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O BRASIL

PRECISA
DE UMA
REVOLUÇÃO
SOCIALISTA
TESES PROGRAMÁTICAS
MARIÚCHA FONTANA (Org.)

O BRASIL
PRECISA
DE UMA
REVOLUÇÃO
SOCIALISTA
TESES PROGRAMÁTICAS

EDITORA SUNDERMANN
Abril de 2018
© 2018, Editora Sundermann
A editora autoriza a reprodução de partes deste livro para fins acadêmicos e/ou
divulgação eletrônica, desde que mencionada a fonte.

Conselho editorial: Projeto gráfico,


Helena Fontana diagramação e capa:
João Ricardo Soares Romerito Pontes
Jorge Breogan

Revisão: Edição:
Luciana Candido Jorge Breogan

Dados internacionais de catalogação (CIP)


elaborados na fonte por Iraci Borges - CRB-8 - 2263

Fontana, Mariúcha, (org)


Projeto de teses programáticas: o Brasil precisa de uma revolução socialista.
São Paulo: Sundermann, 2018.
116 p.

ISBN:

1.Revolução socialista – Brasil. 2.Teses programáticas – revolução socialista.


3.Programa – revolução socialista (Brasil). I. Título.
.
CDD: 323.72

Editora José Luís e Rosa Sundermann - Avenida 9 de Julho, 925


Bela Vista, São Paulo - CEP: 01313-000, Brasil - 55 - 11 4304 5802
vendas@editorasundermann.com.br - www.editorasundermann.com.br
Sumário

NOTA DOS EDITORES........................................ 7

APRESENTAÇÃO................................................ 9

PARTE 1
As bases históricas, teóricas e
políticas para definir o caráter
da revolução e o programa................................. 19

1. A teoria da revolução permanente


e o Brasil como parte do sistema
capitalista-imperialista mundial................................. 21

2. Os sentidos da colonização e os mais


de 350 anos de escravidão......................................... 25

3. A industrialização sob o imperialismo


e o Brasil como submetrópole.................................... 35

4. A Nova República: neoliberalismo e


recolonização. Barbárie ou socialismo!...................... 49
5. O caráter burguês e pró-imperialista dos
governos social-liberais de colaboração
de classes do PT.......................................................... 55

6. Sobre o papel central da classe


operária industrial e sobre seus aliados..................... 69

PARTE 2
Teses programáticas para um programa
de transição para o Brasil.......................................... 77

Conclusões fundamentais que estão na base


das teses de um programa de transição para a
revolução socialista brasileira..................................... 79

PARTE 3
Sistematização de pontos e tarefas para um
programa de transição............................................... 87

REFERÊNCIAS............................................................. 109
Nota dos editores

O IX Congresso do PSTU abriu uma discussão de atualização


programática sobre o país e aprovou um texto base para essa discus-
são dividido em três partes: 1) as bases históricas, teóricas e políticas
para definir o programa; 2) as conclusões e as teses; 3) a sistematiza-
ção de palavras de ordem e de pontos para um programa de transição.
Esse texto é produto de um trabalho coletivo. É resultado da
preparação e da realização de um seminário da direção do PSTU, de
debates na base e no Congresso, do qual resultaram inúmeras contri-
buições e correções. A comissão que preparou o seminário foi com-
posta por Ana Godói, Bernardo Cerdeira, Claudicea Durans, Gustavo
Machado, Hertz Dias, João Ricardo Soares, José Welmovicki, Mari-
úcha Fontana, Nazareno Godeiro e Wilson H Silva. Também colabo-
raram Eduardo Almeida, José Maria Almeida e Ronald León Nuñez.
Agora, publicamos em forma de livro para acesso público, es-
pecialmente para ativistas e lutadores da classe trabalhadora, para um
debate mais amplo, que possa ser aprimorado como um programa re-
volucionário para o país. Ele está aberto à discussão e será votado de
forma definitiva apenas em congresso futuro.
Apresentação

O conteúdo deste livro, que agora o PSTU apresenta, busca al-


cançar e debater uma compreensão estrutural sobre o Brasil de hoje.
As promessas de desenvolvimento nacional sob o capitalis-
mo, que atravessaram a nossa história, fracassaram. Desde Vargas,
passando pela ditadura e pela Nova República, incluindo nessa úl-
tima os governos do PT, redundaram todas num país cada vez mais
subordinado aos interesses dos países ricos, de suas multinacionais
e de seus bancos. Elas reproduziram em níveis ainda maiores a desi-
gualdade social e violências extremas, o que nos coloca entre as oito
maiores economias do mundo em produção de riqueza e em 175º lu-
gar quando se trata de desigualdade social e condições de vida. Vi-
vemos, então, cada vez pior.

9
Estamos vivenciando uma crise profunda e estrutural que está
inserida numa crise do sistema capitalista mundial. A crise no Brasil não
é meramente econômica nem conjuntural. Ela mostra o esgotamento do
regime da Nova República e expõe de maneira crua as vísceras do siste-
ma capitalista. Ela coloca sobre a mesa a necessidade de discussão e de
luta por um programa: uma compreensão comum dos acontecimentos e
das tarefas colocadas para a classe trabalhadora.
Aqui e no mundo, não há solução para a vida da enorme maio-
ria das pessoas sob o capitalismo. Uma revolução é necessária. O Brasil
precisa de uma revolução socialista.
No entanto, a afirmação de que o Brasil necessita de uma revo-
lução socialista é um tema bastante polêmico. A maioria das correntes,
dos partidos e dos autores que interpretaram a História do Brasil e se rei-
vindicam do marxismo e de esquerda diz o contrário.
De um modo ou de outro, os que reivindicam a revolução,
formalmente ou não1, dizem que o país não estaria maduro para o
socialismo. Eles propõem a tese da revolução por etapas: primeiro,
é preciso acontecer uma revolução democrático-burguesa; depois,
num futuro indeterminado, a segunda etapa, a revolução socialis-
ta. Dessa forma, as correntes de esquerda, em geral, herdaram a tra-

1 Há alguns setores que defendem real e honestamente uma revolução


democrática usando a fórmula do Lenin de ditadura democrática do
proletariado e dos camponeses, ou seja, apostam numa revolução democrática
sem aliança com a burguesia. Há outros, porém, que, de fato, defendem
uma revolução apenas formalmente, mesmo que seja democrática, e não
se restringem à independência de classe. Na prática, para este outro setor,
a revolução se converte somente numa justificativa para uma via reformista
que tem como centralidade a defesa das eleições como meio para radicalizar a
democracia, mesmo que seja pressionada, também, por mobilização social. É
o caso da direção do MTST e do Movimento Esquerda Socialista (MES – PSOL).
10
dição stalinista do socialismo num só país2. Não veem a revolução
brasileira como parte da revolução socialista mundial.
A partir dos anos 1990, a maioria dessas correntes e desses par-
tidos foi abandonando inclusive a perspectiva de qualquer tipo de revo-
lução, fazendo retroceder o debate para a forma que se dava na II Inter-
nacional: reforma ou revolução. Ou, voltando mais atrás ainda, socialis-
mo ou capitalismo, já que muitos ex-socialistas se tornaram meramente
republicanos, sociais-liberais ou neodesenvolvimentistas.
Em contradição com as necessidades objetivas e com as pos-
sibilidades subjetivas de ruptura com o sistema capitalista, a maioria
das organizações se afastou da defesa do projeto socialista, da re-
volução e inclusive da classe operária como sujeito de tal processo.
Seguindo as pegadas da social-democracia, o PT, do ponto de vista
programático, abandonou o antigo reformismo socialista para aderir
à terceira via, ao social-liberalismo. No caso brasileiro, chamado de
neodesenvolvimentismo.
Também há no Brasil, espelhando-se na Europa, a defesa do
neo-reformismo, à esquerda da social-democracia atual. Diferentemen-
te e à direita do reformismo clássico, este não tem base operária nem
programa de reformas com horizonte socialista. Contentando-se em de-
fender um programa democrático de radicalização da democracia bur-

2 Teoria mencionada pela primeira vez por Stalin, em 1924, após a morte
de Lenin. O desenvolvimento dessa teoria definiu a política do stalinismo
para a URSS e para a III Internacional. De acordo com ela, o socialismo
poderia se desenvolver plenamente nos limites nacionais, não necessitando
da revolução mundial para ser vitorioso. Mais do que isso, Stalin dizia que
o socialismo já havia triunfado na URSS. Essa teoria, que representou uma
ruptura com o marxismo, serviu para justificar a coexistência pacífica com o
imperialismo e para não expandir a revolução a outros países, respondendo
aos interesses da burocracia soviética. O resultado foi o isolamento da URSS
e, consequentemente, a restauração do capitalismo.
11
guesa nos limites do capitalismo, tem como centro de sua atividade a
disputa eleitoral. O PSOL busca representar esse projeto, embora alguns
setores mesclem ou adotem o discurso da estratégia da revolução por
etapas como justificativa para uma política reformista.

Luta teórica, programa e luta de classes


O antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), que foi o parti-
do hegemônico no movimento operário brasileiro dos anos 1930 até
1964, apoiado na III Internacional já controlada pelos stalinistas e na
teoria do socialismo num só país, partindo da interpretação do passa-
do do Brasil como uma sociedade feudal, defendeu a teoria da revolu-
ção por etapas e a necessidade de realizar uma revolução social-bur-
guesa no país em aliança com a burguesia nacional. Com essa visão,
atrelou o movimento operário à burguesia.
Nos anos 1930, a Liga Comunista, primeira organização vin-
culada à Oposição de Esquerda encabeçada por Trotsky, contestou a
visão do PCB. Uma série de autores brasileiros também foram crí-
ticos à posição do PCB e à visão desenvolvimentista da Cepal3, tais
como Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Paul

3 A Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe) é uma


das cinco comissões econômicas regionais da ONU, fundada em 1948. Nas
décadas de 1950 e 1960, houve um grande debate sobre a teoria cepalina do
subdesenvolvimento e as políticas desenvolvimentistas de industrialização
por substituição de importações. O principal autor e intelectual dessas
teses foi o economista argentino Raul Prebich. No Brasil, o principal
autor e expoente foi Celso Furtado. Essas teses tinham o apoio do PCB. A
controvérsia com eles se deu a partir da Teoria da Dependência, que entre
seus principais autores tinha, do Brasil, Ruy Mauro Marini, Vania Bambirra,
Theotonio dos Santos e, do estrangeiro, André Gunder Frank, entre outros.
12
Singer, Francisco de Oliveira e outros. Reivindicamos aspectos da
elaboração desses autores. Porém, de acordo com a teoria da revo-
lução permanente e a lei do desenvolvimento desigual e combinado,
vemos limitações e equívocos também em suas elaborações. Assim,
o desafio que nos propomos e que buscaremos refletir nestas teses é
o de incorporar, de forma crítica essas elaborações, com uma expli-
cação marxista sobre o Brasil, a fim de superá-las.
Caio Prado Júnior refutou a tese do Brasil feudal, demonstran-
do o caráter capitalista da colonização do país. Contudo, ele rompeu
apenas parcialmente com a visão global do PCB, pois seguiu defen-
dendo a revolução por etapas: a revolução democrático-burguesa e a
imaturidade do país para o socialismo4. Jacob Gorender, por sua vez,
questionando a tese de Brasil feudal, apresentou a tese de que teria
existido, no Brasil, o escravismo colonial. Ao se recusar a admitir que
o escravismo foi essencial para o capitalismo em formação, defendeu
um desenvolvimento capitalista como estágio necessário para o país,
o que o levava a sustentar a mesma visão etapista do stalinismo5.
A crise do PCB, a partir de 1964, foi profunda e, no final dos
anos 1970, esse partido já era uma pálida sombra do passado. Ao final
dos anos 1970 e durante os 1980, as lutas operárias produziram um
profundo processo de reorganização. Em nível mundial, a revolução
política contra o stalinismo comovia a Polônia: surgia o Solidarieda-
de, baseado nos operários de Gdansk. Na América Central, revolu-
ções derrubaram ditaduras, como na Nicarágua, e o Cone Sul entrava

4 NUÑEZ, Ronald León. “Caio Prado Júnior; suas obras, seus críticos,
seus limites”. In: Marxismo Vivo – Nova Época, São Paulo: Editoras
Lorca e Sundermann, nº 9, 2017. (Encontrado também em: http://
teoriaerevolucao.pstu.org.br/author/ronald).

5 Ibid.
13
em ebulição. As teses do PCB iam na contramão desse processo, pois,
enquanto o PCB (e o PCdoB) defendia a subordinação do movimen-
to operário à frente democrática via MDB, surgiram o PT e a CUT.
A força do ascenso grevista de um novo e jovem proletariado
contra os patrões e a ditadura tinha o movimento operário industrial
na vanguarda e era base para uma experiência classista. Não era essa a
vontade da burocracia lulista, que almejava formar um partido de co-
laboração de classes (Partido Popular). A radicalidade do processo, no
entanto, forçou a futura direção do PT a ir além de seu plano inicial.
Aqueles autores críticos ao PCB, como Octávio Ianni, Francisco
de Oliveira e outros, influenciaram a formulação das posições iniciais
do PT. Assim, o PT nasceu agrupando aqueles que rechaçavam as alian-
ças com a burguesia e a experiência do PCB, dando corpo a uma alter-
nativa de independência de classe. Pôde, por isso, cumprir um papel
relativamente progressivo por quase uma década no avanço da mobili-
zação, da consciência e da organização independente da classe, apesar
do projeto de sua direção. Desde seu nascimento, o projeto da direção
era a construção de um partido frente populista, contrarrevolucionário,
nos marcos da defesa do capitalismo. Porém, como precisava ganhar a
ampla vanguarda radicalizada que se organizava nos sindicatos e nos
movimentos sociais, assumiu um programa classista. Contudo, impediu
que o partido fosse revolucionário. A sua direção era uma burocracia de
esquerda. Assim que foi possível, começou a ajustar a política do parti-
do à sua própria localização e projeto.
Os limites da natureza social e do projeto político da direção
do PT já se expressavam em 1987, quando se definiu por um progra-
ma democrático e popular, adotando a revolução por etapas e privi-
legiando as eleições. A partir das vitórias eleitorais de 1988, avançou
em direção à adaptação ao regime democrático-burguês. Em 1989, no

14
fim do governo Sarney, desviou o processo de lutas, que animava uma
situação revolucionária em curso, para as eleições. A partir dos anos
1990, com a queda do Leste Europeu e o advento do neoliberalis-
mo em todo o mundo, a guinada foi mais perceptível: o programa do
partido mudou, tornando-o claramente social-democrata (1991), as-
sumindo com nitidez a estratégia eleitoral resumida no “Feliz 1994”.
Negou-se, no início, a defender o “Fora Collor”; adotou a colaboração
de classes; e a CUT se incorporou ao Pacto Social. O debate sobre o
caráter da revolução deu lugar ao debate da II Internacional, reforma
ou revolução, a partir de definições da democracia como valor univer-
sal e a busca pela cidadania, apoiando-se nos trabalhos de Carlos Nel-
son Coutinho6, antes duramente criticado, e em outros teóricos.
Nos anos 2000, adaptando-se à administração do Estado bur-
guês, assumiu um programa social-liberal, apoiado pelos principais se-
tores da burguesia nacional e pelo imperialismo. Adotou, em novos ter-
mos, o discurso de aliança com a burguesia nacional, com o que chama-
va de empresários progressistas e com o setor produtivo da burguesia.
Isso foi feito em prol de um suposto neodesenvolvimentismo, apoiado
nas experiências do sindicato dos metalúrgicos do ABC de parceria com
as montadoras de automóveis, ou seja, com a burguesia imperialista, re-
editando como farsa a tragédia do antigo PCB (e do PTB).

6 O fato de Carlos Nelson Coutinho (que foi do PCB durante décadas


e rompeu pela direita com esse partido, ligando-se ao eurocomunismo)
ter ido ao PT a partir dos anos 1990 é uma expressão clara do caminho
que tomou o Partido dos Trabalhadores. Mais adiante, em 2006, Coutinho
deixou o PT e se tornou membro do PSOL pela mesma razão. Carlos Nelson
Coutinho, como ele mesmo gostava de notar, defendeu sempre as mesmas
teses. Nos anos 1980, o PT estava à esquerda delas; nos anos 1990, chegou
a elas; a partir dos anos 2000, ultrapassou Carlos Nelson pela direita. O
PSOL já nasceu na estação do PT dos anos 1990, com um programa neo-
reformista, à direita do PT das origens.
15
Hoje, o debate com o PT e com o PSOL se dá num marco
semelhante. O horizonte de ambos é a democracia burguesa, tendo
como prioridade a luta eleitoral e institucional. De certa maneira, é
um retorno ao debate “reforma ou revolução”, como foi com Berns-
tein7, no início do século 20, ou com os eurocomunistas8 do PCI nos
anos 1970 e 1980. Porém retrocede cada vez mais, pois o PT aban-
donou qualquer horizonte socialista. O PT, e em grande medida o
PSOL, defende o Estado burguês, o regime democrático-burguês e
o capitalismo, usando, às vezes, algum verniz reformista.
No PSOL, algumas correntes de esquerda mantêm a re-
volução democrática como estratégia, argumentando imaturi-
dade do desenvolvimento capitalista do país para o socialismo,
como fazia Caio Prado, ou, então, a imaturidade do proleta-
riado, como pensava Florestan Fernandes. Contudo, chegam à
mesma conclusão: relegam a revolução socialista para um fu-
turo indeterminado. Os últimos argumentam que não há ponte
entre as tarefas mínimas e democráticas e as tarefas socialistas
que coloque a revolução social na ordem do dia, dado o abismo
entre umas e outras na consciência das massas. Assim, o que

7 Eduard Bernstein (1850-1932): membro do Partido Social-Democrata


(SPD), foi um político alemão e um dos principais teóricos da social-
democracia. Foi o primeiro revisionista da teoria marxista, fundador
do revisionismo. Defendia que o socialismo poderia ser obtido pela
via pacífica, por meio de reformas no Estado burguês, o que tornava
desnecessária uma revolução.

8 O eurocomunismo foi uma corrente revisionista do marxismo com


origem nos partidos comunistas da Europa Ocidental, principalmente da
Itália (PCI), nos anos 1970. Surge como uma alternativa ao stalinismo,
tendo como um dos centros de sua política a ampliação da democracia
burguesa, colocando-se como uma terceira via entre a social-democracia e
os regimes burocráticos do Leste Europeu.
16
estaria colocado no presente e que seria possível é a adoção de
um programa mínimo e democrático para uma disputa priorita-
riamente eleitoral e institucional.

Sobre o caráter da revolução brasileira

Nestas teses, tentamos demonstrar que a revolução socialista é


necessária, possível e parte da revolução mundial. O Brasil não pode
resolver nenhum dos seus problemas sob o capitalismo. As condições
para o socialismo estão maduras e até apodrecendo. O país tem vivi-
do, inclusive, uma regressão produtiva e tecnológica nos últimos 30
anos – a partir de sua nova localização na divisão mundial imperialis-
ta do trabalho –, combinada com elementos de barbárie, num capita-
lismo em decomposição em escala mundial, sem que tenha resolvido
nenhum de seus problemas estruturais. Ao contrário, em muitos sen-
tidos eles se agravaram.
O fato de existirem profundas questões democráticas a resol-
ver no Brasil expressa a impossibilidade de elas serem resolvidas sob
o capitalismo, deformado desde o seu nascimento pela subordinação
ao capitalismo mundial em suas diferentes fases. Combinam-se com
a existência de uma classe operária capaz de encabeçar outro projeto,
o da revolução socialista. Apesar de tudo, a classe operária brasileira
não tem barreiras burocráticas tão fortes como a classe operária euro-
peia. São as vantagens do atraso.
É utópico e profundamente reacionário pensar num capitalis-
mo nacional que possa se desenvolver linear e autonomamente e cor-
rigir suas deformações históricas por meio de uma via econômica que

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levaria ao desenvolvimento capitalista clássico. Isso leva ao beco sem
saída do PCB em 1964 ou ao que chegou o PT hoje.
A única teoria que, aplicada corretamente, pode explicar o país
e apontar as tarefas a serem resolvidas é a teoria da revolução perma-
nente e a lei do desenvolvimento desigual e combinado. O desenvol-
vimento desigual e combinado no mundo e, internamente, no país e a
inter-relação e articulação entre um e outro colocam a revolução so-
cialista como necessidade e possibilidade potencial na ordem do dia.
O Brasil está maduro para a revolução socialista seja pelo aspecto da
subordinação ao sistema mundial, seja pelo grau de desenvolvimento
a que chegou o capitalismo aqui. Basta comparar o desenvolvimento
do capitalismo brasileiro com o da Rússia de 100 anos atrás ou com
qualquer outro país que tenha feito revolução. Como aponta a teoria e
o programa da Revolução Permanente, a revolução socialista brasilei-
ra, como todas as revoluções nacionais na época imperialista, é parte
da revolução mundial.
A tarefa de todo ativista é preparar a si mesmo e a classe ope-
rária para a revolução socialista, o que requer um programa revolucio-
nário (de transição) e um partido revolucionário e socialista, nacional
e internacional.

Mariúcha Fontana*

* Jornalista responsável pelo Opinião Socialista

18
PARTE I

As bases históricas,
teóricas e políticas para
definir o caráter
da revolução e o programa
1. A teoria da revolução
permanente e o Brasil como
parte do sistema capitalista-
imperialista mundial

Não vivemos mais na época das revoluções burguesas nem do


capitalismo da livre concorrência, mas na época do imperialismo, na
qual a economia é mundial, controlada pelo capital financeiro (fusão
do capital industrial com o capital bancário), pelos monopólios e oli-
gopólios, e na qual o mundo já foi repartido pelas grandes potências.
Na época imperialista, não há mais a divisão entre países maduros
e não maduros para a revolução socialista. As revoluções nacionais são
parte da revolução mundial. O processo revolucionário começa em ní-
vel nacional. Porém, se não se expandir para outros países e não derrotar
o sistema imperialista mundial, acabará, cedo ou tarde, retrocedendo, e a
contrarrevolução triunfará. A revolução socialista começa pelos elos mais
débeis da cadeia imperialista. Em determinadas situações, pode começar
num país imperialista, mas também pode começar em países atrasados,
como já ocorreu antes. A Rússia de 1917 é um exemplo disso.
O Brasil é uma submetrópole (uma semicolônia industrializa-
da e privilegiada), parte subordinada do sistema imperialista. Em rela-

21
ção aos países imperialistas, o Brasil é explorado e oprimido. Em re-
lação aos países mais pobres, é um país opressor. Mais de 70% de sua
economia está nas mãos das multinacionais. Seu Estado está amarra-
do ao sistema financeiro e a oligopólios internacionais – do ponto de
vista econômico, político e militar – por inúmeras leis e tratados que
restringem sua soberania. Há, ainda, a submissão cultural. Ao mesmo
tempo, o Brasil cumpre o papel de plataforma das multinacionais e de
guardião dos interesses imperialistas na América Latina, prestando-se,
inclusive, a ocupar militarmente o Haiti.
Essa relação de subordinado ao imperialismo e opressor da
América Latina e de alguns países africanos – da qual a burguesia bra-
sileira se beneficia como sócia-menor – impõe internamente um grau
altíssimo de subdesenvolvimento, atraso tecnológico, desigualdade e
opressão, um enorme fosso social, superexploração, miséria, violên-
cia, racismo, machismo, LGBTfobia, xenofobia etc.
O capitalismo é um sistema mundial. Aqui atua o desenvolvi-
mento desigual e combinado, ou seja, para que uns países sejam im-
perialistas, outros precisam ser semicoloniais ou coloniais; para que
uns sejam opressores, outros devem ser oprimidos. O desenvolvimen-
to desigual e combinado apresenta-se como uma combinação parti-
cular de elementos atrasados com elementos modernos. No Brasil, o
desenvolvimento associado e subordinado ao imperialismo produziu
um parque industrial complexo e diversificado. Porém esse processo
ocorreu reproduzindo e se apoiando em níveis dramáticos de concen-
tração de renda, desigualdades sociais e desigualdades regionais. O
Brasil está entre as oito maiores economias do mundo e é um dos pa-
íses mais desiguais do mundo, mantendo a maioria da população e da
classe trabalhadora sem direitos sociais mínimos.
O Brasil tem grandes tarefas democráticas para resolver, a co-

22
meçar por sua libertação nacional do imperialismo. Nenhuma delas,
contudo, poderá ser resolvida dentro dos limites do capitalismo e com
a manutenção de um sistema imperialista mundial. Da mesma forma
que não é possível a construção do socialismo num só país, não é pos-
sível – e é reacionário – o desenvolvimento nacional autônomo e a
construção de um “Brasil Potência” como se fosse admissível a pers-
pectiva de o país se tornar imperialista.

23
2. Os sentidos da
colonização e os maiS
de 350 anos de escravidão

A definição sobre o caráter da colonização brasileira tem gran-


de importância para a compreensão das particularidades do desenvol-
vimento do Brasil e para a definição do programa revolucionário.
O antigo PCB, que foi o partido hegemônico no movimento
operário brasileiro dos anos 1930 até 1964, interpretava que o Bra-
sil era feudal no passado. Segundo esse partido, o feudalismo estava
ainda presente no campo. Como consequência dessa interpretação, o
PCB defendeu a teoria da revolução por etapas e a necessidade de re-
alizá-la em aliança com a burguesia nacional, ou seja, uma revolução
social-burguesa e antifeudal. Essa é a explicação do stalinismo para a
colonização espanhola e portuguesa, como justificativa para essa po-
lítica. Com essa visão, amarrou o movimento operário à burguesia.
Jacob Gorender1, por sua vez, fala de “escravismo colonial”,
chegando às mesmas conclusões etapistas que o PCB.

1 Jacob Gorender (1923-2013): historiador e cientista social brasileiro,


foi membro do Comitê Central do PCB de 1960 a 1967, quando participou
da fundação do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Foi
preso e torturado pela ditadura entre 1970 e 1972. Sua principal obra, O
escravismo colonial, foi publicada em 1978.
25
Nahuel Moreno2 escreveu, em 1948, Quatro Teses sobre a co-
lonização espanhola e portuguesa nas Américas3, em oposição à defi-
nição dos partidos comunistas de colonização feudal. Sua interpretação
também se diferenciava daquelas que, em oposição às teses stalinistas,
definiam a colonização como puramente capitalista, de forma unilateral
e mecânica, como o economista Gunder Frank4. Para Moreno,

A colonização espanhola, portuguesa, inglesa, francesa e ho-


landesa na América foi essencialmente capitalista. Seus obje-
tivos foram capitalistas e não feudais: organizar a produção e os
descobrimentos para conseguir lucros prodigiosos e para colocar
mercadorias no mercado mundial. (…) não havia na América um
exército de trabalhadores livres no mercado. (…) os colonizado-
res, para poderem explorar de forma capitalista a América, vi-
ram-se obrigados a recorrer a relações de produção não capi-
talistas: à escravidão ou a semiescravidão dos indígenas. Pro-
dução e descobrimento por objetivos capitalistas; relações escra-
vas ou semiescravas; formas e terminologias feudais (…) a coloni-
zação tem objetivos capitalistas, mas se combina com relações
de produção não capitalistas (…) Visto de um ângulo histórico,
(…) o sul dos EUA e a América Latina foram colonizados com
formas capitalistas, mas sem dar origem a relações de produção

2 Trotskista argentino, fundador da Liga Internacional dos Trabalhadores


– Quarta Internacional (LIT-QI).

3 Tradução feita a partir de: MORENO, Nahuel. Cuatro tesis sobre la


colonización española y portuguesa en América, [1948]. In: https://www.
archivoleontrotsky.org/dossie.php?id=15

4 André Gunder Frank (1929-2005): economista e sociólogo alemão, um


dos criadores da Teoria da Dependência.
26
capitalistas, e o norte dos EUA foi colonizado de maneira feudal
(camponeses que buscavam terras, e nada mais do que terras, para
se abastecerem), mas sem relações feudais.5 (grifo nosso)

Essa discussão teórica tem profunda relação com a metodolo-


gia marxista. George Novack6, polemizando com Gunder Frank, diz:

[Ele] Não compreende o papel das formações combinadas no perí-


odo de transição de uma economia pré-capitalista a uma econo-
mia capitalista [nem entende] a exploração em condições pré-capi-
talistas de produção por parte das potências coloniais para benefício
do sistema capitalista nascente (...) ignora a lei dialética da unidade
ou da interpenetração dos contrários que, em termos sócio-históri-
cos, pressupõe a possibilidade de coexistência (…) de relações feu-
dais e capitalistas (…) Espanha e Portugal criaram, no Novo Mundo,
formas econômicas que tinham um caráter combinado. Uniam as
relações pré-capitalistas às relações de troca, subordinando-as às exi-
gências e aos movimentos do capital mercantil.7 (grifo nosso)

5 Tradução feita a partir de: MORENO, Nahuel. Cuatro tesis sobre la


colonización española y portuguesa en América, [1948]. In: https://www.
archivoleontrotsky.org/dossie.php?id=15

6 George Novack (1905-1992): um dos principais teóricos marxistas,


filósofo e importante militante trotskista norte-americano. Foi dirigente do
Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) dos Estados Unidos.

7 NOVACK, George. A Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado da


Sociedade. São Paulo: Editora Sundermann, 1998, pp 90-93. Agregamos uma
observação: neste texto, correto no geral, Novack fala em “relações feudais”,
o que dá a entender que haveria relações feudais na produção. Parece-nos
mais correto falar em formas e terminologias feudais, como Moreno.
27
Moreno insistia que essa polêmica teórica não era um deba-
te sem relação com a política. A explicação do stalinismo colocava
como tarefa a realização de uma revolução social-burguesa no país
(uma revolução antifeudal). A formulação de Gunder Frank, por sua
vez, i as tarefas democrático-burguesas que a revolução socialista
precisa resolver.
Nesse sentido, Ronald León Nuñez sistematiza corretamen-
te as principais consequências desse debate no terreno programático:

(...) a) as revoluções de independência8 latino-americanas, datadas


do início do século 19, não foram revoluções sociais – burguesas
“antifeudais”–, mas políticas – burguesas anticoloniais–, nas quais a
burguesia nativa nascente e ainda embrionária enfrentou a metrópo-
le europeia pretendendo realizar, sem as travas coloniais, a extração
de excedente social no mercado internacional; b) o caráter da atual
revolução na América Latina é socialista. Portanto, o programa a ser
defendido deve ser um programa de transição ao socialismo, que
combine as tarefas anticapitalistas com todas as tarefas postergadas
ou inconclusas da revolução democrático-burguesa (…).9

No Brasil e em toda a América Latina, especialmente a partir


da existência do imperialismo, a revolução necessária é a socialista. No
Brasil, além do mais, a libertação política colonial sequer aconteceu por

8 A independência do Brasil não foi produto de uma revolução, mas


de uma negociação por cima, trazendo graves consequências sociais e
para o processo de desenvolvimento subalterno do país em relação ao
imperialismo.

9 NUÑEZ, Ronald León. “Apontamentos para uma visão marxista da


colonização hispano-lusitana”. In: Marxismo Vivo – Nova Época, São Paulo:
Editoras Lorca e Sundermann, Nº 9, 2017, p. 229.
28
meio de uma revolução. A independência foi fruto de uma negociação
entre a metrópole e a burguesia rural, mediada pela Inglaterra, que man-
teve uma monarquia constitucional de fachada, um regime bonapartista
que sufocou inúmeras rebeliões e demandas democráticas, garantindo
uma unidade nacional sustentada por vitórias da contrarrevolução.
Isso faz com que o Brasil tenha ainda mais tarefas democrá-
ticas a solucionar, o que só a revolução socialista poderá fazer: a
libertação nacional com relação ao imperialismo; a questão negra;
a questão agrária; a questão indígena; as desigualdades regionais.
A questão das mulheres e das LGBTs, embora não sejam uma par-
ticularidade do desenvolvimento histórico do país, também são ta-
refas que precisam ser resolvidas.

A independência política negociada


e a manutenção da escravidão
O contexto internacional das revoluções burguesas, como a
norte-americana (1776) e a francesa (1789), influenciou nos proces-
sos de independência na América Latina. A revolução haitiana (1791-
1804) contra o domínio colonial francês foi a primeira revolução de
independência da América Latina. Conquistou a independência e o
fim da escravidão, instituindo a primeira república governada pelos
negros no mundo. Na América Espanhola, existiram inúmeras guer-
ras de independência, com as burguesias criollas10 liderando o povo

10 Termo usado nas colônias espanholas para designar um habitante


de país europeu nascido na América. A burguesia criolla era composta de
burgueses descendentes, a maioria espanhóis.
29
no enfrentamento à coroa, que resultaram no fim da escravidão e em
18 estados independentes e republicanos.
A independência do Brasil (1822) não se deu por meio de uma
revolução, mas por uma negociação de cúpula com a mediação da In-
glaterra e a aceitação, pelo Brasil, do pagamento de uma indenização
de mais de 2 milhões de libras esterlinas a Portugal. Começou aí o en-
dividamento externo do país. Com o fim do estatuto colonial, o Brasil
deixou de ser colônia, mas manteve sua dependência econômica ex-
terna, principalmente com relação à Inglaterra.
A independência não alterou a localização do país na divisão
mundial do trabalho de modo semelhante aos demais países da Amé-
rica Latina. A Argentina, por exemplo, manteve sua economia voltada
para a exportação de produtos primários; a burguesia agroexportado-
ra manteve seus privilégios; e os latifúndios foram preservados e for-
talecidos. No Brasil, houve uma característica específica: em vez de
proclamar a República, manteve-se o regime monárquico e, sobretu-
do, a escravidão.
As revoltas e rebeliões liberais, republicanas e populares ou as
insurreições dos escravos que ocorreram por todo o Brasil foram der-
rotadas. Algumas, inclusive, foram derrotadas antes da independên-
cia, como a Revolução Pernambucana (1817). Outras, depois, entre
as quais a Confederação do Equador (1824). Houve o anacronismo
de ser o único país da América do Sul governado por um monarca
após a separação da metrópole. Em 1831, depois de uma longa cri-
se e de mobilizações, D. Pedro I foi obrigado a abdicar e a legar seu
torno a uma criança de cinco anos, D. Pedro II. A burguesia brasileira
se agarrou à monarquia em vez de proclamar a República e estabele-
ceu a Regência por nove anos. Para garantir isso, o regime monárqui-
co massacrou a ferro e fogo as novas revoltas populares, republicanas

30
ou separatistas, como a Cabanagem (1835-1840), a Revolução Praiei-
ra (1848-1850), a Balaiada (1838-1841), a Sabinada (1837-1838) e a
Revolução Farroupilha (1835-1845), assim como as rebeliões e in-
surreições protagonizadas puramente por escravos, como a Revolta
dos Malês, na Bahia (1835), a Revolta de Carrancas, em Minas Ge-
rais (1833), e a revolta do Manuel Congo, no Rio de Janeiro (1838).
A Guarda Nacional, comandada por Duque de Caxias, foi responsá-
vel por esmagar inúmeras insurreições. Se o Brasil fosse comparado
aos EUA, seria como se o Sul escravagista tivesse vencido o Norte na
Guerra de Secessão11.
A forma como se deu a independência imprimiu um processo
extremamente lento para o fim da escravidão e para o advento do tra-
balho livre, aumentou a subordinação e a dependência externas, apro-
fundou as desigualdades regionais e atrasou a industrialização do país,
que só começou quando já se iniciava a época imperialista.
Com a independência, conformou-se o Estado brasileiro, que
já nasceu extremamente autoritário. Ela também evidenciou os traços
marcantes da burguesia brasileira, nascida do latifúndio: sua completa
subordinação e ligação ao capital externo; seu medo de perder o con-
trole sobre os de baixo (em primeiro lugar, sobre os escravos e, depois,
sobre o proletariado); sua fragilidade e covardia; seu papel reacioná-
rio, conservador e autoritário. A burguesia brasileira recorre sempre às

11 Na verdade, seria muito pior, pois os EUA tiveram uma revolução


democrático-burguesa, em 1776, que instituiu a República mais
democrática do mundo. No Brasil, a independência não se deu por via
revolucionária. Foi uma negociação por cima que, inclusive, manteve a
monarquia. Os EUA tiveram, depois, uma guerra civil, chamada de Guerra
de Secessão, entre o norte do país contra o sul escravagista e, assim,
acabaram com a escravidão. Aqui, a escravidão foi mantida, e os levantes
e insurreições que aconteceram foram derrotados.
31
mudanças por cima e preventivas quando inevitáveis – para que ocor-
ram de maneira lenta, gradual, parcial e sob seu controle – ou, ante
qualquer ameaça de descontrole, recorre à aliança com o imperialis-
mo e à repressão e ao autoritarismo puro e simples contra os de baixo.
Não existe a suposta burguesia nacional anti-imperialista e progressis-
ta com a qual os reformistas acreditam conformar sempre um campo
burguês progressivo.

Abolição da escravatura: superexploração e racismo

Somente em 1888, foi abolida a escravidão. A Inglaterra, que


tinha sido a campeã do tráfico negreiro, a partir de seu desenvolvi-
mento industrial, passou a pressionar pelo fim da escravidão e a proi-
bir e combater o tráfico. No Brasil, foi aprovada, em 1850, a lei Euzé-
bio de Queiroz, proibindo o tráfico de negros da África. Essa lei, num
primeiro momento, intensificou o tráfico interno. A burguesia agrária
brasileira resistiu o quanto pôde a acabar com a escravidão, mas ela
passou a ficar muito cara. A abolição foi, então, uma resposta da bur-
guesia à pressão da Inglaterra e à necessidade de estabelecer relações
capitalistas na produção agrícola (o que já vinha ocorrendo em São
Paulo), de dar uma saída frente às lutas e à resistência crescentes dos
escravos e à oposição da população urbana.
Os anos de escravidão e a forma como se deu a abolição mar-
caram o desenvolvimento histórico e da sociedade capitalista brasilei-
ra. Isso está na origem da enorme desigualdade social existente. O im-
perialismo e a burguesia brasileira apoiam-se nessa desigualdade. Ela
é funcional para a superexploração do proletariado.

32
A abolição não propiciou aos negros condições mínimas de
reinserção e de adaptação ao advento do trabalho livre. Eles foram
empurrados para os piores trabalhos e passaram a constituir o setor
mais explorado de duas classes: a camada mais explorada do proleta-
riado, especialmente de seu exército industrial de reserva, e do campe-
sinato sem terra, especialmente os que trabalhavam como meeiros ou
por jornada. Isso se deu pelas mãos de uma burguesia que fez com que
o país fosse um dos últimos a abolir a escravidão no mundo, e, quan-
do aboliu, adotou a teoria racista do branqueamento. Com a imigração
europeia (produto de condições econômicas e políticas externas e in-
ternas combinadas à política de branqueamento da população) e com
a superexploração dos negros, nomes ilustres da classe dominante es-
peravam se livrar, em 70 anos, dos negros brasileiros: acreditavam
que a maior parte acabaria morrendo. Como essa política racista não
deu certo, anos mais tarde foi adotado o mito da democracia racial.
O Brasil é o país que tem o maior número de negros fora do
continente africano. Possui uma classe operária e um proletariado for-
temente miscigenado, em que negras e negros são superexplorados,
vítimas de violência e racismo. O sistema tenta invisibilizar essa rea-
lidade com o mito da democracia racial12 para amortecer os conflitos
de raça e classe. Mais da metade da classe trabalhadora e da popula-
ção brasileira é negra.
A burguesia brasileira tenta esconder que mais de 350 anos de
escravidão foram também 350 anos de rebeliões negras, da formação
de milhares de quilombos e quilombolas. O mito da democracia ra-
cial, do colonizador benevolente, do negro dócil e da formação de um

12 Ver SILVA, Wilson Honório. O Mito da Democracia Racial – Um debate


marxista sobre raça, classe e identidade. São Paulo: Editora Sundermann,
2016.
33
país sem racismo, além de tudo, tenta jogar a culpa pelas mazelas do
capitalismo no Brasil sobre negras e negros, como se a condição so-
cial desses fosse consequência de uma suposta inferioridade e incapa-
cidade de aproveitar as oportunidades existentes. Além de amortecer
os conflitos de raça e classe, o objetivo é aumentar a opressão e enco-
brir um quadro social que tem os negros em seus setores mais explo-
rados, precarizados e vítimas de um verdadeiro genocídio.
Esse mito está vindo abaixo hoje, e sua destruição tem um po-
tencial revolucionário numa perspectiva de raça e classe e da revolu-
ção socialista brasileira. A questão negra é uma das questões democrá-
ticas centrais e combina-se com a enorme desigualdade social. Ambas
marcam profundamente as particularidades do Brasil, que devem ser
impulsionadas e resolvidas pela Revolução Socialista Brasileira.

34
3. A industrialização sob o
imperialismo e o Brasil como
submetrópole

Em 1889, um ano depois da abolição da escravatura, caía a


monarquia e era proclamada a República. A República foi uma saí-
da da burguesia frente ao desprestígio crescente da monarquia desde
a Guerra do Paraguai1 e devido às lutas democráticas. Mais uma vez,
houve uma mudança de regime pela burguesia, sem protagonismo po-
pular direto ou imediato, ainda que tenha sido, em certa medida, fruto
atrasado e distorcido de uma série de revoluções e rebeliões, em geral
esmagadas ou desviadas, dos séculos 18 e 19. A República Velha se
armou a partir da nova fração hegemônica da burguesia agrária, a bur-
guesia paulista do café e seus aliados mineiros. Foi uma república ex-
tremamente autoritária e elitista. Era a chamada “Política do Café com
Leite” (São Paulo e Minas Gerais revezavam o comando do Estado).
A República Velha foi baseada num falso federalismo, na me-
dida em que, de fato, São Paulo e Minas Gerais se beneficiavam com

1 A Guerra do Paraguai (1864-1870) foi financiada pela Inglaterra,


e dela participaram Brasil, Argentina e Uruguai, sob o nome de Tríplice
Aliança. Essa guerra arrasou o desenvolvimento capitalista autônomo que
o Paraguai vinha tendo e provocou um genocídio no país vizinho. Ver:
NUÑEZ, Ronald Leon. Guerra do Paraguai: revolução e genocídio. São
Paulo: Editora Sundermann, 2011.
35
o controle do poder central, definindo as políticas cambiais e fiscais
que protegiam e garantiam o lucro e as rendas dos cafeicultores pau-
listas diante das oscilações de preços do mercado internacional. O resto
do país acabava pagando esta conta. Por outro lado, os estados passa-
ram a ser governados diretamente pelos latifundiários (os coronéis), que
utilizavam fraudes e voto de cabresto para manter o poder e eleger seus
candidatos. O poder central, para manter a governabilidade e seus privi-
légios, mantinha uma política de troca de favores com os coronéis go-
vernadores, por um lado, e de repressão contra qualquer revolta e movi-
mento, por outro. A situação de pobreza, miséria e exploração era gran-
de, e os movimentos eram tratados como casos de polícia.
A unidade nacional, imposta na marra durante o império, e
o falso federalismo da República Velha ampliaram as desigualda-
des sociais e regionais, favorecendo o desenvolvimento de uma
grande distância da infraestrutura e da industrialização entre o
Sudeste e o Sul e as demais regiões do país. Essa concentração
de poder econômico e político no Sudeste e no Sul é outra carac-
terística que marcaria o país.
Aconteceram inúmeras rebeliões importantes durante a Re-
pública Velha, produto das desigualdades regionais, sociais e ra-
ciais: a Revolução Federalista; a Guerra de Canudos; a Guerra do
Contestado; a Revolta da Vacina; a Revolta da Chibata; e o surgi-
mento do “tenentismo” (que refletia as classes médias contra a cor-
rupção e as fraudes eleitorais dos coronéis). Com a industrialização,
surgiram as greves operárias: a Greve Geral de 1917, em São Paulo,
quando a classe operária controlou a cidade durante 30 dias; a Greve
Geral no Rio Grande do Sul; e até mesmo a insurreição anarquista
fracassada, em 1918, seguida por greves, no Rio de Janeiro, marcam
a conformação política do proletariado no Brasil.

36
No início do século 20, especialmente durante a Primeira
Guerra Mundial, houve uma industrialização no Brasil suficiente para
que começassem a ocorrer greves importantes, mas ainda no quadro
de uma economia essencialmente agroexportadora.

A “Revolução de 30”

É com a chamada “Revolução de 30” – que não foi uma re-


volução, já que as massas não participaram dela, mas um golpe de
um setor burguês contra outro – que o Brasil começa a ter uma in-
dustrialização significativa. O Estado passou a controlar e a centra-
lizar o comércio exterior de bens agrícolas e a estimular a substi-
tuição de importações. Com isso, houve um importante crescimen-
to industrial que mudou o panorama econômico do país. O fim da
República Velha e a “Revolução de 30” nasceram de uma divisão
entre as burguesias regionais, da unidade da maioria delas con-
tra a hegemonia de São Paulo e o falso federalismo, em função da
grave crise econômica que levou à quebra do café no contexto da
crise mundial de 1929. Já as classes médias urbanas descontentes
animavam o movimento tenentista, que vinha se rebelando contra
a República Velha desde os anos 1920.
A “Revolução de 30” não foi dirigida pela burguesia indus-
trial, pois essa, que nasceu da burguesia cafeeira paulista, era contra
esse movimento. Na verdade, os interesses econômicos da burgue-
sia gaúcha, baseada na pecuária e na venda de carne para o mercado
interno, cumpriu um papel decisivo. Por isso, o caudilho desse gol-
pe foi Getúlio Vargas.

37
As brechas que se abriram com o desequilíbrio e a disputa inte-
rimperialista entre as potências no período entreguerras2, a crise econô-
mica mundial e a queda da República Velha permitiram enfatizar a pro-
dução e o desenvolvimento industrial voltado para o mercado interno.
Esse processo não ocorreu só no Brasil. Na América Latina, nos
países que tinham algum desenvolvimento industrial, sua industrializa-
ção e sua urbanização progrediram, com a substituição de importações,
e originaram governos nacionalistas burgueses e regimes bonapartistas
sui generis3. Brasil (Vargas), México (Cárdenas) e Argentina (Perón),

2 Octávio Ianni avalia dessa forma a transição de uma civilização


agrária para uma civilização urbano-industrial no século 20: “(...) com
a Guerra Mundial de 1914-1918, a crise econômica iniciada em 1929
e a Segunda Guerra Mundial (...) verificam-se profundas e drásticas
modificações na forma pela qual as nações hegemônicas se relacionam
com as colônias e os países dependentes. (...) esses acontecimentos só
se tornam positivos porque compreendem as lutas entre as nações
hegemônicas e o enfraquecimento de umas em face das outras. Assim é
que, com relação ao Brasil, a hegemonia da Inglaterra é questionada de
fato pela Alemanha, pela França e, depois, pelos EUA. E é esse país que,
ao final, alcança a supremacia (...) Entretanto, enquanto não se decide a
disputa (...) enquanto os EUA não consolidam o seu predomínio, abrem-
se perspectivas às colônias e aos países dependentes. Nesse contexto é
que ocorre uma etapa importante, talvez decisiva, da industrialização do
Brasil.” IANNI, Octávio. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1968, pp 14, 18 e 19.

3 Trotsky dizia: “Nos países industrialmente atrasados, o capital


estrangeiro desempenha um papel decisivo. Daí a relativa debilidade da
burguesia nacional em relação ao proletariado nacional. Isso cria condições
especiais de poder estatal. O governo oscila entre o capital estrangeiro e o
nacional, entre a relativamente débil burguesia nacional e o relativamente
poderoso proletariado. Isso dá ao governo um caráter bonapartista
sui generis, de natureza particular. Eleva-se, por assim dizer, acima das
classes. Na realidade, pode governar, quer por se tornar um instrumento
do capital estrangeiro e submetendo o proletariado às cadeias da ditadura
38
em especial, protagonizaram um processo parecido, que deu origem, a
partir dos anos 1950, a um grande debate sobre o subdesenvolvimento
e o desenvolvimentismo. Surgiu, assim, a Cepal4.
A partir dos anos 1930, os EUA começam a entrar com força no
Brasil, que dependia da Inglaterra comercial e financeiramente. Depois
de se definir pelos aliados na Segunda Guerra Mundial, em 1941, o país
entrou na via de se tornar submetrópole dos EUA5, tomando o lugar
da Argentina, que havia sido a semicolônia privilegiada da Inglaterra
na América do Sul. Com empréstimos americanos, o Estado construiu
uma importante indústria de base e parte da infraestrutura. Isso propi-
ciaria, mais tarde, a instalação das multinacionais. Esse processo se deu
com oscilações na relação com o imperialismo, com todo tipo de cho-
ques, que levaram a mudanças bruscas, com crises graves, como em
1954, e, inclusive, com golpes de Estado, como em 1964.

policial, quer manobrando com o proletariado, chegando inclusive a fazer


concessões, ganhando, assim, a possibilidade de ter alguma liberdade
em relação ao capital estrangeiro”. (Artigo “A indústria nacionalizada e a
administração operária”, 1939)

4 A Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe) é


uma das cinco comissões econômicas regionais da ONU, fundada em
1948. Nas décadas de 1950 e 1960, houve um grande debate sobre a
teoria cepalina do subdesenvolvimento e as políticas desenvolvimentistas
de industrialização por substituição de importações. O principal autor
e intelectual dessas teses foi o economista argentino Raul Prebich. No
Brasil, o principal autor e expoente foi Celso Furtado. Essas teses tinham,
também, o apoio do PCB. A controvérsia com eles se deu a partir da Teoria
da Dependência, que entre seus principais autores tinha, no Brasil, Ruy
Mauro Marini, Vania Bambirra, Theotonio dos Santos e, do estrangeiro,
André Gunder Frank, entre outros.

5 Ver sobre o acordo com os EUA: GODEIRO, Nazareno; SOARES, João


Ricardo. Neodesenvolvimentismo ou neocolonialismo – O mito do Brasil
imperialista. São Paulo: Editora Sundermann, 2016, p. 53.
39
Com a industrialização e a urbanização, abriu-se mais espaço
para a ação e a organização do movimento operário e para a apresenta-
ção de um projeto socialista. Porém, a partir daí, a burguesia também
começou a ter política para o movimento operário e para controlá-lo6.
O antigo PCB, a partir de 19457, ficou prisioneiro da democracia po-
pulista, uma política de colaboração de classes e de aliança com a bur-
guesia nacional. Esse partido atuava como ala esquerda do getulismo,
do PTB e do projeto desenvolvimentista em vez de apresentar e lutar
por um projeto socialista.
Como diz Octávio Ianni,

O modelo socialista foi, durante algumas ocasiões, uma possibili-


dade real. Elaborou-se desde os primeiros anos do século XX, mas
adquiriu perfil e estrutura posteriormente à Revolução de 1930.
Entretanto, não foi levado à prática devido à forma pela qual as
organizações de esquerda interpretaram o caráter e o sentido da in-
dustrialização no Brasil. É inegável que, em algumas ocasiões crí-
ticas, constituíram-se condições de tipo revolucionário, que as es-
querdas não souberam ou não tiveram condições para aproveitar.8

6  Nasce com Vargas a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a


legislação sindical e trabalhista, o atrelamento dos sindicatos ao Estado etc.

7  Antes de 1945, o PCB, por interferência da III Internacional depois


de Lenin e já sob controle stalinista (na sua fase esquerdista, o terceiro
período, em que se negou a fazer frente única com a social-democracia
na ação contra o Nazismo), apoiando-se na radicalização do tenentismo,
protagonizou, em 1935, a Intentona Comunista: um putsch ultraesquerdista
em defesa de um programa anti-imperialista contra o governo de Getúlio
Vargas, em nome da Aliança Nacional Libertadora (ANL).

8  Ianni, Octávio. O colapso do populismo no Brasil. São Paulo: Civilização


Brasileira, 1968, p. 11.
40
Na avaliação de Ianni, surgiram conjunturas pré-revolucioná-
rias e revolucionárias em várias ocasiões. Em 1945, com a deposição
de Vargas; em 1954, com o suicídio de Vargas; em 1961, com a renún-
cia de Jânio Quadros. Essa situação revolucionária perdurou até 1964
com a deposição de João Goulart. Nos quatro momentos, o PCB se
empenhou em controlar a situação em apoio ao que chamava de bur-
guesia progressista. Em 1945, a palavra de ordem do PCB era “ordem
e tranquilidade”. Ianni diz o seguinte sobre esse período:

A partir de 1945 (...) o reformismo predomina como orienta-


ção política (...) a esquerda adota taticamente o modelo “subs-
tituição de importações” como etapa necessária ao processo
revolucionário (...) torna-se um dos principais elementos da
democracia populista (...) não pôde transformar a política de
massas em luta de classes. (...) não se deu conta de que mas-
sa e classe não são expressões cambiáveis (...) [não percebeu]
que a essência das massas populistas é antes a consciência de
massa do que a consciência de classe, antes o princípio da mo-
bilidade social do que o princípio da contradição. Que ela de-
via traçar um caminho próprio para atingir e exprimir a cons-
ciência de classe. Enquanto a esquerda permanecia ao nível de
consciência e atuação das massas, nos moldes estabelecidos
na democracia populista, ficava-se no nível das reificações.
Por isso, ela foi sempre surpreendida pelos golpes de Estado,
pelas viradas bruscas, pelas oportunidades perdidas. (...) dian-
te dos desdobramentos das contradições inerentes à democra-
cia populista, a esquerda não formulou a sua opção.9

9  Ibid., pp 97 e 121.
41
Os EUA saíram como potência capitalista hegemônica da Se-
gunda Guerra Mundial. Para garantir esse domínio, tiveram a co-
laboração da burocracia soviética com os acordos de Yalta e Pots-
dam10 e, por algum tempo, tiveram de ter uma política voltada para
a Europa, com o Plano Marshall. Em relação à sua área de influên-
cia na América Latina, já no final dos anos 1940, trataram de impor
duramente o controle político e militar no contexto da Guerra Fria.
Foi o momento de eliminar as experiências nacionalistas, e vieram
os golpes na Argentina contra Perón, na Guatemala e a tentativa de
golpe contra Getúlio Vargas no Brasil. Apesar de não triunfar o gol-
pe, após o suicídio de Vargas, a solução de compromisso com Jus-
celino Kubistchek já refletia outra forma de garantir o predomínio
de um modelo mais aberto para os investimentos imperialistas. Com
JK, deu-se a mudança no modelo de industrialização, com a instala-
ção de monopólios internacionais no país.
No governo seguinte, de João Goulart (Jânio Quadros renun-
ciou com oito meses de governo), que assumiu depois de grave cri-
se, houve uma nova crise no regime e um ascenso do movimento de
massas no contexto da situação aberta com a Revolução Cubana. O
imperialismo colocou no centro da sua política a exigência de segu-
rança para os seus capitais e de garantia absoluta de controle político
e militar na América Latina, levando os EUA a apoiarem o golpe de
1964. Esse uniu o grosso da burguesia e o imperialismo para derrotar
a situação revolucionária existente naquele momento.

10  Yalta, cidade situada na região da Crimeia (atualmente sob controle


da Rússia), e Potsdam, cidade localizada na parte leste da Alemanha, deram
lugar às conferências realizadas entre a URSS, de Stalin, e os imperialismos
norte-americano e inglês para a divisão do mundo em áreas de influência,
inaugurando, assim, oficialmente, o período de colaboração da burocracia
soviética com o imperialismo.
42
A ditadura e o desenvolvimentismo:
o modelo econômico dos militares

A ditadura militar defendeu o desenvolvimentismo com


um novo conceito: o da interdependência, justificando, assim, o
processo de modernização da infraestrutura e o desenvolvimento
da base produtiva do país com um grau de subordinação ao im-
perialismo ainda maior. O Brasil afirmou-se como submetrópo-
le, deslocando a Argentina, e ocupou um novo lugar na divisão
mundial do trabalho: passou a fornecer mão de obra barata para
os monopólios internacionais produzirem no país, essencialmen-
te para o mercado interno.
A industrialização no Brasil deu o seu maior salto, então, com a
instalação generalizada das multinacionais no território brasileiro. For-
mou-se um tripé – Estado-multinacionais-empresas nacionais –, ala-
vancando o modelo econômico da ditadura, o “milagre econômico”, no
qual o PIB do país cresceu a uma taxa média de 10% ao ano entre 1968
e 1973. O Estado entrava com a infraestrutura e as estatais; o imperialis-
mo, com os monopólios, que detinham maior tecnologia; e a burguesia
nacional, com o suprimento de componentes. Além da instalação das
multinacionais, houve um grande endividamento externo.
Esse salto na industrialização e na base produtiva do país ge-
rou uma grande e nova classe operária. Além disso, houve um novo
salto na urbanização, quando, pela primeira vez, a população das ci-
dades ultrapassou a população rural. O “milagre” se deu em cima de
um enorme arrocho salarial imposto pela ditadura. Longe de diminuir
as desigualdades, o país saiu da ditadura ainda mais desigual, mais su-
bordinado e mais dependente.

43
Aconteceu o contrário do que diziam os desenvolvimentistas
da Cepal e o PCB: que o tamanho do mercado de consumo interno era
o principal obstáculo para a industrialização, e que a industrialização,
por sua vez, significaria a superação do subdesenvolvimento. Francis-
co de Oliveira, criticando essa visão, diz:

(...) o “subdesenvolvimento” é precisamente uma “produção” da


expansão do capitalismo. (...) [Para os da Cepal] parece que a in-
dustrialização (...) funda-se numa necessidade do consumo e não
numa necessidade da produção, (...) [No entanto,] a industrializa-
ção sempre se dá visando, em primeiro lugar, as necessidades da
acumulação e não as do consumo.11

João Ricardo Soares aponta:

O desenvolvimento do mercado interno foi a menina dos


olhos das teses do nacionalismo burguês dos anos 1950.
(...) Mas o golpe de 64 (...) demonstrou que a inserção do
Brasil na divisão mundial do trabalho combinou a indus-
trialização dependente dos investimentos imperialistas com
o latifúndio, uma superexploração brutal dos trabalhadores,
e o investimento estatal (...) Contra todas as previsões “po-
pulistas” sobre a impossibilidade do desenvolvimento ca-
pitalista sem um salto qualitativo no “mercado interno”, a
burguesia brasileira foi mais longe: o país, sob o tacão da
ditadura, não somente se converte em plataforma de expor-
tação de produtos manufaturados das multinacionais, como

11  OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2003, pp. 33; 49; 50.
44
também, na esteira desse processo, a burguesia brasileira
começa a exportar (...) capitais.12

O país passou a ser ainda mais dominado com as multinacio-


nais controlando de dentro a economia, associadas a estatais e empre-
sas privadas nacionais. O grande desenvolvimento e a modernização
da base produtiva aconteceram de forma combinada e reproduzindo
as desigualdades, as relações arcaicas e as injustiças históricas que
carregamos. A superexploração, as desigualdades sociais e regionais,
a opressão de negras, negros e indígenas e o latifúndio são funcionais
para o imperialismo e para a burguesia nacional.

A crise do “milagre” e a derrubada da ditadura

A crise do milagre veio de fora com o fim do boom do pós-


guerra, a crise internacional do petróleo (1973), o ascenso do mo-
vimento de massas no Cone Sul e na América Central. E, por den-
tro, o esgotamento do modelo levou os estudantes às ruas, e logo a
poderosa classe operária – nova e concentrada – entrou com força
em cena contra o arrocho salarial e a ditadura. Forjou novas orga-
nizações, o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos
Trabalhadores (CUT), que foram obrigadas a professar a indepen-
dência de classe, o que permitiu que elas cumprissem um papel re-
lativamente progressivo durante parte dos anos 1980. Foi um dos

12  GODEIRO, Nazareno; SOARES, João Ricardo. Neodesenvolvimentismo


ou neocolonialismo – O mito do Brasil imperialista. São Paulo: Editora
Sundermann, 2016, p. 184.
45
mais importantes processos de reorganização do mundo13, mas es-
sas organizações não nasceram com um programa revolucionário.
A direção, uma burocracia sindical, sempre defendeu um projeto
reformista e de colaboração de classes.
A ditadura foi derrubada. A burguesia não conseguiu derrotar
a luta dos trabalhadores e teve de se relocalizar após a vitória do mo-
vimento. Os operários entraram em cena a partir de 1978. Em 1984,
explodiram as manifestações pelas “Diretas já!”. O governo militar
foi levado às cordas. O Congresso Nacional não votou eleições dire-
tas para presidente. Porém a derrota superestrutural não foi suficiente
para manter o regime militar. Os trabalhadores e os setores populares
e médios conquistaram e conseguiram impor as liberdades democráti-
cas de organização e de expressão, a volta dos exilados políticos e um
governo civil que teve de convocar uma Constituinte.
Ainda assim, a burguesia conseguiu fazer uma manobra para
que a vitória fosse parcial. Ela atrasou as eleições para presidente e fez
um pacto de anistia para os militares, mantendo as Forças Armadas da
ditadura e os organismos de repressão praticamente intactos, ao con-
trário do que ocorreu na Argentina, em que a queda da ditadura colo-
cou as FFAA em profunda crise.
A burguesia chamou os anos 1980 de “década perdida”, pois
ela não tinha um modelo econômico alternativo para substituir o mo-
delo da ditadura que havia se esgotado. Naquele momento, com a res-
tauração capitalista na China, o imperialismo começava a buscar mão
de obra barata no sudeste asiático e, em seguida, na China. Na década

13  É importante fazer uma diferenciação entre o PT e a CUT. O primeiro


foi uma referência classista importante, mas sempre foi mais controlado
pela direção e mais esvaziado de ativistas. A CUT foi um fenômeno
muito mais progressivo: reunia um ativismo muito mais amplo, que se
considerava petista, mas não se organizava no partido.
46
de 1980, os trabalhadores tiveram um protagonismo crescente, levan-
do o governo de José Sarney à ingovernabilidade.
A década terminou com greves de ocupação de fábricas, alas-
trando-se a partir de 1988-1989, e com greve geral no primeiro semes-
tre de 1989, ano em que ocorreu a primeira eleição direta para presi-
dente. Em 1988, o PT começou a dirigir importantes prefeituras, e sua
adaptação ao regime democrático burguês deu um salto. Como esse
partido nunca teve um projeto revolucionário e sua direção era refor-
mista, diante da situação revolucionária, passou a priorizar as eleições
e a buscar alianças com partidos burgueses para mostrar à burguesia
que estava domesticado e podia governar.
A direção do PT saiu das eleições de 1989 com uma estratégia
muito bem definida: fazer o programa e a prática do PT e da CUT da-
rem uma guinada e ganhar a confiança da burguesia e do imperialis-
mo para governar o capitalismo brasileiro14. O Pacto Social, firmado
pela CUT, e a estratégia da cidadania sob o capitalismo, adotada pelo
PT, visavam fazer com que uma situação revolucionária, que poderia
levar à ruptura com a ordem, retrocedesse. Ajudaram a burguesia a
derrotar a classe trabalhadora e a implantar o neoliberalismo no país.

14  No contexto mundial, em que a burocracia da ex-URSS havia


restaurado o capitalismo e as massas se levantavam contra ditaduras
de estados já burgueses, desatava-se um vendaval oportunista. As
burocracias de várias partes do mundo se convertiam em burguesia, como
as direções das guerrilhas da América Central. A direção do PT seguiu um
curso parecido.
47
4. A Nova República:
neoliberalismo e recolonização.
Barbárie ou socialismo!

O Brasil se manteve como uma submetrópole do imperialis-


mo (uma semicolônia especial, uma plataforma das multinacionais
para exploração da América Latina), mas ocorreu uma mudança na
sua localização na divisão mundial do trabalho1.
O país perdeu para o sudeste asiático e para a China a con-
dição de um dos centros de investimentos industriais no mun-
do, ficando fora dos circuitos do capital destinados aos novos ra-
mos de produção vinculados à informática, mais avançados tec-
nologicamente. Voltou a ter a função de produtor e exportador
de commodities (matérias-primas, alimentos, energia), especial-
mente para a China, que se tornou “a fábrica do mundo”. Voltou,
assim, à localização na divisão mundial do trabalho que tinha no
período prévio à industrialização, com a diferença de que, ago-
ra, a produção de commodities é majoritariamente controlada pe-
los monopólios internacionais. Houve uma regressão produtiva e
tecnológica no país.

1  Essa mudança responde a um movimento do imperialismo mais geral


e mundial, intensificado após a queda do Leste Europeu. Ver a cartilha:
ROMERO, Daniel; ANDREASSY, Érica; GODEIRO, Nazareno. Os motivos da
revolta popular: um balanço crítico do governo do PT. Instituto Latino-
Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese), 2014, p. 40.
49
O modelo neoliberal foi adotado em comum acordo entre
a burguesia nacional e o imperialismo: introduzido por Fernando
Collor, aprimorado por Fernando Henrique Cardoso e mantido
pelos governos do PT. A abertura comercial, a desregulamenta-
ção financeira, as privatizações, a falência ou venda das empre-
sas brasileiras e as reformas neoliberais colocaram abaixo o tri-
pé sobre o qual se apoiava o modelo da ditadura. Esse processo
provocou maior desnacionalização da economia e uma importan-
te desindustrialização relativa do país. Apesar de ainda possuir
um parque industrial diversificado – que se mantém devido ao
mercado interno do Brasil e da América Latina –, foram e estão
sendo desconstruídas indústrias de maior desenvolvimento tec-
nológico, e a indústria perdeu espaço no PIB2. Sob os governos
FHC e Lula, aumentou, também, um processo rentista na econo-
mia brasileira3.
A burguesia brasileira novamente mostrou seu caráter de só-
cia-menor do imperialismo na pilhagem do país, contentando-se em

2  O livro já citado Neodesenvolvimentismo e Neocolonialismo – O


mito do Brasil imperialista, de Nazareno Godeiro e João Ricardo Soares,
sistematiza uma série de dados sobre essa questão nas pp. 71; 79; 80;
81. É uma desindustrialização relativa porque não acaba com a indústria
em geral, mas desconstrói os polos tecnológicos mais avançados, e o
setor industrial perde peso no PIB. Hoje, representa 13% do PIB; em
1986, representava 32,1%. Já os investimentos em bens de capital, que
representavam 30% do capital fixo, em 2004 estavam em 17%. Sobre esse
tema, ver também o estudo do Instituto Latino-Americano de Estudos
Socioeconômicos (Ilaese), “O proletariado hoje” (2017).

3  Ver a cartilha: ROMERO, Daniel; ANDREASSY, Érica; GODEIRO,


Nazareno. Os motivos da revolta popular: um balanço crítico do governo
do PT. Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese),
2014.
50
ser acionista minoritária em suas empresas ou tornar-se rentista (viver
da renda dos juros mais altos do mundo), em vez de enfrentar o im-
perialismo apoiando-se nos de baixo. O Estado continuou tendo papel
preponderante para uma burguesia frágil e parasitária também como
fonte de acumulação primitiva (corrupção e roubo) para novos bur-
gueses, como Pérsio Arida, Eike Batista, Antônio Palocci, José Dir-
ceu e Cia., e para enfrentar e reprimir o movimento operário e popular.
O neoliberalismo implica em um processo de recolonização
com consequências não apenas econômicas, mas também institucio-
nais. O autoritarismo congênito do Estado brasileiro foi reforçado
com as amarras crescentes que o foram atando ainda mais ao impe-
rialismo, resultando em diminuição crescente da soberania do país e
aumento de traços bonapartistas e autoritários no regime democrático
burguês que sucedeu o regime militar.
As democracias burguesas liberais, que, por natureza, são
pouco democráticas, tornaram-se ainda menos democráticas. A Lei
de Responsabilidade Fiscal (LRF) é uma das amarras imperialis-
tas que garantem constitucionalmente os interesses dos banqueiros
internacionais, independentemente de quem governe. Os acordos
com o Drug Enforcement Administration (DEA)4 para combate às
drogas e demais acordos sobre segurança pública e militares com
os EUA, junto com a necessidade de repressão dura para man-
ter o controle social, estão na base da política de encarceramento
em massa da juventude pobre e negra da periferia pelos diversos
governos da Nova República, especialmente os de Lula e Dilma
(PT). Perante as lutas e a nova situação aberta no país em 2013,

4  Drug Enforcement Administration (DEA): Órgão dos EUA, vinculado


ao Departamento de Justiça norte-americano, responsável pelo combate
às drogas, incluindo investigação e orientação de combate no exterior.
51
o autoritarismo avança com a criminalização das lutas e dos luta-
dores e a aprovação de novas leis repressivas contra o movimento
operário e popular sob os governos do PT.

O significado do Brasil como submetrópole


sob o neoliberalismo

O Brasil é uma semicolônia industrializada que, sob a Nova


República (governos Collor, FHC, Lula, Dilma, Temer) e o neolibera-
lismo, tornou-se um país ainda mais subordinado, dependente e semi-
colonial. Plínio de Arruda Sampaio Jr. chama de “reversão colonial” o
processo de “ampliação do atraso econômico, deterioração das condi-
ções de vida da população, avanço da barbárie”.5
Como semicolônia especial, o Brasil também exporta capital.
Porém exporta capital intensivo em recursos naturais, enquanto am-
plia a desnacionalização e a dependência em relação ao intensivo em
tecnologia. Como observa Soares, “a Friboi estaria para a época da
nanotecnologia como estiveram o café e o açúcar para a indústria têx-
til e a máquina a vapor”.6
A nova localização do país na divisão mundial do trabalho im-
põe uma especialização regressiva de retorno à função de exportador
de commodities (desconstruindo indústrias de alta tecnologia ou des-

5  SAMPAIO Jr., Plínio Arruda. “Globalização e reversão neocolonial: o


impasse brasileiro”. In: Filosofía y teorías políticas entre la crítica y la utopía.
VÁSQUEZ, Guillermo Hoyos. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de
Ciencias Sociales (CLACSO), 2007.

6  GODEIRO & SOARES, op. cit., p. 222.


52
nacionalizando empresas mais desenvolvidas tecnologicamente, en-
golidas pelos monopólios internacionais), embora ainda possua um
grau profundo e complexo de industrialização se comparado a mui-
tos dos demais países periféricos. Isso coloca o Brasil no time do que
chamamos de submetrópoles ou semicolônias privilegiadas, que fa-
zem o papel de capitão do mato das grandes empresas imperialistas
na América Latina. Nesse papel subalterno, o Brasil ocupa o espaço
que o imperialismo lhe permite para empresas nacionais que explo-
ram recursos naturais, construtoras ou provedores secundários para a
indústria imperialista.
O papel do Brasil como opressor em relação ao resto da Amé-
rica Latina não o torna menos semicolonizado em relação aos países
imperialistas, mas impõe que o proletariado brasileiro enfrente sua
própria burguesia para defender os operários, os trabalhadores em ge-
ral, os camponeses e os indígenas dos países que ela explora e oprime
em benefício dos países imperialistas e de si própria como sócia-me-
nor desses. Como diz Soares:

Foi justamente em um país que ocupa o degrau mais baixo da hierar-


quia da divisão mundial do trabalho na América Latina que o papel in-
ternacional do Brasil, assimilado pelo PT aparece: enquanto o Exérci-
to brasileiro garante a repressão aos trabalhadores para que o trabalho
escravo das maquilas norte-americanas ocorra em “paz”, abre o cami-
nho para as construtoras brasileiras, financiadas pelo BNDES. Esse
papel de “capitão do mato” está em função dos novos vínculos entre
os países estabelecidos pelo imperialismo, a partir dos quais as condi-
ções de existência que beiram a escravidão garantem os lucros das ma-
quilas que exibirão as roupas feitas no Haiti em Nova York.7

7  GODEIRO & SOARES, op. cit., p 226.


53
5. O caráter burguês e
pró-imperialista dos
governos social-liberais de
colaboração de classes do PT

Em 2002, Lula ganhou a eleição para presidente, tendo como


vice José de Alencar, do Partido Liberal (PL), então grande empresá-
rio do setor têxtil e dono de 11 fábricas. Isso depois de ter apresentado
a “Carta ao Povo Brasileiro”, na qual se comprometia com a burgue-
sia, especialmente com o capital financeiro internacional e nacional,
a prosseguir com o neoliberalismo1. Um governo de colaboração de

1  O imperialismo e as principais frações da burguesia apoiaram o


governo Lula. Delfim Netto, do Partido Progressista (PP), ex-ministro da
Economia na ditadura militar, ao apoiá-lo no segundo turno declarou:
“Até recentemente, o PT tinha restrições ao mercado, exatamente como
o Partido Social Democrático Alemão até o Manifesto de Bad Godesberg
(1959) e o Partido Socialista Inglês até a reunião de Westminster Hall
(1995), quando retiraram de seu programa todos resquícios de marxismo
que os infectavam (...) na Carta ao Povo Brasileiro (...) o senhor Luiz Inácio
Lula da Silva reafirmou os mecanismos de mercado para a administração
econômica.” (Revista Carta Capital, 23 /10 / 2002).
55
classes, social-liberal e preventivo, para evitar a eclosão de um ascen-
so mais forte. Em meio à crise externa e interna, que impulsionou re-
beliões, revoluções e derrubada de vários governos na América Latina
(como na Argentina, no Equador e na Bolívia, por exemplo), no Bra-
sil, o PT canalizou a situação pré-revolucionária inicial que se abriu
para as eleições2. Um governo burguês que despertou ilusões nos tra-
balhadores, que pensaram ter sido eleito um governo seu devido à ori-
gem histórica desse partido. Entretanto, Lula deu continuidade à po-
lítica de FHC.
Lula foi beneficiado por um ciclo de crescimento econômico
mundial e um boom dos preços das matérias-primas. Isso se combi-
nou com uma adequação política do próprio neoliberalismo de, via
Banco Mundial, formular políticas focadas, compensatórias e assis-
tencialistas para atacar bolsões de pobreza extrema, contra-arrestar
seu questionamento mundial e privatizar e desconstruir serviços pú-
blicos universais. O social-liberalismo passou a ser a cara dada pelo
Banco Mundial ao neoliberalismo e o figurino que vestiu os governos
do PT. O crescimento econômico e pequenas medidas de transferên-
cia de renda aos setores mais pobres, paliativas e compensatórias, pu-
deram mascarar por um tempo o processo de recolonização e o retro-
cesso estrutural do país.

2  Sarney se refere assim a esse momento: “Acho que o Lula prestou


um grande serviço ao País nesta sucessão, porque com essa crise social,
com esse desemprego, a violência urbana, com o terror que a gente tá
(sic.) vendo por aí, com a situação de agitação nacional, se não fosse ele
o homem que é, que catalisou as esperanças do povo, assegurou uma
sucessão tranquila, a campanha presidencial teria sido um momento de
quase explosão social do país” (Jornal O Estado de S. Paulo, 27/10/2002).
56
Neodesenvolvimentismo:
um nome enganoso para social-liberalismo

Com o boom das commodities e o aumento das taxas de


crescimento econômico, a partir do segundo mandato de Lula, pas-
sou-se a falar que o PT estaria inaugurando uma fase neodesenvol-
vimentista. Curiosamente, o pai do termo neodesenvolvimentismo
foi Luiz Carlos Bresser-Pereira (PSDB), o mesmo que projetou a
reforma de Estado neoliberal de FHC. Ele se tornou um defensor
dos governos do PT.
O neodesenvolvimentismo não passou de um rótulo
para, nos limites do neoliberalismo, apoiar, via Banco Na-
cional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e
isenções de impostos bilionárias, indústrias nacionais de bai-
xa tecnologia, como a Friboi e as empreiteiras, para tornarem-
se monopolistas e multinacionais. Também implicou em isen-
ções fiscais bilionárias para empresas multinacionais, como as
montadoras, em nome de maior apoio ao capital produtivo em
relação ao capital rentista, como se a indústria estivesse sepa-
rada do capital bancário, quando, na verdade, estão mistura-
dos e formam o capital financeiro.
Essa política não representou nenhuma emancipação
com relação ao imperialismo nem confronto com o capital fi-
nanceiro. Os bancos lucraram cinco vezes mais nos mandatos
de Lula do que nos de FHC segundo dados do Banco Central.
Pelo contrário, aprofundou a localização subalterna e subordi-
nada do Brasil aos países imperialistas e de opressor e explo-
rador da América do Sul e da África a serviço daqueles.

57
Para Sampaio Jr.,

(...) toda a reflexão neodesenvolvimentista enquadra-se perfeita-


mente na pauta neoliberal. (...) são entusiastas do capital interna-
cional, do agronegócio e dos negócios extrativistas. (...) Não ali-
mentam nenhuma pretensão de que seja possível e mesmo dese-
jável mudanças qualitativas no curso da história. São entusiastas
do status quo.3

O neodesenvolvimentismo também não difere do neoliberalis-


mo quanto às políticas sociais: defende a igualdade de oportunidades
e os programas compensatórios de transferência de renda do Banco
Mundial, enquanto aplica e permite a privatização, por meio de con-
cessões, Parcerias Público-Privadas (PPP) e gestão privada de servi-
ços públicos4.

3  SAMPAIO Jr., Plinio de Arruda. “Desenvolvimentismo e


neodesenvolvimentismo: tragédia e farsa”. In: Serviço Social & Sociedade. São
Paulo: Cortez Editora Ltda. n. 112, pp. 672-688, outubro/dezembro de 2012.

4  Rodrigo Castelo, economista e professor da Escola de Serviço


social da UFRJ, em entrevista à revista Serviço Social & Sociedade (n.
119, julho/setembro de 2014), destaca que as políticas sociais dos
neodesenvolvimentistas são social-liberais: “Os neodesenvolvimentistas
corroboram a assistencialização das políticas sociais e silenciam sobre a
privatização da Previdência, saúde e educação superior, marcos do social-
liberalismo. O neodesenvolvimentismo vê a redução das desigualdades
sociais e o combate ao pauperismo por um viés economicista, de geração
de renda nas camadas pobres voltada para a formação de um mercado
de massas. O objetivo é gerar uma base econômica de venda interna
das mercadorias, portanto, de realização da mais-valia. As principais
apostas são no crescimento econômico, na geração de empregos formais,
nos aumentos dos salários e do crédito e na alocação de recursos nas
políticas de transferência de renda. Ou seja, o mercado é tido pelo
58
Entre 2002 e 2012, a dívida pública subiu de R$ 1,2 trilhão
para R$ 3,7 trilhões (84% do PIB5), sendo que, no mesmo período,
os governos Lula e Dilma pagaram R$ 7,16 trilhões em juros e amor-
tizações. O pagamento da dívida consome quase metade de todo o
orçamento anual do país. No mesmo período, a entrada de capital es-
trangeiro no Brasil duplicou, e a remessa de lucros para fora quadru-
plicou6. O governo Lula, ao invés de proibir ou limitar a remessa de
lucros, isentou a remessa de pagamento de imposto de renda, favore-
cendo os capitais especulativos que buscam aqui os juros mais altos
do planeta e vão embora de uma hora para a outra.
Os governos do PT, da mesma forma que FHC, tornaram o Bra-
sil mais subordinado ao imperialismo, beneficiaram o setor financeiro,
as multinacionais, o agronegócio, as empreiteiras e a burguesia nacional.

Não foi só por 20 centavos

As manifestações de junho de 2013 alteraram a correlação de


forças no Brasil. Elas mostraram que as profundas desigualdades so-
ciais e a subordinação do país ao imperialismo se aprofundaram e
anunciaram aqui o que ocorre por toda a América do Sul: o fim de um
ciclo no qual governos nacionalistas burgueses e de colaboração de

neodesenvolvimentismo como o principal meio de melhorar o bem-estar


da população [...]”.

5  ROMERO, Daniel; ANDREASSY, Érica; GODEIRO, Nazareno. Os motivos


da revolta popular: um balanço crítico do governo do PT. Instituto Latino-
Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese), 2014.

6  Ibid.
59
classes garantiram uma situação de estabilidade para o capital e para
o imperialismo.
O Brasil é um dos países mais desiguais do planeta. Mesmo
sendo a oitava economia do mundo, entre 187 países, no quesito desi-
gualdade social, está na 175ª posição. Não houve uma diminuição da
desigualdade sob os governos do PT se comparada a renda do trabalho
com a do capital. Apesar da política de aumento do salário mínimo e
de transferência de renda com o Bolsa Família, a parte da riqueza que
vai para os empresários (1% da população) cresceu mais do que a que
vai para os trabalhadores7.
Os empregos criados pelos governos do PT foram, em sua
maioria, precarizados. Foram criados 20 milhões de postos de traba-
lho formais com salários de R$ 1,5 salário mínimo, e fechados 4 mi-
lhões com salários de mais de R$ 3 salários mínimos; 60% desses pos-
tos de trabalho foram ocupados por mulheres; e 80% por não brancos.
Isso mostra que a classe que recebe os piores salários tem gênero e
raça. A terceirização e a rotatividade, somadas à informalidade (são
40,8% de trabalhadores informais segundo o IBGE), diminuem o sa-
lário, pioram as condições de trabalho e fragmentam a classe trabalha-
dora8. Com a crise, o desemprego cresce, e a classe tem ainda menos
proteção do que tinha antes.
Não houve avanço em termos de reforma agrária. O gover-
no Dilma conseguiu assentar menos famílias do que FHC. Nos dois
mandatos, o governo Lula entregou R$ 136 bilhões ao agronegócio
via BNDES, perdoou dívidas bilionárias e concedeu isenções fiscais.
O agronegócio é a fusão de grandes fazendeiros brasileiros com trans-

7  Ibid.

8  Ibid.
60
nacionais e sistema financeiro. O velho latifúndio convive e até se
funde com a moderna agricultura capitalista e multinacional. Hoje, 30
grandes empresas controlam todo o complexo agroindustrial brasilei-
ro, sendo que mais de 70% delas são multinacionais e são responsá-
veis por 23% do PIB e 48% das exportações. Os dados são da Confe-
deração da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), referentes ao ano
de 2016. A violência no campo aumentou, com assassinatos de cam-
poneses sem terra, indígenas e quilombolas.
Os negros e negras não tiveram nenhuma mudança substancial
para melhor em suas vidas. Pelo contrário, quanto à violência, inclu-
sive piorou. Se, por um lado, foi concedido o sistema de cotas raciais
nas universidades, depois de 30 anos de luta, praticamente nada mu-
dou em termos de desenvolvimento humano e de igualdade: 63% dos
negros vivem abaixo da linha de pobreza; a cada 25 minutos, um jo-
vem negro é assassinado e centenas de milhares são encarcerados sem
julgamento; o salário do homem e da mulher negros é 40,8% e 60%
menor, respectivamente, em relação ao do homem branco. Porém o
mito da democracia racial vem sendo questionado, e negros e negras
estão entrando com tudo na luta.
As mulheres trabalhadoras representam, em média, cerca de
44% da força de trabalho. No entanto, só tem aumentado a desigual-
dade, a opressão e a violência contra as mulheres trabalhadoras, so-
bretudo contra as negras. Elas recebem menos do que os homens, são
maioria entre os desempregados, estão obrigadas a cumprir dupla jor-
nada e são vítimas de violência.
A falta de creches impede que oito em cada dez crianças te-
nham acesso à educação infantil, dificultando que a mulher consiga
trabalho ou permaneça no emprego. A assistência integral à saúde da
mulher, conquistada nas lutas dos anos 1980, retrocedeu. Os governos

61
do PT adotaram uma política que reforça o papel da mulher como mãe
e dona de casa e um programa focado na saúde materna, colocando
um obstáculo para a diminuição da mortalidade materna: no Brasil, é
cinco vezes maior do que nos países ricos.
A quarta causa de mortalidade entre gestantes é o aborto mal
feito. Os governos do PT nada fizeram pela descriminalização e lega-
lização do aborto. Dilma assinou a “Carta aberta ao Povo de Deus”,
privilegiando as alianças com as bancadas evangélicas, calando-se até
diante do Estatuto do Nascituro, um Projeto de Lei que, se aprovado,
vai acabar com a garantia de aborto legal em casos de estupro, uma
conquista dos anos 1940.
Os números da violência são alarmantes. Estamos em quin-
to lugar no ranking dos países com mais assassinatos: 13 mulheres
são assassinadas por dia, e mais de 100 mil foram assassinadas em 30
anos. A cada dez segundos, uma mulher é estuprada no Brasil. Depois
de muita luta, foi promulgada a Lei Maria da Penha, em 2006. Porém
ela tem se mostrado limitada para conter a violência contra a mulher,
especialmente por falta de investimento. Falta tudo, de delegacias es-
pecializadas a casas abrigo. As mulheres têm sido vanguarda nas lutas
gerais, e há também um ascenso das lutas contra o machismo no país
e em todo o mundo.
As LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais
e transgêneros), desde que começaram a se reorganizar no final da
ditadura, ganharam mais visibilidade e conseguiram algumas con-
quistas, como a união estável e a união civil. Contudo, o precon-
ceito, a violência e a discriminação estão presentes e têm aumenta-
do na sociedade. O veto do governo Dilma (PT) ao Kit Anti-homo-
fobia, que seria distribuído nas escolas públicas, e particularmente
o engavetamento do PLC 122/06, que criminalizava a LGBTfobia,

62
contribuíram para o aumento do preconceito e para uma onda de
violência LGBTfóbica que permanece.
A LGBTfobia aumentou durante os governos petistas, sob os
quais também houve um amplo processo de cooptação dos movimen-
tos LGBTs, o que interferiu nas lutas e nas conquistas. As LGBTs,
contudo, reagiram aos ataques e saíram às ruas. Deram início a um
importante processo de reorganização dos movimentos, com a forma-
ção de coletivos e grupos em todo o país.
Em 2013, a posse do pastor LGBTfóbico Marco Feliciano (PS-
C-SP) como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias
(CDHM) da Câmara dos Deputados, por desistência do PT, incendiou
ainda mais a indignação. Em 2015, outro levante varreu o país, quando
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) assumiu a presidência da Câmara.
O descaso dos governos tem deixado mais gente exposta à vio-
lência, e o Brasil continua sendo o país campeão em assassinatos de
LGBTs. Em 2015, foram 318 mortes; em 2016, cerca de 340. Os da-
dos são de levantamentos feitos pelo Grupo Gay da Bahia (GGB).
Isso significa que uma pessoa LGBT é assassinada a cada 28 horas,
um número inferior à realidade, já que a invisibilização de LGBTs
também atinge suas mortes, e os levantamentos são feitos apenas a
partir de dados divulgados pela imprensa.
A violência é particularmente intensa e cruel contra travestis,
transexuais e transgêneros, em especial negras e negros. O Brasil li-
dera o ranking mundial de assassinatos nesse setor. Em 2016, das 295
mortes registradas até setembro, 123 ocorreram em nosso país. Nos
últimos oito anos, foram registrados 2.264 assassinatos de pessoas
trans em 33 países, 900 deles no Brasil. Além disso, devido à margi-
nalização que sofrem em casa, na escola e na sociedade, 90% das pes-
soas trans são obrigadas a viver do mercado do sexo.

63
Por outro lado, setores burgueses têm investido no desenvolvi-
mento de um mercado de consumo voltado para LGBTs (o mercado
rosa), acompanhando a mercantilização da causa LGBT, que fica evi-
dente, por exemplo, no atual caráter da maioria das Paradas do Orgu-
lho LGBT, e por uma disputa pela consciência meramente democráti-
co-burguesa, consumista e neoliberal, baseada em ideologias como a
libertação pelo consumo, a cidadania de mercado e o empoderamento
individual.
Contudo, na esteira das lutas e da resistência, além da continui-
dade do processo de reorganização, há um importante e crescente nú-
mero de pessoas assumindo sua identidade de gênero e sua orientação
sexual, o que tem se refletido em maior participação nos movimentos,
tanto específicos quanto gerais, sendo uma vanguarda considerável,
ao lado das mulheres e de importantes movimentos, como as ocupa-
ções de escolas secundaristas.

A repressão e a violência

Há um genocídio da juventude pobre e negra das periferias e


uma política de encarceramento em massa no Brasil9. Há um crescen-
te processo de criminalização da pobreza, das lutas e dos lutadores, e
um aumento e mudanças na legislação punitiva do Estado para res-
ponder com violência à polarização social.
Os números referentes ao genocídio da juventude pobre e ne-

9  Ver dossiê da CSP-Conlutas: “A criminalização das lutas e dos


lutadores sociais”. Ver também: “Mapa da Violência”, produzido pela
Flacso anualmente.
64
gra da periferia e do encarceramento em massa mostram que o con-
trole social sob os governos do PT não se deu apenas por concessões
e políticas sociais compensatórias, mas também por meio de uma tre-
menda repressão. Mostram, ainda, que a narrativa sobre a existência
de um suposto Estado de exceção, que teria sido imposto a partir da
Lava Jato devido a prisões coercitivas e provisórias de menos de duas
dezenas de políticos e empresários corruptos, é de grande hipocrisia.
O Mapa da Violência de 2014 aponta que, em uma década, de
2002 a 2012, foram assassinadas 556 mil pessoas no Brasil. Mais de
70% delas eram jovens, pobres e negras. Temos a quarta maior po-
pulação carcerária do mundo: houve um crescimento de 167% em
14 anos (232 mil em 2000 e 622.202 mil em 2014). Entre os presos,
61,9% são negros; 55%, jovens; e 75% possuem apenas até o ensino
fundamental. Esse encarceramento em massa foi favorecido também
pela legislação antidrogas orientada pelos EUA. Pelo menos 40% dos
presos não tiveram julgamento. São prisões preventivas, inclusive de
jovens sem antecedentes criminais.
No campo, além da polícia são acionados jagunços e forças
paramilitares para promover assassinatos e chacinas contra indígenas,
quilombolas e camponeses sem terra, sem falar na tentativa de geno-
cídio, como vem ocorrendo com os guarani-kaiowá.
Além do fato de não ter sido tomada nenhuma medida para
a desmilitarização das PMs, sob os governos petistas, foi modifica-
da e ampliada a estrutura punitiva do Estado, especialmente a partir
de 2013. No governo Dilma (PT), foram aprovadas e regulamentadas
leis que aumentam a repressão, como a Lei Antiterrorismo e a Lei das
Organizações Criminosas. Foi também criada a Força Nacional e re-
gulamentada a portaria das Forças Armadas de Garantia da Lei e da
Ordem (GLO). Todo esse dispositivo de repressão está à disposição

65
para ser usado perante o aumento da polarização social. E tem sido
usado, colocando em novo patamar a necessidade de autodefesa e de
um programa perante o aparato repressivo.
Há uma revolta crescente dos setores mais pobres e precariza-
dos da classe operária e do povo da periferia contra a violência e a re-
pressão, contra os abusos, contra o genocídio praticado especialmen-
te pelas PMs e contra a impunidade aos repressores, gerando reação
massiva, radicalização, movimentos como o Mães de Maio e outros.
Ao mesmo tempo, a crise econômica, social, política e do pró-
prio Estado tem gerado crise no aparato repressivo, exigindo, por par-
te dos trabalhadores, um posicionamento e uma política.

A degeneração do PT: desconstrução da consciência de


classe, corrupção e mudança de classe

O PT no governo não teve nada de progressista. Teve um papel


globalmente reacionário: serviu para desmobilizar, cooptar, desorga-
nizar e tentar desconstruir a consciência de classe dos trabalhadores.
Além de cooptar as organizações, buscou transformar elementos de
consciência de classe no seu inverso.
Do perfil com o qual nasceu, que simbolizava a classe, a luta
e as greves de enfrentamento ao regime, o PT passou a defender e
construir uma imagem de possibilidade de ascensão e de mobilidade
social, tendo Lula como símbolo: alguém que, vindo de baixo, pode
ascender pela igualdade de oportunidades. No lugar do operário que
enfrenta o patrão, o governo e o regime, a imagem conscientemente
construída passou a ser a do “pai dos pobres” e do “pobre que subiu na

66
vida”, em defesa do empreendedorismo. Não é, portanto, para causar
surpresa que parte dos setores mais pobres da população vejam Lula,
Doria e Silvio Santos de modo parecido. O PT trabalhou essa ideia du-
rante esses anos todos.
Não é o foco desse texto, mas a natureza do próprio PT está em
questão. O caráter de colaboração de classes dos governos do PT não
ocorre apenas devido às alianças com partidos e figuras da burgue-
sia, como Henrique Meirelles, ligado aos banqueiros, Kátia Abreu,
ao agronegócio, e a Fiesp. O projeto do PT é social-liberal. O que era
uma burocracia operária, tornou-se, primeiro, a burocracia do Estado
burguês. Logo, vários dirigentes se tornaram eles mesmos burgueses.
Antônio Palocci, José Dirceu, Luiz Gushiken, o próprio Lula e outros
não podem ser considerados uma aristocracia operária nem mesmo
meros gestores pequeno-burgueses. É tarefa fundamental decifrar se o
PT ainda é um partido operário-burguês (como Lenin definiu a social-
democracia na falência da II Internacional) ou se ele se transformou
socialmente num partido de colaboração de classes (um tipo de parti-
do burguês, portanto), com direção e programa burgueses, apesar de
ter uma base popular (em processo de ruptura com ele) como é hoje a
social-democracia no mundo. Parece-nos que 14 anos no comando do
Estado burguês não passaram em vão, e o PT queimou etapas: fez em
30 anos o percurso que a social-democracia europeia levou 100 anos
para percorrer.
O PT atuou para fazer retroceder o processo de consciência e
organização da classe em direção a uma consciência burguesa e capi-
talista, de mobilidade social, de defesa do empreendedorismo. Há au-
tores, como André Singer, e parcelas da esquerda que dizem que o go-
verno do PT fez um reformismo fraco. Teria sido progressivo, apesar
de não ter realizado reformas substanciais nos limites do capitalismo.

67
Porém, ainda que tivesse realizado reformas (a la Vargas ou Perón),
seria um grave erro reivindicar, apoiar e classificar como progressivo
um governo burguês. Nesse caso, é ainda pior, pois os governos do PT
foram pró-imperialistas e não fizeram nenhuma reforma social digna
de nome. O processo de ruptura da classe operária e da classe traba-
lhadora com o PT é globalmente progressivo, pois é condição neces-
sária para fazer avançar a consciência e a organização de classe.
A Nova República (governos do PSDB e do PT na democra-
cia burguesa), ao contrário do que acreditavam os nacional-desenvol-
vimentistas, foi o período de maior retrocesso do desenvolvimento
do país. O PT, a partir do governo, reeditou, em escala muito maior e
como farsa, a tragédia do antigo PCB.

68
6. Sobre o papel central da
classe operária industrial e
sobre seus aliados

A classe operária industrial

Apesar da desindustrialização relativa do país, paradoxalmen-


te não há uma diminuição da classe operária industrial1. Nos últimos
30 anos, houve uma queda expressiva da participação da indústria de
transformação no PIB: caiu de 21,8% do PIB, em 1985, para 11,4%
em 2015, nível mais baixo desde 1947. Em relação ao emprego for-
mal, o retrocesso da indústria teve impacto. Esse impacto, porém, é
relativizado pelo avanço da urbanização e da formalização do traba-
lho em geral (o trabalho registrado mais do que dobrou desde 1995,

1  Os dados e a avaliação sobre a classe operária no país hoje partem


de um estudo realizado pelo Ilaese para construção de um anuário
estatístico da classe trabalhadora, a partir de cruzamento de dados entre
a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE), e a Pnad, do IBGE. O artigo de Gustavo Machado, “O
papel da indústria de transformação na economia brasileira: fim da
classe operária?”, sistematiza e avalia o processo de desindustrialização
relativa do país, o peso e a distribuição da indústria de transformação hoje
comparada com o passado e, também, o peso da classe operária e sua
localização pelos diversos setores. O PSTU estudou esse tema também em
um seminário para a construção destas teses.
69
atingindo cerca de 50 milhões). Em termos absolutos, a classe operá-
ria atingiu seu número mais expressivo nos últimos anos anteriores à
crise (2012 a 2014), cerca de 12 milhões, e, em termos relativos, se ela
diminuiu em relação ao trabalho formal, em relação à População Eco-
nomicamente Ativa (PEA), o setor operário superou os 12%, o que só
havia ocorrido em meados dos anos 1980.
Sobre a distribuição dos operários nos diferentes setores in-
dustriais e do capital produtivo: a indústria de transformação ocupa a
maior fatia, 70% (antes era cerca de 80%); a construção civil aumen-
tou de 14% para 24% (antes da crise); e os 6% restantes se dividem
entre operários da mineração e áreas como energia, água e saneamen-
to. A indústria extrativista, que tem um peso cada vez maior na eco-
nomia do país (assim como o agronegócio), não tem um número tão
expressivo de operários, pois é um setor que tem um ganho extra de
capital denominado renda da terra, em função da qualidade dos recur-
sos naturais. A indústria de alimentos possui o maior número de traba-
lhadores, seguida das indústrias têxtil (de forte composição feminina,
junto com calçados) e metalúrgica. O setor elétrico e de comunicações
é o que emprega menos operários hoje. Apresenta tecnologia de pon-
ta, e a maioria de seus produtos é feita em outros países.
Se o Brasil ainda tem uma das maiores classes operárias do
mundo, há importantes mudanças nessa classe. Um primeiro fator im-
portante é que houve certa desconcentração da indústria. Na década
de 1980, dois terços da classe operária se encontravam na região Su-
deste. Hoje, apenas metade dela se encontra nessa região. Cerca de
20% migraram para as demais regiões do país2. Há, também, uma

2  É importante observar que essa desconcentração ou diminuição


relativa de indústrias no Sudeste, não se refere puramente a deslocamentos
propriamente dito de indústrias, mas também à expansão da indústria
70
redistribuição ainda mais significativa dentro dos principais estados
industriais brasileiros. No caso de São Paulo, por exemplo, o estudo
mostra que, na capital, houve uma queda de 1,5 para cerca de 1 milhão
de operários. Já no interior do estado, cresceu de 938 mil operários,
em 1985, para 1,5 milhões hoje. Isso responde a uma busca da indús-
tria por salários mais baixos: encontrar um custo de vida mais barato e
fugir de um patamar maior de organização da classe.
A variação salarial é grande. A média de remuneração dos ope-
rários do Nordeste, por exemplo, é menos da metade da remuneração
média da zona metropolitana de São Paulo, que, por sua vez, é qua-
se 14% superior à do interior do estado. Nos últimos 25 anos, há um
achatamento dos salários. A remuneração está concentrada na fatia
que recebe de um a dois salários mínimos, e a dos que recebem mais
de cinco salários mínimos nunca foi tão reduzida.
A burguesia tem uma política para fragmentar e dividir a clas-
se e dificultar sua organização. A reestruturação produtiva, a polivalên-
cia, a rotatividade, a flexibilização de direitos, jornada e salários, o alto
desemprego, o grande exército industrial de reserva existente no país e,
especialmente, as terceirizações atuam para a fragmentação, o rebaixa-
mento dos salários e o aumento da exploração. São milhões os tercei-
rizados, compondo um setor pior remunerado, mais precarizado, com
grande rotatividade e insegurança, mas também com grande disposição
de luta e radicalização. A classe é também mais negra, mais feminina,
mais LGBT e tem setores que empregam imigrantes. Os preconceitos e
as desigualdades também são usados para rebaixar os salários e dividir
a classe com machismo, racismo, xenofobia e LGBTfobia. Por outro
lado, a classe operária tem hoje níveis cultural e de formação maiores.

extrativa em outras regiões e a desconstrução ou fechamento de algumas


indústrias tecnologicamente mais avançadas ou de determinados setores.
71
Ao contrário da propaganda de que a classe operária mor-
reu ou diminuiu em importância ou que se diluiu numa miríade
de sujeitos, afirmamos que a classe operária é o coração do sis-
tema capitalista. A produção é o setor mais vital do capitalismo.
Em função e subordinado a ele existe todo o resto (comércio, ser-
viços, sistema financeiro, etc.). É a classe operária industrial que
produz toda a riqueza existente. Ela é o sujeito social da revolução
socialista e a vanguarda da classe trabalhadora assalariada, pelo
lugar que ocupa na produção. Ela tem um papel central num pro-
jeto revolucionário. Por isso, um partido que queira fazer revolu-
ção, além de possuir um programa revolucionário, precisa ser um
partido operário, organizado especialmente junto aos setores mais
pobres e oprimidos da classe operária, e ganhar, em primeiro lu-
gar, a maioria da classe operária para a política e o programa revo-
lucionários. A classe operária, por sua vez, para fazer a revolução,
precisará aglutinar junto a si a classe trabalhadora assalariada, os
setores populares e oprimidos e uma parte expressiva dos setores
médios e de pequenos proprietários.

A classe trabalhadora, os setores populares


e o semiproletariado

O Brasil possui cerca de 205 milhões de habitantes3, uma


das maiores classes trabalhadoras do mundo e é um dos princi-
pais centros para exploração de mão de obra barata para a va-
lorização do capital. Usando uma metodologia diferente da do

3  Segundo o IBGE, no final de 2016.


72
IBGE, que minimiza o exército industrial de reserva existente e o
número de desempregados, o anuário estatístico do Ilaese aponta
os seguintes dados: 65,3 milhões de pessoas não estão inseridas
no mercado de trabalho (39,1 milhões não têm idade para tra-
balhar; 22,3 milhões são aposentados que não trabalham; e 3,8
milhões trabalham para seu próprio consumo); 90.383 milhões
estão inseridos no mercado de trabalho, e 49.818 milhões estão
sem emprego (38,05 milhões não têm remuneração e não procu-
ram emprego; e 11,7 milhões de desempregados oficiais). Isso
significa que quase 50 milhões de pessoas não possuem empre-
go, quase quatro vezes a mais do que os números oficiais. Entre
os empregados, por sua vez, há 27,6 milhões de subempregados4
(usando como critério a não existência de contribuição previden-
ciária); 46,7 milhões é o número de empregados efetivamente
regulares. Entre desempregados e subempregados, temos 77,35
milhões de brasileiros.
Esse enorme exército industrial de reserva à disposição
dos capitalistas pressiona para baixo os salários e os direitos do
conjunto da classe trabalhadora. Com a crise, ele aumenta ainda
mais. Os capitalistas querem que os setores empregados de forma
regular deem às costas aos demitidos, desempregados e subem-
pregados da classe. Contudo, é de grande interesse da classe ope-
rária – para a sua defesa cotidiana e para a revolução socialista

4  O estudo do Ilaese identifica o subemprego nos seguintes setores:


10,1 milhões no setor privado sem carteira assinada; 2,1 milhões de
trabalhadores familiares auxiliar; dos 22,5 milhões de trabalhadores
por conta própria com remuneração média de R$ 1.528, 12,6 milhões
não contribuem com a Previdência e são considerados subempregados;
dos 6.170 milhões de trabalhadores(as) domésticos(as), 5 milhões são
considerados subempregados.
73
– lutar por direitos, defender, organizar e unir na luta os subem-
pregados e os desempregados.
Os setores mais pobres das cidades – os setores popula-
res – são formados pelos setores mais precarizados da classe
operária e da classe trabalhadora em geral, por amplos setores
de subempregados e desempregados, por semiproletários, todos
eles aliados fundamentais da classe operária e da classe traba-
lhadora na luta pela revolução socialista. A revolução brasileira
será operária e popular. Sem organizar as periferias e mobilizá-
-las junto com a classe operária e a classe trabalhadora, não é
possível vencer.
O campo, hoje, concentra apenas 15% da população. Po-
rém o setor agropecuário acumula muito capital – assim como
o setor extrativista mineral e de água e energia (serviços indus-
triais) e causa um impacto importante na economia brasileira. Há
hoje, no campo, cerca de 16 milhões de assalariados agrícolas
(dentre os quais, há cerca de 1,4 milhão de operários), cerca de
4 milhões de camponeses pobres (semiproletários), que produ-
zem para sua subsistência; outros cerca de 4 milhões da agricul-
tura familiar, que produzem para o mercado (sendo que a maior
parte obtém uma baixa remuneração); pelo menos 5 milhões de
famílias sem-terra; e cerca de 1 milhão de produtores médios.
O operariado agrícola e o assalariado rural ganharam peso e ca-
pacidade de mobilização e de organização ao mesmo tempo em
que enfrentam uma tremenda exploração: baixos salários, traba-
lho intermitente e precarização do trabalho na luta contra o agro-
negócio. Já os sem-terra, como indígenas e quilombolas, enfren-
tam enorme violência no campo, e os camponeses pobres vivem
em situação de alta precariedade.

74
Os setores médios e a pequena burguesia
Cerca de 27 a 30 milhões de pessoas5 formam uma camada
intermediária entre a burguesia e o proletariado. Uma parte desses se-
tores médios faz parte da pequena burguesia clássica pelo papel que
ocupa na produção. São pequenos produtores rurais, pequenos comer-
ciantes e até pequenos ou microempresários industriais e profissionais
liberais que possuem escritórios ou consultórios próprios. Há outro
setor chamado de “modernas classes médias” que, sendo assalaria-
dos, recebe uma renda mais alta e, por isso, possui valores da pequena
burguesia: parte dos funcionários com alta remuneração de carreiras
típicas do Estado, setores intermediários bem remunerados de empre-
sas etc. Esse setor, em geral, tem o que perder e resiste a abandonar as
ilusões na possibilidade de ascensão social dentro do capitalismo e na
possibilidade de reformas no sistema. Em momentos de crise, o sis-
tema vai enterrando parte desses sonhos, arruinando um amplo setor
e produzindo grandes oscilações na classe média, que, ao não ter um
projeto próprio de sociedade, oscila, às vezes violentamente, entre a
burguesia e o proletariado.
Esses setores tendem a se dividir na revolução. Uma parte ten-
de a apoiar o proletariado; outra, a burguesia. A classe operária deve
lutar para ganhar uma parte desse setor intermediário para dividi-lo.
Por isso, deve se dirigir a esses setores médios, defender e se colocar à
cabeça de reivindicações que sejam progressivas, orientando-as con-
tra o capitalismo e o imperialismo e se comprometendo a garanti-las.

5  O Ilaese está construindo um anuário estatístico no qual os números


sobre as classes sociais e estratos de classes sociais no Brasil possam
ser mais precisos. Essa estimativa não é um número exato. Buscamos
somar os profissionais liberais e outros a um setor assalariado com alta
remuneração, inclusive do setor público.
75
Da mesma forma, garantimos a eles que a propriedade que queremos
expropriar são os grandes monopólios, não a pequena propriedade.
Precisar e concretizar as reivindicações da pequena burguesia que va-
mos defender é uma tarefa muito importante, já dizia Trotsky.
O Brasil precisa de uma revolução socialista e tem o sujeito so-
cial capaz de defender e conquistar esse projeto. A classe operária bra-
sileira é forte e, como vanguarda da classe trabalhadora, especialmen-
te de seus setores mais explorados, precisará acaudilhar os setores po-
pulares da cidade e do campo, ganhar parte expressiva dos setores mé-
dios e da pequena burguesia urbana e rural e da juventude para fazer a
revolução. Para tal, a primeira tarefa é conquistar e atuar com a mais
completa independência de classe contra as burguesias nacional e im-
perialista. Para esse projeto, é preciso construir os instrumentos neces-
sários, incluindo os comitês populares e um partido revolucionário.
A revolução socialista brasileira será operária e popular.

76
PARTE II

Teses programáticas
para um programa
de transição
para o Brasil
Conclusões fundamentais
que estão na base das teses
de um programa de transição
para a revolução socialista
brasileira

1) O Brasil é uma semicolônia do imperialismo estaduni-


dense e europeu, isto é, um país explorado pelos países imperia-
listas. Ao mesmo tempo, cumpre um papel de submetrópole com
relação aos países mais débeis da América Latina, sempre subordi-
nado aos interesses imperialistas. A subordinação do país às potên-
cias capitalistas durante as diferentes fases do sistema capitalista
mundial foi e continua sendo fator determinante para a definição
dos seus destinos e caminhos e manda para fora uma parcela consi-
derável da riqueza aqui produzida ou extraída. O Brasil nasceu ca-
pitalista e colonizado. O país deixou de ser colônia para tornar-se
semicolônia na época das revoluções burguesas, continuou semi-
colônia durante a época do capitalismo de livre concorrência e, sob
o imperialismo, tornou-se ainda mais subordinado e semicolonial,
apesar de ter ocupado diferentes lugares na divisão internacional
do trabalho no decorrer da história.

79
2) No processo de industrialização, o Brasil se tornou subme-
trópole do imperialismo (uma semicolônia especial, subordinada e ex-
plorada pelos países imperialistas e, ao mesmo tempo, plataforma da-
queles para a opressão dos países mais pobres, da qual os capitalistas
brasileiros se beneficiam como sócios-menores). Como submetrópo-
le, teve diferentes localizações na divisão mundial do trabalho. Com o
neoliberalismo, o país está sofrendo uma desindustrialização relativa,
uma regressão tecnológica e da sua base produtiva, voltando a cum-
prir o papel de exportador de commodities que cumpriu no passado.
Essa nova localização imposta pelo imperialismo ao país e aplicada
por todos os governos da Nova República, desde Collor, implica em
maior subordinação em todos os terrenos: econômico, político e mi-
litar. Isso tem consequências estruturais de toda ordem: a) há um pro-
cesso rentista e uma maior desnacionalização da economia, aumento
da exploração, precarização e fragmentação da classe operária e do
proletariado (que também é, hoje, mais negro, mais feminino e mais
LGBT), embora não tenha havido uma diminuição da classe operá-
ria; b) há um processo de bonapartização1 do regime democrático bur-
guês; c) as multinacionais tomaram o campo, que, com apenas 15%
da população, tem aí hoje um setor expressivo da produção nacional,
um proletariado agrícola, além dos pequenos camponeses, sem-ter-

1  A expressão “bonapartismo” vem da análise de Karl Marx para


descrever o processo no qual a democracia burguesa na França deu lugar à
monarquia de Luis Bonaparte, o sobrinho, fruto de um golpe em 1851. No
livro O 18 Brumário de Luis Bonaparte, Marx explica as razões pelas quais
as divisões entre as distintas frações burguesas e a luta do proletariado,
quando não resolvidas, dão lugar a um governante com poderes especiais
para governar acima das classes. O termo bonapartização é utilizado
aqui para designar atos e medidas de exceção que, mesmo sem mudar o
regime, implicam numa medida de força, seja contra o proletariado, seja
contra distintos setores burgueses, nos marcos do próprio regime.
80
ra, quilombolas e indígenas; d) em meio à maior crise mundial desde
1929, com o fim do boom das matérias-primas, o país vive o fim de
um ciclo, uma enorme crise em meio a um processo de especialização
regressiva de sua economia. Perante a crise mundial, a política do im-
perialismo e do grosso da burguesia brasileira para o país é um ajus-
te prolongado, uma guerra social contra os trabalhadores, os setores
populares e oprimidos e uma rapina imperialista ainda maior, na for-
ma de pagamento da dívida, remessa de lucros para o exterior, desna-
cionalização e privatizações; e) o Brasil, em nome das multinacionais
aqui instaladas e de suas empresas de alimentos, energia, agroindus-
triais e outras, vai explorar a América do Sul e tentar continuar cum-
prindo o papel que cumpre no Haiti.
3) O caráter semicolonial do país foi um dos fatores determi-
nantes que forjaram o caráter da sua classe dominante. A burguesia
brasileira nasceu do latifúndio, subordinada ao mercado externo, frá-
gil diante do imperialismo e o proletariado e extremamente covarde.
Entre o imperialismo e os trabalhadores, ficou sempre, sem pestanejar,
com o imperialismo e nunca vacilou em recorrer à repressão e ao bo-
napartismo. Tem medo do descontrole dos de baixo (dos escravos no
passado, da classe operária e do proletariado hoje). É uma classe total-
mente contrarrevolucionária sem exceção. Na época do imperialismo,
isto é, da decadência do capitalismo, não há setores progressistas da
burguesia que possam ser aliados do proletariado, ainda que esse pos-
sa aproveitar virtuais fissuras que se produzam na classe dominante.
O caráter da burguesia só desnuda com crueza o papel contrarrevolu-
cionário do PT e dos demais partidos oportunistas que vivem da alian-
ça com setores burgueses para tentar administrar o Estado burguês.
4) Consciente da sua fragilidade e temendo os escravos, o pro-
letariado e o campesinato, a burguesia nunca encabeçou uma revolu-

81
ção democrático-burguesa, mas sim reformas controladas, como a in-
dependência negociada, a República ou a chamada Revolução de 30.
O resultado disso é que o Brasil é um dos países que possui mais e
mais tarefas democráticas profundas não resolvidas, com traços par-
ticulares marcantes, tais como: a desigualdade social-racial, o racis-
mo, um enorme e permanente exército industrial de reserva, a questão
agrária, a questão regional, a questão indígena (além de questões de-
mocráticas gerais, como a questão das mulheres e LGBTs). O mesmo
ocorre com a questão da terra e com a independência nacional. Isso
faz com que o Brasil seja um dos países capitalistas mais desiguais do
mundo. Os 350 anos de escravidão e a forma como se deu a indepen-
dência primeiro e a abolição depois, combinados o desenvolvimento
do capitalismo até os dias de hoje, estão na raiz do grau de desigual-
dade existente e do racismo que a burguesia tenta invisibilizar com o
mito da democracia racial.
5) As tarefas democráticas, que têm grande peso na revolução
socialista brasileira, combinam-se com as tarefas socialistas de transi-
ção e devem ser ordenadas pela tarefa mais importante: a tomada do
poder pelo proletariado. O caráter combinado do desenvolvimento de
semicolônias como o Brasil reúne as formas econômicas mais primi-
tivas e a última palavra da técnica e da civilização capitalista. Como
explica Trotsky no Programa de Transição, isso determina, também,
a combinação da luta pelas tarefas democráticas e de libertação nacio-
nal com a luta socialista contra o imperialismo mundial e o sistema
capitalista interno. Do ponto de vista real e não meramente formal,
nenhuma das tarefas democráticas em sua essência coletiva pode ser
resolvida sob o capitalismo e sob o sistema imperialista mundial. Elas
se chocam com o imperialismo e com o sistema capitalista interno ou
nacional, que faz parte do sistema mundial. Por outro lado,

82
(...) o peso relativo e individual das reivindicações democráticas e
transitórias, suas mútuas relações e sua ordem de sucessão, estão de-
terminadas pelas particularidades e pelas condições próprias de cada
país atrasado e, em grande medida, pelo grau de seu atraso. Entretan-
to, a direção geral do desenvolvimento revolucionário pode ser de-
terminada pela fórmula da Revolução Permanente (...).2

Só a tomada do poder pelo proletariado, a derrota do imperia-


lismo em nível mundial e a vitória da revolução socialista internacional
podem garantir, até o final, a segunda e verdadeira independência do
Brasil e as demais tarefas democráticas. Sem isso, todo avanço ou con-
quista democráticos serão sempre incompletos, parciais e estarão amea-
çadas de retrocesso permanentemente. É fundamental que a classe ope-
rária tome todas as bandeiras democráticas, antes, durante e depois da
tomada do poder, que, no entanto, deve garantir a mais completa inde-
pendência política e organizativa de classe (golpear juntos, marchar se-
parados), pois a revolução socialista nacional e internacional é o objeti-
vo ao qual todas as tarefas democráticas estão subordinadas.
6) O imperialismo, a burguesia nacional e a burguesia agrária
ligada à exportação alcançam um dos maiores níveis de exploração
entre os países semicoloniais. A industrialização do Brasil já sob o im-
perialismo reproduz a desigualdade, que é funcional e está na base da
manutenção de um enorme exército industrial de reserva e da remu-
neração da força de trabalho abaixo dos custos de sua reprodução. A
superposição de diferentes estágios de relações capitalistas e as desi-
gualdades se combinam numa totalidade em que o moderno e o arcai-
co se retroalimentam numa simbiose. As diferentes localizações im-

2  TROTSKY, Leon. Programa de Transição. Informação, São Paulo:


Editora Jornalística Criart, 1989, p 41.
83
postas pelo imperialismo ao país na divisão mundial foram reprodu-
zindo e agravando desigualdades existentes e novas combinações. As-
sim, o país passou de uma maioria camponesa a apenas 15% da popu-
lação no campo. O êxodo rural produziu uma urbanização acelerada e
caótica: uma ampla periferia nas grandes cidades, onde encontram-se
os setores mais precarizados e explorados da classe operária, semipro-
letários e desempregados, formando um amplo e explosivo setor po-
pular. Junto ao agravamento de todas as desigualdades e desse imenso
setor popular, foi forjada uma das maiores e mais concentradas classes
operárias do mundo e um dos maiores proletariados do planeta.
7) Para manter toda essa exploração e essa desigualdade, é pre-
ciso uma violência permanente contra os trabalhadores e os explorados
e oprimidos em geral. O Estado brasileiro tem forte cunho bonapartista
em sua origem, pois não se formou por meio de uma revolução nem na
independência, nem em outros processos políticos. Nasceu fortemente
militarizado, reprimindo e massacrando violentamente as inúmeras re-
beliões e insurreições que existiram, impondo uma unidade nacional na
marra, estendendo no tempo a escravidão e a monarquia, forjando, mais
tarde, uma república também numa transição negociada por cima, tendo
como base a derrota de inúmeras rebeliões e um falso federalismo, que
aprofundou as desigualdades sociais e regionais. A formação da Guarda
Nacional, voltada a cumprir papel de polícia e de repressão social inter-
na, protagonizou massacres que não condizem com os mitos propaga-
dos de uma burguesia benevolente e um povo dócil. A violência contra
o povo, o terror e inclusive genocídios promovidos pelo Estado foram
uma constante em nossa história. Hoje, o caráter autoritário se manifes-
ta, dentre outros, na política de terror das polícias militares, que reúnem
500 mil homens armados e organizados militarmente para reprimir gre-
ves, manifestações e comunidades pobres.

84
8) Só uma revolução socialista pode libertar o proletariado da
sua condição de escravo assalariado e resolver a tragédia do desempre-
go, da miséria e da fome. Por outro lado, não há nenhuma possibilidade
de superação da desigualdade social e racial nem de desenvolvimento
do país de nenhum ponto de vista sem uma ruptura com o imperialismo,
que sujeita e explora o Brasil. Da mesma forma, só uma revolução so-
cialista pode romper com o imperialismo, realizar uma verdadeira inde-
pendência nacional, acabar com todas as formas de opressão e garantir
amplos direitos democráticos para todos os setores populares. A revo-
lução socialista nacional e internacional é uma necessidade imperiosa
para impedir que a humanidade caminhe para a barbárie.
Uma revolução desse tipo só pode ser parte e ao mesmo tem-
po impulsionadora da revolução socialista mundial. A discussão sobre
o país estar maduro ou não para o socialismo nem mesmo tem senti-
do, já que existe uma economia mundial imperialista. Não há a menor
possibilidade de um capitalismo autônomo. E não há a mínima condi-
ção de se fazer reformas sob o capitalismo na fase atual. Os governos
do PT estão aí para demonstrar. Da mesma maneira, não há nenhuma
burguesia nacional anti-imperialista.
A revolução socialista terá de expropriar os grandes monopó-
lios nacionais e internacionais, os grandes bancos, o agronegócio e os
meios de comunicação e transporte que passariam a ser propriedade
coletiva gerida pelo Estado. A economia dessa nova sociedade seria
planificada de acordo com as necessidades populares. O país romperia
todos os pactos e acordos com o imperialismo e colocaria o monopó-
lio do comércio exterior nas mãos do Estado.
9) O proletariado, colocando-se à frente dos setores populares
e organizando-se de forma independente da burguesia, é a única classe
que pode fazer a revolução socialista que vai derrotar o imperialismo e

85
o capitalismo. Para isso, necessita tomar o poder, destruir o Estado bur-
guês e constituir um governo socialista dos trabalhadores e do povo po-
bre apoiado em conselhos populares. Esse é o objetivo do proletariado
nesta etapa da luta de classes, tanto histórico quanto imediato.
10) A classe operária e toda a classe trabalhadora brasileira,
que é uma das mais fortes do mundo, têm, porém, um grave problema
para que possa cumprir essa tarefa: a crise da direção do proletariado
causada pela existência de fortes organizações que traíram e traem a
luta histórica da classe operária pelo socialismo e pela independência
de classe. Os dois principais partidos que a nossa classe teve – o anti-
go PCB antes de 1964 e o PT dos anos 1980 até hoje – propuseram ou
apoiaram alianças com a burguesia para governar o país dentro dos li-
mites do capitalismo. Essa estratégia não apenas fracassou como, nos
dois casos, impôs derrotas, desmoralização e desorganização. Chegou
a hora de superarmos as direções oportunistas que nos levam aos bra-
ços do inimigo de classe e construirmos uma direção revolucionária
para a revolução socialista brasileira e mundial.
Essa direção só pode ser um partido revolucionário e operário
que seja parte de uma internacional revolucionária e se construa como
uma organização de combate baseada no princípio organizativo do
centralismo democrático. O PSTU está construindo uma organização
desse tipo, como parte da Liga Internacional dos Trabalhadores, que
tem como objetivo reconstruir a IV Internacional. No entanto, cons-
truir esse grande partido revolucionário com raízes profundas na clas-
se operária industrial, quadros operários decididos e sólida formação
marxista é a tarefa mais difícil e grandiosa da nossa época, tarefa que
só vingará se for assumida por toda uma geração de trabalhadores que,
junto conosco, encarem esse desafio.

86
PARTE III

Sistematização de pontos e
tarefas para um programa
de transição
As tarefas e os pontos que elencamos a seguir são colocados,
em primeiro lugar, pela necessidade objetiva – partem do que é mais
sentido pelos trabalhadores – e devem conduzir à tomada do poder
pela classe operária, pelos trabalhadores, pela juventude e pelo povo
pobre para estabelecer uma ditadura revolucionária do proletariado,
primeiro passo da revolução socialista nacional e internacional. Em
segundo lugar, eles afirmam a necessidade subjetiva de se construir
um partido revolucionário, que seja parte de uma internacional revo-
lucionária, para responder a essa tarefa.
Só um governo operário e popular (socialista dos trabalhado-
res) que governe por meio de conselhos populares poderá garantir que
essas tarefas sejam cumpridas. Por isso, para os operários e o povo po-
bre, o poder é a tarefa mais importante, a que ordena todo o programa.
É a nossa estratégia.

89
1. Pelo direito a trabalho e condições de vida decentes
para todos! Por emprego, salários, direitos, educação,
saúde, transporte público e condições dignas de vida!

Em primeiro lugar, está a luta pela sobrevivência física da clas-


se trabalhadora para que ela possa lutar por seus objetivos históricos.
O desenvolvimento capitalista brasileiro, dependente e subordinado
ao imperialismo, produz e reproduz o processo de superexploração da
força de trabalho: paga salários baixos e remuneração abaixo dos cus-
tos de reprodução para a metade ou para a maioria da classe trabalha-
dora e mantém imensos contingentes imersos na pobreza, no subem-
prego e no desemprego.
Emprego – Reduzir a jornada de trabalho para 36 horas se-
manais sem reduzir os salários e estabelecer escala móvel de horas
de trabalho e de salário ante um aprofundamento da crise. Esten-
der emergencialmente o seguro-desemprego para dois anos. Gerar
empregos com um plano de obras públicas necessárias sob con-
trole dos trabalhadores, que respeite o meio ambiente, com inves-
timento em saneamento básico, escolas e hospitais públicos. Pro-
mover moradias populares e infraestrutura. O financiamento será
com o dinheiro que hoje é destinado aos banqueiros, em forma de
pagamento da dívida pública, e com o fim das isenções fiscais aos
grandes capitalistas.
Salários – Estabelecer o salário mínimo do Dieese (Departa-
mento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Esta-
belecer aumento real e geral dos salários e das aposentadorias.
Direitos – Pôr abaixo todos os planos de ajuste que fazem par-
te de uma guerra social contra os trabalhadores e o povo pobre. Em

90
direitos não se mexe! Pela retirada das reformas trabalhista e previ-
denciária. Pela revogação da lei das terceirizações e da PEC do teto.
Esses eixos, somados às questões da moradia, da terra, da saú-
de, da educação, do transporte, do lazer e do fim da violência contra a
juventude pobre e negra das periferias são as necessidades e aflições
diárias que atingem os trabalhadores e o povo pobre na crise.

2. A importância das tarefas democráticas: só a


revolução socialista pode cumpri-las

a) Romper todos os laços que subordinam o país ao


imperialismo. A libertação nacional – a segunda
independência – será operária e socialista ou não será
Essa é uma tarefa democrática central. Para desenvolver ple-
namente o país em todas as suas potencialidades e para que o povo
possa se beneficiar das suas riquezas, é imprescindível romper todos
os laços que nos subordinam ao imperialismo, realizando uma segun-
da e verdadeira independência nacional. Só uma revolução socialista,
dirigida pelo proletariado à frente das massas populares, pode cumprir
essa tarefa histórica.
Parar de pagar a dívida pública aos grandes investidores é
a primeira medida anti-imperialista e deve ser seguida pelo fim da
Lei de Responsabilidade Fiscal (que é uma verdadeira irresponsa-
bilidade social), pela proibição da remessa de lucros para o exte-
rior, pelo controle de capitais e pela centralização do comércio ex-
terior. Para que essas medidas possam ser garantidas de fato, faz-se

91
necessário nacionalizar, centralizar e estatizar o sistema financei-
ro, bem como nacionalizar e expropriar as multinacionais, colo-
cando-as sob controle dos trabalhadores.
Retirar as tropas brasileiras do Haiti e não reconhecer os trata-
dos e organismos que impõem a opressão e a submissão econômica,
política e militar sobre o Brasil e a América Latina, como a Organi-
zação dos Estados Americanos (OEA), o Tratado Interamericano de
Assistência Recíproca (TIAR) e os acordos sobre segurança pública.

b) A questão da moradia e o direito às cidades1


Todo mundo deve ter assegurado o seu direito à moradia. No
entanto, os grandes burgueses usam a terra para ganhar dinheiro com
a especulação imobiliária. Isso é um roubo: o dono da terra acaba sen-
do alguém que, muitas vezes, nem sabe que ela existe e não exerce
nenhuma atividade nela. A sua área, terreno ou edificação não servem
para nada, enquanto milhões de pessoas não têm onde morar.
Regularizar as áreas ocupadas pelo povo pobre e trabalha-
dor – Suspender todos os despejos de áreas públicas municipais ocu-
padas por famílias de baixa renda com finalidade de moradia.
Resolver o déficit habitacional – Dar a prédios, casarões e
edificações que se encontram inutilizados por mais de dois anos a fun-
ção de moradias populares. Eles devem ser tomados pelas administra-
ções municipais e reformados para servirem como moradias. Cons-
truir um parque de moradias públicas e estatais com aluguel social.
IPTU Progressivo – De aplicação agressiva e imediata, com
uma faixa de isenção para moradias populares.

1  A maioria dos pontos aqui elencados são os que defendem o Luta


Popular, movimento popular por moradia filiado à CSP-Conlutas.
92
Dação em pagamento – Enfrentar os especuladores! Se um
dono de imóvel deve IPTU, a prefeitura pode cobrar esse imposto to-
mando um pedaço desse imóvel que seja correspondente ao valor da
dívida. Deve ser aplicado o instrumento em todos os imóveis com dívi-
das superiores a determinado valor, que atinja o especulador e o gran-
de proprietário, para compor um banco de terras e edificações públicas.
Sobre poder e organização dos moradores da cidade para
garantir suas decisões – O poder deve pertencer àqueles e aquelas
que constroem as cidades com a força de seus braços e a fazem fun-
cionar com a energia de seu trabalho. As decisões devem ser daqueles
que produzem e reproduzem a vida das cidades. É preciso constituir e
reconhecer oficialmente, como instâncias de deliberação política, co-
mitês populares que funcionem em base a critérios discutidos e regras
comumente definidas, com representações por espaços determinados.
Obras públicas e emprego – Os escândalos de corrupção en-
volvendo construtoras, empresas e bancos demonstram a necessidade de
uma empresa pública municipal de obras públicas, controlada pelos tra-
balhadores e pelos comitês dos bairros. O Estado deve construir obras ne-
cessárias, definidas pela comunidade, ao invés de dar dinheiro para em-
presários enriquecerem, como acontece com o programa Minha Casa,
Minha Vida. Essa empresa pública municipal de obras, controlada pelos
trabalhadores, pode gerar emprego e aumentar a qualidade de vida.

c) A questão do campo: reforma e revolução agrária

Chega de precarização, informalidade, superexploração, injus-


tiça, violência e baixos salários no campo. Garantir direitos sociais e
trabalhistas para o operário agrícola e o trabalhador rural.

93
É necessária uma revolução agrária no campo: nacionalizar,
expropriar e estatizar o agronegócio e coloca-lo sob controle dos tra-
balhadores para que definam sua produção, considerando o meio am-
biente e as necessidades do país.
Expropriar e nacionalizar, também, o latifúndio improdutivo.
As terras, as florestas e o subsolo devem ser nacionais e estatais em
enorme maioria.
A revolução agrária, hoje a principal medida no campo, não
exclui a necessidade de realizar a reforma agrária em parte das áreas
para garantir terra aos camponeses sem terra que a reivindicam e con-
dições de produção e comercialização. Também deve ser garantida a
regulamentação e a titulação das terras indígenas e quilombolas.
A agricultura familiar, o pequeno produtor rural e as cooperati-
vas existentes devem ser protegidas. O acesso ao crédito barato, a con-
dições de produção e de comercialização vantajosas deve ser garantido.

d) A questão negra: uma saída de raça e classe

Exigimos um programa de reparações. O capital que a bur-


guesia acumulou durante mais de 350 anos só foi possível graças
o genocídio de mais de 50 milhões de indígenas na América (6 mi-
lhões no Brasil) e a escravização de mais de 20 milhões de africa-
nos. Essa hecatombe humana ajudou o capitalismo a alcançar sua
fase superior de desenvolvimento, que se deu com o imperialismo.
A justificativa tanto para a escravidão colonial quanto
para a neocolonização foi a ideologia de superioridade racial
contra os povos não brancos. O racismo não desapareceu com

94
o fim da escravidão, pelo contrário, se fortaleceu com o desen-
volvimento do capitalismo.
Estamos em pleno século 21. Já está mais do que comprovado
que o racismo é funcional para a existência do capitalismo e para o au-
mento da exploração. O Brasil, talvez, seja um dos países em que a rela-
ção entre desigualdade social e racial mais se combinam.
A luta contra a opressão, a exploração e a humilhação racial está
estritamente ligada à luta contra a dominação capitalista e, por isso, é
uma luta de raça e classe, a ser travada junto com a classe operária e
os trabalhadores, pelo fim do capitalismo, do racismo e da exploração.
Exigimos o direito a reparações históricas pelos crimes pratica-
dos pela burguesia, tanto no passado quanto no presente.

• Fim do genocídio da juventude negra e do feminicídio das


mulheres negras
• Fim da Força Nacional de Segurança Pública e desmili-
tarização da PM
• Formação de conselhos populares de segurança pública
• Salário igual para trabalho igual
• Plano de construção de obras públicas nas periferias para
geração de empregos para negros e negras
• Titulação das terras de remanescentes de quilombolas
• Expropriação de todas as terras que foram ou ainda são fa-
zendas de trabalho escravo
• Aplicação da Lei 10.639/2003, que instituiu a obrigatorie-
dade das disciplinas História da África e da Cultura Afro-
-brasileira nas intuições de ensino
• Cotas nas universidades e nos serviços públicos, propor-
cionais ao contingente negro de cada estado ou cidade

95
e) A questão indígena

Ao lado da escravidão, houve, no Brasil, um genocídio indígena.


A luta que derrubou a ditadura conquistou a reserva das terras
indígenas para impedir seu extermínio e mínimas condições da ma-
nutenção dos povos remanescentes e de sua cultura. Esse direito, po-
rém, nunca foi regulamentado, e o agronegócio, os fazendeiros e seus
jagunços e o próprio Estado promovem, hoje, uma violência enor-
me contra os povos indígenas, desrespeitando as reservas, arrebentan-
do as florestas e os rios, expulsando-os das terras, realizando chaci-
nas e tentativas de genocídio, como estão fazendo contra os Guarani-
-Kaiowá no Mato Grosso do Sul, por exemplo.
A regulamentação das reservas indígenas é uma reivindicação
democrática mínima. Os indígenas têm direito a reparações.

f) As desigualdades regionais

A economia brasileira apresenta os níveis mais altos e desigual-


dade regional no mundo: tanto no que diz respeito a estruturas produti-
vas quanto a relações de trabalho, condições de vida e desenvolvimen-
to humano, na relação entre as grandes regiões e no interior delas. No
que se refere ao IDH (Indicativo de Desenvolvimento Humano), o Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) constatou até três Brasis. O
Nordeste, com todos os seus nove estados, ficou com os piores índices.
As políticas estatais para combater essas desigualdades em di-
ferentes momentos nunca conseguiram resolvê-las. Pelo contrário, o

96
dinheiro destinado a isso beneficiou os ricos e não alterou os índices
sociais e de desenvolvimento.
Com o advento do neoliberalismo a situação de desigualdade
dos estados e regiões piorou, colocando em questão o pacto federati-
vo. A Lei de Responsabilidade Fiscal e a maior concentração das ver-
bas nas mãos da União para garantir o pagamento da dívida aos ban-
queiros, junto com o estímulo à guerra fiscal entre estados para atra-
ção de capitais, asfixiou muitos estados.
Durante o período de crescimento econômico, a situação se
ameniza. Porém ela volta a se expressar com força redobrada na crise.
É necessário acabar com a Lei de Responsabilidade Fiscal, suspender
o pagamento das dívidas dos estados e acabar com as isenções fiscais,
conformando um novo pacto federativo. Também é preciso confiscar
os bens de corruptos e corruptores.
As desigualdades regionais só poderão terminar definitiva-
mente com uma economia planificada, que organize a produção de
maneira justa, tratando desigualmente os desiguais, favorecendo o de-
senvolvimento e superando o déficit de infraestrutura e as condições
de vida em todas as regiões. A decisão de prioridades e a administra-
ção das verbas devem ser colocadas sob controle dos trabalhadores.

g) A questão da mulher

O combate ao machismo e à exploração é parte decisiva do


programa e da política dos revolucionários. Não pode ser livre quem
oprime o outro. A classe trabalhadora é composta pelos dois sexos. É
inadmissível que quase metade dela, além de superexplorada e opri-

97
mida pelos patrões, seja também oprimida pelos homens da sua pró-
pria classe. O machismo divide os trabalhadores, favorece a explo-
ração e enfraquece a luta contra o capitalismo. As bandeiras contra a
opressão e a discriminação das mulheres precisam ser defendidas por
todos os trabalhadores. O combate ao machismo deve ser um combate
consciente para unir a classe trabalhadora contra o machismo e a ex-
ploração e derrotar a burguesia e o capitalismo.

• Salário igual para trabalho igual


• Fim da dupla jornada e socialização do trabalho doméstico
• Fim da violência contra a mulher: abaixo os feminicídios e
os estupros. Punição aos agressores e direito à autodefesa.
• Direito ao exercício da maternidade. Licença-maternida-
de de seis meses sem isenção fiscal. Licença paternidade
de 45 dias.
• Creches públicas, gratuitas e em tempo integral para todos
os filhos da classe trabalhadora, financiadas pelo Estado.
• Em defesa do direito a decidir, legalização e descrimina-
lização do aborto
• As mulheres negras são ainda mais exploradas e mais
oprimidas. Isso não pode ser esquecido pelas mulheres e
pelos homens da classe trabalhadora.
• Unidade entre homens e mulheres trabalhadoras contra o
machismo e a exploração.

98
h) A questão LGBT
A luta contra o preconceito, a discriminação e a violência contra
as LGBTs tem um profundo corte de classe, porque não é possível aca-
bar com todo o preconceito sob o capitalismo. Não há saída individu-
al nem por meio do consumo capitalista que acabe com a LGBTfobia.

• Criminalização da LGBTfobia!
• Campanhas que combatam o preconceito e a discriminação
• Amplo atendimento médico e psicológico às vítimas de
violência, construção de casas abrigo, investigação hábil
e punição aos agressores
• Fim da exclusão, da discriminação no mercado de traba-
lho e do desemprego impostos pela LGBTfobia
• Abaixo a repressão policial LGBTfóbica!
• Respeito à identidade de gênero na saúde, nas instituições
de ensino, nos presídios e em todos os espaços sociais
• Direito ao nome social de transexuais, transgêneros e tra-
vestis sem burocracia
• Despatologização da transexualidade!
• Acesso amplo à saúde para transexuais, incluindo o direi-
to à cirurgia de redesignação sexual e a tratamentos hor-
monais pelo SUS.
• Acesso à saúde público, gratuito e sem discriminação
para LGBTs
• Fim das regras que proíbem gays, travestis e transexuais
de doar sangue
• Educação pública que respeite a diversidade de identidade
de gênero e a orientação sexual e garanta o livre e seguro

99
desenvolvimento e exercício da sexualidade
• Não ao Projeto Escola sem Partido
• Cotas para pessoas transexuais nas universidades e nos
concursos públicos
• Fim da mercantilização dos espaços de luta LGBT, como
as paradas do orgulho LGBT, que são patrocinadas pelos
governos e pelo “mercado pink”, restringindo a participa-
ção do movimento e esvaziando-as de conteúdo político
• Estado laico de fato: abaixo a intervenção religiosa sobre
os direitos de LGBTs

i) A questão dos imigrantes

• Basta de xenofobia e de superexploração!


• Direito imediato à nacionalidade: legalização dos papéis
de haitianos, bolivianos, cubanos e africanos
• Direitos civis, trabalhistas e sociais
• A classe trabalhadora é uma só, seja brasileira, seja estrangeira.

j) Abaixo a corrupção

Tomar as empresas dos corruptores, como Odebrecht, JBS e


outras. Estatizá-las e colocá-las sob controle dos trabalhadores, pre-
servando os empregos e as obras, que devem ser controladas pelas co-
munidades envolvidas.

100
• Prisão e confisco dos bens das empresas, dos corruptos e
dos corruptores

3. Defendemos as liberdades democráticas,


mas não a democracia dos ricos

Denunciamos que essa democracia é uma mentira. As eleições


são controladas pelo poder econômico. Os poderes Executivo, Legis-
lativo e Judiciário são controlados pelas empresas e pelos bancos e
governam para manter seus lucros e privilégios. Além disso, as suces-
sivas reformas feitas na Constituição e as inúmeras leis aprovadas nos
últimos 30 anos tiram a soberania do país, submetendo-o, por lei, a ter
como prioridade remunerar banqueiros e multinacionais.
Esse Estado e essa falsa democracia impõem suas leis e refor-
mas contra a vontade da maioria do povo e dos trabalhadores, usando
a repressão contra os de baixo quando protestam.
A defesa das liberdades democráticas não é a mesma coisa e
não pode ser confundida com a defesa do chamado Estado democráti-
co de direito, que prende pobres e negros em massa e protege um pu-
nhado de bilionários e seu sistema de exploração.
Defendemos o direito de expressão, de organização, de gre-
ve. Defendemos que todos os mandatos sejam revogáveis a qualquer
momento e que os políticos têm de ganhar o mesmo que um operário
ou professor.
Afirmamos que a ação direta, a luta da classe operária e dos de
baixo, deve ser prioritária em relação à ação institucional (participa-
ção nas eleições e no Parlamento), porque não vamos mudar o país e

101
o sistema pelas eleições nem pela democracia dos ricos. Precisamos
construir a democracia operária, os conselhos populares, nos quais a
maioria tenha o poder de verdade e possa governar.

4. Contra a criminalização do movimento, pela


organização e direito à autodefesa e por uma política
para as Forças Armadas

a) Não à criminalização das lutas!


• Fim do genocídio da juventude pobre e negra das periferias
• Fim dos assassinatos e das chacinas contra camponeses
sem terra, quilombolas e indígenas
• Desmilitarização e fim da PM: por uma polícia civil unifi-
cada, com direito de greve e de sindicalização e delegados
eleitos e controlados pela comunidade.
• Não à criminalização das lutas e das organizações dos tra-
balhadores e da juventude. Liberdade para os presos polí-
ticos. Fim dos processos contra os lutadores.
• Revogação da Lei Antiterrorismo e da Lei das Organiza-
ções Criminosas. Revogação da portaria de Garantia da
Lei e da Ordem das Forças Armadas. Desmilitarização
e fim da Força Nacional. Proibir que as Forças Armadas
atuem como polícia.
• Abaixo as leis sobre drogas aprovadas em 2006, que re-
sultam em encarceramento massivo de negros e pobres.
• Descriminalização e legalização das drogas para acabar
com o narcotráfico.

102
• Fim dos convênios com os EUA para fins de segurança
pública e de combate ao terrorismo.

b) Direito à autodefesa
Organizar, a partir de piquetes de greve nas fábricas, destaca-
mentos operários de autodefesa. Organizar a autodefesa nas lutas, nas
manifestações, nos bairros operários e populares e no campo.

c) Desmilitarização e democratização das polícias e das For-


ças Armadas: direito de sindicalização, de greve e de manifestação
É do interesse dos trabalhadores chamar a base das polícias e
das Forças Armadas a não reprimir os trabalhadores e o povo pobre,
não se submeter e se rebelar contra as cúpulas.

5. Estatização dos bancos e do sistema financeiro,


expropriação dos principais monopólios capitalistas
e imperialistas na indústria, na cidade e no campo, nos
meios de comunicação e transporte! Controle operário
sobre todas as empresas!

As grandes empresas passariam a ser propriedade coletiva ge-


rida pelo Estado. A economia dessa nova sociedade seria planificada
de acordo com as necessidades populares. O país romperia todos os
pactos e acordos com o imperialismo e colocaria o monopólio do co-
mércio exterior nas mãos do Estado.

103
A economia planificada garantiria a exploração dos recursos
naturais respeitando o meio ambiente.
A economia capitalista voltada para o lucro e não para as
necessidades da humanidade, além de produzir exploração e misé-
ria, está colocando em risco o planeta e a sobrevivência da própria
espécie humana.
O modelo neodesenvolvimentista praticado pelo PT, no
Brasil, e pelos demais governos do continente, baseado na expor-
tação de commodities e alicerçado no agronegócio e na indústria
extrativa, é altamente predatório. O acidente2 da Vale/Samarco em
Mariana (MG) – que, na verdade, foi um crime ambiental – é ape-
nas um exemplo do grau de destruição a que o país está submeti-
do. A usina de Belo Monte, a transposição do Rio São Francisco, o
novo código florestal e a quantidade de agrotóxicos usada nos ali-
mentos são ações destrutivas do meio ambiente, expulsam a popu-
lação indígena e ribeirinha das florestas, desmatam a Amazônia e
provocam desastres ambientais e ecológicos.

2  Em 5 de novembro de 2015, barragem do Fundão, em Mariana


(MG), de responsabilidade da mineradora Samarco, rompeu-se, matando
dezenas de pessoas e destruindo tudo ao redor – casas, comércio, bairros
inteiros. Milhões de metros cúbicos de rejeitos tóxicos foram lançados
sobre os trabalhadores da barragem, sobre as comunidades vizinhas e
sobre o Rio Doce até atingir o mar. Um ecossistema inteiro foi destruído,
resultando em surgimento de doenças, morte de peixes, morte da fauna
e da flora, inutilização do Rio Doce entre outros problemas. Ainda hoje, e
não se sabe por quanto tempo, os atingidos estão desenvolvendo doenças
relacionadas ao contato com substâncias tóxicas.
104
6. A organização da classe trabalhadora: independência
de classe e democracia operária

Os sindicatos, as assembleias e a organização de base


Em momentos de profunda crise, para que os sindicatos possam
cumprir o papel de ajudar a auto-organização dos trabalhadores, é pre-
ciso combater toda a burocratização, o economicismo, a rotina e a passi-
vidade; estimular a autodeterminação e a democracia de base; transfor-
mar as assembleias em instâncias que os ativistas de base conduzam e
intervenham; formar comandos e comitês amplos nas lutas para que sua
condução não seja restrita à diretoria; ampliar e estimular a organização
de base, as CIPAS (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) e os
comitês e comissões de fábrica mais amplos onde for possível.

Os comitês de fábrica
Os futuros órgãos de poder dos trabalhadores nascem das lu-
tas, especialmente nos locais de trabalho. Depois, expandem-se para
os conselhos. O poder dos comitês e dos conselhos como poder alter-
nativo nacional à propriedade privada numa situação revolucionária
só tem essa força se estiver muito bem instruído e representar esse po-
der também no local de trabalho.

Os comitês populares
A experiência de ocupação das escolas secundaristas foi um
exemplo que talvez possa se repetir e se generalizar. Infelizmente,
não se mantiveram os comitês de ativistas daquela luta, organiza-
dos por todos os lados e centralizados em conselhos. Contudo, as
lutas que continuam dão oportunidade para que os comitês se for-

105
mem, se generalizem e se unifiquem nos bairros pobres, nas esco-
las, nos locais de trabalho.

Aliança operário-estudantil
É muito importante que a juventude estudantil se alie aos tra-
balhadores na luta para mudar o Brasil.

Democracia operária
Defender e praticar a democracia operária: as bases devem de-
cidir sobre as lutas. É preciso combater a burocracia sindical.

Independência de classe
A classe operária e toda a classe trabalhadora devem buscar
construir seus organismos de luta independentes da burguesia. A uni-
dade com o movimento popular e o chamado ao movimento estudan-
til para se somarem à luta dos trabalhadores é fundamental. Da mes-
ma forma, deve ser combatida toda tentativa de colocar a classe traba-
lhadora e seus organismos a reboque de frentes e campos burgueses
de colaboração de classes, como, por exemplo, a proposta de Frente
Ampla defendida pelo PT, por diversas organizações e, também, por
partidos burgueses.

7. Os conselhos populares

A classe operária brasileira precisa se preparar para tomar o


poder. Isso não se faz sem um aprendizado. É preciso construir, na
luta, organismos que no futuro se transformem em órgãos de poder

106
operário. Impulsionar a auto-organização dos trabalhadores e dos se-
tores populares é vital para o processo revolucionário.
Os comitês e conselhos, futuros órgãos de poder da classe, sur-
gem das lutas concretas. Na Rússia, nasceram em 1905 para coorde-
nar as lutas. Surgiram dos grevistas de 50 oficinas tipográficas, que
elegeram delegados e orientaram a formação de um conselho. A eles,
foram se juntando conselheiros de outras fábricas e indústrias.
O partido revolucionário é decisivo, mas não pode tomar o po-
der sozinho. Deve dirigir os conselhos, como órgão democrático de
poder operário e popular, para que se tome o poder por meio deles e
para que os trabalhadores governem por eles, garantindo, assim, a de-
mocracia operária, uma verdadeira democracia da maioria.

8. É preciso combater os partidos e as direções


oportunistas e traidoras

As direções oportunistas vêm, durante décadas, aliando-se


com a burguesia para defender o capitalismo e o Estado burguês. Elas
levam o proletariado brasileiro a sucessivas derrotas e retrocessos em
sua luta. Se estas direções reformistas, que não vão além do capitalis-
mo, não forem combatidas todos os dias, não é possível construir uma
alternativa de direção revolucionária para a classe operária.
É preciso combater também o ultraesquerdismo, que não con-
segue se ligar às massas operárias e intervir com paciência e política
correta na luta de classes.

107
9. Pela construção do partido socialista revolucionário
nacional e internacional

Para lutar pela revolução socialista e pelo poder para a clas-


se operária e o povo pobre, é necessário um partido revolucio-
nário nacional e internacional. Por isso, construímos o PSTU e a
Liga Internacional dos Trabalhadores na luta pela reconstrução da
Quarta Internacional.

10. Por um governo socialista dos trabalhadores!


Operários e povo pobre no poder!

Só um governo socialista dos trabalhadores, que governe por


meio de conselhos populares, enfrente os capitalistas e tome medidas
anti-imperialistas e anticapitalistas, que avance rumo ao socialismo,
será capaz de mudar radicalmente o Brasil, acabar com todas as desi-
gualdades, com as injustiças e com a exploração.
Só conquistaremos um governo assim com uma revolu-
ção socialista.
A revolução socialista no Brasil será um elo da revolução mun-
dial. Deve propor de imediato a criação de uma Federação Socialista da
América Latina, apoiando a luta dos trabalhadores de todo o continente
pela sua libertação do imperialismo e pela derrota do capitalismo.

108
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OUTROS TEXTOS E ESTUDOS

Cartilha do Movimento Luta Popular: Construindo poder popular –


Comitês populares para governar

Dossiê da CSP-Conlutas: A criminalização das lutas e dos lutado-


res sociais

Mapa da Violência: relatório anual da Flacso

Anuário Estatístico do Ilaese

115
A impressão ficou a cargo da BMF Gráfica e Editora de São Paulo,
Brasil, e realizou-se em papel Norbrite Bulk LD 66 g/m2.

Para composição deste texto, foi usada a fonte Times New Roman,
corpo 10,2 pt, com entrelinhas de 12,2 pt.,
e nos títulos Bebas Neue, corpo 26 pt.

Impressão em abril de 2018

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