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A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO EM

ARIQUEMES

Raimundo José dos Santos Filho1


Henrique Tahan Novaes2

RESUMO
O presente trabalho apresenta uma reflexão sobre os problemas vividos pela Educação do
Campo em Rondônia, mais precisamente no município de Ariquemes, no qual a Secretaria
Municipal de Educação está implantando o Projeto de Pedagogia da Alternância, com a
finalidade de manter o aluno do campo na escola sem perder o vínculo com o aprendizado do
seu dia a dia na produção da sua existência junto aos seus pais. Ocorre que dentre os
problemas enfrentados pela Educação do Campo em Rondônia, destaca-se a ofensiva do
agronegócio que de forma avassaladora vem dominando as áreas produtivas do meio rural no
estado. Como o agronegócio prescinde da educação básica, desde que o emprego de mão de
obra em suas atividades é bastante reduzido, a existência de escolas no campo se torna
desnecessária. Enquanto isso, pelo fato de vir escasseando as atividades relacionadas à
produção de alimentos, característica básica dos pequenos produtores, os donos das pequenas
propriedades necessitam lutar permanentemente para manter uma educação para seus filhos
que os conduza ao conhecimento das “ciências” do campo, buscando consolidar as práticas no
meio em que vive e do qual retiram seu sustento.

Palavras-chave: Educação do Campo; Pedagogia da Alternância; Movimentos Sociais.

1. INTRODUCÃO

Dadas as dificuldades, assim como a precariedade na implantação de uma efetiva


educação para os moradores do campo, talvez não somente no Brasil, as inúmeras tentativas
nesse aspecto tem sido motivo de intensas discussões e de muitas tentativas, quase sempre
marcadas pelo fracasso. Não apenas o êxodo rural, mas as transformações que ocorrem com

1
Professor do Instituto Federal de Rondônia e Doutorando em Educação pela Faculdade de Ciências e Filosofia
da Universidade Estadual Paulista – UNESP, do programa DINTER IFRO/UNESP.
2
Orientador. Professor Doutor da Faculdade de Ciências e Filosofia da Universidade Estadual Paulista –
UNESP. Orientador de Pós Graduação em EDUCAÇÃO do programa DINTER IFRO/UNESP.
frequência nas atividades desenvolvidas no campo, têm levado as políticas públicas para o
setor a pequenos avanços marcados por grandes recuos.
No caso de Rondônia, quando do início da ocupação de suas áreas devolutas, por
determinação dos governos militares da ditadura que vigeu entre 1964 e 1985, as primeiras
formas de educação para o homem do campo se deram por ação dos próprios proprietários dos
pequenos lotes que surgiram ao longo da BR-364. Com o passar dos anos, interesses voltados
para o agronegócio, principalmente da soja, deram início a transformações negativas em
relação à educação do campo. Conforme Machado, Feza e Barba (2018):

Esse olhar crítico dentro da educação rural do estado de Rondônia é


imprescindível, tendo em vista que o homem do campo pode ser considerado
como empecilho ao desenvolvimento do capital, talvez esteja aí um
pressuposto para banalizar a educação rural, pois o camponês simplista é
devorado pelas ilusões ideológicas do capital. Mas, partindo desta
perspectiva, qual interesse da burguesia sobre o campo? Ora, em busca do
desenvolvimento econômico o burguês se apropria de tudo para transformar
em mais riqueza inclusive e principalmente do meio rural (MACHADO,
FEZA e BARBA, 2018, p. 14/15).

É o que vem ocorrendo efetivamente em Rondônia, e o que tem levado ao descaso,


por parte do Poder Público, da Educação do Campo. Uma das alterações ocorridas em alguns
municípios do Vale do Jamari, desde 1992, é a transformação das Escolas Multisseriadas em
Escolas Polo. Essa alteração tinha a finalidade, segundo os gestores municipais, de melhorar a
oferta de educação às crianças do campo por meio da concentração do alunado em uma escola
com melhores condições tanto em seu acervo e em sua infraestrutura, como na qualidade da
educação ofertada. Em vez de séries escolares concentradas em uma única sala, com apenas
um professor, para atender um reduzido número de alunos, os alunos de uma determinada
região do campo são transportados dos lotes onde residem para uma escola com todas as
séries, desde o Ensino Infantil até o final do Ensino Fundamental, as chamadas Escolas Polo.
Posteriormente, com outras medidas implantadas pelo governo estadual, essas Escolas Polo
passaram a ofertar, pelo sistema de Educação à Distância – EAD, o Ensino Médio. No
entanto, com essas alterações outros problemas têm surgido, levantado debates sobre a
eficiência e a efetividade dessas políticas educacionais.
Inclusive, considerando a pouca efetividade da educação aplicada no campo, no
formato tradicional de educação rural, faz-se necessário lembrar o alerta de Paulo Freire com
respeito à reflexão crítica sobre a prática docente, o que nos leva a pensar também a prática no
sentido de junção entre ela e a teoria. Conforme Freire,
[...] na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da
reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou
de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso
teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que
quase se confunda com a prática. O seu “distanciamento” epistemológico da
prática enquanto objeto de sua análise, deve dela “aproximá-lo” ao máximo.
Quanto melhor faça essa operação tanto mais inteligência ganha da prática
em análise e maior comunicabilidade exerce em torno da superação da
ingenuidade pela rigorosidade (FREIRE, 2003, p. 19).

Diante do quadro atual da educação do campo em Rondônia, uma das tentativas de se


minimizar os problemas advindos das dificuldades enfrentadas pelo alunado das escolas Polo,
surge a proposta de implantação da Pedagogia da Alternância, inicialmente na Escola Polo
Mafalda Rodrigues3, no Município de Ariquemes.

2. METODOLOGIA DO TRABALHO

Este trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa mais ampla que o autor vem
desenvolvendo para sua tese de doutorado em Educação. Quando da entrevista junto à
coordenador da Educação do Campo no município de Ariquemes, em Rondônia, local onde se
desenvolve a pesquisa mencionada, foi citada a Pedagogia da Alternância, projeto em vias de
implantação em uma das escolas Polo do município, mais precisamente na Escola Polo
Mafalda Rodrigues.
Posteriormente, em visita ao Assentamento 14 de Agosto, na mesma região onde se
localiza a referida escola, entrevistando o senhor Josué Pessoa de Souza, uma das lideranças
do assentamento, surgiu a questão da alternância. Segundo o entrevistado, o projeto teve o
apoio dos assentados visto que seria algo positivo no sentido de levar os alunos a um
aprendizado que permitisse contemplar teoria e prática.
A partir desses dados iniciais, nova entrevista foi realizada junto à Coordenadora
Municipal da Educação do Campo, com a finalidade de buscar mais dados sobre o projeto.
Também foi entrevistado o senhor Luciano Ribeiro Frazão, pequeno produtor no
assentamento 14 de Agosto e uma das lideranças dos movimentos sociais que balizam a vida
comunitária do mesmo.

3. O EQUIVOCADO CONCEITO DE EDUCAÇÃO RURAL

3
Uma das escolas Polo do município de Ariquemes-RO
A partir do entendimento de que o campo é lugar de pessoas com direitos e deveres
exatamente iguais àqueles dos cidadãos do meio urbano, fica claro que a concepção de
educação rural é equivocada. Não existe a possibilidade de se promover uma educação rural
nos padrões que tem sido realizado até o início da segunda metade do século XX, que tenha
êxito no sentido de levar os indivíduos do campo a uma formação integral e cidadã.
O que se pretende definir como formação integral e cidadã, é aquela que leve o
educando à noção, a mais profunda possível, das múltiplas dimensões da vida humana. Não
apenas no acúmulo de informação e de conhecimentos produzidos ao longo da história das
civilizações, mas no desenvolvimento de uma visão de mundo que permita ao indivíduo
educado dessa forma compreender os processos que fizeram dele um ser humano igual a
todos os demais seres humanos do mundo. No entanto, essa visão de mundo, ao tempo em
que mostra a igualdade de todos os seres humanos, demonstra a diversidade que existe nas
inúmeras sociedades encontradas no planeta. É a alteridade e a diversidade cultural, social,
histórica e econômica das múltiplas sociedades existentes. Aqui convém lembrar a proposta
de Freire (2013), quando afirma que

É que, se os homens são estes seres da busca e se sua vocação ontológica é


humanizar-se, podem, cedo ou tarde, perceber a contradição em que a
“educação bancária” pretende mantê-los e engajar-se na luta por sua
liberação.
Um educador humanista, revolucionário, não há de esperar esta
possibilidade. Sua ação, identificando-se, desde logo, com a dos educandos,
deve orientar-se no sentido da humanização de ambos. Do pensar autêntico e
não no sentido da doação, da entrega do saber. Sua ação deve estar infundida
da profunda crença nos homens. Crença no seu poder criador (FREIRE,
2013, p. 86)

Imprescindível se torna compreender, também, que a educação é um fenômeno


intrínseco ao ser humano e que, por isso mesmo, sendo ela negligenciada, ou mesmo
desprezada, os indivíduos vítimas dessa negligência sofrerão prejuízos de tal envergadura que
a própria condição humana deles pode entrar em colapso. Afinal, uma sociedade na qual
existam indivíduos desprovidos de educação, não é uma sociedade que possa assim se definir.
O próprio conceito de sociedade revela a existência de diversas pessoas entre as quais exista
um mínimo de solidariedade que lhes permita manter os vínculos necessários à existência de
instituições materiais e não materiais que fazem com que o agrupamento seja efetivamente
social.
A ideia de Educação Rural é um equívoco pelo fato de significar uma simples
transposição dos métodos de ensino do meio urbano para as escolas localizadas no campo. O
resultado é uma deformação da concepção desenvolvida no cotidiano pelos moradores do
campo; os alunos dessas escolas rurais, invariavelmente, no seu dia a dia convivem com as
atividades relativas à produção de sua existência em um meio natural, produzindo diretamente
o seu alimento, dominando todo o processo desde a preparação do solo para o plantio, o trato
com os animais destinados ao complemento da alimentação, fornecendo carne, ovos, leite,
assim como os animais que colaboram no trabalho como eqüinos e muares.
Quando os alunos do campo vão à escola, na forma de educação rural, defronta-se
com um mundo sem significado para seu modo de vida, desde a apresentação dos temas a
serem estudados até aos termos utilizados para definir todas as coisas com as quais lidas no
campo.
Dessa forma, a educação rural se torna desprovida de significado. Como
consequência, duas alternativas ficam para esse aluno: aos poucos vai perdendo o interesse
pelas coisas do seu dia a dia, sonhando com a vida no meio urbano, ou perde o interesse pelo
aprendizado encontrado nesse tipo de educação. Em ambas as situações fica claro o fracasso
da forma de educação desprovida de aproximação real do indivíduo com o seu meio.
Inclusive, quando se trás ao debate o conceito de educação do campo, inaugura-se
uma forma diferente, e justa, de se nomear as populações que vivem das atividades familiares
no campo e suas necessidades sociais, educacionais e mesmo econômicas. Com respeito à
educação, fugindo do conceito excludente de educação rural, busca-se desenvolver uma
identidade adequada à luta pelo direito à educação. Para Caldart,

Um dos traços fundamentais que vêm desenhando a identidade deste


movimento por uma educação do campo é a luta do povo do campo por
políticas públicas que garantam o seu direito à educação e a uma educação
que seja no e do campo. No: o povo tem direito a ser educado no lugar onde
vive; Do: o povo tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e
com a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades
humanas e sociais (CALDART, 2011, p. 149/150)

Sobre esse aspecto, é preciso entender as causas e necessidades que levaram ao


surgimento da Educação do Campo em Rondônia e a busca da implantação da Pedagogia da
Alternância no município de Ariquemes.

4. A QUESTÃO DA TERRA EM RONDÔNIA


No caso de Rondônia, assim como em toda a Região Norte, não se pode esquecer que
a formação de seu território, desde o grande impulso levado adiante pelos governos militares,
teve sua condução já direcionada para o latifúndio, apesar da distribuição de terras promovida
em favor de pequenos proprietários. Nesse sentido, Guimarães (1982) afirma que

“... é de lamentar que os mesmos governos, que se mostraram tão


preocupados no estabelecimento do que se pode chamar de relações urbanas,
ou com a fundação de cidades e vilas, em toda a região desbravada, se
tenham descuidado completamente de um plano integrado de
desenvolvimento rural, relegando ao acaso o que passou a acontecer no
domínio selvagem da ocupação das terras, valorizadas intensa e bruscamente
com as obras de infraestrutura. O que se viu foi o monopólio da terra, do
sistema latifundiário, ditar suas próprias regras, passando a vigorar, desde
logo, o mais desenfreado banditismo, sob o comando de grileiros a serviço
dos grandes açambarcadores de terras nacionais e estrangeiros para quem
foram canalizados os benefícios dos vultosos investimentos da infra-
estrutura feitos com os dinheiros públicos.” (GUIMARÃES, 1982, p. 242-
243)

Na mesma linha, e esclarecendo especificamente o caso de Rondônia, Cunha e


Moser mostram que
“... apenas nos coletivos denominados Pau de Arara, entraram no
território cerca de 3.150 (três mil cento e cinquenta) famílias no período
de 1975 a 1977. Esta corrente migratória tornou-se cada vez mais
crescente originando uma verdadeira explosão demográfica circunstância
que elevou o INCRA, como coordenador da política agrária a proceder a
criação de vários projetos fundiários de colonização e de assentamento
dirigido tendo como finalidade a solução desses problemas a ordenar as
novas ocupações.” (CUNHA e MOSER, p. 128)

E como contraponto aos projetos fundiários em favor dos pequenos produtores, os


mesmos autores informam que
“... em 1967/1968 surgiu a colonizadora particular Calama que
inicialmente foi contestada pelo INCRA e a partir desse momento os
migrantes assentados por aquela empresa se rebelaram, negando-se a
pagar as terras adquiridas. Essa situação indefinida provocou a ocupação
desordenada da área ocasionando sérios problemas sociais. Em 1976 o
INCRA aprovou o projeto técnico apresentado pela CALAMA S/A
reconhecendo-a como colonizadora particular e autorizando a execução
do projeto.” (CUNHA e MOSER, p. 131)

Da mesma forma, Oliveira (2010) demonstra o princípio dessa ocupação mesclada de


atendimento aos pequenos produtores e a participação de especuladores que buscam o
domínio da terra:
“... foram sete as unidades territoriais delimitadas pelo INCRA, quase todas
ao longo da BR – 364, para assentamento de trabalhadores rurais sem terra,
criadas na década de setenta do século XX, no então Território Federal de
Rondônia, beneficiando cerca de 24 mil famílias em lotes individuais de
aproximadamente cem hectares – sem falar nas regularizações de posse
promovidas pelos Projetos Fundiários – cujos territórios deram origem a
vários Municípios criados a partir de 1977, e na destinação de terra públicas
mediante licitações públicas com certames de abrangência nacional,
atraindo capital privado, quando foram alienados mais de um milhão de
hectares.” (Destaque nosso) (OLIVEIRA, 2010, p. 35)

Diante desse quadro, não é de se estranhar a carência educacional do campo em


Rondônia. Os interesses econômicos, principalmente voltados para o agronegócio, não de
produtos destinados à mesa da população local, mas voltados para a pauta de exportação de
commodities primárias, que resultam na inversão de grandes lucros para um número reduzido
de empresários rurais, nenhum valor atribuem à educação do homem do campo.
O fenômeno não atinge apenas de Rondônia, ou a Região Amazônica, mas se trata de
um problema nacional e histórico. Em 1984 surgiu, em Cascavel, no Paraná, o primeiro
encontro de um movimento destinado a discutir e mobilizar a população em torno da
concretização da Reforma no Brasil – o movimento dos trabalhadores rurais sem terra – MST.
Segundo Caldart (2012) “O I Encontro Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra aconteceu entre os dias 20 e 22 de janeiro de 1984, em Cascavel (PR), e
considera-se o dia 21 de janeiro como a data oficial de fundação do MST.”
A partir de então, disseminou-se pelo país ações que visavam distribuir terra a
trabalhadores do campo que não a possuíssem. Porém, devido à conjuntura política do país,
tanto na época como hoje, a busca pela terra tem enfrentado rigorosa reação dos grandes
latifundiários e dos empresários da monocultura e do agronegócio. Para Carvalho,

Ainda que sempre se iniciem pela reivindicação para que os governos


realizem reforma agrária nos mais distintos contextos sociais e regionais do
país, a implantação e mudanças estruturais na posse e uso das terras
agricultáveis no campo tem sido negadas pelas classes dominantes. E os
governos, como são orgânicos aos interesses de classe das classes
dominantes, não tem a vontade política nem o consentimento para tal
iniciativa. (CARVALHO, 2014, P 26)

E as contradições sobre o acesso à terra pelos pequenos produtores não ficam apenas
nos problemas citados por Carvalho. Outros problemas ocorrem: mesmo quando se assentam
famílias sem terra, ao se estabelecer a educação do campo local, o poder econômico consegue
cravar suas garras, quando não de maneira ostensiva, o faz de maneira sutil. Bornhausen e
Munarin demonstram isso de forma muito clara, conforme a seguir:

“... um projeto sobre educação ambiental que foi realizado em


algumas escolas do campo em 2007, cuja proponente e financiadora
era uma indústria madeireira que trabalha com a monocultura do pinus
e que desenvolveu o referido projeto em duas escolas que estão
localizadas em áreas atingidas pelos seus reflorestamentos. A empresa
estaria cumprindo a sua “responsabilidade social”, trazendo para as
crianças e adolescentes das escolas do campo as “preocupações” com
a preservação das nascentes de água, como o destino no lixo, com a
reutilização e reciclagem de materiais, mas que, em nenhum momento
trouxe à tona a questão da monocultura, da valorização e preservação
das florestas nativas, dos resultados do cultivo de espécies exóticas, ou
seja, eximindo-se da sua real responsabilidade histórica e jogando a
responsabilidade pela devastação e seus efeitos à comunidade.”
(BORNHAUSEN e MUNARIN, 2009, p. 75)

Ou seja, o grande capital, condutor do agronegócio e senhor da terra, devasta o meio


ambiente natural e atribui o ônus referente às consequências aos pequenos produtores e ao
alunado do campo. Para Santos, Silva e Barros (2018),

A propagação das escolas do/no campo1 em Rondônia está intimamente


ligada à história da colonização do Estado. À medida que famílias
imigrantes, oriundas de diversos estados brasileiros, aqui chegaram na
perspectiva de conquistar uma fatia da terra, com a implementação pelo
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) de projetos2
de colonização e regulamentação agrária nas décadas de 1970 e 1980,
alastram-se pelas linhas vicinais do Estado inúmeras escolas multisseriadas3,
emergidas da ânsia dos novos colonizadores em proporcionar o acesso ao
conhecimento a seus filhos. No entanto, pode-se constatar que a crescente
chamada para a ocupação do espaço Amazônico Ocidental não proporcionou
em mesma medida a proliferação de políticas públicas (SANTOS, SILVA e
BARROS, 2018, p. 1-2).

Nesse contexto, dentre as consequências prejudiciais ao homem do campo, ressalta


de forma bastante negativa a oferta de educação aos filhos dos pequenos produtores, não
apenas pela sua condição deficitária, mas principalmente pela precariedade da educação e dos
meios necessários ao seu efetivo desenvolvimento.

5. A EDUCAÇÃO DO CAMPO EM RONDÔNIA


Dentre os muitos gargalos encontrados na proposta de uma efetiva implantação da
Educação no/do campo, um dos fatores que pesam nessa dificuldade é a precariedade física
das escolas. Além disso, ainda não se sabe o real motivo para o projeto de polarização 4 das
escolas do meio rural, ou seja, a criação de Escolas Polo, em detrimento das escolas
multisseriadas do campo.
No município de Ariquemes, existem apenas duas escolas multisseriadas, sendo que
antes eram 875. Para se acomodar o alunado das 85 escolas multisseriadas que foram
fechadas, criou-se sete Escolas Polo.
No entanto, a polarização cria um problema que é a dificuldade de os alunos
freqüentarem a Escola Polo. Há casos em que o trajeto de casa até essa escola chega a 40 km.
Isso, contemplando a distância da escola até o ponto onde o ônibus escolar apanha essa
criança. Em alguns casos, essa criança precisa se deslocar por 300 ou 500 metros até o ponto
do transporte. E esse deslocamento é feito muito cedo, às vezes antes de 4 horas da manhã, o
que, nesses casos, computando-se a ida e a volta, essa criança viaja mais de 80 km; sai de casa
por volta das 4 h e, ao chegar de volta já são mais de 14 ou 15 horas da tarde, o que perfaz
mais de 10 horas fora de casa. Há informações de que muitas dessas crianças dormem no
ônibus escolar, o que em si já é muito prejudicial tanto à sua saúde física como ao seu
aprendizado.
A respeito de toda essa dificuldade enfrentada pelo alunado das Escolas Polo, por
conta da distância a ser percorrida de casa até o local de estudo, uma professora de uma das
Escolas Polo do município de Ariquemes, em entrevista sobre a questão, afirma que,

“... então a gente percebe a criança menorzinha, pequena andando [...]


dormindo dentro do ônibus, indo dormindo e voltá dormindo também, aí a
gente imagina assim, como que essa criança vai aprender?... aí entra essa
questão... ela chegando em casa ainda tem que ajudar em alguma coisinha
[...] mesmo os pequenos [...] porque no campo todas as crianças tem
responsabilidade, todas...”

Por conta das necessidades próprias da vida no campo, todos os membros da família
dedicada à agricultura familiar trabalham em alguma das atividades do seu cotidiano. Do
comentário acima, fica claro que mesmo as crianças menores precisam contribuir de alguma
forma com as obrigações da família.

4
Polarização é o termo usado para caracterizar o processo de aglomeração das escolas multisseriadas em um
mesmo estabelecimento de ensino da área rural. Estes estabelecimentos são chamados Escolas Polo.
5
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Ariquemes
A respeito da necessidade de garantir a educação a todos, a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, contempla a educação do
campo como sendo obrigatória e devendo ser atendida pelos órgãos responsáveis pela
educação em geral, em todas as esferas da administração pública – Federal, Estadual e
Municipal. Neste sentido, é perfeitamente claro o que determina o artigo 28, incisos e
parágrafo único da referida lei:

Art. 28. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de


ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e
interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar
às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural.
Parágrafo único. O fechamento de escolas do campo, indígenas e
quilombolas será precedido de manifestação do órgão normativo do
respectivo sistema de ensino, que considerará a justificativa apresentada pela
Secretaria de Educação, a análise do diagnóstico do impacto da ação e a
manifestação da comunidade escolar.

Sobre o tema, Souza (2014) afirma que

O calendário escolar deverá flexionar para que não traga transtorno à vida
das famílias do campo. Visto que os ciclos agrícolas são fatores resultantes
para a economia familiar, com isso é necessário que a escola respeite estes
ciclos. Sendo assim, a gestão escolar deverá pensar em um calendário que
atenda as peculiaridades da comunidade envolvente. (SOUZA, 2014, p. 16)

A partir do que determina o referido artigo da LDB, um dos meios destinados ao


alcance do que propõe a lei é a implantação em escolas do campo da Pedagogia da
Alternância. Visando não permitir que as crianças do campo percam seu contato com o lugar
onde vive e as atividades desenvolvidas pela sua família na busca da subsistência, a Secretaria
Municipal de Educação promoveu o Projeto Pedagogia da Alternância.
Esta prática já vem ocorrendo em algumas escolas de Rondônia, como é o caso da
Escola Família Agrícola EFA-DAP, localizada na linha 623, no município de Jaru, além de
outras em outros municípios do estado. Dada a proximidade do município de Jaru em relação
ao município de Ariquemes, os filhos de muitos moradores do campo de Ariquemes
frequentam a EFA-DAP.

6. A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA
Surgida na França, em meados da década de 1930, a Pedagogia da Alternância tinha
a finalidade de articular o aprendizado escolar dos jovens franceses com a experiência prático-
profissional em atividades agrícolas. O propósito era levar ao desenvolvimento social e
econômico das comunidades rurais daquele país (TEIXEIRA, BERNARTT e TRINDADE,
2008).
Estudiosos informam que a origem da proposta na França relaciona-se com a
necessidade de atender o alunado de determinada comunidade rural daquele país, pelo fato de
um deles ter se recusado a frequentar a escola convencional. O fato motivou alguns
produtores rurais e um padre a buscarem alternativa ao problema, o que resultou na criação
das chamadas Maisons Familiales Rurales (SOUZA, s/a, p. 2).
No Brasil, a Pedagogia da Alternância - PA começa a ser implantada em 1969, por
ação do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo – MEPES, quando foram
fundadas algumas escolas destinadas a essa proposta. Para Teixeira, Bernartt e Trindade,

A Pedagogia da Alternância atribui grande importância à articulação entre


momentos de atividade no meio socioprofisional do jovem e momentos de
atividade escolar propriamente dita, nos quais se focaliza o conhecimento
acumulado, considerando sempre as experiências concretas dos educandos
(TEIXEIRA, BERNARTT, TRINDADE, 2008, p. 3).

No entanto, tanto na França como no Brasil, a concepção existente sobre a educação


era na forma unitária, ou seja, um só tipo de educação para todas as localidades fossem rurais
ou urbanas. Ocorre que, sem discutir a questão francesa, por falta de elementos para tal, no
caso brasileiro acontece uma dicotomia que tem sido prejudicial à formação intelectual do
morador do campo. O conceito de rural tem sido entendido como algo dicotomizado em
relação ao meio urbano. Sempre que exista referência o rural, tal referência já surge carregada
de negatividade e segregação; o rural é o precário, atrasado, pobre etc.
Para Valadão, Neto e Andrade (2016), a Pedagogia da Alternância está inserida no
contexto das Tecnologias Sociais – TS, e é reconhecida como um instrumento de relevante
transformação social, inclusive, se desenvolvendo com a participação e o envolvimento de
diversos atores. E afirmam esses autores, que

As TS, desse modo, diferentemente de serem unicamente replicadas,


como se pressupõe no modelo difusionista, ou desenvolvidas para uso
das comunidades de baixa renda, como definem as tecnologias
alternativas ou apropriadas, são elaboradas, ao menos parcialmente, na
própria localidade em que são aplicadas e pelos próprios atores
envolvidos. A PA, por exemplo, é uma metodologia educativa
desenvolvida pelos próprios agricultores familiares, para educação de seus
filhos na própria localidade de suas residências e tendo como base formativa
o próprio conhecimento das famílias envolvidas.(VALADÃO, NETO e
ANDRADE, 2016, P. 2-3)

Fernandes, Cerioli e Caldart, em texto preparatório para a Primeira Conferência


Nacional “Por Uma Educação Básica do Campo”, afirma que

Há uma tendência dominante em nosso país, marcado por exclusões e


desigualdades, de considerar a maioria da população que vive no campo
como a parte atrasada e fora de lugar no almejado projeto de modernidade.
No modelo de desenvolvimento, que vê o Brasil apenas como mais um
mercado emergente, predominantemente urbano, camponeses e indígenas
são vistos como espécies em extinção. Nesta lógica, não haveria necessidade
de políticas públicas específicas para estas pessoas, a não ser do tipo
compensatório à sua própria condição de inferioridade, e/ou diante de
pressões sociais. A situação da educação no meio rural hoje retrata bem esta
visão (FERNANDES, CERIOLI e CALDART. 2011, p. 21)

Segundo os autores acima, o campo no Brasil não faz parte dos interesses políticos, a
não ser quando se trata da grande produção de commodities destinadas ao mercado exterior, o
tão conhecido agronegócio. Neste caso, a rentabilidade do agronegócio não aproveita em
quase nada à sociedade brasileira, desde que desfrutam de grandes financiamentos, subsídios
governamentais e geram pouquíssimos empregos. Para os grandes proprietários, esse tipo de
empreendimento é o mais interessa. A educação das populações que restam no campo,
pequenos proprietários dedicados à agricultura familiar, não tem interesse nenhum para os
negócios.

6.1 A Pedagogia da Alternância em Ariquemes

A Escola Polo Mafalda Rodrigues, criada em 1993, visava atender os moradores do


campo da região. Segundo Josué Pessoa, morador do Assentamento 14 de Agosto, “A
Mafalda foi a primeira escola dos camponeses da região, ainda não era Polo, depois foi se
transformando em Polo.”
O referido assentamento nasceu da ação de trabalhadores sem terra, que, ao
ocuparem o local com o ânimo de cultivar a o solo, imediatamente edificaram uma escola, que
hoje é a Escola Multisseriada Silvio Rodrigues, uma das duas ainda existentes no município
de Ariquemes. A criação da escola resultou a ação dos trabalhadores organizados pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, juntamente com a prefeitura da
cidade de Jaru, na época administrada pelo Partido dos Trabalhadores. Sobre a ação deste
movimento, cabe frisar que, segundo Novaes (2018),

O MST tornou-se o maior movimento social do país com organização


nacional e uma preocupação com a educação que é muito relevante e
exemplar sobre os desafios colocados a um movimento social deste
porte. Primeiro, porque a base social do MST que é excluída do acesso
à terra, também é historicamente excluída do acesso à educação, por
isso desde as primeiras ocupações houve a necessidade de se pensar a
questão da escola e da educação para as crianças dos acampamentos.
(NOVAES, 2018, p. 201-202)

Em entrevista com a Coordenadora para a Educação do Campo, da Secretaria


Municipal de Educação de Ariquemes, Professora Joelma Soares Quaresma de Lima, foram
obtidas as seguintes informações, reproduzidas conforme ocorrido na entrevista:

“... foi solicitado da presidente que nós apresentássemos um Projeto para o


Conselho, da Pedagogia da Alternância; apresentamos, foi validada, ou... não
foi validado ainda oficialmente porque não saiu o parecer ainda.6
A gente caminhou essa semana para uma prévia, uma análise prévia prá
mandar prá gente, prá gente fazer algumas adequações profissionalizantes.
A proposta da Pedagogia da Alternância [...] porque esse ano a gente
pretende [...] é, já fazer uma, uma apresentação formal para os funcionários
prá depois a gente envolver a comunidade prá dois mil, dois mil e vinte a
gente implantar de fato, de direito e de fato.
“... ela funciona dentro das escolas EFAs, Escola Família Agrícola [...] então
[...] dentro das EFAs a proposta da Pedagogia da .Alternância, é 15 dias em
casa e 15 dias na escola. E por que se fala alternância? É justamente a gente
alternar o quê? Muitos entendem que é só o tempo, o tempo que ele ta na
casa dele e o tempo que ela tá na escola, não [...] são a alternância desses
saberes, o conhecimento empírico [...] esses alunos são do campo [...] o
conhecimento empírico atrelado ao conhecimento [...] científico, entendeu?
Aí, no tempo que ele tá lá na comunidade dele, vai está interagindo com os
conhecimentos científicos que ele aprendeu na escola.
Tem, através de instrumentais e tudo mais que vai voltar para a escola [...]
então, lá na comunidade ele interage, aonde, em casa porque ele também
aprende em casa, ele também aprende na Igreja [...] envolve a agricultura
familiar, fortalece a agricultura familiar, então, quanto se fala dessa
alternância, é alternar e interagir, alternar esses dois saberes aí [...] prá se ter
uma educação integradora, que a gente tanto discute, que a gente tanto fala
isso e, é necessário fazer essa integração... aí, que ele faz, vai prá escola pro
tempo da estadia, essa que a gente chama de escola, tempo escola, ele traz
conhecimentos enraizados ali, que do pai, da mãe, dos avós, da comunidade
[...] crítica, participativa, que ele aprendeu na Igreja, ele leva tudo prá escola,

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Foi mantido o linguajar coloquial ocorrido na entrevista.
prá lá interagir também, atrelar o conhecimento científico [...] levá prá lá e
de lá prá cá [...] isso é alternância.
E como se fala em alternância, que muitos acham assim, ah, vai passar um
tempo em casa, mas qual é a proposta desse tempo em casa [...] dentro da
proposta prá Mafalda Rodrigues7 a gente tá considerando os finais de
semana, sábado e domingo [...] precisa, dentro da proposta, precisa [...] e eu
digo mais, não necessariamente tem que ser a proposta da Pedagogia da
Alternância, acho que todas as escolas deveriam fazer isso [...] enquanto
educadora eu to falando [...] ao seu perfil de comunidade porque ele interage
ali [...] então, quando se fala da proposta da Pedagogia da Alternância, de
uma forma bem [...] grotesca [...] a gente apresenta dessa forma [...] prá
facilitar até prá outras pessoas que não tem conhecimento mais profundo,
podê entendê e facilitar a compreensão.

Segundo a coordenadora, nas quintas-feiras os alunos têm aula em tempo integral,


quando é discutido pelos professores as atividades realizadas no local em que vivem, como se
dá a produção da família, qual o nível de contribuição dos alunos junto a seus pais etc. Essa
discussão sobre a vida prática no campo, com interação entre todos os alunos, permite a troca
de informações sobre seu aprendizado escolar e as formas de vida prática do morador do
campo.
Esse projeto, em sendo implantado e mantido, parece ir ao encontro da proposta
gramsciana de formação de intelectuais orgânicos. Para Gramsci (1982),

“Cada grupo social, nascendo no terreno original de uma função


essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo
tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais
que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não
apenas no campo econômico, mas também no social e político...”
(GRAMSCI, 1982, p. 3)

7
Uma das Escolas Polo do campo em Ariquemes.
Escola Polo Mafalda Rodrigues – Foto do autor.

Em visita ao Assentamento 14 de Agosto, localizado na linha C-19, na zona rural de


Ariquemes, foi entrevistado o senhor Josué Pessoa de Souza que vem acompanhando a
proposta da Pedagogia da Alternância na Escola Polo Mafalda Rodrigues.

Escola Multisseriada Silvio Rodrigues – Assentamento 14 de Agosto – Ariquemes.

Segundo Josué,

O conselho não aprovou a alternância de frequência, apenas a de conteúdo.


O aluno tem um caderno de acompanhamento, nas quintas-feiras há a troca
de experiências, que isso os professores... vai internar os conteúdos, porque
aí o aluno vai contar a experiência dele, por exemplo, vai chegar um dia que
os meninos daqui vai contar a experiência da produtividade da família.

A experiência acima, iniciada no final do ano de 2019, pelo menos na concepção dos
líderes dos movimentos sociais da região, pretende iniciar uma prática que tem por finalidade
permitir a formação do alunado do campo para seu protagonismo futuro no próprio campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do estudo acima, depreende-se que alguma ação vem sendo realizada no sentido de
minimizar a precariedade a que sempre tem sido relegada a educação do campo. Não
obstante, as dificuldades para implantação de políticas voltadas para esse tipo de ação,
geralmente, são criadas por setores da sociedade cujas atividades seguem em direção oposta à
inclusão social. Como o campo no Brasil, quando voltado para a produção de alimentos de
forma não capitalista, movimentando atividades relacionadas às pequenas propriedades, não é
contemplado pelos grandes projetos econômicos, o setor padece de atenção.
Na proposta de implantação da Pedagogia da Alternância, o que se procura é a
orientação do alunado do campo para uma tomada de consciência a respeito da sua própria
condição: um ser humano cidadão, consciente de que o campo é o seu meio de vida e local de
manifestação prática do que se concebe em teoria e do que se alcançou pela ciência. Podemos
considerar que a proposta, no caso de ser efetivada e levada adiante, vai ao encontro do
proposto por Gramsci, que desenvolveu a teoria do intelectual orgânico (GRAMSCI, 1982).
Costumeiramente, a formação intelectual de egressos das classes baixa no Brasil tem atendido
à busca de melhoria de vida apenas no aspecto socioeconômico, não promovendo o resgate da
cidadania entre as classes de onde provieram. Para Gramsci, “Todos os homens são
intelectuais, poder-se-ia dizer então; mas nem todos os homens desempenham na sociedade a
função de intelectuais.” Comentando sobre o assunto, o senhor Josué Pessoa de Souza,
entrevistado pelo autor no assentamento onde vive, afirmou que

“Aí a lei te permite, mas por que as pessoas perdem a oportunidade? Chega
aos governos e o governo não faz [...] se nós sabíamos que a classe média
brasileira é orientada pela classe dominante a odiar os pobres, então nós
tínhamos que mudar a educação; porque se a educação não for libertadora, o
oprimido sonha em ser opressor. Ele não sonha em se libertar.Então você
continua investindo muito em educação, mas, porém no mesmo modelo [...]
fez prédio bonito [...] mas chega no modelo de ensino [...] é competitivo, eu
vi lá, os caras... curso em agronegócio, os meninos pensando em estudar aqui
e pegar emprego no Mato Grosso...”

O comentário desse pequeno produtor do campo nos leva a pensar que pequeninas
ações como a que vem se desenvolvendo na Escola Mafalda Rodrigues, em sendo aceitas
pelos camponeses envolvidos e beneficiados por ela, e assumindo protagonismo em sua
condução, poderá alcançar objetivos positivos em favor da educação do campo.
A própria noção de educação do campo já nos leva a considerar algo completamente
diferente do conceito tradicional de educação. Se o alunado do campo vai à escola apenas
para adquirir os conhecimentos produzidos pelas diversas sociedades ao longo da história, de
pouca valia será esse conhecimento para a sua própria condição de pessoa do campo.
Fatalmente, o seu desejo será o de abandonar o meio em que vive e buscar uma vida urbana
que lhe parece ser mais confortável e, por que não, mais condizente à sua condição de
intelectual.
No entanto, seguindo a proposta gramsciana, o esforço deve ser no sentido de que o
alunado do campo desenvolva a cultura de pertencimento ao meio onde vive. Que a sua
formação intelectual seja conectada às atividades do campo, relacionada à cultura do seu meio
e, alcançando essa formação unitária e marcada pela totalidade intelectual – conexão entre
teoria e prática, politecnia na concepção de Saviani – venha a desempenhar o papel de
intelectual do campo, promotor da cidadania hoje ainda ausente entre os trabalhadores do
campo.

REFERÊNCIAS

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2011.

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São Paulo. Editora Expressão Popular, 2014.
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confronto. Apud: CALDART, Roseli Salete & ALENTEJANO, Paulo (Org.). MST
Universidade e Pesquisa. São Paulo. Editora Expressão Popular, 2014.

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____________. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 2013.

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