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PRECISA
DE UMA
REVOLUÇÃO
SOCIALISTA
TESES PROGRAMÁTICAS
MARIÚCHA FONTANA (Org.)
O BRASIL
PRECISA
DE UMA
REVOLUÇÃO
SOCIALISTA
TESES PROGRAMÁTICAS
EDITORA SUNDERMANN
Abril de 2018
© 2018, Editora Sundermann
A editora autoriza a reprodução de partes deste livro para fins acadêmicos e/ou
divulgação eletrônica, desde que mencionada a fonte.
Revisão: Edição:
Luciana Candido Jorge Breogan
ISBN:
APRESENTAÇÃO................................................ 9
PARTE 1
As bases históricas, teóricas e
políticas para definir o caráter
da revolução e o programa................................. 19
PARTE 2
Teses programáticas para um programa
de transição para o Brasil.......................................... 77
PARTE 3
Sistematização de pontos e tarefas para um
programa de transição............................................... 87
REFERÊNCIAS............................................................. 109
Nota dos editores
9
Estamos vivenciando uma crise profunda e estrutural que está
inserida numa crise do sistema capitalista mundial. A crise no Brasil não
é meramente econômica nem conjuntural. Ela mostra o esgotamento do
regime da Nova República e expõe de maneira crua as vísceras do siste-
ma capitalista. Ela coloca sobre a mesa a necessidade de discussão e de
luta por um programa: uma compreensão comum dos acontecimentos e
das tarefas colocadas para a classe trabalhadora.
Aqui e no mundo, não há solução para a vida da enorme maio-
ria das pessoas sob o capitalismo. Uma revolução é necessária. O Brasil
precisa de uma revolução socialista.
No entanto, a afirmação de que o Brasil necessita de uma revo-
lução socialista é um tema bastante polêmico. A maioria das correntes,
dos partidos e dos autores que interpretaram a História do Brasil e se rei-
vindicam do marxismo e de esquerda diz o contrário.
De um modo ou de outro, os que reivindicam a revolução,
formalmente ou não1, dizem que o país não estaria maduro para o
socialismo. Eles propõem a tese da revolução por etapas: primeiro,
é preciso acontecer uma revolução democrático-burguesa; depois,
num futuro indeterminado, a segunda etapa, a revolução socialis-
ta. Dessa forma, as correntes de esquerda, em geral, herdaram a tra-
2 Teoria mencionada pela primeira vez por Stalin, em 1924, após a morte
de Lenin. O desenvolvimento dessa teoria definiu a política do stalinismo
para a URSS e para a III Internacional. De acordo com ela, o socialismo
poderia se desenvolver plenamente nos limites nacionais, não necessitando
da revolução mundial para ser vitorioso. Mais do que isso, Stalin dizia que
o socialismo já havia triunfado na URSS. Essa teoria, que representou uma
ruptura com o marxismo, serviu para justificar a coexistência pacífica com o
imperialismo e para não expandir a revolução a outros países, respondendo
aos interesses da burocracia soviética. O resultado foi o isolamento da URSS
e, consequentemente, a restauração do capitalismo.
11
guesa nos limites do capitalismo, tem como centro de sua atividade a
disputa eleitoral. O PSOL busca representar esse projeto, embora alguns
setores mesclem ou adotem o discurso da estratégia da revolução por
etapas como justificativa para uma política reformista.
4 NUÑEZ, Ronald León. “Caio Prado Júnior; suas obras, seus críticos,
seus limites”. In: Marxismo Vivo – Nova Época, São Paulo: Editoras
Lorca e Sundermann, nº 9, 2017. (Encontrado também em: http://
teoriaerevolucao.pstu.org.br/author/ronald).
5 Ibid.
13
em ebulição. As teses do PCB iam na contramão desse processo, pois,
enquanto o PCB (e o PCdoB) defendia a subordinação do movimen-
to operário à frente democrática via MDB, surgiram o PT e a CUT.
A força do ascenso grevista de um novo e jovem proletariado
contra os patrões e a ditadura tinha o movimento operário industrial
na vanguarda e era base para uma experiência classista. Não era essa a
vontade da burocracia lulista, que almejava formar um partido de co-
laboração de classes (Partido Popular). A radicalidade do processo, no
entanto, forçou a futura direção do PT a ir além de seu plano inicial.
Aqueles autores críticos ao PCB, como Octávio Ianni, Francisco
de Oliveira e outros, influenciaram a formulação das posições iniciais
do PT. Assim, o PT nasceu agrupando aqueles que rechaçavam as alian-
ças com a burguesia e a experiência do PCB, dando corpo a uma alter-
nativa de independência de classe. Pôde, por isso, cumprir um papel
relativamente progressivo por quase uma década no avanço da mobili-
zação, da consciência e da organização independente da classe, apesar
do projeto de sua direção. Desde seu nascimento, o projeto da direção
era a construção de um partido frente populista, contrarrevolucionário,
nos marcos da defesa do capitalismo. Porém, como precisava ganhar a
ampla vanguarda radicalizada que se organizava nos sindicatos e nos
movimentos sociais, assumiu um programa classista. Contudo, impediu
que o partido fosse revolucionário. A sua direção era uma burocracia de
esquerda. Assim que foi possível, começou a ajustar a política do parti-
do à sua própria localização e projeto.
Os limites da natureza social e do projeto político da direção
do PT já se expressavam em 1987, quando se definiu por um progra-
ma democrático e popular, adotando a revolução por etapas e privi-
legiando as eleições. A partir das vitórias eleitorais de 1988, avançou
em direção à adaptação ao regime democrático-burguês. Em 1989, no
14
fim do governo Sarney, desviou o processo de lutas, que animava uma
situação revolucionária em curso, para as eleições. A partir dos anos
1990, com a queda do Leste Europeu e o advento do neoliberalis-
mo em todo o mundo, a guinada foi mais perceptível: o programa do
partido mudou, tornando-o claramente social-democrata (1991), as-
sumindo com nitidez a estratégia eleitoral resumida no “Feliz 1994”.
Negou-se, no início, a defender o “Fora Collor”; adotou a colaboração
de classes; e a CUT se incorporou ao Pacto Social. O debate sobre o
caráter da revolução deu lugar ao debate da II Internacional, reforma
ou revolução, a partir de definições da democracia como valor univer-
sal e a busca pela cidadania, apoiando-se nos trabalhos de Carlos Nel-
son Coutinho6, antes duramente criticado, e em outros teóricos.
Nos anos 2000, adaptando-se à administração do Estado bur-
guês, assumiu um programa social-liberal, apoiado pelos principais se-
tores da burguesia nacional e pelo imperialismo. Adotou, em novos ter-
mos, o discurso de aliança com a burguesia nacional, com o que chama-
va de empresários progressistas e com o setor produtivo da burguesia.
Isso foi feito em prol de um suposto neodesenvolvimentismo, apoiado
nas experiências do sindicato dos metalúrgicos do ABC de parceria com
as montadoras de automóveis, ou seja, com a burguesia imperialista, re-
editando como farsa a tragédia do antigo PCB (e do PTB).
17
levaria ao desenvolvimento capitalista clássico. Isso leva ao beco sem
saída do PCB em 1964 ou ao que chegou o PT hoje.
A única teoria que, aplicada corretamente, pode explicar o país
e apontar as tarefas a serem resolvidas é a teoria da revolução perma-
nente e a lei do desenvolvimento desigual e combinado. O desenvol-
vimento desigual e combinado no mundo e, internamente, no país e a
inter-relação e articulação entre um e outro colocam a revolução so-
cialista como necessidade e possibilidade potencial na ordem do dia.
O Brasil está maduro para a revolução socialista seja pelo aspecto da
subordinação ao sistema mundial, seja pelo grau de desenvolvimento
a que chegou o capitalismo aqui. Basta comparar o desenvolvimento
do capitalismo brasileiro com o da Rússia de 100 anos atrás ou com
qualquer outro país que tenha feito revolução. Como aponta a teoria e
o programa da Revolução Permanente, a revolução socialista brasilei-
ra, como todas as revoluções nacionais na época imperialista, é parte
da revolução mundial.
A tarefa de todo ativista é preparar a si mesmo e a classe ope-
rária para a revolução socialista, o que requer um programa revolucio-
nário (de transição) e um partido revolucionário e socialista, nacional
e internacional.
Mariúcha Fontana*
18
PARTE I
As bases históricas,
teóricas e políticas para
definir o caráter
da revolução e o programa
1. A teoria da revolução
permanente e o Brasil como
parte do sistema capitalista-
imperialista mundial
21
ção aos países imperialistas, o Brasil é explorado e oprimido. Em re-
lação aos países mais pobres, é um país opressor. Mais de 70% de sua
economia está nas mãos das multinacionais. Seu Estado está amarra-
do ao sistema financeiro e a oligopólios internacionais – do ponto de
vista econômico, político e militar – por inúmeras leis e tratados que
restringem sua soberania. Há, ainda, a submissão cultural. Ao mesmo
tempo, o Brasil cumpre o papel de plataforma das multinacionais e de
guardião dos interesses imperialistas na América Latina, prestando-se,
inclusive, a ocupar militarmente o Haiti.
Essa relação de subordinado ao imperialismo e opressor da
América Latina e de alguns países africanos – da qual a burguesia bra-
sileira se beneficia como sócia-menor – impõe internamente um grau
altíssimo de subdesenvolvimento, atraso tecnológico, desigualdade e
opressão, um enorme fosso social, superexploração, miséria, violên-
cia, racismo, machismo, LGBTfobia, xenofobia etc.
O capitalismo é um sistema mundial. Aqui atua o desenvolvi-
mento desigual e combinado, ou seja, para que uns países sejam im-
perialistas, outros precisam ser semicoloniais ou coloniais; para que
uns sejam opressores, outros devem ser oprimidos. O desenvolvimen-
to desigual e combinado apresenta-se como uma combinação parti-
cular de elementos atrasados com elementos modernos. No Brasil, o
desenvolvimento associado e subordinado ao imperialismo produziu
um parque industrial complexo e diversificado. Porém esse processo
ocorreu reproduzindo e se apoiando em níveis dramáticos de concen-
tração de renda, desigualdades sociais e desigualdades regionais. O
Brasil está entre as oito maiores economias do mundo e é um dos pa-
íses mais desiguais do mundo, mantendo a maioria da população e da
classe trabalhadora sem direitos sociais mínimos.
O Brasil tem grandes tarefas democráticas para resolver, a co-
22
meçar por sua libertação nacional do imperialismo. Nenhuma delas,
contudo, poderá ser resolvida dentro dos limites do capitalismo e com
a manutenção de um sistema imperialista mundial. Da mesma forma
que não é possível a construção do socialismo num só país, não é pos-
sível – e é reacionário – o desenvolvimento nacional autônomo e a
construção de um “Brasil Potência” como se fosse admissível a pers-
pectiva de o país se tornar imperialista.
23
2. Os sentidos da
colonização e os maiS
de 350 anos de escravidão
30
ou separatistas, como a Cabanagem (1835-1840), a Revolução Praiei-
ra (1848-1850), a Balaiada (1838-1841), a Sabinada (1837-1838) e a
Revolução Farroupilha (1835-1845), assim como as rebeliões e in-
surreições protagonizadas puramente por escravos, como a Revolta
dos Malês, na Bahia (1835), a Revolta de Carrancas, em Minas Ge-
rais (1833), e a revolta do Manuel Congo, no Rio de Janeiro (1838).
A Guarda Nacional, comandada por Duque de Caxias, foi responsá-
vel por esmagar inúmeras insurreições. Se o Brasil fosse comparado
aos EUA, seria como se o Sul escravagista tivesse vencido o Norte na
Guerra de Secessão11.
A forma como se deu a independência imprimiu um processo
extremamente lento para o fim da escravidão e para o advento do tra-
balho livre, aumentou a subordinação e a dependência externas, apro-
fundou as desigualdades regionais e atrasou a industrialização do país,
que só começou quando já se iniciava a época imperialista.
Com a independência, conformou-se o Estado brasileiro, que
já nasceu extremamente autoritário. Ela também evidenciou os traços
marcantes da burguesia brasileira, nascida do latifúndio: sua completa
subordinação e ligação ao capital externo; seu medo de perder o con-
trole sobre os de baixo (em primeiro lugar, sobre os escravos e, depois,
sobre o proletariado); sua fragilidade e covardia; seu papel reacioná-
rio, conservador e autoritário. A burguesia brasileira recorre sempre às
32
A abolição não propiciou aos negros condições mínimas de
reinserção e de adaptação ao advento do trabalho livre. Eles foram
empurrados para os piores trabalhos e passaram a constituir o setor
mais explorado de duas classes: a camada mais explorada do proleta-
riado, especialmente de seu exército industrial de reserva, e do campe-
sinato sem terra, especialmente os que trabalhavam como meeiros ou
por jornada. Isso se deu pelas mãos de uma burguesia que fez com que
o país fosse um dos últimos a abolir a escravidão no mundo, e, quan-
do aboliu, adotou a teoria racista do branqueamento. Com a imigração
europeia (produto de condições econômicas e políticas externas e in-
ternas combinadas à política de branqueamento da população) e com
a superexploração dos negros, nomes ilustres da classe dominante es-
peravam se livrar, em 70 anos, dos negros brasileiros: acreditavam
que a maior parte acabaria morrendo. Como essa política racista não
deu certo, anos mais tarde foi adotado o mito da democracia racial.
O Brasil é o país que tem o maior número de negros fora do
continente africano. Possui uma classe operária e um proletariado for-
temente miscigenado, em que negras e negros são superexplorados,
vítimas de violência e racismo. O sistema tenta invisibilizar essa rea-
lidade com o mito da democracia racial12 para amortecer os conflitos
de raça e classe. Mais da metade da classe trabalhadora e da popula-
ção brasileira é negra.
A burguesia brasileira tenta esconder que mais de 350 anos de
escravidão foram também 350 anos de rebeliões negras, da formação
de milhares de quilombos e quilombolas. O mito da democracia ra-
cial, do colonizador benevolente, do negro dócil e da formação de um
34
3. A industrialização sob o
imperialismo e o Brasil como
submetrópole
36
No início do século 20, especialmente durante a Primeira
Guerra Mundial, houve uma industrialização no Brasil suficiente para
que começassem a ocorrer greves importantes, mas ainda no quadro
de uma economia essencialmente agroexportadora.
A “Revolução de 30”
37
As brechas que se abriram com o desequilíbrio e a disputa inte-
rimperialista entre as potências no período entreguerras2, a crise econô-
mica mundial e a queda da República Velha permitiram enfatizar a pro-
dução e o desenvolvimento industrial voltado para o mercado interno.
Esse processo não ocorreu só no Brasil. Na América Latina, nos
países que tinham algum desenvolvimento industrial, sua industrializa-
ção e sua urbanização progrediram, com a substituição de importações,
e originaram governos nacionalistas burgueses e regimes bonapartistas
sui generis3. Brasil (Vargas), México (Cárdenas) e Argentina (Perón),
9 Ibid., pp 97 e 121.
41
Os EUA saíram como potência capitalista hegemônica da Se-
gunda Guerra Mundial. Para garantir esse domínio, tiveram a co-
laboração da burocracia soviética com os acordos de Yalta e Pots-
dam10 e, por algum tempo, tiveram de ter uma política voltada para
a Europa, com o Plano Marshall. Em relação à sua área de influên-
cia na América Latina, já no final dos anos 1940, trataram de impor
duramente o controle político e militar no contexto da Guerra Fria.
Foi o momento de eliminar as experiências nacionalistas, e vieram
os golpes na Argentina contra Perón, na Guatemala e a tentativa de
golpe contra Getúlio Vargas no Brasil. Apesar de não triunfar o gol-
pe, após o suicídio de Vargas, a solução de compromisso com Jus-
celino Kubistchek já refletia outra forma de garantir o predomínio
de um modelo mais aberto para os investimentos imperialistas. Com
JK, deu-se a mudança no modelo de industrialização, com a instala-
ção de monopólios internacionais no país.
No governo seguinte, de João Goulart (Jânio Quadros renun-
ciou com oito meses de governo), que assumiu depois de grave cri-
se, houve uma nova crise no regime e um ascenso do movimento de
massas no contexto da situação aberta com a Revolução Cubana. O
imperialismo colocou no centro da sua política a exigência de segu-
rança para os seus capitais e de garantia absoluta de controle político
e militar na América Latina, levando os EUA a apoiarem o golpe de
1964. Esse uniu o grosso da burguesia e o imperialismo para derrotar
a situação revolucionária existente naquele momento.
43
Aconteceu o contrário do que diziam os desenvolvimentistas
da Cepal e o PCB: que o tamanho do mercado de consumo interno era
o principal obstáculo para a industrialização, e que a industrialização,
por sua vez, significaria a superação do subdesenvolvimento. Francis-
co de Oliveira, criticando essa visão, diz:
11 OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2003, pp. 33; 49; 50.
44
também, na esteira desse processo, a burguesia brasileira
começa a exportar (...) capitais.12
57
Para Sampaio Jr.,
6 Ibid.
59
classes garantiram uma situação de estabilidade para o capital e para
o imperialismo.
O Brasil é um dos países mais desiguais do planeta. Mesmo
sendo a oitava economia do mundo, entre 187 países, no quesito desi-
gualdade social, está na 175ª posição. Não houve uma diminuição da
desigualdade sob os governos do PT se comparada a renda do trabalho
com a do capital. Apesar da política de aumento do salário mínimo e
de transferência de renda com o Bolsa Família, a parte da riqueza que
vai para os empresários (1% da população) cresceu mais do que a que
vai para os trabalhadores7.
Os empregos criados pelos governos do PT foram, em sua
maioria, precarizados. Foram criados 20 milhões de postos de traba-
lho formais com salários de R$ 1,5 salário mínimo, e fechados 4 mi-
lhões com salários de mais de R$ 3 salários mínimos; 60% desses pos-
tos de trabalho foram ocupados por mulheres; e 80% por não brancos.
Isso mostra que a classe que recebe os piores salários tem gênero e
raça. A terceirização e a rotatividade, somadas à informalidade (são
40,8% de trabalhadores informais segundo o IBGE), diminuem o sa-
lário, pioram as condições de trabalho e fragmentam a classe trabalha-
dora8. Com a crise, o desemprego cresce, e a classe tem ainda menos
proteção do que tinha antes.
Não houve avanço em termos de reforma agrária. O gover-
no Dilma conseguiu assentar menos famílias do que FHC. Nos dois
mandatos, o governo Lula entregou R$ 136 bilhões ao agronegócio
via BNDES, perdoou dívidas bilionárias e concedeu isenções fiscais.
O agronegócio é a fusão de grandes fazendeiros brasileiros com trans-
7 Ibid.
8 Ibid.
60
nacionais e sistema financeiro. O velho latifúndio convive e até se
funde com a moderna agricultura capitalista e multinacional. Hoje, 30
grandes empresas controlam todo o complexo agroindustrial brasilei-
ro, sendo que mais de 70% delas são multinacionais e são responsá-
veis por 23% do PIB e 48% das exportações. Os dados são da Confe-
deração da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), referentes ao ano
de 2016. A violência no campo aumentou, com assassinatos de cam-
poneses sem terra, indígenas e quilombolas.
Os negros e negras não tiveram nenhuma mudança substancial
para melhor em suas vidas. Pelo contrário, quanto à violência, inclu-
sive piorou. Se, por um lado, foi concedido o sistema de cotas raciais
nas universidades, depois de 30 anos de luta, praticamente nada mu-
dou em termos de desenvolvimento humano e de igualdade: 63% dos
negros vivem abaixo da linha de pobreza; a cada 25 minutos, um jo-
vem negro é assassinado e centenas de milhares são encarcerados sem
julgamento; o salário do homem e da mulher negros é 40,8% e 60%
menor, respectivamente, em relação ao do homem branco. Porém o
mito da democracia racial vem sendo questionado, e negros e negras
estão entrando com tudo na luta.
As mulheres trabalhadoras representam, em média, cerca de
44% da força de trabalho. No entanto, só tem aumentado a desigual-
dade, a opressão e a violência contra as mulheres trabalhadoras, so-
bretudo contra as negras. Elas recebem menos do que os homens, são
maioria entre os desempregados, estão obrigadas a cumprir dupla jor-
nada e são vítimas de violência.
A falta de creches impede que oito em cada dez crianças te-
nham acesso à educação infantil, dificultando que a mulher consiga
trabalho ou permaneça no emprego. A assistência integral à saúde da
mulher, conquistada nas lutas dos anos 1980, retrocedeu. Os governos
61
do PT adotaram uma política que reforça o papel da mulher como mãe
e dona de casa e um programa focado na saúde materna, colocando
um obstáculo para a diminuição da mortalidade materna: no Brasil, é
cinco vezes maior do que nos países ricos.
A quarta causa de mortalidade entre gestantes é o aborto mal
feito. Os governos do PT nada fizeram pela descriminalização e lega-
lização do aborto. Dilma assinou a “Carta aberta ao Povo de Deus”,
privilegiando as alianças com as bancadas evangélicas, calando-se até
diante do Estatuto do Nascituro, um Projeto de Lei que, se aprovado,
vai acabar com a garantia de aborto legal em casos de estupro, uma
conquista dos anos 1940.
Os números da violência são alarmantes. Estamos em quin-
to lugar no ranking dos países com mais assassinatos: 13 mulheres
são assassinadas por dia, e mais de 100 mil foram assassinadas em 30
anos. A cada dez segundos, uma mulher é estuprada no Brasil. Depois
de muita luta, foi promulgada a Lei Maria da Penha, em 2006. Porém
ela tem se mostrado limitada para conter a violência contra a mulher,
especialmente por falta de investimento. Falta tudo, de delegacias es-
pecializadas a casas abrigo. As mulheres têm sido vanguarda nas lutas
gerais, e há também um ascenso das lutas contra o machismo no país
e em todo o mundo.
As LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais
e transgêneros), desde que começaram a se reorganizar no final da
ditadura, ganharam mais visibilidade e conseguiram algumas con-
quistas, como a união estável e a união civil. Contudo, o precon-
ceito, a violência e a discriminação estão presentes e têm aumenta-
do na sociedade. O veto do governo Dilma (PT) ao Kit Anti-homo-
fobia, que seria distribuído nas escolas públicas, e particularmente
o engavetamento do PLC 122/06, que criminalizava a LGBTfobia,
62
contribuíram para o aumento do preconceito e para uma onda de
violência LGBTfóbica que permanece.
A LGBTfobia aumentou durante os governos petistas, sob os
quais também houve um amplo processo de cooptação dos movimen-
tos LGBTs, o que interferiu nas lutas e nas conquistas. As LGBTs,
contudo, reagiram aos ataques e saíram às ruas. Deram início a um
importante processo de reorganização dos movimentos, com a forma-
ção de coletivos e grupos em todo o país.
Em 2013, a posse do pastor LGBTfóbico Marco Feliciano (PS-
C-SP) como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias
(CDHM) da Câmara dos Deputados, por desistência do PT, incendiou
ainda mais a indignação. Em 2015, outro levante varreu o país, quando
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) assumiu a presidência da Câmara.
O descaso dos governos tem deixado mais gente exposta à vio-
lência, e o Brasil continua sendo o país campeão em assassinatos de
LGBTs. Em 2015, foram 318 mortes; em 2016, cerca de 340. Os da-
dos são de levantamentos feitos pelo Grupo Gay da Bahia (GGB).
Isso significa que uma pessoa LGBT é assassinada a cada 28 horas,
um número inferior à realidade, já que a invisibilização de LGBTs
também atinge suas mortes, e os levantamentos são feitos apenas a
partir de dados divulgados pela imprensa.
A violência é particularmente intensa e cruel contra travestis,
transexuais e transgêneros, em especial negras e negros. O Brasil li-
dera o ranking mundial de assassinatos nesse setor. Em 2016, das 295
mortes registradas até setembro, 123 ocorreram em nosso país. Nos
últimos oito anos, foram registrados 2.264 assassinatos de pessoas
trans em 33 países, 900 deles no Brasil. Além disso, devido à margi-
nalização que sofrem em casa, na escola e na sociedade, 90% das pes-
soas trans são obrigadas a viver do mercado do sexo.
63
Por outro lado, setores burgueses têm investido no desenvolvi-
mento de um mercado de consumo voltado para LGBTs (o mercado
rosa), acompanhando a mercantilização da causa LGBT, que fica evi-
dente, por exemplo, no atual caráter da maioria das Paradas do Orgu-
lho LGBT, e por uma disputa pela consciência meramente democráti-
co-burguesa, consumista e neoliberal, baseada em ideologias como a
libertação pelo consumo, a cidadania de mercado e o empoderamento
individual.
Contudo, na esteira das lutas e da resistência, além da continui-
dade do processo de reorganização, há um importante e crescente nú-
mero de pessoas assumindo sua identidade de gênero e sua orientação
sexual, o que tem se refletido em maior participação nos movimentos,
tanto específicos quanto gerais, sendo uma vanguarda considerável,
ao lado das mulheres e de importantes movimentos, como as ocupa-
ções de escolas secundaristas.
A repressão e a violência
65
para ser usado perante o aumento da polarização social. E tem sido
usado, colocando em novo patamar a necessidade de autodefesa e de
um programa perante o aparato repressivo.
Há uma revolta crescente dos setores mais pobres e precariza-
dos da classe operária e do povo da periferia contra a violência e a re-
pressão, contra os abusos, contra o genocídio praticado especialmen-
te pelas PMs e contra a impunidade aos repressores, gerando reação
massiva, radicalização, movimentos como o Mães de Maio e outros.
Ao mesmo tempo, a crise econômica, social, política e do pró-
prio Estado tem gerado crise no aparato repressivo, exigindo, por par-
te dos trabalhadores, um posicionamento e uma política.
66
vida”, em defesa do empreendedorismo. Não é, portanto, para causar
surpresa que parte dos setores mais pobres da população vejam Lula,
Doria e Silvio Santos de modo parecido. O PT trabalhou essa ideia du-
rante esses anos todos.
Não é o foco desse texto, mas a natureza do próprio PT está em
questão. O caráter de colaboração de classes dos governos do PT não
ocorre apenas devido às alianças com partidos e figuras da burgue-
sia, como Henrique Meirelles, ligado aos banqueiros, Kátia Abreu,
ao agronegócio, e a Fiesp. O projeto do PT é social-liberal. O que era
uma burocracia operária, tornou-se, primeiro, a burocracia do Estado
burguês. Logo, vários dirigentes se tornaram eles mesmos burgueses.
Antônio Palocci, José Dirceu, Luiz Gushiken, o próprio Lula e outros
não podem ser considerados uma aristocracia operária nem mesmo
meros gestores pequeno-burgueses. É tarefa fundamental decifrar se o
PT ainda é um partido operário-burguês (como Lenin definiu a social-
democracia na falência da II Internacional) ou se ele se transformou
socialmente num partido de colaboração de classes (um tipo de parti-
do burguês, portanto), com direção e programa burgueses, apesar de
ter uma base popular (em processo de ruptura com ele) como é hoje a
social-democracia no mundo. Parece-nos que 14 anos no comando do
Estado burguês não passaram em vão, e o PT queimou etapas: fez em
30 anos o percurso que a social-democracia europeia levou 100 anos
para percorrer.
O PT atuou para fazer retroceder o processo de consciência e
organização da classe em direção a uma consciência burguesa e capi-
talista, de mobilidade social, de defesa do empreendedorismo. Há au-
tores, como André Singer, e parcelas da esquerda que dizem que o go-
verno do PT fez um reformismo fraco. Teria sido progressivo, apesar
de não ter realizado reformas substanciais nos limites do capitalismo.
67
Porém, ainda que tivesse realizado reformas (a la Vargas ou Perón),
seria um grave erro reivindicar, apoiar e classificar como progressivo
um governo burguês. Nesse caso, é ainda pior, pois os governos do PT
foram pró-imperialistas e não fizeram nenhuma reforma social digna
de nome. O processo de ruptura da classe operária e da classe traba-
lhadora com o PT é globalmente progressivo, pois é condição neces-
sária para fazer avançar a consciência e a organização de classe.
A Nova República (governos do PSDB e do PT na democra-
cia burguesa), ao contrário do que acreditavam os nacional-desenvol-
vimentistas, foi o período de maior retrocesso do desenvolvimento
do país. O PT, a partir do governo, reeditou, em escala muito maior e
como farsa, a tragédia do antigo PCB.
68
6. Sobre o papel central da
classe operária industrial e
sobre seus aliados
74
Os setores médios e a pequena burguesia
Cerca de 27 a 30 milhões de pessoas5 formam uma camada
intermediária entre a burguesia e o proletariado. Uma parte desses se-
tores médios faz parte da pequena burguesia clássica pelo papel que
ocupa na produção. São pequenos produtores rurais, pequenos comer-
ciantes e até pequenos ou microempresários industriais e profissionais
liberais que possuem escritórios ou consultórios próprios. Há outro
setor chamado de “modernas classes médias” que, sendo assalaria-
dos, recebe uma renda mais alta e, por isso, possui valores da pequena
burguesia: parte dos funcionários com alta remuneração de carreiras
típicas do Estado, setores intermediários bem remunerados de empre-
sas etc. Esse setor, em geral, tem o que perder e resiste a abandonar as
ilusões na possibilidade de ascensão social dentro do capitalismo e na
possibilidade de reformas no sistema. Em momentos de crise, o sis-
tema vai enterrando parte desses sonhos, arruinando um amplo setor
e produzindo grandes oscilações na classe média, que, ao não ter um
projeto próprio de sociedade, oscila, às vezes violentamente, entre a
burguesia e o proletariado.
Esses setores tendem a se dividir na revolução. Uma parte ten-
de a apoiar o proletariado; outra, a burguesia. A classe operária deve
lutar para ganhar uma parte desse setor intermediário para dividi-lo.
Por isso, deve se dirigir a esses setores médios, defender e se colocar à
cabeça de reivindicações que sejam progressivas, orientando-as con-
tra o capitalismo e o imperialismo e se comprometendo a garanti-las.
76
PARTE II
Teses programáticas
para um programa
de transição
para o Brasil
Conclusões fundamentais
que estão na base das teses
de um programa de transição
para a revolução socialista
brasileira
79
2) No processo de industrialização, o Brasil se tornou subme-
trópole do imperialismo (uma semicolônia especial, subordinada e ex-
plorada pelos países imperialistas e, ao mesmo tempo, plataforma da-
queles para a opressão dos países mais pobres, da qual os capitalistas
brasileiros se beneficiam como sócios-menores). Como submetrópo-
le, teve diferentes localizações na divisão mundial do trabalho. Com o
neoliberalismo, o país está sofrendo uma desindustrialização relativa,
uma regressão tecnológica e da sua base produtiva, voltando a cum-
prir o papel de exportador de commodities que cumpriu no passado.
Essa nova localização imposta pelo imperialismo ao país e aplicada
por todos os governos da Nova República, desde Collor, implica em
maior subordinação em todos os terrenos: econômico, político e mi-
litar. Isso tem consequências estruturais de toda ordem: a) há um pro-
cesso rentista e uma maior desnacionalização da economia, aumento
da exploração, precarização e fragmentação da classe operária e do
proletariado (que também é, hoje, mais negro, mais feminino e mais
LGBT), embora não tenha havido uma diminuição da classe operá-
ria; b) há um processo de bonapartização1 do regime democrático bur-
guês; c) as multinacionais tomaram o campo, que, com apenas 15%
da população, tem aí hoje um setor expressivo da produção nacional,
um proletariado agrícola, além dos pequenos camponeses, sem-ter-
81
ção democrático-burguesa, mas sim reformas controladas, como a in-
dependência negociada, a República ou a chamada Revolução de 30.
O resultado disso é que o Brasil é um dos países que possui mais e
mais tarefas democráticas profundas não resolvidas, com traços par-
ticulares marcantes, tais como: a desigualdade social-racial, o racis-
mo, um enorme e permanente exército industrial de reserva, a questão
agrária, a questão regional, a questão indígena (além de questões de-
mocráticas gerais, como a questão das mulheres e LGBTs). O mesmo
ocorre com a questão da terra e com a independência nacional. Isso
faz com que o Brasil seja um dos países capitalistas mais desiguais do
mundo. Os 350 anos de escravidão e a forma como se deu a indepen-
dência primeiro e a abolição depois, combinados o desenvolvimento
do capitalismo até os dias de hoje, estão na raiz do grau de desigual-
dade existente e do racismo que a burguesia tenta invisibilizar com o
mito da democracia racial.
5) As tarefas democráticas, que têm grande peso na revolução
socialista brasileira, combinam-se com as tarefas socialistas de transi-
ção e devem ser ordenadas pela tarefa mais importante: a tomada do
poder pelo proletariado. O caráter combinado do desenvolvimento de
semicolônias como o Brasil reúne as formas econômicas mais primi-
tivas e a última palavra da técnica e da civilização capitalista. Como
explica Trotsky no Programa de Transição, isso determina, também,
a combinação da luta pelas tarefas democráticas e de libertação nacio-
nal com a luta socialista contra o imperialismo mundial e o sistema
capitalista interno. Do ponto de vista real e não meramente formal,
nenhuma das tarefas democráticas em sua essência coletiva pode ser
resolvida sob o capitalismo e sob o sistema imperialista mundial. Elas
se chocam com o imperialismo e com o sistema capitalista interno ou
nacional, que faz parte do sistema mundial. Por outro lado,
82
(...) o peso relativo e individual das reivindicações democráticas e
transitórias, suas mútuas relações e sua ordem de sucessão, estão de-
terminadas pelas particularidades e pelas condições próprias de cada
país atrasado e, em grande medida, pelo grau de seu atraso. Entretan-
to, a direção geral do desenvolvimento revolucionário pode ser de-
terminada pela fórmula da Revolução Permanente (...).2
84
8) Só uma revolução socialista pode libertar o proletariado da
sua condição de escravo assalariado e resolver a tragédia do desempre-
go, da miséria e da fome. Por outro lado, não há nenhuma possibilidade
de superação da desigualdade social e racial nem de desenvolvimento
do país de nenhum ponto de vista sem uma ruptura com o imperialismo,
que sujeita e explora o Brasil. Da mesma forma, só uma revolução so-
cialista pode romper com o imperialismo, realizar uma verdadeira inde-
pendência nacional, acabar com todas as formas de opressão e garantir
amplos direitos democráticos para todos os setores populares. A revo-
lução socialista nacional e internacional é uma necessidade imperiosa
para impedir que a humanidade caminhe para a barbárie.
Uma revolução desse tipo só pode ser parte e ao mesmo tem-
po impulsionadora da revolução socialista mundial. A discussão sobre
o país estar maduro ou não para o socialismo nem mesmo tem senti-
do, já que existe uma economia mundial imperialista. Não há a menor
possibilidade de um capitalismo autônomo. E não há a mínima condi-
ção de se fazer reformas sob o capitalismo na fase atual. Os governos
do PT estão aí para demonstrar. Da mesma maneira, não há nenhuma
burguesia nacional anti-imperialista.
A revolução socialista terá de expropriar os grandes monopó-
lios nacionais e internacionais, os grandes bancos, o agronegócio e os
meios de comunicação e transporte que passariam a ser propriedade
coletiva gerida pelo Estado. A economia dessa nova sociedade seria
planificada de acordo com as necessidades populares. O país romperia
todos os pactos e acordos com o imperialismo e colocaria o monopó-
lio do comércio exterior nas mãos do Estado.
9) O proletariado, colocando-se à frente dos setores populares
e organizando-se de forma independente da burguesia, é a única classe
que pode fazer a revolução socialista que vai derrotar o imperialismo e
85
o capitalismo. Para isso, necessita tomar o poder, destruir o Estado bur-
guês e constituir um governo socialista dos trabalhadores e do povo po-
bre apoiado em conselhos populares. Esse é o objetivo do proletariado
nesta etapa da luta de classes, tanto histórico quanto imediato.
10) A classe operária e toda a classe trabalhadora brasileira,
que é uma das mais fortes do mundo, têm, porém, um grave problema
para que possa cumprir essa tarefa: a crise da direção do proletariado
causada pela existência de fortes organizações que traíram e traem a
luta histórica da classe operária pelo socialismo e pela independência
de classe. Os dois principais partidos que a nossa classe teve – o anti-
go PCB antes de 1964 e o PT dos anos 1980 até hoje – propuseram ou
apoiaram alianças com a burguesia para governar o país dentro dos li-
mites do capitalismo. Essa estratégia não apenas fracassou como, nos
dois casos, impôs derrotas, desmoralização e desorganização. Chegou
a hora de superarmos as direções oportunistas que nos levam aos bra-
ços do inimigo de classe e construirmos uma direção revolucionária
para a revolução socialista brasileira e mundial.
Essa direção só pode ser um partido revolucionário e operário
que seja parte de uma internacional revolucionária e se construa como
uma organização de combate baseada no princípio organizativo do
centralismo democrático. O PSTU está construindo uma organização
desse tipo, como parte da Liga Internacional dos Trabalhadores, que
tem como objetivo reconstruir a IV Internacional. No entanto, cons-
truir esse grande partido revolucionário com raízes profundas na clas-
se operária industrial, quadros operários decididos e sólida formação
marxista é a tarefa mais difícil e grandiosa da nossa época, tarefa que
só vingará se for assumida por toda uma geração de trabalhadores que,
junto conosco, encarem esse desafio.
86
PARTE III
Sistematização de pontos e
tarefas para um programa
de transição
As tarefas e os pontos que elencamos a seguir são colocados,
em primeiro lugar, pela necessidade objetiva – partem do que é mais
sentido pelos trabalhadores – e devem conduzir à tomada do poder
pela classe operária, pelos trabalhadores, pela juventude e pelo povo
pobre para estabelecer uma ditadura revolucionária do proletariado,
primeiro passo da revolução socialista nacional e internacional. Em
segundo lugar, eles afirmam a necessidade subjetiva de se construir
um partido revolucionário, que seja parte de uma internacional revo-
lucionária, para responder a essa tarefa.
Só um governo operário e popular (socialista dos trabalhado-
res) que governe por meio de conselhos populares poderá garantir que
essas tarefas sejam cumpridas. Por isso, para os operários e o povo po-
bre, o poder é a tarefa mais importante, a que ordena todo o programa.
É a nossa estratégia.
89
1. Pelo direito a trabalho e condições de vida decentes
para todos! Por emprego, salários, direitos, educação,
saúde, transporte público e condições dignas de vida!
90
direitos não se mexe! Pela retirada das reformas trabalhista e previ-
denciária. Pela revogação da lei das terceirizações e da PEC do teto.
Esses eixos, somados às questões da moradia, da terra, da saú-
de, da educação, do transporte, do lazer e do fim da violência contra a
juventude pobre e negra das periferias são as necessidades e aflições
diárias que atingem os trabalhadores e o povo pobre na crise.
91
necessário nacionalizar, centralizar e estatizar o sistema financei-
ro, bem como nacionalizar e expropriar as multinacionais, colo-
cando-as sob controle dos trabalhadores.
Retirar as tropas brasileiras do Haiti e não reconhecer os trata-
dos e organismos que impõem a opressão e a submissão econômica,
política e militar sobre o Brasil e a América Latina, como a Organi-
zação dos Estados Americanos (OEA), o Tratado Interamericano de
Assistência Recíproca (TIAR) e os acordos sobre segurança pública.
93
É necessária uma revolução agrária no campo: nacionalizar,
expropriar e estatizar o agronegócio e coloca-lo sob controle dos tra-
balhadores para que definam sua produção, considerando o meio am-
biente e as necessidades do país.
Expropriar e nacionalizar, também, o latifúndio improdutivo.
As terras, as florestas e o subsolo devem ser nacionais e estatais em
enorme maioria.
A revolução agrária, hoje a principal medida no campo, não
exclui a necessidade de realizar a reforma agrária em parte das áreas
para garantir terra aos camponeses sem terra que a reivindicam e con-
dições de produção e comercialização. Também deve ser garantida a
regulamentação e a titulação das terras indígenas e quilombolas.
A agricultura familiar, o pequeno produtor rural e as cooperati-
vas existentes devem ser protegidas. O acesso ao crédito barato, a con-
dições de produção e de comercialização vantajosas deve ser garantido.
94
o fim da escravidão, pelo contrário, se fortaleceu com o desen-
volvimento do capitalismo.
Estamos em pleno século 21. Já está mais do que comprovado
que o racismo é funcional para a existência do capitalismo e para o au-
mento da exploração. O Brasil, talvez, seja um dos países em que a rela-
ção entre desigualdade social e racial mais se combinam.
A luta contra a opressão, a exploração e a humilhação racial está
estritamente ligada à luta contra a dominação capitalista e, por isso, é
uma luta de raça e classe, a ser travada junto com a classe operária e
os trabalhadores, pelo fim do capitalismo, do racismo e da exploração.
Exigimos o direito a reparações históricas pelos crimes pratica-
dos pela burguesia, tanto no passado quanto no presente.
95
e) A questão indígena
f) As desigualdades regionais
96
dinheiro destinado a isso beneficiou os ricos e não alterou os índices
sociais e de desenvolvimento.
Com o advento do neoliberalismo a situação de desigualdade
dos estados e regiões piorou, colocando em questão o pacto federati-
vo. A Lei de Responsabilidade Fiscal e a maior concentração das ver-
bas nas mãos da União para garantir o pagamento da dívida aos ban-
queiros, junto com o estímulo à guerra fiscal entre estados para atra-
ção de capitais, asfixiou muitos estados.
Durante o período de crescimento econômico, a situação se
ameniza. Porém ela volta a se expressar com força redobrada na crise.
É necessário acabar com a Lei de Responsabilidade Fiscal, suspender
o pagamento das dívidas dos estados e acabar com as isenções fiscais,
conformando um novo pacto federativo. Também é preciso confiscar
os bens de corruptos e corruptores.
As desigualdades regionais só poderão terminar definitiva-
mente com uma economia planificada, que organize a produção de
maneira justa, tratando desigualmente os desiguais, favorecendo o de-
senvolvimento e superando o déficit de infraestrutura e as condições
de vida em todas as regiões. A decisão de prioridades e a administra-
ção das verbas devem ser colocadas sob controle dos trabalhadores.
g) A questão da mulher
97
mida pelos patrões, seja também oprimida pelos homens da sua pró-
pria classe. O machismo divide os trabalhadores, favorece a explo-
ração e enfraquece a luta contra o capitalismo. As bandeiras contra a
opressão e a discriminação das mulheres precisam ser defendidas por
todos os trabalhadores. O combate ao machismo deve ser um combate
consciente para unir a classe trabalhadora contra o machismo e a ex-
ploração e derrotar a burguesia e o capitalismo.
98
h) A questão LGBT
A luta contra o preconceito, a discriminação e a violência contra
as LGBTs tem um profundo corte de classe, porque não é possível aca-
bar com todo o preconceito sob o capitalismo. Não há saída individu-
al nem por meio do consumo capitalista que acabe com a LGBTfobia.
• Criminalização da LGBTfobia!
• Campanhas que combatam o preconceito e a discriminação
• Amplo atendimento médico e psicológico às vítimas de
violência, construção de casas abrigo, investigação hábil
e punição aos agressores
• Fim da exclusão, da discriminação no mercado de traba-
lho e do desemprego impostos pela LGBTfobia
• Abaixo a repressão policial LGBTfóbica!
• Respeito à identidade de gênero na saúde, nas instituições
de ensino, nos presídios e em todos os espaços sociais
• Direito ao nome social de transexuais, transgêneros e tra-
vestis sem burocracia
• Despatologização da transexualidade!
• Acesso amplo à saúde para transexuais, incluindo o direi-
to à cirurgia de redesignação sexual e a tratamentos hor-
monais pelo SUS.
• Acesso à saúde público, gratuito e sem discriminação
para LGBTs
• Fim das regras que proíbem gays, travestis e transexuais
de doar sangue
• Educação pública que respeite a diversidade de identidade
de gênero e a orientação sexual e garanta o livre e seguro
99
desenvolvimento e exercício da sexualidade
• Não ao Projeto Escola sem Partido
• Cotas para pessoas transexuais nas universidades e nos
concursos públicos
• Fim da mercantilização dos espaços de luta LGBT, como
as paradas do orgulho LGBT, que são patrocinadas pelos
governos e pelo “mercado pink”, restringindo a participa-
ção do movimento e esvaziando-as de conteúdo político
• Estado laico de fato: abaixo a intervenção religiosa sobre
os direitos de LGBTs
j) Abaixo a corrupção
100
• Prisão e confisco dos bens das empresas, dos corruptos e
dos corruptores
101
o sistema pelas eleições nem pela democracia dos ricos. Precisamos
construir a democracia operária, os conselhos populares, nos quais a
maioria tenha o poder de verdade e possa governar.
102
• Fim dos convênios com os EUA para fins de segurança
pública e de combate ao terrorismo.
b) Direito à autodefesa
Organizar, a partir de piquetes de greve nas fábricas, destaca-
mentos operários de autodefesa. Organizar a autodefesa nas lutas, nas
manifestações, nos bairros operários e populares e no campo.
103
A economia planificada garantiria a exploração dos recursos
naturais respeitando o meio ambiente.
A economia capitalista voltada para o lucro e não para as
necessidades da humanidade, além de produzir exploração e misé-
ria, está colocando em risco o planeta e a sobrevivência da própria
espécie humana.
O modelo neodesenvolvimentista praticado pelo PT, no
Brasil, e pelos demais governos do continente, baseado na expor-
tação de commodities e alicerçado no agronegócio e na indústria
extrativa, é altamente predatório. O acidente2 da Vale/Samarco em
Mariana (MG) – que, na verdade, foi um crime ambiental – é ape-
nas um exemplo do grau de destruição a que o país está submeti-
do. A usina de Belo Monte, a transposição do Rio São Francisco, o
novo código florestal e a quantidade de agrotóxicos usada nos ali-
mentos são ações destrutivas do meio ambiente, expulsam a popu-
lação indígena e ribeirinha das florestas, desmatam a Amazônia e
provocam desastres ambientais e ecológicos.
Os comitês de fábrica
Os futuros órgãos de poder dos trabalhadores nascem das lu-
tas, especialmente nos locais de trabalho. Depois, expandem-se para
os conselhos. O poder dos comitês e dos conselhos como poder alter-
nativo nacional à propriedade privada numa situação revolucionária
só tem essa força se estiver muito bem instruído e representar esse po-
der também no local de trabalho.
Os comitês populares
A experiência de ocupação das escolas secundaristas foi um
exemplo que talvez possa se repetir e se generalizar. Infelizmente,
não se mantiveram os comitês de ativistas daquela luta, organiza-
dos por todos os lados e centralizados em conselhos. Contudo, as
lutas que continuam dão oportunidade para que os comitês se for-
105
mem, se generalizem e se unifiquem nos bairros pobres, nas esco-
las, nos locais de trabalho.
Aliança operário-estudantil
É muito importante que a juventude estudantil se alie aos tra-
balhadores na luta para mudar o Brasil.
Democracia operária
Defender e praticar a democracia operária: as bases devem de-
cidir sobre as lutas. É preciso combater a burocracia sindical.
Independência de classe
A classe operária e toda a classe trabalhadora devem buscar
construir seus organismos de luta independentes da burguesia. A uni-
dade com o movimento popular e o chamado ao movimento estudan-
til para se somarem à luta dos trabalhadores é fundamental. Da mes-
ma forma, deve ser combatida toda tentativa de colocar a classe traba-
lhadora e seus organismos a reboque de frentes e campos burgueses
de colaboração de classes, como, por exemplo, a proposta de Frente
Ampla defendida pelo PT, por diversas organizações e, também, por
partidos burgueses.
7. Os conselhos populares
106
operário. Impulsionar a auto-organização dos trabalhadores e dos se-
tores populares é vital para o processo revolucionário.
Os comitês e conselhos, futuros órgãos de poder da classe, sur-
gem das lutas concretas. Na Rússia, nasceram em 1905 para coorde-
nar as lutas. Surgiram dos grevistas de 50 oficinas tipográficas, que
elegeram delegados e orientaram a formação de um conselho. A eles,
foram se juntando conselheiros de outras fábricas e indústrias.
O partido revolucionário é decisivo, mas não pode tomar o po-
der sozinho. Deve dirigir os conselhos, como órgão democrático de
poder operário e popular, para que se tome o poder por meio deles e
para que os trabalhadores governem por eles, garantindo, assim, a de-
mocracia operária, uma verdadeira democracia da maioria.
107
9. Pela construção do partido socialista revolucionário
nacional e internacional
108
REFERÊNCIAS
ABRAMO, Fúlvio; KAREPOVS, Dainis (Org.). Na contracorren-
te da história – Documentos da Liga Comunista Internacionalista
1930-1933. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
109
FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvi-
mento. São Paulo: Global Editora, 2008.
110
IANNI, Octávio. A ideia de Brasil moderno. São Paulo: Brasiliense, 1992.
111
MARX, Karl. Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunis-
tas. Em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1850/03/mensa-
gem-liga.htm
112
NUÑEZ, Ronald León. Guerra do Paraguai: revolução e genocí-
dio. São Paulo: Editora Sundermann, 2011.
NUÑEZ, Ronald León. “Caio Prado Júnior; suas obras, seus crí-
ticos, seus limites”. In: Marxismo Vivo – Nova Época, São Paulo:
Editoras Lorca e Sundermann, Nº 9, 2017. (Encontrado também em:
http://teoriaerevolucao.pstu.org.br/author/ronald).
113
SAMPAIO Jr., Plinio de Arruda. “Sete notas sobre a Teoria da Revo-
lução Brasileira”. In: Clássicos da Revolução Brasileira (apêndice).
São Paulo: Editora Expressão Popular.
114
TROTSKY, Leon. Stalin, o grande organizador de derrotas – A III In-
ternacional depois de Lenin. São Paulo: Editora Sundermann, 2010.
115
A impressão ficou a cargo da BMF Gráfica e Editora de São Paulo,
Brasil, e realizou-se em papel Norbrite Bulk LD 66 g/m2.
Para composição deste texto, foi usada a fonte Times New Roman,
corpo 10,2 pt, com entrelinhas de 12,2 pt.,
e nos títulos Bebas Neue, corpo 26 pt.