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2. A PARIS DO SEGUNDO IMPERIO EM BAUDELAIRE * “Uma capital nfo 6 absolutamente necessiria a0 homem.” > 1 A boémia ‘A boémia aparece em Marx num contexto muito sintométic. Ele inclui nela os conspiradores profissio 2 da resenha das memérias do agente jea falar da semelhanca que ele te 6 descrito por Marx do seguinte modo: com © processo de formacio das consprasées proletirias,surgia af Sidads da divisio. do trabalho: os seis partcipantes se éividiam ‘contpirateurs occasion, Ob conjura a0 lado de suas demais aividades, er ee peti cee nee eee re, aes Se viviam dela, (...) As circunstincias da vida dessa classe condicionam Jf de antemao todo o seu cariter. (...) A sua incerta existéncia, mais do acaso do que de sua atividade, a E preciso observar, de passagem, que o préprio Napoleé ‘gou a sua ascensio num meio que tinha comunicacio com o reoém-des- “toda essa massa indefinida, desconecta, jogada daqui para acolé e que os franceses chamam de Ja’ boh?me"® ‘Durante todo o seu reinado, Napoledo continuow a cultivar cacoetes cons- Piratérios. Proclamagoes surpreendentes ¢ conchavos politicos, invectivas sibitas © j etraveis pertencem 3 razio de Estado do Second eralmente ele expde os seus pontos Discussio néo ¢ seu assunto. Foge dela até mesmo quando € contra 0 notério, a pe furibundo *. Por volta de 1850, pro« 48 ‘uma medi~ ‘G20 com o seu piiblico quanto Napoledo II ao passar, da noite para o dia, ¢ por tras das costas do Parlamento francés, do protecionismo adua- neiro para o livre-cambismo. Tais tragos tornam, no entanto, compreens- vel que a critica oficial — em prime Jules Lemaitre’ — tenha de- twctado t20 pouco das energias tebric tes na prosa de Baudelaire. Marx, em sua descrigzo dos conspirateurs de profession, prossegue do seguinte modo: “Para cles, a dnica condiso necesséria para a revolugio & a ‘glo aos quais, assim como em relagio sos representantes of partido, eles nunca conseguem tornar-se plenamente independentes” © gz sin, Base exe pode sin ta TTD (@hewWERaH) N: Bsigica, onde essa nota fo esrt, ele por algum tempo © Exons, F, Resenha de Chenu ¢ de la Hodde, op. cit p. $56. #0 general Aupick era 0 padrasto de Baudelaire, | BBivostaie, C. Lew AM. 666 tinham tio pouco di laire podia escrever “Jamais 0 mew nom © que, na Bélgica, gue colaborou no surgimento des: fa; facilmente ele darlhe vazio. O culte de ta Bloque © blangui de conspirador como yuna de Paris, parece ter possufdo o mesmo humor ‘alam muitos testeniunhos sobre Baudelaire, Em Hom m de 1871, de Charles Prolés, afirma-se: gue-frio, algo de um gozador ‘mesmo do seu fanatismo" #, srtida em Baudelaire, A 23 de dezembro “Se alguma vez. eu reenc algumas vezes, entio Essa raivosa ira — a rogne Cre sido a estrutura_psi- a que alimentara meio século de Tutas de barricades rat a tensa forga e a energia que j4 possut io A minha célera em livros que bio de fem para st a fio revolucionéria. Mais de 4 000 barricadas haviam atravessado a ‘mere. Paris, 1932. p. 83. trent, Chases. Raoul Riga, La pilecuce de plies som te Commune, Les 48 49 cidade durante a Revolugio de Julho. Ao procurar um exemplo de tra- ‘em seu retrospecto sobre a Revolucto de Julho, viu nele e em seus com- vail non salarié mais passioné (trabalho nao assalariado, mas apaixo panheiros “os verdadeiros lideres do. partido pro 336 Fourier nfo encontrou nenhum exemplo melhor do que erguer bi das. Em Les misérables, Hugo registrou de modo impressionante a rede ; também marcarain Baudelaire. Huma pagina dele que, 20 lado de a ree Mania a ‘outros desenhos improvisados, mostra a cabega de Blangui. hhouvesso topado em diversos pontos Os conccitos de que Marx se utiliza em sua exposicao sobre os meios emitindo reconhecercontorns iregulares, yres de Paris permitem reconhecer bem a posig&o ambigua que i ere Gree Lika ae eee assumira. Por um boas razdes para Blangui ter en- | wares € Nela, ele representa o tipo de 10 sua tarefa No “Discurso a Paris”, que ficou em estado de torso e que deveria fechar if as Fleurs du mal, Baudelaire nio se despede de Paris sem evocer as suas © processo revoluciondrio em curso, levi-lo ertificialmeate & barricadas; recorda os seus “mégicos paralelepipedos que se erguem como fortalezas para o al claro que essas pedras so mégicas a medida que a composicso nfo conhece as mdos que as puseram 1. Mas exatamente esse pathos & que podia ser atribuido isso se contrapdem, no entanto, descricBes que se tém 128 quais ele parece corresponder muito mais a um desses ao blanguismo, Pois de modo semelhante exclama o blanquista Tridon: habits noirs, em quem aqueles conspiradores profisionais viam 08 seus pe er er da vida presente not easioa, com lines © cores, no préximo ano, © especi de algo realmente Novo” 1 Um ano depois: “Por fala em roup, 0 invéluro do heréi modemo — (,..) wrt que Pee csr tries peel moan —() uel € desta oupa qu now Sosa preci’ Fos nose Gea cima, Ye de vupotar sob oe seus magies imiolo dena sera trstrn, © tern a nobrecetc egies tuna Delezn podicaenguanto expresso Sstrutur expsiual police, reprecatada ‘por uma finda procssto de Paps-dfunts:pype-efuntospolcon, papadsfuntos erSices, ppt: efuntos particulates ‘Todos teros seinpreaigum enero pla fre, MA roupagem do desespero, quise lous kul, prova ti B as pregas na fazandn, Que itor cata © 2 enroseam em volta de carne mort, no terdo clas 0 teu oct encanto Biss ides faze parte da profunda facinogho exerida sobre o Pocta ts kd pl tae eS aces we 2 ie pois, aos nossos pés. De Vautrin, de mtarés, que nio Ousiste confessar a0 ca mais estranha, a mal que & tua propria fantasia eriou” ™”, fischer, do Sul da Alemanha, chega, quinze anos mais tarde, a conclu- Semelhantes is de Bradlare “Apena aera a Ease que em ie entra como nuanga, nas cores do alvorecer da em Vischer, como um nftido argumento na luta politica het, referindo-se & Reago que se estabeleceu a partir de “Dar a conhecer a sua coloragdo politica # considerado ridfculo; ser enérgico € considerado pueril: ‘como é que, entio, @ roupa também lo iria acabar sendo, ao mesmo tempo, descolorida, frouxa © aper- reconhece naquelas aves, aves cujo modo desajeitado no convés do navi, onde a tripulagio as deixara, ele descreve da seguinte maneira: “Assim que sSo postos sobre as pranchas, Sobre as mangas largas que cafam sobre o pulso da casaca, diz Vis- cher: “Isso nfo sio mais bragos, mas asas rudimentares, 08 cotos das asas do pingiim, barbatanas de peine e, 20 andar, 0 movimento dessee apéa- ‘ices amorios parece um tolo e simplério agitar-se, empurrar, comer, ‘A mesma visio das coises — a mesma imagem. Mais claramente, Baudelaire define do seguinte modo a face da mo- dernidade, sem negar o sinal de Caim na face dela: “A maioria dos poets que tratram de assuntos realmente moderos contntat-se com temas exterotpaos, ficias exes poctas prea cuparam-se com as nossa vitras& com 0 nos0 herosme Polis. Mas sin ee from Gb ot grado, © 6 orgie o govern mands a © fagam, pagandobes por io. Epa iso tudo, a tomas dav 0 540 mit mss herbizon O espetacle’ da Vida mundana oy do sxistncis desordenadas que viver nos sublerineos dade grands dos erminosos © das prosulas —~ a Gazette iunaux € 0 Moniteur provam que. apenas preisaines abit ot ‘Theodor. Kritische Gange. Nova série. Terceiro caderno ‘"Vernnttige Gedanken Uber dic jtzige Mode”). les oatils déposés sur les planches,/Que oes rois de Tazur, maladroit 3 bontey Laisentpitetsement leuts ‘lanches/Comme des aviroas ‘gauche et veule!"] 103 © apache ingressa aqui na imagem do herdi, Nele se encontram os ‘earacteres que Boun la na solidi separado do burgués por todo um do ciimplice, que pouco depois ‘um género que em oitenta anos ainda na ‘0 primeiro a explorar este fildo. O herbi de Poe néo é 0 criminoso, ‘mas o detetive, Balzac, por sua vez, conhece apenas 0 grande marginal da sociedade. Vautrin experimenta a ascensio e a queda: tem uma car- ira como todos os demais heréis de Balzac. A carr i igual a dos outros. Mesmo Ferragus asj Tongo prazo; ele & do tipo dos car 2. O Ouse wrante 08 primeiros tempos, ‘mesmo tempo copindo no sei le € marcado pelos tragos do ‘trapos, que tanto preocupava chiffoniers" apareceu uma repre “Temos aqui um homem: ele tem de catar pela capital os restos do dia que passou. Tudo o que a grande cidade jogou fora, tudo 0 que cla Perdeu, tudo 0 que ela desprezou, tudo 0 que ela espezinhou — Tegistra e coleciona. Coleta e col sa descricfo ¢ uma nica e longa metéfora para a atividade do poeta lindo a visio de Baudelaire. Trapeiro ou pocta it is ambos executam solitariamente 0 seu trabalh: tigueses se entregam ao sono; mesmo o gesto & idéntico em ambos. toques” (patavras de Jesus a Madalena). (N. do T.) unoune, G. Abimes de V. Hus0, op. cit. p40, FPassant, sols moderae."] B 249550, 104 Nadar fala do “pas saccadé” {passo cadenciado) ® de Baudelaire: & 0 passo do poeta que erra pela cidade catando restos de ri também 0 passo do trapeiro que, 2 todo instante, para no . jonando ¢ catando o lixo que encontra. Hé fortes indicios de muito acerto, Gustave Kahn. criada pela natureza do pre reservado quanto a poemas de je entre, a relagéo com se configura em Victor levou-o (...) a transformar a ode eléssica © a ‘nos poems e nos dramas que dele conhecemos’ modemidade caracteriza uma época; caracteriza ao mesmo tempo a orga que age nesta época, aproximando-a de antigilidade. A contragosto 6 em poucos casos é que Baudelaire reconheceu isso em Hugo. Wagner ra, no entanto, para ele, a expansio ilimitada e auténtica dessa forga. “Se, na escotha do seu tema ¢ no seu processo dramitico, Wagner se | aproxima da antighidade, entio, gragas & sua apaixonada forga de ex- ressio, ele é 0 mais importante representante da modernidade.” poema posterior, “Les plaintes afirma que j4 nao sente mais empatia com’o tipo de gente entre a qual ha juventude procurava herds. “Os amantes das prostitutas So felizes, bem dispostos e descansados; Quanto a mim, meus bragos estdo arrebentados Por nuvens terem abraga ‘6 sucessor do herdi da antigilidade cléssica conforme 0 do poema, tinha de ceder lugar a0 her6i moderno, cujos ‘ados pela’ Gazette des Tribunat Na realida #6sa assertiva contém embrionariamente a teoria de Baudelaire sobre a ate moderna. Segundo esse teoria, o carter modelar da antighidade se Bi 2 construcdo; a substinia a inpiracdo da obra sto quests da nado & derrota ¢ nenhum tragedidgrafo preci tar tal necessidade, Mas, assim que a modernidade conquista esse ela acaba, Seri entio posta A prova. S6 depois que esta prova tiver sido concluida é que se mostraré se a propria modernidade poderd alguma vex vir a ser “cléssica”. spre esteve presente em Baudelaire. A antiga pre- foi vivenciada por ele como a sua prépria pre- tensio de, um dia, vir a ser lido como um escritor clissico antigo. Que “toda a modernidade realmente deva ter valor para poder um dia tornar- “Ble buscou por toda parte a beleza t ia, fog, jente. O Ieitor nos permitiu chamé-la de modernid: a doutrina se apresenta da seguinte forma: o belo atuam simultuneamente um elemento eterno, imutivel ( “um elemento relativo, limitado. Este Gltimo (...) & condicionado Scdnes cruelles et plaisantes Paris, 1905. p. 3 3. Pretécio, op. cit. p. 15. ‘de Voceation, tendue par la nature du prétexte Iyrique".] Tessrgiv 0 confronto entre gigold ¢ literato- doe a Alemania, una legenda Horst-Wessel det OE 107 Se algum dia, do fundo das névoas © dos véus, Hi de surgir um novo Cristo, exculpido em luz, ‘Trazendo para si mulheres ¢ homens, todos, Batizando-os ao fogo dos astros, novos” 2 (© primeizo no poderia ser assimilado” 199, Nao se pode dizer que isto vé muito a fundo na questo, A teoria da arte moderna & © ponto mais fraco da visio de Bau- ye sobre 2 modernidade. Est antiga. Baudelaire nunca tentou na¢ nou a rentincia que, em sua obra, aparece como per perda da ingenuidade. Sua dependéncia de Poe, inclusive em suas for- mulagbes, € uma expresso da sua parcialidade. A sua orientagdo polé- au mal Entre eles prevalece © poema “ é ‘A cidade, em geral em constante movimento, cai_em Ja é toda rodeada por simbo .g20 — a negra e o cisne; e simbolos de Heitor € mulher de Heleno”. O sobre 0 que foi ¢ a falta de espera aquilo em que a modernidade mais se aproxima da ssa transitoriedade. Sempre que aparece nas Fleurs du € 0 amanhecer da mostra a cidade © ancio que a cada dia ‘quanto ao porvir. Teoma. nessa peora, trabsihnda.a antiga ihe cleien s do umbralsagrade, que & bem gual 208 “™uE® iMh4 sien, nenhum comentério melhor sobre © seguinte trecho dos Miséra- transparente como um pano vel do novo pega, resignado, os sou: do Faubourg Saint-Antoine se pareciam com as tabernas ‘cupagies com a sobrevivéncia ni sobre a gruta da Sibila'e ligadas 4s sacras ele 6 2 alegoria da cidade; e as ancil " Que esses poemas © devem a un cuidado que os protege. cidade grande. Ela distingue esses. poema fe a grande cidade que veio depois deles. Uma estrofe de Verhaeren é suficiente para com- preender do que aqui se tat “E que me importam os de Triomphe”. A glorificacio desse monumento parte da visio de uma campina parisiense, de uma “immense campagne” onde perdurariam ape- ras rés monumentos da {da cidade: a Sainto-Chapelle, a Colina Vendome ¢ 0 Arco do Triunfo, A alta relevincia que es obra de Hugo corresponde a posigao que ocupa na criagio de uma Paris do século XIX adaptada a uma imagem da fe certamente 0 conheceu. & de 1837. tend Frankreich im Jahre 1830 (Cartas de Paris da Franga em 1830): "Ds torre de Notre-Dame, ontem, dei uma olhada nessa_gigantesca cidade; quem construiu primera casa, quando desmoronacé a sltima 0 solo de Paris hd de se assemelhar ao de Tebas © da Babin?” #* Hugo desereveu esse solo como ele viria a ser quando um dia “esta margem, onde a gua rebenta mos arcos sonoros das pontes, for jx juncos murmurantes que af so inclinam” 28: ‘Mas nio, tudo estard: morte. ‘Nada mais nessa planici, Exceto tm povo perdido, do qual ainda esta replena” 8 Léon Daudet, com anos aps Raumer, langa de Sacré-Cour, lugar elevado da cidade, um olhar sobre Paris. Em sua visio, a hi da ‘modernidade” se espelha até o atual momento numa horripilant tradicdo: “Othasse la de cima para esse amontoado de palicios, monumentos, casas e barracos, es fica com a sensagio de ser ado 8 109 , como cresceram, com 8 a0 rés-do-chio! Que ‘Os trabalhos de Haussmann estavam no seu auge; bairros inteiros "jam sendo demolidos, quando, numa tarde de 1862, Maxime Du Camp fa na Pont-Neuf. Esperava por seus éculos perio da Ioja de sperimentou um daqueles momentos em ’a vida passada, vé em tudo estampada da sua visio, acusada tempos de Barca; de Alexandria, nos ‘dos dos Césares. “cragas um ordi ‘Haussmann comecou a sua obra em 1859. Fla jé estava encaminhada avés de projetos de lei ¢ a sua necessidade jé fora hé muito pressentida, Mi Camp escreveu no referido livro: 1848, Paris estava na iminéncia de se tornar inabit cpansiio da rede ferrovidria (...) acelerava 0 Popslacionl da cidade. As pesous sfocavam aesas vllus rues es ieitas, sujas, confusas, em que se apertavam como gado encurralado por no haver outra solugao" ™, . Io Bice eatin 8 bh wt ess colli ce es 110 NNo inicio dos. ancs 50, a populagdo de Paris comegon a se resignar & el e grande purifieagdo do quadro geral da cidade. ‘eu tempo de incubacao, 10 do que a vista dos proprios trabalhos de urbanizagio, Joubert “Os poctas so mais inspirados pelas imagens do que pela pr6pris pre- songa dos objet (© mesmo € valido em relagdo aos artistas. O que se sabe que em breve transformado em imagem. Iss Em todo caso, a obra, cuja ago de Paris nao se pode sformacéo ter sido tnaa'o comora, Bara le, e anigitdade tink de sargit de uma s6 tacada, uma Atenas parida da cabeca de um Zeus ileso, da modernidad ‘Meryon acentuou a visio da cidade enquanto an- tigidade sem wandonar sequer um paralelepipedo. Esta visio do problema € 0 ssantemente perseguira na concep¢ao Tinha uma admicacio apaixonada por Meryon. idades cletivas. © ano de nascimento deles é 0 ; lecimento do outro. ‘Meryon como de- nica particular, ante a vida de Meryon, Bav- delaire foi quase 0 tinico a defe ‘Nos seus poemas em ppouca coisa pode ser comparada com 0 curto texto sobre Meryon. homenagens & modemidade; mas home Meryon também aparece, inconfundivel, que é a alegoria, Em seus croquis, a fem seu texto, a sua obscut 0 “significado”. Os versos de Meryon sobi , enquanto inlerpretagdo ¢ set prejuizo de sua ela a feigdo de ai essa forma de dupla exp Penses, Rrévéaes de. correspondance, Dine, noi 3 2. Paris, 1869. BMINo século XX, Meryon encontros um bidgrafo em Gustave Gettroy. Nao ¢ por acaso que a obra-prima deste Autor seja uma biografia de Blangui, “Aqui jaz da antiga Ponte Nova ‘A bem exeta semelhanga: Toda retocada de novo, Hoe arden. de govern Por que nfo conosco fazer (© que com a ponte de pedra se fez?" 218, “embora confecionadss dirctamente conforme 2 vida, 40 a impressio | de vida jacabacs, do vida que ja eté morta ou que ext para morter™®, sobre Meryon dé a entender, por baixo do pano, ide cléssica de Ps “Raramente pudemos ver representada com maior forsa poétic nidade natural de uma cidade grande. A majesade da pear ‘05 eampanirios apontando 0 dedo para 0 céu, os of arremessando contra 0 cu os seus batalhoes de 20 si etio contios, nfo ficando exquscido nenhum dos complexes : ‘compse 2 dolorosn © glorigss decoragio da ele cujo fracasso se pode lamentar como sendo uma © do editor Delitre, que queria publicar a série escritos é culpa do grifico: ele nfo q senao como um inventérie Baudelaire tivesse efetuado ruas ai reproduzi 3s palavras de Prot ‘que estas Ihe transmitem teriam tido mais sentido do que hoje nelas se percebe. Entre essas cida- Hi de, fabula incerta, fatigar o leitor Baudelaire queria ser lido como um ‘quun (ympanon." 113 “Pode-se reencontrar Herculano sob as cinzas; mas alguns poucos anos gpbtem os costumes de uma sociedade bem melhor do que toda pocira lade de Baudelaire 6 a romana. S6 num ponto a antigii- gxega penetra em seu mundo. A Grécia Ihe fomece imagem da que Ihe parecia digna e possivel de Gregos — sma dedicado 20 amor iésbico. A Fio condutor da eroticidade © da grandeza no mundo antigo. Isto faz. com que posiczo da ica nas Fleurs du mal se torne inconfundivel. Explica por que em dar a esses poemas o titulo de Les idelaire esta bem longe de ter descoberto a comhecia na sua Fille aux yeux dor; Gat Delatouche, ia de androginia. A ‘ova Cidade” de Devey- templo tem de representer um andrégino, um homem ¢ uma mulher. A mesma divisio deve ser prevista para toda a cidade, até mesmo edo, 0 reino © a terra toda: haverd o hemistério do homem € da, concepgdes de Claire Demar, de modo muito mais compre arquitetura que no chegou a ser constru tropoligico. Claire Demar acabou sendo tasias megalomaniacas de Enfantin. © mani ‘mais préximo do ceme da teoria de Saint-Simon hipéstase da indistria enquanto forga que move © mundo — la mae em Enfantin, Neste texto também se trata do mito ssencialmente com um que sairam da Franga para daquela época relativa ao E, além disso, sobre 0 proprio escritor: sgratas por ter ele- participa da dupla nto ser capaz de cfleulo ‘natureza que cot quanto de devan jaudelaire promovia a esposa ‘os brags da mie 80 a rian, io antes, é que os homens, as ‘da lei’ do. sangue, da lei da para terd uma ‘Que querem conosco as leis do justo ¢ do injusto? ‘YVirgens do coragdo sublime, honra do arquipélago, 0 outza qualquer, st, desses poemas; no segundo: i, descei, lamentaveis vitimas, ‘eaminho do eterno inferno!” #7 lente discrepancia se esclarece do seguinte modo: jé que Bau- re no via a mulher Iésbica como um problema — nem de ordem peial nem de estrutura psiquica —, ele também nao tinha (poder-se-ia enquanto homem do mundo prosaico) nenhum posicionamento ‘ela, Mas, no quadro da modemnidade, ele tinha um lugar para le no a reconhecia inserta na realidade. Por isso 6 que escreve confissao seguinte: amar a minha proxima, a mulher, tanto quanto, 20 mey an sal pera o homem 2 sua fore fain 6 2 (ode ines ropia, amas caloque 20 14do_ dle fue Me pesea da mulher cos dons expctis ‘ Gone ition de Baudelsit tum eco dessa confissio ressoa uma reflexdo critica de Baudelaire, cointo a quai nao pode haver nenfum equivoco. Referee 2 primeira heroina de Flaubert. ; “ wary, maquilo que cla tinha de mais enérgico © de mis Madame Bovery, gas sophadar, asso. Madame Bovary sta Um sanGS cerebro. de Zeus, esse Des a ee ie a alma viril em um que escreve, (...) a poetisa republicana, a ‘la da linha de um Fourier ou de um Saint 162 podemos acostumar os nossos olhos (...) a ‘homem. Como x fandrégino guardou todas as sedugdes de ums tharmoso corpo feminino.” #* péstuma publicada por Suzanne. Paris, Bee 2 1e émancipée, Histoire de femmes 28 Apt Mattano, Fi A Thistoire Eom Bauidelaire: Descendez, descended, lamentables vctimes,/Descendez le chemin de Fenfer ‘uma velada referéncia A Ma lo! davenir de Claire Demar. 7 todo xs comportament foreado ¢repognnte (...), » ea imitagbes ‘espirito masculino” \delaire tenha alguma vez pensado em amente a mulher lésbica, Isto pode que cle fez ao seu advogado para a urs dz mal, A proscriglo burguesa n&o (© “descendez, descen- Seria absurdo supor que iesbica., Ele deixa que jo de Baudelaire quanto a ela € insolivel. (© século XIX comecou a valorizar, sem reservs atividades domésticas, no processo de producdo. Fez isso preponderante- cas. Com 0 _Imaginar essa atitude como grandioso ato de vontad: Desbis tem no esqusa baodclarieno. Maso seu toverso uma faka'de ‘uma forma mais nobre. tentendido neste sentido. le colocou a disposi¢io da Revolugéo reiro um batalhio composto de mulheres. N6e nos chamamos de vésuvignnes”, podese let nos estatutos, “para com isso dizer que em cada mulher ‘a n6s incorporada est4 operando | tum vuledo revoluciondto.” -agées do comportamento feminino surgiram tendéncias + ocupado a fantasia de Baudelaire, Nao seria de se adi erasia contra a gravidez também tenhi izia-lhe algo. Ba 10 mesmo tempo, jportante deslocé-lo da tutela econdmica. Assim, ele conse dar a essa evolugio um acento puramente sexual. O que ele no podia rperdosr a George Sand era, talvez, ela ter profanado os tragos de mulher lésbica através de sua avent es ‘a se autodenominar em alguns “Mire e veja essas canoas, Barcos a dormir pelos canais, Um ritmo embalador caracteriza esta famosa to atinge as embareagbes que se en se revela no posicionamento ante a mulher Iésbica também 6 significativa para ele em pr i tos. Ela causava estranheza em observadores atentos, Ex ‘uma Tinguagem muda: quando ibarcagées se roiine a nonchalance com a dis lar posicfio para um upremo emprego de forcas. Isio Ihes confere um secreto significado, | Dé-thes uma constelacéo peculiar em que no homem também sc unem | @aatrar, J. Les contemporains, op. pet. WPM tur es cansux/Dorm humour et vusabonde/ "1 so governa a existincia de Baudelaire. Ele a ‘modernidade”. Quando ele se perde no expe- comparacio. O hersi é +40 bem construido qua para ele. Pois uma estrela mé como a sua fatalid ipo de gente. Ela o prende a uma ‘ociosidade. ic como dandy. Ao encontrar uma dessas figu- ® serenidade, sio perfeitas em cada um de seus gestos, ento se diz: osso que af pasca talver seja rico; mas certamente nesse transeunte se esconde tm Hercules, para o qual nfo existe nenhum trabalho” #8. Ele dé a impressio de ser carregado por sua prépria grandeza. Por isso compreenstvel que Baudelaire acreditasse a sua fldnerie vestida em certas hhoras com a mesma dignidade que a intensidade de sua forga poéstica, Para Baudelaire, o dandy se constitufa num descendente de grandes antepassados. Para ele, 0 dandismo é “o tiltimo lusco-fusco do hersico tem periodo de decadén: ‘Agradou-Ihe descobrir em Chateaubriand tuma referencia sobre indios que eram dandys — testemunhos do passado florescimento dessas tribos. Na verdade é impossivel desconhecer que os ‘ragos que esto reunidos no dandy tem um registro hist6rico bem defi- nido. O dandy 6 marcadamente ingles, dos ingleses que dominavam 0 mercado mundial. Nas maos dos éa Bol condres é que ram 0 engenhoso treino necessfrio para controlar isso. Souberam coo jugar @ reacdo fulminants com tragos fisionémicos © uma mimica des- contraidos © como que adormecidos. A mania que, por algum tempo, foi considerada elegante 6, até certo ponto, a representagdo desajeitada @ menor dessa problemética. Muito significative quanto a isso € 0 se suinte: "0 rosto de um homem elegante precisa sempre convulkivo ¢ cistoreido. Caso se queira, pode-se al tum satanisme. natural” #7 Par les auteurs (Taxile Delord et al] des Mémoires de Bitboavet 7. Paris, 1854, p. 26. 119 A ‘Assim se desenhava na mente de um boulevardier parisiense a figura de "umm dandy londrino, Assim é que ela se espelhava fisionomicamente em q 0 seu amor pelo dandismo ni Ble néo tinha de agradar na arte do dandy, 0. O que ele por natureza apa sformado em mania acabou lev “Numa certe manhé, enquanto na triste rua ‘As mansGes, 2 que a névoa alongeva a altura, Simulavam 0s dois cais da cheia. de um rio, Decoragio a copiar o coragio de um ator, E uma bruma suja ¢ amarcla a tudo inundava, Lé vinha eu, nervos tensos feito um her6i, ‘A discutir com minha alma tao cansada, Pela rua sscudida por carrocas pesadas" 6, Cenfrio, ator ¢ her6i se rednem de forma inequivoca nestas 9s contemporineos nao precisavam de qualquer esclarecimento. 9 retraté-lo, queixava-se de que Baudelaire parecia ‘Champfleury atribui-the o talento dé como um condenado em fu 88 comprovando muita perspicaci, Por tris das méscaras que usava, 0 poeta em Baudelaire resguar- WVa 0 incdgnito. Por mais provocador que pudesse parecer n0 trato, to mais cuidadoso ele era em sua obra. O inoSgnito é a lei da sua 120 poesia. A sua construclo dos versos ¢ comparivel ao plano de uma A baixeza dos elementos comparados. Procura frande cidade, na qual se pode movimentar-se sem ser percebido, enco- Ver 0) proce para aproximé-lo do poético. Fala dos “vagos terrores dessas donhas que comprimem o coragio se amassa um pal postura verbal que caracteriza 0 em Baudelaire $6 ficativa no plano ales concertante que a distingue das alegori povoar com elas 0 parnaso do Empi mais baixo da poesia neocléssica. Bai Passo a passo calcula os seus efeitos. Que ele sempre tenha evitado se desvelar ante o leitor é algo de que se ressentiram exatamente aqueles que melhor o conheciam. Gide observou ai uma bem calcalada diver- ‘géncia entre imagem e coisa". Riviére destacou como Baudelaire parte da palavra rara, como ele a ensi recer de leve enquanio cautclo- samente vai se aproximando da Lemattre fala de formas que sao estruturadas de tal modo que impedem a explosio da paixéo * e La- forgue destaca a comparacto baudelairiana que, ao mesmo tempo, des- mente a pessoa lirica e a insere no texto enquanto perturbadora da paz. “A noite se tomava espessa como um — “outros exemplos podem ser encontrados em abundancia” *, acrescenta Laforgue ‘A separacio das palavras entre as que pareciam adequadas @ um uso clevado e outras que estariam exclufdas dele influenciou toda a produgao poética e andou vigente para a tragédia nao menos que para a poesia lirica, Nos primeiros decénios do século XIX, esta convengio permanecen, inconteste, em vigor. Na encenacdo do Cid de Lebrun, a elo, m ‘mouch ‘entre as palayras da linguagem corrente as da linguay ite-Beuve havia procedido de forma seme- Thante. Em Vie, poésies et pensées de Joseph Delorme declarou: original a meu modo, de um modo modesto, bem texto que nao rejeita o vocfibulo mais banal, a mao de Baudelaire. A sua técnica 6 a de bang ‘Bei home 1 bois, meio nas coisas da ida tina; a feria'me etava mas pronima 0 que 4 aleova” Baudelaire ultrapassou tanto ojacobinismo verbal de Victor Hugo quanto fein or consi morte de Bavdelie, Blnqul coosva, «sua pirad ‘uma memorivel obra-prima, Fol ‘as liberdades bucdlicas de Sainte-Beuve. Suas imagens so originais devido do assassinato de Victor Noir. Blanqui queria ter uma visio geral ecninas 2 Vie Ne. land gi tt tne vale ga cchefes subalternos. Nao se sabe até que ponto ele conhecia ibros de sua corporacdo. Geoffrey descreveu isso do se "Blanqui (...) saiu de casa armado, disse adeus ds suas irmis ¢ assumiu +6 S04 posto nos Champs-Elysées, Conforme entendimentos com Granger, _ Ai deveria ocorrer o desfile das tropas cujo misterioso general era Blan Mui, Ele conhecia os chefes e, agora, deveria ver atras de cada um deles, range. igorge triomphante eat ne belle armoire” (Lp. 65); sanglot coupé para un sang écumeux/Le chant du coq au ois sombre/Bt de ses bioux précieux,/Sur Repose.” (1, p. 126). 57, EVagues terrours de ces affreuses nuits/Qui iment le Mepis, eran iw/Qui compriment le ceur comme un fem passadas uniformes ¢ formagbes regulares, pessoal deles desfilando a seu lado, Acontsceu como combinado. Blangui efetuou a sua revista, ‘meio da multidio que o olhava — ¢ pat © velho homem estava recostado a uma companheires chegando em colunas, aproximando-se mudos, mas mur- murando, a todo momento interrompendo isso através de aclamagées" 40, A fora que tornas possivel est preservada em palavras com a poesia de Baud Baudelaire também quis reconhecer, ocasionalmente, no conspirador forga da indignaséo e do dio, mas também a impoténcia, Numa gem famosa, Baudelaire se despede, com 0 coracio leve, de um mundo “em que a ago nfo é irmi do sonho” #, © seu sonho ndo estava tio abandonado quanto Ihe parecia, “A agéo de Blanqui foi a irma do sonho de Baudelsire. Ambos estéo intimamente entrelagados. So duas mios entrelagadas sobre uma Idpide em que Napoledo IIT havia enterrado as esperancas dos combatentes de Junho. Jenfermé, op. cit. p. 276-7. 1B. Charles Baudelaire, op. cit. p. 81. rdagem “hist6rico-literdria” convenci A boleza toda especial de tantos ia 1é do fundo do abismo, pegetins corp dui opoe ot ido por “rochinn und Vor ‘melancolia ¢ espiritualizagdo), acertando com islo o signi al do Ideal em Baudelaire. 7 que a vida moderna 6, em Baudel léticas, entao af esté incluido 0 fi a vida moderna de modo sem Org. Rolf He ‘Sebi ahaiuser ifort ah or lemaan » Hermann Schwepped makfort shy ‘Verlag, 1974. p. 655-90. vere a

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