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ARIQUEMES
RESUMO
O presente trabalho apresenta uma reflexão sobre os problemas vividos pela Educação do
Campo em Rondônia, mais precisamente no município de Ariquemes, no qual a Secretaria
Municipal de Educação está implantando o Projeto de Pedagogia da Alternância, com a
finalidade de manter o aluno do campo na escola sem perder o vínculo com o aprendizado do
seu dia a dia na produção da sua existência junto aos seus pais. Ocorre que dentre os
problemas enfrentados pela Educação do Campo em Rondônia, destaca-se a ofensiva do
agronegócio que de forma avassaladora vem dominando as áreas produtivas do meio rural no
estado. Como o agronegócio prescinde da educação básica, desde que o emprego de mão de
obra em suas atividades é bastante reduzido, a existência de escolas no campo se torna
desnecessária. Enquanto isso, pelo fato de vir escasseando as atividades relacionadas à
produção de alimentos, característica básica dos pequenos produtores, os donos das pequenas
propriedades necessitam lutar permanentemente para manter uma educação para seus filhos
que os conduza ao conhecimento das “ciências” do campo, buscando consolidar as práticas no
meio em que vive e do qual retiram seu sustento.
1. INTRODUCÃO
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Professor do Instituto Federal de Rondônia e Doutorando em Educação pela Faculdade de Ciências e Filosofia
da Universidade Estadual Paulista – UNESP, do programa DINTER IFRO/UNESP.
2
Orientador. Professor Doutor da Faculdade de Ciências e Filosofia da Universidade Estadual Paulista –
UNESP. Orientador de Pós Graduação em EDUCAÇÃO do programa DINTER IFRO/UNESP.
frequência nas atividades desenvolvidas no campo, têm levado as políticas públicas para o
setor a pequenos avanços marcados por grandes recuos.
No caso de Rondônia, quando do início da ocupação de suas áreas devolutas, por
determinação dos governos militares da ditadura que vigeu entre 1964 e 1985, as primeiras
formas de educação para o homem do campo se deram por ação dos próprios proprietários dos
pequenos lotes que surgiram ao longo da BR-364. Com o passar dos anos, interesses voltados
para o agronegócio, principalmente da soja, deram início a transformações negativas em
relação à educação do campo. Conforme Machado, Feza e Barba (2018):
2. METODOLOGIA DO TRABALHO
Este trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa mais ampla que o autor vem
desenvolvendo para sua tese de doutorado em Educação. Quando da entrevista junto à
coordenador da Educação do Campo no município de Ariquemes, em Rondônia, local onde se
desenvolve a pesquisa mencionada, foi citada a Pedagogia da Alternância, projeto em vias de
implantação em uma das escolas Polo do município, mais precisamente na Escola Polo
Mafalda Rodrigues.
Posteriormente, em visita ao Assentamento 14 de Agosto, na mesma região onde se
localiza a referida escola, entrevistando o senhor Josué Pessoa de Souza, uma das lideranças
do assentamento, surgiu a questão da alternância. Segundo o entrevistado, o projeto teve o
apoio dos assentados visto que seria algo positivo no sentido de levar os alunos a um
aprendizado que permitisse contemplar teoria e prática.
A partir desses dados iniciais, nova entrevista foi realizada junto à Coordenadora
Municipal da Educação do Campo, com a finalidade de buscar mais dados sobre o projeto.
Também foi entrevistado o senhor Luciano Ribeiro Frazão, pequeno produtor no
assentamento 14 de Agosto e uma das lideranças dos movimentos sociais que balizam a vida
comunitária do mesmo.
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Uma das escolas Polo do município de Ariquemes-RO
A partir do entendimento de que o campo é lugar de pessoas com direitos e deveres
exatamente iguais àqueles dos cidadãos do meio urbano, fica claro que a concepção de
educação rural é equivocada. Não existe a possibilidade de se promover uma educação rural
nos padrões que tem sido realizado até o início da segunda metade do século XX, que tenha
êxito no sentido de levar os indivíduos do campo a uma formação integral e cidadã.
O que se pretende definir como formação integral e cidadã, é aquela que leve o
educando à noção, a mais profunda possível, das múltiplas dimensões da vida humana. Não
apenas no acúmulo de informação e de conhecimentos produzidos ao longo da história das
civilizações, mas no desenvolvimento de uma visão de mundo que permita ao indivíduo
educado dessa forma compreender os processos que fizeram dele um ser humano igual a
todos os demais seres humanos do mundo. No entanto, essa visão de mundo, ao tempo em
que mostra a igualdade de todos os seres humanos, demonstra a diversidade que existe nas
inúmeras sociedades encontradas no planeta. É a alteridade e a diversidade cultural, social,
histórica e econômica das múltiplas sociedades existentes. Aqui convém lembrar a proposta
de Freire (2013), quando afirma que
E as contradições sobre o acesso à terra pelos pequenos produtores não ficam apenas
nos problemas citados por Carvalho. Outros problemas ocorrem: mesmo quando se assentam
famílias sem terra, ao se estabelecer a educação do campo local, o poder econômico consegue
cravar suas garras, quando não de maneira ostensiva, o faz de maneira sutil. Bornhausen e
Munarin demonstram isso de forma muito clara, conforme a seguir:
Por conta das necessidades próprias da vida no campo, todos os membros da família
dedicada à agricultura familiar trabalham em alguma das atividades do seu cotidiano. Do
comentário acima, fica claro que mesmo as crianças menores precisam contribuir de alguma
forma com as obrigações da família.
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Polarização é o termo usado para caracterizar o processo de aglomeração das escolas multisseriadas em um
mesmo estabelecimento de ensino da área rural. Estes estabelecimentos são chamados Escolas Polo.
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Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Ariquemes
A respeito da necessidade de garantir a educação a todos, a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, contempla a educação do
campo como sendo obrigatória e devendo ser atendida pelos órgãos responsáveis pela
educação em geral, em todas as esferas da administração pública – Federal, Estadual e
Municipal. Neste sentido, é perfeitamente claro o que determina o artigo 28, incisos e
parágrafo único da referida lei:
O calendário escolar deverá flexionar para que não traga transtorno à vida
das famílias do campo. Visto que os ciclos agrícolas são fatores resultantes
para a economia familiar, com isso é necessário que a escola respeite estes
ciclos. Sendo assim, a gestão escolar deverá pensar em um calendário que
atenda as peculiaridades da comunidade envolvente. (SOUZA, 2014, p. 16)
6. A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA
Surgida na França, em meados da década de 1930, a Pedagogia da Alternância tinha
a finalidade de articular o aprendizado escolar dos jovens franceses com a experiência prático-
profissional em atividades agrícolas. O propósito era levar ao desenvolvimento social e
econômico das comunidades rurais daquele país (TEIXEIRA, BERNARTT e TRINDADE,
2008).
Estudiosos informam que a origem da proposta na França relaciona-se com a
necessidade de atender o alunado de determinada comunidade rural daquele país, pelo fato de
um deles ter se recusado a frequentar a escola convencional. O fato motivou alguns
produtores rurais e um padre a buscarem alternativa ao problema, o que resultou na criação
das chamadas Maisons Familiales Rurales (SOUZA, s/a, p. 2).
No Brasil, a Pedagogia da Alternância - PA começa a ser implantada em 1969, por
ação do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo – MEPES, quando foram
fundadas algumas escolas destinadas a essa proposta. Para Teixeira, Bernartt e Trindade,
Segundo os autores acima, o campo no Brasil não faz parte dos interesses políticos, a
não ser quando se trata da grande produção de commodities destinadas ao mercado exterior, o
tão conhecido agronegócio. Neste caso, a rentabilidade do agronegócio não aproveita em
quase nada à sociedade brasileira, desde que desfrutam de grandes financiamentos, subsídios
governamentais e geram pouquíssimos empregos. Para os grandes proprietários, esse tipo de
empreendimento é o mais interessa. A educação das populações que restam no campo,
pequenos proprietários dedicados à agricultura familiar, não tem interesse nenhum para os
negócios.
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Foi mantido o linguajar coloquial ocorrido na entrevista.
prá lá interagir também, atrelar o conhecimento científico [...] levá prá lá e
de lá prá cá [...] isso é alternância.
E como se fala em alternância, que muitos acham assim, ah, vai passar um
tempo em casa, mas qual é a proposta desse tempo em casa [...] dentro da
proposta prá Mafalda Rodrigues7 a gente tá considerando os finais de
semana, sábado e domingo [...] precisa, dentro da proposta, precisa [...] e eu
digo mais, não necessariamente tem que ser a proposta da Pedagogia da
Alternância, acho que todas as escolas deveriam fazer isso [...] enquanto
educadora eu to falando [...] ao seu perfil de comunidade porque ele interage
ali [...] então, quando se fala da proposta da Pedagogia da Alternância, de
uma forma bem [...] grotesca [...] a gente apresenta dessa forma [...] prá
facilitar até prá outras pessoas que não tem conhecimento mais profundo,
podê entendê e facilitar a compreensão.
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Uma das Escolas Polo do campo em Ariquemes.
Escola Polo Mafalda Rodrigues – Foto do autor.
Segundo Josué,
A experiência acima, iniciada no final do ano de 2019, pelo menos na concepção dos
líderes dos movimentos sociais da região, pretende iniciar uma prática que tem por finalidade
permitir a formação do alunado do campo para seu protagonismo futuro no próprio campo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do estudo acima, depreende-se que alguma ação vem sendo realizada no sentido de
minimizar a precariedade a que sempre tem sido relegada a educação do campo. Não
obstante, as dificuldades para implantação de políticas voltadas para esse tipo de ação,
geralmente, são criadas por setores da sociedade cujas atividades seguem em direção oposta à
inclusão social. Como o campo no Brasil, quando voltado para a produção de alimentos de
forma não capitalista, movimentando atividades relacionadas às pequenas propriedades, não é
contemplado pelos grandes projetos econômicos, o setor padece de atenção.
Na proposta de implantação da Pedagogia da Alternância, o que se procura é a
orientação do alunado do campo para uma tomada de consciência a respeito da sua própria
condição: um ser humano cidadão, consciente de que o campo é o seu meio de vida e local de
manifestação prática do que se concebe em teoria e do que se alcançou pela ciência. Podemos
considerar que a proposta, no caso de ser efetivada e levada adiante, vai ao encontro do
proposto por Gramsci, que desenvolveu a teoria do intelectual orgânico (GRAMSCI, 1982).
Costumeiramente, a formação intelectual de egressos das classes baixa no Brasil tem atendido
à busca de melhoria de vida apenas no aspecto socioeconômico, não promovendo o resgate da
cidadania entre as classes de onde provieram. Para Gramsci, “Todos os homens são
intelectuais, poder-se-ia dizer então; mas nem todos os homens desempenham na sociedade a
função de intelectuais.” Comentando sobre o assunto, o senhor Josué Pessoa de Souza,
entrevistado pelo autor no assentamento onde vive, afirmou que
“Aí a lei te permite, mas por que as pessoas perdem a oportunidade? Chega
aos governos e o governo não faz [...] se nós sabíamos que a classe média
brasileira é orientada pela classe dominante a odiar os pobres, então nós
tínhamos que mudar a educação; porque se a educação não for libertadora, o
oprimido sonha em ser opressor. Ele não sonha em se libertar.Então você
continua investindo muito em educação, mas, porém no mesmo modelo [...]
fez prédio bonito [...] mas chega no modelo de ensino [...] é competitivo, eu
vi lá, os caras... curso em agronegócio, os meninos pensando em estudar aqui
e pegar emprego no Mato Grosso...”
O comentário desse pequeno produtor do campo nos leva a pensar que pequeninas
ações como a que vem se desenvolvendo na Escola Mafalda Rodrigues, em sendo aceitas
pelos camponeses envolvidos e beneficiados por ela, e assumindo protagonismo em sua
condução, poderá alcançar objetivos positivos em favor da educação do campo.
A própria noção de educação do campo já nos leva a considerar algo completamente
diferente do conceito tradicional de educação. Se o alunado do campo vai à escola apenas
para adquirir os conhecimentos produzidos pelas diversas sociedades ao longo da história, de
pouca valia será esse conhecimento para a sua própria condição de pessoa do campo.
Fatalmente, o seu desejo será o de abandonar o meio em que vive e buscar uma vida urbana
que lhe parece ser mais confortável e, por que não, mais condizente à sua condição de
intelectual.
No entanto, seguindo a proposta gramsciana, o esforço deve ser no sentido de que o
alunado do campo desenvolva a cultura de pertencimento ao meio onde vive. Que a sua
formação intelectual seja conectada às atividades do campo, relacionada à cultura do seu meio
e, alcançando essa formação unitária e marcada pela totalidade intelectual – conexão entre
teoria e prática, politecnia na concepção de Saviani – venha a desempenhar o papel de
intelectual do campo, promotor da cidadania hoje ainda ausente entre os trabalhadores do
campo.
REFERÊNCIAS
CALDART. Roseli Salete. Por Uma Educação do Campo. Petrópolis. 5ª Ed. Editora Vozes,
2011.
CALDART, Roseli Salete & ALENTEJANO, Paulo (Org.). MST Universidade e Pesquisa.
São Paulo. Editora Expressão Popular, 2014.
CARVALHO, Horácio Martins de. As lutas sociais no campo: modelos de produção em
confronto. Apud: CALDART, Roseli Salete & ALENTEJANO, Paulo (Org.). MST
Universidade e Pesquisa. São Paulo. Editora Expressão Popular, 2014.
GUIMARÃES, Alberto Passos. A crise Agrária. São Paulo. Editora Paz e Terra, 1982.