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O Domínio do Hipno
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
A Terceira Potência, resultado de uma feliz aliança entre a
supertécnica arcônida e o arrojo humano, já pode contemplar o
passado de alguns anos de tempo terrestre.
Muita coisa aconteceu nesses anos: o êxito alcançado nas
ações defensivas contra as invasões vindas do espaço; a decifração
dos velhos mistérios de Vênus; a luta contra os tópsidas, os seres
reptilóides, no sistema Vega; a descoberta do planeta da vida
eterna, isso para citar apenas alguns dos marcos mais dramáticos
da história ainda recente da Terceira Potência, dirigida por Perry
Rhodan.
Mas a Terceira Potência, que até então resistiu incólume a
todos os perigos do espaço, agora vê-se diante de uma ameaça
muito mais terrível, que teve sua origem na própria Terra.
Essa ameaça parte do Supercrânio, um cientista ávido de
poder que pretende aniquilar a Terceira Potência para instalar uma
ditadura mundial. Sem dúvida, o Supercrânio possui a força mental
necessária à execução dos seus intentos, pois é um hipno — e,
enquanto existirem cérebros humanos que se encontrem sob O
Domínio do Hipno, Perry Rhodan e seus homens não terão sossego.
***
***
Quatro horas já se haviam passado desde a hora em que a Z-VII-3 deveria ter
comparecido ao ponto determinado pelas coordenadas pré-escolhidas. O major
Deringhouse perdera a paciência. Mais uma vez convocou os comandantes dos
destróieres à cabina de comando. Seu rosto tinha uma expressão rígida e severa. O sorriso
costumeiro estava ausente.
— Cavalheiros, a ausência do tenente Yomo permite várias conclusões; teremos de
optar por uma delas.
Os comandantes aguardavam com o espírito tenso. Sabiam que as perspectivas que
Deringhouse lhes ofereceria não seriam nada animadoras.
— É possível que a Z-VII-3 tenha encontrado o esconderijo do Supercrânio, tendo
sido destruída ou aprisionada por ele. Se tivesse ocorrido a última dessas hipóteses, nosso
rádio, mantido constantemente em recepção, deveria ter recebido a mensagem combinada
para o caso. Ainda existe a possibilidade de que o tenente Yomo tenha sido vítima de
uma falha técnica de sua nave. Finalmente, pode ter sido atingido por um meteoro.
O tenente Hill pigarreou de forma bem perceptível. Deringhouse fez um gesto
animador.
— Talvez estejamos vendo as coisas pretas demais — disse Hill. — É possível que
o tenente Yomo apenas se tenha atrasado. Qual foi a rota que lhe foi destinada?
Deringhouse sacudiu a cabeça.
— Isso é praticamente impossível, tenente Hill. A Z-VII-3 recebeu a incumbência
de pesquisar a área de Marte e suas adjacências. Eu mesmo estive lá com a Good Hope-
VII, mas não encontrei nada de suspeito. Uma vez que, segundo se supõe, o Supercrânio
se dirigiu a Marte, a ausência do tenente Yomo me parece altamente suspeita. Devo
confessar que estou muito preocupado.
— Por que não vamos dar uma olhada? — perguntou alguém.
Deringhouse lançou os olhos na direção daquele que acabara de falar.
— É o que estamos fazendo há quase um mês.
— É verdade, major. Mas, se sua tese sobre a Z-VII-3 for correta, o tenente Yomo
deve ter encontrado alguma coisa. Se o Supercrânio se encontrar em Marte, deve dispor
de um bom esconderijo. É bem possível que Yomo o tenha encontrado por acaso. Não
sabemos o que terá acontecido depois disso. Mas podemos tentar descobrir.
— Se o entendi bem, você sugere uma busca intensa em Marte.
— Perfeitamente.
Deringhouse olhou para os outros oficiais.
— O que acham cavalheiros?
— Achamos que a idéia não é má — disse o capitão Berner, que comandava a Z-
VII-7. — De qualquer maneira será melhor que ficarmos parados por aqui.
O major Deringhouse refletiu por alguns segundos. Finalmente o sorriso costumeiro
se esboçou em seu rosto.
— A ação terá início dentro de dez segundos. As tripulações deverão ocupar os
destróieres. A ejeção será realizada imediatamente.
Os comandantes das pequenas naves de guerra fizeram continência e se retiraram. O
major Deringhouse seguiu-os com os olhos. De um instante para outro o sorriso se
apagou em seu rosto. Tomou lugar na poltrona diante do painel de controle. Esperou
cinco minutos e ligou o intercomunicador. O tenente Hill respondeu:
— Tudo preparado no hangar 1. Nove destróieres prontos para a ejeção.
— Está bem — respondeu Deringhouse e lançou um olhar para o mapa de
coordenadas. — Daqui a dois minutos mandarei abrir a comporta. Decolem
imediatamente e mantenham-se nas proximidades do girino. Entendido?
— Entendido — respondeu Hill.
Dois minutos depois da ligeira palestra, um pedaço do envoltório da gigantesca
nave esférica deslizou para um lado, deixando livre uma abertura. Profusamente
iluminadas, as naves, pequenas e versáteis, descansavam nos trilhos de decolagem do
hangar. Subitamente, a primeira se movimentou e, numa aceleração louca, disparou
espaço afora. Antes que pudesse descrever a primeira curva, foi seguida pela segunda.
Toda a manobra consumiu menos de dois minutos. Depois disso a luz se apagou no
hangar e a escotilha foi fechada. O movimento da Good Hope-VII foi acelerado. Os
destróieres entraram em formação, com a nave capitania no meio, e se adaptaram à
velocidade desta.
Longe dali, em meio à profusão de estrelas que emitiam uma luz fria, havia uma de
luminosidade vermelha e cintilante: era o planeta Marte. As calotas polares e a confusão
de canais destacavam-se nitidamente na monotonia das superfícies desérticas.
Com o rosto indiferente, o major Deringhouse contemplou seu destino.
Parecia adivinhar que alguma coisa horrível o aguardava por lá.
***
***
Mais ou menos na altura de Fobos, a Good Hope-VII entrou numa órbita estável em
torno de Marte. Os nove destróieres seguiram-na sem que tivessem recebido ordem
específica para isso.
O major Deringhouse deu-se conta que, dali em diante, os contatos teriam de ser
mantidos em nível reduzido. Pelo intercomunicador estabeleceu contato com a sala de
rádio.
— Cadete Renner, chame os destróieres e passe a ligação para mim.
— Sim senhor. Com que potência?
— A potência mínima. As ondas de rádio não devem atingir a superfície de Marte.
Menos de trinta segundos depois, os comandantes dos destróieres responderam à
mensagem. Deringhouse indicou a posição das naves e instruiu-as a se manterem à vista
uma da outra. A superfície de Marte teria de ser revistada numa ação conjunta. Quem
encontrasse qualquer indício, por menor que fosse, devia avisar imediatamente os outros.
Em hipótese alguma qualquer das naves deveria empreender uma ação independente. Por
enquanto os telecomunicadores não seriam utilizados.
A navegação que possibilitava a visão das outras naves constituía um requisito
fundamental, quando por outra coisa não fosse, em virtude das comunicações
extremamente reduzidas pelo rádio. Sem ela não haveria possibilidade de manter
qualquer contato. Ninguém fazia a menor idéia do que havia acontecido com a Z-VII-3,
mas ninguém tinha a menor vontade de compartilhar seu destino.
Seguindo as instruções recebidas, a nave Z-VII-7, comandada pelo capitão Berner,
desviou-se para o lado, ocupando a posição que lhe fora indicada. Também os outros
destróieres espalharam-se, cada qual dirigindo-se à sua posição.
Berner deixou a direção da nave a cargo do co-piloto e dedicou-se inteiramente à
observação da superfície de Marte. Através de seu telegrafista mantinha contato
permanente com Deringhouse.
O veículo espacial esférico também abandonou sua órbita, descendo lentamente em
direção à superfície de Marte. Os destróieres seguiram-no. A formação bastante alargada
permitia que a observação se estendesse a uma faixa bem ampla.
O capitão Berner contemplava a superfície avermelhada e juraria que nenhum
Supercrânio estava escondido por ali. Nas montanhas ainda seria possível, mas na areia
do deserto nem poderia se pensar nisso. As pesquisas haviam revelado que a areia
chegava a uma profundidade de cinqüenta metros. Não era concebível que alguém
construísse um esconderijo subterrâneo em pleno deserto de Marte.
— Tomem a rota da cordilheira oeste — soou a instrução vinda da nave capitania.
— Desçam mais. Utilizem os telescópios. Avisem de qualquer indício de uma escavação.
Berner seguiu rigorosamente as Instruções. Sabia que a Z-VII-2 se encontrava a seu
lado e, mais para fora, a Z-VII-5. À sua frente a Z-VII-4 estava rompendo as camadas
superiores da atmosfera rarefeita de Marte.
As montanhas se aproximaram. A flotilha passou a pequena altura sobre as encostas
suaves, seguiu a linha das cumeeiras e os vales não muito profundos, permaneceu por um
instante sobre uma depressão do terreno e prosseguiu no seu vôo.
As montanhas passaram a se achatar e o deserto voltou a surgir diante deles. A
próxima cordilheira surgiu no horizonte. Berner já sabia, face aos vôos anteriores, que era
a maior cordilheira de Marte, embora não fosse a mais alta. A cordilheira lembrava um
continente de contornos bastante regulares, que se destacava no mar do deserto formando
uma gigantesca ilha.
Mas havia uma coisa que Berner não sabia. O Supercrânio considerava essa
cordilheira como sua propriedade pessoal, e aguardava a frota que dela se aproximava.
Esperava pouco abaixo da superfície rochosa.
O capitão Berner viu surgir diante de si a extensa área do platô, que já sobrevoara
tantas vezes. Nunca notara nada de suspeito, e estava convencido de que também hoje a
busca seria em vão.
Um pequeno vale lateral desfilou lentamente diante dele. A rocha nua foi
substituída pela vegetação rala. Ainda não havia a menor indicação.
Mas subitamente Berner sentiu-se ofuscado; fechou os olhos. Bem à sua frente, no
lugar em que se encontrara a Z-VII-4, um sol atômico apareceu de repente. O calor
desprendido pelo mesmo consumiu o destróier. O metal derretido pingou da bola de fogo
e choveu sobre o platô. Os pingos escaldantes deixaram atrás de si finas nuvens de
fumaça.
Quando a luminosidade ofuscante diminuiu um pouco, permitindo que Berner
abrisse os olhos, a Z-VII-4 deixara de existir. Uma nuvem de formato estranho ocupava o
lugar em que antes se encontrava; lentamente foi sendo dissipada pelo vento.
Tudo fora tão rápido que nem Berner nem o co-piloto tiveram tempo para esboçar
qualquer reação. Atravessaram os vestígios do destróier, reduzido a gases, e
desmancharam a nuvem.
No mesmo instante viram um relampejo à sua esquerda. Dessa vez a vítima do
ataque traiçoeiro e imprevisível fora a Z-VII-2. Poucos segundos depois a Z-VII-5
também foi destruída.
Sem se preocupar com a proximidade, agora evidenciada, do inimigo que há tanto
tempo procuravam, o major Deringhouse transmitiu sua ordem pelo rádio:
— Os destróieres restantes entrarão imediatamente no hangar!
A manobra foi realizada com uma rapidez quase incrível, mas poucos metros antes
da escotilha salvadora ainda explodiu o destróier Z-VII-10. O vento escaldante da
aniquilação atômica penetrou no hangar da Good Hope-VII.
As cinco naves menores que ainda restaram se encontravam em segurança.
Ninguém desconfiava de que a segurança era apenas aparente; mas era exatamente
isso que o Supercrânio queria.
O major Deringhouse cometeu um erro fatal, pois ainda não se lembrara dos
capacetes defensivos. O súbito ataque aos seus destróieres, a destruição inexplicável dos
mesmos e a proximidade evidente do inimigo roubaram-lhe parte do seu proverbial
sangue-frio.
Deu uma ordem a si mesmo: a retirada.
Mas não o fez sem cometer um segundo engano.
O motivo era bem compreensível. Pelos tripulantes dos quatro destróieres
destruídos não se poderia fazer mais nada; quanto a isso não havia a menor dúvida. Mas,
mesmo que colocasse em segurança a si e ao seu girino e retornasse à Terra em busca de
reforços, ele não o faria sem deixar uma indicação do esconderijo do Supercrânio. Não
havia a menor dúvida de que a Good Hope-VII fora descoberta. Mas ninguém acreditava
que o Supercrânio estava em condições de atacar, quanto mais de danificar a gigantesca
nave. O campo energético impenetrável já voltara a envolver o veículo esférico.
Seria mesmo impenetrável?
Talvez o fosse para toda e qualquer espécie de matéria, mesmo quando investisse
contra a nave sob a forma de radiações energéticas mortais; mas em hipótese alguma o
seria para os fluxos mentais hipnóticos do Supercrânio.
O segundo erro do major Deringhouse consistiu em retardar a retirada e ativar o
rastreador ótico. De qualquer maneira pretendia estabelecer contato com o inimigo.
Precisava de uma prova irrefutável.
Por isso não ligou apenas o rastreador ótico, mas também o respectivo receptor, a
fim de possibilitar o intercâmbio visual.
Era isso que o Supercrânio esperava. Nas telas da sala de comando, à qual acabara
de regressar, não se via apenas a Good Hope-VII em tamanho natural, mas também o
rosto de Deringhouse.
Dali a dois segundos Deringhouse perdeu sua identidade.
Transformou-se num instrumento daquele ser horroroso, cujos fluxos hipnóticos se
apoderaram de sua vontade, transformando seu corpo numa ferramenta dócil do mestre.
O major Deringhouse não percebeu nada, menos ainda as pessoas que se
encontravam nas suas proximidades.
Voltou a desligar o rastreador ótico e, assim que os comandantes dos cinco
destróieres que haviam escapado à destruição entraram na sala, levantou os olhos. O
tenente Hill anunciou seu regresso e o de seus companheiros e aguardou a decisão do
superior. Essa decisão foi muito diferente da qual Hill esperara.
— Pousaremos no platô — disse Deringhouse em tom seguro. — O esconderijo do
Supercrânio deve ficar por lá. De forma alguma poderemos regressar à Terra sem
apresentar um resultado palpável.
Hill não conseguiu esconder a perplexidade.
— Quatro dos nossos destróieres acabam de ser destruídos. Enfrentaremos um
perigo gravíssimo.
— Será que devemos ter medo do perigo? — disse Deringhouse com um ligeiro
tom de censura na voz. — Nossa responsabilidade não é muito maior que todos os
perigos?
— Devíamos saber ao menos com que tipo de arma fomos atacados e como foram
destruídas nossas naves. Não se esqueça de que os campos protetores haviam sido
ativados.
Deringhouse acenou com a cabeça; parecia muito sério.
— Não me esqueci de nada disso. Não podemos descansar enquanto não
conhecermos a arma do inimigo. Por isso dei ordens para que os senhores se preparassem
para o pouso. Avisem a tripulação da nave. Outra coisa: depois de pousar, sairemos da
nave. Não levaremos armas; apenas o equipamento de respiração.
— Sairemos sem armas? — exclamou o tenente Hill estupefato. — Quer se
defrontar com o Supercrânio sem armas na mão? Não compreendo!
— Pois é tão simples, tenente. Sabemos que o Supercrânio possui uma arma
desconhecida, face à qual até nossos campos energéticos revelaram-se inúteis. Até é de
supor que, se assim o desejar, está em condições de destruir a Good Hope-VII. Ele não o
fez e, mais do que isso, poupou cinco dos nossos destróieres. Por quê?
O tenente Hill deu de ombros. Um ligeiro sorriso condescendente passou pelos
lábios do major Deringhouse.
— É porque quer mostrar que está disposto a entrar em contato conosco, sob o
signo de sua superioridade. Pois bem; vamos reconhecer formalmente essa superioridade,
indo desarmados ao lugar em que se encontra. O que temos a perder sob esse aspecto?
Nada, tenente Hill. Mas, conforme as circunstâncias, teremos muito a ganhar.
O tenente não pôde deixar de reconhecer que havia uma certa dose de razão na
exposição de seu superior, mas esse fato não o tranqüilizava. Hill não era nenhum
covarde, mas não gostava de lutar contra um inimigo desconhecido e invisível; se tivesse
de fazê-lo, preferia ter uma arma na mão.
— Seja o que o senhor quiser — disse depois de algum tempo, quando viu que, nos
rostos desorientados de seus companheiros, também não havia qualquer resposta. —
Instruirei a tripulação e transmitirei aos homens tudo que devem saber. Não seria
preferível avisar a Terra do que pretendemos fazer?
O major Deringhouse sacudiu a cabeça muito depressa, talvez depressa demais. Mas
quem haveria de notar isso?
— Isso seria um erro, talvez um erro fatal. O Supercrânio deve se sentir em
segurança. Se captar nossa mensagem, conhecerá nossos planos e saberá que só
aparentemente nos submetemos às suas condições. Pode se retirar, tenente. Não temos
tempo a perder.
Quarenta homens seguiram as ordens de Deringhouse; não se sentiam muito à
vontade. Sabiam que o comandante era um homem audaz, mas cauteloso, que costumava
evitar qualquer risco desnecessário. Tudo indicava que desta vez subestimava o perigo. O
Supercrânio também era um telepata; adivinharia seus pensamentos. Saberia que vinham
sem armas, embora fossem inimigos. Isso modificaria alguma coisa? Não modificaria
nada.
A Good Hope-VII desceu lentamente sobre o platô, passou sobre ele a pouca altura
e acabou pousando ao lado de um pequeno rochedo, que se erguia em meio à planura.
O major Deringhouse colocou todos os controles na posição de repouso, olhou para
as telas apagadas por alguns segundos, como que imerso em seus próprios pensamentos,
e ligou o intercomunicador. Qualquer pessoa na nave entenderia o que pretendia dizer.
— Sairei da nave com dez pessoas e procurarei o Supercrânio. Os cinco
comandantes de destróieres e cinco dos oficiais do girino irão comigo. Não levaremos
armas. Na minha ausência, Smith assumirá o comando. Qualquer comunicação
radiofônica com a Terra está proibida, e eventuais chamados não serão respondidos.
Entendido?
Da sala de telegrafia saiu uma confirmação proferida em tom um tanto perplexo.
Também as confirmações dos outros setores da nave não revelavam muito
entusiasmo. Ninguém gostou da perspectiva de se colocar à mercê de um inimigo que,
segundo se dizia, era cruel e insensível. E tudo isso não combinava com a personalidade
de Deringhouse.
Dali a dez minutos a escotilha de saída se abriu. Deringhouse foi o primeiro a pisar
a superfície do planeta vermelho; os dez oficiais seguiram-no. Todos eles traziam os
leves trajes protetores e as indispensáveis máscaras de oxigênio. Nenhum deles portava
uma arma.
— É ali — disse Deringhouse, apontando para a rocha. — A entrada para o
esconderijo do Supercrânio fica nessa rocha.
Sem aguardar uma resposta, colocou-se em movimento.
O tenente Hill ficou parado. Passou a mão pelos olhos.
— Como é que o senhor sabe que o esconderijo que procuramos há semanas fica
ali, comandante? Acho que o senhor nos deve uma explicação.
A pressão sobre seu cérebro se intensificou. Viu que também Berner pôs a mão na
cabeça e murmurou algumas palavras incompreensíveis. Não havia como entendê-lo atrás
da máscara de respiração.
Uma suspeita terrível se apossou dele. Mas antes que pudesse soltar um grito de
advertência, já era tarde.
Subitamente ficou bem quieto.
Caminhando a passos firmes, seguiu atrás de Deringhouse, que não se preocupava
com os homens que o acompanhavam. Fazia exatamente aquilo que o Supercrânio
mandava.
E o comando era dirigido a ele e aos dez oficiais.
2
***
***
Bell estava perplexo. Olhou para a tela, onde o tamanho da nave esférica diminuía
tão depressa que até parecia uma bola que caía no abismo da eternidade.
Gucky viu que lhe fora roubada a oportunidade de dar prova do seu saber.
— Está fugindo de mim — consolou-se com um chiado agudo, que exprimia ao
mesmo tempo a alegria e a contrariedade. — Percebeu que eu pretendia agarrá-lo. O
Supercrânio é um covarde!
— Você não devia tirar conclusões apressadas e por isso mesmo falsas — advertiu-
o Betty Toufry, que estava sentada numa grande poltrona. — Você é um ótimo telecineta,
mas um péssimo telepata...
— ...e você é uma ótima telepata, mas uma péssima telecineta — defendeu-se
Gucky, que parecia furioso.
— Isso mesmo — confirmou a moça, sem demonstrar a menor contrariedade. — E
é por isso que sua conclusão, segundo a qual o Supercrânio está com medo de você, é
falsa.
— Estabeleceu contato com Deringhouse? — interveio Bell, enquanto, em vão
tentava estabelecer contato pelo rádio com Rhodan ou o coronel Freyt.
— Diretamente não — Betty sacudiu a cabeça. — Por um instante acreditei que
sentia sua insegurança, mas logo seus débeis fluxos mentais foram superados por um
outro, mais próximo e mais forte...
— O Supercrânio — conjeturou Bell sem refletir.
Mais uma vez Betty sacudiu a cabeça.
— Eu disse: mais próximo. O Supercrânio está em Marte. Deve ter um
representante habilitado na Good Hope-VII, que dá as ordens a Deringhouse. Foram estes
os pensamentos que captei.
— E daí? — perguntou Bell, tenso de curiosidade. Girou os botões do receptor e
ouviu um zumbido monótono. Era o sinal de chamada da Terceira Potência.
— Mandou que Deringhouse se retirasse imediatamente até as proximidades da
Lua.
— Da Lua? — perguntou Bell, abrindo o volume. — Por que justamente nas
proximidades da Lua?
— Não sei — respondeu a moça; parecia desorientada. — De qualquer maneira, nos
pensamentos do estranho não havia o menor sinal de medo. Antes notava-se uma certa
superioridade e alguns traços de arrependimento. Já não entendo mais nada.
— De arrependimento? — Bell lançou um olhar indagador para Betty. — Por que
teria ordenado a destruição da Terceira Potência, para depois sentir arrependimento?
Ah... aí está Rhodan.
Regulou o som e ligou a imagem. Poucos instantes depois o rosto de Rhodan surgiu
na enorme tela. Via-se nele uma expressão de enorme surpresa. As rugas profundas
faziam-no parecer alguns anos mais velho.
— Alô, Bell. O que houve? Perdemos Deringhouse?
— O que houve aí embaixo? — indagou Bell.
— Alguma destruição, mas o bombardeio terminou de repente — apressou-se
Rhodan em responder, pois sabia perfeitamente que antes disso Bell não lhe contaria
nada. — O Exército de Mutantes está nos destróieres juntamente comigo. Pretendia-mos
iniciar a caçada, mas Deringhouse desapareceu.
— Retirou-se para a Lua — disse Bell. — Betty conseguiu captar alguns
pensamentos.
— Está bem. Embarcarei na Stardust-III com os mutantes e iniciarei a perseguição.
Freyt irá atrás de mim com seus destróieres de combate. Você procurará localizar a pista.
Betty fará o possível para continuar a manter contato com Deringhouse.
— Há alguém a bordo da Good Hope-VII — disse Bell com a voz insegura. —
Alguém que desencadeou as explosões na Terra e agora está arrependido. É o que Betty
afirma. Esse alguém também deve estar habilitado para dar instruções a Deringhouse.
— Será? — disse Rhodan. Ficou calado por alguns segundos. — Não seria nada
mau se conseguíssemos capturar esse alguém vivo.
— Faremos o possível — prometeu Bell.
— Iniciem a perseguição — concluiu Rhodan. — Seguiremos atrás de vocês a uma
distância segura. Fiquem em recepção. Fim.
Bell dedicou sua atenção aos controles. Não demorou que voltasse a captar a
imagem da Good Hope-VII. A nave esférica entrara em órbita em torno da Lua.
A Terra afundou atrás da Z-13 tal qual uma pedra no mar. A esfera metálica que
aparecia na tela aumentava a olhos vistos. Bell acompanhava todas as mensagens
trocadas entre Rhodan e as outras naves. Dessa forma conseguiu pôr-se a par do que
acontecia atrás dele. Rhodan assumiu o controle da Stardust-III e seguiu a Z-13 numa
aceleração bastante reduzida. Apesar do perigo que Deringhouse representava, parecia ter
desistido do intento de destruir a Good Hope-VII. Bell imaginava que Rhodan estava tão
interessado na arma secreta que não tinha a intenção de privar-se dela através da perda
total do girino número sete.
Dali a dez minutos, Bell e seus amigos alcançaram a Lua. Entrou numa órbita
aproximadamente igual à da Good. Hope-VII e seguiu o girino numa distância segura.
Evidentemente qualquer estimativa teria uma precisão apenas relativa, mas confiava nas
assertivas de Betty, segundo a qual no momento não corriam o menor perigo.
Quando soube, por intermédio do contato de rádio com a Stardust-III, que Rhodan
estava pronto para intervir, Bell agiu.
— Gucky, você se teleportará no momento exato e desligará as máquinas da Good
Hope-VII. Já sabe como tem que fazer para colocar a parede divisória entre os dois
elementos do reator. Acha que sua energia telecinética basta para isso? Basta? Muito
bem. Betty, você manterá contato com Deringhouse e o homem que o vigia. Previna-nos
assim que for emitido um comando para o ataque ou para uma ação de defesa de grande
envergadura. Talvez tenhamos sorte. Vamos adiante!
Colocou a mão direita sobre o acionador do canhão de impulsos, usou a esquerda
para imprimir uma aceleração média à nave e fez com que a Z-13 disparasse em direção à
Good Hope-VII como uma bala.
Gucky estava sentado numa enorme poltrona. Fechou os olhos.
Sua grande hora havia chegado.
— Morte para o Supercrânio! — chiou sua voz aguda. Depois disso começou a se
concentrar para a teleportação.
***
Ivã Ivanovitch sentiu que alguma coisa começava a remexer nos cérebros de suas
duas cabeças.
De repente teve a impressão de que uma argola de metal colocada em torno das
duas testas se soltava.
Onde estava?
A mente de Ivã começou a funcionar como uma máquina em aquecimento.
Recordações já esquecidas surgiam das profundezas do subconsciente e foram
completando o quadro de sua situação, que estava sendo traçado.
Sacudiu ambas as cabeças, levantou-se e dirigiu-se à sala de comando da nave. Ao
passar pelas portas teve de se abaixar.
Quando o mutante entrou, o major Deringhouse levantou os olhos.
— O que houve, Ivã? Tudo liquidado?
— O que devia estar liquidado? — disse Ivã num tom de espreita, sem permitir que
a cabeça irmã Ivanovitch, que contava menos três segundos de idade, fizesse uso da
palavra. Sentou numa das poltronas e fitou Deringhouse com os olhos atentos. Mais uma
vez sentiu a busca martirizante em seu cérebro, mas ao mesmo tempo sentiu uma pressão
diferente, que trazia todos os indícios de uma hostilidade apavorada.
— Só podia ser Terrânia — respondeu Deringhouse em tom maquinal, sem pensar.
— Afinal, nossa missão é destruir Terrânia.
— O que vem a ser Terrânia? — indagou Ivã. — Quem nos incumbiu de destruir
Terrânia? E por quê?
— Não sei por quê. Só sei que... — Deringhouse interrompeu-se quando a pressão
em seu cérebro cresceu a ponto de se tornar dolorosa. Uma voz passou a lhe falar, e ele a
entendia perfeitamente:
“Regresse, major Deringhouse. Pouse em Marte, exatamente no lugar de que
decolou.”
O Supercrânio havia registrado as alterações ocorridas com seu mutante Ivã. Depois
de mais uma tentativa frustrada, reconheceu que a uma distância de vários milhões de
quilômetros não estava em condições de realizar a correção. Ainda percebeu que mesmo
um bloqueio hipnótico tem de ser renovado a intervalos regulares. Seu erro consistira em
descobrir isso muito tarde.
— Regressar — disse Deringhouse, repetindo o comando mental do hipno e pôs as
mãos nos controles. A Good Hope-VII descreveu uma curva e, numa aceleração enorme,
disparou espaço afora.
Ivã perscrutou seu interior, como se ouvisse vozes. O Supercrânio? Não era o
homem que o tirara do mato, naquele tempo recuado, há alguns anos? O homem ao qual
desde então obedecia — ou melhor, tinha de obedecer? Por que tinha de obedecer?
De forma suave e quase carinhosa, certos pensamentos sugestivamente reforçados
penetraram em sua mente. Eram diferentes daqueles que conhecia. Não traziam em si
nada de ameaça ou violência; eram apenas insistentes e amáveis.
“Torne-se livre, Ivã”, pareciam dizer. “Liberte-se do jugo do Supercrânio, Ivã, e
comece a pensar com sua própria cabeça.”
Pensar com a própria cabeça, pensou o mutante cheio de espanto e indagou de si
para si o que significaria isso. Voltou a dedicar sua atenção ao major Deringhouse, que se
mantinha imóvel diante dos controles, levando a nave em direção a Marte.
Em Marte o Supercrânio os aguardava. Quanto mais se aproximassem dele, tanto
mais forte se tornaria a pressão em sua cabeça. Novas ordens seriam dadas. Teria que
voltar a fazer fogo...
Ivã levantou devagar e colocou-se ao lado de Deringhouse.
— Ali fica a Lua. Não passe dela.
Deringhouse levantou os olhos. Havia neles uma expressão de pavor.
— Mas o Supercrânio...
— Quem manda aqui sou eu, não o Supercrânio — esclareceu Ivã em tom áspero.
De uma hora para outra teve a impressão de que devia agir com a maior energia, se não
quisesse perder uma grande oportunidade. Por enquanto tudo era confuso e
indeterminado. Agia instintivamente, mas não inconscientemente.
O major Deringhouse recebeu a contra-ordem do Supercrânio, mas não a cumpriu.
A figura gigantesca e ameaçadora de Ivã, que se encontrava a seu lado, representava um
perigo muito maior e mais próximo. Fez o que lhe fora mandado: entrou com a Good
Hope-VII numa órbita em torno da Lua.
Mas o Supercrânio não iria desistir por tão pouco. Seus comandos martelaram os
cérebros dos tripulantes, que não haviam entrado em contato com os mutantes de
Rhodan. André Noir não podia atingir todos ao mesmo tempo com os seus fluxos mentais
carregados de força hipnótica.
Ivã virou-se apressadamente quando a porta foi aberta e dois homens de pistola em
punho precipitaram-se para dentro da sala de comando.
Os punhos de Ivã precipitaram-se para a frente. O do lado esquerdo foi dirigido por
Ivanovitch, e o do lado direito por Ivã. Os dois homens nem souberam o que estava
acontecendo com eles. Os punhos produziram seu impacto nos queixos dos homens, que
subitamente tiveram a impressão de que escamas lhes cobriam os olhos. A pressão do
cérebro cessou. Os comandos do Supercrânio deixaram de ser percebidos.
Só deixaram de ser percebidos porque André Noir começou a dispensar seu
tratamento aos dois infelizes.
Mas havia mais vinte e três homens a bordo; e eram homens que dariam a vida pelo
Supercrânio, se este o exigisse.
Ivã saltou para a frente, segurou os dois homens na queda e deitou-os suavemente
no duro chão metálico. Depois trancou a porta do corredor com a fechadura magnética,
que não poderia ser aberta do lado de fora. Dali a dez segundos as primeiras pancadas
começaram a ser desferidas contra a mesma.
Deringhouse estava indeciso.
Aquela voz voltou a soar nitidamente, e ao que tudo indicava estava sendo
reforçada pelo projetor mental, pois de outra forma não conseguiria captá-la.
“Deringhouse, você me ouve? Não dê atenção às ordens do Supercrânio.
Entendeu? Aqui fala Betty Toufry. Ainda se lembra de mim, não é? Estamos bem perto
um do outro. Não faça nada. Deixe a nave vagar pelo espaço. Se entendeu, responda em
pensamento. Eu o entendo.”
Ao mesmo tempo outra voz, mais potente, se fez ouvir:
“Deringhouse, obedeça somente a mim. Imprima à nave a aceleração máxima e
volte para Marte. Não dê atenção a mais ninguém. Quero que seus subordinados
prendam Ivã. Obedeça!”
Deringhouse colocou a mão sobre a chave do acelerador. Ivã não tirava os olhos
dele... e tinha quatro.
Deringhouse hesitou. A voz suave voltou a soar, mais insistente e de certa forma
mais próxima:
“Ouça o que Betty tem a lhe dizer, Deringhouse. Será que quer trair a mim e a
Perry Rhodan? O Supercrânio é nosso inimigo. Ele o matará se voltar para Marte.
Aguarde até que estejamos aí. E não obedeça ao Supercrânio.”
Ivã viu que a mão de seu companheiro era tirada da chave, devagar, num gesto
hesitante.
— Vamos esperar — disse a Deringhouse com toda calma, mas não sem certa
energia. — Ligue as telas de imagem, para que possamos observar o que se passa ao
nosso redor.
Na escuridão do infinito surgiram as estrelas e encheram as telas. Bem perto deles
estava uma sombra arredondada, que se tornou comprida e reluziu num brilho prateado
quando a luz da Lua não muito distante caiu sobre ela. Deringhouse lembrou-se
vagamente de que sabia — ou já soubera — que naves exatamente iguais se encontravam
no hangar da Good Hope-VII. Face a isso, seu cérebro, que voltava a raciocinar, lhe disse
que aquela nave não podia ser inimiga.
Em seu esconderijo de Marte, o Supercrânio sentiu que estava perdendo o domínio
sobre Deringhouse. Fez mais uma tentativa com Ivã.
“Ponha fogo nos seus perseguidores, Ivã. Eles querem matar você e a mim — a
mim, que sou a pessoa à qual você deve tudo. Não demore mais; obedeça às minhas
ordens. Elimine Deringhouse.”
Ivã sacudiu lentamente as duas cabeças e disse em voz alta, para que Deringhouse
também ouvisse:
— Não, Supercrânio, não obedecerei. Nem matarei Deringhouse. Aguardarei, pois
estou curioso. Quero saber o que aquela gente nos fez; não devo destruí-los.
Do longínquo planeta Marte não veio nenhuma resposta.
Deringhouse e Ivã fitavam passivamente a tela de imagem e deixaram que a nave
cruzasse em torno da Lua sem alterarem sua rota. O destróier se aproximou por trás. A
uma distância maior, revelava o rastreador ótico, havia outras naves, entre elas um
veículo espacial esférico de dimensões inacreditáveis. Mantinha-se a uma distância
segura, e subitamente Ivã começou a imaginar o motivo por que agia assim.
Mas por que aquele destróier isolado se arriscava a chegar tão perto?
Ele o descobriria mais cedo do que imaginava.
***
Bell sabia perfeitamente que o campo energético da Z-13 não oferecia a menor
proteção contra a arma terrível do Supercrânio. Sabia que o alcance aproximado da arma
era de cerca de dez quilômetros. Ao ultrapassar essa marca e reduzir a distância ainda
mais, sabia que expunha a si mesmo e aos seus companheiros a um perigo imediato. Mas
confiava em Betty.
— Já estabeleceu contato com Deringhouse? — perguntou e precipitou-se em
direção ao objetivo. Lançou um olhar de esguelha para Gucky, que acabara de saltar de
volta: — Já conseguiu alguma coisa?
— Acho que essa gente já não dispõe de qualquer suprimento de energia, além das
baterias de emergência — cochichou o rato-castor. — Consegui. Quer que os agite um
pouco?
— Espere um pouco — pediu Bell. — Betty, o que houve?
— Noir conseguiu estabelecer um controle parcial sobre o representante do
Supercrânio. Este vive lhe ordenando que nos queime; não sei o que quer dizer com isso.
— Que nos queime? — murmurou Bell. Seus olhos estreitaram-se. Lembrou-se das
explosões atômicas de Terrânia. — E o representante do Supercrânio não cumpre a
ordem?
— Noir incutiu-lhe a insegurança. Ele não quer.
— Excelente! E Deringhouse?
— Acho que este fará o que eu quiser — disse Betty. — O que pretende fazer?
O próprio Bell não sabia exatamente. Dirigiu-se a Gucky:
— Será que você pode pôr fora de ação todos os tripulantes da nave sem machucar
ninguém?
Gucky ergueu-se sobre as patas traseiras, apoiando-se na cauda larga. Cruzou as
patas sobre o peito e começou a se concentrar. Nesse instante, Bell conseguiu estabelecer
contato visual com a Stardust-III, que o seguia a grande distância, tendo a bordo Rhodan
e seus mutantes.
Não sobrou muito tempo para falar.
— Noir está controlando um certo Ivã — apressou-se Rhodan em esclarecer. —
Mas não sabemos quanto tempo isso durará.
— Gucky já entrou em ação — tranqüilizou-o Bell com certa dose de orgulho. —
Os propulsores da Good Hope-VII foram inutilizados. A nave ficou sem energia.
— Acho que já conheço essa maneira de trabalhar — retrucou Rhodan.
— De qualquer maneira está consagrada — respondeu Bell imediatamente. —
Agora Gucky vai colocar os tripulantes fora de ação. Quando isso acontecer, estará na
hora de recorrer aos nossos mutantes. Para que servem os outros teleportadores?
— Kakuta e Ras Tshubai já estão aguardando o sinal para entrarem em ação —
disse Rhodan laconicamente. — Quando poderão fazer isso?
Bell viu que Gucky acenava a cabeça, muito distraído.
— Fique em recepção. Assim você saberá quando os dois saltadores de
desmaterialização poderão iniciar sua viagem.
A testa de Rhodan se enrugou.
— Será que este é um novo sinônimo do termo teleportador?
Bell não respondeu. Betty disse:
— Acho que por enquanto Deringhouse se manterá na expectativa. Ao que parece o
tal do Ivã libertou-se completamente da pressão que o Supercrânio exercia sobre ele. Pelo
que deduzo dos seus pensamentos confusos, chegou a se livrar de dois membros da
tripulação que, juntamente com Deringhouse, queriam obrigá-lo a ir para Marte.
Gucky, que já havia desaparecido, chamou pelo microtelecomunicador.
— Estão todos grudados na parede; nem conseguem se mexer — anunciou em tom
exultante. — Mas não agüento isto por muito tempo.
— Rhodan! — gritou Bell o mais alto que pôde. — Mande Ras e Kakuta. Acho que
já está na hora. Assim que você me der o sinal, chegarei mais perto e penetrarei na esfera.
— Quer um bom conselho? Deixe disso. Irei pessoalmente. Basta que Gucky tenha
cuidado para que não haja qualquer imprevisto. Enquanto Deringhouse e seus homens
não puderem se mexer, estaremos a salvo dessa arma dos infernos.
Bell praguejou de si para si. Mais uma vez tivera de realizar os trabalhos da fase
preparatória, que eram os mais perigosos, e agora teria de ficar parado enquanto os outros
completavam a obra. Bem, ele lhes estragaria a sopa. Ele...
Não chegou a levar o pensamento até o fim. Gucky voltou a chamar. Exibiu seu
dente irritante, alisou o pêlo arrepiado da nuca e agachou-se numa posição de repouso.
— Acho que os dois teleportadores poderão cuidar do resto — chiou.
Ao que parecia o fato de que outros terminariam o trabalho por ele iniciado não o
entristecia muito.
— Bell, grudei os homens na parede e segurei-os por lá. Consegui fazer isso com a
metade da minha concentração. Mas não posso continuar aqui durante dias a fio. É
preciso libertar os homens do domínio do Supercrânio.
Bell lançou um olhar para a tela.
— Aí vem Rhodan.
A gigantesca nave esférica, a Stardust-III, aproximava-se e, juntamente com a Good
Hope-VII, a Z-13 e os destróieres que haviam acorrido ao local, passou a descrever uma
órbita vertiginosa em torno da Lua.
Um pedaço do envoltório prateado deslizou para o lado, deixando livre uma
abertura. Era a escotilha do grande hangar, que podia abrigar várias naves do tamanho da
Good Hope-VII. Um raio refulgiu, e a nave aprisionada, juntamente com Deringhouse,
Ivã e mais vinte e cinco homens, deslizou para o interior do ventre guloso da gigantesca
esfera.
Bell soltou um suspiro de resignação. Olhou para Betty.
— Então, minha pequena, o que está pensando Deringhouse a esta hora?
A moça passou a mão pela testa.
— Para dizer a verdade, não está pensando absolutamente nada. Ao menos não
constato coisa alguma.
Bell sorriu e olhou para a tela que mostrava a Stardust-III.
— Gostaria de saber o que se passa nesta bola de traças.
Rhodan sorriu na tela.
— Você logo saberá, Bell. Vá entrando. Depressa!
Dali a dez segundos, a Z-13 entrou pela escotilha ainda aberta e parou junto à Good
Hope-VII.
Gucky parou de sorrir. Da tela do comunicador visual acenou para Betty, como se
tivesse entendido o que ela pensara para ele. Afinal, o rato-castor também era um
telepata.
— Eu os seguro — chiou.
— Quem é que você segura? — indagou Bell.
— Não incomode Gucky, por favor — disse Betty com uma seriedade fora do
comum. — Captei pensamentos malignos, dirigidos para a destruição. De repente o tal do
Ivã pretende fazer fogo...
Bell, que já se havia levantado, voltou a afundar na poltrona. Teve a impressão de
estar paralisado. Acreditava que a qualquer momento se transformaria numa bomba
atômica em detonação, que destruiria sua nave e a própria Stardust-III.
***
Ivã Ivanovitch Goratchim sabia que conseguira romper a força que por alguns anos
dominara sua existência. Começou a imaginar que tipo criminoso seria este que o
escolhera como vítima.
Os pensamentos do Supercrânio eram maus e exigentes, enquanto os outros, que
também penetravam em seu cérebro, revelavam amabilidade e boa vontade. Era possível
que tudo isso não passasse de um engano. Mas, para que havia recuperado sua
capacidade de raciocinar? Ele mesmo decidiria de que lado estava a justiça.
Finalmente veio o instante em que Gucky interferiu nos acontecimentos. De início a
luz e a ventilação falharam. Deringhouse logo constatou, muito nervoso, que o
suprimento de energia dos reatores havia sido eliminado. As baterias de emergência logo
puseram a funcionar a iluminação. Mas a renovação de ar continuou parada. A sala de
comando tornou-se mais fria, e também mais abafada.
Poucos segundos depois, Ivã percebeu que uma força invisível o levantava e
comprimia fortemente contra a parede. Sentiu-se totalmente desamparado quando o
punho de ferro comprimiu as duas cabeças contra o envoltório redondo da janela.
Conseguia enxergar, mas via apenas o espaço vazio. Os atacantes vinham do outro lado.
Sua primeira reação foi a de raiva contra aqueles que pretendiam reduzi-lo à
impotência. Será que conheciam seu segredo? Se conhecessem, eles se expunham
voluntariamente a um perigo muito grave. Naquele instante Ivã teria transformado
qualquer pessoa que aparecesse diante da janela numa bomba em detonação. Acontece
que nem sequer conseguia ver Gucky. O rato-castor encontrava-se fora de seu campo de
visão.
Mas logo os pensamentos tranqüilizantes voltaram a surgir em seus dois cérebros.
“Não tenha medo, Ivã, queremos ajudar. Mas precisamos agir com cautela, para
que você não possa usar sua arma. Apenas queremos paz com você e sua gente.”
Um segundo depois:
“Nós o traremos para dentro de nossa nave.”
Ivã nem conseguia virar a cabeça. Pelos cantos dos olhos viu Deringhouse, que
estava estendido no painel de controle sem poder levantar a cabeça por um milímetro que
fosse.
De repente a visão do espaço desvaneceu-se, para ser substituída por um recinto
bem iluminado, em que os homens corriam nervosamente de um lado para outro.
No cérebro de Ivã começou a germinar uma idéia de destruição. Via perfeitamente
os homens que corriam por ali, e não teria a menor dificuldade em transformar qualquer
um deles numa bomba que destruiria a nave que o havia trazido até ali. Mas, antes que
pudesse realizar seu intento, dois fatores o impediram.
Conhecia perfeitamente os efeitos de seu dom terrível e sabia muito bem que
também seria destruído se detonasse um daqueles homens. E ainda havia os pensamentos
tranqüilizadores em seu cérebro. Aquela voz suave exercia uma influência inacreditável
em seu espírito. Sentiu o desejo de conhecer a dona da mesma. E, se pusesse fogo em
alguém, seu parceiro mental também seria destruído.
Ainda havia um terceiro fator: uma nova voz dirigiu-se a ele com frieza e
insistência, mas de forma totalmente diferente da do Supercrânio.
“Ivã, você não deve fazer mais nenhum mal! Você está com amigos que querem
ajudar. Nunca mais você deve empregar seu dom formidável na destruição, mas apenas
na construção.”
Ivã hesitou. Um instante depois soube que obedeceria àquele comando. E
obedeceria espontaneamente, porque decidira assim. Havia naquilo algo de novo, uma
experiência que o fazia feliz.
Deringhouse, porém, podia sentir tudo, menos felicidade. Era bem verdade que
também ouvia em seu cérebro os pensamentos tranqüilizantes, sentiu as intenções
benévolas em que os mesmos se inspiravam, mas o bloqueio hipnótico do Supercrânio
continuava presente. O comando de retornar a Marte percorreu os nervos e atingiu as
mãos, mas estas não conseguiam se mover. Tal qual o resto do corpo, estavam
condenadas à imobilidade, pois alguém as comprimira contra o painel de controle.
A mesma coisa acontecia com os vinte e cinco membros restantes da tripulação.
Deringhouse e Ivã ouviram quando a escotilha se abriu, embora fosse totalmente
impossível atingir os controles internos do lado de fora — e ainda havia a circunstância
de que a Good Hope-VII não dispunha de qualquer suprimento energético. Deringhouse
lembrou-se vagamente de que havia mutantes cujos fluxos mentais conseguiam realizar
as coisas mais inacreditáveis.
André Noir cuidou de Deringhouse assim que entrou na sala de comando. O aspecto
apavorante do monstro de duas cabeças não o demoveu de seu intento. Os dois
teleportadores penetraram nos alojamentos da tripulação e puseram-se a amarrar os vinte
e cinco homens. No momento não havia outra alternativa, pois o Exército de Mutantes de
Rhodan dispunha de apenas um hipno capaz de romper o bloqueio do Supercrânio.
Nesse meio tempo Bell e Betty já haviam saído do destróier e foram se encontrar
com Rhodan no hangar da Stardust-III.
— Foi um serviço bem feito — apressou-se Rhodan em elogiar.
— Hum! — resmungou Bell num tom de inveja. — Betty também contribuiu para o
êxito da operação.
— Não me esqueci disso — disse Rhodan com um sorriso e colocou a mão sobre o
ombro da moça. — Ainda está em contato com Deringhouse?
— Não — para sua surpresa Betty sacudiu a cabeça. — Daqui por diante deixo a
tarefa por conta de Noir. Estou mantendo contato com Ivã. É um sujeito estranho. Não
consigo entendê-lo. De qualquer maneira é a pessoa que lida com aquela arma terrível. O
bloqueio hipnótico em torno de seu cérebro foi eliminado quase totalmente. O
Supercrânio não exerce mais qualquer influência sobre ele.
— Neste caso, tudo bem — suspirou Bell, aliviado.
— De forma alguma — decepcionou-o Betty.
Rhodan sobressaltou-se.
— Por que não?
— Pelo que leio nos pensamentos de Ivã, ele ainda está em condições de nos
destruir. Mesmo que o imobilizássemos, não conseguiríamos impedir que ele o fizesse.
— Por que não o faz?
Betty enrubesceu.
— Está curioso, curioso para me conhecer — declarou com a voz tímida.
Rhodan lançou um rápido olhar de advertência em direção a Bell.
— Está curioso para conhecê-la? Pois devemos corresponder quanto antes ao seu
desejo. Vamos até a Good Hope-VII para dar uma olhada no tal do Ivã.
Deixaram que os mutantes entrassem antes deles na comporta da nave.
Betty tornava-se cada vez mais inquieta. Captou os pensamentos confusos de Noir e
adivinhou que os mesmos se referiam a Ivã. Andou tão depressa que Rhodan e Bell mal
conseguiam manter passo com ela.
Betty chegou antes deles.
Parada ao lado de André Noir, fitou o gigante de duas cabeças, cujos quatro olhos
retribuíram seu olhar com uma expressão de assombro.
Cada um dos dois parceiros mentais imaginara que o outro fosse totalmente
diferente.
No rosto de Betty lia-se o susto juntamente com um medo terrível. Acreditara que
se defrontaria com um homem, talvez mesmo com um mutante. Nunca pensaria que fosse
um monstro de duas cabeças.
E Ivã? Desde o instante em que a voz telepática com a tonalidade tão meiga
penetrou pela primeira vez em sua mente, sentiu o desejo de conhecer o dono da mesma.
E agora via diante de si uma moça muito jovem.
Rhodan entrou, seguido de Bell e Gucky.
Com um rápido olhar compreendeu a situação. Sentiu o choque da jovem e seu
instinto adivinhou o perigo que poderia surgir se o monstro sentisse a verdade. Ivã só
perdera a vontade de desencadear outras explosões porque achara que Betty era
simpática.
Cumprimentou o mutante com um aceno de cabeça, sem deixar que seu rosto
revelasse qualquer emoção.
— O senhor é Ivã, não é? Meu nome é Perry Rhodan. Vim para negociar com o
senhor.
Não aludiu nem de leve ao que havia acontecido. Não mencionou o fato de que
conseguira fazer de Ivã e Deringhouse seus prisioneiros. Não deu sinal de que o aspecto
do monstro o assustara. Nada disso: apenas a gentileza e uma atmosfera de igualdade de
direitos.
A atenção de Ivã foi desviada de Betty.
— Meu nome é Ivã Ivanovitch Goratchim.
Ambas as cabeças confirmaram essas palavras com um ligeiro aceno.
— Meu senhor é... ou melhor, foi Clifford Monterny, o Supercrânio. Tenho a
impressão de que cometi vários erros.
— A culpa não foi sua, Ivã. Apenas utilizou uma arma contra alguém que o senhor
não conhece. Estava sob o domínio de um grande mutante, que infelizmente tomou um
caminho errado. Faço questão de ressaltar mais uma vez, Ivã, que a culpa não foi sua, e
ninguém o recriminará. O único culpado é o Supercrânio, que será responsabilizado por
tudo.
— Estou disposto a auxiliá-lo nessa tarefa — declarou Ivã, lançando um olhar
indagador sobre Betty. — Todas as faculdades que possuo estão à sua disposição, desde
que não se incomode com meu aspecto um tanto estranho...
— Dê uma olhada em Gucky — pediu, afastando-se para que o rato-castor pudesse
sair do seu esconderijo. — Ninguém dirá que tem o aspecto de um ser humano normal,
mas assim mesmo todos nós gostamos muito dele.
— Não é um ser humano — murmurou Ivã em tom amargo. — Mas eu devia ser
considerado como tal.
— O único fator decisivo são as qualidades de caráter — ressaltou Rhodan. —
Assim que o pensamento cósmico tenha entrado em voga, não mais serão reconhecidas
diferenças entre as raças apenas em virtude do aspecto exterior das criaturas. O
Supercrânio tem um aspecto humano, mas é um verdadeiro monstro. Quanto ao senhor,
Ivã, acredito que no fundo do coração é mais humano que muita gente que exibe um rosto
lindo e sabe dizer palavras bonitas.
O olhar dos dois rostos desviou-se e pousou em Betty, que já havia compreendido o
comando mental de Rhodan. Muito valente, engoliu em seco e conseguiu esboçar um
sorriso. Estendeu a mãozinha para Ivã.
— Fomos os primeiros que se tornaram amigos, Ivã, e vamos continuar amigos. Se
quiser chame-me de Betty.
Um sorriso feliz espalhou-se pelos rostos do homem; Rhodan sentiu-se
profundamente abalado. Percebeu a infelicidade que aquele ser tinha sentido até então:
era uma criatura rejeitada pelos homens, e que servira de instrumento para as práticas
abusivas do Supercrânio. Talvez fosse a primeira vez que conhecia o respeito e a
verdadeira amizade.
Ivã segurou a mãozinha de Betty com sua enorme pata, apertou-a cautelosamente,
executou um princípio de mesura e respondeu:
— Obrigado, Betty. Nunca me esquecerei de que somos amigos, mesmo que eu...
— interrompeu-se; por um instante parecia bastante confuso. Mas logo prosseguiu em
tom decidido: — Mesmo que eu seja diferente.
Perry receara que Betty não conseguisse disfarçar o espanto. Mas sempre se insistira
junto aos membros do Exército de Mutantes para que nunca julgassem qualquer criatura
por seu aspecto exterior, mas apenas pelas suas faculdades e qualidades de caráter.
Gucky não agüentou mais. Comprimindo-se entre Betty e os outros circunstantes,
avançou em direção a Ivã, ergueu-se sobre as patas traseiras e estendeu ambas as patas
dianteiras para o gigante perplexo.
— Também devíamos ser amigos, mesmo que eu o tenha grudado na parede. Não
acha? Apenas fiz isso para que você não nos despedaçasse numa explosão.
Ivã pegou as patas, apertou-as suavemente e disse:
— Apesar de tudo poderia tê-los destruído, se quisesse. Mesmo a esta hora ainda
estaria em condições de fazê-lo sem sair do lugar.
As palavras do mutante duplo fizeram com que Rhodan se lembrasse da tarefa mais
urgente.
— Estou interessado em conhecer a arma do Supercrânio — disse, dirigindo-se a
Ivã. — Talvez tenhamos de recorrer à mesma, se ele a utilizar mais uma vez contra nós.
Por um instante Ivã parecia bastante confuso; mas logo compreendeu. Um sorriso
de quem sabia mais que o outro, em que transparecia certo orgulho, tomou conta de
ambos os rostos.
— Não tenha receio, Perry Rhodan. O Supercrânio ficou sem sua arma; nunca mais
poderá utilizá-la contra o senhor.
Rhodan já não estava compreendendo mais nada. Apenas Betty, que perscrutava os
pensamentos do mutante, empalideceu de repente. Rhodan notou-o e se assustou. O que
significava isso? Fitou os olhos de Ivã, sem saber se devia preferir os da cabeça da direita
ou da esquerda. O mutante facilitou-lhe a decisão. Acenou com a cabeça da direita.
— Por que não pode utilizar a arma contra nós?
— Porque a arma sou eu. Sei transformar em energia qualquer porção de matéria
que contenha cálcio ou carbono. Basta detoná-la.
— Como é que faz isso? — perguntou Rhodan. Também empalidecera um pouco,
pois dentro de sua mente passaram vertiginosamente centenas de maneiras pelas quais
esse monstro, com um único dos seus pensamentos, poderia destruir a ele e a toda a
Terra. Bell manteve-se imóvel.
— Não sei — confessou Ivã. — O senhor seria capaz de dizer como vê ou cheira?
O senhor ouve, mas não sabe como nem por quê. Simplesmente ouve, instintivamente e
sem nenhuma contribuição consciente. É possível que um dia a ciência encontre uma
explicação para minha faculdade. Vejo um objeto, sempre com os olhos, concentro-me
sobre ele... e logo o mesmo se transforma numa bomba atômica.
Rhodan recuperou o autocontrole.
— Sabe que de certa forma substitui o Supercrânio? Até hoje Clifford Monterny foi
considerado o homem mais perigoso do sistema solar. Mas acredito que hoje é você, Ivã.
Depende de você se o dom que lhe foi conferido será empenhado em prol do bem, ou se
servirá ao mal.
Ivã sorriu e olhou para André Noir, que acabara de voltar à sala de comando.
— Não acha que já me decidi? Acredita que ainda estariam vivos se tivesse optado
pelo mal? Não tenha receio, Rhodan. Sempre ficarei do lado em que estiver Betty. Na
verdade, é a ela que devo minha libertação. Foram seus pensamentos meigos que
romperam o círculo que se apertava em torno de minha cabeça. Jamais poderei esquecer
o que ela fez por mim.
Betty acenou com a cabeça.
— Sei que você realmente pensa o que diz, Ivã. Sempre gostarei de vocês dois, e
quando disser Ivã também estarei me referindo a Ivanovitch.
Rhodan sentiu um alívio, não apenas porque sabia que Ivã estava de seu lado, mas
principalmente porque tinha todos os motivos para acreditar que, sem o detonador, o
Supercrânio estava praticamente indefeso. Para concluir, pigarreou.
— Ficarei muito grato se fizer amizade também com os outros membros do
Exército de Mutantes. Precisamos de gente como o senhor para reconstituir a história da
Humanidade. Juntos, liquidaremos o inimigo comum.
— Isso mesmo! — chiou Gucky alegremente. De repente foi subindo, até que
flutuou no ar diretamente diante do rosto de Ivã. — Morte para o Supercrânio. Eu o
entregarei à Justiça.
André Noir se aproximou, empurrou o rato-castor para o lado com um gesto brusco
e estendeu a mão a Ivã.
— Seja bem-vindo em nosso meio, Ivã. Sei que conseguiu se livrar definitivamente
do bloqueio hipnótico do Supercrânio. É um dos nossos.
— Obrigado — disse Ivã comovido.
— Obrigado — também disse Ivanovitch, que até então ficara com a boca calada.
O mutante bicéfalo estava de acordo consigo mesmo.
5
***
— Nossa missão não consiste em liquidar o Supercrânio — resumiu Bell, lançando
um olhar pensativo para o rosto do sargento Adolfo, que não exprimia muito entusiasmo.
— Tatiana conseguia, a grande distância, notar uma atividade extraordinária em Marte.
Graças às suas defesas naturais pode exercer vigilância telepática sobre o Supercrânio,
sem que este possa lhe impor seus comandos hipnóticos. Quanto a nós, os capacetes de
absorção oferecem uma proteção razoável. Devíamos dar uma olhada em Marte para ver
o que acontecia por lá. O comunicado dos senhores confirmou nossas suposições. O
Supercrânio fugiu num destróier assim que tomou conhecimento da derrota sofrida na
Terra. O que devemos fazer? Persegui-lo ou regressar à Terra?
— Morte para o Supercrânio! — ressoou a voz de Gucky, vinda de um canto.
Sentado nas patas traseiras e apoiado sobre a cauda, roía alegremente uma cenoura fresca
que o tenente Bings lhe havia trazido do frigorífico. — É claro que vamos persegui-lo e
destruí-lo.
— Cale a boca! — ordenou Bell em tom furioso e segurou-se numa barra de
suporte, para que Gucky não tivesse a idéia de se vingar por essa espécie de tutela. —
Nossa missão consiste em investigar; apenas isso. Rhodan quer ter plena certeza quanto à
fidelidade de Ivã antes de empregá-lo contra o Supercrânio.
— Podemos dar conta do Supercrânio — resmungou Gucky.
— Acontece que não temos ordem para isso — advertiu Bell e dirigiu-se a Bings e
Adolfo. — Só recebemos instruções para verificar o que está acontecendo em Marte.
Como já lhes disse, Tatiana...
— O senhor acredita que o destróier que acabamos de observar tem algo a ver com
o Supercrânio? — perguntou o sargento Adolfo.
Bell lançou um olhar perscrutador para Tatiana Michalovna, a telepata. A jovem
russa, que era uma das pessoas que vivera sob a influência hipnótica de Monterny e fora
libertada por Rhodan, fez que sim.
— Estou captando seus pensamentos. Estão carregados de raiva e pânico. Giram em
torno da fuga. O Supercrânio já vê Marte sob a forma de uma reluzente estrela vermelha.
Daí se conclui que se encontra no espaço. Sim, sargento, acredito que esteja a bordo do
destróier que está fugindo.
— O que estamos esperando? — gritou Gucky cheio de indignação. Sua voz era tão
forte e aguda que Bell pensou que seus tímpanos iriam estourar. Apesar disso não deu
atenção a essas palavras e mandou que o tenente Bings estabelecesse contato pelo rádio.
Bings parecia desorientado, o que causou uma alegria secreta no sargento Adolfo.
— Existe uma proibição de usar o rádio. Só em caso de emergência podemos...
— Este é um caso de emergência! — berrou Bell. — Vamos logo!
Tatiana Michalovna sacudiu a cabeça de forma quase imperceptível. Nunca vira
Bell tão exaltado. E não havia a menor causa para tamanho nervosismo. Será que tinha
medo de um confronto direto com o Supercrânio? Ou fazia realmente tanta questão de
cumprir as instruções? Por um instante procurou ler seus pensamentos, depois esboçou
um sorriso de compreensão.
O tenente Bings fez um sinal a seu sargento. Adolfo ligou o comunicador visual.
Dentro de alguns segundos seu colega da Stardust-III apareceu na tela.
— Há uma mensagem urgente para Perry Rhodan. É estritamente pessoal.
— Um momento.
Dali a mais alguns segundos o rosto de Rhodan surgiu na tela.
— O que houve, Z-45?
— É o tenente Bings — Bings empurrou o sargento para o lado. — Reginald Bell
deseja entrar em contato com o senhor.
Bell, por sua vez, empurrou Bings para o lado.
— O Supercrânio acaba de sair de Marte e está fugindo em direção a Júpiter. Devo
persegui-lo? Só tem um destróier.
— Não sei se já posso contar com o Ivã.
Será preferível que eu os siga com os mutantes num dos girinos.
— Não há necessidade disso, Rhodan — asseverou Bell em tom enérgico. —
Daremos conta do recado. Tatiana está em contato com o Supercrânio; nós o
perseguiremos.
Rhodan refletiu por um instante; depois disse:
— Está bem. Persigam-no; mas tenham cuidado. Por enquanto não posso ir, porque
tenho de ajudar Betty a cuidar de Ivã. Acho que ainda seria muito arriscado deixá-lo só.
Boa sorte. De qualquer maneira serão dois destróieres contra um.
A tela escureceu.
O sargento Adolfo parecia confuso no seu canto. Lançou um olhar de censura para
Bings.
— Maldito treze! — resmungou. — Bem que eu sabia!
O tenente Bings não deu atenção ao amigo. Dirigiu-se a Bell:
— O senhor vai com certa freqüência a Vênus, não vai? Será que oportunamente
poderia trazer uma borboleta de olhos trêmulos para mim?
Ao que tudo indicava, Bell nunca havia feito uma cara tão tola. Gucky irrompeu
numa gargalhada chilreante. Rebolava no chão. A cauda achatada bateu contra as chapas
de metal e o animal chiou:
— Uma borboleta de olhos trêmulos! O homem quer uma borboleta de olhos
trêmulos! Não quer mais nada, tenente?
Bings parecia ofendido. Não respondeu. Bell, um tanto desorientado, disse:
— Quem sabe se essa borboleta não existe em Júpiter...
6
Clifford Monterny sentiu que seu contato telepático com o mutante Ivã ficava cada
vez mais fraco. Deu mais uma ordem desesperada de detonar tudo que se encontrasse ao
seu alcance, mas a única resposta foi um contra bloqueio hipnótico que se interpôs entre
ele e Ivã, isolando o cérebro deste.
O Supercrânio sabia que com isso perdera sua melhor arma, e com ela mais um
round da luta. Rhodan e seus mutantes eram mais poderosos que ele.
Devia desistir?
Sacudiu lentamente a cabeça e mais uma vez passou os olhos sobre tudo aquilo que
no último ano construíra sob a superfície de Marte. Na sua maioria os objetos ali
existentes provinham de um destróier, até mesmo os geradores e os respectivos micro-
reatores. A nave não estava mais em condições de ser usada.
Se resolvesse fugir, só poderia fazê-lo com um dos dois destróieres. Dos homens
que lhe restavam só poderia levar dois; os outros teriam de ficar para trás.
E para onde poderia fugir?
Para encontrar uma relativa segurança teria que se aventurar na imensidão do
espaço situado além de Marte. Teria que procurar encontrar uma base provisória naquele
setor do universo. Depois disso, um belo dia talvez pudesse voltar...
A idéia da vingança restituiu-lhe a energia de que precisava.
Levantou-se de um salto, desligou as telas que ainda reluziam e com isso rompeu
todo o contato com o mundo exterior.
Com um último relance de olhos despediu-se do esconderijo que até então ocupara e
saiu para o corredor. Parou diante de uma porta e abriu. Alguns homens fitaram-no com
os rostos curiosos.
Seus olhos brilharam. Teria vindo para avisá-los de que seu exílio havia chegado ao
fim?
Clifford Monterny leu seus pensamentos e decidiu responder aos mesmos. Dessa
forma o bloqueio hipnótico não seria tão afetado.
— Temos que tomar mais algumas providências; depois disso o tempo de atividade
em Marte terá chegado ao fim — disse com a voz firme. — Mas antes disso preciso
realizar um vôo de reconhecimento. Vocês ficarão aqui e aguardarão meu regresso. Se
alguém tentar se apoderar da fortaleza, vocês o impedirão com todos os meios ao seu
alcance. Wallers e Raggs, vocês irão comigo. Vamos pegar a Z-35 para explorar a área.
Dois homens se levantaram. Um deles vestiu uma jaqueta, como se apenas
pretendesse dar um passeio. Ambos pegaram as máscaras de oxigênio. O hangar com o
destróier intacto e aquele do qual haviam sido retiradas peças também ficava embaixo da
superfície. Um corredor ligava-o ao quartel-general. Um e outro não eram servidos pelos
aparelhos de suprimento de ar.
O Supercrânio fechou cautelosamente a porta e, acompanhado dos dois homens,
dirigiu-se ao depósito. Vestiu um casaco de pele e também pegou uma máscara de
oxigênio. Por um instante pensou nos cinco destróieres capturados e nos quinze homens
de sua tripulação, que envergavam o uniforme da Terceira Potência. Mas deu de ombros.
Mesmo que tripulasse as naves com seus homens, isso não aumentaria sua segurança.
Com uma só nave a chance de não ser descoberto era muito maior. O poder de fogo de
seis destróieres era maior, mas Monterny começou a se dar conta de que não era mais
isso que importava.
E foi assim que os quinze tripulantes dos cinco destróieres capturados — que
pertenciam à Good Hope-VII e permaneciam intactos, de forma a poderem ser utilizados
a qualquer momento, num desfiladeiro próximo ao platô — continuaram imóveis nos
seus alojamentos, sem que soubessem que, de certa forma, eram homens livres.
Monterny manipulou os controles da comporta primitiva que tinha por fim evitar
uma transferência excessivamente rápida do ar da fortaleza para a atmosfera de Marte.
Foi para o corredor com seus dois acompanhantes. Atravessaram apressadamente o túnel
derretido na pedra até chegarem ao hangar propriamente dito. Entre este e a superfície só
havia uma fina tela de arame. Musgos e líquens espalhados sobre a mesma camuflavam a
entrada.
O Supercrânio tangeu os dois homens para o interior da Z-35, mandou que
sentassem ao lado do radiador de popa e do radiador instalado na cabina e fechou a
comporta de ar.
Não havia mais nada que pudesse detê-los.
Os geradores emitiram um zumbido. O fluxo de energia ativou os campos
antigravitacionais e os propulsores de radiações. Uma vibração atravessou a nave.
Subitamente a popa levantou-se, os suportes telescópicos foram encolhidos, a proa
rompeu a rede de camuflagem e a profusão de estrelas da noite marciana apareceu diante
deles.
Desenvolvendo a aceleração máxima, o destróier disparou para o espaço, passou a
grande distância da nave Z-45 e dirigiu-se ao anel de asteróides que separa Júpiter dos
planetas interiores do sistema solar.
Essa faixa de planetóides pequenos e minúsculos cerca o Sol como um anel. Alguns
desses fragmentos de um antigo planeta não eram maiores que o punho de um homem,
mas outros eram pequenos astros capazes de abrigar e ocultar uma nave. Sem se fazerem
notar, percorriam o setor do espaço situado entre Marte e Júpiter, davam uma volta em
torno do Sol a cada dois ou três anos e nunca voltavam exatamente ao mesmo lugar.
Outros descreviam uma órbita perfeitamente determinada e fácil de calcular. Eram os
maiores dentre os asteróides e seu diâmetro era de cem quilômetros ou mais.
Monterny não teria tido a menor dificuldade em passar por cima do perigoso anel
em que gravitavam os fragmentos, para após isso retornar ao plano espacial
interplanetário. Acontece que o caminho mais curto também era o mais seguro. Além
disso, depois de refletir melhor, chegou à conclusão de que o asilo numa das luas de
Júpiter não seria tão seguro como acreditara. Sua fuga devia ter sido notada, e não seria
difícil determinar a direção que havia tomado. Logo pensariam em Júpiter. Face à
gravitação excessiva do gigantesco planeta, só se poderia cogitar de uma de suas luas.
Com os recursos de que Rhodan dispunha não demoraria muito até que os fugitivos
fossem localizados.
Já os asteróides eram em grande parte desconhecidos e não constavam
separadamente dos mapas estelares.
Clifford Monterny sorriu gostosamente quando passou a doze quilômetros à
esquerda da Z-45. Sabia que a nave de Rhodan não poderia abandonar seu posto sem
mais nem menos. Sentiu-se absolutamente seguro. Mas os tripulantes da Z-45
comunicariam a Rhodan que o Supercrânio havia fugido em direção a Júpiter. Antes de
iniciar a perseguição, Rhodan dedicaria sua atenção ao esconderijo abandonado de Marte.
Enquanto isso ele, Monterny, encontraria outro esconderijo num dos planetóides situados
entre os dois planetas. Com o mecanismo desligado, a descoberta através dos
instrumentos ultra-sensíveis se tornaria impossível, face ao elevado conteúdo de minério
das rochas do asteróide.
Só reduziu a velocidade quando viu bem à frente da proa da Z-35 o brilho da luz
refletida pelos pequeninos planetas. Dali em diante teria de abrir caminho bem devagar
entre a profusão de fragmentos, até encontrar um asteróide que servisse aos seus
propósitos.
Monterny virou a proa da nave e seguiu a direção geral dos asteróides que vinham
ao seu encontro. Não seria tolo a ponto de procurar seu esconderijo bem diante da porta
de Rhodan. Naquela oportunidade nem desconfiava de que seu erro era justamente este,
pois de outra forma não teria hesitado: pousaria no primeiro planetóide e nele instalaria
seu esconderijo.
Acontece que Clifford Monterny, o todo-poderoso Supercrânio, era um hipno e um
telepata, mas não possuía o dom de uma clarividência infalível.
Por isso não sabia que iria ser justamente a penetração na órbita dos asteróides,
ainda mais contra a corrente dos fragmentos que deslizavam com tamanha lentidão, que
causaria sua desgraça.
***
A praga que Bell soltou depois de ter passado um bom tempo procurando em vão
não foi digno de sua pessoa. Tatiana também foi dessa opinião. A moça operava o rádio e
com isso também o rastreador ótico. A pequena porta para a sala de telegrafia estava
aberta, motivo por que havia uma ligação direta entre a mesma e a sala de comando.
— Bell, você devia se envergonhar de pôr na boca uma palavra dessas. Não seria
suficiente pensá-la?
— Isso seria um puro desperdício de energia — disse Bell em tom professoral, sem
tirar os olhos da tela frontal. — Se solto uma praga, só o faço para reduzir minha carga de
nervosismo. Para conseguir isso, também devo perceber a praga por meios acústicos.
Logo, devo pronunciá-la em voz alta para alcançar o efeito tranqüilizante. Quanto às suas
orelhas supersensíveis, acho que seria um sacrifício inútil apenas pensar as palavras sem
proferi-las. O motivo é simples. Você é telepata, e de qualquer maneira conheceria os
termos do meu desabafo.
Tatiana, perplexa, ouvira o discurso em silêncio. Sacudiu a cabeça.
— Muito grata pelo esforço de explicar seu comportamento segundo as leis da
lógica. Uma vez que sou telepata, sabia de qualquer maneira o que pretendia dizer...
Como de costume, Gucky estava agachado num dos cantos da sala de comando e
brincava com uma cenoura ressequida. Deixou que flutuasse no centro da sala e
balançou-a suavemente por meio de seus fluxos mentais telecinéticos. No momento em
que Bell pretendia agarrá-la, ela se esquivou rapidamente e foi pousar na poltrona do co-
piloto, onde perrnaneceu de pé sobre a ponta.
— A cenoura é para comer, não para brincar! — gritou Bell em tom furioso para o
rato-castor. — Sabe perfeitamente que as brincadeiras telecinéticas foram proibidas
terminantemente.
— Estou treinando — procurou se desculpar Gucky. — No momento decisivo
quero estar em condições de dar o tratamento adequado ao Supercrânio.
— Teria sido preferível que o sujeito não tivesse escapado. Confiamos demais em
Tatiana e nos nossos instrumentos — resmungou Bell.
— Não poderia adivinhar que Monterny sabe isolar seus pensamentos. Os modelos
mentais de seus acompanhantes também estão protegidos parcialmente por um bloqueio
hipnótico. Estamos na dependência do acaso.
— Não a estou recriminando, Tatiana. Nós o encontraremos. Foi em direção a
Júpiter; a hipótese não oferece maiores dificuldades.
— Ou para os asteróides — disse a moça.
— É outra possibilidade — admitiu Bell e lançou os olhos pela janela; viu a Z-45 a
uma distância regular. O tenente Bings havia abandonado seu posto na órbita de Marte e
teve de acompanhar Bell. Dois rastreadores envergavam mais que um só. O contato
radiofônico entre as duas naves era mantido por meio das ondas ultracurtas.
De repente Bell virou lentamente a cabeça e encarou Tatiana.
— O que disse? Asteróides? Acredita que o Supercrânio tentará se esconder no
meio dos asteróides?
— Por que não? A idéia não seria nada má.
Bell confirmou com um aceno de cabeça.
— Se for assim, teremos muito para procurar.
— Rhodan não deve demorar muito. Com os instrumentos de um girino não deverá
ser difícil localizar um destróier em meio ao anel, por melhor que seja seu esconderijo.
— Hum! — fez Bell num tom de ceticismo. — Prefiro confiar no acaso. Ele tem me
ajudado muito mais.
— Pois da minha parte prefiro uns bons instrumentos de busca e minha capacidade
de telepata — retrucou Tatiana e deixou que os rastreadores percorressem o espaço. Na
tela de imagem natural deslizava o setor de espaço que se estendia diante da Z-13; todos
os detalhes eram perfeitamente visíveis. Os primeiros asteróides de grandes dimensões do
círculo giravam preguiçosamente na luz do sol que brilhava atrás da popa da nave. —
Monterny não conseguirá isolar seus pensamentos para sempre, pois com isso ficaria
totalmente desgastado. É bem possível que afrouxe os controles quando estiver
dormindo.
— Vejo que você também confia no acaso — constatou Bell em tom de malícia e
esboçou um sorriso de escárnio. — Bem, talvez consigamos. E se isso acontecer? Rhodan
só nos incumbiu de perseguir o Supercrânio. Prefere liquidá-lo pessoalmente...
— Eu lhe mostro... — principiou Gucky, mas calou-se abruptamente quando viu o
brilho furioso nos olhos de Bell.
Com a cara mais inocente deste mundo, Gucky esboçou um sorriso com seu dente
roedor e deixou que sua cauda brincasse. Ao que parecia esquecera a cenoura no assento
do co-piloto. Perplexo, Bell notou que ela ainda continuava em pé, como se uma mão
invisível a segurasse. Será que o rato-castor não podia apenas movimentar objetos por via
telecinética, mas também sabia prendê-los a determinado lugar, condenando-os à
imobilidade? Talvez se encontrasse diante de uma faculdade que ainda não havia aflorado
à consciência de Gucky e era desempenhada pelo subconsciente. Bell resolveu calar a
boca e observar o animal às escondidas. Se sua suposição fosse confirmada,
possibilidades nunca antes sonhadas se abririam diante deles.
Não pôde deixar de voltar a dedicar sua atenção à pilotagem do destróier, já que os
primeiros asteróides se aproximaram a ponto de causar preocupações. Um pedaço bem
grande, com um diâmetro de pelo menos cinqüenta quilômetros e de formato bastante
irregular, deslocava-se lentamente em direção ao Sol, no sentido dos ponteiros do relógio.
Era feito de rocha nua entrecortada por grotas íngrimes, nas quais uma nave de pequenas
dimensões poderia se esconder perfeitamente, sem que houvesse a menor possibilidade
de ser descoberta.
A Z-13 reduziu a velocidade. A Z-45 fez a mesma coisa. Bell chamou a Z-45:
— Não observou nada, tenente Bings?
— Nada — respondeu prontamente o interlocutor. — É um mundo pequeno e
morto.
— Ninguém espera encontrar vida nos pequenos asteróides — disse Bell em tom
professoral. — Contorne esse bloco pela direita. Vamos nos encontrar no outro lado.
A Z-45 não respondeu; desviou-se para a direita e desapareceu sob o horizonte
daquele pequeno mundo.
Bell desceu até ter a superfície entrecortada do planeta de rocha bem debaixo da sua
nave. Fez com que ele se desenrolasse diante de sua vista como se fosse um mapa em
baixo-relevo. Uma vez que não havia atmosfera, todos os detalhes podiam ser percebidos
nitidamente. Nenhuma pedra escapou ao olhar perscrutador de Bell.
Tatiana se concentrou sobre fluxos cerebrais que pudessem estar presentes e tentou
captá-los. Estava convencida de que a uma distância tão reduzida não poderia deixar de
sentir o Supercrânio, por mais que procurasse se isolar.
Gucky não fez absolutamente nada. Quieto e tranqüilo, aguardava sua chance.
Não havia ninguém no pequeno planeta. Para pesquisar as profundezas dos
principais desfiladeiros, Bell teria que pousar. Mas receava que com isso perderia muito
tempo. Por isso deu ordem de prosseguir na viagem quando o tenente com a Z-45 surgiu
no horizonte e anunciou que não tinha encontrado nada.
Depois de realizar dez tentativas de localizar o Supercrânio num dos asteróides, Bell
suspirou apavorado:
— Pelo que sei, existem umas cinqüenta mil pedronas desse tipo em nosso sistema
solar. Se formos revistar uma por uma, ficaremos velhos antes de encontrar o
Supercrânio. Quem sabe se não estamos procurando na direção errada?
Tatiana sacudiu a cabeça.
— Clifford Monterny pensa logicamente, por isso irá em sentido contrário ao
deslocamento dos asteróides; é o que estamos fazendo.
— Por que vai fazer isso? — perguntou Bell.
— Porque dessa forma poderá voar a pequena velocidade e deixar que os blocos de
pedra se aproximem dele. Não levará tanto tempo para encontrar um esconderijo.
Bell não viu nisso tanta lógica como Tatiana, mas não deixou de reconhecer que a
hipótese era perfeitamente razoável.
Sem dizer nada, aproximou-se do décimo primeiro asteróide que encontraram no
seu caminho.
***
***
O planetóide não tinha nome, e sua órbita nunca fora calculada por qualquer
homem. Seu diâmetro não ultrapassava oitenta quilômetros, e tinha um formato quase
quadrangular. Possuía um movimento de rotação extremamente veloz; levava menos de
uma hora para girar em torno do seu eixo. Sua superfície era formada por uma profusão
de montanhas íngremes e profundos desfiladeiros, nos quais reinava uma eterna
escuridão. As rochas mais elevadas eram iluminadas a intervalos regulares pelo sol
distante.
Com poucos minutos de intervalo as pontas das montanhas interceptavam os raios
solares, e por isso alguém que contemplasse o asteróide a grande distância teria a
impressão de que uma luz se acendia e apagava no mesmo.
Esse fenômeno trouxe consigo certas conseqüências.
De início o Supercrânio ficou intrigado com a luminosidade intermitente; Redobrou
sua vigilância. Mas quando o quadro ampliado do asteróide foi projetado na tela,
encontrou a explicação do fenômeno. Decidiu que esse planetóide lhe serviria de
esconderijo provisório. Nunca saberia explicar por que escolhera justamente este.
Adaptou a velocidade da nave à do asteróide e começou a circular em torno do
mesmo. Ficou satisfeito ao constatar que havia muitos lugares adequados para o pouso.
Mesmo que uma das naves de Rhodan cruzasse acima do asteróide, ainda era duvidoso
que fosse descoberto. Se isso acontecesse, ainda poderia contar com o excelente
armamento do destróier e com o campo energético que o protegeria.
Não demorou em encontrar um desfiladeiro largo com rochas que sobressaíam na
parte superior.
O Supercrânio era um excelente piloto. Pousou sem maiores problemas. Aguardou
calmamente até que a vibração da nave cessasse e ordenou aos seus acompanhantes que
permanecessem em seus postos e dirigissem os raios dos canhões sobre qualquer nave
que se aproximasse. Depois se dirigiu à comporta de ar, envergou o traje espacial e saiu
da nave.
Sem que o soubesse, passou por aquilo que Bell sempre considerava uma atração
toda especial. Como um peixe na água, flutuava pelo vácuo quase livre de gravidade.
Sentiu-se livre e independente. O Supercrânio começou a dar-se conta de que além da
riqueza e do poder existiam outras coisas que faziam com que valesse a pena viver. Ao
chegar ao limiar da comporta deu um empurrão com a perna e deslizou sobre o
desfiladeiro, descendo lentamente. Quando tocou o solo rochoso fez um movimento
precipitado e subiu como uma pena carregada pelo vento, chegando quase à extremidade
superior do paredão de rocha. Só lentamente retornou ao fundo do desfiladeiro.
Esqueceu a situação em que se encontrava. Uma verdadeira embriagues se apossou
de seu espírito. Com um forte empurrão subiu como um foguete para o espaço salpicado
de estrelas. Evidentemente acompanhou o movimento de rotação do asteróide, motivo
por que permaneceu praticamente acima do mesmo lugar. Mas continuava a subir,
embora mais devagar. Dali a pouco atingiria o ponto em que a velocidade de seu corpo
não mais seria suficiente para superar a reduzida força gravitacional. Esta voltaria a puxá-
la para baixo, mas em câmara lenta.
Lembrou-se de sua missão. Olhando para baixo, não viu a nave. As rochas salientes
encobriam a mesma. A camuflagem não poderia ser melhor.
Esperou pacientemente até que voltasse a descer. Teve uma sensação nunca antes
conhecida de superioridade e de verdadeira liberdade. Não podia influenciar a direção da
queda enquanto não usasse seu radiador manual, mas isso não tinha a menor importância.
Havia espaço de sobra; dispunha de um mundo todo só para si.
Percebeu a ironia do destino e conformou-se com a mesma. Queria possuir o
mundo, e agora tinha o seu mundo. Era menor que a Terra e nele não havia nenhuma
vida, mas era um mundo cuja posse não seria contestada por ninguém. Era
exclusivamente dele.
Pousou suavemente no fundo do desfiladeiro, a mais de quinhentos metros de sua
nave. Desta vez resolveu tirar proveito da experiência que já havia acumulado. Com um
movimento cauteloso deu um empurrão em sentido oblíquo e, depois de descrever uma
parábola suave, atingiu o destróier sem se afastar do solo mais que vinte metros. Atingiu-
o com dois saltos. Com um terceiro salto subiu à comporta de entrada.
Parou por um instante para controlar seus sentimentos. Eram sentimentos que nunca
antes haviam penetrado em sua mente. Ao flutuar livremente sobre um mundo pequeno e
vazio, certas cordas de seu ser começaram a vibrar, cordas que até então nunca haviam
soado. Quase chegou a esquecer o motivo de sua presença no asteróide e o inimigo
ameaçador que o perseguia.
Na extremidade do desfiladeiro, os raios do sol correram sobre a rocha como se
fossem um ser vivo e desapareceram nas sombras do desfiladeiro. Dali a uma hora
correriam pelo mesmo caminho, e voltariam a fazer a mesma coisa, sempre e sempre.
Pela primeira vez o Supercrânio começou a compreender como o mundo podia ser
belo... até mesmo este mundo desolado e vazio. Seu espírito abriu-se e absorveu o
milagre com que se defrontava.
Naquele mesmo instante percebeu uma voz silenciosa e implacável em seu cérebro.
“Clifford Monterny, finalmente o encontramos! Talvez nunca o tivéssemos
localizado, se afinal não tivesse se transformado... num ser humano.”
O Supercrânio estremeceu. A proteção das ondas cerebrais. Esquecera-se dela. Seus
fluxos mentais corriam livremente pelo espaço, e um telepata acabara de captá-los. Um
dos telepatas de Rhodan.
Era tarde para voltar a se isolar.
“Quem é o senhor?”, foi sua resposta mental.
“Não me conhece? Sou Tatiana Michalovna.”
Com amargura no coração, o Supercrânio percebeu que Rhodan fora bastante
inteligente para mandar atrás dele uma telepata que não poderia ser influenciada contra a
vontade. Tatiana era capaz de instalar um bloco isolador próprio sempre que isso se
tornasse necessário. Não devia estar só.
“Ah, então é Tatiana? Já me traiu uma vez. Será que isso não basta? Ainda quer me
matar. Não acha que é muito para você?”
“Nada disso, Supercrânio. Você até pode escolher a forma de morrer. Apresse-se,
pois não podemos perder muito tempo.”
Pela primeira vez o Supercrânio teve uma idéia do que suas vítimas deviam ter
sofrido. Estava tendo o mesmo destino. Davam-lhe um prazo para morrer. Por quê?
Só porque se esquecera por um instante do seu poder e da sua grandeza,
transformando-se num ser humano. Porque havia reconhecido a beleza de um pôr de sol.
Porque por dez segundos deixara de ser um monstro.
Será esta a vingança que se sofre por se ter sido mais humano?
— Já vou! — disse em voz alta e sabia que Tatiana o entendia.
Lançou mais um olhar para aquele mundo morto, que por alguns minutos fora seu,
virou-se lentamente e entrou na comporta de ar do destróier.
A escotilha pesada, que aqui se tornara leve, fechou-se sem o menor ruído.
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