguns usuários passaram a
defesa de um serviço orientado pelas necessidades e desejos desses compartilhar mais das suas opiniões e desejos de mudança em relação
usuários. A experiência produziu a ampliação do conhecimento de ao serviço e à equipe e a ocupar mais os espaços políticos legítimos.
artigos

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direitos e deveres dos usuários, maior empoderamento e apropriação Portanto, é possível afirmar que a oficina provocou mudança nas
das temáticas. Isso deu luz à autonomia e à cidadania das pessoas relações usuário-equipe-serviço.
participantes a partir da construção coletiva de políticas dos serviços Durante o processo de construção das atividades, buscou-
da rede de saúde mental. se sempre, de forma democrática, flexibilizar as maneiras de operar
Como podemos ver, muitos dos temas sugeridos pelos a oficina, pautando-se na proposta de autogestão, onde o grupo
participantes da oficina estavam relacionados a seu contexto de vida e independesse da figura do trabalhador do serviço para existir. Porém,
de tratamento, além de caracterizarem uma luta contra a segregação não foi um processo fácil, uma vez que as residentes mentoras da
e estigmatização do louco/usuário de drogas e pela recuperação oficina estavam ali também imprimindo o seu desejo, e o tempo se
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de sua capacidade de decidir sobre os destinos de sua vida. Para fez necessário para que esse fosse um desejo coletivo. Os encontros

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tornaram-se autogestionados com o passar da experiência, tendo ao local da oficina sem um profissional que os acompanhasse. Mais
suas primeiras experimentações quando, por motivo de eventos, uma vez se evidencia a dificuldade em trabalhar a autonomia de forma
o grupo de residentes se ausentou e outros membros da equipe se
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efetiva, uma vez que a lógica de cuidado que ainda impera na saúde
aproximaram da atividade, que foi conduzida pelo grupo de usuários é a lógica medicocentrada, na qual se tem a figura de autoridade
que vinha fazendo parte dos encontros desde o início da oficina. no profissional de saúde, que é quem detém o conhecimento, ainda
Apesar da intencionalidade de provocar movimento nos usuários que o conhecimento seja sobre o corpo/saúde do outro. Há que se
para organizar as atividades da oficina, as residentes ocuparam, trabalhar a desconstrução de um cuidado hegemônico tanto com a
enquanto terapeutas, um lugar de sustentação e centralidade da comunidade usuária dos serviços de saúde quanto com a comunidade
atividade. O que nos leva a refletir sobre a tênue e delicada linha trabalhadora prestadora de cuidado. Para isso, é preciso admitir que
entre produzir autonomia ou depositar o nosso desejo no outro. A todos somos atores de mudança e que esta se dá ao longo do tempo
equipe do CAPS AD III Passo-a-Passo não se apropriou da atividade, e da história para que se torne sustentável.
se envolvendo muito pouco com os encontros ocorridos durante a Na escrita deste trabalho e principalmente nas reflexões que
oficina, salvo em ocasiões pontuais. Ao residente, estão garantidos esse processo nos proporcionou, concordamos com Scarparo, Leite e
espaços de reflexão quanto a sua prática de trabalho dentro da Santos (2013), quando afirmam que o novo e o tradicional habitam os
grade curricular, o que dificilmente é ofertado ao trabalhador. mesmos lugares, o que produz ambivalência nas pessoas diretamente
Oliveira e Guareschi (2010) apontam essas possibilidades da envolvidas com o processo de fazer saúde mental. Essa é uma
formação em serviço abrir brechas em modelos hegemônicos de dificuldade para a superação do modelo manicomial em direção ao
pensar saúde, pensando nesse lugar como um privilegiado para a cuidado em liberdade, com respeito às diferenças e centrado nas
quebra da imagem reprodutora de saberes. Alertam, ainda, para a necessidades dos usuários. É difícil, porém, a nossa experiência com a
necessidade de espaços de troca de experiência entre equipe do Oficina de Cidadania aponta caminhos possíveis para que mudanças
serviço contratada e equipe dos residentes. Os espaços de discussão possam ocorrer nesse modelo de cuidado mais tradicional.
e problematização dos residentes nem sempre estão garantidos ao Acreditamos, por fim, que é preciso desestabilizar o instituído,
restante da equipe trabalhadora. O que pode atribuir ao residente inventar novos fazeres em saúde e saúde mental, articular
o lugar de quem provoca reflexões e oxigena o trabalho do serviço, conhecimentos de diversas áreas, fazer com que esses conhecimentos
através de propostas como a Oficina de Cidadania, que demandam saiam das mãos dos profissionais em direção aos usuários, bem como
energia e tempo, que muitas vezes não são possíveis à equipe restabelecer o lugar social da loucura, que é a cidade, que é a
contratada. assembleia do serviço, que é onde houver vida e pessoas.
Vasconcelos (2000) analisa o contexto brasileiro dos anos 90,
período que remete ao início das ações da reforma psiquiátrica
artigos

Referências Bibliográficas

artigos
brasileira e desinstitucionalização no Brasil. Sua análise, ao que nos
parece ainda atual, aponta para a discussão de que as necessidades AFONSO, Maria Lúcia M.; ABADE, Flávia Lemos; AKERMAN, Deborah;
básicas, sociais e econômicas do momento histórico levavam os COELHO, Carolina Marra Simões; MEDRADO, Kelma Soares; PAULINO,
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Esses pontos foram evidenciados pelo relato da oficina. Ao Brasília: Ministério da Saúde, 2013.
propor e tentar realizar um encontro da oficina sem a presença das ______. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios. 3ª ed. Brasília:
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residentes facilitadoras, este não ocorreu. Os participantes relutaram Ministério da Saúde, 2009.
por achar que os profissionais não deixariam os pacientes se dirigirem

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Artigo 14
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MOVIMENTOS E RESISTÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO DE UMA
EQUIPE DE APOIO MATRICIAL EM UNIDADE DE SAÚDE DE

MOVIMENTOS E
PORTO ALEGRE.

RESISTÊNCIAS NA
Luíza Maria da Rocha Zunino, Secretaria Municipal de Educação e
Cultura, Xangri-lá/RS1
Me. Ana Celina de Souza, SSC/GHC, Porto Alegre/RS 2

CONSTITUIÇÃO RESUMO: O escrito surge a partir da minha inserção como Psicóloga


na Residência Multiprofissional em Saúde, com ênfase em Saúde

DE UMA EQUIPE
da Família e Comunidade. No contexto, ocorria uma mudança do
arranjo organizacional do cenário de prática, a equipe da unidade de
saúde reorganizou sua atuação em equipes de referência e equipe
de apoio matricial. O objetivo da pesquisa foi analisar a constituição
desta equipe de apoio e configurou-se como um estudo qualitativo,

DE APOIO
cartográfico, com uso de observação participante, diário de campo
e grupos focais. A análise parte de “cenários” referentes a três
analisadores: residência, constituir equipe de apoio e apoiar equipes.
Esses caracterizam os movimentos que levaram a uma ambivalência

MATRICIAL EM
nos modos de atuação e denotam o modo processual da mudança,
dotado de forças que ora resistem e ora impulsionam as próprias
mudanças.
Palavras-chave: Apoio matricial. Atenção Primária à Saúde. Saúde da

UNIDADE DE
Família. Residência Multiprofissional em Saúde.

MOVEMENTS AND RESISTANCES IN THE CONSTITUTION OF A

SAÚDE DE PORTO
artigos

artigos
TEAM OF MATRICIAL SUPPORT IN PORTO ALEGRE HEALTH UNIT.
ABSTRACT: The writing emerges from my insertion as a psychologist
at a Multiprofessional Residence in Health, with emphasis on Family

ALEGRE
and Community Health. In that context, there was a change in the
organizational arrangement of the practice scenario, when the health
service team reorganized its performance into reference teams and
a matrix support team. The purpose of the research was to analyze

1 Psicóloga, Residência Multiprofissional em Saúde, ênfase em Saúde da Família e


Comunidade, luiza.zunino@gmail.com, turma 2015-2017.
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2 Enfermeira do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição. Mestra


em Saúde Coletiva pela UFRGS. Email: acelina.acelina@gmail.com. A co-autoria é enquanto
Orientadora da pesquisa realizando, também, contribuições na escrita do texto.

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the constitution of this support team and it was set up as a qualitative, (BRASIL, 2012), além de experiências trazidas pelos residentes para o
cartographic study with the use of participant observation, field diary campo de prática. A aposta neste modo de organização objetivava
and focus groups. The analysis starts from “scenarios” referring to
three analyzers: residence, constituting support team and supporting aumentar a resolutividade e integralidade das ações de saúde da
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teams. These scenarios characterize the movements that impact on unidade (BRASIL, 2012).
an ambivalence in the modes of action and denote the procedural
mode of change, endowed with that at same time resist and drive the
changes. Conjuntamente, a mudança tem como foco o aprendizado em
Keywords: Matrix support. Primary Health Care. Family Health. serviço de residentes que se voltam para atuação como apoiadores
Multiprofessional Residence in Health. de equipes/coletivos. Neste contexto, a residência e os processos de
planejamento da equipe fomentam a educação permanente em
Introdução. Que pesquisa e equipe de apoio matricial é essa? saúde.
Este escrito apresenta um percurso de pesquisa3 imbricado Além da velocidade com que conhecimentos e saberes
com a formação em saúde da Residência Multiprofissional em Saúde tecnológicos se renovam na área da saúde, a distribuição
de profissionais e de serviços segundo o princípio da
(RMS), ênfase em Saúde da Família e Comunidade. Deste modo, acessibilidade para o conjunto da população o mais próximo
surge das vivências e inquietações provocadas no encontro com a de sua moradia – ou de onde procuram por atendimento – faz
com que se torne muito complexa a atualização permanente
equipe do cenário de prática que me instigaram a colocar em análise dos trabalhadores. Torna-se crucial o desenvolvimento de
o processo de constituição de uma equipe de apoio matricial. recursos tecnológicos de operação do trabalho perfilados
pela noção de aprender a aprender, de trabalhar em
equipe, de construir cotidianos eles mesmos como objeto de
As unidades de saúde do Serviço de Saúde Comunitária (SSC) aprendizagem individual, coletiva e institucional. (CECCIM,
do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), campos de prática da RIS, 2004, p. 163).

estão organizadas a partir de um modelo singular de Atenção Primária


Na construção dessas habilidades, as tecnologias leves6 tem
à Saúde (APS). A unidade de saúde em que estive inserida possuía
papel central na mudança do modelo de atenção, tendo como
cerca de 50 profissionais atuando em uma mesma estrutura física,
desafio colocar o usuário no centro do Sistema Único de Saúde,
atendendo uma população de cerca de 14 mil pessoas (IBGE, 2010).
visando a resolutividade do cuidado (FLEURY, 2009). Neste sentido,
No início da residência, realizavam o planejamento estratégico em
diversos arranjos organizacionais vêm sendo propostos a fim de
saúde (anual) visando reorganizar o processo de trabalho. Em vista
reformular processos de trabalho nos serviços de saúde. Cabe reiterar
disso, uma equipe que há muitos anos se organizava sendo uma única
que esses arranjos “não devem ser tomados como fins em si mesmos,
equipe, divididas em áreas de vigilância, decidiu se organizar a partir
modelos a serem implantados para fazer ‘dar certo’ o SUS, mas sim
de um novo arranjo4. Deste modo, os profissionais passaram a compor
como elementos agenciadores de sujeitos e processos em torno do
a) cinco equipes de referência com população adscrita e vinculação
projeto ético-estético-político do SUS” (OLIVEIRA, 2011, p. 28). Passos,
artigos

artigos
do cuidado e uma b) equipe de apoio matricial para as categorias
Pasche e Hennington (2011) destacam que “é necessário apontar
previstas no Núcleo de Apoio de Saúde da Família (NASF) (BRASIL,
2012).5 O arranjo foi inspirado na Política Nacional de Atenção Básica
Terapeuta Ocupacional; Médico Geriatra; Médico Internista (clinica médica), Médico do
Trabalho, Médico Veterinário, profissional com formação em arte e educação (arte educador)
e profissional de saúde sanitarista, ou seja, profissional graduado na área de saúde com pós-
3 Número do registro na Plataforma Brasil – CAEE: 52982916.8.0000.5530 graduação em saúde pública ou coletiva ou graduado diretamente em uma dessas áreas.”.
Na unidade a equipe era formada por quatro profissionais contratadas e seis residentes
4 Nas ações de vigilância a equipe atuava a partir de “cinco áreas” que abarcavam Assistentes sociais, Psicólogas, Nutricionistas e Terapeutas Ocupacionais. Profissionais da
a divisão geográfica do território. Estas divisões geográficas se mantiveram e formaram cinco Farmácia e Psiquiatria não se inseriram no processo de trabalho junto à equipe de apoio por
equipes de referência, que passaram a ser vinculadas à população específica de sua área conta de diferença na organização específica destes núcleos.
de referência.
6 Segundo Merhy (1998), o trabalho em saúde engloba tecnologias duras, leve-duras
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5 Segundo a Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2012) os profissionais que e leves. As tecnologias duras se referem aos aparelhos/máquinas e ferramentas de trabalho,
compõem o NASF podem ser: “Médico Acupunturista; Assistente Social; Profissional/Professor já as leve-duras tratam dos saberes profissionais estruturados. O autor conceitua, no trabalho
de Educação Física; Farmacêutico; Fisioterapeuta; Fonoaudiólogo; Médico Ginecologista/ em saúde, as tecnologias leves como as que abordam a dimensão relacional e cuidadora do
Obstetra; Médico Homeopata; Nutricionista; Médico Pediatra; Psicólogo; Médico Psiquiatra; encontro entre trabalhador-usuário.

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na direção da valorização e problematização da experiência no a co-responsabilização e promover um novo modo de relações


cotidiano do trabalho em saúde, que tem potência de transformação, entre gestores, equipe(s) e equipe-usuário. São, ao mesmo tempo,
de reinvenção dos serviços e práticas” (p. 4543). metodologias de trabalho e gestão da atenção em saúde, e
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também, arranjos organizacionais que visam diminuir a fragmentação
O núcleo de atuação da Psicologia configura-se na equipe
do processo de trabalho (CAMPOS et al, 2014; CAMPOS; DOMITTI,
de apoio matricial e deste modo insiro-me nela no segundo ano da
2007). Estes arranjos organizacionais produzem-se e reformulam-se
residência. Neste sentido, elegi a cartografia como método para
ao longo do tempo e insere-se no Método Paideia (ou método da
acompanhar o processo de pesquisa e o diário de campo e grupos
roda), constituído por Campos e colaboradores como uma crítica aos
focais como dispositivos para produção de dados. Tendo como
modos de gestão taylorista (CAMPOS et al, 2014). O método Paideia
perspectiva um objeto de pesquisa em movimento, a indissociabilidade
proposto por Campos contempla o conceito de Apoio Paideia e apoio
pesquisador-campo, bem como o acompanhamento de um
matricial e também serve como base e incentivo a criação de outros
processo inventivo e produtor de subjetividades (SOUZA, FRANCISCO,
conceitos de “apoio”, como o Apoio Institucional e apoio rizomático
2016). Deste modo, a pesquisa é indissociada do compromisso ético
(EIDELWEIN, et al, 2014). O NASF, como política pública e proposta de
como Psicóloga Residente em campo que se apresenta através
organização da Estratégia de Saúde da Família, apropria-se destes e
da via dupla da educação permanente: aprendo e ensino; sou
outros conceitos e ferramentas de trabalho.
transformada e transformo o campo onde atuo; assim como no
pesquisar cartográfico que tem como perspectiva “estar sempre em Campos (1999) já destaca que o novo arranjo visa alterações
movimento, acompanhando processos” e “estar em obra” (SOUZA, subjetivas e culturais no processo de trabalho em saúde, no momento
FRANCISCO, 2016, p. 815). em que passa a focar no vínculo terapêutico, transdisciplinaridade
e a gestão para “produção de grupos sujeitos”. Trata-se, portanto,
Ao longo da aproximação com o campo me pergunto: o que,
não apenas de um dispositivo pontual ou episódico, mas que tem
neste caso, parece facilitar/provocar/proporcionar a mudança de
como objetivo nova subjetivação e cultura e padrões interelacionais
processo de trabalho e o que a impede de ocorrer? Quais situações
entre equipe e equipe-usuários. Refere-se, assim, à produção de
e modos de organização paralisam? E quais lançam a mudança?
conhecimento e também de produção de subjetividades (MERHY,
O que é preciso para se efetivar uma mudança de processo de
CHAKKOUR, 2009; PENA, 2009).
trabalho? Assim, à luz da análise cartográfica baseada nos conceitos
de analisadores, implicação, apoio matricial e trabalho vivo em ato, Desta maneira, o apoio matricial carrega tanto a dimensão
percorreu-se uma análise dos movimentos que potencializam ou das tecnologias leve-duras, na sua dimensão da assistência e
fragilizam as mudanças no processo de trabalho. Antes de apresentar de organização, quanto também é um modo de inserção das
mais detalhadamente os recursos que me acompanharam no percurso tecnologias leves na produção de relações horizontais no trabalho,
artigos

artigos
e a análise a partir dos dados produzidos, trago um breve apanhado gestão compartilhada eapoio pedagógico/educação permanente,
teórico situando este contexto de mudanças organizacionais nos que se dá entre ambas as equipes (FIGUEIREDO, 2012). Deste ponto
serviços de saúde. de vista, partiu-se de um entendimento de trabalhadores que trazem
consigo a dimensão do trabalho vivo em ato, do cuidado em saúde
que se produz e modifica os próprios sujeitos envolvidos. Assim, falar de
Aproximações teórico-analíticas: Apoio matricial, mudanças
organizacionais e trabalho vivo em ato. modos de organização de serviço é também falar do modo como as
Equipes de referência e apoio matricial são conceitos diferentes forças e afetos se dispõem e se inter-relacionam a partir dos
criados por Campos (1999) a partir de uma proposta de modelo encontros produzidos entre os diversos atores envolvidos na produção
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organizacional que visa, entre outros, aumentar a interdisciplinaridade, do cuidado em saúde (CECILIO, 2011; MERHY, CHAKKOUR, 2007).

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Deste modo, para compreendermos reunião da equipe de apoio e eleitas, a partir de consulta em livro ata
os elementos que apóiam a persistência e a mudança das reuniões, as equipes com maior e menor número. Deste modo, os
institucional, (...) se faz necessário ter em conta o próprio grupos foram coordenados pela pesquisadora em conjunto com a
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conceito de trabalho enquanto espaço não neutro, com
regras de jogo instaladas historicamente, exercendo orientadora. Os grupos ocorreram no espaço de reunião das equipes,
influência sobre as condutas de maneira implícita e com cinco e nove pessoas respectivamente, sendo a composição
explícita e os próprios sujeitos, considerando que as regras
a modificar estão incorporadas em seus modos de pensar, multiprofissional. Tiveram duração aproximada de uma hora, foram
sustentando hábitos de trabalho de grande estabilidade gravados em áudio e posteriormente transcritos. Os grupos focais se
no tempo. (BRASIL, 2009, p.51).
caracterizaram como espaço de troca entre os profissionais das equipes
Neste contexto, não seria possível avaliar “a tecnologia” do de referência sobre a mudança da organização do trabalho com a
apoio matricial mas analisar os operantes, as linhas de força que inserção da equipe de apoio matricial. As questões disparadoras dos
potencializam ou despotencializam a efetiva implantação desta grupos focais voltaram-se à percepção das diferenças entre o modo
mudança. A análise tem foco no campo micropolítico das relações de arranjo organizacional anterior e atual e produziram e reformularam
entre profissionais (CECILIO, 2011; MEHRY, 2007), sendo que esse questionamentos destes profissionais acerca da atuação e da relação
campo apresenta elementos que possuem alguma regularidade e estabelecida entre equipes.
previsibilidade, em virtude do cotidiano das práticas nos serviços.
As análises se deram a partir da articulação e entrelaçamento
No entanto, é principalmente “território de fluxos, de arranjos
dos registros em diário de campo e nos discursos produzidos nos grupos
contingentes e negociados, de produção de novidades e novos
focais. Tomo o que referem Escossia e Tedesco (2015) como planos
conhecimentos, do inusitado e do que escapa à pretensão de
das formas o instituído, que é como a realidade está organizada;
normalização, visibilidade e controle” (CECILIO, 2011, p.594).
o plano das forças como instituinte, que produz movimento e
transformação. O que interessa para o percurso de pesquisa é o que
acontece entre essas relações, individuais e coletivas, para além da
Caminhos metodológicos: escolha dos dispositivos de
produção de dados e análise. forma, do que está dado, mas do que se dá entre esses planos. Lida-
Como forma de aproximação dos sujeitos, discursos e se com um campo que emerge das relações estabelecidas também
movimentos da constituição da equipe de apoio matricial, o percurso entre pesquisador, sujeitos, objetos, teoria e prática em um plano de
de pesquisa se fez apoiado em dois recursos. Primeiramente, um diário implicação (BAREMBLITT, 2002). São os elementos que aparecem entre
de campo, onde foram relatadas vivências e reflexões no decorrer os encontros que podem produzir invenções, desestabilizar os sentidos
da minha inserção na equipe de apoio matricial. As notas em diário antigos e construir novos. A pesquisa cartográfica não visa resolver
ocorreram por um período de 8 meses. As anotações das observações problemas, encontrar respostas, mas levantar perguntas, problemas,
artigos

artigos
e frases ouvidas ou pensadas colaboram na produção de dados de a fim de multiplicar sentidos e inaugurar novos questionamentos.
uma pesquisa e transformam essas experiências fragmentadas em
Assim, antes de apontar valores, atitudes, percepções dos
conhecimento e modos de fazer (BARROS, KASTRUP, 2015; PASSOS,
sujeitos individuais, a pesquisa está interessada nas vozes dos atores
KASTRUP, ESCOSSIA, 2015). O diário de campo foi um espaço para
sociais, dos sujeitos coletivos, de posições ocupadas pelos sujeitos. O
relatos regulares após as experiências em campo que abordaram
foco não está sobre a representação do objeto, mas sim dos signos
tanto informações objetivas e descritivas quanto as impressões que
e forças circulantes que são as pontas do processo de pesquisa que
emergiram nestes encontros.
podem ir modificando e ressignificando o campo de forças e, por
Também foram realizados grupos focais com duas das cinco consequência, modificam também as perguntas, questionamentos e
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equipes de referência. Para sua escolha, foi utilizado como critério o percurso de pesquisa (KASTRUP, 2015).
o número de casos discutidos ao longo de um ano no espaço da

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Cartografar e constituir-se como equipes: movimentos e Figura 1. Esquema representativo da análise a partir dos analisadores
(enumerados).
resistências do trabalho e da pesquisa.
No primeiro momento, a mudança do arranjo foi instituinte,
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pois alterou a organização do processo de trabalho e os modos de
relação e cuidado, principalmente para as equipes de referência -
visto que passaram a serem responsáveis pelo cuidado longitudinal de
determinada população específica com encontros regulares entre a
equipe. As equipes de referência mencionaram que o novo arranjo
ajudou a organizar os processos destas equipes. Em contrapartida,
referem-se à uma organização confusa no que se refere à equipe de
apoio matricial. Neste sentido, há falas no grupo focal de que está
“tudo muito misturado”, que se relaciona à manutenção de distintos
entendimentos por parte da própria equipe e dos gestores sobre a
manutenção do arranjo antigo. O planejamento proposto pelo SSC
abarcava a ideia de uma equipe, com divisão por áreas para ações Fonte: Elaborada pelas autoras, 2017.
de vigilância e demais profissionais inseridos a partir de seus núcleos.
Deste modo, a mudança do arranjo organizacional exige novos
Ainda não havia um entendimento da existência de fato destas
modos de relações entre profissionais, agora entre equipes, além de
equipes de referência, gerando desafios para a equipe que inventava
mudanças na postura dos profissionais apoiadores para o trabalho
seu novo modo de organização a partir das discussões internas.
em equipe e na organização da residência multiprofissional. Neste
Isto posto, o novo arranjo produziu estranhamento ao mudar sentido, escrevo a partir de três cenários que disparam a construção
a estrutura de organização, que deslocou forças que ora resistem e dos analisadores propostos. Estes cenários-analisadores caracterizam
ora impulsionam a mudança de modelo. Para além da divisão das os movimentos que levaram a uma ambivalência/ambiguidade nos
equipes, disparou a necessidade de alterar o cotidiano da organização modos de atuação. Além disso, denotam o modo processual da
do processo de trabalho. No que se refere à equipe de apoio, são mudança e seus movimentos em direção a linhas instituintes ou a
colocados os desafios de constituir uma equipe, de apoiar e ensinar a manutenção do instituído. Cabe reiterar que os cenários-analisadores
partir desse coletivo, como ilustrado abaixo: são divididos para fins da escrita, mas acontecem de modos
simultâneos e relacionados entre si.
artigos

artigos
Apoiar equipes: produção de espaços entre equipes.
Cenário: Quando houve a divisão das equipes a organização da
equipe de apoio se fez inicialmente a partir de encontros nos momentos
de reunião de equipes de referência, para organização do modo de
trabalho e discussão de casos. Estes encontros eram referenciados
como “ida às áreas”. Logo em seguida, foi também disponibilizado
o espaço da própria reunião da equipe de apoio como mais um
momento para discussão de casos, o que posteriormente acabou
se tornando o espaço pactuado para isso. Quando da efetivação
da mudança suspendeu-se as discussões nas reuniões de equipe de
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referência que vinham ocorrendo há três meses. Quando cheguei


à equipe, após seis meses, essas “idas às áreas” estavam suspensas,

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devido ao fato da necessidade das equipes se organizarem no seu fortemente vinculado ao “espaço do NASF”, deste modo apareceram
novo processo de trabalho. Estas “idas às áreas” foram retomadas discursos no sentido de que “o NASF não fazia nada”. Em vista
cerca de 8 meses mais tarde, após uma discussão no espaço do
disso, chegou o momento em que se conversou em encontro de
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planejamento junto às equipes de referência.
planejamento sobre a equipe de apoio “não fazer nada”. O ruído do
O foco da mudança da unidade de saúde foi nas equipes “não fazer nada”, que se apresentava via planejamento, também se
de referência, principalmente a partir da constituição de espaços apresentou na discussão do grupo focal. Há um questionamento que
de reunião permanentes. Referem que se sentiram mais apoiadas se produziu na própria equipe de referência quanto a essa fala.
entre si do que no modelo anterior e esta mudança foi significativa
para o processo de trabalho das equipes. No que se refere à equipe Deste modo, a manutenção de apenas um espaço para
de apoio, muitas vezes os planejamentos ocorreram somente entre discussão dificulta a produção da equipe de apoio. Ao focar a relação
as profissionais dessa equipe e os residentes, sem envolvimento mais na reunião da equipe, o processo engessa e burocratiza, ao invés de
amplo das equipes de referência. No início da constituição da equipe horizontalizar a relação, que é a proposta do apoio matricial. Esse
houve apresentação para o grupo de trabalhadores a respeito do ruído produziu desvios, pois foi quando a equipe de apoio olhou para
modelo NASF. No entanto, posteriormente não se discutiu acerca do seu processo de trabalho, frente ao incômodo que gerou essa fala, ao
modelo de apoio matricial pretendido para a unidade de saúde, o mesmo tempo em que houve a própria sensação de distanciamento.
que o território necessitava. O fato de não ter havido uma construção Ao escutar o outro, reconheceram-se, enquanto pertencentes também
coletiva levanta questionamentos sobre qual o trabalho desta equipe. ao processo, assim como o mesmo movimento que se produziu nos
O que seria esperado da equipe de referência e o que seria esperado grupos focais. Como equipe de apoio, refletiram que não havia sido
da equipe de apoio matricial? mudado significativamente seu processo de trabalho, ao contrário das
outras equipes que tiveram diversos fluxos alterados; posicionaram-se
O fluxo estabelecido era as discussões de casos serem realizadas que precisavam alterar significativamente seu processo de trabalho,
na reunião da equipe de apoio. Majoritariamente os encontros em conjunto, como equipe. Neste contexto são retomadas as “idas às
ocorreram entre todos da equipe presentes e agentes comunitários áreas”.
de saúde das diferentes equipes de referencia que compareciam a
este espaço para discussão. No entanto, percebeu-se que nem todos A respeito disso, o grupo focal pareceu ter produzido uma
acessavam a equipe de apoio via este momento, ocorrendo muitas aproximação com a equipe de apoio matricial ao contrário de
discussões e casos assumidos das mais diversas formas no decorrer do “espaço do NASF”. Ao serem estimulados a discutir sobre a mudança,
trabalho. Constatou-se nos grupos focais que essa forma ampla de pareceram reconhecer que a mudança também ocorreu para a
acesso foi percebida de modo diferente pelas equipes. A equipe que equipe de apoio, com criação das equipes de referência. Ambos
os grupos passaram a se questionar quanto a sua posição em um
artigos

artigos
mais acessou a equipe de apoio matricial via espaço de reunião viu
a relação de forma mais burocratizada, ao contrário da outra, que processo, que eles também estavam se apropriando, principalmente
ainda acessava via formas antigas (“bater na porta ao lado”, livre vinculado a nova posição da equipe de apoio, que se efetivava
demanda). A confusão para uns manteve a mesma forma de antes, naquele momento de realização do grupo, do retorno das “idas às
que era mais próxima, já pra quem respeitou o fluxo estabelecido, áreas”. A “mistura”, esse “não reconhecimento” como equipe de
sentiu-se distante, sem retorno. Essa ambivalência pareceu produzir apoio levantou a questão de que a equipe de referência pudesse
certo distanciamento. A equipe de apoio ficou distante das equipes esperar coisas desta outra equipe que não fossem de responsabilidade
de referência, pois a disponibilização de apenas um espaço pareceu da mesma, mas de competência das próprias equipes.
verticalizar a relação.
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O que é nominado como confusão na figura 1 (p.11) se


O reconhecimento do trabalho da equipe de apoio estava desdobra ora como uma ambivalência no processo de entender-

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se como equipes de referências apoiadas e equipe apoiadora; ora e houve tentativas de inventar modos de estar “fora” (construir
como uma certa resistência ao que o imaginário carrega sobre o um “puxadinho”, ir para outro local), pois avaliaram que o não
novo arranjo; e ora ainda como uma potencialidade de percorrer o reconhecimento da equipe relacionava-se com o fato de estarem
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lugar do entre as profissões e o instituído do processo de trabalho. inseridos na mesma unidade. Se partirmos da ideia que a atuação
no mesmo local poderia ao contrário facilitar a atuação e diminuir
o distanciamento, ao mesmo tempo a diferenciação das equipes
Constituir equipe de apoio: trabalho em equipe
e a produção de espaços de encontros parece necessária para a
Cenário: O trabalho prévio à mudança é diferente para cada núcleo, realização do trabalho. Isto parece ser muito mais relativo a uma
com organização de agendamentos dos atendimentos distinta
e em geral com agenda aberta sem prévia discussão. O núcleo mudança de postura desses profissionais frente à mudança de
de Nutrição apoiava nove equipes em duas unidades de saúde e processo de trabalho que é constituído a partir da própria experiência
de Terapia Ocupacional apoiava sete equipes, também em duas como trabalhador.
unidades. Profissionais de Psicologia e Serviço Social inseriram-se na
equipe há muitos anos como equipe ampliada. A inserção da Terapia
A mudança de organização do processo de trabalho foi sutil
Ocupacional foi mais recente e se deu de modo mais específico
junto com a criação da equipe de apoio. Mesmo após a criação da para a equipe de apoio matricial no que se refere principalmente aos
equipe de apoio mantém-se distintos formatos de atuação. A equipe fluxos estabelecidos para o trabalho em equipe, mantendo-se diversos
de apoio matricial se reconhece como “tipo-NASF”. As equipes de
referência reconhecem as profissionais pertencentes mas não como formatos de atuação a partir dos núcleos que a compõem. Então
equipe. se faziam muitas atividades via profissionais de forma mais “informal”,
mas não como “equipe de apoio”, tornando muito similar ao que era
Essas diferenças no modo de organização por núcleos e as
realizado anteriormente.
diferenças mencionadas do arranjo antigo caracterizam este formato
como distinto do NASF previsto na política. Neste sentido, a equipe usava Diante disso, apresentou-se um não reconhecimento da equipe
o termo “tipo-NASF” para referir-se ao seu processo de trabalho. Assim, de apoio; as atividades, atendimentos, discussões de caso, muitas
aponta para a necessidade de reflexão acerca da equipe de apoio vezes eram reconhecidas como próprias de um núcleo específico.
matricial como uma invenção própria deste formato neste contexto. A única mudança que pareceram reconhecer a partir da mudança
Deste modo, produz-se muitos questionamentos sobre como organizar da equipe de apoio matricial é a constituição do “espaço NASF” e
os fluxos e espaços de encontro no cotidiano de trabalho - já que a o nome NASF. Como se o novo fosse apenas algo das equipes de
principal referência de atuação não contemplava as especificidades referência e o “NASF” algo que só alterou no nome o trabalho que já
do local. Esse discurso também provoca questionamento sobre a vinha sendo realizado antes. Foi dito que reconheciam as pessoas que
própria atuação em equipe de apoio. fazem parte da equipe de apoio, mas não reconheciam a equipe
como o novo arranjo, imbricado com as mudanças das equipes de
artigos

artigos
Neste contexto, há uma imagem de pano de fundo sobre o
referência. Nesta perspectiva, a equipe de apoio matricial acabou
“NASF” como política, que se trata do apoiador de muitas equipes em
sendo colocada como um lugar, a partir da referência do “espaço
diversas unidades de saúde. Portanto, refere-se a outras experiências
NASF”. Deste ponto de vista, não houve um reconhecimento de ambas
que não partem desta unidade de saúde e apareceram no discurso
as equipes, o que é peça-chave para produção do apoio matricial
como algo que precisa de um distanciamento físico para ocorrer. No
que visa produção de encontro entre equipes (coletivos), ao contrário
mesmo sentido, é referido que a partir disso se produz distanciamento
de encontro apenas “entre trabalhadores” (CAMPOS; DOMITTI, 2007).
das equipes de referência. Assim, a própria política do NASF era vista
como produtora de distanciamento entre as equipes. Neste caso, o fato de acessar de várias formas também foi
C3

apontado como uma manutenção de uma parte do processo


Nesta lógica, seria preciso estar fora para produzir este “NASF”
de trabalho, assemelhando ao processo antigo, que dificulta a

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identificação do novo, gerando certa confusão e novas resistências. para o primeiro e segundo ano e, com o novo arranjo organizacional,
No entanto, a horizontalidade produziu-se mais a partir dessas fez-se uma primeira organização da inserção das residentes sendo as
relações chamadas informais, parecendo que algo do novo arranjo de primeiro ano inseridas nas equipes de referências e as de segundo
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produziu diferença na posição destas profissionais, uma postura mais na equipe de apoio matricial. Contudo, as equipes de referências não
acolhedora, pois a equipe parecia distante, mas as profissionais não. compreenderam muito bem essa composição, pois olhavam para as
residentes a partir dos núcleos que compõem a equipe de referência
Assim, quando ocorreram momentos de encontro, planejamento
e os que não compõem. As equipes questionaram o fato dos núcleos,
e cuidados em ato produzidos em conjunto, produziu-se reflexões e
que são do NASF, estarem com as residentes nas equipes de referência.
também a execução do apoio matricial de modo fluido. Os encontros
Devido a esse entendimento foi referido que havia equipes que
entre as equipes, como no caso do planejamento, pareceram produzir
possuíam, e outras que não, a inserção da equipe de apoio nas suas
avanços sobre o processo de trabalho. Há uma sensação de que as
reuniões. Para equipes de referência ao acessar alguma residente de
profissionais da equipe de apoio, ao instituir essa equipe, passaram a
primeiro ano destes núcleos, estavam acessando a equipe de apoio.
ser ainda mais acolhedoras na escuta das demandas por parte das
equipes de referência. No entanto, isso não se deu no espaço formal, Na visão dos profissionais, o fato de ter alguém de outro núcleo
mas sim nas relações e encontros ditos informais. que transcenderia a atuação da equipe de referência já é visto como
um apoio, como um modo de repensar e produzir novos modos de
cuidados em saúde. A inserção de outros núcleos, mesmo que via
Residência: modo de inserção no campo
residência, também é visto como modo de aumentar a resolutividade
Cenário: Residentes de segundo ano das categorias do NASF inseridos da própria equipe.
na equipe de apoio participam da reunião. Residentes de primeiro
ano participando das equipes de referência como trabalhadores sem Do ponto de vista das residentes de primeiro ano, também se
as especificidades de núcleo e não participam da equipe de apoio.
Ambas são vistas pelas equipes de referência como participantes apresentava certa confusão devido a esse duplo papel. No entanto,
da equipe de apoio. Há equipes de referência que não tiveram a intenção do projeto da Residência Multiprofissional em Saúde era
composição de residentes dos núcleos pertencentes ao NASF.
experienciar a equipe de referência, acompanhando o cotidiano,
A equipe de apoio matricial é pensada no bojo da relação fluxos, debates, dilemas, potencialidades e dificuldades. Não pareceu
com os residentes no cenário de prática, tanto pela questão do seu ser possível fazer essa separação, na medida em que o debate
aprendizado quanto pela reflexão proporcionada por eles no contato almejado pelo ensino não propiciou um entendimento prévio, mesmo
com o campo. Além disso, os profissionais da equipe de apoio estão que provisório, em relação ao lugar do residente de primeiro ano nas
todos envolvidos com a residência, como preceptores ou orientadores equipes de referências.
artigos

artigos
da residência multiprofissional. De certo modo, a discussão acerca da
Além disso, assim como as contratadas, as profissionais residentes
constituição da equipe de apoio envolveu de modo significativo a
de segundo ano também se inseriram de modos diferentes, conforme
residência, mas ainda de modo sutil as equipes da unidade como um
a organização do seu núcleo profissional. Os núcleos de Nutrição e
todo.
Terapia Ocupacional previam vivências em matriciamento em outras
Assim, a residência operou como força instituinte, que lançou unidades de saúde ao longo do segundo ano. Isto por um lado, se
ao novo, ao propor em conjunto com outras profissionais a nova configura como potente, pois traz diversos olhares e experiências.
organização com a constituição de uma equipe de apoio matricial. A No entanto, por outro, como ainda está em processo, essa é uma
mudança no arranjo exigiu mudanças no modo de organização dos manutenção de algumas organizações prévias à mudança e que
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residentes em campo. A residência tem matrizes curriculares diferentes também dizem respeito a um modo mais amplo de organização dos
núcleos no programa de residência.

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Os atores da Residência produziram diversos questionamentos Referências Bibliográficas


a respeito dos modos de inserção e de como organizar a sua
BAREMBLITT, G. F. Compêndio de análise institucional e outras correntes:
formação. Assim, a residência produz a partir da perspectiva da
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teoria e prática, 5ed., Belo Horizonte: Instituto Felix Guattari, 2002.
educação permanente, das trocas constantes exercidas no cotidiano
BARROS,E.; KASTRUP, V. Cartografar é acompanhar processos. In:
de trabalho, um espaço constante de aprendizado. Além disso, a PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. (Org.). Pistas do método da
preceptoria coloca-se como função potente para estar em constante cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto
reflexão de seu processo de trabalho. Ademais, esta pesquisa também Alegre: Sulina, 2015. p. 52-75.
opera como produção instituinte, pela inserção como residente- BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da
pesquisadora que estava em constante reflexão sobre o apoio Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação em
Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Série
matricial, além da produção dos grupos focais. Pactos pela Saúde 2006. v. 9. Brasília: Ministério da Saúde, 2009.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.
Conclusão Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção
Este escrito foi produzido a partir da inserção na residência Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2012..,
multiprofissional em saúde e motivou diversos aprendizados no meu CAMPOS, G. W. S. Equipes de Referência e apoio especializado
percurso, transformando meu fazer como Psicóloga que se volta matricial: um ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde.
Ciência & Saúde Coletiva, 4(2):393-403, 1999.
para o Sistema Único de Saúde. No entanto, por estar imbricado
com o caminho desta formação em serviço e pela escrita que se faz CAMPOS, G. W. S. et al. A aplicação da metodologia Paideia no
apoio Institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface,
recortada no tempo e espaço, apresenta limitações no sentido de Botucatu, v.18, p. 983-995, 2014.
aprofundamento de algumas discussões, principalmente a respeito
CAMPOS, G. W. S.; DOMITTI, A. C. Apoio matricial e equipe de referência:
dos conceitos dos analisadores. Também, no percurso de pesquisa, uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde.
foi percebida uma abertura a um grupo focal com a equipe de apoio Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro ,  v. 23, n. 2, p. 399-407, Fev.  2007.
matricial, no entanto não se efetivou em vista do período de pesquisa. CECCIM, R. B. Educação Permanente em Saúde: desafio ambicioso e
necessário. Interface. v.9, n.16, p.161-77, set.2004/fev.2005
Aponta-se que o processo de constituição de uma equipe de
CECILIO, L. C. O. Apontamentos teórico-conceituais sobre processos
apoio matricial encontra-se engendrado com a mudança do arranjo avaliativos considerando as múltiplas dimensões da gestão do cuidado
organizacional. Nesta experiência, produziu-se de modo processual em saúde. Interface, Botucatu, v.15, n.37, p.589-99, abr./jun. 2011.
a partir das interações e desvios produzidos quando da instituição da EIDELWEIN, C.; et al. Função apoio em pesquisa: experimentações na
mudança e dos momentos de encontros entre as equipes. Apesar produção de (des)caminhos e desvios. Saúde & Transformação Social.
Florianópolis, v.5, n.2, 2014, p. 39-49.
de configurar-se como algo que produziu ambivalências, essas
ESCOSSIA, L., TEDESCO, S. O coletivo de forças como plano de
artigos

artigos
vão se transformando em reflexão nos trabalhadores, alterando
experiência cartográfica. In: PASSOS, E. KASTRUP, V. ESCOSSIA, L.
constantemente o processo de trabalho. Assim, há desdobramentos da. (Orgs.) Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e
e problematizações realizadas a partir dessa mudança, o que confere produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2015
um caráter instituinte para esse processo e produz um trabalhador FIGUEIREDO, E. N. Estratégia Saúde da Família e Núcleo de Apoio
que reflete a partir de sua prática. Neste caso o componente da à Saúde da Família: diretrizes e fundamentos. In: Especialização em
educação permanente em saúde é crucial para a mudança do Saúde da Família. Módulo Político Gestor (Material didático). São
Paulo: UNA-SUS/UNIFESP, 2010-2011.
modelo de atenção, tanto pela via dos encontros de discussão entre
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Artigo 15
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RELAÇÃO ENTRE RELAÇÃO ENTRE NÚMERO DE DENTES E VARIÁVEIS
SOCIOECONÔMICAS EM UMA POPULAÇÃO DE HIPERTENSOS
E DIABÉTICOS DE UM SERVIÇO DE SAÚDE DA ZONA NORTE DE

NÚMERO DE PORTO ALEGRE, RS


Me. Maiara Mundstock Jahnke, Porto Alegre/RS1

DENTES E VARIÁVEIS CD Idiana Luvison, SSC/GHC, Porto Alegre/RS 2


Dr. Julio Baldisserotto, GEP/GHC, Porto Alegre/RS 3

SOCIECONÔMICAS RESUMO: O Diabetes Mellitus (DM) é um problema de saúde pública


com alta morbimortalidade no mundo. As equipes de saúde devem

EM UMA estar atentas as condições de saúde bucal do paciente com DM e


trabalhar de forma integrada a fim de garantir melhores resultados no
controle da glicemia. O objetivo foi de descrever as características

POPULAÇÃO DE
de saúde bucal de pessoas portadoras de DM. Estudo transversal,
amostragem aleatória dos pacientes inscritos na ação Hiperdia do
Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição.
Participaram do estudo 2482 sujeitos. 60% dos sujeitos consideravam a

HIPERTENSOS E
saúde bucal como positiva, 64% referiram terem menos de 20 dentes e
77% afirmaram não ter dificuldade de mastigar. Apenas 11% já tinham
sido encaminhados ao dentista. O número de dentes esteve associado
com escolaridade, renda e idade. Os resultados demonstram que o

DIABÉTICOS DE UM acesso ao dentista é limitado e necessita ser ampliado para garantir


tratamento adequado.
Palavras-chave: Saúde Bucal. Hipertensão. Diabetes Mellitus.

SERVIÇO DE SAÚDE RELATIONSHIP BETWEEN NUMBER OF TEETH AND

DA ZONA NORTE DE SOCIOECONOMIC VARIABLES IN A POPULATION OF


artigos

artigos
HYPERTENSIVE AND DIABETICS OF A HEALTH SERVICE IN THE

PORTO ALEGRE, RS
NORTHERN ZONE OF PORTO ALEGRE, RS

1 Cirurgia Dentista, Especialista em Saúde Coletiva e da Família pela Residência


Integrada em Saúde de 2012 a 2013, Grupo Hospitalar Conceição. Mestre em Saúde Bucal
Coletiva pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. e-mail: odontomaiara@gmail.com

2 Cirurgia Dentista Especialista em Saúde Coletiva, Unidade de Saúde Vila Floresta,


Serviço de Saúde Comunitária, Grupo Hospitalar Conceição, Porto Alegre-RS.

3 Doutor em Gerontologia Biomédica, Professor Associado da Faculdade de


C3

Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e docente da Escola Grupo


Hospitalar Conceição Porto Alegre-RS.

C3
280 281
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ABSTRACT: Diabetes Mellitus (DM) is apublic health problem with a (BRASIL, 2006).
high mortality burden in the world. Health teams should be aware of
the oral health conditions of the patient with diabetes and work in an Como as doenças crônicas são problemas complexos, é
integrated way to ensure better results in controlling blood glucose.
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The objective was to describe the oral health characteristics of indispensável o trabalho multiprofissional para prevenção das
people with DM. Cross-sectional study with random sample of patients complicações destas doenças, que exigem um processo contínuo
enrolled in the Hiperdia action of the Community Health Service of the
Hospitalar Conceição Group. A total of 2482 subjects participated in de motivação para que o paciente não abandone o tratamento
the study. 60% of the subjects considered their oral health as positive, (BRASIL, 2006). Sendo assim, quando se busca a saúde integral, a
64% reported having less than 20 teeth and 77% said they did not have
difficulty chewing. Only 11% had already been referred to the dentist. abordagem interdisciplinar é a melhora estratégia a ser adotada. Esta
The number of teeth was associated with schooling, income and age. se constitui de técnicas e esquemas conceituais na busca de integrar e
The results demonstrate that access to the dentist is limited and needs
to be expanded to ensure adequate treatment. complementar os saberes específicos para construir um ponto comum
KEY WORDS: Oral Health. Hypertension. Diabetes Mellitus. na solução dos problemas detectados (SA INTRAIN e VIEIRA, 2008).

Introdução De acordo com Hebling, 2003, (p. 436) “envelhecer e manter a


qualidade de vida, com saúde geral e bucal, serão os grandes desafios
O envelhecimento da população vem ocorrendo tanto em
a serem alcançados neste século”. Também Jeremias (2010) refere
países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento. No
que a qualidade de vida aumenta como consequência da mudança
Brasil, o percentual da população idosa passou de 7,3% no ano de
de comportamento do paciente, quando ele se torna consciente
1991 (IBGE, 2002) para 9,6% no ano de 2003 (IBGE, 2005). Já em 2010
da sua condição de saúde bucal – autopercepção – para se tornar
a população acima de 60 anos alcançou um percentual de 10% da
motivado e interessado na sua saúde.
população total brasileira, com expectativa para 2050 de 29,8% da
população (IBGE, 2009). O Diabetes é uma doença de alteração do metabolismo
dos carboidratos, principalmente pela produção diminuída de
Com o envelhecimento da população brasileira, surge a
insulina, caracterizando hiperglicemia e outras complicações, como
necessidade de se conhecer esta população e verificar quais agravos
disfunções e insuficiência de vários órgãos, especialmente olhos, rins,
de saúde estão envolvidos neste processo. Estudos mostram que a
nervos, cérebro, coração e vasos sanguíneos. Em relação à saúde
prevalência da hipertensão e da diabetes aumenta com a idade
bucal, o diabetes mellitus tem sido associado à doença periodontal
(BARROS et al., 2006). As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)
(gengivite e periodontite) (NEVILLE, 2009). Além das manifestações
são a principal causa de morte em todo o mundo, segundo a OMS.
sistêmicas e nos tecidos periodontais, o DM mal controlado apresenta
No Brasil, cerca de 72% das mortes são atribuídas às DCNT importantes repercussões sobre a saúde bucal, como, por exemplo,
(SCHIMIDT, 2011). Estas são um problema de saúde pública tanto xerostomia, hipossalivação, susceptibilidade a infecções, dificuldade
artigos

artigos
em países ricos quanto nos de média e baixa renda (BRASIL, 2009). de cicatrização (ALVES, 2006).
Alguns poucos fatores de risco são responsáveis pela maior parte da
Já a Hipertensão Arterial Sistêmica é diagnosticada a partir da
morbidade e mortalidade decorrentes das DCNT, entre eles estão
hipertensão arterial (PA maior ou igual a 140/90 mmHg), podendo
a hipertensão arterial, diabetes mellitus, dislipidemia, sobrepeso,
gerar complicações como doença cerebrovascular, doença arterial
obesidade, sedentarismo e tabagismo (CASADO, 2009).
coronariana, insuficiência cardíaca, doença renal crônica e doença
Estima-se que, atualmente, existam 17 milhões (35% da arterial periférica, sendo que a importância na identificação e no
população com idade igual ou acima de 40 anos) de portadores de controle desta doença está em evitar estas complicações (BRASIL,
2006).
C3

hipertensão arterial e 5 milhões (11% da população com idade igual


ou acima de 40 anos) de portadores de diabetes mellitus no Brasil
Materiais e Métodos

C3
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A metodologia deste estudo faz parte de um estudo de base Coleta de Dados


populacional que foi realizado na zona norte da cidade de Porto O instrumento utilizado na coleta de dados foi um questionário
Alegre - Avaliação da Atenção à Saúde em Hipertensão e Diabetes,
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estruturado, composto por questões que objetivavam conhecer
em um serviço de Atenção Primária, a partir do Centro de Pesquisas a situação socioeconômica e de saúde dos sujeitos. Questões
Avaliação na Atenção Primária à Saúde do Grupo Hospitalar referentes à saúde bucal e percepção da mesma estavam incluídos
Conceição (CEPAPS-GHC submetido à apreciação no Comitê de no questionário. O número de dentes presentes em boca foi relatado
Ética em Pesquisa do Hospital Nossa Senhora Conceição (HNSC/GHC) pelos sujeitos ao responder uma das questões.
e aprovado em 28 de fevereiro de 2011 sob número 10-261. A coleta de dados foi realizada nos domicílios por examinadores
O delineamento do estudo é descritivo observacional, do tipo previamente calibrados, por intermédio de entrevista.
transversal. Processamento e análise de dados
Local do Estudo Os dados foram digitados e analisados no programa SPSS 16.0,
Realizado nas 12 Unidades de Saúde do Grupo Hospitalar Conceição através da descrição das frequências e da associação entre variáveis
na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Estas Unidades com o cálculo de Chi-quadrado de Pearson. O nível de significância
trabalham de forma interdisciplinar e contam com a presença de considerado foi de 0,05. Foi utilizada a Regressão de Poisson com ajuste
médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, dentistas, técnicos de para variâncias robustas simples e multivariada para a estimativa das
saúde bucal, assistentes sociais, psicólogos e auxiliares administrativos. razão de prevalências.
População Alvo Foram considerados como fatores de risco para perda dentária
A população deste estudo é formada pelos usuários adultos sexo, idade, escolaridade, classificação socioeconômica e presença
(18 anos ou mais) das 12 Unidades de Saúde do Serviço de Saúde de diabetes melittus. Para as outras variáveis, foi testada associação.
Comunitária, com diagnóstico de HAS e DM cadastrados na Ação
Programática ou que tenham consultado na US pelo menos uma vez Resultados
com o diagnóstico de HAS ou DM. O número total de entrevistados foi de 2482 usuários. Eram do
Plano Amostral sexo feminino 1694 (68,3%) e 788 (31,7%) do sexo masculino. As idades
O processo de seleção da pesquisa matriz foi por amostragem variaram entre 20 e 101 anos, sendo que 62,9 % tinham mais de 60
aleatória simples, selecionada a partir do número de identificação anos.
do usuário nos registros do Sistema de Informação do Setor de
Mais da metade dos indivíduos, 1272 (56%), tinham estudado
Monitoramento e Avaliação do SSC/GHC no qual as pessoas com
até a quarta série do ensino fundamental e apenas 42 indivíduos
diagnóstico de HAS ou DM2 estão cadastradas na ação programática
artigos

(1,7%) tinham ensino superior. Grande parte dos indivíduos, 1513 (61%),

artigos
“Hiperdia”. O critério de inclusão era ter pelo menos uma consulta
estavam classificados em relação à renda pela ABEP na classe C. Nas
médica com registro de diagnóstico do problema. Os critérios de
classes A e B estavam 580 (23,4%) e nas classes D e E estavam 261
exclusão foram os seguintes: participantes que negaram serem
(10,1%).
portadores das doenças ou quando não tinham autonomia cognitiva
para responder o questionário. A amostra foi calculada para se Em relação à saúde geral, 1638 (66%) indivíduos apresentavam
ter o número mínimo necessário para encontrar significância, com somente HAS, 160 (6,4%) tinham diabetes mellitus e 667 (26,9%)
poder de 80% e confiança de 95%. A esse número acrescentou-se 10% apresentavam as doenças de forma concomitante. Dois terços dos
para manutenção do número mínimo de sujeitos em caso de perdas indivíduos consultaram com o médico nos últimos seis meses antes da
C3

e recusas e 30% para maior estabilidade estatística. A amostragem entrevista e 23% são acompanhados por enfermeiro.
final após as perdas e recusas resultou em um total de 2482 sujeitos.

C3
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5. Presença de DM 0,001
Em relação ao uso dos serviços odontológicos, apenas 696 Sem DM 1637 (66,5) 629 1008
Com DM 826 (33,5) 261 565
indivíduos (28%) tiveram alguma consulta com dentista nos seis meses 6. Faixa etária p<0,001
20-40 89 (3,6) 82 7
anteriores à entrevista, sendo que 356 (14,3%) referiram consultar em 40-60 831 (33,5) 479 352
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60-75 1072 (43,2) 282 790
75-85 407 (16,4) 46 361
uma Unidade Básica de Saúde e 309 (12,4%) em consultório particular. 85-101 81 (3,3) 4 77
7. Sexo p<0,001
Feminino 1694 (68,3) 558 1136
Quando questionados se algum médico, enfermeiro ou outro Masculino 786 (31,7) 335 451
8. Escolaridade p<0,001
profissional da unidade de saúde de referência já havia orientado 4a.série do fundamental 433 (19,1) 93 340
incompleta
ou encaminhado a uma consulta com dentista, apenas 275 pessoas 4a.série do fundamental 838 (36,9) 232 606
completa
(11,1%) tiveram resposta afirmativa. Fundamental Completo 498 (21,9) 230 268
Médio Completo 459 (20,2) 270 189
Superior Completo 42 (1,9) 33 9
O número de dentes foi auto-relatado, sendo que dividimos o 9. C l a s s ific a ç ã o p<0,001
Abep
relato em dois grupos: 893 (36%) com 20 dentes ou mais e 1587 (63,9%) AeB 579 (24,6) 290 289
C 1512 (64,3) 518 994
menos de vinte. Indivíduos sem nenhum dente (edêntulos totais) DeE 261 (11,1) 63 198

somavam 563 (22,7%) indivíduos. A dificuldade de mastigação foi Fonte: Elaborado pelos autores, 2013

relatada por 565 (22,8%) dos indivíduos, sendo que 1917 (77,2%) não
Foram calculadas a razão de prevalência bruta e
referiram ter dificuldades de mastigar nenhum tipo de alimento.
ajustada em relação ao número de dentes com as variáveis
Considerando a avaliação da saúde bucal como positiva sexo, faixa etária, presença de DM, classificação da Abep e
(excelente, muito boa e boa) e negativa (regular e ruim), 1497 (60,3%) escolaridade (Tabela 2). Pode-se perceber que as variáveis
a consideravam positiva, e apenas 983 (39,6%) consideravam sua classificação da Abep e presença de DM perderam força.
saúde bucal com sendo negativa Tabela 2. Razão de prevalências bruta e ajustada em relação ao número de
dentes (0 a 19 dentes e 20 dentes ou mais).
O número de dentes foi relacionado às variáveis conforme a Razão de prevalência Razão de prevalência
bruta (IC 95%) ajustada (IC 95%)
tabela 1. Encontrou-se relação significativa entre número de dentes e 10. Sexo
Feminino 1,17 (1,09-1,25) 1,13 (1,05-1,21)
as variáveis dificuldade de mastigação, tabagismo, presença de DM, Masculino 1 1
11. Faixa etária
idade, sexo, escolaridade e renda (Abep). Não foi observada relação 20-40 1 1
40-60 5,39 (2,63-11,01) 5,68 (2,63-12,24)
estatisticamente significativa entre número de dentes e a avaliação 60-75 9,37(4,60-19,09) 9,36 (4,35-20,15)
75-85 11,28 (5,53-22,98) 10,60 (4,92-20,85)
85-101 12,09 (5,97-24,65) 11,22 (5,19-24,26)
de saúde bucal positiva ou negativa. 12. Presença de DM
Sem DM 1 1
Tabela 1. Número de dentes presentes (de 0 a 19 dentes e 20 dentes ou mais) Com DM 1,11 (1,05-1,18) 1,06 (1,00-1,12)
13. C l a s s ific a ç ã o
relacionado às variáveis do estudo. Abep
N (%) Total 20 dentes Menos de Valor de p AeB 1 1
artigos

artigos
ou mais N 20 dentes N C 1,32 (1,20-1,44) 1,09 (1,00-1,18)
D e E 1,52 (1,37-1,69) 1,11 (1,00-1,23)
(%) (%) 14. Escolaridade
1. Avaliação da 0,074 4 .série do fundamental 3,67 (2,05-6,55)
a
2,71 (1,57-4,70)
Saúde Bucal incompleta
Positiva 1497 (60,3) 560 936 4a.série do fundamental 3,37 (1,89-6,03) 2,74 (1,59-4,71)
Negativa 983 (39,6) 333 649 completa
2. Dificuldade de p<0,001
Fundamental Completo 2,51 (1,40-4,51) 2,27 (1,32-3,91)
mastigação Médio Completo 1,92 (1,07-3,46) 1,93 (1,12-3,33)
Sim 565 (22,8) 136 429 Superior Completo 1 1
Não 1917 (77,2) 757 1158
3. Tabagismo 0,007 Fonte: Elaborado pelos autores, 2013
Nunca fumou 1303 (52,5) 483 818
Já fumou, mas parou 803 (32,4) 257 546
Fumante 376 (15,1) 153 223
4. Presença de HAS e 0,001 Discussão
DM
C3

Só HAS 1638 (66) 629 1008 Diversos estudos têm demonstrado que existe relação entre a
Só DM 160 (6,4) 61 98
HAS e DM 667 (26,9) 200 467 perda de dentes e as características socioeconômicas de indivíduos

C3
286 287
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(JUNG, RYU, JUNG, 2011; HUNG, 2005; Al-SHAMMARI et al 2005). Além encontramos a relação entre saúde bucal e dieta. As pessoas com
de buscar esta associação, pesquisadores têm levantado dados menos dentes referem ter maior dificuldade de mastigação.
interessantes quando relacionam número de dentes e aspectos de
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Estudo que relacionou perda dentária por doença periodontal
saúde geral e alimentares. Existe um interesse em relacionar saúde
encontrou associação entre perda dentária e idade (mais de 35
bucal e doenças sistêmicas.
anos), fumantes ou ex-fumantes, presença de alguma condição de
Em relação ao uso dos serviços odontológicos, esta investigação saúde geral, entre elas hipertensão arterial e diabetes mellitus, e ser
avaliou a população estudada com uma pergunta relacionada a ter do sexo masculino. (Al-Shammari et al 2005). No presente estudo,
consultado com o dentista nos seis meses anteriores ao da entrevista. também foi constatada a relação entre perda dentária e essas
Observou-se que apenas 28% consultou com dentistas em serviços variáveis, separadamente. Porém, quando a razão de prevalências
diversos (urgências, consultas particulares, planos de saúde, nas é ajustada, a relação se mantém significativa apenas para idade,
Unidades Básicas de Saúde - UBS). Já a proporção da população que escolaridade, tabagismo. Além disso, a maior perda dentária esteve
consultou na UBS de referência do seu domicílio foi de apenas 14%. associada ao sexo feminino, ao contrário do constado no estudo
Estudos anteriores mostraram que o uso dos serviços odontológicos citado anteriormente. Uma possível explicação para estes achados de
varia com a idade, quando 40% dos adultos e 67% dos idosos não maior perda dentária no sexo feminino pode estar relacionada ao fato
realizavam consultas odontológicas há mais de três anos (BALDANI, que, culturalmente, as mulheres procuram mais os serviços de saúde
2010). No presente estudo, a maior parte dos entrevistados tinha mais e, consequentemente, acabam acessando mais consultas com o
de 60 anos, o que pode justificar a pequena utilização dos serviços. cirurgião dentista do que os homens (PINTO et al, 2012; CASADO, 2009;
PINHEIRO, 2006). Este acesso ampliado ao atendimento odontológico
Estudo que avaliou o edentulismo auto-relatado encontrou
para as mulheres pode estar relacionado com o acúmulo das
associação entre esta variável e fatores sóciocomportamentais
perdas dentárias, uma vez que este modelo de odontologia, onde
(escolaridade e tabagismo) condições psicológicas (percepção de
predominavam extrações, foi dominante por muitos anos.
saúde bucal) e condições de saúde geral (diabetes mellitus e índice
de massa corporal). (JUNG, RYU, JUNG, 2011). Assim como no presente Destacando a importância da relação observada no presente
estudo, a perda de dentes esteve relacionada à escolaridade e estudo entre número de dentes e dificuldade de alimentação, foi
ao tabagismo, mas não observou-se relação significativa com a encontrado um estudo que relacionou perda dentária com ingestão
percepção positiva ou negativa de saúde oral. O que poderia justificar de nutrientes em idosos. Neste estudo, Yoshihara et al (2005) dividiram
a falta de relação entre perda dentária e avaliação de saúde bucal indivíduos com 0 a 19 dentes e mais de 20 dentes. Perceberam que o
é que, por não conhecer os problemas bucais mais prevalentes, os número de dentes presentes teve relação significativa com a ingestão
indivíduos consideram que uma saúde bucal ruim é relacionada de vários nutrientes. Observaram também que a ingestão de vegetais
artigos

artigos
apenas a presença de dor. Problemas como doença periodontal foi significativamente menor entre os indivíduos com menos dentes.
ou ausência de dentes não causam dor, recebendo uma avaliação Concluíram que houve uma relação significativa entre a ingestão de
positiva por parte dos indivíduos. nutrientes, como minerais e vitaminas dos alimentos, e perda de dentes.
Este fato tem grande importância na população do presente estudo
Mulheres que têm poucos dentes possuem uma dieta não
que se mostra com grande perda dentária e presença de doenças
saudável quando comparadas a mulheres com 25 a 32 dentes, com
crônicas, como HAS e DM, que estão diretamente relacionadas a
diminuição na ingestão de frutas e vegetais, o que pode causar
alimentação.
um aumento no risco de doenças cardiovasculares. Sendo assim, a
C3

dieta pode explicar parcialmente a associação entre saúde bucal Segundo Hung (2003), existe uma relação temporal entre
e doenças cardiovasculares. (HUNG, 2005). Neste estudo, também perda dentária e alterações na dieta, o que aumenta o risco de

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288 289
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desenvolvimento de doenças crônicas. Sendo assim, o estudo concluiu saúde oral e problemas vasculares, concluiu-se que o dentista deve dar
que avaliações na dieta e recomendações podem ser incorporadas um aconselhamento nutricional ajudando os pacientes a manter uma
nas visitas ao dentista, o que traria benefício aos pacientes (HUNG et dieta saudável após as extrações, sendo que deve-se contraindicar
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al, 2003). extrações dentárias para prevenir doenças cardiovasculares
(JOSHIPURA, 2002).
Os estudos de Yoshihara et al (2005) e Hung (2003) reforçam
o fato de que a perda dentária influencia diretamente na dieta.
Especificamente nas doenças crônicas a dieta assume um papel de Considerações Finais
grande importância. Assim, uma saúde bucal adequada deveria ser Os resultados mostraram que as pessoas cadastradas no
foco da atenção destes pacientes. Este aspecto também reforça Programa Hiperdia das Unidades de Saúde são frequentadores
o fato de que os profissionais da saúde devem trabalhar de forma assíduos desses serviços no que se refere a tratamento médico, mas a
interdisciplinar, encaminhando os pacientes para consultas inclusive maioria não passa pela Equipe de Saúde Bucal.
com o dentista, o que foi pouco observado neste estudo, quando A partir destes resultados, recomenda-se buscar uma melhor
apenas 11% dos pacientes já haviam sido encaminhados ao integração entre a equipe de saúde bucal e os demais profissionais
dentista, sendo que dois terços do total dos pacientes estavam em da equipe de saúde, a fim de melhorar e qualificar o acesso ao
acompanhamento médico. Mesmo num serviço que conta com a tratamento odontológico às pessoas com condições crônicas, entre
presença de diversos profissionais de saúde não está ocorrendo um elas pessoas com hipertensão arterial e diabetes. O acesso à saúde
trabalho conjunto entre a equipe e a saúde bucal, o que demonstra bucal deve fazer parte de uma estratégia multiprofissional, visando
pouca articulação entre os profissionais, além de pouca participação ao controle clínico de HAS e DM e, consequentemente, diminuindo
da equipe de saúde bucal no cuidado destes pacientes. desfechos desfavoráveis nesta população, fazendo com que tanto
Após as análises multivariadas observou-se que a presença de trabalhadores quanto usuários dos serviços conheçam a importância
Diabetes Mellitus perdeu força como causa de perda dentária, talvez da saúde bucal para a saúde geral.
pelo fator de confusão idade, já que Diabetes é mais prevalente em Consideramos que novos estudos são necessários para avaliar
maior faixa etária, o que coincide com a perda de dentes. a compatibilidade da percepção que essas pessoas têm e sua real
Embora este estudo não tenha apresentado forte relação com condição de saúde bucal, já que a percepção negativa pode
número de dentes e Diabetes mellitus nem seja suficiente para avaliar estar relacionada apenas à presença de dor. Sabe-se que muitos
a relação entre saúde bucal e doenças cardiovasculares, podemos problemas podem não causar dor mas terem importância, como
destacar alguns resultados de estudos que reforçam a importância por exemplo a doença periodontal. Além disso, uma percepção
artigos

artigos
de se estudar a saúde bucal nesta população. Estudos mostram que positiva pode estar relacionada a não ter mais dentes em boca. Estas
a perda de dentes também foi relacionada à presença de placa na extrações mutiladoras, que, muitas vezes, são vistas como “resolução
artéria carótida, onde a prevalência da placa é de 46% em pacientes dos problemas bucais”, trazem problemas sérios relacionados à
com 0 a 9 dentes perdidos e de 60% em pacientes com mais de 10 alimentação e qualidade de vida.
dentes perdidos (Desvarieux, 2003). Estudo que acompanhou uma
população durante 12 anos, observou que pessoas com 24 dentes ou
menos tinham maior risco de acidente vascular cerebral que aquelas Referências Bibliográficas
com 25 dentes ou mais (Joshipura et al, 2002). ALVES, C. ET al. Atendimento odontológico do paciente com diabetes
C3

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290 291
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artigos

artigos
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Artigo 16
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PLANTAS MEDICINAIS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE:
UMA ALTERNATIVA NO CUIDADO EM SAÚDE

PLANTAS
Marcelo Melo Silva, Porto Alegre/RS 1
Dra. Luciane Kopittke, GHC, Porto Alegre/RS2

MEDICINAIS
RESUMO: O uso de plantas medicinais no cuidado em saúde é
uma prática milenar que vem sendo substituída por medicações
industrializadas. Este trabalho é uma revisão de literatura que investiga
o uso de plantas medicinais no cuidado em saúde dos usuários por
profissionais da Atenção Primária em Saúde (APS). Foi realizada busca

NA ATENÇÃO
nas bases de dados BVS, PubMed e SciELO utilizando os descritores:
medicinal plants, primary health care, family health strategy e health
services. Médicos e enfermeiros foram os profissionais mais estudados. A
maioria deles desconhece políticas sobre o uso de plantas medicinais.

PRIMÁRIA À
As plantas são pouco usadas na APS como uma forma de cuidado. A
falta de abordagem do tema Práticas Integrativas e Complementares
(PICs) na graduação e ausência de capacitações foram apontadas
como a principal causa da não utilização dessa prática.
Palavras Chave: Plantas Medicinais. Atenção Primária a Saúde.

SAÚDE: UMA
Estratégia Saúde da Família.

MEDICINAL PLANTS IN PRIMARY HEALTH CARE: AN

ALTERNATIVA NO
ALTERNATIVE IN HEALTH CARE
ABSTRACT: The use of medicinal plants in health care is a ancient
practice that has been replaced by industrialized medications. This

CUIDADO EM
paper is a literature review and aims to investigate the use of medicinal
plants in health care to users indicated by Primary Health Care (PHC)
professionals. A search was performed in BVS, PubMed and SciELO
databases, using the descriptors: medicinal plants, primary health
artigos

care, family health strategy and health services. Physicians and nurses

artigos
SAÚDE
were the most studied professionals. Most of them unknow the policies
of the use of medicinal plants. Medicinal plants are underused by
health professionals in PHC as care form. The lack of Integrative and
Complementary Practices (ICP) approach in undergraduate and the
absence of training were cited as the main cause to the non-use of this

1 Marcelo Melo Silva: Enfermeiro pela Universidade Federal de Pelotas. Especialista em


Saúde da Família e Comunidade pelo Grupo Hospitalar Conceição. E-mail: marcello_melo@
yahoo.com.br.

2 Luciane Kopittke. Graduação em Farmácia pela Universidade Federal do Rio Grande


C3

do Sul (1998), Mestrado em Ciências Médicas pela Fundação Universidade Federal de Ciências da
Saúde de Porto Alegre (2004) e Doutorado em Ciências da Saúde, Atualmente é farmacêutica do
Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição, docente na Escola GHC, membro do
Centro de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde (CEPAPS/GHC) e do NATS/GHC.

C3
296 297
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practices. Medicinais e Fitoterápicos4 (PNPMF) e a Política Nacional de Práticas


Key words: Medicinal Plants. Primary Health Car. Family Health Integrativas e Complementares (PNPIC) no âmbito do SUS (BRASIL,
Strategy.
2006b).
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Após a PNPMF e a PNPIC, foram lançadas ainda pelo Ministério
Introdução
da Saúde: a Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao
O uso de plantas medicinais3 no cuidado em saúde é uma
SUS (RENISUS), uma lista com 71 plantas medicinais, constituída de
prática milenar, um ato de senso comum que vem sendo passado de
espécies vegetais com potencial de avançar nas etapas da cadeia
geração em geração até os dias atuais (ALVIM et al. 2006).
Segundo Gaia (2005), as plantas adquiriram importância na produtiva e de gerar produtos de interesse ao SUS (BRASIL, 2009).
medicina popular devido a suas propriedades terapêuticas No ano de 2010 foi instituída a Farmácia Viva, pela portaria MS nº
ou tóxicas. Na China, há 3000 a.C. já existia o cultivo de
plantas medicinais e os egípcios há 2300 a.C cultivavam 886, de 20 de abril de 2010. Esta, no contexto da Política Nacional de
diversas ervas para formulação de purgantes, vermífugos, Assistência Farmacêutica, tem a finalidade de realizar todas as etapas
cosméticos e diuréticos.
da manipulação de produtos vegetais, desde o cultivo, secagem,
No entanto, com a crescente criação dos medicamentos coleta, processamento, armazenamento, manipulação e distribuição
alopáticos, a utilização de plantas medicinais na forma de das preparações a base de ervas (BRASIL, 2010).
chás, emplastros, gargarejos, dentre outras, foi sendo substituída Ainda em 2010, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
rapidamente. (ANVISA) publicou a Resolução Diretoria e Colegiada nº 10, que
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), devido contém uma lista de 66 drogas vegetais com informações como
a pobreza e falta de acesso a serviços de saúde, cerca de 80% da nome científico, forma de preparo, dosagem, indicação de uso,
população mundial dependem da terapia com plantas medicinais contraindicações, reações adversas, dentre outras (BRASIL, 2010).
no que se refere à Atenção Primária a Saúde (APS). A partir da Em 2012, o Ministério da Saúde lança o caderno de atenção
Declaração de Alma-Ata, no ano de 1978, a OMS tem expressado básica nº 31, com o título de Práticas Integrativas e Complementares:
seu interesse sobre a necessidade de valorizar a utilização de plantas Plantas Medicinais e Fitoterapia na Atenção Básica. Esse caderno
medicinais no âmbito sanitário (BRASIL, 2005). reforça a importância da utilização das plantas medicinais no cuidado
O Brasil é o país de maior biodiversidade do planeta e possui uma em saúde na atenção primária e serve de incentivo a gestores e
ampla diversidade étnica e cultural que tem um rico conhecimento profissionais para a implementação das diretrizes de plantas medicinais
tradicional do uso de plantas medicinais, tendo um potencial para e fitoterapia no SUS (BRASIL, 2012a).
desenvolvimento de pesquisas com resultados em tecnologias e Nota-se que, ao longo dos últimos anos, houve uma
terapêuticas apropriadas (BRASIL, 2006a). intensificação na criação de políticas incentivadoras ao uso de
Em 1996, no relatório da 10ª Conferência Nacional de Saúde plantas medicinais no cuidado em saúde, servindo como base para
artigos

artigos
recomendou-se a incorporação, no Sistema Único de Saúde (SUS), gestores na sua implementação, bem como guia de orientações aos
das práticas de saúde como fitoterapia, acupuntura e homeopatia, profissionais na assistência.
contemplando as terapias alternativas e práticas populares. A Unidade Básica de Saúde (UBS) é o local em que profissionais
Recomendou-se, ainda, o incentivo a fitoterapia na assistência de saúde acolhem os usuários por meio da escuta ativa e presenciam
farmacêutica com participação da população na elaboração e relatos de experiências com a prática do saber popular, entretanto
normas para utilização (BRASIL, 2006a). deve-se realizar uma escuta sem impor o conhecimento científico
No ano de 2006 foram criadas a Política Nacional de Plantas
C3

4 Medicamento obtido empregando-se exclusivamente matérias primas ativas


3 Todo e qualquer vegetal que possui, em um ou mais órgãos, substâncias que podem vegetais. Não se considera medicamento fitoterápico aquele que, na sua composição, inclua
ser utilizadas com fins terapêuticos ou que sejam precursores de fármacos semi-sintéticos” substâncias ativas isoladas, de qualquer origem, nem as associações destas com extratos
(WHO, 1998). vegetais (BRASIL, 2004).

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(BRASIL, 2012b). de plantas medicinais e o usuário tem mais autonomia na escolha do


Apesar disso, um estudo realizado em uma comunidade seu tratamento.
quilombola, no município de Mostardas, RS, apontou que os sujeitos da O objetivo desse estudo foi realizar uma revisão bibliográfica
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pesquisa desejam uma aproximação dos profissionais do sistema de em bases de dados científicos acerca de publicações em que os
saúde com o uso das plantas medicinais no cuidado em saúde (VANINI, profissionais de saúde utilizam plantas medicinais no cuidado em
2010). Diversos estudos em diferentes regiões do país (DUTRA, 2009; saúde na APS.
BADKE et al., 2011; THIAGO; TESSER, 2011) apontam que a população
faz uso de plantas medicinais no cuidado à saúde, demonstrando a Metodologia
necessidade dos profissionais agregarem o conhecimento de uso de Esse estudo é uma revisão bibliográfica. Segundo GIL (2010)
plantas em seu ambiente laboral. a pesquisa bibliográfica é elaborada com base em material já
Segundo Ceccim e Feuerwerker (2004), as universidades devem publicado com o objetivo de analisar posições diversas em relação a
formar os profissionais conforme as necessidades sociais da população determinado assunto.
brasileira. Sendo assim, torna-se importante que os profissionais de Foi realizada uma busca (conforme a Figura 1) nas seguintes
saúde busquem aprender sobre a PNPMF para estarem aptos ao bases de dados científicos: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS); Scientific
atender os usuários. Eletronic Library Online (SciELO) e PubMed, com a finalidade de obter
O que se observa é que, com o êxodo rural acarretando publicações de utilização de plantas medicinais no cuidado em saúde
uma crescente urbanização e a inserção da mulher no mercado dos usuários do SUS por profissionais de saúde na APS.
de trabalho, a prática de cultivar plantas medicinais para utilização
Figura 1 - Etapas empregadas na metodologia
diante de enfermidades foi se perdendo com o passar dos anos.
Com isso, a UBS pode servir como um meio de conhecimento
das plantas medicinais para a recuperação e promoção da saúde
dos usuários. Mas para isso, é importante que os profissionais de saúde
detenham esse conhecimento.
Espera-se que os profissionais de saúde sejam o suporte para a
população quando essa necessitar de orientação sobre cuidados em
saúde. Entretanto, o que se observa é uma resistência dos profissionais
em obter maiores informações acerca das plantas medicinais. Isso
pode ser explicado pela falta de conhecimento dos mesmos para
realizarem adequada orientação e, com isso, acabam por desestimular
artigos

artigos
o uso (ALVIM et al., 2006).
Sendo assim, é imprescindível que os profissionais de saúde
tomem conhecimento desse tema, afim de se prepararem para
abordar os usuários sobre a utilização das plantas medicinais no
cuidado em saúde.
Visto que o uso das plantas medicinais é uma prática milenar
utilizada pela civilização e o uso indiscriminado de medicação
alopática tem se tornado um problema de saúde pública, essa
C3

prática surge como uma opção no cuidado em saúde na atenção Fonte: Elaboração própria.
primária, onde os problemas tratados são mais sensíveis à utilização

C3
300 301
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A busca pelo material foi realizada em janeiro de 2016, buscando A4 Transversal


Farmacêutico
UBS com ESF Recife – PE
(Residente)
publicações com acesso disponível no espaço de tempo entre 2010 Mulheres Interior do
A5
Qualitativo Camponesas, sendo UBS com ESF estado –
e 2015, englobando os idiomas espanhol, inglês e português. Foram
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50% ACS SP
utilizados os seguintes descritores: Medicinal Plants; Primary Health Rio
A6 Qualitativo Médicos e Enfermeiros UBS com ESF Grande do
Care; Family Health Strategy and Health Services. Para a seleção Norte – RN
A7 Qualitativo Médicos e Enfermeiros UBS com ESF Recife – PE
do material obtido foi utilizada a metodologia de leitura do material
Fonte: Elaboração própria.
proposta por Gil (2010).
Foram incluídos apenas artigos que abordassem o tema proposto
As pesquisas foram realizadas em quatro regiões do país (Norte,
e descartados os que não abordaram a temática ou outra fonte de
Nordeste, Sudeste e Sul).
material como revisões, livros, cadernos e manuais. Ao fim das leituras
Em relação aos profissionais de saúde que surgiram nessa
e análises 7 artigos foram selecionados para esse estudo.
revisão, foram apontados médicos, enfermeiros, cirurgiões dentista,
farmacêutico, agentes comunitários de saúde (ACS), auxiliar e técnico
Resultados e discussões
de enfermagem, nutricionista e área de graduação não especificada.
Foram selecionados 7 artigos, destes, 5 são estudos qualitativos,
Médicos e Enfermeiros foram os profissionais que mais surgiram
1 é estudo transversal e 1 é estudo etnobotânico.
nessa revisão (5 artigos) como enfoque dos estudos, isso pode estar
Os artigos selecionados nesta pesquisa, bem como as principais
relacionado ao fato de que esses profissionais são em maior número,
informações encontram-se nos Quadros 1 e 2.
pois, de acordo com a PNAB, estes profissionais são considerados
Quadro 1 - Identificação dos artigos obrigatórios na composição de uma equipe mínima de ESF (BRASIL,
.ID Título do artigo Ano 2012b).
A utilização da fitoterapia e de plantas medicinais em unidades
A1 básicas de saúde nos municípios de Cascavel e Foz do Iguaçu – 2012 Mesmo com alguns anos da implantação da Política de
Paraná: a visão dos profissionais de saúde.
Percepções de coordenadores de unidades de saúde sobre a PNPMF, em todos os estudos analisados, a maioria dos trabalhadores
A2 2012
fitoterapia e outras práticas integrativas e complementares. desconheciam as políticas voltadas para a utilização de plantas
Fitoterápicos na odontologia: estudo etnobotânico na cidade
A3 2013
de Manaus. medicinais na Atenção Básica. Quando se desconhece essas políticas,
Avaliação do papel do farmacêutico nas ações de promoção
A4 2014
da saúde e prevenção de agravos na atenção primária. dificulta o uso das mesmas. O artigo A6, cujo o enfoque foi avaliar a
A5 Práticas de cuidado à saúde de mulheres camponesas. 2014
A6
Difficulties of health prefessionals facing the use of medical plants
2013 dificuldades de 10 enfermeiros e 9 médicos da ESF do município de
and fitotherapy.
Modelos explicativos do setor profissional em relação às plantas Caicó/RN, apontou que as principais dificuldades eram: o déficit de
A7 2013
medicinais.
conhecimento sobre PICs; a ausência de insumos nos serviços de
Fonte: Elaboração própria.
saúde e a fragilidade do saber popular e a resistência cultural da
artigos

artigos
Quadro 2 - Informações dos artigos população.
Categoria Profissional Modalidade Local do Um estudo realizado com 21 enfermeiros coordenadores da
ID Tipo de Estudo
dos estudados do Serviço Estudo
Médicos,
UBS com Cascavel Atenção Básica ou enfermeiros indicados por estes, em 21 cidades
Enfermeiros, Auxiliar
A1 Qualitativo de Enfermagem
programa de e Foz do do RS, corrobora com esse levantamento, onde 17 enfermeiros
fitoterapia e Iguaçu -
e Técnica de
sem PR desconheciam a PNPMF (SOUZA, 2013).
Enfermagem
Coordenadores de US, Diferente do artigo A6, onde foi citada a resistência cultural
Enfermeiros, Médicos,
UBS com e sem Porto dos usuários como um dos impedimentos, o artigo A5 que abordou
A2 Qualitativo Nutricionista e área
ESF Alegre - RS
de graduação não práticas de cuidado à saúde de 12 camponesas (sendo 6 Agentes
especificada
C3

Cirurgiões dentistas, Serviços de Manaus - Comunitárias de Saúde) no interior do estado de SP, demonstrou que
A3 Etnobotânico
usuários e Raizeiros Saúde Pública AM essas práticas são valorizadas por essas usuárias e trabalhadoras.

C3
302 303
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O uso de plantas medicinais foi apontado como uma prática de A4, que analisou as ações de promoção à saúde e prevenção de
cuidado à saúde e as participantes ensinam e aprendem sobre o agravos realizadas pelo profissional farmacêutico, desenvolvidas em
cuidado nas relações entre elas. Também relataram com admiração grupos de usuários de uma Unidade de Saúde da Família da cidade
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e valorização a postura de um médico da ESF que recomenda uso de de Recife. Foram desenvolvidas atividades educativas em dois Grupos
chás no cuidado em saúde. Uma das ACS dizia não acreditar nessas (Gestantes e Idosos), sendo que no de gestantes foi realizado uma
práticas, mas após ser recomendado pelo médico na unidade, ela roda de conversa sobre plantas medicinais e chás na gravidez e uso
aderiu ao tratamento com chás e passou a valorizá-las. Percebe- racional de medicamentos, sendo esse último abordado também no
se que a adesão do profissional médico a esta prática foi capaz de grupo de idosos.
desmistificar os conceitos de uma trabalhadora da ESF. Uma pesquisa realizada por Fontoura (2009) com gestantes
Nota-se que há uma grande influência dos profissionais apontou que 60% que utilizam medicações e plantas medicinais não
de saúde, principalmente o profissional médico, que pode levar recebem informações sobre riscos a sua saúde e do feto. Sendo assim,
a população a adotar essa prática terapêutica. Em um estudo observa-se a importância dos profissionais de saúde discutirem com
realizado no interior do estado de Minas Gerais, o qual entrevistou 293 os usuários sobre benefícios e riscos do uso de plantas medicinais e
usuários de um território de abrangência de ESF, 48,7% abandonaram também sobre o uso indiscriminado de medicação alopática. Este
o uso de chás após ter uma medicação alopática prescrita (PIRES, artigo também evidenciou a importância do profissional farmacêutico
2014). Esse fato pode estar relacionado a falta de comunicação ou desenvolvendo atividades de promoção e prevenção de doenças.
descrença desses profissionais nessa prática, pois percebe-se que esse Orientações sobre o uso racional de medicamentos vêm ao
desconhecimento acaba levando os profissionais a não aderirem a encontro da temática de plantas medicinais, pois são temas que
uma ação conjunta, mas sim, ao abandono das plantas. poderiam ser abordados de maneira conjunta aos usuários, sendo
Já o artigo A2, que estudou a percepção de 15 coordenadores que o uso indiscriminado de medicamentos se tornou um problema
de UBS sobre fitoterapia e outras PICs em Porto Alegre, demonstrou de saúde pública trazendo riscos a toda a população, como o caso
que 14 deles possuem interesse na incorporação dessas práticas no da resistência a antibióticos (WANNMACHER, 2004). A realização de
município. No entanto, apenas 1 declarou ter um conhecimento grupos educativos com a comunidade é uma prática comum nas
avançado em relação as PICs. Em contrapartida, 13 entrevistados equipes de ESF e incentivado pela PNAB (2012b). É uma metodologia
relataram fazerem uso de plantas medicinais e fitoterápicos em de trabalho de baixo custo, consegue alcançar um número maior de
cuidado pessoal e apenas 7 coordenadores relataram que os usuários, no entanto, surgiu apenas em um artigo.
profissionais prescritores nas unidades recomendam o uso de plantas. A falta de abordagem do tema PIC na graduação aliada a
Esse baixo índice de prescritores dessa prática também falta de capacitações realizadas nos serviços de saúde foi apontada
foi observado no estudo de Veiga Junior (2008), que entrevistou como a principal causa da não utilização dessa prática no cuidado
artigos

artigos
profissionais de saúde em cinco cidades do interior do estado do Rio pelos profissionais. No artigo A3, que teve como amostra 150 cirurgiões
de Janeiro. Este estudo apontou que 27% dos entrevistados julgam dentistas do sistema público de Manaus, mostrou que 90% deles não
que as terapias complementares não são seguras por provocarem se sentiram capacitados para aplicar essa terapia, pois diferente de
efeitos colaterais, sendo a razão de 41% dos profissionais entrevistados alguns estudos realizados com usuários, onde a maioria acredita que
não as indicarem. o uso de chás não traz malefícios a saúde (LOPES, 2015), os profissionais
Um método simples e de baixo custo que pode ser usado na de saúde reconhecem que essa prática necessita de estudo pois
APS para abordagem de um determinado tema com um número pode haver riscos à saúde quando não empregada corretamente.
maior de usuários, são os grupos de educação em saúde, prática que Em relação aos profissionais que prescrevem e indicam plantas,
C3

é incentivada pela PNAB. Esse método foi o tema abordado no artigo o artigo A1 investigou 10 profissionais de UBS no Paraná em relação

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a indicação de plantas medicinais e fitoterapia em seu trabalho. de maneira informal, onde muitas vezes os usuários recorrerem a
Apenas (2) dois profissionais tinham capacitação e prescreviam o benzedeiras, raizeiros, curandeiros, dentre outros.
uso de plantas para os pacientes, apontando ainda que a maioria Percebe-se que as plantas medicinais são utilizadas em alguns
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CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


(6) obteve o conhecimento pelo saber popular. Esse dado surgiu nos serviços de APS como forma de cuidado, mas, ainda há barreiras como
demais artigos analisados, tendo a família como o principal meio descrença pelos profissionais de saúde e/ou usuários; ausência de
de aprendizagem desse processo, tanto para profissionais de saúde capacitações para difundir e implementar as políticas que incentivam
quanto para usuários. o uso de plantas medicinais no SUS e a não abordagem das PICs na
A pesquisa realizada por Ceolin et al. (2011), que investigou graduação.
o processo de transmissão do conhecimento a respeito de plantas
medicinais entre agricultores de base ecológica do Sul do Rio Grande Considerações Finais
do Sul, com 19 pessoas, concluiu que a família é a principal fonte Este artigo buscou avaliar o uso de plantas medicinais como
de informação e transmissão do conhecimento, sendo que este é uma alternativa no cuidado em saúde dos usuários recomendados
repassado de forma oral através do convívio diário e compartilhado pelos profissionais da APS. Constatou-se que este tema não foi muito
com os demais membros da comunidade. explorado no meio acadêmico até o momento, dado o baixo número
Assim como em outros artigos e estudos, muitos profissionais de publicações, bem como a constatação do baixo número de
que não recomendam plantas medicinais a seus pacientes, fazem profissionais que fazem uso desta prática no estudo realizado.
uso destas em seu cuidado próprio, o que ficou evidenciado no artigo Os fatores limitantes neste estudo foram: a não disponibilidade
A7, o qual pesquisou os modelos explicativos do setor profissional de acesso a publicações não gratuitas; os descritores não terem
em relação às plantas medicinais, realizada com 9 profissionais de encontrado algum trabalho ou algum trabalho não estar redigido em
uma UBS no interior do RS. De acordo com o estudo, os profissionais um dos idiomas definidos na metodologia.
de saúde utilizam plantas medicinais no cuidado da própria saúde e Sugere-se que um estudo quantitativo envolvendo todos os
mencionam haver possibilidade para a utilização de recursos vegetais estados brasileiros seja realizado, a fim de levantar a proporção de
no âmbito da atenção básica em momentos de autocuidado e conhecimento da PNPMF e das PICs por profissionais da saúde e, a
cuidados paliativos, nas demais situações, incentivam o uso exclusivo partir disso, desenvolver cursos e capacitações para esses profissionais.
de recursos alopáticos. A resistência do setor profissional com relação Acredita-se, portanto, que, mesmo com políticas públicas
às plantas medicinais pode ser um reflexo da formação profissional implementadas para o uso seguro das plantas medicinais, estas são
biomédica, consistindo em um nó crítico das redes semânticas. pouco utilizadas como forma de cuidado pelos profissionais na APS,
Num estudo realizado por Lima et al. (2014) em duas UBS num devido a poucas publicações encontradas e estas apontarem que
município do interior do Mato Grosso, entrevistou 302 usuários e apenas muitos não se sentem seguro em prescrever ou indicar o seu uso.
artigos

artigos
0,9% citaram ter adquirido esse conhecimento com profissionais de Recomenda-se que haja uma reformulação nos currículos de
saúde. Percebe-se que nos estudos que abordam usuários sobre o graduação na área da saúde e que seja enfocado o uso de plantas
conhecimento das plantas, também revelam ser uma prática pouco medicinais, bem como outras PICs, visto que a ausência na graduação
difundida por profissionais de saúde. seguido da falta de capacitações dos serviços foi a maior dificuldade
Esse dado vai ao encontro dos artigos analisados, onde os apontada pelos profissionais.
profissionais de saúde por vezes utilizam chás em seu cuidado em
saúde, mas não as indicam aos usuários. Com a falta de suporte em Referências Bibliográficas
relação às plantas medicinais que os usuários encontram ao recorrer
C3

ao sistema oficial de saúde, esse cuidado é realizado, em sua maioria, ALVIM, N. A. T. et al. O uso de plantas medicinais como recurso
terapêutico: das influências da formação profissional às implicações

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em um acampamento do MST e o desenvolvimento de estratégias


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artigos

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Artigo 17
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QUAL A PREVALÊNCIA DE ANEMIA EM GESTANTES?

Mírian Benites Machado, Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre/RS1


Dr. Betina Soldateli, UFRGS/Faculdade de Medicina. Dep. de
Nutrição. Porto Alegre/ RS2
Me. Sandra Maria Pazzini Muttoni, ICD/GHC, Porto Alegre/ RS3

QUAL A RESUMO: A anemia ferropriva é uma condição que atinge


frequentemente as gestantes, sendo necessária uma investigação
precoce para realizar condutas mais adequadas. Outros tipos de
anemias são possíveis nessa população, necessitando a diferenciação

PREVALÊNCIA
do diagnóstico e rastreio, que atualmente não são padronizados,
dificultando o manejo clínico. O objetivo deste estudo foi medir
a prevalência e a severidade da anemia e anemia ferropriva em
gestantes. Estudo transversal retrospectivo, com avaliação de exames

DE ANEMIA EM
laboratoriais, em gestantes que foram internadas na unidade de alto
risco de um hospital público no período de seis meses. Foram incluídas
322 gestantes no estudo, a maioria adultas e brancas. A população
apresentou mais anemia (47,8%) do que anemia ferropriva (6,5%). O

GESTANTES?
número de mulheres anêmicas aumentou com o avanço da gestação.
A diferenciação da anemia é fundamental para um tratamento
precoce adequado.
Palavras-chave: Anemia. Anemia ferropriva. Gestação.

WHAT IS THE PREVALENCE OF ANEMIA IN PREGNANT


WOMEN?
ABSTRACT: The anemia caused by iron deficiency often affects
pregnant women, and an early investigation is necessary to perform
the most appropriate clinical treatment. Several types of anemia
artigos

artigos
affect this population, therefore is necessary a differentiation between
anemia types through screening, which are not currently standardized,
hindering clinical management. This study aimed to measure the
prevalence and severity of anemia and iron deficiency in a sample
of pregnant women. A cross-sectional retrospective study evaluated

1 Nutricionista, Especialização em Materno-infantil e Obstetrícia pelo Grupo Hospitalar


Conceição. E-mail: mirianbmachado@gmail.com. Atenção Materno-infantil e Obstetrícia -
Turma de 2015.

2 Doutora em Epidemiologia pela UFRGS. Atualmente é professora adjunta do


Departamento de Nutrição da Faculdade de Medicina da UFRGS.
C3

3 Mestre em Ciências Pneumológicas pela UFRGS, Especialista por meritocracia em


Terapia Nutricional Enteral e Parenteral (SBNPE). Nutricionista clínica no Instituto da Ciência
com Diabetes (GHC)

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laboratorial exams of pregnant women admitted in a public hospital alteração da hemoglobina devido a depleção das reservas de ferro
in a six-month period.322 pregnant women were enrolled in the study,
predominantly white adults. The population developed more anemia (ÖZDEMIR, 2015).
(47.8%) thaniron deficiency (6.5%). It was observed that the number of A suplementação de ferro na gestação é indicada como medida
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anemic women increases with the advancement of gestation. Finally,
the differentiation of anemia is important to offering an adequate profilática para prevenção da anemia gestacional. Sendo utilizada
treatment to pregnant women. de forma indiscriminada (MODOTTI, 2015). Segundo a revisão The U.S.
Keywork: Anemia. Iron deficiency anemia. Pregnancy. Preventive Services Task Force (USPSTF) os achados sobre os efeitos
deletérios do ferro sobre a saúde, são inconsistentes ou com resultados
Introdução não-significativos, sugerindo necessidade de maior investigação (SIU,
A anemia, principalmente por deficiência de ferro, tem sido 2015). Contudo, confirmou a importância do resultado da ferritina
protagonista de diversos estudos devido ao seu impacto na saúde e para compor o diagnóstico das reservas de ferro corporal.
no desenvolvimento em diferentes fases da vida humana (ZIBENI et Avaliar quais as medidas de rastreabilidade estão sendo
al., 2017). É uma condição caracterizada, segundo a Organização realizadas para detectar a AF é importante para decidir a melhor
Mundial da Saúde, por resultados de hemoglobina (Hb) em amostra conduta no contexto da gestação. Considerando que a hemoglobina,
sanguínea abaixo de <11g/dL (OMS, 2013). Já a anemia ferropriva (AF), quando avaliada de forma isolada, não possui boa sensibilidade e
que representa mais de 50% dos casos, é uma carência nutricional especificidade, o Ministério da Saúde (MS) preconiza a avaliação
de ferro somada a redução da hemoglobina (SHORT, DOMAGALSKY, conjunta da hemoglobina e do hematrócrito concomitantemente a
2013). Assim, seu diagnóstico não possui um padrão a ser seguido, outro parâmetro hematimétrico, como o Volume Corpuscular Médio
o que dificulta a interpretação dos estudos de prevalência, pois (VCM) <80fl/dL, pois este, mesmo com a hemodiluição da gestação,
apresentam heterogeinidade nas metodologias. não sofre alteração (BRASIL, 2012; GROTTO, 2011; ELLERT, MACHADO,
As gestantes estão incluídas no grupo populacional mais PASTORE, 2013). Para a avaliação de uma deficiência de ferro precoce
atingido por essa deficiência nutricional (ARAÚJO et al., 2013). Durante pode-se avaliar a ferritina (<12g/dL), que demonstra a deficiência de
a gestação ocorrem intensas alterações fisiológicas e anatômicas ferro em seu estado inicial (FEBRASGO, 2011). Outro parâmetro que
em um curto período, como a dilatação e hipertrofia do útero, que pode esclarecer a anemia é o Red cell Distribution Width (RDW) que
necessita de maior vascularização. Nesse período o volume sanguíneo está elevado nos casos de AF (GROTTO, 2011).
aumenta em 50% e o plasma em 25%, ocasionando uma hemodiluição O manejo clínico inadequado da AF pode causar baixos níveis
necessária para a perfusão placentária e transporte de oxigênio de ferro materno e com isso ocasionar falhas no desenvolvimento do
e nutrientes para o feto (BRASIL, 2012). Essa alteração caracteriza feto, devido a sua influência na neurogênese e mielinazação. Estudos
a anemia fisiológica da gestação, que gera, muitas vezes, o atraso experimentais sugerem que o ferro está envolvido na diferenciação
da estrutura cerebral e que crianças anêmicas possuem maior
artigos

artigos
no diagnóstico e diferenciação da anemia, e pode estar instalada
mesmo antes da alteração da hemoglobina detectada por exame dificuldade no aprendizado, necessitando de maior período para seu
em amostra sanguínea (DARNTON-HILL, MKPARU, 2015). desenvolvimento intelectual (DARNTON-HILL, MKPARU, 2015; SAMIMI
Muitos pesquisadores avaliaram a prevalência da AF em et al., 2014). Ainda, a deficiência pode causar prematuridade, baixo
gestantes brasileiras levando em conta apenas o resultado da peso ao nascer, abortos e mortalidade materna (SAMIMI et al., 2014). O
hemoglobina (CORTÊS, LIRA, COITINHO, 2009). Nesses estudos custo médio, em estimativa de 10 países em desenvolvimento, gerado
detectou-se um aumento progressivo da anemia de acordo com o pela anemia por deficiência de ferro chega a 4,05% do Produto
período gestacional, sendo o último trimestre o período com maior Interno Bruto (PIB) desses países. Dessa forma, subestimar o impacto
número de gestantes anêmicas, com taxas de até 52,3%. Existem três desse déficit nutricional é um erro, pois segundo o Relatório do Banco
C3

estágios na deficiência de ferro, e apenas no último estágio ocorre a Mundial, em um ano, um milhão de pessoas vão a óbito devido à AF,

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que está entre os 10 fatores de risco para doenças no mundo (THE Resultados
WORD BANK, 2004). Preencheram os critérios de inclusão no estudo 324 gestantes.
A severidade da anemia em uma população é classificada Dentre estas, houve duas perdas por exames incompletos, totalizando
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da seguinte forma, em todos os grupos populacionais: severa ≥40%, 322 participantes. A maioria das gestantes era residente de Porto
moderada 20 – 39%, leve 5-19% e normal 0 – 4,9% (THE WORD BANK, Alegre e região metropolitana (54,3% e 34,5%, respectivamente).
2004). Assim, torna-se necessário saber a prevalência da anemia Prevaleceram mulheres de cor branca (72,2%), com idade entre 18 e 39
por deficiência de ferro em gestantes, considerando a importância anos (26±6,5). O nível escolar mais frequente foi o ensino fundamental.
do diagnóstico baseado nos parâmetros atualmente preconizados. Observou-se que mais da metade (52,2%) das gestantes estavam em
O presente estudo foi iniciado durante o período de residência em atividade profissional ativa e a maioria (98,4%) dessas mulheres não
saúde, com objetivo de diferenciar as anemias, através de exames possuíam vínculo com as unidades de saúde de abrangência do
laboratoriais de gestantes de alto risco que internaram em um hospital grupo hospitalar em estudo. A tabela 1 apresenta as características
público de Porto Alegre para medir a prevalência de AF nesta sóciodemográficas da amostra.
população. Foram avaliadas as características da gestação atual e histórico
de gestações anteriores. Observou-se maior número de mulheres no
Metodologia terceiro trimestre de gestação (58,7%), e a maioria era multípara, com
Trata-se de um estudo transversal retrospectivo, realizado no três ou mais gestações. No histórico gestacional das participantes o
período da residência no Hospital Nossa Senhora da Conceição parto normal foi mais elevado e a prevalência de aborto foi observada
(HNSC), em Porto Alegre/RS, na unidade de Alto Risco (AR). O cálculo em mais de 20% da amostra. Neste estudo, 10,5% das mulheres
amostral baseou-se na prevalência encontrada em estudos nacionais estavam com pré-eclâmpsia, 27,3% tinham diabetes mellitus e 17,7%
com a população de interesse (CAMARGO et al, 2013). O estudo foi apresentavam hipertensão arterial sistêmica.
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob parecer Os dados da Tabela 2 descrevem a prevalência de anemia,
de nº 1.361.881. A coleta de dados foi realizada através da análise classificada em severa, e da AF na população estudada. Quanto à
de prontuários no período de janeiro a junho de 2015. Foram incluídas gravidade da anemia observa-se que mais de 68,2% foram classificados
mulheres grávidas com exames laboratoriais realizados na instituição. como leve (Tabela 3). Encontramos associação entre anemia e o
Os critérios de exclusão foram: gestações: múltiplas (anteriores ou estágio gestacional (Tabela 4). O grau de anemia se agravou com o
atual), com anemia hereditária ou com doenças que resultam em decorrer da gestação.
alterações hematológicas e em uso de medicamentos que podem
causar anemia. A prevalência da anemia e da AF foi medida segundo Discussão
os parâmetros descritos no Quadro 1(ELERT, MACHADO, PASTORE, Estudos apontam que para uma avaliação mais acurada no
artigos

artigos
2013; ABIOYE, 2016; WHO/UNICEF/UNU, 2001; BAIN, BATES, 2001, 19p). diagnóstico de anemia ferropriva e deficiência de ferro é recomendado
O período gestacional foi dividido em trimestres, conforme a idade o exame complementar da ferritina, porém, neste estudo, não foi
gestacional (IG): primeiro IG ≤13 semanas, segundo IG entre 14 e 27 possível realizar esta avaliação devido a ausência de solicitação desse
semanas, terceiro IG ≥28 semanas. exame na amostra estudada (OMS, 2013; RADLOWSKI, JOHNSON,
As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio 2013). Não foi encontrado outro exame de avaliação férrica. Para
padrão e as qualitativas por frequências absolutas e relativas. Para isso, foram utilizados os demais parâmetros hematimétricos, que,
avaliar associações utilizou-se o teste Qui-quadrado de Pearson. O segundo a literatura, auxiliam na identificação e exclusão dos tipos de
nível de significância adotado foi de 5% (p≤0,05) e as análises foram anemia (CHANDRA et al., 2012; SES-SP, 2010; TANER, 2016). Os achados
C3

realizadas no programa SPSS versão 20.0. apontam maior prevalência de anemia quando comparado com a
AF, contudo, esses resultados podem ter influência da suplementação,

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além da ausência de exames que medem as reservas de ferro. saúde pública e de desenvolvimento econômico e intelectual das
No estudo de prevalência de anemia de Taner et al. mais de 40% populações, o impacto gerado pela anemia por deficiência de ferro
das mulheres estavam anêmicas, também, foi encontrado associação deve ser considerado na avaliação de custos para a implantação
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de anemia em gestantes com idade superior a 35 anos, com mais de do diagnóstico completo pois a falta do diagnóstico impede o
3 gestações, e com o período gestacional (2º e 3º trimestre) (LOPEZ et tratamento precoce, gerando mais internações hospitalares. Além
al., 2015). Nossos resultados confirmam esses resultados parcialmente, disso, compromete o desenvolvimento infantil, o que reflete no futuro
pois encontramos que o grau de anemia se agrava com o avanço do país (BRASIL, 2012).
da gestação, mas não apresentou associação com a idade materna. A anemia fisiológica da gestação tem uma finalidade positiva,
Os estudos apontam as gestantes como um dos grupos aumentando a perfusão placentária, o que facilita o transporte de
mais suscetíveis à anemia, principalmente a pôr carência de ferro, nutrientes (STANGRET, 2017). A anemia leve parece ser positiva, 90% das
devido à alta demanda desse micronutriente nesta fase. Contudo, gestantes com esse grau de anemia possuem mais chance de ter seus
a anemia ainda parece ser subestimada pela baixa valorização na nascidos vivos, quando comparado com aquelas que apresentaram
diferenciação de seu diagnóstico, considerando que segundo a anemia de moderado a grave (BUZYAN, 2015). Porém em casos de
Organização Mundial de Saúde e o Centers for Disease Control and severidade pode resultar em complicações maternas e também
Prevention (2004) a diferenciação da anemia é o primeiro passo para a fetais. Segundo Di Renzo, além de poder causar mielinização cerebral
prevenção e diminuição dessa carência (DE SÁ et al., 2015). Camargo defeituosa no feto, e com isso atraso no desenvolvimento mental, a
et al. realizou um importante estudo com a ferritina e demonstrou deficiência de ferro pode resultar em parto prematuro, baixo peso
que muitas gestantes apresentavam deficiência de ferro sem ao nascer e mortalidade e morbidade materno-fetal, principalmente
apresentar alteração na hemoglobina, e sugere uma combinação quando agravada no último trimestre DI RENZO et al., 2015).
entre os indicadores hematológicos e de reserva de ferro para melhor Muitos estudos medem a prevalência de anemia em gestantes,
caracterizar a anemia por carência de ferro (LOPEZ et al., 2015). porém nem todos classificam suas possíveis causas e não levam
Por outro lado, a suplementação profilática de ferro tem sido em consideração a anemia fisiológica. Nosso estudo torna-se, até
realizada de forma indiscriminada, na maioria das gestantes, apesar o momento, inédito pelos parâmetros utilizados para diferenciar a
do excesso de ferro aumentar o processo inflamatório (ZHUANG, HAN, condição da anemia por carência de ferro. Contudo, salientamos
YAN, 2014). Com isso, é preciso avaliar o modo como isso está sendo a importância da avaliação conjunta da ferritina, bem como outros
feito. Além disso, a hemoglobina e o hematócrito sofrem redução tardia parâmetros que medem as reservas de ferro, por serem parâmetros
(terceiro estágio) frente a uma deficiência de ferro, sendo necessário que demonstram carência de ferro precoce. Evitar a anemia carencial
avaliar e valorizar outros parâmetros (KHALAFALLAH, 2012). Com o na gestante reflete na qualidade do desenvolvimento do feto e,
nível de ferritina é possível uma detecção precoce da deficiência de consequentemente, em adultos mais saudáveis e produtivos. Nosso
artigos

artigos
ferro, garantindo melhor tratamento (CHANDRA et al., 2012; LOPEZ estudo demonstra que a anemia se agrava com o avanço da gestação,
et al., 2015). A recomendação do Colégio Americano de Obstetras apontando a necessidade de rastreio e maior diferenciação para a
e Ginecologistas é o rastreamento da anemia e a implementação suplementação de forma correta, pois o grau de inflamação também
de terapia com ferro se a anemia ferropriva é confirmada (SHORT, avança nesta fase. Sabendo dos potenciais fatores pró-oxidantes do
DOMAGALSKY, 2013). ferro, torna-se necessário acompanhamento laboratorial, bem como
Quanto aos custos dos exames para o diagnóstico da anemia, avaliação da alimentação para a melhor conduta.
juntos -hemograma completo e ferritina - podem custar em média 20
reais, segundo dados do Sistema de Gerenciamento da Tabela de
C3

Procedimentos, Medicamentos e OPM o SUS. Em uma perspectiva de

C3
318 319
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C3
320 321
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Tabela 2. Prevalência de anemia e anemia ferropriva em gestantes (n=322).


Diagnóstico Anemia Anemia Ferropriva
Quadro 1. Parâmetros utilizados para avaliação e classificação das anemias.
Laboratorial
Diagnóstico Parâmetros Ponto de Corte N % N %
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Anemia Hb <11g/dL
Ht <33% Sim 154 47,8 21 6,5
Anemia Leve Hb 10 – 11g/dL
Ht 30 – 33%
Anemia Moderada Hb 7 – 9,9g/dL Não 168 52,2 301 93,5
Ht 21 – 30%
Anemia Grave Hb <7g/dL
Ht <21% Total 322 100 322 100
Anemia Ferropriva Hb <11g/dL
Ht <33%
VCM <80fl
RDW >14,5% Fonte: Elaborado pelas autoras.
Deficiência de Ferro Ferritina <12ng/dL
ELERT, MACHADO, PASTORE – 2013; ABIOYE et al., 2015; WHO, UNICEF, UNU – 2001;
LEWIS ,BAIN, BATES – 2001. Tabela 3. Classificação de Gravidade da Anemia com hemoglobina.
Fonte: Elaborado pelas autoras. Gravidade da Anemia Ponto de corte n %

Leve Hb 10-11g/dL 105 68,2


Tabela 1. Características sóciodemográficas da população amostral. Ht 30-33%
Características n (%) Moderada Hb 7-9,9g/dL 48 31,2
Região Ht 21-29,9g/Dl
Poa 175 (54,3)
Grave Hb <7g/dL 1 0,6
Região Metropolitana de Poa 111 (34,5)
Litoral 4 (1,2) Ht<21%
Serra 1 (0,3) Total 154 100
Interior 31 (9,6)
Cor Fonte: Elaborado pelas autoras.
Branca 234 (72,7)
Preta 51 (15,8) Tabela 4. Associação de anemia e anemia ferropriva com período gestacional,
Parda 37 (11,5) idade e número de gestações.
Indígena 0
Amarela Variáveis Anemia p (<0,05) Anemia Ferropriva p (<0,05)
0
Idade
<18 anos Trimestre Sim Não Sim Não
18 – 28 anos 23 (7,1)
29 – 39 anos 169 (52,5) Primeiro 8 18 1 25
40 – 50 anos 120 (37,3)
Escolaridade 10 (3,1) Segundo 62 45 0,016* 9 98 0,581
Analfabeto
Ensino Fundamental 4 (1,2) Terceiro 84 105 11 178
Ensino Médio 197 (61,2)
Ensino Superior 112 (34,8) Idade
Atividade Profissional 9 (2,8)
Sim
Não <18 13 10 2 21
163 (52,2)
Estudante
artigos

artigos
Vínculo com USGHC* 139 (44,6) 18 – 28 85 84 0,204 11 158 0,925
Sim 10 (3,2)
Não 29 – 39 54 66 1 113
5 (1,6) >40 2 8
317 (98,4) Número de
Total 322 Gestações
*USGHC = Unidade de Saúde do Grupo Hospitalar Conceição 1 53 58 105 6
Fonte: Elaborado pelas autoras.
2 33 44 0,543 72 5 0,810

≥3 68 66 124 10
C3

Total n=154 n=168 n=154 n=168

Fonte: Elaborado pelas autoras.

C3
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artigos

artigos
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Artigo 18
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FORÇA DE TRABALHO NECESSÁRIA PARA UMA EQUIPE DA

FORÇA DE ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: MÉDICOS E ENFERMEIROS

TRABALHO
Mirvana Martins Nascimento Xavier Pereira, Universidade Federal do
Piauí/PI 1
Ma. Desirée dos Santos Carvalho, GHC, Porto Alegre/RS.2

NECESSÁRIA RESUMO: Esta pesquisa teve a finalidade de estimar a força de


trabalho de médicos e enfermeiros necessários para uma equipe de

PARA UMA
Estratégia de Saúde da Família (ESF) no município de Porto Alegre.
Realizou-se levantamento bibliográfico e documental sobre a força
de trabalho recomendada e sobre as ações e serviços dos programas
e políticas prioritários considerando uma população de 2000, 3000 e

EQUIPE DA
4000 usuários por equipe, assim como, os dados do município para
análise de caso a partir de informações disponibilizadas em locais
de domínio público no período entre junho de 2015 e fevereiro de
2016. Os resultados apontam que a força de trabalho de médicos

ESTRATÉGIA
e enfermeiros para compor a equipe mínima de ESF sugerida pelo
Ministério da Saúde é insuficiente para desenvolver todas as ações
prioritárias recomendadas. Este estudo gerou resultados com potencial
para utilização como instrumento de planejamento de ações efetivas
a partir de uma realidade específica.

DE SAÚDE
Palavras-chave: Recursos Humanos em Saúde. Atenção Primária à
Saúde. Sistema Único de Saúde.

DA FAMÍLIA: WORKFORCE REQUIRED FOR A FAMILY HEALTH STRATEGY


artigos

artigos
TEAM: PHYSICIANS AND NURSES

MÉDICOS E
ABSTRACT: The purpose of this study was to estimate the work force
of physicians and nursing staff necessary for a Family Health Strategy
(ESF-Estratégia de Saúde da Família) team, in the municipality of Porto
Alegre. A bibliographical and documental research carried out was

ENFERMEIROS
concern on the number of professionals needed to cover the actions

1 Enfermeira, Especialista em Saúde da Família e Comunidade. Egressa do Programa


de Residência Integrada em Saúde do Grupo Hospitalar Conceição. Universidade Federal do
Piauí. E-mail: mirvana.enf@hotmail.com
C3

2 Enfermeira, Especialista em Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mestre


em Saúde Coletiva. Preceptora do Programa de Residência Integrada em Saúde do Grupo
Hospitalar Conceição entre anos 2013 e 2016.

C3
326 327
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and services suggested in the current priority health public programs aspectos relacionados às ações e programas prioritários implantados
and policies, considering a population of 2000, 3000 and 4000 users per
staff, as well, public municipality data, between June 2015 and February nas ESF, o cumprimento de metas e o alcance dos indicadores de
2016. The results indicate that the work force of physicians and nursing saúde para realizar o planejamento da força de trabalho. Para tanto é
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staff to compose the minimum ESF team suggested by the Ministry of
Health is insufficient to develop all priority actions recommended. This necessário que a força de trabalho que compõe as ESF seja adequada
study generated results with a potential to be used as a planning tool para atender as necessidades da população e metas definidas pelo
based on the specific reality of each territory.
MS.
Key-words: Human Resources in Health. Primary Health Care, Single
Health System Entende-se como força de trabalho em saúde o trabalho
realizado em conjunto, de forma multiprofissional e interdisciplinar por
Introdução
profissionais de saúde executados no cotidiano dos serviços (PEDUZZI,
A consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) vem se CIAMPONE, 2005). Assim, como são vários programas e ações a
desenvolvendo através de ações como a Estratégia de Saúde da serem executadas pela equipe de saúde, questiona-se: será a força
Família (ESF), considerada um modelo de (re) organização da Atenção de trabalho para médico e enfermeiro, preconizada pelo MS como
Básica (AB) e tida como eixo estruturante na articulação com os demais mínima, para atuação na ESF suficiente para tornar praticáveis e
programas, projetos e serviços de saúde. Excetuando-se as condições efetivas as ações dos programas de atenção à saúde da população
raras ou demasiadamente incomuns, a AB proporciona atenção para adstrita?
todas as condições, sendo responsável também pela coordenação
Dessa forma, este estudo teve como objetivo identificar a força
do cuidado nas redes de atenção à saúde, integrando-as (STARFIELD,
de trabalho de médicos e enfermeiros necessários para atendimento
2002).
de diretrizes dos programas e políticas prioritários de saúde vigentes
A gestão do trabalho é um dos aspectos mais importantes para em relação ao número de procedimentos, atendimentos ou consultas
a consolidação do SUS (BRASIL, 2005), incluindo o planejamento da preconizadas e estimar a quantidade de profissionais necessários para
força de trabalho necessária para viabilizar suas ações. O Ministério uma ESF de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul (RS).
da Saúde (MS) exige que a equipe da ESF, responsável pela AB, seja
multiprofissional, e minimamente composta por: médico, enfermeiro, Metodologia
auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde Este trabalho foi realizado a partir de pesquisa bibliográfica e
(ACS). Devendo estes serem em número suficiente para cobrir 100% documental com estimativa quantitativa para médicos e enfermeiros
da população cadastrada (BRASIL, 2012). necessários para atendimento das ações e serviços presentes nos
programas e políticas prioritárias vigentes desenvolvidos na ESF para
A equipe da ESF trabalha com população adstrita, em território atender uma população de 2000, 3000, e 4000 pessoas.
artigos

artigos
definido, e é responsável por, no máximo, 4.000 e, no mínimo, 2000
pessoas (BRASIL, 2013); sendo a média recomendada de 3000, e é A cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Brasil, foi escolhida
corresponsável no cuidado com a saúde desta população. Deve-se por ser o campo de atuação da pesquisadora durante a Residência
respeitar os critérios de equidade para essa definição. Recomenda- Integrada em Saúde, usando como base os dados populacionais do
se levar em conta o grau de vulnerabilidade das famílias do território Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Censo 2010 (BRASIL,
para determinar o número de pessoas a serem atendidas por equipe, 2010) para estimar o público-alvo das ações prioritárias.
ou seja, “[...] quanto maior o grau de vulnerabilidade, menor deverá Porto Alegre conta com área total de 496, 684 Km², e densidade
ser a quantidade de pessoas por equipe” (BRASIL, 2012, p. 55). demográfica de 2.837,53 hab/Km². Possui uma população de
C3

Nesta perspectiva, também é necessário levar em consideração 1.409.351 pessoas, sendo composta por 653.787 (46,39%) homens e
755.564 mulheres. O município conta com 53 unidades Básicas de

C3
328 329
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Saúde (UBS), 7 centros de saúde e 107 equipes – Unidades de Saúde propostos em publicações oficiais do MS ou literatura. Alguns parâmetros
da Família (2010). Segundo dados do Departamento de AB do MS, em para o dimensionamento foram propostos pela pesquisadora, a partir
janeiro de 2016, a capital do RS contava com 178 ESF implantadas, de fundamentação teórica desenvolvida em outros municípios e
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com estimativa de população coberta de 614.000 pessoas e com um observando o processo de trabalho e políticas recomendadas para a
percentual de 43,35 de cobertura populacional (OBSERVAPOA, 2015; cidade, como é o caso do “Guia de apoio à tomada de decisão para
BRASIL, 2016). o acolhimento com identificação de necessidades das Unidades de
Saúde da Atenção Básica de Porto Alegre” e do “Dimensionamento
O levantamento bibliográfico e documental sobre a força de
de Recursos Humanos para o Sistema Único de Saúde de Campinas:
trabalho recomendada e sobre as ações e serviços dos programas e
Atenção Básica” (PORTO ALEGRE, 2015; BRASIL, 2015).
políticas prioritários, assim como os dados do município para análise
de caso foi realizado a partir de informações disponibilizadas em No anexo 1 estão descritos os dados referentes a: Tipo de
locais de domínio público no período entre junho de 2015 e fevereiro atividade, a qual se refere a consulta, prevenção ou rastreamento,
de 2016, conforme será descrito ao longo desse tópico. profissional que realiza a atividade, se médico ou enfermeiro,
parâmetros para o dimensionamento que trata do número de
Para se chegar a população estimada para cada ação
procedimentos e a população alvo, parâmetro de produção ou
foi utilizado os critérios e parâmetros para o planejamento e
tempo que descreve a duração recomendada para a realização
programação de ações e serviços de saúde no SUS – Parâmetros SUS;
do procedimento e as referências; a fim de situar o leitor sobre quais
onde: População alvo multiplicada pelo número de procedimentos
referenciais a pesquisadora encontrou e baseou-se para estimar as
multiplicado pelo tempo de procedimento dividida pela população
necessidades de ações e serviços de saúde estudados.
total de Porto Alegre dividida por 12 meses e multiplicada por 2000,
3000 e 4000 pessoas, obtendo-se assim o número de horas necessárias Para fins de cálculo, no dimensionamento de horas necessárias
por mês para determinado número de população (BRASIL, 2015). para atenção às prioridades, os atendimentos foram divididos
igualmente entre os médicos e enfermeiros, exceto para aqueles em
No que se refere aos nascidos vivos, foram utilizados os dados
que não há protocolo específico na cidade estabelecendo consultas
do Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC) 2013 (e foi
de enfermagem com prescrição de exames e medicamentos, como
escolhida a opção pelo local de residência da mãe); por ser o último
é o caso dos realizados aos hipertensos e diabéticos que ficaram em
ano disponível em domínio público encontrado. Portanto cálculos que
sua totalidade programados para atendimento do médico.
necessitavam deste dado referem-se a estimativa para 2014 (SINASC,
2013). As variáveis utilizadas foram:
artigos

Em casos específicos como o rastreamento para Câncer (Ca) • Nº de procedimentos (P): número de procedimentos

artigos
de Colo Uterino e para o rastreamento de Ca de mama, ao invés de necessários para atender as necessidades de saúde conforme
12 meses, foi realizada a divisão pela periodicidade recomendada o programa ou política preconiza;
para o exame. No caso do rastreamento de Ca de colo de útero foi
• Tempo de procedimento em horas (T): Tempo que leva
dividido por, 36 meses, pois depois de dois resultados bons, pode se
para fazer cada procedimento em horas;
repetir o exame a cada três anos. No caso do rastreamento do Ca de
mama, foi dividido por 24 meses, pois este deve ser realizado a cada • Horas de trabalho necessárias para os programas
dois anos (BRASIL, 2015). pesquisados (ideal) (HN): Tempo x número de procedimentos.
Estimar através de cálculos matemáticos simples, quantas horas
C3

Somente foram descritos procedimentos para a AB mais


serão necessárias para atender uma população de 2000, 3000
comumente usados e priorizou-se utilizar parâmetros de atenção

C3
330 331
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ou 4000 pessoas de uma ESF de Porto Alegre. Fonte: Elaborada pelas autoras com base nos dados do Censo IBGE 2010, no
documento ¨Parâmetros SUS¨, nos dados do SINASC 2013 e no protocolo da AB:
Saúde das mulheres. O somatório da população dividida por grupos não totaliza o
Os dados coletados foram tabulados em planilha eletrônica
somatório geral da população, uma vez que aqui foram descritos procedimentos
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e posteriormente calculadas as variáveis conforme descritas acima. para a AB mais comumente usados e portanto pertencentes a alguns grupos
populacionais.
Com essas variáveis e os parâmetros definidos, foi possível calcular o
tamanho da equipe mínima ideal, no que se refere a carga horária de As tabelas 2 e 3 descrevem a memória do cálculo de acordo
médicos e enfermeiros para uma equipe de ESF de Porto Alegre para com a atividade recomendada e o resultado encontrado a partir
o atendimento das recomendações das políticas prioritárias. À essa da população alvo, o número de procedimentos, o tempo de
carga horária foram acrescidos ainda 15% como índice de segurança procedimentos, apontando a quantidade de horas de trabalho
técnica (IST), considerando a necessidade de manter as ações no necessárias, por mês, para atender uma ESF com uma população de
território durante períodos de afastamento dos profissionais como no 2000, 3000 e 4000 pessoas respectivamente.
caso de férias e atestados de saúde.
A seguir discutiremos os resultados observando principalmente a
necessidade de carga horária para uma equipe atender um território
Resultados/Discussão
com 4000 pessoas, considerando que Porto Alegre é uma cidade com
Na tabela 1, estão descritos os dados referentes a caracterização
cobertura de AB de aproximadamente 60% e, por isso, possivelmente
da população estudada. Foram escolhidas as fontes mais fidedignas
a maioria das equipes atende na sua capacidade máxima (BRASIL,
possíveis, usando os mais recentes dados em domínio público.
2016).
Tabela 1. Caracterização da população estudada, estimativa de grupos
populacionais em Porto Alegre, RS, Brasil. A AB cabe realizar o atendimento pré-natal de baixo risco, o
Base de que, segundo os critérios de planejamento do MS, seriam o caso de
Porto Alegre - RS População (n) Ano
dados 85% das gestantes (BRASIL, 2015). Em Porto Alegre esse atendimento
População total 1.409.351 Censo IBGE 2010
exigiria uma dedicação de 6,25 horas por mês de enfermeiro,
População >18 anos 1.081.443 Censo IBGE 2010
Nascidos vivos em 2013 19.739 SINASC 2013 considerando consultas a cada 30 minutos, e de 3,75 de médico,
considerando que suas consultas são agendadas a cada 20 minutos.
Crianças de 0-12 meses 20.519 SINASC 2013
Ainda que mulheres que são encaminhadas pela AB para o pré-
Crianças de 0-12 meses (≥2500g) 18.877 SINASC 2013
Crianças de 0-12 meses (< 2500 g) natal de alto risco, façam ao menos uma consulta na Unidade de
1.642 SINASC 2013
Crianças de 12-24 meses 20.311 SINASC 2013 Saúde (US) e algumas gestantes realizem o atendimento pré-natal em
Diabéticos 74.620 Censo IBGE 2010 outros serviços sem realizar nenhuma consulta junto a equipe de ESF,
Diabéticos de baixo risco 14.924 Censo IBGE 2010 calculou-se atendimento para 85% do total de gestantes (gestantes
artigos

artigos
Diabéticos de médio risco 37.310 Censo IBGE 2010
de risco habitual).
Diabéticos de alto risco 18.655 Censo IBGE 2010
Diabéticos de muito alto risco 3.731 Censo IBGE 2010 No que se refere a realização da consulta do puerpério, o Guia
Gestantes 20.726 SINASC 2013 de apoio tomada de decisão para o acolhimento com identificação
Gestantes de risco habitual 17.617 SINASC 2013
de necessidades das Unidades de Saúde da Atenção Básica de
Hipertensos 231.429 Censo IBGE 2010
Hipertensos de baixo risco 97.572 Censo IBGE 2010 Porto Alegre sugere para organização da construção das agendas
Hipertensos de risco moderado 81.000 Censo IBGE 2010 dos profissionais da US, que este atendimento seja realizado como:
Hipertensos de alto risco 57.857 Censo IBGE 2010
Mulheres de 25-64 anos
Consulta de enfermagem pais-bebê, a cada 60 minutos, tendo em
419.252 Censo IBGE 2010
C3

Mulheres de 50-69 anos vista o atendimento da puérpera, do recém-nascido e da rede afetiva


164.303 Censo IBGE 2010
Tuberculose: 1% da população (PORTO ALEGRE, 2015).
total 14.094 Censo IBGE 2010

C3
332 333
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Neste estudo, o atendimento a puérpera é considerado como


atendimento de RN com peso < 2,500g, 7 consultas e menor para RN
responsabilidade tanto do médico, como do enfermeiro, pois ambos,
com peso ≥2500g, 3 consultas. Para o agendamento realizado a cada
ao realizarem o atendimento Pré-Natal, fazem vínculo com a gestante,
20 minutos, serão necessárias dedicação de um total de 4,88 horas de
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não havendo o porquê da priorização da realização do mesmo por
trabalho do médico por mês. Para o atendimento de crianças de 12
um destes profissionais. Porém, manteve se o tempo sugerido para
a 24 meses, considerando 2 procedimentos, e agendamento a cada
a consulta (a cada 60 minutos) a fim de qualificar esta atividade e
20 minutos, serão necessárias 2,88 horas/mês de dedicação deste
focar na prevenção e promoção da saúde (PORTO ALEGRE, 2015).
profissional.
Então, para uma população de 17.617 puérperas, serão
A diferença encontrada deve-se ao número de consultas
necessárias 9 horas/mês de trabalho de enfermeiro e 9 horas/mês de
diferenciado, que somente no caso de RN com peso ≥ 2,500g é maior
trabalho de médico, considerando o atendimento a cada 60 minutos
para o enfermeiro, porém para um número maior da população de
para ambos os profissionais e a divisão desta população por dois,
0 a 12 meses e também ao agendamento das consultas que para o
chegando a um total de 8.809 puérperas para cada um.
enfermeiro é a cada 30 minutos e para o médico a cada 20 minutos.
Outras atividades relacionadas a linha de cuidado à Saúde
Para o dimensionamento de carga horária na AB, uma limitação
da Mulher foram contempladas, como o rastreamento para Ca de
encontrada foi a ausência de protocolos atualizados e disponíveis
colo de útero e o para o Ca de mama considerando estas ações
em domínio público sobre as atividades prestadas por categoria
importantes para a redução da morbidade e da mortalidade por
profissional, no que se refere às especificidades, como por exemplo o
estas doenças, devendo-se inclusive realizar a melhoria do acesso
atendimento a diabéticos e hipertensos. Essas são doenças que no Brasil,
e a busca ativa destas mulheres (BRASIL, 2015). Para estas ações
configuram a primeira causa de mortalidade e hospitalizações, sendo
calculou-se 2 procedimentos, considerando que o rastreamento
referidas como responsáveis por mais da metade dos diagnósticos
envolve consulta de identificação de necessidade e/ou coleta de
primários em pessoas com insuficiência renal crônica submetidas à
exames e um retorno para avaliação de resultados e orientações ou
dialise no SUS (BRASIL, 2013).
encaminhamentos. Para tal seriam necessárias 26,24 e 15,74 horas de
atenção de enfermeiros e médicos, respectivamente. Sabe-se que o enfermeiro realiza atendimento a estes usuários,
porém, não se encontrou recomendações de número de consultas de
Após o puerpério, o atendimento às mulheres é mantido com
enfermagem para este público, o que tornaria a estimativa de carga
Atenção à Saúde da Mulher e o atendimento às crianças passam a
horária frágil. O Caderno de Atenção Básica Número 36, traz no item
pertencer para a Atenção à Saúde das Crianças, principalmente nas
que se refere a consulta de enfermagem para acompanhamento de
ações de puericultura. Estas ações possuem um parâmetro proposto
pessoas com diabetes mellitus (DM) que o enfermeiro deve solicitar
artigos

pelos Parâmetros SUS, usado neste estudo e descrito nas tabelas 2 e

artigos
e avaliar os exames previstos no protocolo assistencial local (BRASIL,
3 (BRASIL, 2015).
2013).
Para o atendimento das crianças de 0 a 12 meses calculou-se
Sugere-se um respaldo maior para o profissional enfermeiro,
4 consultas de enfermagem para RN com peso ≥ 2,500g e 6 consultas
como a criação de protocolos específicos para o atendimento de
de enfermagem para RN com peso < 2,500g a cada 30 minutos. Serão
diabéticos e hipertensos, o que não existe até o momento em Porto
necessários para este atendimento dedicação de 10,20 horas/mês
Alegre. Por isso, todas os atendimentos individuais para esses grupos
de enfermeiro. Para o atendimento de crianças de 12 a 24 meses e 1
foram programados para categoria médica, somando 54,82 horas por
consulta de enfermagem, serão necessárias 2,40 horas de dedicação
mês.
C3

do enfermeiro por mês. Já para o médico, mudam os parâmetros;


de acordo com o número de procedimentos, que é maior para o A tuberculose constitui um grave problema de saúde pública

C3
334 335
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e o rastreamento é uma estratégia relevante no combate a esta demanda imediata, supervisão e gerenciamento. Justifica-se a
doença, de baixo custo e fácil de ser desenvolvida na AB. Para esta utilização de mesmo parâmetro para ambos os profissionais uma vez
ação calculou-se 2 procedimentos, considerando que o rastreamento que o município recomenda que as construções das agendas tenham
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envolve consulta de identificação de necessidade e/ou coleta de atividades comuns a todos os profissionais da equipe de saúde,
exames e um retorno para avaliação de resultados e orientações ou como: atendimento domiciliar, reuniões de equipe, atividades de
encaminhamentos. promoção à saúde e prevenção de doenças e agravos, atividades
de planejamento e monitoramento das ações e indicadores de uma
Constatou-se a necessidade de 1hora/mês de dedicação de
US acolhedora (PORTO ALEGRE, 2015).
trabalho do médico e 1,67 horas/mês de dedicação do trabalho
do enfermeiro, considerando que este atendimento seja realizado a Recomenda ainda atividades comuns aos profissionais de nível
cada 20 e 30 minutos respectivamente para estes profissionais. superior como: preceptoria e supervisão dos ACS (com rodízio destes
profissionais) PORTO ALEGRE, 2015). Entende-se que não há motivo
Com planejamento, é possível realizar o rastreamento e
para haver diferentes reservas de cargas horárias para as mesmas
impactar de forma positiva no perfil epidemiológico da população,
atividades.
levando em consideração o cuidado integral, através da prevenção,
da promoção, do diagnóstico e tratamento. Para as atividades de acolhimento, demanda imediata,
supervisão e gerenciamento, foi utilizada a divisão entre médico
Para a cidade de Porto Alegre há recomendações para a
e enfermeiro em 50% da carga horária semanal. Segundo Porto
construção das agendas dos profissionais de saúde, com definição de
Alegre (PORTO ALEGRE, 2015) o acolhimento com identificação de
tempo para a realização de algumas atividades, porém em relação
necessidades deve acontecer em todo o horário de funcionamento
a outras atividades, apenas sugere que se reserve tempo para a sua
da US, consequentemente o funcionamento da sala de identificação
realização (PORTO ALEGRE, 2015).
de necessidades também. Neste local o acolhimento ao usuário é
A experiência da secretaria municipal de saúde de Campinas, realizado primeiramente por auxiliares ou técnicos de enfermagem,
no Estado de São Paulo, em 2013, realizando o dimensionamento de ou auxiliares ou técnicos de saúde bucal apoiados pelo enfermeiro,
recursos humanos na AB, propõe a dedicação para o profissional médico e cirurgião dentista. A supervisão dos auxiliares e técnicos
enfermeiro de 10h para atividades coletivas e individuais no território de enfermagem é atividade privativa do profissional enfermeiro,
e Unidade de Saúde, assim como 10h para atividades de supervisão demandando maior tempo para esta atividade, realizada em
e gerenciamento. Propõe ainda a distribuição para a jornada do outros espaços da US, tais como: sala de vacinas, sala de curativos,
médico, de 60% de sua carga horária para atendimentos individuais sala de procedimentos, esterilização de materiais, entre outras. Já o
profissional médico atenderá a uma demanda maior de atendimento
artigos

programáticos e de agudos na unidade básica de saúde (UBS), 20%

artigos
para atividades no território, participação em reuniões de equipe, imediato, equilibrando-se assim esta divisão em 50%, visto que os dois
atendimentos domiciliares e 20% para ações educativas, capacitações, profissionais devem permanecer como apoiadores durante todo o
dentre outras atividades demandas pelo serviço (BRASIL, 2015). horário de funcionamento da US.

Este parâmetro foi adaptado em proposta realizada pelo Foi acrescido ao total de horas semanais encontradas para
presente estudo, distribuído em porcentagem da carga horária ambos os profissionais, um Índice de Segurança Técnica (IST) de
semanal, sendo 20% para atividades no território, reuniões de equipe, 15%, pois todas as demandas foram calculadas para o atendimento
atendimento domiciliar para ambos os profissionais, 10% para aos usuários acontecer em todos os meses do ano por enfermeiro
C3

atividades e ações educativas, capacitações, entre outras, atividades e médico. Sem IST, algum atendimento ficará comprometido no
demandadas pelo serviço e; 50% para atividades de acolhimento, momento em que um profissional encontrar-se em atestado médico,

C3
336 337
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licença e férias. Enfim não é possível manter uma US acolhedora, com Pré-natal (gestantes
risco habitual POA) 17617 3 0,5 3,13 4,69 6,25
50% dos profissionais de nível superior em férias, por exemplo, o que
Consulta de puerpério 8809 1 1 1,04 1,56 2,08
ocorre pelo menos uma vez ao ano. Consulta de
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enfermagem para
crianças de 0 a 12
Os resultados encontrados a fim de atender as atividades meses (RN com peso ≥
descritas na tabela 2, para uma população de 2000, 3000 e 4000 2,500g) 19068 4 0,5 4,51 6,76 9,02
Consulta de
habitantes, são necessários respectivamente 57, 61 e 65 horas de enfermagem para
crianças de 0 a 12
enfermeiro/semana e a fim de atender as atividades descritas na meses (RN com peso <
2,500g) 1658 6 0,5 0,59 0,88 1,18
tabela 3 para uma população de 2000, 3000 e 4000 habitantes, são Consulta de
enfermagem para
necessários respectivamente 63, 71, 78 horas de médico/semana. crianças de 12 a 24
meses 20311 1 0,5 1,2 1,8 2,4
Todos os profissionais cadastrados na ESF devem ter carga horária Rastreamento Câncer
colo do útero 209626 2 0,5 8,26 12,39 16,53
de 40 horas semanais, exceto o profissional médico que poderá atuar Rastreamento Ca de
Mama 82152 2 0,5 4,86 7,29 9,72
em, no máximo 02 equipes, pois poderá ser contratado por 20 horas Consulta de
enfermagem.
ou até, 30 horas semanais (BRASIL, 2012). O estado do RS apresenta Tuberculose:
na RESOLUÇÃO Nº 503/13 – CIB/RS , Art 1º a criação de um conjunto Rastreamento 7047 2 0,5 0,83 1,25 1,67
Atividades coletivas e 20% da
de incentivos financeiros estaduais diferenciados para qualificação individuais no território Não se carga
e unidade de Saúde aplica horária 8 34,64 34,64 34,64
da Estratégia de Saúde da Família e de Saúde Bucal; entre eles o Atividades de
acolhimento,
incentivo financeiro para inserção de um segundo Enfermeiro (ESTADO demanda imediata, 50% tempo de
supervisão e Não se
DO RIO GRANDE DO SUL, 2013), necessidade que parece se confirmar gerenciamento aplica
funcionamento
da US 20 86,6 86,6 86,6
Atividades e
nesse estudo e pode se aplicar também para o profissional médico, ações educativas,
tendo em vista que são necessárias mais que 40h semanais destes capacitações, entre
outras, atividades
profissionais em todas situações estudadas, até mesmo para equipes demandadas pelo Não se 10% carga
que atendem um número mínimo de pessoas. serviço aplica horária 4 17,32 17,32 17,32
Total 162,98 175,19 187,40
Carga horária
Considera se como padrão ouro o atendimento de uma semanal 38 41 44
Carga horária
população adstrita de 2000 pessoas por uma eSF, tendo em vista que     semanal + IST 15% 57 61 65
Fonte: Elaborada pelas autoras com base no Censo do IBGE 20106, nos Parâmetros
o MS alterou a fórmula de cálculo do teto máximo das eSF, pelas quais SUS9, no SINASC 201310, no protocolo da AB: Saúde das mulheres11, no Guia de apoio
os Municípios e o Distrito Federal poderão fazer jus ao recebimento de à tomada de decisão para o acolhimento com identificação de necessidades das
Unidades de Saúde da Atenção Básica de Porto Alegre12 e no Dimensionamento de
recursos financeiros específicos, o qual passou a ser obtido mediante Recursos Humanos para o Sistema Único de Saúde de Campinas: Atenção Básica.13
artigos

artigos
a seguinte fórmula: População/2.000 (BRASIL, 2013). Importa destacar
Tabela 3. Atividades relacionadas ao médico
que a qualificação da AB deve ser uma preocupação das três esferas
de governo. Equipes que atendam a uma população muito grande, Horas de Trabalho Necessárias/
Médico
mês
provavelmente encontram dificuldade em realizar ações preventivas    
Pop. Nº Tempo
e de promoção da saúde, foco da ESF. Atividades Pop/2000 Pop/3000 Pop/4000
alvo proc. proc.
Pré-natal (gestantes risco
Tabela 2. Atividades relacionadas ao enfermeiro. habitual POA) 17617,00 3,00 0,30 1,88 2,81 3,75
Consulta de puerpério 8809,00 1,00 1,00 1,04 1,56 2,08
Consulta médica para
Horas de Trabalho Necessárias/mês crianças de 0 a 12 meses
C3

(RN com peso ≥ 2,500g) 19068,00 3,00 0,30 2,03 3,04 4,06
Enfermeiro Consulta médica para
Pop. Tempo crianças de 0 a 12 meses
Atividades Nº proc.. Pop/2000 Pop/3000 Pop/4000
alvo proc. (RN com peso < 2,500g) 1658,00 7,00 0,30 0,41 0,62 0,82

C3
338 339
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consideração a proposta de organização do processo de trabalho


Consulta médica para
crianças de 12 a 24 meses 20311,00 2,00 0,30 1,44 2,16 2,88 da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre para os profissionais
Consulta médica/
diagnóstico e enfermeiro e médico, e o Índice de Segurança Técnica (IST), é
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acompanhamento.
Diabéticos de baixo risco 14923,91 2,00 0,30 1,06 1,59 2,12 insuficiente para desenvolver todas as ações prioritárias recomendadas
Consulta médica/
diagnóstico e
(atendimento de diretrizes dos programas e políticas prioritários de saúde
acompanhamento. vigentes em relação ao número de procedimentos, atendimentos ou
Diabéticos de médio risco 37309,78 2,00 0,30 2,65 3,97 5,29
Consulta médica/ consultas preconizadas), considerando atendimento de populações
diagnóstico e
acompanhamento. de 2000, 3000 ou 4000 pessoas por equipe, necessitando de mais
Diabéticos de alto risco 18654,89 4,00 0,30 2,65 3,97 5,29 profissionais médicos e enfermeiros para compor a equipe.
Consulta médica/
diagnóstico e
acompanhamento. Este estudo aponta para a necessidade da divulgação e ou
Diabéticos de muito alto
risco 3730,98 4,00 0,30 0,53 0,79 1,06 criação de protocolos próprios no município de Porto Alegre, com
Consulta médica/
diagnóstico e vistas a estimar carga horária utilizada para os profissionais no que
acompanhamento. se refere a atividades comuns aos profissionais de nível superior e as
Hipertensos de baixo risco 92571,52 2,00 0,30 6,57 9,85 13,14
Consulta médica/ atividades comuns a todos os membros da equipe, a fim de que estas
diagnóstico e
acompanhamento. atividades sejam distribuídas de forma igualitária entre os membros da
Hipertensos de risco
moderado 81000,08 2,00 0,30 5,75 8,62 11,49
equipe e possam ser garantidas nos planejamentos. Além disso, limitou-
Consulta médica/ se a quantificar as ações prioritárias e reservar uma parte significativa
diagnóstico e
acompanhamento. da carga horária para ações diversas que não podem ser calculadas
Hipertensos de alto risco 57857,20 4,00 0,30 8,21 12,32 16,42
Rastreamento Câncer colo de forma padronizada, reconhecendo que existem outras ações que
do útero 209626,00 2,00 0,30 4,96 7,44 9,92
podem não estar contempladas aqui na medida que o trabalho de
Rastreamento Ca de Mama 82152,00 2,00 0,30 2,91 4,37 5,83
Consulta médica. cada território é único e despende tempos diferentes.
Tuberculose: Rastreamento 7047,00 2,00 0,30 0,50 0,75 1,00
Atividades de acolhimento, 50%
Não se temp. Novas análises são recomendadas com dados referentes as ESFs,
demanda imediata,
aplica func. levando em consideração a vulnerabilidade, o perfil epidemiológico
supervisão e gerenciamento
da US 20,00 86,60 86,60 86,60
Atividades no território,
Não se 20% e a sazonalidade, como recomenda o município Porto Alegre, para
reuniões de equipe, carga
aplica a construção das agendas, a qualidade da atenção prestada, entre
atendimento domiciliar horária 8,00 34,64 34,64 34,64
Atividades e ações
educativas, capacitações, Não se outros aspectos não utilizados aqui.
10%
entre outras, atividades aplica carga
demandadas pelo serviço horária 4,00 17,32 17,32 17,32 Os serviços de saúde têm acesso universal e fazem parte das
Total 181,14 202,43 223,72
artigos

responsabilidades das três esferas de governo, tendo cada uma

artigos
Carga horária
semanal 42 47 52 delas competências específicas no desenvolvimento de ações, que
Carga horária
semanal + IST devem ter como prioridade a promoção e a prevenção da saúde,
    15% 63 71 78
Fonte: Elaborada pelas autoras com base no Censo do IBGE 2010, nos Parâmetros com vistas a descentralização da gestão destes serviços. Assim,
SUS, no SINASC 2013, no protocolo da AB: Saúde das mulheres, no Guia de apoio à
tomada de decisão para o acolhimento com identificação de necessidades das ratifica-se a importância do planejamento das ações cada vez mais
Unidades de Saúde da Atenção Básica de Porto Alegre e no Dimensionamento de descentralizadas e regionalizadas para atender as necessidades de
Recursos Humanos para o Sistema Único de Saúde de Campinas: Atenção Básica.
saúde da população assistida com qualidade.

Conclusão Espera-se que os resultados contribuam para uma gestão


C3

Identifica-se que a força de trabalho de médicos e enfermeiros de qualidade da AB, auxiliando no planejamento e avaliação da
para compor a equipe mínima de ESF sugerida pelo MS, levando em

C3
340 341
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e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão e de Regulação


do Trabalho na Saúde. Prêmio Inova SUS 2012/2013: valorização de
necessidade de trabalhadores para a realização de ações e boas práticas e inovação na gestão do trabalho na saúde–Brasília:
Ministério da Saúde, 2015, p.117
serviços de saúde, assim como servir de inspiração para novas
BRASIL. Departamento de Atenção Básica (DAB). Secretaria de
pesquisas relacionadas ao tema em questão, uma vez que
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Assistência à Saúde (SAS). Ministério da Saúde. Sala de Apoio à Gestão
não tem a pretensão de esgotar o assunto. Estratégica (SAGE).
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C3
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INFORME C3, Porto Alegre, v. 10, n. 4 (Ed. 23), Dez. - 2018. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.com INFORME C3, Porto Alegre, v. 10, n. 4 (Ed. 23), Dez. - 2018. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.com

Nº de consultas/
ano (2) - (Média
por paciente/
Anexo 1. Demonstrativo do caminho percorrido para chegar aos dados das tabelas 2 e 3 para ano- para Diabéticos: 6,9% da população de 18
Consulta médica/
a população de Porto Alegre, RS, Brasil. diagnóstico e Médico
solicitação
0,3h
anos e mais. Estrato de Risco médio
de Exames Diabéticos=. 50% dos diabéticos
acompanhamento
de patologia 1081.443: 74.620= 37.310
Parâmetros de
Parâmetro para o clínica x Nº de
CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA - SAÚDE

CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


Tipo de atividade Profissional produção ou Estimativa de população alvo
dimensionamento
tempo diabéticos de
Nº de consultas risco médio.
Nº de gestantes de risco habitual- 85% Nº de consultas/
por gestantes ano (4) - (Média
Consulta médica (pré- da estimativa do total de gestantes =
Médico (3) x nº de 0,3h por paciente/
natal) (Nascidos vivos do ano anterior x 1,05) x
gestantes de ano- para Diabéticos: 6,9% da população de
0,85 = 17.617 gestantes Consulta médica/
risco habitual solicitação 18 anos e mais. Estrato de Risco Alto
Nº de consultas diagnóstico e Médico 0,3h
Nº de gestantes de risco habitual- 85% de Exames Diabéticos=. 25% dos diabéticos
por gestantes acompanhamento
Consulta de da estimativa do total de gestantes = de patologia 1.081.443: 74.620= 18.655
Enfermeiro (3) x nº de 0,5h
enfermagem (Nascidos vivos do ano anterior + 1,05) x clínica x Nº de
gestantes de
0,85 = 17.617 gestantes diabéticos de
risco habitual
Nº de consultas risco alto.
Nº de gestantes de risco habitual- 85% Nº de consultas/
por gestantes
Médico / da estimativa do total de gestantes = ano (4) - (Média
Consulta de puerpério (1) x nº de 1h
enfermeiro (Nascidos vivos do ano anterior + 1,05) x por paciente/
gestantes de
0,85 = 17.617 gestantes ÷2 = 8.809 ano- para Diabéticos: 6,9% da população de
risco habitual Consulta médica/
92% da população alvo (Crianças solicitação 18 anos e mais. Estrato de Risco Muito
diagnóstico e Médico 0,3h
de 0 a 12 meses) estimada. Número de Exames Alto Diabéticos=. 5% dos diabéticos
acompanhamento
Nº de consultas/ de nascidos vivos no ano anterior de patologia 1.081.443: 74.620= 3.731
Consulta médica para clínica x Nº de
ano (3) x RN + proporção de nascimentos não
crianças de 0 a 12 Médico 0,3h diabéticos de
com peso ≥ registrados - número de óbitos ocorridos
meses risco muito alto.
2.500g no período neonatal (=Nascidos vivos
Nº de consultas/
SINASC x fator correção sub - registro x
ano (2) - (Média
0,99) 20.519= 18.877(92%)
92% da população alvo (Crianças por paciente/
de 0 a 12 meses) estimada. Número ano- para Hipertensos 21,4% da pop de 18 anos e
Consulta médica/
Nº de consultas/ de nascidos vivos no ano anterior solicitação mais. Estrato de risco baixo Hipertensos=
Consulta enfermagem diagnóstico e Médico 0,3h
ano (4) x RN + proporção de nascimentos não de Exames 40% dos hipertensos 1.081.443: 231.429=
para crianças de 0 a Enfermeiro 0,5h acompanhamento
com peso ≥ registrados - número de óbitos ocorridos de patologia 92.572
12 meses clínica x Nº de
2.500g no período neonatal (=Nascidos vivos
SINASC x fator correção sub - registro x hipertenso de
0,99) 20.519= 18.877(92%) baixo risco
Nº de consultas/
8% da população alvo (Crianças
ano (2) - (Média
de 0 a 12 meses) estimada. Número
por paciente/
Nº de consultas/ de nascidos vivos no ano anterior
Consulta médica ano- para Hipertensos 21,4% da pop de 18 anos
ano (7) x RN + proporção de nascimentos não Consulta médica/
crianças de 0 a 12 Médico 0,3h solicitação e mais. Estrato de risco moderado
com peso < registrados - número de óbitos ocorridos diagnóstico e Médico 0,3h
meses de Exames Hipertensos= 35% dos hipertensos
2.500g) no período neonatal (=Nascidos vivos acompanhamento
de patologia 1.081.443: 231.429= 81.000
x fator correção sub - registro x 0,99)
clínica x Nº de
20.519 =1.642 (8%)
hipertensos de
8% da população alvo (Crianças de 0 a
risco moderado
12 meses) estimada Número de nascidos Nº de consultas/
Nº de consultas/
Consulta enfermagem vivos no ano anterior + proporção de ano (4) - (Média
ano (6) x RN
para crianças de 0 a Enfermeiro 0,5h nascimentos não registrados - número por paciente/
com peso <
12 meses de óbitos ocorridos no período neonatal ano- para Hipertensos 21,4% da pop de 18 anos e
2.500g Consulta médica/
(=Nascidos vivos x fator correção sub - solicitação mais. Estrato de risco alto Hipertensos=
registro x 0,99) 20.519 =1.642 (8%) diagnóstico e Médico 0,3h
de Exames 25% dos hipertensos 1.081.443: 231.429=
acompanhamento
Nº de consultas/ Número de nascidos vivos no ano de patologia 57.857
ano (2) anterior + proporção de nascimentos clínica x Nº de
Consulta médica para
consultas/ano x não registrados - proporção de nascidos hipertensos de
crianças de 12 a 24 Médico 0,3h
Nº de crianças vivos que morreram no primeiro ano de risco alto
meses Porcentagem
de 12 a 24 vida (=nascidos vivos × fator correção
meses sub registro × 0,98) 20.311 da pop geral Sintomáticos respiratórios OU casos
Consulta médica/ Enfermeiro/ (1%) para suspeitos de tuberculose: 1% da
artigos

Número de nascidos vivos no ano

artigos
0,5/0,3h
Consulta de Nº de consultas/ anterior + proporção de nascimentos enfermagem médico realização de população geral – estimativa nacional.
enfermagem para ano (1) x Nº de não registrados - número de óbitos busca ativa / 14.094
Enfermeiro 0,5h diagnóstico.
crianças de 12 a 24 crianças de 12 ocorridos no período neonatal (=
meses a 24 meses Nascidos vivos × fator correção sub 01 coleta de
registro × 0,98) 20.311 Rastreamento Câncer Enfermeiro / material para exame Mulheres de 25 a 64 anos. 419252 ÷ 2=
Nº de consultas/ 0,5h/0,3h
colo do útero médico Citopatológico/3 209626
ano (2) - (Média anos
por paciente/
ano- para Diabéticos: 6,9% da população de
Consulta médica/ Rastreamento Ca de Enfermeiro / Mulheres entre 50 e 69 anos. 164303 ÷2
solicitação 18 anos e mais. Estrato de Risco Baixo 01mamografia/2
0,5h/0,3h
diagnóstico e Médico 0,3h Mama médico anos. = 82152
de Exames Diabéticos=. 20% dos diabéticos
acompanhamento
de patologia 1.081.443: 74.620= 14.924
clínica x Nº de Porcentagem
diabéticos de da carga
Atividades no território,
risco baixo. horária
reuniões de equipe, Enfermeiro 8h/semana População adstrita
semanal. 20%
atendimento domiciliar
de 40horas
C3

semanais
Porcentagem
Atividades de
da carga
acolhimento e
horária 20h/
demanda imediata, Enfermeiro População adstrita
semanal. 50% semana
supervisão e
de 40horas
gerenciamento
semanais

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Atividades e Porcentagem
ações educativas, da carga
capacitações, entre horária
Enfermeiro 4h/semana
outras, atividades semanal. 10%
demandadas pelo de 40 horas População adstrita
serviço semanais
Porcentagem
da carga
CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA - SAÚDE

CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


Atendimentos agudos horária
Médico 8h/semana População adstrita
na Unidades de Saúde semanal. 20%
de 40 horas
semanais
Porcentagem
Atividades de
da carga
acolhimento,
horária 20h/
demanda imediata, Médico População adstrita
semanal. 50% semana
supervisão e
de 40 horas
gerenciamento
semanais
Porcentagem
Atendimento no de carga
território, reuniões de horária 8 h/
Médico População adstrita
equipe, atendimento semanal. 20% semana
domiciliar de 40 horas
semanais
Atividades e Porcentagem
ações educativas, da carga
capacitações, entre horária 8 h/
Médico População adstrita.
outras, atividades semanal. 10% semana
demandadas pelo de 40 horas
serviço semanais
Fonte: Elaborada pelas autoras com base no Censo do IBGE 2010, nos ¨Parâmetros SUS¨, nos
dados do SINASC 2013, no protocolo da AB: Saúde das mulheres, no Guia de apoio à tomada
de decisão para o acolhimento com identificação de necessidades das Unidades de Saúde da
Atenção Básica de Porto Alegre e no Dimensionamento de Recursos Humano.
artigos

artigos
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CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


artigos

artigos
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Artigo 19
CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA - SAÚDE

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COSTURANDO NARRATIVAS ACERCA DO ACESSO A UMA
UNIDADE DE SAÚDE DE PORTO ALEGRE

Simone de Azevedo Corrêa, Porto Alegre/RS1

COSTURANDO
RESUMO: Este artigo faz uso da cartografia como instrumento de
pesquisa em razão da subjetividade da proposta de mapear a história
do acesso a uma unidade de saúde da zona norte de Porto Alegre em
seus 30 anos de existência, mesmo tempo de vida do Sistema Único
de Saúde (SUS) do Brasil. O acesso à unidade de saúde, ou seja, aos

NARRATIVAS
cuidados com a saúde, ocorre diariamente e de maneira dinâmica,
envolvendo personagens, trabalhadores e usuários, cujas histórias de
vida se mesclam, e a construção dos processos de trabalho é permeada
pelo afeto. Com a adoção da cartografia como metodologia, foram

ACERCA DO
realizadas entrevistas com cinco trabalhadores e quatro integrantes
da comunidade de modo a se promover o mapeamento das histórias
de vida e captar nos rastros das falas, as narrativas, a percepção de
como foi sendo construído, ao longo dos anos, o acesso a essa unidade

ACESSO A UMA
de saúde. Os dois anos de participação ativa nesse contexto, em
contato direto com o objeto do estudo, tornou propícia a construção
de um saber teórico em conjunto com a coleta de dados embasada
por uma sensibilidade reflexiva. Ao costurar essas narrativas, pude
conversar e pensar sobre temas variados, como acesso, acolhimento,

UNIDADE DE
atenção domiciliar, afeto, cuidado, processo de trabalho, equipe
multiprofissional, levantamento epidemiológico, interferências políticas
e econômicas no processo de trabalho da equipe, adoecimento,
morte, prevenção e reabilitação, que se constituem em aspectos

SAÚDE DE PORTO
importantes no dia a dia da unidade de saúde pesquisada.
PALAVRAS-CHAVE: Acesso aos Serviços de Saúde. Atenção Integral à
Saúde. Cartografia.

ALEGRE
COSTURING NARRATIVES ABOUT ACCESS TO A HEALTH UNIT
artigos

artigos
OF PORTO ALEGRE

ABSTRACT: This article makes use of cartography as a tool for research


due to the subjectivity of the proposal to map the history of access to a
health facility in the area north of Porto Alegre in its 30 years of existence,
even lifetime of the unified health system (SUS) of Brazil.  Access to
the health unit, i.e. health care, occurs daily and dinâmica, involving
characters, workers and users, whose life stories merge together, and
C3

1 Simone de Azevedo Corrêa: Residência em Nutrição no Serviço de Saúde e


Comunidade do Grupo Hospitalar Conceição (GHC). Artigo de conclusão da residência,
orientado pelo Prof. Me. Elisandro Rodrigues.

C3
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INFORME C3, Porto Alegre, v. 10, n. 4 (Ed. 23), Dez. - 2018. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.com INFORME C3, Porto Alegre, v. 10, n. 4 (Ed. 23), Dez. - 2018. (ISSN: 2177-6954) - www.informec3.weebly.com

the construction of work processes is permeated by affection. With the Alegre, costurando narrativas de usuários e trabalhadores sobre
adoption of cartography as methodology, were carried out interviews esse tema. Acesso, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa,
with five employees and four community members to promote mapping
of life stories and capture in the tracks of the lines, the narratives, the significa aproximação, chegada, entrada, admissão, alcance.(
CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA - SAÚDE

CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


perception of how it was being built, the over the years, the access Considerando a Política Nacional de Humanização da Atenção
to this health unit. The two years of active participation in this context,
in direct contact with the object of study, become conducive to e da Gestão do SUS, de 2003, e a Política de Gestão Estratégica e
construction of theoretical knowledge together with data collection Participativa no SUS, em 2007, o Ministério da Saúde (2011) estabelece
based on a reflective sensitivity. To sew these narratives, couldn’t talk
and think about various topics, such as access, reception, home care, resoluções, dentre outros direitos, sobre o acesso do usuário ao
affection, care, work process, multidisciplinary team, epidemiological serviço de saúde, afirmando, no Art. 2 §1º, que “o acesso será
survey, political and economic interference in the process of team
work, illness, death, prevention and rehabilitation, which are important preferencialmente nos serviços de Atenção Básica integrados por
aspects in everyday health unit searched. centros de saúde, postos de saúde, unidades de saúde da família e
KEYWORDS: Access to health services. Integral attention to
health. Cartography. unidades básicas de saúde ou similares mais próximos de sua casa”.
Um outro modo de o usuário ter acesso à saúde é por meio
da Atenção Domiciliar. Na Atenção Básica, várias ações são
Introdução
implementadas no domicílio, como cadastramento, busca ativa,
A saúde é um direito de todos os brasileiros, garantido pela
ações de vigilância e educação em saúde. Todavia, essas ações
Constituição Federal de 1988. Todo cidadão tem acesso ao Sistema
diferem das destinadas ao cuidado do paciente impossibilitado de ir
Único de Saúde (SUS), que realiza ações de promoção, prevenção
até a Unidade Básica de Saúde (UBS), mas que expressa a necessidade
e assistência à saúde. Anteriormente o modelo adotado dividia os
de acompanhamento pela equipe básica de saúde. Essas ações se
brasileiros entre os que podiam pagar por serviços de saúde privados;
caracterizam por serem sistemáticas, articuladas e regulares.
os que tinham direito à saúde pública pela Previdência Social, ou seja,
Uma diretriz importante na qualidade do atendimento ao
os trabalhadores com carteira assinada; e os que não tinham nenhum
usuário da saúde pública no Brasil é o compromisso ético no cuidado
direito (PORTAL BRASIL, 2009).
com o outro, na atitude de acolhê-lo em suas diferenças, com suas
Com a promulgação da Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, dores, alegrias, modos de viver, sentir e estar na vida. Acolher é “estar
fica estabelecido o dever do Estado de garantir a saúde como com”, uma atitude de inclusão. Uma atitude de cuidado com o outro.
direito fundamental do ser humano. A garantia da saúde consiste Por cuidado entendemos o “modo de fazer na vida cotidiana que se
na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que caracteriza pela ‘atenção’, ‘responsabilidade’, ‘zelo’ e ‘desvelo’ ‘com
visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no pessoas e coisas’ em lugares e tempos distintos de sua realização”
estabelecimento de condições que assegurem acesso universal (DICIONARIO DA EDUCAÇÂO PROFISSIONAL EM SAÚDE , 2009, s/p).
e igualitário às ações e aos serviços para promoção, proteção O cuidar em saúde, para Roseni Pinheiro, é uma atitude
artigos

artigos
e recuperação da saúde. Essas ações que norteiam o SUS são interativa que inclui o envolvimento e o relacionamento entre as partes,
desenvolvidas de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da compreendendo acolhimento como escuta do sujeito e respeito
Constituição Federal e obedecem a princípios como:  universalidade por seu sofrimento e história de vida. Se por um lado o “cuidado em
do acesso, integralidade, preservação da autonomia e igualdade da saúde”, seja dos profissionais ou de outros relacionamentos, pode
assistência (BRASIL,1990). diminuir o impacto do adoecimento, por outro a falta de “cuidado”
A universalidade do acesso determina, segundo Weber (2006), – ou seja, o descaso, o abandono, o desamparo – pode agravar o
uma verdadeira revolução na maneira de lidar com os direitos dos sofrimento dos pacientes e aumentar o isolamento social causado
cidadãos brasileiros. Este presente texto tem como objetivo pensar pelo adoecimento.
C3

no acesso a uma unidade básica de saúde, do município de Porto Um dos diferenciais do SUS está na integralidade do cuidado

C3
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desse indivíduo/família que acessa, que busca atenção e uma acesso do usuário naquele momento?; (d) Como se deu esse acesso
resposta ao seu sofrimento para além de sua condição biológica. ao longo dos anos e como está agora, sob o seu ponto de vista?; (e)
Se você tivesse a oportunidade de gerenciar, de definir esse acesso,
CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA - SAÚDE

CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


Metodologia como o faria?
Neste estudo, a cartografia foi adotada como procedimento A unidade pesquisada faz parte da rede de atenção do
de pesquisa. As linhas gerais da cartografia foram traçadas por município de Porto Alegre e está situada na zona norte da cidade. A
Deleuze e Guattari no livro Mil Platôs, onde pensaram o rizoma como pesquisa passou pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Grupo Hospitalar
outra imagem do pensamento. Esse método vem sendo utilizado nas Conceição (GHC), sendo pré-requisito para o término da Residência
pesquisas de campo voltadas para os estudos das subjetividades, Integrada em Saúde do GHC. Os personagens que participaram deste
tendo grande impacto naquelas que buscam um método que trabalho receberam nomes fictícios para evitar sua identificação,
gerencie as criações realizadas no próprio processo de pesquisa. conforme a Resolução 466/12.
Segundo Martines, Machado & Colvero, apud Rolnik (2007, p.247), esse
procedimento possibilita o mapeamento da paisagem psicossocial e o Resultados e discussão
“Pela estrada afora eu vou bem sozinha, levar estes doces
mergulho na geografia dos afetos, dos movimentos, das intensidades: para vovozinha. Ela mora longe e o caminho é deserto, e um
“Considerada como uma abordagem relativamente nova quanto lobo mal passeia ali por perto. Mas à tardinha, ao sol poente,
junto à mamãezinha dormirei contente” [Braguinha]
a seu uso na pesquisa qualitativa no Brasil, a cartografia vem sendo
usada como proposta metodológica por pesquisadores brasileiros”
Desde a chegadai como residente, em março de 2015,
(MARTINES; MACHADO; COLVERO, 2013, p.204).
percebeu-se que a história de Chapeuzinho Vermelho fazia parte da
Neste texto pretendeu-se construir pontes que ligassem os saberes
cultura dessa unidade de saúde da zona norte de Porto Alegre. O bairro
já existentes aos levantamentos de fotografias encontradas na unidade,
onde está situada é um dos mais antigos da capital e surgiu no ano de
os registros de vozes e os discursos de trabalhadores e de pessoas que
1930. A história dessa unidade se inicia em 1985, quando moradores do
acessam a unidade de saúde pesquisada. Foram realizadas entrevistas
bairro se reuniram com a Direção do Grupo Hospitalar Conceição que
abertas com quatro usuários e cinco trabalhadores, adotando como
apresentou um projeto de atendimento médico-hospitalar familiar à
critério o tempo de acesso ao serviço prestado por essa unidade de
comunidade e esta como contrapartida ofereceria um local para o
saúde e o tempo de serviço nessa unidade, respectivamente. Como
funcionamento da unidade de saúde.
roteiro prévio das entrevistas utilizouse de perguntas sobre o processo
Em maio de 1985, uma escola estadual cedeu parte de seu
de acesso do usuário à unidade de saúde ao longo de seus 30 anos
“Clube de Mães” para dar lugar ao posto de saúde e, em 1997, a
de existência.
sede da unidade foi construída no terreno do centro comunitário com
Desse modo, foram formuladas as seguintes perguntas aos
artigos

artigos
a ajuda da comunidade. O posto, desde então, oferece atividades
usuários: (a) Desde quando o(a) senhor(a) utiliza o serviço de saúde
de promoção, prevenção, atividades curativas e de reabilitação
da unidade pesquisada?; (b) Como se deu seu acesso à unidade de
aos indivíduos e às suas famílias. Durante a entrevista, o senhor
saúde ao longo desses anos de existência?; (c) O senhor(a) se lembra
Palmeira, um dos usuários entrevistados, pegou algumas fotografias
da primeira vez em que foi a unidade de saúde? Como foi? Quem o
que guarda com carinho em uma escrivaninha de sua sala e mostrou
recebeu?; (d) Onde estava situada a unidade de saúde?; (e) Como é
imagens de médicos, da equipe, da unidade antiga e da construção
o seu acesso neste momento?; (f) O que o senhor(a) faz para obter o
da unidade atual. As fotografias guardadas por 30 anos ilustram a
cuidado de saúde?
narrativa emocionada dos momentos que marcaram a construção
Aos funcionários foram feitas as seguintes perguntas: (a) Desde
C3

do posto de saúde. Assim evidenciou-se que os momentos de vida dos


quando está trabalhando na unidade de saúde pesquisada?; (b)
integrantes da equipe e da comunidade se misturavam, dialogavam,
Onde estava situada a unidade de saúde?; (c) Como era feito o

C3
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se entrelaçavam e se faziam vida população. Segundo os entrevistados, essa incorporação foi fruto de
um acordo estabelecido entre o Grupo Hospitalar Conceição (GHC)
Sobre o Acesso Naquele Tempo e a Prefeitura de Porto Alegre em troca de medicamentos:
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CORPO - ARTES - EDUCAÇÃO - MODA - CULTURA


“Naquele tempo poucos buscavam a unidade, pois eram da classe
ACESSO: O que significa além de porta de entrada. A. Hoje a população do bairro (...) envelheceu e perdeu o poder
O senhor Palmeira, antigo morador da comunidade e participante aquisitivo, e por isso procura a unidade.” (Sr. Palmeira)
“O número de pessoas do bairro vizinho que consulta aqui na unidade
em todo o processo de implantação da unidade de saúde, conta ainda vai aumentar muito mais por diminuição do poder aquisitivo”
que bem no início, ainda no espaço cedido pela escola estadual, (Sra. Cravo)
os profissionais de saúde prestavam atendimento embaixo de uma
árvore, pois a área disponível era muito pequena. Ao longo dos anos, a A senhora Camomila constata o aumento do número de edifícios
comunidade construiu os chamados “puxadinhos”, que funcionavam construídos nos últimos 12 anos e, ao conversar com moradores do bairro,
enquanto era construído o prédio para o atendimento (unidade comprova a perda de poder aquisitivo e o envelhecimento da população,
o que levou à redução do número de usuários de planos de saúde e ao
atual). O acesso era feito por livre demanda, bastando comprovar ser
aumento do número de pessoas que recorrem ao posto para resolver todas
morador do território para ser atendido. Não era necessário chegar
as suas necessidades de saúde. Para uma das trabalhadoras entrevistadas,
cedo para a retirada das fichas, que eram distribuídas diariamente:
“... No início tinha ficha todo dia. Tu era atendido no dia e não esperava não houve aumento da população em geral, mas sim do número de usuários
porque a população era pouca. Não tinha problema. Pra você ver, às do SUS.
quatro horas vinham as gurias (referindo-se à equipe da unidade) tomar um
café, um chá, pois era folgado. Atendiam de manhã e depois vinham aqui, Em busca de dados, que comprovassem ou não o aumento da
nós morávamos mais perto do posto.” (Sr. Palmeira)
população cadastrada na unidade, foram encontrados os seguimtes
números: no ano 2000 havia 9.493 pessoas cadastradas, enquanto em
A busca por atendimento era prioritariamente materno-infantil,
janeiro de 2004 estavam cadastradas 10.195 pessoas e em outubro
uma vez que os homens pouco acessavam o serviço. De acordo com
de 2016 esse número passou a ser de 7.774, sendo registrada uma
os profissionais entrevistados, o trabalho era mais artesanal, construído
média de 1.705 consultas mensais e 3.915 procedimentos2.
conforme a demanda do dia a dia: “A gente fazia tudo a mão, tudo
Por outro lado, parecendo refletir sobre o fato de a população
que hoje a gente faz no computador, fazia a mão” (Sra.Tulipa)).
que acessa a unidade de saúde não ter aumentado em número, a
Segundo a senhora Camomila e o senhor Palmeira, a população
mesma trabalhadora comenta:
aumentou bastante quando a sede da unidade foi transferida para o “Em relação ao acesso, parecia que era mais facilitado, porque tinha
prédio atual. A partir de então, tornou-se necessário chegar cedo para menos gente que procurava. Acho que com o tempo as pessoas passaram
a procurar mais atendimento, porque a mídia assusta com as doenças, e
tirar uma ficha. Isso, segundo a senhora Camomila, foi um dos motivos a dependência do serviço de saúde aumentou. Hoje, qualquer pequena
que levaram à necessidade de recadastramento da população: manifestação de alteração com a sua saúde faz as pessoas virem para o
posto. A busca pelo serviço de saúde aumentou.” (Sra.Tulipa)
artigos

artigos
“Mil pessoas não eram moradores” (Sra. Camomila). Esse problema
continua presente, como pode ser constatado no relato de uma das
Outra moradora expressa um outro ponto de vista sobre o que
trabalhadoras entrevistadas:
“A gente está sempre trabalhando essa coisa dos fora de área, mas muito acontece na unidade: “O atendimento é muito bom, só que o pessoal
a gente sabe e muitos a gente não faz nem ideia e continua atendendo. abusa e quem tem necessidade mesmo não consegue marcar uma
Eu sou meio frouxa nisso... Eu sei que essa pessoa não tem outro lugar pra
procurar e, se a gente não der o atendimento, o que ela vai fazer? Pessoas consulta” (Sra. Amora).
que não estão mais aqui e a gente atende, porque essas pessoas não têm Em relação ao conceito de necessidade vis-à-vis, o da
pra onde ir.” (Sra.Tulipa)
demanda por serviços, segundo Sancho e Kurokawa (2013, p.379),

Em 2004, a incorporação dos moradores do bairro vizinho


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representa outro acontecimento que promoveu o crescimento da 2 Dados de documentos buscados na unidade de saúde pesquisada e dados atuais
fornecidos por uma Agente de Saúde Comunitária dessa unidade.

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ainda representa um dilema para os decisores da área da saúde. de se proceder à vigilância em saúde. O trabalho assim realizado, além
Jesus & Assis (2010,p.164), citando Giovanella & Fleury, entendem de aproximar os profissionais dos diferentes núcleos, possibilita, com as
que a relação oferta/demanda pode ser entendida como a relação discussões de casos, que todos participem do processo do cuidado,
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existente entre a capacidade de oferecer serviços de saúde e a oferecendo a possibilidade de pactuação quanto às decisões de
necessidade de assistência de uma dada população. O desafio cuidado com esses pacientes em conjunto com os outros profissionais
da planificação em saúde no Brasil, segundo esses autores, está em e diminuindo a tendência ainda existente na saúde como um todo de
estabelecer acesso à saúde com disponibilidade, acessibilidade, se restringir o trabalho aos núcleos profissionais específicos com pouco
adequação funcional, capacidade financeira e aceitabilidade. diálogo entre os núcleos.
Com o objetivo de compreender melhor as necessidades dessa
população, em 1986 foi iniciado o primeiro diagnóstico de demanda: Sobre o acesso: grupos, agendamento e Atendimento Domiciliar
“Fizemos um trabalho, um estudo, um diagnóstico de demanda
Existem diferentes modos de prestar atendimento às pessoas, ou
que foi muito interessante. Foi feito um estudo epidemiológico
para a gente conhecer melhor a comunidade com a qual a seja, formas diferentes de acesso à unidade de saúde pesquisada.
gente ia trabalhar.” (.Sra.Lírio)
Além das consultas agendadas para todos os profissionais, nos dois
turnos funcionam o acolhimento, a aplicação das vacinas, curativos
Questionados em relação ao acesso atual, os entrevistados e outros procedimentos, executados pelas técnicas de enfermagem
em geral acreditam que o acesso foi organizado que se tornou sob a supervisão dos enfermeiros(as):
possível dar conta do aumento do número de usuários do SUS e do “O acolhimento que hoje está instituído acontecia
espontaneamente, era acolhido por quem estava. Hoje se
envelhecimento da população, mas com a perda da facilidade organizou, tem gente definida para atender” (Sra.Tulipa).
de chegada a qualquer hora e de ser atendido por quem estivesse
disponível, e a perda de um pouco da leveza das relações humanas: O acolhimento tem pauta constante nas atividades de
“O serviço de saúde qualificou. Temos mais informações, planejamento da unidade de saúde, assim como nas reuniões de
mais organização. A gente tem metas, indicadores, grupos
equipe. Outra forma de acesso aos cuidados pela equipe de saúde
organizados, informações epidemiológicas”(Sra.Tulipa).
dessa unidade consiste na participação dos grupos. A unidade
pesquisada tem uma longa trajetória de atendimentos em grupo:
Como é possível atender tanta gente? A casinha é tão pequena! “Eu fazia um grupo por rua com as crianças e com as mães,
Alguns queriam ter mais tempo, outros, mais salas. A equipe, no início que se reuniam na casa de alguém.”( Sra.Tulipa
(1985) constituída apenas por seis médicos, passou a contar também
com cinco enfermeiros(as), oito técnicas de enfermagem, três Segundo a entrevistada, membro da equipe desde a
dentistas, duas técnicas de saúde bucal, três agentes administrativos, inauguração da unidade, algumas pessoas cumpriam o papel de
artigos

artigos
uma psicóloga, uma assistente social, duas auxiliares de serviços aglutinadoras e abriam suas portas para que o encontro dos grupos,
gerais, treze agentes comunitários de saúde, um vigilante, três como o grupo do desabafo que era coordenado por uma agente
residentes de medicina, duas residentes de nutrição, duas residentes de saúde. Neste momento os grupos existentes fazem suas reuniões
de odontologia, duas residentes de psicologia, duas residentes de dentro da própria unidade de saúde.
serviço social e seis estagiários, sem contar os apoios matriciais em O fluxo de agendamento para os diferentes profissionais da
Nutrição, Medicina Interna e Psiquiatria. Alguns destes profissionais equipe varia de acordo com o que o núcleo profissional considera mais
têm contrato temporário, desta forma o número de profissionais se adequado. Pessoas cadastradas no Programa Hiperdia (hipertensão
modifica com frequencia. e diabetes), gestantes e crianças em puericultura têm suas consultas
O território é dividido em áreas de Vigilância, estratégia bastante reservadas nas agendas de seus(suas) médicos(as). Os idosos podem
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interessante por possibilitar um trabalho interdisciplinar com o objetivo agendar por telefone das 17 às 18 horas nas sextas-feiras.

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Segundo os entrevistados, sempre foi grande o número de não é nada agradável dizer não, porque eu sei que a pessoa
não está ali me procurando por uma bobagem, ela está ali
idosos: atualmente (2016) são 2.261 idosos com mais de 60 anos, 457 porque realmente precisa.”(Sra Jasmim)
com mais de 80 anos e 90 com mais de 90 anos. Evidentemente,
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essa população precisa de mais cuidados e muitas vezes faz parte Esse sentimento de frustração, de impotência pode ser um dos
da chamada população invisível, como foi visto acima. Por isso, no motivos de afastamento por doença dos trabalhadores, principalmente
ano de 2016, a identificação dos idosos frágeis passou a fazer parte dos técnicos de enfermagem e do pessoal da administração, que
do planejamento. Os idosos são identificados principalmente pelos não costumam conseguir responder às demandas dos usuários.
agentes comunitários de saúde e acompanhados por eles. Nas Ainda que bem-intencionada, as propostas da Política Nacional
reuniões das áreas de Vigilância, esses casos são discutidos e traçadas de Humanização (PNH) com base no acolhimento promove condições
as estratégias: adicionais para o surgimento da síndrome de burnout do trabalhador
“Acho que a gente tem que se dedicar para facilitar um
acesso a essa população acima dos 80 anos. Temos idosos em saúde. Suas manifestações incluem: exaustão emocional, perda de
sozinhos. Idosos vulneráveis. Algumas pessoas não têm interesse em práticas profissionais inovadoras e sintomas físicos diversos,
nenhuma rede de apoio, outros uma rede de apoio omissa,
outros contam com vizinhos. Cada caso deve ser olhado com consequente perda de qualidade no trabalho e distanciamento
individualmente. O serviço de saúde não está preparado nas relações pessoais (TRIGO; TENG; HALLAK, 2007).
para essa demanda”. (Sra.Magnólia “Os trabalhadores de saúde cansam, sofrem […] Essa
qualificação exige mais. Hoje essa qualificação do trabalho
maximizou o tempo. Todo o tempo em que se está aqui
O trabalho dos agentes é valorizado pelos moradores, como dentro tem que estar produzindo.” (Sra.Tulipa)
deixa claro o seguinte relato:
“Têm pessoas que não têm condições de ir na unidade,
pessoas que tomam os remédios tudo trocado, e a gente Apesar do cansaço e da falta de espaço físico para acomodar
falou com a agente e ela conseguiu ajudar, organizou a toda a equipe, apesar do sentimento de frustração por não ser tão
medicação e tu não imagina a melhora.” (Sra. Camomila)
resolutivo como gostaria, os relatos dos entrevistados deixam sempre
evidente o afeto. A equipe não se tem deixado abater e faz do seu
O Programa de Assistência Domicilar (PAD), um dos serviços
dia a dia uma oportunidade de exercitar a empatia e responder
oferecidos na unidade de saúde, atende de maneira interdisciplinar
com afeto às inúmeras situações do cotidiano dos serviços de saúde,
pacientes que necessitam de cuidados ainda mais próximos e são
acolhendo e traçando estratégias que se modificam inúmeras vezes
incluídos no programa de acordo com alguns critérios:
“Na visita ao pai pelo PAD eles vêm ver o pai e tiram minha com o objetivo de se tornarem resolutivos e responderem com
pressão porque fico muito nervosa quando o pai fica competência às necessidades trazidas pelos usuários.
doente.” (Sra. Violeta)

E o afeto?
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O sentimento de não atender a todos que precisam.
São 30 anos de convivência com muitos moradores da
O sentimento de frustração ficou evidente em muitos relatos dos
comunidade onde está situada a unidade de saúde. Alguns profissionais
trabalhadores entrevistados, por não conseguirem ser resolutivos em
estão presentes desde o início dos atendimentos, assim como alguns
muitas das demandas das pessoas/famílias que os procuram, apesar
moradores. Suas vidas transcorreram lado a lado, com casamentos,
de todo esforço e empenho da equipe em atender a todos, como
filhos, formaturas, netos, separações, óbitos, doenças, vínculos...
pode ser observado nos relatos abaixo:
“Às vezes a gente tem que dizer um não para o paciente, Vínculo que atravessa gerações:
mas não é um não, não, é escutar o que o paciente precisa “Esses dia eu atendi uma mãe e uma criança, e ela tinha
e tentar entender como a gente pode ajudar ele mesmo se mudado e voltou. Então eu atendi a criança, e ela
que efetivamente a gente não possa fazer aquilo naquele disse: ah, Doutora, a senhora não deve se lembrar de mim,
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mas quando eu tinha 5 anos minha mãe veio se consultar


momento, o que a gente pode fazer para tentar colaborar
e me trouxe junto(...),fazia 20 anos e ela, mesmo tendo se
com ele, para que ele saia daqui pelo menos parcialmente mudado, se lembrou de algo que aconteceu há 20 anos e
atendido. Eu não gosto de dizer não para ninguém. Pra mim

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ficou vinculada. Os pacientes se vinculam muito. Tem um ou O afeto, segundo os relatos e as observações pessoais nesses
outro que não se acerta e tem esse direito.” (Sra.Rosa)
dois anos de convivência com a equipe, foi sendo construído ao
longo desses 30 anos e ensinado aos profissionais que vão chegando.
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Médica/amiga/irmã/filha, essa “Doutora” todos os anos
A cordialidade e o empenho em responder às demandas de quem
comemora seu aniversário na unidade com seus pacientes:
“Me lembro bem da primeira consulta, e nós conversamos vai chegando, estão integrados à rotina., o que nos leva a concordar
uns 45, 50 minutos, e desde ali eu sempre a preferi, e somos com Silva et al. (2005), quando dizem que “a cordialidade e a
muito amigas. Ela até quer que eu mude de médico porque
não obedeço a ela”. (Sra. Amora) convivialidade são também fundamentais no ato de cuidar, visto que
“Faço uns bolinhos recheados de batata, faço panquecas
e ligo pra ela (Margarida) e ela diz: Tá, já vou indo... A estreitam as relações entre os seres humanos.”
Margarida é como uma irmã. Sei que posso contar com
ela. Ela quer se aposentar, mas disse que ela não pode se
aposentar enquanto estivermos aqui...” (Sra. Amora) Terminando....
Desde o início da caminhada, nessa estrada afora, foi
Há 30 anos, segundo os relatos, a rotina dos trabalhadores e rabiscando anotações em cadernos de campo e no celular, em
moradores do bairro parecia ser ainda mais próxima: cada olhar recebido partido da unidade de saúde, foi deixando-se
“Eles trabalhavam no sábado e a cada sábado eu fazia
carne assada. Um panelão de carne assada pra equipe vir envolver e misturar-se que foi possível sent de fato o que representava
almoçar.” (Sra. Camomila) ser uma trabalhadora da saúde comunitária, uma trabalhadora do
SUS. Foram dois anos de inserção numa equipe de saúde, não apenas
O senhor Palmeira se lembra de quando a esposa foi à unidade como observadora, mas como residente de Nutrição.
preparar wafle para a equipe: Logo nos primeiros meses já fazia parte da equipe, ajudava no]
“Lembro da tarde em que fiz waffle na unidade para a
equipe. Ia fazendo e, quando eles tinham um tempinho, acolhimento, atendia a agenda de nutrição, discutia casos com outros
vinham comer…” (Sra. Camomila)
profissionais, fazia visitas domiciliares, participava das reuniões de
equipe, seminários de campo, integrava uma das áreas de vigilância
Esse tempo também deixou saudade nos trabalhadores: e amava muito tudo o que fazia.
“ Essa proximidade, de ir almoçar, tomar um chá, comer um
bolo, parece não ter tempo mais pra isso. Traziam muita coisa Descobrique muitos caminhos levam a essa unidade de sáude,
pra gente. A gente parava pra tomar um café com bolo
que a vizinha tinha feito pra gente(...) Ainda tenho vínculos, uma casinha pequenina repleta de histórias e sentimentos, como
mas não temos mais tempo para curtir esses vínculos que o expresso por uma das trabalhadoras que, além de trabalhar na
a gente estabeleceu. Faz tempo que não vou na casa de
alguém tomar um chá, e a gente ia.” (Sra.Tulipa) unidade, reside no bairro desde criança. Seu depoimento traduz o dia
a dia na unidade:
A preocupação e o cuidado com as pessoas não se restringe “Por isso que o termo que se usa para nos definir é muito
perfeito, é a saúde comunitária, e não é uma saúde
ao turno de trabalho: comunitária porque ela atende a comunidade, ela é uma
artigos

artigos
“Eu cansei de ver os profissionais médicos, no final de seu saúde comunitária porque nós somos uma comunidade,
turno, depois de atender os pacientes, ligar para para dizer nós equipe e nós comunidade. Nós todos somos uma
que iriam sair de férias, mas deixar um encaminhamento..” comunidade., Tudo faz parte desse mesmo processo, e é
(Sra.Jasmim) um processo vivo. Não é um processo estruturado, direitinho,
cheio de regrinhas escrito na parede e que a gente vai fazer
O afeto aparece nos mínimos detalhes: exatamente aquilo que tá ali...”(Sra. Jasmim)
“Tem um grupo de pessoas que se esforça mesmo, realmente,
para tentar melhorar a vida dos outros, em cada coisinha Os fluxos e os processos de trabalho foram se adaptando às
que a gente faz, mesmo que seja uma coisinha boba, como
preparar uma festinha no dia do idoso e fazer decorações necessidades sempre que era preciso:
com balões. Isso é uma preocupação da equipe com a “...a gente está diariamente num processo de construção,
saúde das pessoas também, com o bem-estar, com as olhando criticamente pro que a gente está fazendo,
pessoas se sentirem bem no ambiente.”( Sra.(Jasmim) revendo, repensando e se adaptando às modificações que
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“Nós, Graças a Deus, temos o postinho, que é maravilhoso.” estão acontecendo na nossa comunidade, no nosso cenário
(Sra. Amora) político, no cenário econômico. Tudo interfere no nosso
andamento, no nosso processo de trabalho.” (Sra. Jasmim)

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A vida da comunidade se mescla à vida da equipe, à nossa Actas Saúde Coletiva.[Online]. 2013, vol.7,n.2, p.204.
vida, nos transformando a cada momento, e é preciso se deixar MINISTÉRIO DA SAÚDE. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Carta dos
contaminar, se deixar misturar. A condução do processo de coleta de Direitos dos Usuários da Saúde. 3ª edição. Série E. Legislação de Saúde.
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informações nas entrevistas realizadas durou meio ano, contabilizando Brasília/DF.2011.
em torno de cinco horas de entrevistas transcritas, além de quase seis ROLNIK, S. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas
do desejo. 1ª ed. Porto Alegre: Editora Sulina – Editora da UFRGS; 2007,
mil horas de convivência com a equipe e a população que frequenta
p.247.
a unidade.
SANCHO, L. G.; SILVA, N. E. K. Descortinando o acesso aos serviços
Certamente, sentirei saudades da equipe e dos amigos que de saúde na perspectiva da interdisciplinaridade: debate de ideias.
fiz. Nesses dois anos faleceram algumas das pessoas que atendi, na PHYSIS. Rev. De Saúde Coletiva. [Online]. 2013, vol.23, n.2, pp.371-391.
maioria idosos e doentes terminais com câncer. Acompanhei as famílias Acesso 15 novembro de 2016.
em suas dores, mas também a alegria das gestantes, dos bebês, das SHOLZE, A. S.; DUARTE JUNIOR, C. F.; FLORES e SILVA, Y. . Trabalho em
crianças. Percebi a riqueza no trabalho com os grupos, a importância saúde e a implantação do acolhimento na atenção primária à saúde:
afeto , empatia ou alteridade? Interface. Rev. Comunicação, Saúde e
do acolhimento, do afeto e do respeito pela singularidade do outro, a Educação.[Online] 2009, vol.13, n.31, p.303-14
dificuldade em ser resolutivo em muitas das demandas e a frustração
SILVA, L. W. S.; FRANCIONI, F. F.; SENA, E. L. da S.; CARRARO,T. E.; RANDÜNZ,
decorrente disso, mas saio enriqueccida e misturada. Na Unidade, a V. cuidado na perspectiva de Leonardo Boff, uma personalidade a ser
vida continua... (re) descoberta na enfermagem. Ver. Bras. De Enfermagem.[Online].
Brasília. July/Aug. 2005, vol.58, n.4.
TEDESCO, S. H.; SADE, C. e CALIMAN, L. V. A entrevista na Pesquisa
Referências Bibliográficas Cartográfica: uma Experiência fazer Dizer. Fractal, Rev. Psicol. [Online]
BARROS, L. M. de R.; BARROS, M. E. B. de. O Problema da Análise em vol. 25. 2013, vol.25, n.2, pp. 299-322.
Pesquisa  Cartográfica.  Fractal, Rev. Psicol. [Online]. 2013, vol.25, n.2,
TRIGO, T. R.; TENG, C. T.; HALLAK, J. E. C. Sindrome de bournout ou
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estafa profissional e os transtornos psiquiátricos. Rev. Psiquiatr. Clin.
BRASIL. LEI 8.080 de setembrode1990. [Online] 2007.Vol.34, nº.5. São Paulo.
BRASIL. CADERNO DE ATENÇÃO DOMICILIAR. Melhor em Casa. A WEBER, C. A. T. Programa de Saúde da Família: educação e Controle
segurança do Hospital no conforto do seu lar. Volume 1. Ministério da da População. Porto Alegre: AGE, 2006.
Saúde. Brasília-DF, 2012.
BRASIL. CADERNO DE ATENÇÃO DOMICILIAR. Melhor em Casa. A
segurança do Hospital no conforto do seu lar. Volume 2. Ministério da
Saúde. Brasília-DF, 2013.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol 1.
artigos

Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.

artigos
DICIONÁRIO de Português on line.
DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE . Fundação
Oswaldo Cruz. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio.Rio de
Janeiro-RJ. 2009.
JESUS, W. L. A.; ASSIS, M. M. A. Revisão sistemática sobre o conceito de
acesso nos serviços de saúde: contribuições do planejamento. Rev.
Ciência & Saúde Coletiva.[Online]. January 2010, vol.15, n.1, pp.161-
170.
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MARTINES, W. R. V.; MACHADO, A. L.; COLVERO, L. A. A cartografia


como inovação metodológica na pesquisa em saúde. Rev. Tempus

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Artigo 20
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ANÁLISE DA SAÚDE NA MÍDIA: RELAÇÕES DE PODER E
PRODUÇÃO DE SENTIDOS

Stefania Rosa da Silva, Porto Alegre/RS1


Dr. Alexandra Jochims Kruel, GHC, Porto Alegre/RS2

ANÁLISE DA
Dr. Cristianne Maria Famer Rocha, UFRGS, Porto Alegre/RS3

RESUMO: A mídia é um espaço de produção de diversas condições de

SAÚDE NA MÍDIA:
saúde e produção de subjetividades, sendo objeto de pesquisa deste
artigo. Como intenção principal, procurou-se responder de que modo
a mídia tem veiculado as notícias referentes à saúde, em um jornal
de circulação diária. A metodologia utilizada foi a quanti-qualitativa

RELAÇÕES
com análise descritiva e identificação de temáticas, títulos e atores,
em série-histórica. Dentre os principais resultados, aparece a temática
Saúde no Mundo com maior frequência de veiculação, assim como
os títulos positivos, os quais totalizam 213. Referente aos atores, há um
destaque para a Administração Pública Direta e Indireta e para a

DE PODER E
categoria médica como sujeito ativo, enquanto os usuários-cidadãos
assumem papel de sujeitos passivos das ações.
Palavras-Chave: Comunicação. Mídia. Saúde.

PRODUÇÃO DE
HEALTH ANALYSIS IN THE MEDIA: POWER AND SENSE
PRODUCTION RELATIONS
SUMMARY: The media is a production space of various health conditions

SENTISO
and production of subjectivities, being object of research for this article.
As main intention, tried to answer how the media has broadcasted the
news regarding health, in a daily newspaper. The methodology used
was qualitative with quantitative descriptive analysis and identification
of themes, titles and actors in historical series. Among the main results,
artigos

artigos
the World Health theme with higher frequency of publication, as well
as the positive bonds, which amount to 213. For the actors, there is an
emphasis on the direct and indirect public administration and for the

1 Bacharel em Saúde Coletiva. Residente do Programa de Residência Integrada em


Saúde (RIS), ênfase Gestão em Saúde, do Centro de Educação Tecnológica e Pesquisa em
Saúde- Escola GHC. Endereço eletrônico: fani_rosa@hotmail.com

2 Doutora em Administração. Docente no Centro Universitário La Salle e no Centro de


Educação Tecnológica e Pesquisa em Saúde. Administradora no Grupo Hospitalar Conceição.
Endereço eletrônico: akruel@ghc.com.br
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3 Doutora em Educação. Professora Adjunta da Escola de Enfermagem da Universidade


Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), junto ao Curso de Bacharelado em Saúde Coletiva e ao
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Endereço eletrônico: cristianne.rocha@ufrgs.br

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medical category as subject active, while the users-citizens assume saúde, constituíram-se estratégias econômicas e ideológicas. A partir
role of taxable persons.
de 1945, a interface comunicação-saúde passou a assumir caráter
Keywords: Communication. Media. Health. mais heterogêneo, sendo cada vez mais associada a um conjunto
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de instrumentos e práticas voltados para persuadir e convencer os
indivíduos da população sobre intervenções/problemas de saúde.
A interface saúde comunicação
A exemplo da Declaração de Alma-Ata (OMS, 1978) e da Em um contexto global, por volta da década de 1960, as
Carta de Ottawa (OMS, 1986), as quais destacaram a importância dos comunicações e as relações públicas se desenvolveram em larga
determinantes de saúde que, por sua vez, envolvem diversos setores, escala, fortalecendo a prática de assessoria de imprensa tanto
neles incluídos o da comunicação, distintos fóruns mantiveram em em empresas privadas quanto no serviço público (CASTRO, 2008).
evidência a comunicação como fenômeno e processo de construção O processo comunicativo e as relações interpessoais têm sofrido
de sentidos (SANTOS, 2011). A palavra comunicação vem do latim alterações incorporadas no cotidiano social. Nesse cenário, a cultura
communicatio, que significa tornar comum, sendo, pois, fundamental contemporânea é marcadamente influenciada por distintos meios
para o ser humano viver socialmente. De acordo com Sánchez (1999), técnicos e veículos midiáticos onde a construção de significados
constitui-se um sistema de código simbólico complexo com significado é estabelecida por meio de uma comunicação mediada, ou
próprio. seja, mediante meios mecânicos e eletrônicos (ISER; SILVA, 2011).
Nesse mesmo sentido, segundo Hohlfeldt (apud SANTOS, 2011), Na perspectiva de Guareschi e Biz (2005), a influência que a mídia
a comunicação é uma relação que os indivíduos estabelecem dentro possui tem fluidificado barreiras na comunicação e até substituído o outro
de uma comunidade, com o objetivo de obter um entendimento no processo dialógico, sendo capaz de alterar/modificar percepções,
recíproco, não havendo a possibilidade de ordenamento simbólico ideias, valores e decisões. Os diferentes meios de comunicação de
ou organização social sem a interferência da comunicação. Para o massa incitam uma competição entre mídias e nichos de mercado
autor, o conceito comunicação se refere ao próprio espaço simbólico referentes a segmentos populacionais recortados por gênero, faixas
no qual se dá a interação psicológica, social e de poder entre sujeitos, etárias e aspectos socioculturais. No entanto, conforme Reis, Schreiner
agentes e atores sociais. e Rosa (2002), há uma padronização do que é divulgado, reforçando-
Conforme Araújo (2002), por constituir-se fenômeno se ideias hegemônicas que alcançam os mais diversos setores, neles
intrinsecamente social, a comunicação existe desde os primórdios incluídos a saúde e a demanda/consumo de recursos e ações de saúde.
das comunidades humanas, evoluindo com o desenvolvimento
Existe notável diferença entre comunicação em saúde e saúde
do signo e da linguagem. Em vista disso, deve ser entendida como
na mídia. Quanto à primeira, é referida como “institucional e diz respeito às
objeto de estudo que permite compreender as inter-relações e
diretrizes de comunicação pública a partir do Estado e de suas políticas e
artigos

artigos
implicações com outros setores e áreas da atividade humana.
instrumentos”. A segunda, por sua vez, refere-se aos “modos pelos quais
A comunicação está presente no campo da saúde o conceito de saúde é apropriado, veiculado, mediado e posto em
durante toda a trajetória da gestão pública brasileira, devendo circulação pelas várias mídias em nosso país” (XAVIER, 2006, p.43 e 44).
ser considerada como processo das políticas de saúde (FAUSTO-
A saúde divulgada pela mídia tem sido relacionada ao consumo
NETTO, 1995). Em uma retrospectiva histórica, Cardoso (2003) refere
condicionado pelo acesso a produtos/serviços que produzem saúde
que, na década de 1920, marcada por importantes transformações
(PITTA, 1995). Nas palavras de Coelho e Fonseca (2007, p. 66), a saúde
no pensamento médico-sanitário, a comunicação começou a ser
é, pois, objeto de consumo no qual “contamos com o poder de
utilizada com o intuito de promover a mudança de comportamento
persuasão das ideias de prazer e de felicidade que são constantemente
C3

da sociedade quanto às questões de saúde e higiene. Após a Era


recodificadas pelo mercado e pela mídia”. Nesse sentido, Guareschi
Vargas (1930-1945), a comunicação, bem como a educação e a

C3
370 371
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e Biz (2005, p. 61-62) afirmam que a mídia exerce uma influência já Com vistas a responder ao seguinte problema de pesquisa: “de
impregnada onde “o que existe, o que tem valor, o que traz resposta, que modo a mídia tem veiculado as notícias referentes à saúde?”, o
o que legitima e dá densidade significativa ao nosso cotidiano. objetivo geral se constituiu em analisar as notícias que versaram sobre
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Hoje, algo passa a existir, ou deixa de existir, se é, ou não, midiado”. saúde, tendo como objetivos específicos: identificar a quantidade de
O fato é que a comunicação se constitui em uma arena de notícias veiculadas que fizeram referência à saúde; analisar os títulos e
disputa e debate político, a qual contribui para a garantia de direitos subtítulos veiculados com o intuito de identificar qual a abordagem que
civis e políticos. Sendo assim, o direito de expressão sobre temas de prevalece, classificando-as em positiva, negativa ou nula; classificar as
interesse público precisa ser garantido pelos meios de comunicação, matérias de acordo com temáticas a serem delimitadas; e apontar atores.
uma vez que são estes os principais espaços de circulação de
informação e cultura, bem como um dos mais importantes para a Caminhos Metodológicos
referência de valores e formação de opinião pública (SANTOS, 2011). No que se refere ao tipo de estudo desta pesquisa, trata-se de
abordagem quanti-qualitativa de natureza descritiva, cuja população
O poder que a mídia exerce diariamente sobre seu público
corresponde às notícias referentes à saúde, veiculadas por um jornal
é reproduzido nos discursos, perpetuando práticas socioculturais.
impresso de grande circulação na Capital do Estado do Rio Grande do
Produtos “vendidos”- informações/opiniões pela mídia têm a função de
Sul, que também é distribuído para o oeste e litoral de Santa Catarina
reprodução de valores. Assim, a mídia “vende” o status de uma sociedade
e para o oeste do Paraná, além de possuir uma versão digital.
em que um grupo exerce o poder sobre o outro (SANTOS, 2001, p. 112).
Definiu-se como critério de inclusão as matérias publicadas
De acordo com Braga (1999), o discurso é o espaço em que
que fizeram referência à saúde. Como critério de exclusão, as notícias
o saber e o poder se articulam, pois quem fala, fala de algum lugar
que apresentaram outras temáticas não relacionadas ao tema, bem
e com base em um direito reconhecido institucionalmente. Segundo
como materiais de propaganda de procedimentos ou serviços de
Benveniste (1989), o locutor, ao apropriar-se do aparelho formal da
saúde.
língua, enuncia sua posição por índices específicos, demarcando sua
A pesquisa se realizou em série histórica, de agosto a
posição sócio-histórica. Por consequência, não existe neutralidade
novembro de 2014, período escolhido em virtude de anteceder
de quem enuncia, uma vez que o faz de acordo com a filosofia
e suceder eleições para presidente, senadores, deputados
do veículo para o qual desempenha sua função (BRAGA, 1999).
e governadores. Foram selecionadas todas as matérias que
O discurso científico funciona mediante regras versaram sobre saúde, totalizando 591, separando-as por
preestabelecidas em determinadas condições de produção e é, data e classificando seu título como positivo, negativo e nulo.
assim, representação de poder e controle social. O discurso midiático,
Salienta-se que os critérios de análise dos títulos partiram de
por sua vez, se transveste como síntese de tais discursos científicos.
artigos

artigos
interpretação subjetiva da própria autora sobre as palavras que
No entanto, aquele generaliza estes, reelaborando-os de forma
os compunham, considerando seu significado, bem como pela
descontextualizada e destituída de identidade (SERRA; SANTOS, 2003).
sensação que elas provocaram para a pesquisadora, ou seja, ao
Nesse sentido, salienta-se a importância de um olhar sobre que remeteram e a que pensamentos se ligaram. Notícias positivas
os discursos midiáticos, no campo da saúde, dada a potência geraram sensações boas, uma vez que provocaram a ideia de união,
com que têm de produzir efeitos de verdade. Assim, o presente mobilização e ação em prol de um bem maior. Negativas, por sua
trabalho aponta para a importância dos meios de comunicação vez, geraram pensamento de decepção, preocupação e incerteza.
como determinantes de saúde e sua influência na construção Enquanto as nulas não induziram a pensamentos específicos,
C3

de subjetividades, assumindo, papel fundamental nas políticas tendo em vista que tiveram como caráter maior neutralidade.
públicas de saúde e, por conseguinte, na gestão em saúde.
Por fim, agruparam-se as matérias em temáticas

C3
372 373
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principais, formadas a partir de grandes grupos norteadores


Figura 1: Total de matérias por temática
e se apontaram os atores encontrados. No que compete
às temáticas desta pesquisa, identificaram-se as seguintes:
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• Saúde no Mundo: correspondeu a notícias veiculadas que
versaram sobre o tema em qualquer lugar do planeta. Mesmo as
que trouxeram questões específicas de cada lugar foram incluídas
neste grupo porque se escolheu como critério a abrangência;
• Campanhas de Saúde: disseram respeito a ações de saúde
realizadas e promovidas em prol de assuntos de grande repercussão,
como Doação de órgãos, Outubro Rosa, Novembro azul;
• Vigilância Sanitária/Saúde Suplementar: referentes a ações de
vigilância, como por exemplo, fiscalização e fechamento de
serviços por inadequação, fraudes em fatores que compõem os
determinantes de saúde; bem como questões sobre os Planos de
Saúde, incluídas ações, pesquisas, eventos. Foram agrupadas em Fonte: Elaborado pela autora
conjunto uma vez que seus Órgãos Reguladores, respectivamente,
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Agência
Destaca-se que o número expressivo de matérias sobre Saúde no
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pertencem à Administração
Mundo foi marcadamente reforçado com o surto de Ebola que estava
Pública Indireta, sendo autarquias com poder discricionário;
em seu auge, fato que pode ser evidenciado pela análise mensal que
• Investimentos: construção, equipamentos, reformas, repasse de
identificou, no mês de agosto, 20 das 21 matérias veiculadas, e em
dinheiro, ampliação de serviços, parcerias e promoção de serviços;
outubro, 40 de 47. No que tange à temática Vigilância Sanitária/Saúde
• Capacitações/Orientações: atividades de capacitação ou
Suplementar, optou-se por deixá-las em um mesmo item, tendo em
orientação sobre determinado tema, tanto para profissionais de
vista que pertencem à Administração Pública Indireta, sendo ambas,
saúde quanto para usuários;
tanto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) quanto a
• Reclamações: demandas registradas, queixas, problemas nos
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), agências reguladoras
serviços, crítica à oferta ou ao atendimento;
caracterizadas como autarquias com poder discricionário, ou seja,
• Inaugurações: abertura e reabertura de serviços;
de governabilidade própria. Salienta-se, ainda, o baixo número de
• Questões trabalhistas: aspectos que envolveram os trabalhadores
notícias referentes à Campanha Política, considerando que o período
artigos

artigos
e sua relação com o trabalho, judicialização, greves;
da pesquisa abordou os dois meses anteriores à campanha eleitoral,
• Contaminações: prevalência e incidência de casos de variadas
o mês em que ocorreu e o subsequente.
doenças;
O Gráfico, a seguir, detalha as quantidades de matérias por
• Campanha Política: propostas de campanha, relacionadas ao
temática e por mês.
tema, dos candidatos às eleições.

Resultados
Distribuição das matérias
A distribuição das 591 matérias, objeto desta pesquisa, relativas aos
C3

meses selecionados, podem ser visualizadas no seguinte gráfico com


as respectivas percentagens:

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374 375
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Figura 2: Total de temáticas/mês novembro cai significativamente. Semelhante explicação pode se dar
para Reclamações, com a diferença de que há crescimento e posterior
estabilização em outubro e novembro, meses que correspondem ao
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da eleição e pós. As matérias sobre Inaugurações não apresentaram
variação significativa, apesar de totalizarem mais no mês de outubro.
Questões trabalhistas se manteve próxima, com pequena queda em
novembro.
Com relação a Contaminações, a explicação para acentuado
aumento em outubro pode sugerir ligação com o surto de ebola, que
teve seu estopim neste mês e maior vinculação de notícias de demais
enfermidades. Por fim, Campanha Política apresenta pequena
proporção quando comparada aos demais temas de análise, apesar
do período pré e pós-eleitoral. Agosto e setembro possuem maior
número, ao passo que outubro reduz, tendo em vista o limite de
veiculação de campanha política pré-eleição. Passado este período,
Fonte: Elaborado pela autora nada mais se veiculou.

O mês de outubro foi o que vinculou maior número de notícias Classificação das notícias: positivas, negativas e nulas
referentes à saúde, sendo 176, seguido do mês de novembro, com A análise dos títulos em Positivo, Negativo e Nulo, de cunho interpretativo
147, agosto, com 139, e setembro, com 129. Tal fato demonstra que da autora, tal como indicado anteriormente, gerou o gráfico a seguir:
não houve um padrão linear no quantitativo de notícias veiculadas.
Figura 3: Análise dos títulos
Como é possível observar, a temática Saúde no Mundo pode
ter ocorrido em maior número no mês de outubro, considerando o surto
de ebola. Tal situação se manteve no mês de novembro em que ainda
emergiam casos de ebola. Os meses de agosto e setembro, por sua
vez, não tiveram tal possível fator influenciador em grau acentuado.
Campanhas de Saúde apresentou maior número de notícias no mês
de outubro, seguido do mês de novembro, o que pode ser relacionado
artigos

artigos
às incisivas Campanhas Outubro Rosa e Novembro Azul. Em VISA/SS,
percebe-se queda significativa nos meses de setembro e outubro,
com aumento acentuado no mês de novembro.
A temática Investimentos tem maior percentual no mês
de agosto, com importante queda e se estabilizando nos meses
de setembro, outubro e novembro, fato que demonstra que, com
a proximidade das eleições, veicularam-se menos matérias de
Fonte: Elaborado pela autora
promoção da situação. Quanto a Capacitações/orientações, o
aumento gradual nos meses de agosto, setembro e outubro pode ter
C3

Os títulos classificados como positivos representam a maioria.


relação com interesses político-partidários, uma vez que no mês de
Salienta-se a pequena diferença no total entre os positivos (213) e

C3
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os nulos (209), fato também evidenciado mês a mês. Títulos nulos Federação Nacional das Escolas Particulares; Sindicato das
possuem interpretação singular, tendo em vista que, quando se fala, Instituições de Ensino Privado do RS; pesquisadores.
faz-se de algum lugar e com alguma intenção. Apesar de serem mais • Ministério Público: enquanto órgão independente e autônomo.
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“neutros” quando comparados aos positivos e negativos, podem ter • Poder Judiciário: Fóruns, Tribunais de Justiça (STJ e STF), magistrados,
seu entendimento variado ora de um lado, ora de outro. desembargadores.
Em agosto, veicularam-se significativamente mais notícias • Poder Executivo: Ministérios de Relações Exteriores.
positivas, totalizando mais que o dobro das negativas. Em setembro, • Trabalhadores em saúde
as matérias positivas e as nulas se igualaram e as negativas • Representações profissionais: Sindicato Médico do RS; Sindicato
declinaram. No mês de outubro, os títulos nulos superaram os positivos, dos Trabalhadores do Judiciário Federal do RS; Sindicatos dos
com expressivo aumento dos negativos, o que pode ser explicado trabalhadores de saúde;
pelo surto de ebola, o qual se acentuou no referido mês, trazendo • Organismos Internacionais/Parcerias Internacionais: Médicos sem
títulos assinalando essa epidemia. Por fim, em novembro se observa Fronteiras; Organização das Nações Unidas; Médicos cubanos;
estabilização dos positivos e nulos, com os negativos correspondendo Países do Oeste Africano; Representantes de Estado.
à metade dos demais. • Empresas privadas: indústria alimentícia; Indústria/laboratórios
farmacêutica.
Atores envolvidos • Sociedade Civil: usuários/cidadãos.
Por fim, os atores encontrados, nas notícias veiculadas, repetem-
se nas distintas temáticas. Nesse sentido, optou-se por apresentá-los Destaca-se que, dentre esses, figuram como atores com maior
em grandes grupos de atores, abaixo elencados: representação a Administração Pública Direta e a Indireta, segmentos
• Administração Pública Direta: União (Ministério da Saúde/ministro de categorias profissionais, em especial, a categoria médica, possuindo
da saúde; Comissão de Doação de Órgãos e Tecidos para papel ativo, ou seja, na maioria das matérias, os médicos são citados
Transplantes; Relação dos Doadores de Medula; Exército; Hospital como protagonistas, são “quem fala” e/ou “quem realiza” a ação.
de Clínicas); Estado (SES; Cevs; Coordenadorias/coordenadores Um exemplo é a notícia de 16/09, intitulada “Cirurgia do coração:
de serviço; Hemocentro; Secretaria de Segurança Pública); e médicos relatam emoções”, onde os profissionais médicos, sujeitos
Municípios (prefeitura/prefeito, SMS/secretário municipal de ativos, promovem a ação direta do relato de suas experiências com
saúde, Hospital de Pronto Socorro (HPS), Unidades Básicas de cirurgia do coração. A Sociedade Civil, por sua vez, não aparece
Saúde e Unidades de Saúde da Família; Núcleo Ampliado de com grande frequência e, quando é citada, permanece, na maioria
Saúde da Família- NASF; Banco Nacional de Desenvolvimento; das vezes, relegada a segundo plano, assumindo papel secundário
Grupo Hospitalar Conceição; Unidades de Pronto Atendimento. e de passividade. Isto pode ser exemplificado pela matéria de 01/09
artigos

artigos
• Administração Pública Indireta: Autarquias (Anvisa, ANS, IPE); “Projeto orienta gestantes” em que as gestantes nada mais são do
Fundações; Instituições Filantrópicas; Coordenadores de Serviços. que receptoras da ação, sujeitos passivos, uma vez que quem realiza
• Organizações prestadoras de serviço de saúde: ONGs; o projeto são profissionais de saúde, enquanto as gestantes recebem
Associações; voluntariado; Liga Feminina de Combate ao Câncer; as orientações como espectadoras.
Instituto Oswaldo Cruz; Sindicato dos Hospitais e Clínicas de Porto
Alegre. Considerações Finais
• Instituições privadas de saúde: Hospitais privados (Hospital Mãe A mídia, enquanto instrumento da comunicação, exerce
de Deus, São Lucas da PUC, Ernesto Dorneles); Centro Integrado diariamente poder sobre seu público, reproduzindo discursos e
C3

de Emergências Médicas (Ciem); Unimed. perpetuando práticas socioculturais. Neste processo, há a substituição
• Instituições públicas e privadas de ensino/pesquisa: Universidades;

C3
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de maneiras de comunicar, indutoras de novas percepções, da saúde vigente. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v. 2, n. 19,
concepções e relações. p. 65-69, 2007.
Especificamente relativo ao objeto de pesquisa, os títulos das FAUSTO-NETO A. Percepções acerca dos campos da saúde e da
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notícias foram classificados, em sua maioria, como positivos. Destaca- comunicação. Pitta AMR. Saúde e comunicação: visibilidades e
silêncios. São Paulo/ Rio de Janeiro: HUCITEC/ ABRASCO, p. 267-94,
se que o tema Saúde no mundo foi a temática mais freqüente. Isso se 1995.
deve em grande parte ao surto de ebola que ocorreu no período da
FONSECA, F. Mídia, poder e democracia: teoria e práxis dos meios de
coleta de dados. comunicação. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 6, p. 41-
Quanto aos atores, na maioria das matérias, verificou-se o 69, jul./ dez. 2011.
papel atuante da Administração Pública Direta e Indireta, com menor GUARESCHI, P.A; BIZ, O. Mídia, Educação e Cidadania: tudo o que
representação dos trabalhadores de saúde e, nestes, figurando você deve saber sobre a mídia, Rio de Janeiro, v. 2, 2005.
majoritariamente a categoria médica como personagem ativo, HANSEN, J.H. Como entender a saúde na comunicação. São Paulo:
ao passo que os usuários do sistema de saúde recebem papel de Paulus, 2004.
receptores das ações. ISER, F.; SILVA, V.M. de. Cultura midiatizada: a marca da sociedade
contemporânea. Souza A. E. Educação, sociedade e cultura: reflexões
Enfim, tendo em vista que os determinantes de saúde são
interdisciplinares, Curitiba , 2011.
permeados pela interface entre diversos setores, nestes incluídos a
NOTO, A.R. et al. Drogas e saúde na imprensa brasileira: uma análise
comunicação, o trabalho em saúde deve considerar os discursos de artigos publicados em jornais e revistas. Cad. Saúde Pública, Rio de
de poder veiculados pela mídia e que são produtores de sentidos. Janeiro, v. 19, n. 1, p. 69- 79, jan- fev, 2003.
Diferentes discursos podem servir como quebra de modelos e ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, Conferência de Alma-Ata, Alma-
paradigmas ou como reforço aos já existentes. Ata,1978.
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COELHO, D.M.; FONSECA, T.M.G. As mil saúdes: para aquém e além

C3
380 381
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artigos

artigos
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Artigo 21
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O SENTIDO DO GRUPO NA UNIDADE DE INTERNAÇÃO DA
ONCOLOGIA/HEMATOLOGIA DO HOSPITAL NOSSA SENHORA
DA CONCEIÇÃO: RESIGNIFICANDO ESTE MOMENTO.

O SENTIDO DO Taniele Saldanha de Souza, Porto Alegre/RS11


Dra. Maria Marta Orofino, GSC/GHC, Porto Alegre/RS22

GRUPO NA UNIDADE RESUMO: O presente estudo objetivou-se analisar a produção de

DE INTERNAÇÃO
sentido referente ao momento em grupo realizado na internação
oncológica com atividades lúdicas recreativas, realizadas por uma
equipe multidisciplinar de residentes no período de hospitalização,

DA ONCOLOGIA/
na internação adulta Onco-hematológica do Hospital Nossa Senhora
da Conceição de Porto Alegre. Os dados foram obtidos através de
entrevista semi-estruturada em pesquisa qualitativa, e interpretados
através da Análise de Conteúdo de Bardin, no mês de maio de 2015.

HEMATOLOGIA Foi identificado que a participação das atividades realizadas em


grupo proporciona a quebra na rotina e interação entre os pacientes,
entre outros itens evidenciados.

DO HOSPITAL Palavras Chaves: Grupo. Oncologia-hematologia. Produção de


sentido.

NOSSA SENHORA THE SENSE OF THE GROUP IN THE INNOVATION UNIT OF


CONCEIÇÃO: THE ONCOLOGY / HEMATOLOGY OF THE HOSPITAL NOSSA
SENHORA DA CONCEIÇÃO: RESIGNIFYING THIS MOMENT.

RESIGNIFICANDO ESTE ABSTRACT: The present study aimed to analyze the production of
meaning related to the moment in a group performed at the oncologic

MOMENTO. hospital with recreational activities performed by a multidisciplinary


artigos

artigos
team of residents during the hospitalization period, at the adult onco-
hematological hospitalization of the Hospital Nossa Senhora da
Conceição de Porto Alegre. The data were obtained through a semi-
structured interview in qualitative research, and interpreted through
the Bardin Content Analysis, in the month of May, 2015. It was identified
that the participation of the activities performed in a group provides
a break in the routine and interaction between the patients, among

1 Assistente Social Especialista em Saúde Coletiva com ênfase em Onco-Hematologia


C3

- Grupo Hospitalar Conceição. / tanielesaldanha@yahoo.com.br/ 2014.

2 Terapeuta Ocupacional Grupo Hospitalar Conceição/ Mestre Ciências Sociais –


PUCRS Doutora em Letras – UFRGS. /martaorofino@gmail.com

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other evidenced items. HNSC – Hospital Nossa Senhora Conceição/ POA, que de acordo com
KEYWORKS: Group. Oncology-hematology. Meaning production. a Portaria nº 741 de dez./2005 é normatizado enquanto um UNACON33
- Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia,
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Intodução contando com uma equipe entre técnicos de enfermagem, equipe
Quando o sujeito depara-se com um diagnóstico de câncer, multiprofissional e médica.
sua rotina já tão atribulada e cheia de horários modifica-se para
A intencionalidade deste grupo lúdico recreativo vem a ser de
sequenciais internações, com diários exames e procedimentos
amenizar o sofrimento implícito do processo de internação durante o
além dos protocolos de quimioterapias intensamente invasivos para
tratamento, visando um atendimento humanizado. Ao encontro disso
combater a agressividade do câncer. Passando por longos períodos
o artigo que tem como tema a Assistência humanizada ao cliente44
de internação hospitalar onde ocorrem sentimentos diversos e
oncológico: reflexões junto à equipe consideram que:
contraditórios.
É e grande ajuda, a interação multiprofissional, tendo clara
Bifulco (2006 p. 303) lembra que “não é isso que ele (o paciente) a possibilidade de visualizar o cliente como um todo, nos
seus aspectos bio-psico-socio-espirituais, pois o cuidado
gostaria para sua vida, naquele instante, seus planos eram outros e á saúde transcende o simples ato de assistir centrado no
foram bruscamente interrompidos diante de um diagnóstico de uma fazer, nos técnico ou nos procedimentos, significa, também,
reconhecer os clientes e seus familiares como seres humanos
enfermidade com prognóstico reservado”, sendo diversas as formas singulares, vivenciando um difícil momento de suas vidas.
que o sujeito e sua família encontram para amenizar e enfrentar este (COSTA; LUNARDI; SOARES. 2003, p. 311).
processo de hospitalização, engessando seus planos.
Este momento em grupo ocorre uma vez por semana sendo
Suas certezas em relação ao futuro passam a ser questionadas este um lugar de encontro entre pacientes, familiares e profissionais
e as fragilidades se evidenciam em diversos formatos, indicando a de saúde, onde são realizadas atividades de acordo com o interesse
necessidade de apoio familiar em um novo cotidiano que não foi verbalizado pelos participantes. Buscou-se identificar a potencialidade
escolhido. “Frente a essas mudanças, o paciente e seus familiares deste grupo através da análise do olhar do paciente oncológico,
vivenciam algumas etapas até a aceitação da doença e adesão qual sentido/significado tem este momento para ele? Levando
ao tratamento, que fazem parte do processo de enfrentamento” em consideração tantos procedimentos invasivos, diversos efeitos
(RODRIGUES; POLIDORI, 2012. p.620). Logo a necessidade de apoio colaterais, prostração/fraqueza o processo de reconhecimento desta
familiar e o sentimento de incapacidade diante do diagnóstico condição de saúde e o enfrentamento desta, com a sua vida e seus
surgem, assim como uma necessidade de exercitar sua capacidade planos em risco. Logo o questionamento: A interação em grupo na
de resiliência se fazem presentes durante a internação, encarando o unidade de internação apresenta algum sentido para os mesmos,
medo da morte e todo o desconforto do tratamento oncológico.
artigos

artigos
durante este difícil período em suas vidas, com a luta contra o câncer?

A interação com os demais pacientes internados, o convívio e Despertados estes questionamentos fundamentou-se este
a troca entre os mesmos, o vínculo estabelecido e reforçado com problema em projeto de pesquisa. Através do levantamento de
a equipe multidisciplinar auxiliam nestas sequenciais internações que referencial teórico pouco se observa sobre o lúdico no ambiente
representam alterações significativas em suas vidas. hospitalar voltado ao público adulto, no entanto evidenciou-se nesta

Pensando nestes aspectos e em concordância com a política de


3 Entende-se por Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia
oferecer um atendimento humanizado, o grupo de residentes da RMS o hospital que possua condições técnicas, instalações físicas, equipamentos e recursos
humanos adequados à prestação de assistência especializada de alta complexidade para o
– Residência Multiprofissional em Saúde na ênfase OncoHematologia,
C3

diagnóstico definitivo e tratamento dos cânceres mais prevalentes no Brasil. 


em 2009 inicia um grupo lúdico no setor da internação do 3° andar do 4 4
Cliente: Atualmente o termo cliente já não é mais utilizado, visualizando o individuo
de forma integral enquanto um sujeito de direito que acessa o Sistema Único de Saúde.

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reflexão que o ato de interagir, estar em grupo fugindo da dura rotina As categorias identificadas nas entrevistas foram analisadas e
hospitalar, vem ser de grande valia para os pacientes internados na consideradas com referencial teórico pertinente, contribuindo para
oncologia, independente da idade, sexo ou contexto social. tal reflexão.
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Metodologia
A pesquisa foi realizada na unidade de internação do setor da Resultados e discussões
O movimento em aceitar o convite para participar da pesquisa
Oncologia e Hematologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição
intitulada como: O sentido do grupo na unidade de internação da
do Grupo Hospitalar Conceição (GHC). Tendo como participantes
Oncologia/Hematologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição:
usuários do serviço de oncologia, internados no setor, que estejam
Re-significando este momento, foi aceito de forma receptiva pelos
interagindo junto ao Grupo de pacientes realizado no andar no período
participantes do grupo, e suas respostas demonstram de maneira leve
da coleta dos dados – maio/2015. Foram entrevistados 05 participantes
e ao mesmo tempo intenso o sentido que este momento possui para
do grupo que consentiram através do Termo de Consentimento Livre
os mesmos, sendo os núcleos identificados através de suas falas como:
e Esclarecido em prestar entrevista para esta pesquisa.
Espairecer, Brincar, Quebra da rotina e Interação.
Tal amostragem contou com a entrevista de 04 homens e uma
Ao todo foram cinco entrevistas realizadas, sendo a prevalência
mulher com idade entre 17 - 81 anos que já vivenciavam as atividades
de homens da área urbana, suas idades variam entre 17 anos a 81
em grupo durante o período de internação, a participação se deu de
anos; com grau de instrução em nível fundamental incompleto, suas
forma voluntária sendo realizado o convite em aberto ao grupo para
ocupações são diversas: aposentados, trabalhadores autônomos e
a entrevista individual em seu leito.
estudantes. O que existe em comum ao grupo em um primeiro olhar se
Para a coleta dos dados foi utilizado uma entrevista semi- refere ao diagnóstico de câncer como Leucemias e Linfomas, sendo
estruturada a cada sujeito sendo contemplados também dados sócio- que todos participam ativamente no Grupo de pacientes quando
demográficos, a escolha deste instrumento deve-se a possibilidade internados para sequência do protocolo de quimioterapia quando
na amplitude de respostas e sentidos de acordo com as vivências de não se encontram em estado de neutropenia55 e plaquetopenia66.
cada sujeito, analisando a singularidade da experiência vivida por De acordo com seus relatos o ato de brincar surge como uma
cada um através da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2009) sendo que estratégia de enfrentamento ao processo doloroso de tratamento
este propicia uma análise que vai ao encontro de suas experiências quimioterápico, sendo apontado este momento como algo prazeroso
sócio-culturais, visando assim uma melhor interpretação destas que deva ocorrer com uma frequência maior do que semanal, levando
respostas através de uma abordagem qualitativa. diversão a um ambiente frio e técnico da hospitalização.
Quando questionado sobre o que te motiva a participar do
artigos

artigos
Após a realização das entrevistas individuais, com autorização
grupo, o sujeito nº 04 coloca que:
para áudio estas foram transcritas de forma integral, sendo as respostas A gente sai do leito, brinca, a gente ri. Conhece outras
categorizadas em Núcleos de Sentidos de acordo com a frequência pessoas dá vontade de ir de novo, com as brincadeiras a
gente pode se divertir, no inicio da internação não dava
das palavras/ sentido da mensagem que foi transmitida. Sendo esse pra ir, era só as quimioterapias, achava que só tinha isso...
o... tinha que ter mais grupo vezes na semana, pode aumentar
o tempo em 15 min. meia hora.... quando vê já são 16 horas,
objetivo a análise de conteúdo: dar visibilidade às 17 horas ... nós sai aliviado. (sujeito nº 04)
representações e significados que estão presentes na
comunicação, tal se deve ao fato da análise de conteúdo
partir do pressuposto de que os textos podem nos dizer muito 5 O paciente neutropênico está mais predisposto a adquirir infecção, seja por bactérias
ou por fungos.
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sobre a realidade social, assim como as falas e outras diversas


formas de comunicação. (SCHEUNEMANN, MEDEIROS, 2011 6 Plaquetopenia existe quando o nível de plaquetas no sangue é extremamente baixo,
p.140). ocasionando um risco de sangramento espontâneo.

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De acordo com o exposto, evidencia a importância de sorrir, No decorrer das atividades alguns sujeitos sentiam-se a vontade
alegrar-se em um ambiente tão hostil quanto o hospital. Ao mesmo de participar do momento em grupo, no entanto não da atividade
tempo os sujeitos passam a se dar conta de algumas limitações e desenvolvida, gostavam e tinham a liberdade de estar presente
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cuidados que o tratamento trás consigo, compreendendo melhor seu observando e interagindo a seu próprio modo, o que demonstra
contexto de saúde. Motta e Emuno refletem sobre o ato de brincar um sentimento de pertencimento a este espaço, a este grupo.
apresentando que: Os aspectos positivos trazidos pelo brincar em Participando de acordo com sua vontade e espairecendo como um
situação de hospitalização, é possível pensar ou questionar sobre a dos entrevistados se refere “ sair fora do ar” . Bellato R, Carvalho EC
possibilidade de o brincar se constituir em uma estratégia adequada (2002) lembra que no processo de hospitalização se algumas ações
para o enfrentamento da hospitalização. (MOTTA; EMUNO, 2004 p.21) e movimentos vão “constituindo-se em respiradouros que permitem,
Estratégia esta que vem sendo bem recebida pelas crianças de alguma maneira, oxigenar essa clausura temporária a que se
hospitalizadas apresentadas em diversos estudos, assim como quanto vê submetida a pessoa doente hospitalizada e também quem a
pelos adultos de acordo com o que vem sendo visualizado nesta acompanha”.
pesquisa. Ao encontro deste, um estudo realizado em São Paulo sobre O processo de hospitalização é duro independente da patologia
“Reflexões sobre o “Brincar” no trabalho terapêutico com pacientes vivenciada, no entanto os sujeitos acometidos com um diagnóstico de
oncológicos adultos”, considera: câncer por vezes possuem grande parte de seu tratamento internados,
No projeto realizado do hospital, pudemos perceber que
o que altera a rotina de sua vida e família. Convivendo com outras
brincar em grupo permite que haja uma troca de experiências
entre os pacientes, e esta escuta da experiência do outro pessoas no mesmo ambiente e com regras estabelecidas, junto
pode possibilitar uma reflexão sobre sua própria experiência
a todas as reações da quimioterapia e o incomodo de constantes
e o momento que se está passando o que contribuiu para
a diminuição dos sentimentos de abandono de isolamento. procedimentos invasivos. Ao encontro disto Simões, pondera sobre a
(GIULIANO; SILVA; OROZIMBO, 2009 p. 876)
hospitalização, contribuindo para nossa reflexão:
A hospitalização é considerada um fator estressante
Sentimentos de isolamento e a importância em interagir com para o cliente, que vê os profissionais de saúde como
detentores do saber, passando, muitas vezes, a depender
os demais que se encontram a principio na mesma situação foram destes integralmente, comprometendo sua autonomia.
elementos descritos pelos usuários como Espairecer – segundo Acrescenta-se a este fato, a imposição de uma nova rotina
que altera seus hábitos diários e desperta sentimentos
dicionário significa: desviar-se de preocupações, repousando a mente como angústia, medo e tristeza, deixando-o vulnerável ao
por meio de recreação ou entretenimento. Para estes usuários é ambiente hospitalar. (SIMÕES, 2010, p. 108).

intensa esta necessidade de espairecer, interagir com outras pessoas, Refletindo sobre a vivência no grupo enquanto equipe
sentir-se pertencente a este espaço e mais do que isso sentir que este multiprofissional e coordenadores das atividades, é despertado um
espaço lhe pertence também. sentimento de desafio em elaborar atividades que contemplassem
artigos

artigos
Através das colocações dos sujeitos é possível visualizar este o momento de descontração com atividades variadas pensando
movimento, como quando em sua fala surge, por exemplo, que: nas necessidades dos usuários respeitando sua cultura e limitações.
Vai para espairecer, pra ficar mais tranqüilo, não fico Visando a integralidade dos sujeitos que
pensativo... Foi bom, foi bom porque a gente pega e se
diverte bastante e sai um pouco fora do ar, né? Daquela Os profissionais de saúde devem levar em conta no momento
preocupação do dia a dia, assim do dia a dia do hospital. de sua atuação, que a fase de hospitalização não é um
Não sei se os outros hospitais tem...mas deveria ter, porque mero momento de instituição hospitalar, esta fase repercute
pelo menos a pessoa, ele não fica depressivo. Porque o várias esferas na vida do paciente, o que pode se configurar
ruim é que fica depressão, e a pessoa ela quer dispersar o como fator desencadeante para emergência de transtornos
pensamento, ela tem motivo pra seguir. Então tendo uma emocionais. As emoções e sentimentos dos pacientes
coisa assim, a depressão ela vai, ela some, vai se divertir hospitalizados dizem muito do seu processo de adoecer e
um pouco, sai fora daquele ritmo, vai pra outro ritmo. Eu
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não devem ser negligenciados. (PINHEIRO; BOMFIM; ZULMIRA,


esqueço de lá, do quarto. (Sujeito nº 01) 2009 p. 63).

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Um desafio encarado com respeito e carinho o que A Profa. Dra. Marcia Regina Cubas (2012, p. 470) lembra que
proporcionava ao longo deste caminho uma formação de vínculos este é nosso desafio:
entre equipe e usuário/família, facilitando o processo de hospitalização
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Desenvolver a capacidade de produzir ciência na área
e a dura rotina de conviver com este diagnóstico. da tecnologia leve, que parte da premissa de um trabalho
Identificou-se também que após este momento em grupo os eminentemente multidisciplinar, envolvendo saberes que
vão além da produção de equipamentos, da organização
usuários que antes se reservavam em seus leitos passam a interagir e de processos e da avaliação de ambos. Esse trabalho sai da
trocar suas experiências com os demais, se antes as cortinas passavam zona de conforto ao incorporar saberes das ciências sociais,
abrangendo subjetividade e, principalmente, incluindo a
fechadas, após elas são abertas como em um passe de mágica, e a percepção das necessidades sob a ótica do ser cuidado.
interação começa a acontecer, seguem preservando sua privacidade
fechando estas cortinas, mas o movimento modificou se fecha a Assim, poder refletir a partir da realidade vivenciada pelos
cortina e não mais as pessoas estão fechadas para a interação. sujeitos que são os protagonistas neste cenário, não centrando este
Fato que se evidencia através da fala do sujeito nº 03 quando cuidado na doença em si, e sim nos sujeitos que as vivenciam e
questionado sobre o que lhe motiva a participar, se houve algum lamentavelmente por vezes obtêm um desfecho desfavorável em
momento desconfortável, respondendo que: relação ao seu tratamento oncológico.
É poder sair do quarto e também conhecer gente nova,
poder participar, saindo deste ambiente, repetitivo ficar 24
horas aqui...a gente pode conversar ver a situação ali fora, Conclusão
participar de alguma coisa diferente, não ficar só aqui sem ter
diálogo com pessoas que tem a mesma situação, conversar, Acredita-se que este Grupo lúdico/recreativo que ocorre
poder escutar também, poder conversar a respeito disso e é na unidade de internação oncológica do HNSC, elaborado pela
bem bom!...Porque tem bastante jovem, na minha idade, é
bastante desconfortante e bem confortante: de saber que primeira turma de Residentes Multiprofissionais do Grupo Hospitalar
não sou o único nessa situação... estão na mesma idade, e Conceição, na ênfase de Onco-Hematologia conseguiu colocar
na mesma situação. (sujeito nº 03)
em prática o olhar de um atendimento humanizado, desenvolvendo
uma tecnologia leve que vem desde 2009, colocando em prática um
Sentimentos contraditórios que se evidenciam, assim como a
cuidado em saúde com êxito, desafiando a cada ano a nova equipe
necessidade de interagir para aprender, escutar e falar com o outro são
de residentes multiprofissionais a ampliar seu olhar sobre um cuidado
fortes, é inerente ao ser humano interagir. E mesmo com as constantes
integral em saúde.
internações e altas conforme seu protocolo de quimioterapia, os
Nesse sentido os sujeitos que seguem internados para tratamento
sujeitos passam a estabelecer um grupo de relações para além do
oncológico, conseguem usufruir destas atividades e expressando
diagnóstico e do hospital, estes processos são dinâmicos, vivos.
sentimentos para além de um diagnóstico de câncer. Identificando
Bellato e Carvalho (2002, p. 152) analisam que
a sua maneira que todos neste contexto hospitalar são produtores de
artigos

artigos
Mesmo em espaços aparentemente mais áridos, onde o
que se tem para oferecer é, não raro, o sofrimento e a dor,
cuidado conforme um olhar ampliado em saúde.
também a afetividade, a empatia, a compaixão, o gostar Contemplar esta atividade que ocorre na unidade de internação,
fazem-se presentes e preenchem os interstícios do mundo
do hospital. Se, a principio parecia-nos que a vivência da
questionando seu sentido vem a ser um movimento a fim de qualificar
hospitalização seguia uma lógica mecânica, pautando-se cada vez mais este momento, valorizando iniciativas como estas em
apenas na divisão de um mesmo exíguo espaço com outras
pessoas estranhas, outra foi no entanto a face que nos foi
outras unidades hospitalares, reafirmando que o cuidado em saúde
apresentada. vai além da doença e sim olhar de forma integral ao sujeito e sua
família que a vivenciam de forma intensa.
Considerando o acima apresentado reflete-se que promover
A potencialidade deste espaço se descreve através dos sujeitos
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um cuidado continuamente e adequado a necessidade do sujeitos é


que participam deste momento, reconhecendo-o como um espaço
para além das tecnologias duras que existem no ambiente hospitalar.

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para interagir com os demais não se vendo como único com este Quimioterápico e seus Familiares. Revista Brasileira de Cancerologia
diagnóstico; distraindo e relaxando; quebrando o ritmo da rotina 2012; 58(4): 619-627
hospitalar, fortalecendo seu processo de enfrentamento perante o PINHEIRO, Glícea Rodrigues; BOMFIM, Zulmira Aurea Cruz. Afetividade
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câncer com o apoio da família da equipe que lhe assiste. na relação paciente e ambiente hospitalar, Revista Mal-estar e
Subjetividade – Fortaleza – Vol. IX – Nº 1 – p. 45-74 – mar/2009
Espera-se que este estudo possa ter contribuído com a ampliação
SCHEUNEMANN, Arno V., MEDEIROS. Alexandre da S. Estudo do texto
do olhar sobre a promoção em cuidado a saúde no ambiente
nas ciências sociais: Notas sobre análise de conteúdo e discurso. In:
hospitalar. Reconhecendo a capacidade de produzir cuidado em MEDEIROS, A.S.; SCHEUNEMANN, A.V. (orgs). Pesquisa e laboratório de
saúde de formas criativas baseadas no brincar tanto para crianças pesquisa em Serviço Social. Canoas: Ed. ULBRA, 2011.
quanto adultos. SIMÕES A.A, MARUXO HB, YAMAMOTU LR, SILVA LC, SILVA PA.
Satisfação de clientes hospitalizados em relação às atividades lúdicas
desenvolvidas por estudantes universitários. Rev. Eletr. Enf. [periódico
na Internet]. 2010
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BELLATO. Roseney; CARVALHO. Emilia Campos de; O Compartilhar
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Enfermagem 2002 março-abril;10(2);151-6
BIFULCO V.A. Psicologia – Psicologia da morte. In Lopes ( org).
Sociedade Brasileira de Clínica Médica diagnóstico e tratamento na
clínica médica. Seção II – Figueiredo MTA ( Coord.). Volume 2 Barueri
( São Paulo) : Editora Manole; 2006.p. 302 – 306.
BRASIL. Ministério da Saúde.  Portaria nº 741  de 19  de Dezembro de
2005 – Define as Unidades de Assistência de Alta Complexidade
em Oncologia, os Centros de Assistência de Alta Complexidade em
Oncologia (CACON) e os Centros de Referência de Alta Complexidade
em Oncologia e suas aptidões e qualidades.
COSTA, CA.; LUNARDI Filho WD.; SOARES, N V. Assistência Humanizada
ao Cliente Oncológico: reflexões junto a equipe. Rev Bras Enferm,
Brasília (DF) 2003 maio/jun;56(3):310
CUBAS. Profa. Drº Marcia Regina; Editorial: Afinal, de qual tecnologia
artigos

artigos
estamos falando? ISSN 0103-5150, Fisioterapia. Mov., Curitiba, v.25, N.3,
p.469-479, jul/set. 2012
GIULIANO, Renata Carolina; SILVA, Luciana Marcia dos Santos;
OROZIMBO, Nataly Manhães. Reflexões sobre o “Brincar” no Trabalho
Terapêutico com Pacientes Oncológicos Adultos. Psicologia Ciência e
Profissão, 2009, 29(4), 868-879.
MOTTA, Alessandra Brunoro; EMUNO, Sônia Regina Fiorim. Brincar
no hospital: Estratégia de enfrentamento da hospitalização infantil.
Psicologia em Estudo, MARINGÁ, v.9 n1, p.19-28, 2004.
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RODRIGUES, Fernanda Silva de Souza; POLIDORI, Marlis Morisini.


Enfrentamento e Resiliência de Pacientes em Tratamento

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artigos

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Artigo 22
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ALEITAMENTO MATERNO: PERCEPÇÃO DAS MÃES

Thainara Fontoura Brandolt da Rocha, Caxias do Sul/RS 1


Me. Lena Azeredo de Lima, Porto Alegre/RS 2

ALEITAMENTO
Dra. Margarita Silva Diercks, Porto Alegre/RS³

RESUMO: Objetivo de conhecer as dificuldades encontradas no

MATERNO:
aleitamento materno partindo da percepção das mães de uma
unidade de saúde de Porto Alegre-RS que introduziram outros alimentos
aos bebês antes dos quatro meses. Foi um estudo qualitativo descritivo-
exploratório, com entrevistas realizadas entre junho/julho de 2017, além

PERCEPÇÃO DAS
de revisão dos prontuários das famílias, obtendo uma amostra final
de quatro mães. Quanto a análise dos dados, usou-se a metodologia
de Bardin, 2011. Identificou-se 18 categorias empíricas agrupadas em
4 categorias de análise: o significado de “dar de mamar”; principais
dificuldades ao amamentar; tempo de aleitamento materno exclusivo

MÃES
e inclusão de outros alimentos; e rede de apoio: equipe de saúde e
família. As vantagens em amamentar são indiscutíveis, porém não se
pode culpabilizar as mães pela sua interrupção quando se conhecem
os múltiplos fatores envolvidos. O fato de amamentar exigir muito
tempo, tornando-se uma “tarefa desgastante”, pareceu ser algo
decisivo para a continuidade dessa prática, assim como a falta de
apoio paterno, familiares, equipe de saúde e escolas infantis.
Palavras-chave: Aleitamento Materno. Relações mãe-filho. Estudo
qualitativo.

BREASTFEEDING: PERCEPTION OF MOTHERS


artigos

artigos
ABSTRACT: Objective of knowing the difficulties found in breastfeeding
from the perception of the mothers of a health unit of Porto Alegre-
RS that introduced other foods to the babies before four months.
It was a descriptive-exploratory qualitative study, with interviews
conducted between June / July 2017, and a review of the families’
charts, obtaining a final sample of four mothers. As for the analysis of

1 Nutricionista Residente da Residência Multiprofissional em Saúde do Grupo Hospitalar


Conceição – Programa Saúde da Família e Comunidade, turma 2016-2018. E-mail: thainara_
brandolt@hotmail.com
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2 Me. Nutricionista Preceptora da Residência Multiprofissional em Saúde do Grupo


Hospitalar Conceição – Programa Saúde da Família e Comunidade. E-mail: lenut@gmail.com
³Médica de Família e Comunidade. Doutora em Educação. Email: margarita.diercks@yahoo.
com.br

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the data, we used the methodology of Laurence Bardin, 2011. We dificuldades para amamentar e, na maioria das vezes, quando vêm
identified 18 empirical categories grouped into 4 categories of analysis: para consulta de puericultura, já desmamaram e introduziram por
the meaning of “suckling”; major difficulties in breastfeeding; time
of exclusive breastfeeding and inclusion of other foods; and support conta outros alimentos à criança.
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network: health team and family. The advantages in breastfeeding are
indisputable, but mothers can not be blamed for their interruption when Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconize
the multiple factors involved are known. The fact that breastfeeding
requires a lot of time, becoming an “exhausting task”, seemed to be a que o aleitamento materno exclusivo (AME) seja até os seis meses
decisive factor for the continuity of this practice, as well as the lack of e complementar até os 2 anos de vida, neste trabalho se considera
parental support, family members, health staff and children’s schools.
precoce o desmame anterior aos 4 meses de vida. Propõe-se a partir
Keywords: Breastfeeding. Mother-child relationships. Qualitative study.
deste estudo conhecer as dificuldades encontradas no aleitamento
materno partindo da percepção das mães de crianças atendidas
Introdução
na USVF, que introduziram outros alimentos antes dos 4 meses, tendo
A Unidade de Saúde Vila Floresta (USVF) é composta por uma
em vista a necessidade de ações de promoção/prevenção evitando
psicóloga, uma assistente social, médicos, enfermeiros, técnicos e
assim o desmame precoce.
auxiliares de enfermagem, odontólogos, técnicos em saúde bucal,
Agentes Comunitários de Saúde (ACS), técnicos administrativos,
e apoio matricial de uma farmacêutica e uma nutricionista. É Metodologia
administrada pelo Serviço de Saúde Comunitária (SSC) do Grupo Abordagem qualitativa, estudo descritivo-exploratório realizada
Hospitalar Conceição (GHC). Na Unidade é desenvolvida a Ação no território de abrangência da USVF. A população estudada foram
Programática (AP) de Atenção à Saúde da Criança e seus indicadores as 37 mães cadastradas na USVF, maiores de 18 anos, com filhos com
são monitorados pelo SSC. Todas as crianças nascidas dentro do até 2 anos de idade no momento da entrevista (junho/julho 2017),
território da USVF, lhes são encaminhadas pelo Programa Prá-Nenê que introduziram outros alimentos aos bebês antes dos 4 meses de
(PPN) de Porto Alegre, até uma semana de vida, para realizar exames, idade. A amostragem foi intencional, de acordo com o objetivo
vacinas e iniciar acompanhamento de puericultura. de buscar mães que tiveram dificuldades em amamentar. Tendo
sido obtida e identificada pelos ACS e dados do Projeto Nutri-Bebê,
O número de crianças cadastradas na USVF que completaram
totalizando 10 mães. Após várias tentativas de contato telefônico,
1 ano em 2016 era 37, das quais 26 tiveram o acompanhamento
foi possível encontrar 6 mães, que foram questionadas se gostariam
(puericultura) mínimo preconizado. A USVF também conta com o
de participar e qual o local da entrevista. Foram agendadas as
Projeto Nutri-Bebê, criado pela Nutrição do SSC em parceria com a
entrevistas na USVF, em um sábado de Campanha de Vacinação,
Universidade Federal de Ciências da Saúde (UFCSPA), que consiste
pela particularidade de as mães trabalharem em horário comercial.
na vigilância nutricional de crianças menores de 1 ano de idade.
Nenhuma mãe compareceu na hora agendada das entrevistas.
artigos

artigos
Visando promover o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês
Realizados telefonemas para reagendamento das entrevistas, ficaram
e complementar até os dois anos de vida, além de orientar acerca
marcadas em horário de almoço das mães, no entanto, nenhuma mãe
da introdução alimentar. São realizadas visitas domiciliares pelas
compareceu. A última tentativa foi visitar as mães sem agendamento
acadêmicas da UFCSPA e nutricionistas residentes do Programa da
para abordá-las pessoalmente. Do total da amostra, três mães foram
Saúde da Família e Comunidade do GHC, contando também com
contatadas e aceitaram participar. Uma mãe esteve na unidade
ACS. Sabe-se através destes dados, que das 29 crianças visitadas em
nesse período e aceitou participar.
2016, 15 desmamaram antes dos 4 meses.
A coleta de informações, realizada entre junho/julho-2017,
Mesmo com esse monitoramento, muitas mães “escapam”
C3

iniciou-se após a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre


aos olhos da equipe por não procurarem a unidade quando têm
e Esclarecido (TCLE), autorizado pelo Comitê de Ética do GHC, sob

C3
400 401
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protocolo número 2004073. As entrevistas eram semi estruturadas, com Teve apoio do esposo Rede de apoio: equipe de saúde e
família
8 perguntas abertas e as respostas foram registradas por gravador Não teve apoio do esposo
de voz. Uma revisão dos prontuários das famílias complementou as
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Teve apoio da família
informações sobre a situação socioeconômica das entrevistadas:
Não teve apoio da família
idade, escolaridade, se é pertencente do Programa Bolsa Família,
ocupação, gestações anteriores, número de filhos e constituição Teve apoio da equipe de saúde

familiar, presença ou não de intercorrências na gestação e/ou no Não teve apoio da equipe de saúde
Legenda: LM (leite materno); AME (aleitamento materno exclusivo); FI (fórmula
parto. infantil)

Na análise dos dados foi usada a metodologia de Bardin, 2011. Fonte: Elaborada pela autora.

As mães participantes do estudo receberam um nome fictício para


sigilo das informações: M1, M2, M3 e M4. Resultados e Discussão
O significado de “dar de mamar”: A amamentação pode
A partir da transcrição das falas, foram identificadas 18
constituir uma vivência significativa tanto para a mãe quanto para o
categorias empíricas que foram agrupadas em 4 categorias de análise:
seu bebê, tendo-se em vista que o contato do seio materno com a
A - o significado de “dar de mamar”, B - principais dificuldades ao
boca da criança favorece uma experiência de intimidade e união,
amamentar, C - tempo de aleitamento materno exclusivo e inclusão
propiciando assim satisfação, prazer e sensação de completude para
de outros alimentos e D - rede de apoio: equipe de saúde e família,
a dupla envolvida. Contudo, essa vivência somente se torna possível
conforme mostra a tabela 1:
quando, efetivamente, a mãe possui o desejo real e a disponibilidade
Tabela 1: Descrição das categorias empíricas e de análise. interna para amamentar (WINNICOTT, 1982; 1994).
Categorias Empíricas Categorias de Análise
Nutrição, alimentação da criança, suprir Significado de “dar de mamar” Ao perguntar às mães que desmamaram precocemente seus
necessidades do bebê
bebês qual o significado de amamentar, muitas vezes é confundido
Dá imunidade, saúde e prevenções com o porquê é importante amamentar. Algumas já trazem: “Eu acho
Primeiro contato mãe-bebê, afeto, que além de alimentar a criança, dá imunidade, serve para suprir as
carinho, aproximação mãe-bebê
Livre demanda, ter outros filhos Principais dificuldades ao necessidades do bebê, o carinho, o afeto transmitido. O aleitamento
amamentar né, transmite tudo isso fora as necessidades que o bebê exige”. (M1)
Leite não desce ou insuficiente

Internação hospitalar do recém-nascido Os benefícios do aleitamento materno para o bebê e para a


Frustração em não poder amamentar mãe são muitos, desde a composição do leite materno que oferta
artigos

artigos
tudo que o bebê precisa até os 6 meses de vida, até como proteção
Escola infantil não aceitar LM
AME por alguns dias Tempo de aleitamento materno contra várias doenças para ele e a mãe (BRASIL, 2010).
exclusivo e inclusão de outros
AME por três meses e meio alimentos
O estudo mostrou que as mães têm conhecimento sobre esses
Introdução de FI benefícios os quais são os primeiros a serem lembrados por elas:
Introdução de suco/chá/água/água de “Dar de mamar é a coisa mais importante que tem. Tanto no sentido da
aveia ou ameixa saúde do bebê, que vai de todas as prevenções que o leite materno ajuda e na
nutrição também, na alimentação dele… é uma coisa assim excepcional!” (M2)

“É muito importante né. Para a saúde do bebê, para aquele primeiro contato com
C3

a criança é bastante importante”.(M3)

C3
402 403
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“Ah eu acho muito importante por causa da aproximação do bebê com a mãe. têm nos cartazes uma forma de memorizar informações enquanto
Eu não tive neh, mas eu acho muito importante para aproximar”.(M4)
aguardam na sala de espera, e só aproveitam o que está mais
destacado chamando mais atenção.
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Como se pode observar, M2, M3 e M4 referiram que o aleitamento
materno é importante pelo afeto, a aproximação e o primeiro contato Figura 2. Campanha de Aleitamento Materno.
mãe-bebê. Entretanto, a nutrição do bebê foi lembrada primeiro.

Rocha et al, 2010, avaliou o conhecimento e percepção de 27


mulheres, que cessaram o aleitamento materno antes dos seis meses
de idade, verificou relatos sobre os benefícios do aleitamento materno
para o bebê antes das questões afetivas. A conclusão de Rocha foi
que os fatores individuais, familiares e sociais representam desafios
para o sucesso do AME.

Percebe-se que devido a todas as campanhas pró-aleitamento


materno terem sempre como foco os benefícios do aleitamento
materno para o bebê, as mães parecem repetir aquilo que lhes é
informado. Em uma busca virtual das campanhas pró-aleitamento
materno a partir do ano de 2010, observa-se, nas figuras 1 e 2, que
as mães vêm incorporando um discurso instituído pelas próprias
Fonte: Ministério da Saúde, 2011.
organizações da saúde anualmente nas campanhas.
Figura 1. Campanha de Aleitamento Materno de Laranjeiras do Sul. Já na figura 2, a Campanha divulgada pelo Ministério da Saúde,
destaca a frase: “Amamente, dê ao seu filho o que há de melhor”. Mais
uma vez o foco está no bebê. E a mãe? Como ficam os sentimentos
de uma mãe que se sente na obrigação de dar o melhor ao seu filho,
neste caso o leite materno, sabendo que o processo de amamentar é
complexo e envolve vários fatores, não dependendo somente dela?

Embora tenha enfatizado tanto a importância da amamentação,


Winnicott pondera que o sentimento de obrigação de amamentar, o
convencimento ou a imposição dessa prática às mães pode trazer
artigos

artigos
Fonte: http://www.radiocampoaberto.com.br, acesso em outubro/2017. mais prejuízos do que benefícios, em função de se organizar um
espaço de conflito e ansiedade. Nestes casos, isso poderia funcionar
Nas Campanhas de Aleitamento Materno divulgadas no país, o
como um dos elementos que contribuiriam para dificultar a prática
foco na maioria das vezes são os benefícios do aleitamento materno
da amamentação prazerosa, gerando condições desfavoráveis ao
para o bebê. Poucas vezes é lembrado o significado afetivo do ato
estabelecimento do tipo de vínculo necessário entre a mãe e o seu
de “dar de mamar”. Na figura 1 podemos observar através da frase:
bebê (WINNICOTT et al, 1994).
“Mais vida e proteção ao seu bebê”, onde o afeto, o primeiro contato
mãe-bebê, o vínculo e aproximação da mãe e a criança não são Principais dificuldades ao amamentar
citados. Os benefícios para a mãe, que são inúmeros, nem sequer
C3

são mencionados na Campanha. Na maioria das vezes, as pessoas Sobrecarga de tarefas/ter outros filhos: Em um estudo qualitativo
e descritivo, transversal, foram analisadas as alegações maternas para

C3
404 405
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o desmame, através de entrevistas a 9 mães, no Hospital Universitário de Esse é um aspecto que pode acarretar uma sobrecarga às
Brasília em 2016 (CRUZ, 2016). Durante o processo de amamentação, mães, prejudicando não só questões relacionadas à amamentação,
é exigido das mães dedicação em tempo integral, pela oferta de mas também as outras atividades que a própria sociedade impõe.
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leite se dar em livre demanda, gerando uma sobrecarga materna,
Leite em quantidade insuficiente: Percebe-se também pela
relacionada à amamentação e, também, pela necessidade da mulher
fala de M3 a crença de que seu leite era insuficiente e não “matava
de organizar a sua rotina quanto amamentação e as obrigações
a fome” de seus bebês. Estudos demonstram que essa crença é a
familiares, conjugais e domésticas. Esse desgaste físico e emocional
maior responsável pelo desmame precoce. Na literatura está descrito
leva as mães a optarem por alternativas mais cômodas e aplicáveis
que quanto mais sucção, mais leite se produz. Se a criança parar
no seu dia-a-dia.
completamente de sugar ou se nunca começa, as mamas param de
Outros autores destacam que o papel de mãe implica em produzir leite. Se a mulher tem gêmeos e ambos sugam, suas mamas
dedicação total à satisfação das necessidades da criança, o que produzirão a quantidade extra de leite de que as duas crianças
causa uma série de mudanças no cotidiano da mulher, que tem que precisam. Se a mãe desejar aumentar a oferta de leite, deverá
organizar e dividir o seu tempo priorizando sempre a criança, pois a estimular a criança a sugar um maior número de vezes e por mais
esse papel somam-se outros. Porém, nem sempre a mulher encontra tempo (KING, 2001).
apoio, tendo necessidade de encontrar mais tempo para cuidar de
Uma revisão bibliográfica utilizou uma abordagem quantitativa
si. Shimoda e Silva (2010) destacam que para muitas mães, o fato de
para identificar o surgimento de mitos e crenças no contexto do
não ter tempo para outras atividades podem levá-la a decidir pela
aleitamento materno. Nas plataformas Medline, Lilacs e Scielo, no
introdução de outro leite, pois outra pessoa pode alimentar a criança.
período de 1985 a 2008, 43 trabalhos foram eleitos para a análise.
A sobrecarga de tarefas que envolvem a maternagem já é muito
Observou-se também que as mães que atribuem à complementação
pesada para a mãe que tem apenas um filho. Quando se tem mais de
precoce a justificativa de que o “leite não sustenta, leite era fraco”, se
um, de idades iguais ou não, potencializa-se ainda mais a percepção
sentem mais amparadas por esta ser uma crença aceita culturalmente.
das mães de estarem fazendo um “sacrifício” em amamentar.
A criação do mito “leite fraco” serviu para minimizar a responsabilidade
Ter outros filhos foi um aspecto mencionado por M1: e culpa das mães pelo fracasso da lactação (MARQUES et al, 2011).
“Por mais que a gente saiba que é importante, o mais difícil é a livre demanda,
Internação hospitalar dos recém-nascidos
porque aí tu não consegue fazer mais nada né. Por que como eu tinha outra
criança, não sei né, ela mamava muito e o tempo todo, então isso pra mim foi um
pouco difícil”.(M1) O afastamento de suas mães logo após o nascimento pela
internação hospitalar dos recém-nascidos evidenciou um fator
artigos

prejudicial quanto à efetividade do aleitamento materno, pela

artigos
Essa dificuldade das mães em atender igualmente os dois filhos, introdução da fórmula infantil já no hospital. M3 é mãe de gêmeos,
foi percebida também na fala de M3, que sendo mãe de gêmeos um deles ficou internado na neonatal do Hospital por 3 meses, devido
e um deles ter sido internado por três meses, teve dificuldades em a prematuridade (37 semanas) e extremo baixo peso. M4 teve um
manter o aleitamento materno quando ambos estavam em casa. O afastamento não desejado pelo bebê ter contraído meningite ainda
fato de os dois necessitarem de leite materno, atrapalhou um pouco no hospital logo após ela ter tido infecção por conta da cesárea.
quanto à disponibilização deste para ambos:
Relatos de M3 e M4:
“O que foi mais difícil pra mim, é porque no começo até que tava tranquilo, depois
quando veio o outro, aí ficou mais complicado, porque aí os dois queriam mamar “O que ficou mais tempo no hospital, ele mamou mais quando veio pra casa,
C3

junto, aí apertou de vez. Acho que a produção de leite não foi suficiente pra os assim eu consegui fazer ele mamar mais, mas lá no hospital também eles davam
dois”. (M3) a fórmula, ele desde o primeiro dia ele já começou com a fórmula lá, ele colocou

C3
406 407
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sondinha, não dava mamá nos primeiros dias e aí ele ficou”.(M3) que reforça a hipótese, estabelecida pelo senso comum, de que a
“O meu bebê teve meningite após o nascimento, ficou 20 dias no hospital, acho amamentação constitui uma expressão do amor materno. Sentimentos
que dar de mamar é muito importante por causa da aproximação do bebê com de realização e orgulho por ser mãe apareceram através das falas
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a mãe, mas eu não tive né, mas eu acho muito importante para aproximar”.(M4)
dessas mães (CARRASCOZA et al, 2011).
Em um estudo de coorte prospectiva realizada com 116 mães
As mulheres se sentem plenas e realizadas também, quando suas
de bebês internados na Unidade de Internação Neonatal (UIN) do
necessidades de saúde associadas ao processo da amamentação
Hospital de Clínicas de Porto Alegre/RS (HCPA), entre setembro/2009
são atendidas, uma vez que a amamentação faz parte da vivência
e agosto/2010, foi verificado quais variáveis maternas e neonatais
da maternidade (SHIMODA e SILVA, 2010).
estariam associadas ao início do aleitamento materno exclusivo
(AME) após a alta hospitalar dos recém-nascidos pré-termo. Na Podemos observar através destes estudos e dos relatos das
última semana de internação, verificou-se que 94,8% estavam sendo mães entrevistadas que elas consideram a amamentação como algo
alimentados com leite materno e fórmula láctea. No 14º dia após que lhes tornam mães de fato, subentendendo-se que, se elas não
a alta da criança, 55,2% dos bebês se encontravam em AM, 36,2% amamentaram seus filhos conforme o preconizado, sentimentos de
estavam em AME e 8,6% dos bebês já tinham sido desmamados. culpa, incompetência e frustração as fazem se sentir “menos mães”.
No 28º dia após a alta, 60,3% dos prematuros estavam em AM, 25%
em AME e 4,7% não estavam mais sendo amamentados (CUNHA e
AZEVEDO, 2013). Tempo de aleitamento materno exclusivo e inclusão de outros
alimento
Sentimento de frustração em não amamentar
Introdução de fórmula láctea infantil
As mães deste estudo também demonstraram em suas falas,
Observa-se nas falas das mães entrevistadas neste estudo que a
sentirem-se “menos mães” pelo fato de não amamentarem seus
inclusão de outros alimentos é feita de forma precoce, predominando
bebês, por ser algo que elas desejavam muito durante a gestação:
a fórmula infantil (FI) como primeira opção a ser adicionada na
“Essa foi minha maior frustração porque pra mim eu queria amamentar meu filho
alimentação da criança.
até 2 anos de idade. Essa era a minha vontade, eu lia bastante sobre isso, sabia
da importância, e que isso ia ajudar no desenvolvimento e não conseguir isso me
frustrou muito. Por que além disso me frustrar eu me sentia incompetente, sentia M1 afirma ter incluído a FI pelo fato da escola infantil onde matriculou
que eu não tava sendo uma mãe. Que eu não tinha capacidade de ser mãe de sua filha não aceitar o leite materno ordenhado, obrigando-a a enviar
não conseguir amamentar meu próprio filho. Então foi bem difícil pra mim.” (M2)
a FI como opção de alimentação para seu bebê:
“Queria ser a melhor mãe que ele poderia ter. Busquei muitas informações sobre
aleitamento materno, vi em programas de TV e em todo lugar. Sabia que era “Na escolinha eu tive bastante dificuldade, elas não aceitaram o leite ordenhado,
artigos

aí eu tive que entrar com a fórmula, disseram que não tinham como manipular

artigos
muito importante. Tudo que eu mais queria era ser capaz de amamentar meu
próprio filho. Mas não pude”. (M4) né. Tive que adequar uma fórmula que ela aceitasse na escolinha, então a gente
entrou com fórmula com três meses e meio”. (M1)
Na literatura os resultados são semelhantes aos encontrados
Assim como M1, outras mães introduziram a FI e outros líquidos
neste estudo. Um estudo quantitativo-qualitativo buscou caracterizar
de forma precoce aos seus bebês, pelos mais diversos motivos:
e analisar a percepção de mães, que amamentaram seus filhos até
que estes completassem seis meses de vida. A coleta de dados ocorreu “Um parou com três meses e não quis mais saber, porque começou a mamar
junto a FI, então queria só mamadeira. E o outro quando voltou da neo ainda dei
por meio de entrevista semi-estruturada, entre os meses de janeiro a mais um pouquinho, mas com 5 meses já não tava mais mamando. O médico
outubro/2006. Participaram do estudo 142 mães, em Piracicaba-SP. disse, vamos ter que intercalar porque eram dois gêmeos, daí a gente começou a
dar aguinha, cházinho, a FI. A primeira vez que eu dei o mamá, ele queria muito,
C3

Observou-se que 41 mães (40,6% da amostra) forneceram respostas muito e na mamadeira sai mais né, aí eu dava o peito e ele mamava, mas daqui a
que expressavam alguma forma de “realização e satisfação”, o pouco já estava com fome, aí a gente já dava a FI.” (M3l)

C3
408 409
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“Já no hospital ele saiu tomando fórmula né, ele tava tomando a FI¹, e aí a FI¹ avaliadas no período peri-natal e em visitas domiciliares no primeiro,
começou a trancar ele e aí eu passei pra FI², a FI² também trancou ele, deu cólica
nele. Daí ele passou pra FI³ e também não se adaptou. Daí ele começou a se terceiro e sexto mês de vida, pesquisou a influência paterna na
adaptar com a FI4. Que foi só fórmula que eu dei mesmo, não tive condições de duração do aleitamento materno através da percepção das mães
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amamentar meu bebê.” (M2l)
em um questionário padronizado. Observou-se que no primeiro
Em um estudo transversal realizado de ago/2005 a fev/2007, foram mês de vida, aproximadamente 10% dos bebês não estavam em
avaliadas 362 crianças quanto à introdução precoce da alimentação, AM. A baixa escolaridade paterna e a falta de participação do
nascidas na região noroeste de Goiás. O estudo verificou que 95,3% pai na amamentação foram variáveis associadas ao desmame no
delas receberam precocemente água (77,5%), frutas (62,7%), sucos primeiro mês. No terceiro mês, constatou-se forte associação entre o
(57,2%) e comida de sal (55,1%). Foram encontradas apenas 47,1% das desmame e a falta de apoio paterno. O fato de a mãe não viver
crianças em AME aos 30 dias de vida. Essa prevalência diminuiu com o com o companheiro e a menor escolaridade paterna foram variáveis
aumento da idade da criança, para 22,3% no quarto mês e apenas 4,7% também associadas ao desfecho. Já no sexto mês, não foi encontrada
no sexto mês de vida do bebê. Os resultados do estudo evidenciaram associação entre variáveis paternas e AM, demonstrando que a fase
que a introdução precoce da alimentação complementar influenciou decisiva para manutenção do aleitamento, em relação ao apoio
negativamente na duração do aleitamento materno exclusivo, bem paterno, é no máximo até o quarto mês de vida (SILVA et al, 2012).
menor que a recomendada pela Organização Mundial de Saúde e
A ausência de um apoio afetivo familiar colabora, em
Ministério de Saúde (SCHINCAGLIA et al, 2015).
alguns casos, para o abandono do aleitamento materno exclusivo,
evidenciando a influência familiar nas decisões maternas relacionadas
Rede de apoio: equipe de saúde, família à amamentação, ilustrando a importância da inclusão desses familiares
Apoio do companheiro/esposo e da família em programas de promoção ao aleitamento materno (SHIMODA e
SILVA, 2010).
Algumas mães deste estudo relataram certa dificuldade do
apoio paterno durante a amamentação:
“A família é bem afastada, cada um tem a sua vida, na questão familiar também Apoio da equipe de saúde
de marido, ele trabalha demais, fica muito tempo ausente, trabalha com viagem, Outro aspecto que transcorreu todas as entrevistas foi o apoio
então eu me vejo muito com as crianças, sempre tentando contornar, sempre que
da equipe de saúde e a sua relação com o sucesso do aleitamento
tem uma ajuda é boa, é bem-vinda, mas eu sempre tentei contornar da melhor
forma possível, conversando com ele, mas sempre fui muito sozinha pela ausência materno:
dele também”.(M1)
“Eu acho que no pré-natal, como já tinham diagnosticado que eu não tinha
“A minha família não é daqui, então não tive apoio deles, por questão de o bico, que meu seio tinha o bico inverso, que poderiam me aconselhar nas
dificuldade de locomoção. Uma coisa também pra mim que foi que eu senti conchas, me ajudar no que fazer que alguma coisa me ajudasse que o bico saísse
artigos

pra fora. Acho que faltou um pouco disso. Talvez poderiam me ajudar. E parece

artigos
bastante, foi que o meu marido não conseguiu os 5 dias de dispensa pra me
ajudar quando eu vim pra casa. Então eu vim pra casa sozinha, com o meu nenê que tem uma injeção também que se toma depois de quem faz cesárea, pra
e na realidade eu não sabia o que fazer porque eu nunca tinha tido filho e nunca descer o leite, que também não me deram, acho que poderia ter sido útil”.(M2)
tinha tido contato com criança pequena também, então eu não tinha experiência
nenhuma.” (M2) “Sim elas vieram. Elas vieram aqui, disseram assim: tenta intercalar com eles
mesmos, um mama no peito, aquele que mamou no peito o outro toma a FI, daí
depois faz o contrário.” (M3)
As que tiveram apoio valorizaram essa ajuda:
“Eu precisei de ajuda e eu procurei a unidade de saúde e eu fui recebida, fui
“Graças a Deus tinha bastante gente que tinha que ficar muito indo e voltando, ajudada, fui orientada, procurei mais de uma vez, nesse retorno pro serviço
tinha bastante gente, a minha mãe, a minha sogra, a minha cunhada. Tive eu recebi bastante ajuda, recebi receitas, recebi orientações importantes, eu
bastante mãos para me ajudar e apoio.” (M3) consegui me guiar e consegui passar pela fase crítica, recebi a ajuda necessária
né. Não foi a minha realidade não ter ajuda”.(M1)
C3

Um estudo de coorte prospectiva de bebês nascidos em


Pelotas entre setembro de 2003 e março de 2003, sendo 973 crianças

C3
410 411
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Mais importante que o início precoce e a frequência às Tabela 2: Resultados da análise dos prontuários de família.
consultas de pré-natal e puericultura é as atitudes dos profissionais,
consideradas como indicadores indiretos da qualidade da assistência. Dados do Prontuário M1 M2 M3 M4
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Uma entrevistada do estudo de Faleiros et. al. sugeriu a necessidade Idade da mãe no Idade da Idade da mãe Idade da mãe no
parto: 31 anos mãe no no parto: 24 parto: 31 anos
do profissional de saúde conversar com os demais membros da parto: 29 anos anos
Idade, escolaridade, Técnica de Vendedora,
família, como forma de incentivá-los a participar mais no processo situação nutrição (área Empresária Técnica de atualmente atua
socioeconômica, hospitalar) (sócia do enfermagem em credenciadora
de amamentação. A experiência pessoal do profissional da saúde ocupação marido) de empréstimos
Não tem Bolsa Não tem Bolsa
ou de seu cônjuge com aleitamento materno também possibilita Família Não tem Família Não tem Bolsa
bolsa família Família
uma abordagem mais consistente do assunto com suas pacientes. Gestações anteriores, 1 gestação Nenhuma Nenhuma Nenhuma gestação
número de filhos, anterior. gestação gestação anterior.
Bem como aquele profissional que tiver um embasamento teórico e constituição familiar anterior. anterior.
Mora com os 2 Mora com o filho,
técnico insuficiente terá maiores dificuldades em abordá-lo (FALEIROS filhos e marido Mora com o Mora com sogros e marido
et al., 2006; SHIMODA e SILVA, 2010). filho e marido os filhos
(gêmeos) e
marido
Gestação, parto DMG desde Obesidade Dados do Sem dados pré-
Outros autores também trazem a importância dos profissionais a primeira Gestacional pré-natal não natal (era de outra
gestação constam no US)
estarem preparados tecnicamente ao orientarem as mães. Dos (com 25 anos) Mãe com prontuário
profissionais que participaram do estudo de Azeredo et al., 62% (n=14) acompanhadas
na US sem
T.Bipolar (convênio) Teve DMG. Nega
aumento da PA.
dos ACS disseram já ter participado de algum tipo de capacitação atendimentos da Diabetes tipo Teve Parto normal: 38
nutrição. 2 e DMG sangramento horas, Apgar 3 -
ou curso em amamentação, assim como todos os enfermeiros e a com 7 reanimado.
Parto com Pré-eclâmpsia semanas de
nutricionista. Nenhum dos auxiliares de enfermagem e médicos haviam 38 semanas, gestação
cesáreo. Parto cesáreo
participado de tal capacitação (AZEREDO et al., 2008). após 48h de Parto cesáreo
parto induzido (37 semanas)
Dados nascimento do Peso ao nascer: Peso ao Peso ao Meningite pós
As falas deste estudo e dos estudos mencionados mostraram bebê nascer: 3740 nascer: EP: neonatal (ficou 20
3.570 g/C: 49 cm g/C: 50 cm 2790 g (Baixo dias no hospital)
o quanto apenas ter conhecimento sobre os inúmeros benefícios peso)/C: 46,5
cm Sem mais dados no
do aleitamento materno não é suficiente para o sucesso dessa prontuário.
EZ: 1882 g/C:
prática. Na hora de colocar em prática, vem o medo, as dificuldades 43 cm (baixo
de amamentar logo nos primeiros dias após o nascimento e a peso) (ficou
na neo por 10
preocupação com o desconhecido. Nestes momentos é que as mães Desmame aleitamento 3 meses e meio 6 dias (AM +
dias)
EP: 28 dias (FI 21 dias (Aleitamento
materno exclusivo Fórmula) + AM misto) Misto)
mais precisam de apoio da família, da equipe de saúde, da rede de depois só
apoio. 10 dias (só FI) fórmula (até 3 Acompanhado
meses e meio) nutri-bebê, a partir
artigos

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dos 6 meses (2 VD’s
A partir da análise do prontuário de família das participantes, EZ (UTI Neo realizadas)
natal):
conforme itens descritos anteriormente, também foram avaliados o
28 dias (FI +
número e descrição das consultas de puericultura realizadas, além AM misto)
depois só FI
de dados referentes ao aleitamento materno e introdução de outros (até 5 meses)
Legenda: DMG (Diabetes Mellito Gestacional); US (Unidade de Saúde); T. Bipolar
alimentos ao bebê. (Trantorno Bipolar; PA (pressão arterial); EP (gêmeo 1); EZ (gêmeo 2); AM (aleitamento
materno); FI (fórmula infantil); VD’s (visitas domiciliares).

Fonte: Prontuários de Família.


C3

Nenhuma das mães deste estudo é participante do Programa


Bolsa Família, descartando a possibilidade da vulnerabilidade social

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como fator preponderante à introdução precoce da alimentação do leite e uma lactação mais precoce e efetiva se o parto for vaginal,
complementar. Um estudo qualitativo, baseado no quadro conceitual pois o primeiro contato mãe-filho ocorre mais precocemente e não
da vulnerabilidade e do cuidado em saúde, utilizou grupos focais há o fator da dor incisional ou o efeito pós-anestésico da cesárea,
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e entrevistas com 25 profissionais, em Londrina-PR. Verificou-se que dificultando, portanto, as primeiras mamadas (FALEIROS et al, 2006).
sob a perspectiva da vulnerabilidade, não há condição materna
A prematuridade e recém-nascido com baixo peso também
que, por si só possa ser considerada inerente ao risco de desmame,
foram aspectos encontrados no estudo de análise de nascimentos
como, por exemplo, ser adolescente, ter pouca escolaridade, pouca
do MS. Dados de 2012 mostram que 8,5% dos recém-nascidos foram
renda, entre outras. Qualquer condição (física, cognitiva, afetiva,
de baixo peso no Brasil, com discretas variações regionais, de 9,2%
comportamental) somente adquire sentidos concretos no cotidiano
no Sudeste a 7,5% no Norte. Quando separados por tipo de parto, as
vivido e compartilhado, dependendo do seu ambiente cultural e
proporções de nascidos vivos com baixo peso foram praticamente
sociopolítico (SOUZA et al, 2013).
iguais (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014).
As mães deste estudo tinham idade entre 24-31 anos no
Neste estudo, a fórmula infantil (FI) foi o alimento mais introduzido
momento do parto, com uma média de 29 anos. Enquanto alguns
precocemente, confirmando o que os estudos descritos na análise
autores consideram não haver associação significativa entre a idade
da categoria “tempo de aleitamento exclusivo e inclusão de outros
materna e a duração do aleitamento materno outros, no entanto,
alimentos”.
destacam que os filhos das mães com mais idade mamam por mais
tempo, exclusiva ou parcialmente, em relação aos filhos das mães
mais jovens, inclusive quando estas tinham maior número de filhos e/ou Considerações finais
história pregressa de sucesso em aleitamento materno, diferenciando- Muitos são os motivos que levam as mães a introduzirem
se do que foi constatado neste estudo (FALEIROS et al, 2006). precocemente outros alimentos aos seus filhos. É importante ressaltar
que o princípio dessa complexidade acontece a partir de como as
A maioria das mães neste estudo era primigesta (n = 3), tendo mães “significam” o ato de amamentar. A divulgação de informações
intercorrências durante a gestação e no parto semelhantes: Diabetes a respeito desse assunto deve ser repensada, por ser algo íntimo, que
Gestacional (n = 3), trabalho de parto longo (n=2) e parto cesáreo envolve sentimentos, marca a vida da mãe e do bebê. É importante
(n = 3), sendo que duas delas tiveram internação do recém-nascido que as Campanhas tragam os vários aspectos que envolvem o
logo após o parto. Sabe-se que a Diabetes Gestacional (DMG) e mães aleitamento materno e suas principais dificuldades já no início da
com Diabetes (tipo 1 ou 2) pode influenciar na produção de leite. amamentação.
Uma coorte retrospectiva usando registros hospitalares em um hospital
amigo da criança explorou experiências das práticas de aleitamento Saliento a dificuldade das mães em abordar esse assunto,
artigos

artigos
materno em mulheres diabéticas. A corte demonstrou que a principal pois não houve saturação das informações, proporcionando que
razão referida pelas mães diabéticas para o desmame precoce foi a as singularidades de cada mãe fossem exploradas. A dificuldade
produção insuficiente de leite. A realização de partos cesarianos, o de obtenção da amostra foi uma limitação deste estudo, que pode
atraso na lactogênese pela glicemia flutuante da mãe durante e após demonstrar a dificuldade das mães externarem aspectos relacionados
o parto, a internação em unidades neonatais e risco aumentado para à amamentação.
infecções, são alguns dos fatores que podem reduzir a capacidade
Ressalta-se a importância de fortalecer o papel do ACS na
de mães diabéticas a amamentar (NEUBAUER et al, 1993; SOLTANI,
prevenção da introdução precoce da alimentação complementar
2008).
C3

na comunidade. Por estarem mais próximos da realidade das famílias


Quanto ao tipo de parto, há maior facilidade para a descida dessas crianças, têm a possibilidade de acompanhar as dificuldades

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encontradas no aleitamento materno, podendo assim, acionar a fatores de influência na sua decisão e duração. Revista Nutrição,
equipe de saúde quando necessário. Campinas, 19(5):623-630, 2006.
MARQUES, ES. et al. Mitos e crenças sobre aleitamento materno.
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As vantagens em amamentar são indiscutíveis, porém não se Revista Ciência & Saúde Coletiva, 16 [5]. p 2461-2468, 2011.
pode culpabilizar as mães pela sua interrupção quando se conhecem MINISTÉRIO DA SAÚDE. Dez passos para uma alimentação saudável:
os seus múltiplos fatores envolvidos. Amamentar exige muito tempo Guia alimentar para crianças menores de 2 anos. p 8-21. Secretaria
das mães, tornando-se uma “tarefa desgastante”, parecendo ser de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção à Saúde. Brasília-
DF, 2010.
algo decisivo para a continuidade dessa prática, assim como a falta
de apoio paterno ou familiares, da equipe de saúde e das escolas MINISTÉRIO DA SAÚDE. Saúde Brasil 2013: uma análise da situação de
saúde e das doenças transmissíveis relacionadas à pobreza. Brasília,
infantis ao recusarem a ordenha do leite humano. A ocorrência de 2014. p 13-38.
partos cesáreos, internação hospitalar dos recém-nascidos, terem
NEUBAUER, SH, FERRIS, A.M., CHASE, C.G., et al. Delayed lactogenesis
outros filhos e introdução da fórmula infantil também demonstraram in women with insulin-dependent diabetes mellitus. American Journal
ser aspectos importantes para o desfecho. of Clinical Nutrition, (58), p. 54–60, 1993.
SHIMODA, GT.; SILVA, IA. Necessidades de saúde de mulheres em
O fato de acreditarem que seu leite não era suficiente para processo de amamentação. Revista Brasileira Enfermagem, v. 63, n.
saciar seus bebês e que o insucesso da amamentação as tornava 1, p. 58-65. 2010.
“menos mães” despertou diferentes percepções nas participantes SCHINCAGLIA, Raquel M. et al. Práticas alimentares e fatores
do estudo. Entretanto, percebe-se que algo é comum para todas associados à introdução precoce da alimentação complementar
as entrevistadas: todas gostariam de ter amamentado seus bebês, entre crianças menores de seis meses na região noroeste de Goiânia.
Revista Epidemiologia Serviços de Saúde, 24 [3]. p.465-474. Brasília,
porém ficou evidenciado que apenas “querer” amamentar não é 2015.
suficiente para o sucesso da amamentação. O ato de amamentar é
SILVA, PP. et al. A percepção das mães sobre o apoio paterno:
algo único, individual, cada mãe e cada bebê tem a sua história, é influência na duração do aleitamento materno. Revista Paulista de
preciso respeitar a importância de toda essa complexidade quando Pediatria, 30 [3]. p. 303-313. São Paulo, 2012.
se fala em aleitamento materno. Materno, vem de mãe. É preciso SOLTANI, H. et al. Breast feeding practices and views among diabetic
lembrar o quanto ela é importante, o quanto precisa ser olhada e women: A retrospective cohort study, Midwifery. p.471–479, 2008.
respeitada. WINNICOTT, D. W. A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 1982.
WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes,
Referências Bibliográficas 1994.

AZEREDO, C M. et al. Percepção de mães e profissionais de saúde


artigos

artigos
sobre o aleitamento materno: encontros e desencontros. Revista
Paulista de Pediatria. p 336-344, 2008.
CARRASCOZA et al. Aleitamento materno em crianças até os seis
meses de vida: percepção das mães. Physis Revista de Saúde Coletiva,
Rio de Janeiro, 21 [ 3 ]: 1045-1059, 2011.
CRUZ, IFS; SILVEIRA, AO. Alegações maternas para o desmame precoce
[Internet]. Brasília: Universidade de Brasília; 2016
CUNHA MLC; AZEVEDO M. Fatores associados ao aleitamento materno
exclusivo em prematuros no primeiro mês após a alta hospitalar. Revista
C3

HCPA. 2013; 33(1):40-49.


FALEIROS, F T V; TREZZA, EMC; CARANDINA, L. Aleitamento materno:

C3
416 417
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