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Autor
KURT MAHR
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
Mesmo para um visitante bem equipado, o mundo primitivo,
vegetal e animal, do planeta Vênus oferece inúmeros perigos.
Por isso é fácil compreender a situação desesperada em que se
encontram aqueles três homens, praticamente sem recursos, que têm
de lutar contra a selva de Vênus e ainda sofrem uma perseguição
implacável de outros homens.
É esta a situação em que Perry Rhodan, John Marshall e Son
Okura se encontram depois da queda de seu destróier espacial. Para
não perecerem na Selva do Mundo Primitivo, terão que atingir
quanto antes o abrigo protetor da fortaleza de Vênus...
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Perry Rhodan — O chefe da Terceira Potência que se transformou em prisioneiro
de Vênus.
John Marshall, Son Okura — Companheiros de prisão de Rhodan.
General Tomisenkow — Um comandante de divisão sem divisão.
Coronel Raskujan — Que dispõe de cento e vinte e três naves espaciais intactas e
por isso julga ser o senhor absoluto em Vênus.
Thora — Que fugiu de Perry Rhodan e agora espera ser libertada pelo mesmo.
Reginald Bell — Amigo íntimo e confidente de Perry Rhodan.
Tako Kakuta — Que já passou pelo inferno e está disposto a repetir a experiência
1
A água borbulhava preguiçosamente. Parecia ser mais espessa que a água terrena, e
realmente era. Quem enfiasse a mão ali e a retirasse depois de algum tempo, notaria que a
mesma estava coberta por uma camada gosmenta.
Áloes, unicelulares, microrganismos — a água regurgitava dessas criaturas e parecia
uma solução coloidal.
Era Vênus, cheia de vida, quase estourando de vitalidade!
O barco cruzava, a uma velocidade constante, as ondas sempre iguais, que eram o
último vestígio da tormenta crepuscular que há mais de oito horas fustigara a terra plana e
o braço de mar primitivo com seus trezentos e cinqüenta quilômetros de largura.
O pequeno gerador ultra-sensível espalhava um zumbido monótono e sonolento, que
pesava sobre as pálpebras.
Mas não podiam dormir, nenhum deles podia. Fazia mais de um dia terrestre que não
fechavam os olhos. Era muito difícil mantê-los abertos na escuridão, que até ali fora tão
alegre e inofensiva.
Especialmente para aquele homem com a ferida mal curada no ombro.
Era Perry Rhodan, presidente de um Estado onipotente, a Terceira Potência. As
circunstâncias adversas fizeram-no descer em Vênus numa situação de desamparo,
acompanhado apenas de dois dos seus homens, para que desse provas de sua energia,
dominando a situação intrincada.
Por enquanto estava muito longe disso. Diante de seu barco ainda se estendiam quase
trezentos quilômetros de água. Eram trezentos quilômetros recheados de perigos
desconhecidos, trezentos quilômetros durante os quais, a qualquer segundo, poderia surgir
o helicóptero do coronel Raskujan para atacar a embarcação indefesa. A escuridão não
representava qualquer obstáculo para um veículo moderno, equipado com visores de luz
infravermelha.
— Será que notaram o desaparecimento do barco inflável? — perguntou John
Marshall, o telepata.
Ninguém sabia. Haviam retirado o barco de um dos helicópteros de Raskujan, no
momento em que a luta entre as tropas deste e as de Tomisenkow havia chegado ao ponto
mais alto. Depois disso, tiveram a precaução de destruir o helicóptero.
— É de supor que mais cedo ou mais tarde darão pela falta do barco, pois não
deixarão de examinar os destroços.
Rhodan ergueu os ombros. O movimento fez a ferida doer.
— Raskujan vai quebrar a cabeça. Por enquanto nem sabemos se desconfia da nossa
existência.
— E Tomisenkow? Não vai perder tempo; deve contar logo — objetou Marshall.
Rhodan não estava muito convencido.
— Você não conhece Tomisenkow — retificou. — Ouvi a palestra de rádio que teve
com Raskujan. Este, com sua frota de abastecimentos, conseguiu agrupar os homens em
torno de si. Não há qualquer tendência para a indisciplina, e isso por um motivo muito
simples: os homens têm bastante comida para matar a fome. Já o grupo de Tomisenkow
está completamente desorganizado. Acontece que Tomisenkow, na sua qualidade de
general, insiste em que Raskujan, que apenas é coronel, se submeta a ele. Este, por sua
vez, alega que, face ao amotinamento das tropas de Tomisenkow, este perdeu os direitos
correspondentes à sua graduação de general. Ambos são do Bloco Oriental, mas apesar
disso são inimigos. Não acredito que Tomisenkow esteja muito disposto a contar o que
quer que seja. Com a experiência que adquiriu em Vênus, é o homem indicado até mesmo
para Raskujan. É bem provável que se sinta seguro e saiba calar a boca.
Son Okura esteve a ponto de responder. Mas nesse instante ouviu-se a voz chiante de
Marshall, vinda da proa:
— Pare!
A reação de Rhodan foi imediata. Apertou uma alavanca e a pequena hélice saiu da
água. O zumbido do motor, que trabalhava em ponto morto, subiu um pouco até que
Rhodan o desligasse.
Em redor deles tudo era silêncio, com exceção do sussurrar preguiçoso da água.
— O que houve? — perguntou Rhodan.
— Olhe — respondeu Marshall e apontou para a frente.
Rhodan se dirigiu à proa e olhou na direção indicada por Marshall. Não precisou
forçar a vista para enxergar o trecho de água fluorescente que, a uns cem metros de
distância, se estendia em direção ao leste e ao oeste, até onde alcançava a vista.
Rhodan se assustou.
— O que é isso? — perguntou Marshall, espantado. — Não é possível que seja um...
Rhodan fez que sim.
— É isso mesmo. É um tapete luminoso. É o maior que já vi.
Son Okura também veio à popa. Possuía capacidade de abranger com a vista certas
faixas do campo de freqüências eletromagnéticas que o olho humano comum não
conseguia enxergar. Captava as radiações infravermelhas, ou seja, os raios de calor, com a
mesma nitidez da luz visível, e esta lhe era tão perceptível como as gamas ásperas do
ultravioleta.
— O que está vendo? — perguntou Rhodan.
Okura estreitou os olhos. Para ele a água morna do oceano de Vênus assumia o
aspecto de um vasto terreno inundado de luminosidade. O tapete, que absorvia parte do
calor irradiado pela água e refletia outra parte para dentro do mar, surgia em sua retina sob
a forma de um longo traço escuro.
— Vai uns três quilômetros para o oeste — disse Son Okura. — Para o leste não vejo
o fim.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.
— Então vamos contorná-lo pelo oeste.
Deu partida no motor e colocou a hélice na água. Girando o leme para a direita,
Rhodan fez com que o barco descrevesse uma curva fechada.
— Isso é tão perigoso assim? — perguntou Marshall.
— Nunca viu um tapete luminoso?
— Só um bem pequeno, numa enseada.
Rhodan acenou com a cabeça.
— Pois eu lhe mostrarei o espetáculo. Se passássemos no meio dele, estaríamos
irremediavelmente perdidos. Esse tapete fininho tem mais força que dez motores como
este.
O barco deslocava-se na direção noroeste. Rhodan se esforçou para contornar a
extremidade oeste do tapete luminoso o mais próximo possível. O barco desenvolvia uma
velocidade de trinta quilômetros por hora, ou seja, cerca de oito metros por segundo. Cada
oito metros percorridos a mais significavam um atraso de um segundo, e nessa viagem os
segundos contavam tanto quanto as horas ou os dias em outras.
Dali a uns dez minutos, o barco se encontrava aproximadamente na altura da linha
que cortava o tapete de leste para oeste, passando pelo centro. John Marshall parecia
fascinado diante do quadro. A fluorescência reluzia nas cores mais variadas e oferecia um
espetáculo de beleza movimentada, cujo encanto nem Rhodan conseguia subtrair-se, muito
embora já tivesse tido muitas oportunidades de observar o fenômeno.
Era difícil de imaginar que na realidade esse tapete luminoso era um único animal
estendido na água, à espera da presa. A beleza dissimulava a voracidade e a violência
irresistível com que agarrava sua vítima e a arrastava para as profundezas.
Rhodan retirou algumas pesadas porcas de parafuso da caixa de ferramentas e se
aproximou de Marshall. A extremidade do tapete não ficava a menos de quinze minutos do
barco.
— Okura — disse Rhodan em voz baixa.
— Sim.
— Prepare-se para fechar o barco. Aguarde meu comando.
O japonês confirmou com um aceno de cabeça. Rhodan deu as porcas a Marshall.
— Atire.
Marshall avaliou lentamente o peso das peças de metal. Depois, num impulso
vigoroso do braço direito, atirou todas elas sobre o tapete.
A reação foi instantânea. Mal as porcas tocaram o animal, as cores deste começaram
a empalidecer. Dentro de poucos segundos a luminosidade desapareceu por completo. Um
rugido ensurdecedor fez-se ouvir quando o tapete luminoso se fechou em torno do lugar
em que fora atingido e começou a arrastar para o fundo aquilo que acreditava ser uma
presa.
As primeiras ondas arrebentaram sobre o barco. A uns trinta metros a estibordo, o
inofensivo tapete fluorescente transformara-se num amontoado semi-esférico de cor
indeterminada.
Quando a massa enorme começou a mergulhar, as ondas sustentavam coroas de
espuma. Marshall, que assistia ao espetáculo de queixo caído e olhos arregalados, perdeu o
equilíbrio e teria caído à água se Rhodan não o tivesse agarrado em tempo.
— Cuidado! — gritou Rhodan.
Son Okura segurava o fecho.
O tapete continuava a crescer, enquanto a parte inferior de seu corpo, que agora
assumia uma forma esférica, mergulhava numa velocidade cada vez maior. A contração da
substância daquele corpo, que poucos segundos antes ainda cobrira uma área de vários
quilômetros quadrados, enfurecia o mar como se fosse um temporal de regular intensidade.
Rhodan permitiu que Marshall contemplasse o espetáculo até que a água que
penetrou no barco passou a representar um verdadeiro perigo. Só então gritou para Okura:
— Feche! E segure-se!
Okura arrastou a cobertura para a frente. Com um ruído metálico a cobertura flexível
se fechou sobre o barco, evitando que fizesse mais água. Marshall e Rhodan deixaram-se
cair ao chão e seguraram-se nas fitas de plástico presas à parede interna do barco. O
japonês, depois de concluído seu trabalho, perdeu o equilíbrio e foi atirado por cima de
Marshall.
Depois disso o mar jogou bola com eles durante dez minutos. O barco rodopiava em
torno do eixo transversal e longitudinal. Uma forte pancada repuxou a ferida de Rhodan e
obrigou-o a tirar o braço direito da faixa que o segurava. Son Okura, que não conseguira se
segurar em tempo, rolou por cima da cabeça em direção à popa e, com um baque bem
audível, bateu contra a madeira da caixa de ferramentas.
Depois de várias tentativas Rhodan conseguiu se deslocar para a frente e desligar o
motor. A solicitação variável forçava o mecanismo e, enquanto o barco estivesse sendo
atirado de um lado para outro, o motor de qualquer maneira não adiantava nada.
Marshall, em cuja homenagem a peça fora encenada, estava deitado no meio do
barco, praguejando em voz alta. Ainda continuava a praguejar quando o mar voltou a se
acalmar e Rhodan mandou que o japonês abrisse o barco.
Segurando-se na borda, Marshall conseguiu se pôr de pé.
— Nunca imaginava que isso fosse tão ruim — fungou.
Rhodan riu.
— Pois da próxima vez já sabe, não é? Não existe nada que seja tão perigoso e
traiçoeiro como um tapete luminoso de Vênus.
Voltou a pôr o motor em movimento e colocou o barco no curso correto. Não tinha a
menor idéia de quanto o barco tinha sido desviado em virtude do incidente; mas, pelo seu
cálculo, o desvio não poderia fazer uma diferença significativa quanto à sua chegada ao
setor norte da costa.
Por algum tempo mantiveram-se ocupados, retirando a água gosmenta que as ondas
levantadas pelo tapete gigante haviam atirado no interior do barco. O trabalho, em si bem
leve, deixou-os tão cansados que, depois dele, encostaram-se exaustos à parede do barco e,
por algum tempo, tiveram de lutar com o cansaço que ameaçava fechar-lhes os olhos.
A ambição desmedida fizera com que o governo do Bloco Oriental, derrubado há um
ano, se aproveitasse da ausência de Rhodan, que se afastara da Terra, para tentar se apossar
da base montada pela Terceira Potência no planeta Vênus. Para isso foram enviadas duas
grandes frotas de naves espaciais ao planeta.
“Sem essa ambição”, refletiu Rhodan, “a esta hora estaríamos não sei onde, mas de
qualquer maneira nos encontraríamos em paz e segurança”.
Provavelmente essa idéia teria induzido reflexões filosóficas em sua mente, se Okura,
que se encontrava na proa, não se erguesse repentinamente, soltando uma exclamação de
espanto.
Rhodan viu que fitava o céu. Seguiu seu olhar, mas não viu nada.
Por algum tempo o japonês não disse nada. Rhodan colocou-se ao seu lado.
— O que houve, Son? — gritou. — O que está vendo?
Viu que Okura estava com os olhos arregalados de susto. Tinha a respiração
entrecortada. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Rhodan ouviu o farfalhar surdo
vindo de cima, que por um instante deixou-o tão assustado como o japonês.
— É um lagarto voador — fungou Okura. — Encontra-se na direção noroeste, mas
vem exatamente em nossa direção.
— A que altitude está? — perguntou Rhodan.
— Cerca de cem metros.
— É grande?
O japonês contorceu o rosto.
— Acredito que tenha uns trinta metros de largura.
Esperaram. O farfalhar, que quase chegava a estourar os nervos, foi se aproximando,
tornou-se cada vez mais forte.
— Daqui a pouco estará acima de nós — disse o japonês.
E logo em seguida:
— Vai descer; está descrevendo círculos em cima de nós.
Rhodan deixou cair os ombros.
— Son, fique na popa. Marshall ficará no meio. Eu cuido do motor. Vamos ficar bem
quietos. Son nos avisará assim que o bicho descer. Quando isso acontecer, teremos de
atirar. Façam boa pontaria, para que não precisemos atirar mais de uma vez. Os disparos
dos radiadores térmicos são perfeitamente visíveis a vários quilômetros de distância. Acho
que não preciso explicar o que vai acontecer se uma das sentinelas de Raskujan observar
nossos tiros.
Alguns minutos passaram-se. O motor emitia um zumbido monótono e as ondas
batiam preguiçosamente no costado do barco.
Subitamente ouviu-se o grito estridente de Okura:
— Está descendo.
***
***
O farfalhar cresceu num trovejar quando o lagarto desceu sobre o barco. Rhodan se
reclinou contra o costado e olhou na direção de que vinha o ruído.
A única coisa que viu foi uma sombra gigantesca que, numa velocidade inacreditável,
passou por cima do barco na direção norte—sul e voltou a desaparecer na escuridão.
O ruído se afastou, tornando-se cada vez mais fraco. Depois manteve-se constante
por alguns segundos e voltou a crescer.
Rhodan perguntou de si para si até onde deveria arriscar. Ninguém saberia dizer se o
lagarto atacaria nessa revoada ou nas próximas. Era possível que nem chegasse a fazê-lo.
Mas, de qualquer maneira, seria tarde para atirar quando tivesse um dos três homens
nas garras.
O ruído foi se tornando cada vez mais forte.
— Atirem quando estiver em cima de nós — disse Rhodan com a voz áspera e em
tom decidido.
Apontaram as armas na direção exata. O ruído cresceu ainda mais, começando a
produzir um zumbido nos ouvidos.
De repente apareceu!
Era uma sombra negra na escuridão cinzenta, maior que da outra vez e de forma
praticamente indefinível.
Rhodan seguiu a sombra com o cano do radiador de impulsos térmicos. Quando o
lagarto se encontrava bem em cima do barco, ordenou:
— Fogo!
Uma ofuscante luminosidade branco-azulada saiu dos canos, iluminou por uma
fração de segundo o corpo horrível do lagarto, coberto de uma pele áspera, e atingiu-o com
toda sua potência.
O grito do animal poderia ser ouvido a quilômetros de distância. Mas não durou
muito. Algumas centenas de megawats de energia térmica mataram o animal, cujo corpo
incendiado caiu ao mar.
Rhodan largou a arma e pegou o leme. Ainda deixou que a enorme vaga levantada
pelo impacto do animal sobre a água atingisse o barco de frente; mas logo girou o leme e
fez o barco descrever um grande círculo para o leste.
Só dali a vinte minutos retomou o curso anterior. Os movimentos do leme, que por
uma questão de hábito executava com a mão direita, fizeram seu ombro doer de novo.
Praguejou em voz baixa por causa de sua relativa incapacidade e manifestou o desejo de
ter à mão uma caixa de primeiros socorros da farmácia arcônida. Com ela estaria
recuperado dentro de poucas horas.
Son Okura continuava sentado na proa, de olhos fitos no norte. Apenas Marshall
parecia acreditar que, uma vez morto o lagarto, o maior perigo havia passado. Deitado de
costas no centro do barco, mantinha as mãos entrelaçadas em baixo da nuca.
— Levante-se, homem cansado — disse Rhodan. — Daqui a pouco teremos trabalho
de novo.
Marshall se assustou.
— Que trabalho será este? — perguntou desanimado.
— Infelizmente há um fenômeno luminoso que acompanha a emissão de calor
produzida pela arma térmica — disse em tom professoral. — E, com a atmosfera limpa, o
mesmo se torna perceptível a uns quinhentos quilômetros de distância. Sabe lá o que isso
significa?
Marshall se levantou com um gemido.
— Está bem — resmungou. — E o que vamos fazer se acontecer aquilo que prevê?
Rhodan sorriu.
— Continuaremos a atirar — respondeu em tom indiferente.
***
O capitão que Raskujan enviara para o mar com dois helicópteros não precisou se
esforçar muito para descobrir o barco inflável, que não era muito pequeno.
A oitenta quilômetros de distância produziu um reflexo fraco, mas inconfundível
sobre a tela de radar, e a cem metros o holofote de luz infravermelha e o binóculo noturno
tornaram perfeitamente visíveis os três homens que o tripulavam.
O capitão recomendou uma atenção toda especial aos artilheiros de bordo e
transmitiu idênticas aos ocupantes do outro aparelho.
Depois desceu e se aproximou cautelosamente do barco.
***
Ouviram as batidas dos rotores dos helicópteros e o chiado agudo dos jatos. Son
Okura viu dois aparelhos que se aproximavam do norte a uma altitude considerável.
Para Rhodan isso não constituía nenhuma surpresa; já os aguardava.
Subitamente Okura, que mantinha seu posto de observação na proa do barco, recuou
com um grito e cobriu o rosto com ambos os braços. Foi quando o comandante dirigiu o
holofote de luz infravermelha sobre o barco e observou-o através de um filtro ótico.
Rhodan procurou adivinhar o pensamento do inimigo.
“Verá o barco”, pensou. “E também sabe que nenhum dos helicópteros de Raskujan
foi perdido em cima do mar. Logo, acreditará que somos gente de Tomisenkow ou
então...”
A reflexão não chegou ao fim. Os dois helicópteros se aproximaram, e a violência
com que o fizeram não deixava nenhuma dúvida sobre suas intenções: pretendiam atacar o
barco.
— Deitem-se no chão! — gritou Rhodan. — E apontem as armas para cima!
Marshall e Okura obedeceram imediatamente. Um canhão automático começou a
emitir seus sons entrecortados, outro seguiu seu exemplo, e Rhodan percebeu os
solavancos de seu barco. Em meio do barulho ouviu que o zumbido do motor mudava de
tom, e logo viu um dos helicópteros bem em cima de si.
Não sabia se Okura ou Marshall já haviam atirado. Não viu o relampejo de suas
armas. Encostou a coronha do radiador de impulsos térmicos firmemente ao tronco, para
que a arma apontasse bem para cima, e puxou o gatilho.
A descarga não produziu qualquer recuo da arma. Num jogo feérico, o raio ofuscante
atravessou a escuridão e atingiu o helicóptero antes que este pudesse se afastar. Houve
uma detonação ensurdecedora quando o tanque de combustível explodiu, e uma chuva de
peças de metal incandescente caiu na água em torno do barco, produzindo um forte chiado.
O outro helicóptero acompanhou a cena e se afastou em tempo. Mais adiante
descreveu círculos a poucos metros acima da água.
Rhodan engatinhou para a frente. Marshall ainda estava deitado, tal qual Rhodan lhe
ordenara. Ao ver este, sorriu.
Son Okura se colocara de joelhos e observava o segundo helicóptero, que descrevia
círculos em torno do barco. Rhodan ligou o minitransmissor que trazia no pulso e fez o
regulador de freqüências percorrer todas as faixas. Não ouviu nada além do chiado
produzido pelas perturbações atmosféricas. O piloto do helicóptero ainda não julgava
necessário informar a base sobre o incidente.
Rhodan tinha certeza de que logo o faria, ou então tentaria um segundo ataque antes
disso.
Esperaram.
Okura levantou o braço direito.
— Está apertando os círculos! — exclamou.
Rhodan fitou a escuridão. Não viu nada.
— A que distância se encontra? — perguntou.
— A distância média é de cerca de cento e cinqüenta metros — respondeu o japonês.
Rhodan acenou com a cabeça.
— Pois mostre o que achamos dele — disse a Okura.
“Estão muito enganados”, pensou. “Querem experimentar o alcance dos nossos
radiadores. Mas nem desconfiam de que um radiador de impulsos térmicos desenvolve
potência máxima até o fim de seu alcance. Acreditam que poderão aguardar o próximo
tiro e fugir em tempo.”
Son Okura ajoelhou-se junto à borda do barco e apoiou o radiador sobre a mesma.
Estreitou os olhos e inclinou a cabeça para a frente; foi quando o holofote de luz
infravermelha do helicóptero passou por cima dele.
Depois esmerou-se na pontaria. Rhodan viu quando o dedo se entortou de encontro
ao gatilho. Apesar disso, se assustou quando o raio branco-azulado da grossura de um dedo
saiu do cano.
O helicóptero de Raskujan não teve a menor chance. Caiu e, com uma forte explosão,
desmanchou-se no mar.
Rhodan respirou aliviado. Empurrou Marshall para o lado e dirigiu-se para o lado em
que ficava o motor. Na pressa apenas conseguira amarrar o leme, e agora...
Quando chegou à popa, estacou. Viu que a fita de plástico com que amarrara o leme
se esfacelara e estava jogada no chão. Do leme não existia mais nada.
Atirou-se ao chão e examinou o bloco do motor envolto em metal leve. Viu os
vestígios de um projétil de canhão automático e identificou o local de impacto. Arrancara o
leme e demolira o motor!
Rhodan ficou deitado por um instante. Bateu com os punhos no estojo de metal leve.
Antes só se poderia desprendê-lo do motor com o auxílio de chaves de fenda e cortadores
de metal; mas agora as primeiras três pancadas fizeram com que balançasse, e com a
quinta pancada pôde retirá-lo sem maiores dificuldades.
Um olhar lhe bastou para compreender a situação. O projétil explodira junto à
pequena e potente turbina. E esta não pôde ser reconhecida nem mesmo pelo formato;
transformara-se num montão fibroso e disforme de chapa metálica enegrecida.
Rhodan levantou-se. Sentiu-se um pouco fraco nos joelhos, mas logo venceu a
fraqueza.
— O barco está em ordem — gritou Marshall bastante animado. — Todos os furos
produzidos pelos impactos fecharam-se conforme deviam. O barco quase não fez água.
Rhodan contorceu o rosto. Atravessou o barco balouçante em direção a Marshall.
Este viu o rosto sério do chefe.
— O que foi?
Rhodan colocou a mão sobre seu ombro.
— Comece a chamar de novo, Marshall — ordenou a voz tranqüila. — O motor está
quebrado, e nenhum de nós sabe consertá-lo. Pelo meu cálculo estamos a uma distância de
duzentos e vinte quilômetros da costa norte do continente norte e cento e trinta quilômetros
da costa norte da península. Logo, não podemos ir para a frente nem para trás. Tente mais
uma vez entrar em contato com as focas.
Com um sorriso animador acrescentou:
— Se não conseguir, teremos que nadar.
2
Raskujan ainda ficou discutindo quase uma hora com Tomisenkow e quase chegou a
esquecer que não tinha necessidade de manter discussões com um prisioneiro. Depois de
algum tempo veio a notícia de que novamente haviam sido observados por duas vezes
estranhos fenômenos luminosos no mar aberto. Como até então Raskujan não tivesse
recebido qualquer notícia dos dois helicópteros que enviara ao local, começou a ficar
nervoso e mandou que a sentinela levasse Tomisenkow antes que este pudesse dar vazão
ao seu triunfo sobre o fracasso da missão.
Tomisenkow caminhava tranqüilamente entre as duas sentinelas. Atravessou o
acampamento, livre de qualquer vegetação. A cerca levantada em volta do campo de
prisioneiros surgiu na escuridão. As duas sentinelas entregaram o prisioneiro a uma das
quatro sentinelas postadas junto ao portão do campo e esta levou-o à sua barraca, onde o
entregou à sua sentinela particular.
Não foi em vão que Tomisenkow havia estudado cuidadosamente e decorado, não
um mapa do campo de prisioneiros, mas aquilo que seus olhos treinados viram dia por dia.
Estaria em condições de atingir seu destino de olhos fechados; por isso a escuridão quase
impenetrável que fazia com que os soldados ainda não habituados às condições reinantes
em Vênus andassem aos tropeções, fornecia a melhor oportunidade para a execução de seu
plano.
Começou a agir tranqüila e metodicamente. Sua barraca não possuía um soalho
próprio; o chão era formado de terra venusiana batida. Tomisenkow tirou uma das botas e
começou a arranhar o chão, colocando a terra na bota.
Dentro de quinze minutos a bota ficou cheia até em cima. Tomisenkow comprimiu a
terra com o punho fechado. Depois segurou a estranha ferramenta na mão direita e pesou-a
cuidadosamente. Parecia ter o peso de um saco de areia do mesmo tamanho.
Lançou os olhos em torno de si. A barraca não era muito grande e era fácil abrangê-la
com a vista. Tomisenkow encontrou um canto apropriado para seu projeto.
Infelizmente não podia modificar a posição da lâmpada que iluminava o interior da
barraca. Poderia quebrá-la, mas nesse caso...
Agachou-se num dos cantos, de costas para a entrada, e olhou ostensivamente para o
chão. Depois de um ligeiro preparativo começou a gritar:
— Sentinela! Sentineeelaa!
Parecia um grito de pavor, e o resultado não se fez esperar. A barraca foi aberta
abruptamente. Tomisenkow virou-se ligeiramente para o lado e esforçou-se para dar ao seu
rosto uma expressão de pavor.
— O que houve? — perguntou a sentinela.
Tomisenkow, esbaforido, fez alguns movimentos com a mão.
— É aqui... — gemeu — no canto... depressa!
Em Vênus havia muitas criaturas monstruosas, inclusive algumas que abrem seu
caminho por baixo do solo e de repente surgem no interior de uma barraca. A sentinela não
ignorava isso.
Entrou de pistola automática em punho e fez sinal para que Tomisenkow se afastasse
quando se dirigiu ao canto da barraca.
Tomisenkow afastou-se.
— Uma espécie de verme... — gemeu. Ficou numa posição tal que sua sombra caia
exatamente no canto que a sentinela devia examinar. Mal a sentinela tinha passado por ele,
pegou a bota cheia de terra e segurou-a firmemente pelo cano.
— Saia da luz! — ordenou a sentinela e, sem olhar para Tomisenkow, sacudiu a mão.
Tomisenkow deixou que a luz caísse sobre a sentinela, avançando um passo em sua
direção. Assegurou-se de que o homem já não poderia ver sua sombra.
Levantou o braço direito e, com a bota cheia de areia, golpeou a cabeça da sentinela.
Esta caiu para a frente e ficou estendida no chão.
Com um movimento automático, Tomisenkow esvaziou a bota e, com o pé direito,
espalhou a terra pelo chão. Depois pegou as cordas que fabricara com pedaços da barraca e
amarrou o homem inconsciente. Além disso, enfiou-lhe um lenço na boca, para servir de
mordaça.
Finalmente colocou o homem atrás de sua cama primitiva, para que o mesmo não
pudesse ser visto da entrada, pelo menos ao primeiro relance de olhos. Colocou a pistola
automática sobre a cama, para que a sentinela pudesse vê-la ao despertar.
Tomisenkow sabia como agir face à situação.
Saiu da barraca.
Não foi muito difícil deslocar-se pela escuridão até alcançar a maior de todas as
barracas, situada acerca de cem metros, muito embora as sentinelas fizessem de conta que
nada lhes poderia escapar.
“Na verdade estão com medo”, pensou Tomisenkow com uma certa sensação de
desprezo. “Estão com medo de que, de repente, saia do chão um verme gigante.”
Chegavam a assobiar canções para espantar o medo.
Tomisenkow levou quinze minutos para percorrer os cem metros. Verificou que
diante da barraca havia três sentinelas. Isso não o perturbou; só no ponto em que as cordas
são amarradas às cavilhas, a barraca fica grudada ao chão. Entre as cavilhas um homem
normal pode penetrar na barraca; basta levantar a lona um pouco.
Foi o que Tomisenkow fez. No interior da barraca a luz estava acesa.
Ouviu um grito de pavor abafado. Entrou de vez e se levantou. Num movimento
instantâneo, pôs o dedo no lábio e fez um movimento em direção à entrada.
Só depois disso cumprimentou a mulher com uma ligeira mesura, sem dizer uma
palavra.
O cumprimento foi dirigido a Thora, a arcônida.
O mundo natal de Thora ficava a uma distância tal da Terra e do sistema solar que
Tomisenkow nem podia imaginá-lo.
Há alguns anos Thora pousara na Lua com sua nave exploradora, colaborou com
Rhodan e ajudou-o a montar a estrutura artificial, mas sumamente estável da Terceira
Potência.
Até poucos dias antes, contados pelo tempo terrestre, Thora fora sua prisioneira.
— Pouco importa que a senhora goste ou não de mim — disse Tomisenkow
apressadamente no seu péssimo inglês. — Não faça barulho! Não lhe farei nada.
Thora não respondeu. Seus lábios contraíram-se ligeiramente e esboçaram um sorriso
que era tão zombeteiro e depreciativo que Tomisenkow teve de se esforçar para reprimir a
raiva.
— Não disponho de muito tempo — prosseguiu. — De cinqüenta em cinqüenta
minutos é realizada a inspeção das sentinelas. Quer dizer que dentro de quinze minutos no
máximo terei que dar o fora.
O olhar zombeteiro de Thora deixou-o irritado.
Esforçou-se para formular sua proposta em termos precisos.
— Quero cooperar com a senhora — principiou.
Thora achou que essa proposta não devia ser respondida.
— Sabe perfeitamente — prosseguiu Tomisenkow — que para nós não seria difícil
dominar as sentinelas de Raskujan. As dificuldades começarão quando tivermos saído do
acampamento. Não dispomos de outras armas além das que conseguimos tirar das
sentinelas, enquanto Raskujan dispõe de helicópteros e mais uma porção de coisas. Não
levaria mais de uma hora para nos recapturar. Isso quer dizer que devemos saber para onde
ir depois que tivermos escapado. Ficaria a cargo da senhora nos indicar a direção.
Thora encarou-o; a expressão de desprezo que se desenhava em seu rosto continuava
inalterada.
— Será que o senhor acha — disse depois de algum tempo — que eu vou cair num
truque primário como este?
Tomisenkow não se exaltou. Contava com a objeção.
— Não é nenhum truque. Reflita e há de concordar comigo. Que interesse teria eu
para ser desleal para com a senhora? A verdade nua e crua é que nos encontramos no
mesmo barco. E não adianta que permaneçamos neste acampamento com as mãos no
regaço, esperando que de algum lugar surja um milagre.
Thora parecia refletir.
— E quem me garante — perguntou depois de algum tempo — que com sua ação
não irei... gosto de usar expressões terrenas, não irei de mal a pior?
Tomisenkow deu de ombros.
— Se ainda não percebeu a diferença entre as minhas intenções e as de Raskujan —
respondeu em tom deprimido — ainda não conhece os homens.
Thora deu uma risada irônica.
— A única coisa que conheço nos homens é a tendência irreprimível de quebrarem a
cabeça uns dos outros.
Tomisenkow se levantou.
— Naturalmente — resmungou com a voz contrariada. — Seu povo nunca fez uma
coisa dessas. Sua raça emergiu numa inocência total de sua predecessora.
Não deixou que Thora respondesse.
— Eu lhe ofereci minha cooperação — declarou. — No momento tenho a impressão
de que a vantagem que a senhora tiraria do trabalho conjunto seria maior que a minha.
Mantenho a oferta. Pense a respeito. Dentro em breve voltarei a visitá-la para ouvir sua
resposta. Até a vista.
Abaixou-se e passou por baixo da lona.
Dentro de quinze minutos alcançou sua barraca, sem que uma única vez tivesse
estado em perigo de ser descoberto. A sentinela amarrada já havia recuperado a
consciência. O homem encarou-o com os olhos arregalados e enfurecidos.
Tomisenkow agachou-se à sua frente.
— Escute, rapaz — disse. — Como vê, deixei sua arma aqui mesmo. Apenas dei um
pequeno passeio que você provavelmente não teria permitido se eu lhe pedisse. Por causa
disso tive de me livrar de você por algum tempo. Sinto muito se o machuquei. Daqui a
pouco virá a inspeção das sentinelas. Até lá você estará livre e terá a arma pendurada sobre
o ombro. Você poderá avisar o incidente ou ficar quieto; depende inteiramente de você. Da
minha parte ninguém saberá nada, pode ter certeza.
Pôs-se a desamarrar o homem. Por fim retirou a mordaça.
— Levante, rapaz! — ordenou.
A sentinela levantou-se, um tanto perplexo e desajeitado. Logo pôs a mão na pistola
automática. Depois lançou um olhar desconfiado para Tomisenkow.
Este enfrentou o olhar. Depois de algum tempo perguntou:
— Está com dor de cabeça?
Surpreso, o homem sacudiu a cabeça.
Depois ambos começaram a rir. Tomisenkow deu uma forte pancada no ombro da
sentinela.
— Você está bem, cabo — disse. — Não me esquecerei de você quando tudo tiver
passado.
A sentinela saiu da barraca e lá fora refletiu sobre o significado das palavras de
Tomisenkow. Estava tão concentrado que deixou a ronda passar, limitando-se a dizer:
— Cabo Wlassov. Tudo em ordem.
***
Fazia duas horas que John Marshall, um telepata dotado de energias mentais
extraordinárias, emitia ininterruptamente sua mensagem.
“Venham focas, venham nos ajudar. Somos amigos e merecemos seu auxílio.”
Há duas horas estava esperando que, diante dele ou ao lado do barco imobilizado, a
cabeça de uma foca emergisse da água, mas esperava em vão. Não vinha nada, e o
esgotamento total fazia dançar diante de seus olhos um mundo de figuras coloridas.
A emissão das mensagens telepáticas esgotara as últimas reservas de energia de seu
organismo. Sabia que as focas não eram verdadeiros animais marítimos. Viviam próximo à
costa, de preferência nos fiordes que penetravam profundamente na terra; e o ponto mais
próximo da costa distava a menos de cem quilômetros do lugar em que o barco se
encontrava naquele instante.
Marshall esforçara-se para vencer essa distância; mas o zumbido que ouvia na cabeça
dizia-lhe que seus esforços não poderiam prosseguir por muito tempo.
Ainda durariam alguns minutos, talvez uns oito ou dez, depois estaria no fim de suas
forças.
Son Okura estava agachado em atitude apática na proa do barco. Vez por outra
levantava a cabeça e fazia os olhos deslizarem sobre o mar; mas não havia nada. Nada que
pudesse representar um perigo e nada que pudesse interromper, por um instante que fosse,
a monotonia da espera.
A atenção de Perry Rhodan concentrou-se ora no ouvido, ora em suas reflexões. As
reflexões giravam em torno da maneira pela qual a situação atual poderia ser modificada se
as mensagens emitidas por Marshall não fossem coroadas de êxito. O que Rhodan sabia a
respeito das focas era muito pouco. Sabia que possuíam certo grau de inteligência, que lhes
permitia usar uma linguagem própria, e que a comunicação com elas era possível num
nível bastante primitivo. Não sabia se iriam reagir à mensagem, caso conseguissem captá-
la. Era bem possível que não se interessassem em saber quem se encontrava em situação
difícil na imensidão do mar.
O ouvido procurou captar os ruídos que, segundo esperava Perry Rhodan, surgiriam
no curso da próxima hora. Bastante tempo já se passara depois da derrubada dos dois
helicópteros. Fosse qual fosse sua opinião sobre a habilidade militar do coronel Raskujan,
mais cedo ou mais tarde o mesmo enviaria um grupo maior de helicópteros para descobrir
o paradeiro dos dois aparelhos que decolaram em primeiro lugar.
E nesse caso só mesmo com uma sorte além de toda medida o barco deixaria de ser
localizado.
“Não podemos elaborar planos se temos de calcular com a sorte”, pensou Rhodan
com uma certa disposição amarga.
O grito abafado de Son Okura despertou-o de suas reflexões.
— Estão chegando!
Rhodan se levantou.
— Quem está chegando?
Son Okura também se levantou e se inclinou para fora do barco. Rhodan viu que
observava a superfície do mar, não o céu.
— Quem está chegando, Son? — perguntou.
O japonês estendeu o braço.
— Ali, são as focas.
Rhodan ouviu um ligeiro rumorejar da água, que não se adaptava ao ritmo das ondas.
Uma massa escura e brilhante emergiu a poucos metros do barco e aproximou-se devagar.
— Marshall, venha cá! — gritou Rhodan.
Marshall levantou-se e avançou a passos cambaleantes. As cabeças de outras focas
surgiram acima da água e se aproximaram. Rhodan contou trinta ao todo.
Percebia-se que Marshall não agüentaria mais por muito tempo. Rhodan deu-lhe uma
batida carinhosa no ombro e disse:
— Mais um instante, e estará livre disso. Explique-lhes a situação em que nos
encontramos.
Marshall inclinou-se por cima da popa para se aproximar das focas e ter um apoio
para o corpo cansado. Concebeu em idéias simples e facilmente compreensíveis o relato do
que lhes havia acontecido e a explicação do auxílio de que precisavam.
Felizmente as focas não tinham nada de obtusas e estavam dispostas a ajudar.
Marshall transmitiu a Rhodan a sugestão formulada pelas mesmas:
— Poderiam rebocar nosso barco, desde que tenhamos correias para isso. Pretendem
formar equipes de dez e se revezar.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.
— Era mais ou menos isso que eu imaginava. Está tudo em ordem, temos correias em
número suficiente.
Cortaram o longo fio da âncora em pedaços de comprimento adequado. Ajuntaram os
cabos de atracação e fizeram laços segundo as indicações das focas, traduzidas por
Marshall. Toda a operação não demorou mais que quinze minutos. As focas precipitaram-
se para dentro dos laços antes que estes pudessem afundar e firmaram os mesmos com suas
potentes nadadeiras das costas e da barriga. Ao que tudo indicava os cortes dos delgados
fios de plásticos nada conseguiram fazer à sua pele, que tinha a consistência do couro
curtido e, por baixo, uma grossa camada de gordura.
— Estão perguntando para onde queremos ir — disse Marshall.
Rhodan refletiu.
— Pergunte-lhes se podem nos levar à faixa de terra que liga a península ao
continente.
Marshall formulou a pergunta.
— Dizem que sim — respondeu.
Rhodan pretendia dizer mais alguma coisa, mas nesse instante o barco pôs-se em
movimento. As focas não precisaram de outras instruções. A embarcação desajeitada
cortou as ondas a uma velocidade que, segundo os cálculos de Rhodan, excedia em
cinqüenta por cento aquela que o motor conseguia lhe imprimir.
Mergulhado em pensamentos, Marshall contemplou as cabeças brilhantes das focas
rebocadoras e das que acompanhavam o barco pelos dois lados.
Depois deixou-se cair ao chão. A cabeça estava deitada numa pequena poça de água
gosmenta que escapara à atenção dos ocupantes quando estes esvaziaram o barco. Mas o
fato não o perturbou. Mal se ajeitara no chão, adormeceu.
Rhodan e o japonês trocaram olhares significativos. Agachados na proa, observavam
as focas. Rhodan ficou admirado porque dez focas conseguiam imprimir ao barco uma
velocidade maior que um motor de turbina com trinta cavalos de potência. Um aumento de
velocidade de cinqüenta por cento significava um aumento de potência superior a cem por
cento, desde que o grau de utilização fosse idêntico. Uma vez admitido esse pressuposto,
tornava-se evidente que cada uma das dez focas desenvolvia uma potência de cerca de dez
cavalos-vapor.
Provavelmente seu grau de utilização era um pouco superior ao do motor com a
complicada propulsão a hélice. Assim mesmo, porém, a potência de cada foca não seria
inferior a quatro ou cinco cavalos-vapor.
Pela primeira vez Rhodan compreendeu onde residia a diferença entre as criaturas
desse mundo jovem e as da Terra, que em comparação era infinitamente velha. Pela
primeira vez compreendeu que significado elevado assume o conceito de vitalidade.
***
***
Duas horas haviam passado desde que as focas tinham tomado conta do barco.
Segundo o cálculo de Rhodan, nessas duas horas foram percorridos perto de noventa
quilômetros. Uma vez que o barco passara a se deslocar na direção nordeste, a distância ao
ponto hipotético de desembarque crescera um pouco. Rhodan acreditava que ainda deviam
se encontrar cerca de cento e quarenta quilômetros do destino. Isso representava pouco
menos de quatro horas de viagem.
Tudo dependia do que faria Raskujan face ao desaparecimento dos dois helicópteros.
A sorte não poderia ir ao ponto de fazer com que Raskujan ficasse parado. A qualquer hora
apareceriam outros helicópteros que dariam busca no mar.
Além das armas de impulsos térmicos, o barco só teria uma chance diante de uma
grande esquadrilha de helicópteros: já se encontrava a certa distância da rota que os
aparelhos percorriam. Talvez a busca demorasse o suficiente para que o barco se colocasse
em segurança.
Talvez...
Rhodan ainda estava envolto nesses pensamentos, quando o ruído que as focas
causavam na água foi superado por outro. Pôs a mão em concha no ouvido para protegê-lo
do ruído das focas e procurou ouvir noite afora.
Ouviu um zumbido irregular.
Eram helicópteros! Uma esquadrilha inteira!
“Estão muito longe”, pensou Rhodan. “Provavelmente Okura não conseguirá vê-
los.”
Apesar disso fez um sinal ao japonês, chamou sua atenção para o ruído e pediu-lhe
que esforçasse a vista. Okura não via nada. A emissão térmica dos jatos dos helicópteros
por certo não lhe teria escapado se os mesmos se encontrassem ao alcance da visão. Dali se
concluía que os aparelhos ainda se encontravam abaixo da linha do horizonte.
O ruído cresceu, chegou a um máximo e voltou a diminuir. Cerca de dez minutos
depois que Rhodan o ouvira pela primeira vez, desapareceu.
— Ainda não encontraram a pista certa — disse Rhodan com um sorriso. — Tomara
que não a encontrem tão depressa.
Viu Marshall, que dormia. Se os helicópteros se aproximassem, teria que despertá-lo
do sono que tão bem merecia.
Se tivesse que lutar para valer, não poderiam dispensar nenhum dos radiadores
térmicos. Além disso, Marshall teria de avisar as focas, para que elas abandonassem a área
de perigo.
— Son, preciso de um uísque — disse Rhodan com um gemido. — Quer arranjar
um?
O japonês foi para a parte traseira do barco, onde estavam empilhados os suprimentos
de víveres, armas e munições apresadas aos homens de Raskujan. Depois de algum tempo
voltou sorrindo, com uma garrafa na mão.
— Não temos uísque — disse. — Em compensação encontrei uma legítima vodca
russa.
***
Mais de cem quilômetros acima do ponto em que se desenrolava essa cena, outro
homem fez uma nova tentativa — que por enquanto seria a última — para intervir nos
acontecimentos que se desenrolavam em Vênus: era Reginald Bell, companheiro de lutas
de Perry Rhodan e ministro da segurança da Terceira Potência.
Por enquanto Bell tinha de cuidar de sua própria segurança, sendo incapaz de se
preocupar com outras pessoas, pois o grande cérebro positrônico instalado na fortaleza de
Vênus cercava todo o planeta, quase até o limite de sua atmosfera, com um campo
energético impenetrável que o protegia de qualquer interferência externa.
Bell decolara da Terra pouco depois de Rhodan, numa nave esférica de sessenta
metros de diâmetro, da classe Good Hope. Na linguagem oficial do código de
comunicações, essas naves eram chamadas de girinos.
Thora sofrera um tipo de curto-circuito psicológico. A saudade de seu mundo natal e
a idéia de que Rhodan nem pensava em permitir seu regresso levaram-na a procurar
auxílio em Vênus. Nesse planeta ficava a base mais poderosa da Terceira Potência. Não
era equipada com naves capazes de enfrentar o espaço, mas dispunha de hiperemissores,
cuja potência era tamanha que havia uma boa chance de que fosse ouvida por quem de
direito.
Thora partira num dos destróieres recém-construídos e, ao se aproximar da área
interditada, que cercava a fortaleza, sua nave foi destruída, porque o transmissor em
código ainda não havia sido instalado na mesma. Foi aprisionada primeiro por
Tomisenkow, depois por Raskujan.
Rhodan seguiu-a, e o destino que teve juntamente com seus dois acompanhantes não
foi melhor que o de Thora. Todavia, conseguiram escapar à prisão. Mas as tentativas de
libertar Thora falharam por completo.
O terceiro comparsa foi Reginald Bell. Com seu girino, reunia todas as condições
para atingir Vênus e penetrar na área da base. Os recursos técnicos de que esta dispunha,
lhe permitiriam interferir nos combates, libertar Thora, resgatar Rhodan e obrigar Raskujan
a entrar nos eixos. Acontece que o cérebro positrônico, advertido pela aproximação não
anunciada das duas naves, fechara Vênus contra o mundo exterior e assumira o comando
sobre Vênus em geral e sobre a fortaleza em particular. Por isso a nave de Bell ficou
cruzando além da área abrangida pelo anteparo energético e nem sequer conseguiu
estabelecer contato permanente pelo rádio com Rhodan, pois o anteparo não podia ser
atravessado nem mesmo pelas ondulações eletromagnéticas, inclusive as ondas longas do
espectro infravermelho.
Bell fizera uma única tentativa de lograr o dispositivo positrônico, valendo-se de um
mutante. O dom parapsicológico de Tako Kakuta consistia na capacidade da teleportação.
Estava em condições de, sem o auxílio de quaisquer recursos técnicos, transportar-se a
uma distância de cinqüenta mil quilômetros. O ambiente transportador de que se servia era
o hiperespaço sobreposto; com exceção da fonte de energia, o mecanismo era idêntico ao
da transição de uma nave espacial.
Depois da primeira tentativa, Tako Kakuta regressara imediatamente; estava esgotado
ao extremo. Fora de opinião que estivera a caminho durante várias horas. Não havia a
menor dúvida de que a verdade dos fatos era a seguinte: o dispositivo positrônico da base
de Vênus estava preparado para enfrentar tentativas de rompimento do bloqueio das
espécies mais variadas, inclusive aquelas que se realizassem em níveis superiores. Era de
duvidar que a base mantivesse constantemente um anteparo que abrangesse as cinco
dimensões e cercasse todo o planeta. Isso exigiria um dispêndio energético de extensões
inconcebíveis. Mas, ao que tudo indicava, a reação do cérebro positrônico face a qualquer
objeto que tentasse penetrar na área protegida era suficientemente rápida para que o
mesmo pudesse ser removido para fora dessa área.
Tako Kakuta levara dois dias terrestres para se recuperar.
Naquele mesmo dia, Bell lhe perguntou se estava disposto a repetir a experiência.
Deu algumas explicações.
— Talvez o fracasso da primeira tentativa tenha sido uma coincidência — disse. —
Quem sabe se da próxima vez não consegue penetrar na fortaleza sem ser molestado? Sabe
muito bem o quanto isso nos ajudaria. Já penetrou na base através de um salto de
teleportação; está lembrado? Foi daquela vez em que Tomisenkow acabara de pousar com
sua frota de quinhentas naves e nós os espalhamos pelos quatro cantos. É possível que o
cérebro positrônico julgue a situação de hoje mais perigosa, e por isso tenha ativado outros
campos de defesa. Para falar com franqueza, é até provável que seja assim. Mas não acha
que apesar disso devíamos fazer mais uma tentativa?
A fala de Bell foi cautelosa, o que contrariava seus hábitos. De resto, não era de sua
alçada formular pedidos a um membro da Terceira Potência. Na situação em que se
encontrava, tinha o direito de ordenar.
Mas sabia perfeitamente o que significaria uma segunda tentativa de Tako Kakuta. A
primeira fora suficiente para fazê-lo atingir os limites de sua resistência física.
Por estranho que parecesse, Kakuta não hesitou. Um sorriso um tanto embaraçado
espalhou-se por seu rosto redondo de criança.
— É claro que tentarei mais uma vez. Faço votos de que também desta vez não sofra
outra coisa a não ser a sensação de ter sido atropelado por um tanque.
Fizeram todos os preparativos para a ação. Bell mandou que dois tripulantes da nave
comparecessem à sala de comando e ordenou-lhes que cuidassem bem do japonês, se este
voltasse a aparecer.
Tako Kakuta colocou-se em posição. Em seu rosto havia uma expressão fatalista.
— Vou tentar — anunciou.
A transição propriamente dita não levou mais de um segundo. Mal se notava que os
contornos do corpo de Kakuta começaram a se desvanecer, e o mesmo já havia
desaparecido.
Reginald Bell conteve a respiração. No intervalo de duas pulsações do coração
atreveu-se a acreditar que desta vez a tentativa fora coroada de êxito... mas aí o japonês
reapareceu de repente.
Fechara os olhos e o rosto contorcia-se de dor.
Os homens que Bell mandara comparecer à sala de comando cumpriram seu dever.
Tako Kakuta caiu nos seus braços. Estava inconsciente.
— Levem-no ao seu camarote — ordenou Bell. — E cuidem dele. Avisem-me assim
que recuperar a consciência.
Deu-lhes as costas e fitou a tela de imagem, coberta de massas turbilhonantes de
nuvens luminosas.
A segunda tentativa fracassara.
Não havia mais nenhuma possibilidade de intervir nos acontecimentos que se
desenrolavam em Vênus.
***
***
Pouco depois das duzentas e uma horas, tempo local, o observador do helicóptero
que ia à frente da esquadrilha reconheceu um reflexo débil e minúsculo na sua tela de
radar.
Comunicou-se com o grosso da força e soube que já haviam observado a mesma
coisa. Com isso ficava demonstrado que se tratava de um reflexo genuíno.
A posição exata do objeto foi determinada; constatou-se que se deslocava a uma
velocidade considerável em direção ao nordeste.
Cinco minutos depois de realizada a primeira observação, a esquadrilha tomou o
rumo leste e aproximou-se do objeto desconhecido a toda velocidade. No momento esse
objeto deslocava-se na proximidade da costa da península.
Para o major que comandava a patrulha de helicópteros, não havia a menor dúvida de
que esse objeto se relacionava de alguma forma com os dois helicópteros desaparecidos.
Ordenou aos observadores que não tirassem os olhos daquele objeto e que utilizassem o
dispositivo infravermelho assim que se encontrassem à vista do mesmo.
***
***
***
***
***
Era um único aparelho, cuja tripulação consistia como de costume em dois homens,
um tenente e um sargento. O sargento pilotava a máquina, o tenente observava o terreno.
Há pouco o tenente murmurara:
— Gostaria de saber como alguém pode reconhecer pessoas em meio a esse tapete
enredado.
E agora o raio do holofote de luz infravermelha descobriu alguma coisa que nada
tinha que ver com o objetivo de suas buscas, mas assim mesmo ocupou toda sua atenção.
Era um pescoço robusto e musculoso, que ultrapassava ao menos em dez metros a
cobertura da selva, e por cima dele uma cabeça enorme de focinho largo, que balançava
suavemente sobre a coluna formada pelo pescoço.
Ordenou ao sargento que subisse cinqüenta metros e mantivesse o aparelho imóvel.
Através de seu instrumento de vôo cego, que na realidade era um aparelho rígido de luz
infravermelha, o sargento também havia percebido o sáurio. Executou a ordem e
imobilizou o aparelho numa altitude segura, cerca de oitenta metros do lugar em que se
encontrava o animal.
— Também parou — constatou o tenente. — Ao que parece não se interessa por nós.
Descobriu alguma coisa.
***
Tomisenkow virou a cabeça e olhou para Thora, que também se abrigara atrás de
uma arvore e segurava uma das pistolas automáticas que sobravam. Tomisenkow viu seu
cabelo louro-claro brilhar na escuridão.
— Fique quieta — gritou em inglês. — Saberemos lidar com ele.
Thora respondeu em tom irônico:
— Não se preocupe comigo. Só estou interessada em saber quanto valem esses seus
lança-granadas antiquados.
Com um resmungo de satisfação, Tomisenkow voltou a olhar para o outro lado.
De repente cessou o ruído que o sáurio produzia com seu deslocamento pela floresta.
Tomisenkow assobiou por entre os dentes.
— Ele nos farejou — comentou Alicarim.
Tomisenkow se apoiou nos braços e gritou para a escuridão:
— Ele nos descobriu, rapazes. O espetáculo vai começar.
No seu subconsciente percebeu que o helicóptero também não se deslocava mais.
Parado acima da cobertura vegetal da selva, parecia observar o sáurio.
Wlassov não estava gostando daquilo. Não era do seu gosto esperar um inimigo no
escuro, ainda mais quando nem sequer sabia como ele era. Estava deitado atrás de uma
árvore bem grossa, conforme Jegorov lhe recomendara; mas o próprio Jegorov estava tão
distante que Wlassov não o via.
Mas ouviu o grito de advertência de Tomisenkow e estreitou a mão em torno da
arma. Enfiara nela um pente de balas em posição de disparar, com dois pentes de reserva.
Mais dez pentes se encontravam no chão, ao alcance de suas mãos.
Subitamente o cenário voltou a se movimentar. Wlassov ouviu um forte farfalhar e
uma série de estalos quando o sáurio voltou a se mexer. Instintivamente aguardou o
estrondo da próxima pisada.
Mas o estrondo não veio. Quase foi tarde demais quando Wlassov percebeu que
aquilo que se havia posto em movimento era o pescoço do sáurio. Ouviu o estalo dos
galhos bem em cima de sua cabeça e viu uma sombra descer do alto. De um instante para
outro o ar se encheu de uma terrível fedentina. Wlassov ouviu um fungar rápido e furioso,
quando o sáurio soltou o ar. Foi nesse instante que a cabeça gigantesca emergiu da
escuridão.
Por um segundo o sangue gelou-lhe nas veias. Nunca vira, nem em sonho, uma coisa
tão pavorosa e cruel. Viu uma boca com duas fileiras duplas de dentes bem afiados que se
aproximava dele, uma boca tão grande que poderia perfeitamente ficar de pé no interior da
mesma. Em algum lugar à sua direita e à sua esquerda os braços ligeiros do monstro
atravessavam a folhagem; mas Wlassov fitou os dois olhos circulares e cintilantes do
sáurio, que o fitavam curiosamente a uns três metros de distância.
Subitamente Wlassov se lembrou do conselho que Tomisenkow e Jegorov lhe
haviam dado. Num movimento rápido ergueu a pistola automática, teve a tranqüilidade
necessária para apontar cuidadosamente para o olho direito e apertou o gatilho.
A salva dos pequenos projéteis explosivos atingiu o alvo. O rosto terrível do sáurio
desapareceu de repente, e um instante depois veio do alto um grito tão forte e pavoroso que
Wlassov deixou cair a arma e comprimiu as mãos contra os ouvidos.
***
***
***
Poucos minutos depois das duzentas e treze horas, Rhodan e seus companheiros
atingiram o pântano que, segundo se via, se estendia a uma distância desanimadora para
ambos os lados.
Rhodan já fizera suas experiências com os pântanos venusianos. A idéia de contornar
essa área de solo enganador nem lhe passou pela cabeça. Mandou que Son Okura
examinasse as árvores que havia na área pantanosa e achou que as mesmas serviam aos
seus propósitos.
— Vamos fazer uma ginástica e passar por cima — ordenou. — Son, você irá na
ponta. Marshall, fique com os olhos bem abertos. Uma pisada ou um gesto de mão em
falso, e será um homem morto.
Subiram às árvores por um feixe de cipós. Okura guiou o grupo e determinou a
velocidade da marcha.
Em primeiro lugar, era o único que enxergava na escuridão; além disso, entre os três
era o que se deslocava com maior dificuldade. Tinha dificuldades de andar que vinham de
nascença. Por mais que se esforçasse em acompanhar o passo das pessoas normais, havia
situações em que sua constituição física o obrigava a ser mais lento. E esta era uma dessas
situações. Apesar da longa pausa todos estavam bem próximos ao esgotamento total; quem
mais sentiu isso foi Son Okura.
É bem verdade que para Perry Rhodan as coisas não estavam muito melhores. Não
tivera tempo para se ocupar com a ferida no ombro. Sentiu que o ferimento latejava e que
o sangue que lhe corria pelas veias estava mais quente que antes. A atmosfera úmida da
selva estava repleta de bactérias. Dentro em pouco a ferida soltaria pus, ou então ele ficaria
com febre.
Ou ambas as coisas.
Sabia que estava na hora de fazer uma pausa de trinta horas no mínimo para dar
algum descanso ao corpo maltratado e cuidar da ferida. Mas no momento as trinta horas
eram preciosas demais para que pudesse gastá-las numa pausa.
Thora estava em perigo e com ela a base em Vênus. Muito embora Rhodan não
duvidasse da fidelidade de Thora, era de recear que um belo dia acabaria não resistindo aos
métodos que Raskujan empregava nos seus interrogatórios. E mesmo que não pudesse
dizer ao coronel o que ele teria de fazer para penetrar na base, este dispunha de uma
multidão de técnicos eletrônicos capazes de extrair das informações de Thora um volume
de dados sobre a estrutura do cérebro positrônico em especial e a base em geral que
poderia representar um inconveniente grave para a Terceira Potência.
Thora tinha que ser libertada.
Isso não representava qualquer dificuldade, a não ser a distância considerável que
ainda tinha que ser percorrida até o campo energético.
Rhodan não tinha qualquer possibilidade de se identificar antes de chegar ao limite
desse campo. Não dispunha de qualquer coisa que lhe permitisse um contato a grande
distância. Só quando atingisse o campo protetor, o cérebro positrônico começaria a se
ocupar com sua pessoa e descobriria que era a pessoa para a qual a base devia ser aberta a
qualquer hora. Dali em diante tudo seria fácil.
O pântano que se estendia embaixo deles forçou sua paciência ao máximo. Nem
mesmo a visão do japonês conseguia penetrar pela densa folhagem. Por isso viram-se
obrigados a, de tempos em tempos, cortar um galho grosso e limpá-lo da folhagem para
que o som do impacto no chão lhes revelasse a natureza do solo.
Por várias horas não ouviram outra coisa senão o eterno ruído produzido por um
objeto pesado que cai no líquido viscoso do pantanal.
Rhodan sabia perfeitamente que tudo isso seria uma loucura rematada se Son Okura,
o mutante, não estivesse com eles. Às duzentas e dezessete horas fizeram outra pausa.
Rhodan gostaria de avançar mais algumas centenas de metros, pois Okura dizia que mais
adiante a floresta era bem mais densa que no lugar em que se encontravam. Dali se
concluía que o pântano terminava naquele lugar. Mas ninguém, naquela altura, era capaz
sequer de levantar a perna, quanto mais arrastar todo o peso do corpo por um longo trecho
de cipós.
No pântano os animais que andavam em cima das árvores eram tão raros que Rhodan
dispensou as sentinelas. Os três dormiram tão profundamente como se tivessem
desmaiado; até que ouviram um ruído, vindo de longe, que os arrancou imediatamente do
sono, não porque fosse muito forte, mas porque destoava por completo daquele ambiente.
Era o chiado dos motores dos helicópteros e o ruído entrecortado dos canhões
automáticos.
Estava tão distante que nem cogitavam da possibilidade de que pudesse ter alguma
relação com eles. O ruído vinha do noroeste, onde os helicópteros de Raskujan pareciam
ter descoberto alguma coisa sobre a qual valia a pena atirar.
Olhando para o relógio regulado para o tempo terreno, Rhodan viu que fazia cerca de
três horas que haviam interrompido sua marcha. Faltava pouco para as duzentas e vinte
horas.
Embora os tiros cessassem dentro de pouco tempo e os helicópteros se afastassem,
Rhodan achou que era importante saber no que haviam atirado. Ainda mais que o ruído
vinha de um lugar que ficava em sua rota. Além disso, as três horas de sono profundo lhes
haviam restituído, embora provisoriamente, as forças a ponto de poderem reiniciar
imediatamente a marcha.
Verificou-se que a suposição de Son Okura fora correta. Poucos minutos depois de
terem partido notaram que embaixo deles o chão era seco e firme. Desceram e dali em
diante conseguiram avançar um pouco mais depressa.
Meia hora depois o terreno entrou em aclive. Haviam atingido as imediações das
montanhas, e isso lhes parecia ser um prenuncio feliz; pois a cadeia de montanhas em que
começavam a penetrar era a mesma em que se situava a base.
***
O uivo dos helicópteros pairava constantemente sobre suas cabeças, às vezes bem
perto, outras vezes mais afastado.
Os homens de Raskujan encontraram o montão de metal fundido do aparelho
derrubado no momento em que o grupo de Tomisenkow acabara de desaparecer na selva.
Conforme supusera Tomisenkow, voaram primeiro ao longo da estrada aberta pelo sáurio e
deram busca na mesma. Quando viram que essa busca não dava resultado, mudaram de
tática. Descreviam círculos largos pela área e paravam de vez em quando para descer um
homem por uma corda; esse homem procurava localizar os fugitivos embaixo da folhagem.
Tomisenkow manteve o grupo bem reunido.
Depois de algum tempo o terreno começou a subir. Por algum tempo a subida foi
bem suave, mas depois de uma dobra do terreno passou a ser tão íngreme que tiveram de
recorrer às suas qualidades de alpinistas para prosseguir a marcha.
Com uma mão diante da outra, um pé diante do outro, subiram num ângulo de setenta
graus por um paredão que, apesar do aclive, estava coberto de árvores e arbustos.
Tomisenkow esperava que lá em cima chegassem a um dos platôs rochosos que, vez
por outra, se elevam acima da selva.
— Lá em cima a vegetação não é tão densa — explicou Tomisenkow a Alicarim, o
quirguiz. — Poderemos observar os helicópteros por suas luzes de posição e orientar-nos
por eles, até que desistam da busca.
Meia hora depois chegaram à beira do platô. Tomisenkow não se enganara. Até onde
a vista alcançava na escuridão o chão era plano e a vegetação pouco densa. Mas era
suficiente para que o solo do platô só pudesse ser visto dos helicópteros em poucos
lugares. Tomisenkow contornou esses lugares, enquanto procurava um ponto de onde
pudesse acompanhar a atuação dos helicópteros.
Encontraram um lugar desses. Ficava pouco além da borda do platô. A noroeste, o
paredão caía quase na vertical em direção à selva. Logo atrás da borda do platô havia uma
baixada rasa, coberta de arbustos, que seria um ótimo lugar para acampar. Tomisenkow
mandou que Zelinskij, Jegorov, Wlassov e a arcônida descansassem ali, enquanto ele e
Alicarim instalaram-se na borda rochosa para observar as luzes coloridas dos helicópteros.
***
O major Pjatkov — o mesmo que localizara o barco inflável de Rhodan e atirara uma
bomba baby diante da caverna das focas — mandou que seu telegrafista o ligasse com o
coronel Raskujan. Pjatkov era um dos favoritos de Raskujan; a ligação foi estabelecida
imediatamente.
— Tive uma idéia — principiou Pjatkov sem preâmbulos. — O terreno em que
devemos dar a busca é de constituição relativamente simples: todo plano até a encosta sul
das montanhas. Mas Tomisenkow ainda não pode ter chegado lá. Antes dele só existe uma
única elevação, um platô de rocha que se ergue uns trinta ou quarenta metros acima da
selva. Tomisenkow precisa de um lugar em que possa ver quando suspendemos nossas
buscas e se estamos muito perto dele. Sabe que somos obrigados a manter as luzes de
posição acesas. Basta que se coloque num lugar adequado para poder nos observar com
toda calma.
Raskujan ainda não estava convencido.
— Em que direção fica o platô, considerada a posição do aparelho derrubado? —
perguntou.
— A sudeste.
Pjatkov sempre tinha uma resposta na ponta da língua.
— Acredito — disse — que Tomisenkow teve a mesma idéia. Depois de
conhecermos qualquer ponto de sua trajetória, saberemos em que direção está fugindo.
Enquanto não suspendermos as buscas, Tomisenkow marchará em qualquer direção,
menos naquela em que o estivermos procurando.
— Hum — fez Raskujan.
— Na minha opinião — prosseguiu Pjatkov animadamente — devíamos pousar no
platô com dois ou três helicópteros, sem chamar a atenção, e agarrar Tomisenkow no
próprio ninho. Se os outros aparelhos fizerem barulho que chegue, não nos deverá ser
difícil subir ao platô.
Raskujan acabou concordando. Pjatkov concluiu a palestra e instruiu dois
helicópteros de seu grupo a seguirem-no. Foram na direção norte, quase até as encostas
íngremes das montanhas, e desligaram as luzes de posição quando Pjatkov acreditou que
não mais poderiam ser vistos do platô. Depois fizeram meia-volta e aproximaram-se do
complexo rochoso, vindos do leste.
As máquinas pousaram numa clareira, pouco atrás da borda do platô. Os homens
desceram. Pjatkov pediu que se mantivessem, por um instante, junto aos aparelhos. Só
depois de ter certeza quase absoluta de que nas proximidades não havia nada de perigoso
ou suspeito deu ordem de marcha.
Os homens não gostaram da missão. Nunca haviam saído dos acampamentos, a não
ser no interior de helicópteros ou de barcos infláveis relativamente seguros.
O medo só diminuiu depois de uns quinze minutos de marcha.
Pjatkov calculou que a distância que teriam de percorrer para chegar à extremidade
oposta do platô seria de cerca de cinco quilômetros. Em sua opinião, mesmo no escuro,
essa distância poderia ser vencida dentro de uma hora e meia a duas horas.
Depois disso provaria a Raskujan que estava com a razão.
***
Alicarim virou-se.
— O que houve? — resmungou Tomisenkow.
Alicarim levou algum tempo para responder.
— Acho que ouvi um ruído; vem de lá. Apontou para o outro lado do platô.
— Deixe de bobagens — resmungou Tomisenkow. — Que ruído é?
— São helicópteros.
— E agora?
Alicarim aguçou o ouvido.
— Não ouço mais nada.
— Pois então — disse Tomisenkow, voltando a se apoiar nos cotovelos. — Estão
todos na nossa frente. Como é que algum deles poderia surgir pelas costas?
Alicarim achou que a pergunta era tola. Não havia nada mais fácil para um
helicóptero que contornar o platô e pousar do outro lado. Mas enquanto não tinha certeza
de não ter se enganado, preferiu ficar quieto.
Assustou-se quando subitamente os canhões automáticos começaram a disparar em
cima da selva. Tomisenkow levantou-se um pouco e com os olhos arregalados fitou a
escuridão. Depois começou a rir.
— É formidável! — disse. — Um desses idiotas acredita que nos encontrou.
O tiroteio não durou muito. Terminou sem qualquer motivo plausível, tal qual havia
começado. Ao mesmo tempo uma movimentação nervosa teve início na multidão das
lâmpadas de posição. Os helicópteros suspenderam as buscas e afastaram-se. Poucos
minutos depois não podiam ser vistos mais. Apenas o chiado dos jatos continuou a ser
ouvido por mais alguns minutos.
— Não compreendo mais nada — comentou Tomisenkow.
Permaneceu deitado por mais algum tempo; depois levantou-se.
— Está cansado? — perguntou, dirigindo-se a Alicarim.
— Não senhor.
— Está bem. Vou deitar um pouco. Fique com os olhos bem abertos. E avise a
Jegorov que dentro de uma hora deve revezá-lo.
***
***
No lugar em que houvera o tiroteio não foi encontrado nada. Já se encontravam cerca
de duzentos metros acima do nível da planície costeira, e evidentemente nem
desconfiavam de que a finalidade do tiroteio consistira apenas em fazer barulho para que o
major Pjatkov pudesse pousar no platô sem ser molestado.
Por algum tempo, Perry Rhodan acompanhou no seu receptor de pulso as mensagens
trocadas entre os pilotos dos helicópteros. Delas se concluía, sem a menor sombra de
dúvida, que os homens de Raskujan andavam à procura de prisioneiros que haviam fugido.
Rhodan supôs que os fugitivos deviam ser alguns dos homens de Tomisenkow. Não ficou
sabendo que Thora se encontrava entre eles. As mensagens apenas aludiam “aos
fugitivos”.
Rhodan e seus companheiros se encontravam a poucos quilômetros do limite do
campo protetor. Na opinião de Rhodan deviam fazer mais uma pausa de uma hora, antes
de enfrentar o restante do caminho.
***
Raskujan tinha consciência do seu triunfo. Mandou que os dois prisioneiros mais
importantes fossem conduzidos à sala de comando da nave capitania. Encarou-os com um
sorriso amável e zombeteiro ao mesmo tempo e perguntou:
— O que esperavam conseguir?
Tomisenkow ainda não tivera a oportunidade de pôr em ordem sua figura
esfarrapada. Tinha os cabelos desgrenhados e o uniforme, já estragado, ainda por cima
continuava rasgado, tal qual saíra da briga com os homens de Pjatkov.
Thora não participara da breve luta. Estava suja, mas intacta, quando se defrontou
com Raskujan.
Nem Tomisenkow nem Thora deram qualquer resposta à pergunta do coronel.
— Ah — disse Raskujan com um sorriso. — Continuam orgulhosos como sempre,
não é?
Instalou-se confortavelmente na poltrona e cruzou as pernas.
— Lamento sua teimosia — prosseguiu. — Os senhores se opõem ao único poder
real que existe em Vênus. Por quê?
Thora sorriu com desprezo. Tomisenkow respondeu mal-humorado:
— Porque não gostamos do senhor.
Raskujan não deixou se irritar.
— Parto de um ponto de vista mais negociável — explicou tranqüilamente a
Tomisenkow. — Todos nós devíamos nos unir. Estou convencido de que juntos criaríamos
um poder como ainda não existiu outro.
Tomisenkow soltou uma risada áspera.
— Só se Rhodan o deixasse em paz.
— Ora! — disse Raskujan com um gesto de desprezo. — Ele me deixou em paz
durante um ano; por que não vai continuar assim? E se eu conseguir penetrar na base de
Vênus com o apoio da senhora — fez um gesto em direção a Thora — nem mesmo
Rhodan conseguirá pôr os pés neste planeta contra minha vontade.
— Não pense que vou ajudá-lo a entrar na base de Vênus — gritou Thora, furiosa.
— Pois eu saberei obrigá-la a isso! — disse Raskujan entre os dentes. Já estava
começando a perder o autocontrole.
Thora fez um gesto de desprezo.
— Quem é o senhor para obrigar uma arcônida a falar? Além disso, Rhodan o
agarrará antes que conclua o interrogatório.
Raskujan se levantou de um salto.
— Rhodan nem sequer está em Vênus! — gritou fora de si. — E se tentar pousar por
aqui, saberei impedi-lo.
Nesse ponto a sensação de triunfo levou a melhor sobre a inteligência de Thora. Com
os olhos chamejantes gritou:
— Não quebre a cabeça para descobrir como poderá impedir que Rhodan pouse neste
planeta. Ele já se encontra em Vênus!
Mal acabou de pronunciar estas palavras, reconheceu o erro que havia cometido. Mas
o espetáculo que se lhe ofereceu quando Raskujan, pálido como cera, cambaleou e caiu em
sua poltrona, bem que valeu o susto que o erro lhe causava.
Atrás dela, Tomisenkow disse em voz baixa:
— A senhora não devia ter dito isso!
***
Alicarim marchava.
Reunindo toda a paciência peculiar a um asiático, procurou vencer todos os
obstáculos para alcançar um objetivo, de cuja existência, por enquanto, apenas suspeitava.
Quando ainda era um prisioneiro de Raskujan, ouvira falar nos acontecimentos
estranhos que se desenrolaram no mar: os fenômenos luminosos que foram observados, os
dois helicópteros que nunca regressaram, a busca extenuante do major Pjatkov, a
descoberta de um barco inflável e de três homens que nadavam e, por fim, o lançamento da
bomba baby.
Alicarim sabia mais que isso. Lembrou-se do ataque que o acampamento de
Tomisenkow, situado na península, sofrerá poucos dias antes que Raskujan o atacasse. O
ataque fora repelido; haviam visto três homens, mas não conseguiram aprisionar nenhum
deles.
Por fim, Alicarim ainda guardava uma lembrança bastante viva das armas de
impulsos térmicos usadas pela Terceira Potência; conhecera-as há um ano. Era provável
que os fenômenos luminosos observados pelos homens de Raskujan proviessem de armas
desse tipo.
Era bem verdade que o resto não passava de suposições e cálculos. Se é que três
homens da Terceira Potência, desprovidos de quase todos os recursos técnicos — assim
concluiu Alicarim — se encontravam em Vênus, a primeira coisa que eles procurariam
fazer era entrar em contato com o cérebro positrônico instalado no interior da fortaleza.
Foi por isso que Alicarim dirigiu sua marcha montanha acima. Sabia que o enorme
campo protetor tinha um diâmetro de cinqüenta quilômetros. A chance de encontrar os três
homens em algum ponto naquela extensa área era assustadoramente reduzida. Mas essa
chance aumentava pelo fato de que, tal qual Alicarim, os três homens vinham do sul e
provavelmente procurariam penetrar no campo protetor dessa direção.
Além disso, essa era a única chance de Alicarim. Em qualquer outro lugar, sua
situação seria mais desesperadora do que no lugar em que havia alguma possibilidade de
se encontrar com membros da Terceira Potência. Eram os únicos que podiam ajudá-lo.
Por isso Alicarim prosseguiu em sua marcha.
Depois de ter avançado um bom pedaço, viu a abóbada reluzente do campo protetor
que surgia entre as copas de duas árvores e logo desapareceu entre a densa camada de
nuvens.
A vegetação também era mais rala e a caminhada mais fácil.
Alicarim criou nova coragem e avançou com maior rapidez.
***
Fosse qual fosse a opinião que se tinha a respeito de Raskujan, às vezes ele sabia
calcular uma situação.
Desde o início, os três homens a respeito dos quais o major Pjatkov lhe falara
representaram um mistério para ele. Quem se atreveria a cruzar em plena noite o mar de
Vênus num frágil barco inflável, ainda que esse mar apenas consistisse num braço de
trezentos e cinqüenta quilômetros de largura?
Raskujan sabia que havia uma certa possibilidade, mesmo remota, de que, apesar dos
canhões automáticos e da bomba baby, os três homens ainda estivessem vivos.
Se um desses homens fosse Perry Rhodan...
Raskujan prosseguiu nas suas conjecturas e chegou à mesma conclusão que, mais ou
menos ao mesmo tempo e num lugar distante, veio à mente do quirguiz Alicarim.
Se é que Rhodan andou pelo mar num barco inflável, isso significava que, por
qualquer motivo, perdera o contato com a Terra e com sua base em Vênus. Se não fosse
assim, disporia de recursos técnicos muito maiores do que aqueles com os quais contava
no momento.
Partindo desse pressuposto, convenceu-se de que Rhodan não teria coisa mais
urgente a fazer senão alcançar o campo protetor que cercava sua base e penetrar na mesma;
Raskujan não duvidou um instante sequer de que Rhodan teria possibilidade de fazê-lo.
O resultado lógico dessa conclusão foi uma ordem transmitida a toda a frota de
helicópteros: deviam levantar vôo imediatamente, aproximar-se do campo protetor e atirar
contra tudo que se movia nas proximidades do mesmo. Raskujan preferiu não revelar o
fato de que essa ação se dirigia contra Perry Rhodan. Receava de que esse nome bastasse
para amedrontar seus homens.
Depois de uma pausa que todos os tripulantes acharam muito curta, os helicópteros
voltaram a levantar vôo. Raskujan contemplou na tela de imagem o quadro que se oferecia
no campo de pouso bem iluminado; o espetáculo impressionante dos helicópteros que
saíam em disparada tranqüilizou-o ao menos em parte.
O fato de que a maior das ações bélicas já realizadas em Vênus dirigia-se contra um
único homem não o perturbou nem um pouco. Se dispusesse de mais equipamentos,
enviaria dez vezes mais gente e material para destruir um único homem.
Perry Rhodan.
***
O corpo de Rhodan aproveitou a última pausa para, através de uma febre violenta,
protestar contra os maus tratos que lhe eram infligidos.
Quando a pausa terminou e a marcha devia ser reiniciada, Rhodan batia os dentes.
Marshall e o japonês sugeriram que a pausa fosse prolongada até que a febre terminasse,
mas Rhodan respondeu com uma risada contrafeita:
— Receio que esta máquina miserável, — apontou para o peito — ficará febril
enquanto não lhe dermos coisa melhor para fazer.
Prosseguiram em sua marcha. Tiveram sorte: o terreno continuava em subida e a
vegetação tornava-se cada vez mais rala.
Mas Rhodan teve azar, pois teve de rever sua opinião sobre a máquina miserável. A
febre não diminuiu; pelo contrário, aumentou. Houve momentos em que Rhodan teve de se
apoiar ao ombro de Marshall para não cair.
Algum tempo depois, marchavam por um vale estreito situado nas montanhas. Ao
atingirem a saída norte viram, aparentemente ao alcance da mão, a abóbada reluzente
formada pelo campo protetor que cercava a base.
Rhodan soltou um suspiro de alívio. Praticamente já haviam conseguido, e não fora
nada fácil.
O terreno em que marchavam consistia num planalto pedregoso coberto apenas de
arbustos esparsos. Avançaram rapidamente, e a parede reluzente do campo protetor
aproximava-se quase a olhos vistos.
— Ainda faltam uns oitocentos metros. — murmurou Marshall depois de algum
tempo, para animar Rhodan e distraí-lo de suas dores.
Mal terminara, quando um zumbido agudo passou pelas montanhas, vindo do sul.
Marshall estacou e Rhodan, que se apoiava em seu ombro, também parou.
Son Okura voltou-se bruscamente e fitou o céu escuro.
O zumbido tornou-se mais agudo, aproximou-se por cima do vale e dissociou-se no
chiado dos jatos e nas batidas dos rotores.
— São helicópteros! — gritou o japonês.
— Pelo menos quarenta!
Rhodan enrijeceu o corpo e se manteve de pé com suas próprias forças. Voltou
apressadamente a cabeça.
— Abriguem-se — fungou. — Lá atrás. Procurem atingir a encosta do vale.
***
Só por alguns minutos Alicarim acreditou que todo aquele aparato se destinava a ele.
Ouviu que os helicópteros passaram em disparada por cima do esconderijo em que
apressadamente se abrigara e começaram a cruzar à frente do campo energético.
Alicarim logo compreendeu suas intenções. Alguém tivera a mesma idéia que ele e
procurava alcançar os três homens da Terceira Potência no lugar em que havia maior
probabilidade de encontrá-los.
Alicarim pôs-se novamente a caminho e depois de algum tempo passou por um
desfiladeiro onde o caminhar era muito difícil, e que atravessava a última barreira de
montanhas, terminando na extremidade oeste de um vale cercado de todos os lados por
encostas muito elevadas.
Mais ao norte — a uns dois quilômetros, pelos cálculos de Alicarim — a cúpula
luminosa emergia do fundo do vale.
Era bem verdade que mais ao norte também os helicópteros cruzavam o ar, conforme
o quirguiz ouvia perfeitamente. Uma vez que conhecia seus equipamentos e estava muito
bem informado sobre a eficiência dos holofotes de luz infravermelha, procurou se abrigar
cuidadosamente. Dessa forma avançou mais devagar, mas com uma segurança
incomparavelmente maior.
Os helicópteros passaram sobre o vale numa altura reduzida. Rhodan e seus
companheiros não conseguiram atingir a encosta; esconderam-se sob uma pedra larga, de
cerca de dois metros de altura. Depois de terem percebido que, por enquanto, não haviam
sido descobertos, prosseguiram na retirada e esconderam-se na entrada de uma caverna que
penetrava na encosta rochosa. A partir dali Son Okura observou os helicópteros.
— Estão se dividindo — disse. — Dois grupos dirigem-se para o leste e o oeste, ao
longo do campo energético, enquanto outro grupo cruza bem diante dele.
Rhodan quase não tinha capacidade de responder.
— Devemos prosseguir — gemeu. — Só poderemos entrar em contato com o cérebro
positrônico quando tivermos atingido o limite do campo energético.
Marshall protestou.
— Se fosse o senhor, eu preferiria...
— Cale a boca! — ordenou Rhodan e levantou-se, apoiando a mão na parede rochosa
da caverna.
No mesmo instante Son Okura, que se encontrava na entrada da caverna, virou-se
com um grito abafado e levantou o radiador térmico.
— Pare!
Ouviu-se uma voz quase incompreensível vinda da direita. Marshall não entendeu
uma palavra. Deixou Rhodan a sós e, com a arma engatilhada, colocou-se ao lado do
japonês.
— Quem é? — perguntou. Okura deu de ombros.
— É um russo. Diz que é um dos homens de Tomisenkow, e que fugiu do campo de
prisioneiros.
Marshall baixou a arma. Fechou os olhos, enquanto Okura mantinha o desconhecido
à distância, e concentrou-se sobre os pensamentos que fluíam do cérebro do desconhecido.
— Está bem — resmungou depois de algum tempo e fez um sinal para Okura. — As
intenções dele são boas.
Okura também baixou a arma. Gritou em russo para que o homem se aproximasse.
Finalmente Marshall viu-o emergir da escuridão. Era pequeno, mas atarracado. Tinha
os olhos oblíquos e os maxilares salientes de um asiático. Dirigindo-se a Son Okura, disse:
— Meu nome é Alicarim. Sou um dos homens de Tomisenkow. Posso contar muita
coisa.
Rhodan dispôs-se a ouvir o homem, embora tivesse muita pressa. Alicarim fez um
breve relato de tudo que havia acontecido depois do assalto de Raskujan ao acampamento
de Tomisenkow.
— Depois desse incidente — murmurou Rhodan — as coisas não serão nada fáceis
para Thora. Raskujan não recuará diante das medidas mais violentas para obrigá-la a falar.
Vamos adiante!
Saíram da caverna e caminharam rentes à encosta. Aproveitavam todo acidente do
terreno que pudesse lhes proporcionar uma proteção e Son Okura manteve os helicópteros
sob uma observação ininterrupta. O relato de Alicarim e a preocupação por Thora
pareciam ter dado novas forças a Perry Rhodan. Percorreu quase metade do caminho que
faltava com suas próprias forças; só no último trecho voltou a se apoiar em Marshall.
Aproximaram-se a uns cinqüenta metros da parede reluzente, sem que os homens que
se encontravam nos helicópteros de Raskujan os houvessem visto. Mas dali em diante a
situação se tornou crítica.
No último trecho não havia praticamente nenhum abrigo. Só de vez em quando via-se
um bloco de pedra, mas na maioria eram tão pequenos que dificilmente poderiam proteger
um homem.
Além do mais, Rhodan não teve a menor dúvida de que os helicópteros lançariam
bombas assim que descobrissem suas vítimas. E contra uma bomba, a maior das pedras
não oferecia proteção suficiente.
Notava-se que Rhodan recorria às últimas reservas de energia. Tinha a face flácida e
em sua pele surgiam manchas vermelhas. Sua voz era rouca e entrecortada.
— Vamos fazer uma manobra desviacionista — ordenou. — Um de nós vai atrair a
atenção deles. Enquanto os helicópteros se ocupam com esse homem, os outros avançam
até o campo protetor. Acredito que o cérebro positrônico só levará alguns segundos para
me identificar e abrir a barreira energética por um instante. Quem está disposto a ir?
Alicarim, que não havia entendido uma palavra, pediu que Okura traduzisse o que
Rhodan acabara de dizer.
— Eu vou — afirmou depois disso. Okura traduziu suas palavras.
Rhodan não teve nenhuma objeção, ou ao menos não teve nenhuma objeção com a
qual quisesse despender tempo naquele instante. Alicarim não pertencia à Terceira
Potência. Não tinha nenhum motivo para arriscar a vida nessa manobra temerária.
Mas não havia tempo para debates.
O quirguiz saiu rastejando, depois de ter sido avisado de que deveria começar a
correr assim que o campo energético se apagasse. Ninguém sabia quais eram suas idéias
quanto à maneira de atrair a atenção dos helicópteros.
Os outros esperaram, febris e impacientes.
***
Pjatkov acreditara que o vale que, vindo do sul, estendia-se até a abóbada energética,
provavelmente seria o lugar em que os homens que procurava poderiam ser encontrados.
Não tinha a menor idéia de quem eram esses homens. Supunha que deviam ser
muitos, ou então, que devia tratar-se de gente muito perigosa ou importante, pois de outra
maneira Raskujan não se daria à tamanho trabalho para agarrá-los.
O helicóptero de Pjatkov tinha quatro tripulantes: o piloto, um observador, um
telegrafista e ele mesmo. De vez em quando substituía o observador em seu trabalho.
Olhou para o relógio. Ainda poderiam permanecer ali durante cinco horas; depois
teriam de regressar para reabastecer. Dentro de cinco horas aqueles desconhecidos teriam
que...
— Olhe! — gritou o observador. — Um homem!
Pjatkov empurrou o homem para o lado e olhou pelo filtro ótico. Lá embaixo, em
meio às rochas, havia um homem. Encontrava-se a apenas vinte metros do limite do campo
protetor e corria que nem um louco.
— Fogo! — berrou Pjatkov.
O observador colocou-se atrás do canhão automático, abrangeu o alvo no pequeno
telescópio da mira e começou a disparar. Aborrecido, notou que os projéteis detonavam a
uma boa distância do homem que corria e corrigiu a pontaria. Mas antes que conseguisse
alvejar o desconhecido, este desapareceu atrás de uma pedra.
O major Pjatkov fungava de nervosismo.
— Desça!
O helicóptero desceu.
— Circule em tomo da rocha.
A máquina inclinou-se ligeiramente e começou a descrever um círculo amplo em
torno da rocha.
— Chegue mais perto! — gritou Pjatkov, furioso.
Mas logo percebeu outro movimento pelo canto do olho. Girou rapidamente o filtro
ótico e viu os três homens que, a cem metros dali, corriam em direção ao campo energético
reluzente. Numa fração de segundo compreendeu que o avanço do homem que se
encontrava ali embaixo fora apenas aparente.
O perigo real era representado por aqueles três homens.
— Vá para a esquerda — gritou para o piloto. — Ali há mais gente.
O piloto, que só via os acontecimentos que se desenrolavam bem à sua frente, levou
algum tempo para compreender a nova ordem e retificar o curso.
— Mais rápido! — ordenou Pjatkov. — Preparem as bombas.
Pôs a mão para o lado e, numa batida, ligou o rádio. Não seria necessário perder
muitas palavras; as vozes de comando bastariam para que os ocupantes dos outros
aparelhos compreendessem o que se passava.
Os três fugitivos chegaram ao campo energético.
— As bombas estão prontas — anunciou o observador.
Pjatkov notou que dois aparelhos que voavam a seu lado atiravam com seus canhões
automáticos contra os fugitivos.
— As bombas serão lançadas quando eu ordenar — disse.
As bombas preparadas pelo observador eram dotadas de cargas explosivas simples.
Nenhum helicóptero que se encontrasse a uma altitude tão pequena arriscaria o uso de
bombas nucleares, por menores que fossem.
Mas uma bomba explosiva seria suficiente para...
O campo energético se apagou.
Pjatkov soltou um grito estridente e apavorado quando o campo energético
desapareceu de repente. Mas no mesmo instante compreendeu a chance extraordinária que,
com isso, lhe era oferecida.
— Vire para a direita! — gritou para o piloto. — Atravesse o campo energético!
O piloto não estava preparado para essa missão. Levou cinco segundos para corrigir o
curso. Pjatkov parecia febril.
Finalmente a máquina girou no ar e disparou em velocidade máxima para o lugar em
que, poucos instantes antes, a barreira energética se erguia desde o fundo do vale.
Nenhum dos ocupantes do helicóptero de Raskujan chegou a ver que a barreira
energética voltou a reluzir no mesmo instante em que o helicóptero se dispôs a romper a
respectiva área.
Os ocupantes dos outros helicópteros viram uma explosão ofuscante, que produziu
um forte estalo nos receptores.
Mais tarde ninguém saberia dizer se o helicóptero de Pjatkov foi consumido pela
energia da barreira energética, ou se foi despedaçado pela explosão das bombas que trazia
a bordo.
Depois do primeiro instante de pavor, os ocupantes dos outros helicópteros deram-se
conta de que, ao que tudo indicava, depois da ligeira interrupção tudo voltara a ser como
era antes, e que naqueles poucos segundos os desconhecidos conseguiram penetrar na área
da base.
O coronel Raskujan recebeu esta mensagem lacônica:
— O major Pjatkov está morto. Os fugitivos estão fora de nosso controle, por terem
penetrado na base.
***
***
Perry Rhodan ainda conseguira forças para formular uma ordem dirigida ao cérebro
positrônico, ordem esta que Marshall deveria transmitir por via telepática. Uma vez ciente
da presença de Rhodan, era de supor que o cérebro captasse, compreendesse e executasse a
mensagem telepática.
A mensagem incluía o pedido de fornecer um meio de transporte que permitisse
vencer quanto antes os cinqüenta quilômetros que ainda os separavam do centro da base, e
de preparar uma série de medicamentos que colocasse Rhodan em condições de atuar no
mais breve espaço de tempo.
***
Alicarim não escapou apenas aos tiros disparados pelo helicóptero de Pjatkov;
também conseguiu penetrar em tempo na área da base.
Uma vez transmitida a ordem a Marshall, Rhodan desmaiou. Marshall repetiu a
ordem até que Son Okura viu um planador que se deslocava a pouca altura e uma
velocidade tremenda. Rhodan foi colocado no aparelho, e os outros instalaram-se nas
poltronas. Poucos minutos depois o aparelho colocou-os no interior da fortaleza e
transportou Rhodan para o lugar em que os medicamentos já haviam sido preparados.
Dali a meia hora Rhodan já estava em condições de formular ordens precisas.
Instruiu o cérebro positrônico a desativar o campo energético que cercava todo o planeta,
para que Reginald Bell pudesse pousar com sua nave auxiliar. Para evitar outras
complicações ainda mandou que a barreira energética de quinhentos quilômetros de
diâmetro — que, nos momentos críticos, costumava cercar a área no lugar do anteparo de
cinqüenta quilômetros, sempre que o planeta todo não estivesse protegido — também não
fosse ativada.
Só então Rhodan considerou terminado o período de esforços sobre-humanos e
permitiu uma pausa de sono a si e a seus companheiros totalmente exaustos.
***
Reginald Bell reagiu com a explosividade de um vulcão até então contido por uma
fina crosta de terra.
O girino — isto é, a nave auxiliar de sessenta metros de diâmetro — avançou a toda
velocidade e com os campos protetores ativados para as camadas mais profundas da
atmosfera de Vênus. A uma velocidade de mach 15 — ou seja, quinze vezes a velocidade
do som — o impacto do campo energético sobre as moléculas de ar ionizava estas e
produzia uma certa luminosidade. Com a beleza imponente de um cometa gigante,
arrastando atrás de si a ofuscante faixa branco-azulada de ar ionizado, a nave precipitou-se
pela noite de Vênus e surgiu sobre o acampamento de Raskujan. Entre os homens que
deviam defender o lugar o medo puro e simples começou a se espalhar face ao fenômeno
nunca visto.
A nave não foi bombardeada. Aliás, um projétil terreno não lhe poderia causar
qualquer dano. Numa altura de cem metros, manteve-se imóvel acima do acampamento.
Bell não assumiu qualquer risco. Mandou que Tako Kakuta, o teleportador, ocupasse o
grande projetor mental, e mandou que todo o acampamento fosse coberto pela ordem de
capitulação, transmitida por via hipnótica.
Só depois disso pousou a nave no chão e começou a realizar seu inventário. Sabia
que Thora era uma prisioneira do acampamento e, apesar de todos os ressentimentos que
nutria para com a mesma, suas primeiras preocupações dirigiram-se a ela.
Não a encontrou. Os prisioneiros que capturou mostraram-se dóceis, conforme lhes
ordenava o comando hipnótico, e conduziram-no para a parte do acampamento em que
Thora devia se encontrar. Não estava lá, e ninguém sabia onde poderia estar.
Só depois de algum tempo notou-se que Tomisenkow também não se encontrava no
acampamento. E, quando se verificou que o coronel Raskujan havia dado o fora, Bell
começou a tirar suas conclusões dos acontecimentos, conclusões estas que se
aproximavam bastante da verdade.
Logo se deu conta de que não valeria a pena sair à procura dos desaparecidos.
Raskujan não deixaria de dar um sinal de vida assim que a situação voltasse à calma; além
disso, nada se poderia fazer contra ele enquanto Thora se encontrasse em suas mãos.
***
***
Poucas horas depois da meia-noite foi anunciada a chegada de Rhodan. Voou num
aparelho da base e pousou no antigo acampamento de Raskujan, junto à nave auxiliar de
Reginald Bell.
O campo de pouso estava profusamente iluminado.
Rhodan já fora informado sobre os acontecimentos. Soube que Raskujan procurara
desaparecer com Tomisenkow e Thora e que os dois prisioneiros haviam regressado ao
acampamento com o cadáver de Raskujan.
Quando entrou na sala de comando da nave auxiliar, Bell apresentou seu relato,
conforme determinavam as normas. Nesse relato incluía-se o seguinte trecho:
— Tomisenkow pede, com o devido respeito, que o senhor lhe conceda uma
entrevista.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.
— Onde está Thora?
Bell ergueu os ombros.
— Ao que parece preferiu ficar só. Sempre respeitei os desejos daquela mulher.
Mais uma vez Rhodan acenou com a cabeça.
— Nesse caso vou falar com Tomisenkow.
Bell saiu da sala de comando. Dali a pouco Tomisenkow entrou. Rhodan ofereceu-
lhe uma poltrona.
— O senhor vai ficar admirado — principiou Tomisenkow sem preâmbulos — com a
proposta que vou formular.
Rhodan sorriu com essa fala sem rebuços.
— Antes de sua chegada — prosseguiu o general — falei com os homens de
Raskujan. Contei-lhes que conseguimos viver em Vênus durante um ano sem que
dispuséssemos de quaisquer recursos, e que viveríamos muito melhor se dispuséssemos de
mais algumas das bênçãos da tecnologia. Eu lhes sugeri que ficássemos para sempre em
Vênus, e eles concordaram. Todos, com exceção de uns quatro ou cinco.
Fitou Rhodan numa atitude de expectativa.
— Está bom — disse Rhodan. — Ou melhor, excelente. Não oponho nada a que os
senhores se fixem, desde que deixem nossa base em paz.
Tomisenkow sacudiu a cabeça.
— Nem pensamos nisso. Soubemos o que aconteceu com o governo do Bloco
Oriental. Meus companheiros e eu já rompemos com o passado. E, ao que tudo indica, para
os homens da frota de Raskujan não foi muito difícil fazer o mesmo.
Rhodan se levantou e ficou andando de um lado para outro. Subitamente
Tomisenkow ouviu que ria.
— Nunca imaginava — disse — que meus planos se realizariam tão depressa.
— Seus planos? — perguntou Tomisenkow, espantado.
— Isso mesmo; meus planos. Na sua opinião, qual foi o motivo por que há um ano
não destruí sua frota com os tripulantes?
— Porque... porque... bem, não sei.
— Porque acreditava — interveio Rhodan — que, se continuassem vivos, formariam
uma base muito sadia para a primeira colônia a ser instalada em Vênus. Realizei uma
experiência com seres humanos; e o ser humano revelou suas aptidões.
Tomisenkow, espantado, ficou de queixo caído. Só aos poucos deu-se conta de que
nos últimos meses não fizera outra coisa senão bancar a marionete que alguém arrasta por
um fio. Sua inteligência rebelou-se contra essa idéia. Quando finalmente sua mente a
absorveu, Tomisenkow sentiu-se possuído pela cólera.
Mas só por um instante.
Não era nenhuma vergonha, para um homem, que Perry Rhodan o conduzisse por um
fio invisível.
Rhodan parecia adivinhar seus pensamentos.
— Não perca seu orgulho — disse. — Só a idéia foi minha. O senhor conservou a
liberdade de ação. E não tenho receio em afirmar que o senhor a aproveitou muito bem.
Acredito que não estarei errando se lhe deixo as mãos livres para instalar a colônia e lhe
prometo nosso auxílio.
Tomisenkow tinha a impressão de que estava sonhando. Levantou-se, dirigiu-se a
Rhodan e apertou-lhe a mão.
— Obrigado — murmurou. — Muito obrigado.
Enquanto saía, muito nervoso, murmurou uma série de palavras russas, que Rhodan
não compreendeu.
Só dez horas depois Rhodan encontrou-se com a arcônida.
Não a procurara. Da sala de comando, resolveu as coisas que tinham de ser resolvidas
e começou a preparar a decolagem em direção à Terra.
Thora veio sem ser chamada.
Quase sem o menor ruído, mandou abrir a escotilha e por algum tempo manteve-se
imóvel na entrada, antes que Rhodan notasse sua presença.
Logo percebeu seu embaraço e sua insegurança. Como não devia se sentir aquela
mulher. Sua fuga precipitada da Terra provocara toda aquela confusão, que por pouco não
trazia a morte de Rhodan e o fim da Terceira Potência.
Aproximou-se com passos hesitantes. Rhodan levantou-se e foi ao seu encontro. Viu
que ela se dispunha a falar, apressou o passo e segurou a mão dela entre as suas.
— A senhora não imagina — disse com a voz baixa — como me sinto feliz por revê-
la.
Isso lhe tirou toda a munição. Não conseguiu dizer mais nada; nada de todas as
desculpas e motivos que havia preparado. Fez uma coisa muito espantosa: inclinou-se para
a frente até que sua cabeça encostasse no ombro de Rhodan e chorou.
Thora, a arcônida, a mulher que tinha um bloco de gelo no lugar do coração, estava
chorando.
Rhodan procurou consolá-la. Deu início a algumas frases consoladoras, mas também
não se lembrou de uma coisa adequada que pudesse dizer. Tudo que lhe ocorresse parecia
ridículo e inexpressivo.
Ficou parado, segurou Thora pelo ombro e deixou que chorasse à vontade.
***
***
**
*
Em sua caminhada em direção à barreira energética da fortaleza
de Vênus, conseguiram por mais de uma vez lograr a morte, que parecia
certa.
Depois disso, operando no ambiente seguro da fortaleza, não
tiveram a menor dificuldade em terminar, num golpe, as insensatas lutas
pelo poder que vinham sendo travadas entre os colonos involuntários de
Vênus. Libertado Vênus, o campo de atividade de Perry Rhodan volta a
deslocar-se para a Terra, onde O Supercrânio dá início ao seu jogo
nefasto...
O Supercrânio é o título do próximo volume da série Perry
Rhodan.