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FACULDADE PIO DÉCIMO

DISCIPLINA: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

PROFESSORA: CÁSSIA VIRGINIA MOREIRA DE ALCÂNTARA

O que é “questionar” um texto para construir seu sentido (ao invés de decifrá-lo)

Gostaríamos agora de tentar responder de maneira mais concreta possível a pergunta que nos
é feita na maioria das vezes:

COMO FAZER LER AS CRIANÇAS QUE NÃO SABEM DECIFRAR? PARA QUE SERVE O PROFESSOR?

Observemos primeiro, a título de preâmbulo, que as crianças não tem esperado por nós para
questionarem livremente o escrito.: na rua, em casa, até na escola, elas dedicam muito tempo
em avançar hipóteses de sentido sobre os cartazes, as vitrines das lojas, as prateleiras dos
supermercados, as embalagens dos produtos alimentícios, os jornais, as histórias em
quadrinhos, as obras de literatura infantil, etc.

Elas fazem isso a partir de indícios que vão desde as ilustrações até o formato e a cor,
passando, entre outros, pelas palavras e que, de todo modo, estão muito ligadas ao contexto
no qual tais escritos são encontrados.

A pergunta que se coloca é esta: o que a escola faz para utilizar e desenvolver e não contrariar,
as competências que as crianças constroem assim? E quais as atividades a serem
implementadas para encorajá-las?

UMA OUTRA ABORDAGEM, UM OUTRO DESENROLAR

Para um professor acostumado a fazer seus alunos decifrarem e oralizarem, a atividade


realizada na aula de questionamento de um texto pelas crianças parece ser uma das mais
difíceis de imaginar e uma das mais desconcertantes de observar, quando ele entra numa aula
onde está sendo praticada.

Para ajudar nossos colegas a “verem”, a representarem outras atividades de leitura,


analisaremos muitos exemplos, os mais diversos possíveis, tirados da vida de nossas aulas.

Escolhemos propositalmente atividades de grande grupo (realizadas na escala do conjunto de


aula), pois sabemos muito bem que essa dimensão é a que preocupa em primeiro lugar nossos
colegas e, se eles conseguirem “ver” o que uma sessão coletiva pode ser, estarão mais
disponíveis, mais tranquilos para as atividades em pequenos grupos ou para a leitura
individual. Mas imaginar nossas aulas como funcionando apenas em sessões coletivas geraria
uma imagem totalmente errada. Outros capítulos desta obra testemunham a diversidade das
estruturas de trabalho (e, portanto, da leitura).

Comecemos comum exemplo.

DEPOIMENTO: O QUE ME SURPREENDEU


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Um colega que veio numa de nossas aulas para “ver no que isso pode dar” participou-nos suas
surpresas:

 A natureza do texto

As crianças não conhecem em absoluto o conteúdo: é um novo episódio de um livro lido em


capítulos na sala de aula (Le trois brigands, de Tomi Ungerer, ècole des Loisirs). A página do
livro estava ampliada e sem ilustrações.

- “Com o Sablier, eu costumo propor a leitura de textos criados pelas próprias crianças”.

 A conjugação dos verbos

Verbos no pretérito imperfeito e na terceira pessoa do plural.

- “Na minha aula, as crianças costumam ler textos no presente”.

 A aparente falta de ordem na exploração do texto.

- “Tive a impressão de uma descoberta em ‘zigue-zague’, de uma passagem por um vau”.

Estamos longe da leitura que começa com a primeira palavra e chega à última respeitando-se a
ordem da escrita.

 A maneira de aprender as palavras desconhecidas.

Nenhuma divisão em sílabas, nenhuma soletração fonética. Mas observações:

- “Começa como...” ou “poderia ser...” (de acordo com o texto)

 Ausência de oralização no final da sequencia.

- “Nenhuma leitura individual em voz alta pelas crianças. Nesse dia, a professora escolheu ler o
trecho, porém, não é a regra geral. Às vezes, uma criança pede para ler, noutras, deixa-se o
texto sem tê-lo lido quando parece indispensável fazê-lo Senão, como perceber que as
crianças sabem ler”?

A SESSÃO EM QUESTÃO (JANEIRO): DESCOBERTA DE UM TRECHO DE LES TROIS BRIGANDS, DE


TOMI UNGERER (ÉCOLE DES LOISIRS)

As crianças já leram o primeiro episódio dessa aventura. Elas têm pensado muito sobre esses
estranhos bandidos com as estranhas máquinas-de-assustar (um bacamarte, um fole que joga
pimenta-em-pó e um grande machado vermelho). Até imaginaram, escreveram e ilustraram
várias sequencias possíveis. Hoje, estão confrontando suas hipóteses com a sequencia (da
história) propostas pelo próprio autor: “E aí, o que aconteceu de verdade?”.

As crianças leem em silencio a pagina ampliada pela professora sobre folhas de desenho:

- “Eles assustavam todo o mundo. Ao aparecerem, as mulheres desmaiavam de pavor, os cães


fugiam com o rabo entre as pernas e até os homens mais corajosos fugiam”.
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Após esse período de leitura silenciosa, as crianças (que não têm as ilustrações do álbum ante
os olhos) comunicam suas descobertas:

- “Tem palavras que a gente já viu” diz uma. “É a palavra cães”.

Outra criança localiza a palavra cães num texto anterior afixado na aula. “é um cão policial”,
diz uma terceira.

- “Se fosse um cão policial, haveria a palavra “ataque”. A pedido da professora, a palavra
“ataque” é escrita por um aluno no quadro. As crianças conhecem a palavra, pois a utilizaram
ao inventarem uma possível continuação da primeira parte.

- “Se a palavra ‘ataque’ estivesse escrita, onde estaria localizada?

- Ao lado da palavra “cães”.

- Como começa a palavra situada ao lado da palavra “cães”?

- Com a letra “f”, como em “fifi” , como em “filha”.

Uma criança vai até o fichário e apresenta aos seus colegas as fichas com as palavras “fifi” (o
nome do coelho da aula) e “filha”. A hipótese é afastada uma primeira vez.

Para ajudar as crianças a localizarem a palavra “fugiam”, a professora retoma uma palavra
conhecida por elas, a palavra “fuga”.

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