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Corrupção Predatória PDF
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"Cómo combatir la corrupción, garantizar la transparencia y rescatar la ética en la gestión gubernamental en Iberoamérica"
Caracas, 2004-2005
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INTRODUÇÃO
O tema do presente concurso de monografias do CLAD traz em si um aparente paradoxo: não
poderia ser considerado “novidade”, posto que a preocupação com o enfrentamento da corrupção, o
aumento da transparência das ações governamentais e o resgate da ética na política e na gestão
governamental no Brasil, na América Latina e mesmo no mundo não é um assunto recente.
Vários sistemas políticos modernos sofreram e continuam sofrendo problemas como
corrupção, nepotismo, fisiologismo, crime organizado, favorecimento, “mordomias”, etc, com uma
abundante e variada terminologia empregada para descrever as áreas problemáticas. Suas origens,
no entanto, ainda não são objeto de consenso: há os que apontem para os custos, mas há divergência
se estes se referem à lesão ao patrimônio público ou à perda de credibilidade do sistema político-
administrativo; outros, por sua vez, enfatizam o aspecto da transgressão, mais uma vez divergindo
se esta se refere a regras formais ou ao consenso moral. Ainda que não tenha suas fronteiras muito
bem definidas, termo “corrupção” refere-se a toda essa série de problemas.
Não obstante o assunto não ser desconhecido, é impressionante verificar que, a cada dia, ele
aumenta sua abrangência e consegue nos assustar e chocar, todos os dias, com os relatos que a
imprensa, os órgãos de controle, o Ministério Público e, ultimamente, a própria Polícia Federal, no
caso brasileiro, vêm trazendo. Atualmente, talvez pela maior facilidade de disseminação das
informações, trazida pela utilização mais intensiva das tecnologias de informação e comunicação,
aliada a um ambiente de maior abertura democrática e maior liberdade de imprensa, são cada vez
mais freqüentes as reportagens/investigações que trazem relatos de práticas corruptas e de
depredação da coisa pública por agentes públicos e privados.
Neste trabalho, longe de se fazer uma compilação de relatos jornalísticos das últimas
denúncias sobre corrupção, pretende-se trabalhar teoricamente os conceitos de corrupção e uma
vertente que, reputamos, seja a mais crítica para sua compreensão e enfrentamento: o nepotismo,
nascido e cevado em uma base social que faz pouca diferença entre o público e o privado, presente
na história brasileira desde a época de Colônia, reforçada com as práticas coronelistas no início da
República e, mesmo atualmente, após tantos ciclos de autoritarismos e redemocratizações, continua
a ser manchete de noticiários e razões para vergonha e indignação de diversos segmentos na
Administração Pública e na Sociedade, especialmente os comprometidos com a gestão pública
profissionalizada.
No debate sobre como enfrentar a corrupção, os tópicos recorrentes são a transparência do
setor público, a prestação de contas de políticos e administradores e o fortalecimento dos
mecanismos de fiscalização e controle. Vários autores apostam no papel do controle social,
exercido através de organizações da sociedade civil, a imprensa, a iniciativa privada ou cidadãos
individuais. Ao lado do controle social, muitas vezes denominado como controle vertical, existe o
controle horizontal 1 .
1
Todos estes termos se referem ao controle exercido entre os próprios poderes políticos. Por exemplo, o controle
financeiro, exercido pelos Tribunais de Contas, o controle jurídico, exercido pelo Ministério Público e Tribunais, o
controle do Legislativo sobre a Administração, que se manifesta por exemplo em Comissões Parlamentares de Inquérito.
Muitos autores enfatizam as possibilidades de aumentar a eficiência destas instituições. O desempenho dessas instituições
depende em muitos casos de sua independência, dos recursos humanos e materiais disponíveis para a atuação e da
motivação dos seus integrantes para exercer a sua função. Existem também sistemas de controle interno. Governo e
Administração estão interessados em aumentar o seu desempenho e evitar a exposição a escândalos. Por esse motivo,
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Com efeito, nas últimas décadas, muita atenção dos estudiosos de Estado e Governo tem sido
dedicada aos fenômenos relacionados ao controle social dos agentes públicos. Ainda se crê que a
responsabilização dos agentes públicos e a transparência dos atos e decisões públicos constitui o
princípio central da democracia da soberania popular, bem assim o controle dos governantes pelos
governados como principal instrumento de sua responsabilização frente aos cidadãos. Por outro
lado, sua importância só é relativizada em relação ao bom desempenho democrático e ao
funcionamento de mecanismos que obriguem os políticos a cumprir as promessas de campanha,
sem prejudicar a capacidade valorativa dos cidadãos a respeito de seus representantes nas eleições
seguintes. É nesse sentido que se torna crítico repensar as formas de controle social das ações dos
agentes estatais, bem como garantir a transparência, não somente para reduzir a corrupção mas
também assegurar a legitimidade do sistema representativo.
Nas últimas duas décadas, avançou-se na discussão das formas de controle social, devido ao
processo de reforma do Aparelho do Estado, fortemente influenciado pelas idéias da Nova Gerência
Pública, e suas decorrências, notadamente a busca da eficiência e da flexibilidade gerencial,
priorizando os controles a posteriori – por resultados e pela competição administrada – e sua
contrapartida, o estado de prontidão (readiness) por parte da Sociedade para exercer a cidadania em
seus múltiplos aspectos. Ainda nesse contexto, percebe-se igualmente a importância adquirida pela
utilização cada vez mais intensiva das tecnologias de informação e comunicação – TIC – em
diversas esferas de atuação do Estado, com forte potencial para melhorar o relacionamento Estado-
Sociedade, tanto no que se refere à transparência das ações como à garantia de acesso a informações
governamentais. Não se nega, entretanto, que ainda que haja grande desigualdade de acesso, por
parte da Sociedade, a estas informações, uma vez que não somente nem todos têm acesso a
hardware e software necessários, à conexão e tampouco dominam de forma proficiente a linguagem
e a forma pela qual as informações são disponibilizadas, como é ainda insuficiente, na maior parte
dos países em desenvolvimento, o grau de acessibilidade proporcionado pelo Estado.
Por isso, é importante analisar a corrupção como um fenômeno de caráter individual e
também social. Para compreender a corrupção, é necessário observar a realidade sob o prisma do
indivíduo, pois é ele quem age, corrompendo ou sendo corrompido. É razoável supor que uma
política pública de combate à corrupção deva levar em consideração os incentivos seletivos que
fazem o indivíduo participar de uma organização corrupta, mesmo que informal, ou ser partícipe
num ato de corrupção, logrando e concedendo vantagem indevida a outrem. Porque defendemos,
aqui, a tese de que o Nepotismo é a forma mais “pura” de expressão da corrupção, o foco repousará,
a partir desta discussão, na categorização e análise deste fenômeno no mundo e no Brasil, suas
origens, manifestações, com estudo de diversos casos “clássicos” no Brasil (incluindo as últimas
denúncias apresentadas no atual mandato Presidencial), até chegarmos à análise do grau de
dificuldade para controlá-la e à propositura de alternativas ao seu enfrentamento.
Acreditamos que, ao trazer à baila um tema tão delicado e desafiador, o CLAD contribuirá
em muito para o combate a práticas seculares e predatórias, auxiliando as diversas estruturas
administrativas da América Latina e Ibérica a prestar, efetivamente, serviços públicos, voltados para
as necessidades da Sociedade Civil, dentro de padrões de transparência, publicidade, eficiência,
efetividade e legalidade inerentes a uma gestão pública democrática e moderna. Neste sentido,
apresentamos à análise e julgamento subsídios que poderão facilitar a compreensão deste fenômeno
no Brasil e, quiçá, lançar luz a fenômenos semelhantes que ocorrem em outras localidades.
CORRUPÇÃO E NEPOTISMO
O conceito de corrupção, como ocorre em diversos outros fenômenos sociais, necessita ser
razoavelmente delimitado, para permitir discussão em bases racionais. Esperamos, aqui, construir
consensos a respeito de como entender a corrupção na esfera pública. Tarefa que não chega a ser
mantém uma série de mecanismos para a identificação de falhas de eficiência. Para tais sistemas de controle interno, as
novas tecnologias de informação podem ser decisivas. Também há experiências com instituições relativamente novas,
como Ouvidorias, para aumentar a voz do cidadão dentro da administração.
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fácil, vez que muitos estudiosos, por tratar do tema ora de forma teórica, ora de forma mais
“investigativa”, na produção de relatos, acabam por enveredar em diversos campos e dificultam a
síntese.
Em alguns estudos publicados durante a década de 1990, buscou-se estabelecer referências
teóricas e empíricas para tratar o assunto. Klitgaard, com seu Controlling Corruption (1991),
Macmullen, com seu Corruption and the Decline of Rome (1988), Heidenheimer e seu Political
Corruption: Readings in Comparative Analysis (1978) e Rose-Ackerman, com seu Corruption: a
Study in Political Economy (1978) são, sem dúvida, referências para o campo. A coletânea
“Corruption & Integrity Improvement Initiatives in Developing Coutries”, publicada pelo United
Nations Development Program e a OECD em 1998 é, também, uma referência indispensável. Os
estudos e dados disponibilizados pelo Banco Mundial sobre o fenômeno do State Capture2 também
devem ser mencionados, já que tratam do assunto não sob a ótica de um problema ocasional, mas de
uma situação endêmica principalmente em países em desenvolvimento: instituições formais são
perpassadas e controladas por redes de pessoas que intercambiam favores e fazem uso da máquina
governamental em seu próprio interesse.
No caso brasileiro, um trabalho de investigação interessante é o livro Morcegos negros, de
Lucas Figueiredo (2000), que disseca o caso Collor, suas implicações e possíveis ligações com o
crime organizado e esquemas de lavagem de dinheiro, assim como o fizeram Keith Rosenn e
Richard Downes (2000) em Corrupção e a reforma política no Brasil, dando ênfase sobre as
relações entre as disfunções organizacionais de nosso sistema político, o financiamento de
campanha e a corrupção. Mais recentemente, Speck (2002), em seu Caminhos da Transparência,
abre espaço na agenda acadêmica, ao trazer textos seminais para o estudo do fenômeno no País.
Como se depreende da leitura desses textos e de outros, de cunho mais historiográfico, o
senso comum associa corrupção a um ato ilegal, em que dois agentes – um corrupto e um corruptor
– travam uma relação que pode ser considerada imoral, contrária ao ordenamento jurídico e aos
costumes. De todos os sentidos que podemos encontrar para o termo, parece haver um denominador
comum: o ato sugere interação de pelo menos dois indivíduos ou grupos de indivíduos que
corrompem ou são corrompidos e esta interação implica transferência de rendas ou favores que se
dão fora das regras do jogo econômico e do ordenamento jurídico daquela sociedade. Para Silva
(2001), qualquer definição do fenômeno envolve um conceito de burocracia e de agente político,
uma noção de separação entre o público e o privado, além da idéia de transferência de renda fora
das regras. O mesmo autor apresenta uma definição de corrupção que pode ser utilizada para os fins
da presente monografia: “A corrupção pública é uma relação social (de caráter pessoal,
extramercado e ilegal) que se estabelece entre dois agentes ou dois grupos de agentes (corruptos e
corruptores), cujo objetivo é a transferência de renda dentro da sociedade ou do fundo público para
a realização de fins estritamente privados. Tal relação envolve a troca de favores entre os grupos de
agentes e geralmente a remuneração dos corruptos com o uso da propina e de qualquer tipo de pay-
off, prêmio, recompensa)” (Silva, 2001, p. 31).
Para exemplificar, examinemos rapidamente um dos grandes focos de corrupção pública: o
processo de compras governamentais. Um elemento importante das compras do governo é a
licitação e seus defensores admitem ser impossível controlar a burocracia pública nas compras sem
2
Utilizamos aqui o conceito desenvolvido por Joel Hellman, Geraint Jones e Daniel Kaufmann no texto “Seize the State,
Seize the Day: State Capture, Corruption and Influence in Transition”, September 2000, World Bank Policy Research
Working Paper No. 2444 : “Whereas state capture refers to the capacity of firms to shape and affect the formation of the
basic rules of the game (i.e., laws, regulations, and decrees) through private payments to public officials and politicians,
influence refers to the same capacity without recourse to such payments. Administrative corruption refers to so-called
"petty" forms of bribery in connection with the implementation of existing laws, rules and regulations. (…) Influence
tends to be inherited as a legacy of the past by large, incumbent firms with existing formal ties to the state. These
influential firms enjoy advantages in terms of greater security of property and contract rights and superior firm
performance. By contrast, state capture is a strategic choice made primarily by de novo firms trying to compete against
influential incumbents”.
De fato, estendemos o conceito, não considerando apenas as firmas como “capturadoras” do Estado, mas diversos outros
grupos ou elites que gravitam em torno de redes baseadas em interesse econômico.
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os processos licitatórios. No entanto, Barros (1995) escreve: “Com a licitação, entre outros fins, o
legislador procurou garantir a contratação contra conluios, partindo do pressuposto ou do
preconceito de que administradores e administrados não merecem confiança. Mas os conluios
subsistiram com a licitação. Existem na licitação. Essa impotência do instituto levou a doutrina a
repetir o cotejo entre o risco de conluio que não deixa de existir e a perda de eficiência que passa a
existir com a licitação, a fim de reiterar o questionamento em face daquele pressuposto de
desconfiança. Os balanços recentes são mais negativos que os precedentes, concluindo pela
ineficácia da licitação perante os seus fins”.
A licitação, assim, se por um lado pretende garantir o direito de isonomia, por outro lado
impede um processo de compra público mais “dinâmico”, sob os parâmetros de eficiência que
seriam desejados pelo mercado. Por outro lado, os defensores do processo licitatório argumentam
que ele traz economicidade, igualdade e moralidade ao procedimento, atendendo a padrões de
eficiência e legalidade no trato da coisa pública.
Esses padrões de eficiência e de moralidade/legalidade se aproximam muito da idéia
weberiana de uma burocracia profissional, moldada na legitimidade da crença no estatuto legal e da
eficiência garantida pela divisão de trabalho e na especialização, integrantes da racionalidade
própria da Modernidade. Nessa tipificação, a burocracia (pública ou privada) é organizada dentro de
uma hierarquia cuja função é a obtenção, da forma mais eficiente e eficaz possível, para atender o
interesse público, dos fins programados, respeitando, acima de tudo, a ética dos meios, dos
procedimentos. No caso da burocracia pública, os agentes que dela participam possuiriam uma
formação profissional adequada às funções desempenhadas, seriam profissionalizados e agiriam de
acordo com as chamadas normas burocráticas. As características principais dessa burocracia
profissional, condizentes com a expectativa de fair play das interações seriam a imparcialidade e a
separação entre os fins privados e públicos. A racionalidade dos agentes públicos é, portanto,
condicionada à realização incondicional do bem público e à preservação da coisa pública, e os
agentes públicos utilizariam seu conhecimento técnico com o único objetivo de alcançar os
objetivos definidos pelo governo.
Tal concepção, no entanto, não leva em consideração o papel da estrutura de motivações
gerada dentro de todo conjunto de regras e valores. Há quem defenda a idéia de que o
comportamento de “busca de rendas” (rent-seeking) pode ser encontrado (como efetivamente
ocorre) tanto no setor privado quanto no setor público, lembrando que todo agente, privado ou
público, agirá de acordo com princípios privados e, em se encontrando a possibilidade, tentarão
transferir renda de outros setores da sociedade. Isto não significaria dizer que os agentes públicos
quebram as regras do jogo, mas que têm suas ações limitadas por regras e por um sistema de
incentivos que geram determinados resultados. Assim, se a profissionalização e a eficiência
figurarem entre o rol dos valores compartilhados por sua comunidade, também agirão de acordo
com essa restrição.
O debate teórico subjacente a essa questão ocorre entre os defensores do individualismo
metodológico e a teoria da ação racional, com racionalidade limitada, e os defensores do
coletivismo metodológico, com racionalidade mais abrangente.
A aceitação do individualismo metodológico não retira a importância das instituições,
organizações e do Estado na análise da corrupção. O individualismo metodológico não é atomismo
nem é uma forma de oposição ao Estado, tampouco uma tendência para se libertar de toda
obrigação de solidariedade e pensar apenas em si. Mas será preciso compreender a ação individual
intencional, acima citada, como estratégica ou paramétrica. Na estratégica, cada ator pondera a ação
dos demais em sua própria ação. Na paramétrica, a ação de cada ator é decidida a partir de uma
estrutura fixa de informações.
Dada a superioridade explicativa das relações entre os indivíduos, em detrimento das relações
entre entidades sociais agregadas e da redução a propriedades atomísticas, defendidas pelos
partidários do coletivismo metodológico, pode-se entender que, no individualismo metodológico, o
todo visto como a soma das ações individuais não-relacionais é menor que o todo entendido como a
combinação de decisões individuais estratégicas (no sentido acima descrito), que considera as
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ordenamentos jurídicos complexos, tampouco pela crença em uma burocracia determinada por um
possível “espírito público”, que a corrupção será controlada. O agente público precisa sentir-se
atraído pela ação moral, seja pela cultura organizacional pública ou por um senso comum que
desvalorizem a ação corrupta, seja pelo aumento do risco em corromper ou ser corrompido.
Esta discussão, na realidade, leva-nos à mesma discussão travada durante os anos 1990, no
auge das Reformas do Estado calcadas na Nova Gerência Pública: como criar um sistema de
incentivos capaz de solucionar o problema da relação agente-principal e obter compromisso com
resultados e a eficiência nas ações governamentais? 3 Muito já se discutiu e pouco se comprovou a
respeito do que efetivamente é possível realizar a respeito do controle da corrupção, o que nos
sugere que tentativas de entender aspectos específicos do fenômeno corrupção possam trazer
melhores resultados do que tratar do assunto teoricamente.
De fato, em que pese a relevância de tal argumentação, a História demonstra que, quando não
existem as sementes de uma burocracia profissionalizada, que separe satisfatoriamente a esfera
privada da esfera pública, as chances de verificação de práticas predatórias na Administração
Pública tendem a crescer exponencialmente. Isto porque, como antípoda do conceito de burocracia
racional-legal, está o de nepotismo, que passamos agora a analisar.
3
No campo da Economia Política, diversos autores se destacam para construir e operacionalizar a teoria do agente-
principal. Segundo Silva (2001), os mais significativos neste campo de pesquisa são Buchanan e Tulloc, Arrow, Downs e
Olson.
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-sobrinho-, o cônjuge de qualquer um deles, os primos, filhos dos primos, e, afinal, toda a
descendência. Haja nepotismo. Haja cargos), nipote, os papas criaram o nepotismo, distribuindo
cargos e santidades pra filhos (!) e parentes. Logo todo o poder laico, civil e militar, adotou a
prática, ampliando-a para toda a parentela.
Como manifestação da corrupção que se expressa em termos de legalidade ou ilegalidade, e
que só faz sentido quando contextualizado como prática no âmbito do aparelho estatal, o nepotismo
está também associado ao conceito de clientelismo. Como esclarece Bobbio (1998, p. 178), “em que
o desenvolvimento determina processos de desagregação social, por vezes macroscópicos, e os
partidos e estruturas políticas modernas foram introduzidos ‘do alto’, sem o suporte de um
adequado processo de mobilização política, também é claro que, em lugar do clientelismo
tradicional, tende a afirmar-se um outro estilo de Clientelismo que compromete, colocando-se
acima dos cidadãos, não os já notáveis de outros tempos, mas os políticos de profissão, os quais
oferecem, em troca da legitimação e apoio (consenso eleitoral), toda a sorte de ajuda pública que
têm ao seu alcance (cargos e empregos públicos, financiamentos, autorizações, etc.). É importante
observar como esta forma de Clientelismo, à semelhança do Clientelismo tradicional, tem por
resultado não uma forma de consenso institucionalizado, mas uma rede de fidelidades pessoais que
passa, quer pelo uso pessoal da classe política, dos recursos estatais, quer, partindo destes, em
termos mais mediatos, pela apropriação de recursos civis autônomos”.
Assim, irmãos gêmeos e expressões típicas do patrimonialismo, nepotismo e clientelismo
andam de mãos dadas, convertendo o acesso aos cargos e empregos públicos em moeda de troca e
fator de coesão e legitimação dos detentores do Poder.
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datada de 1794, quando foi editado o Código de Funcionários da Prússia, lei constitucional que
especificou os direitos e deveres dos servidores reais, redefinindo-os como servidores públicos e
disciplinando suas relações de trabalho, nos termos do direito público. A proteção contra demissão
arbitrária foi definida em 1823, garantindo estabilidade aos servidores. Em 1825, foi regulado o
direito à pensão, bem como regulamentado o acesso à função pública.
Em 1873, após a declaração do Segundo Reich, o código do serviço civil tornou-se lei, sendo
incorporados seus princípios à Constituição em 1918. Com a ascensão dos nazistas ao poder, tais
garantias tornaram-se relativas, em função das medidas adotadas para assegurar a afinidade
ideológica entre o serviço civil e o regime político vigente. Em 1933, a Lei da Restauração do
Serviço Civil Profissional serviu, dentro dos propósitos do novo regime de ajustar a alta
administração às suas necessidades, para promover um largo expurgo racial e político no serviço
civil superior.
Em 1949, a Constituição da República Federal Alemã reviveu os princípios da Carta de 1918.
Os princípios que regem o serviço público alemão (especialmente a obrigação de dedicação
exclusiva ao cargo, lealdade política à Constituição, neutralidade política e sistema de carreira)
influenciaram fortemente a concepção de burocracia descrita por Weber.
Na França, até antes da Revolução Francesa, havia dois tipos de servidores públicos: os
titulares de ofícios, que eram na verdade proprietários dos seus cargos, os quais podiam transferir
por herança e que deram origem a dinastias administrativas, e os comissários, funcionários
nomeados e exonerados livremente pelo Rei e instrumentos do processo de centralização política.
Com a Revolução, ambos foram extintos, e substituídos por um sistema em que os funcionários
seriam eleitos pelos cidadãos, em virtude do princípio da igualdade formulado pela Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.
Esta fase foi logo superada pela aprovação da Constituição napoleônica, no ano VIII, a partir
da qual passou a ter a condição de funcionário o agente da administração. Deve-se a Napoleão,
portanto, a idéia da criação de uma ordem civil como um conjunto de grands corps permanentes,
dotados de estatutos específicos, analogamente à organização das carreiras militares. A noção de
uma estrutura funcional organizada em corpos hierarquizados e protegidos por um sistema de
garantias foi defendida pelo Imperador ante o conselho do Estado, nos seguintes termos: “... quero
sobretudo uma Corporação, porque uma Corporação não morre nunca... Uma corporação que não
tenha outra ambição que ser útil e outro interesse que o interesse público. É necessário que este
corpo tenha privilégios e que não seja demasiado dependente dos ministros e do Imperador”
(Parada, 1993, p.380).
Formaram-se, de acordo com esta concepção, os grandes corpos do Estado, regidos por
regulamentos orgânicos e pela jurisprudência do Conselho de Estado, afirmando-se os princípios
que constituíram a base do sistema de ordenação e garantia dos funcionários, como o ingresso pelo
mérito e a capacidade dos aspirantes, a permanência no emprego, a definição da relação funcional
como de índole não contratual e a submissão dos direitos e obrigações dos funcionários às
necessidades da administração.
No Reino Unido, o sistema patrimonialista passou a dar lugar ao sistema do mérito a partir de
reformas tais como a implementada a partir de 1854, com a publicação do Relatório Northcote-
Trevelyan, que serviu de base para o Ato do Conselho de 1870. Esse relatório, vivamente inspirado
na experiência chinesa em que a figura dos mandarins se impunha na administração dos negócios
do Império 4 , propôs a abolição do sistema do filhotismo e iniciou o processo de eliminação do
protecionismo, impondo ao serviço civil britânico uma diferente teoria de recrutamento. Os
principais aspectos desse recrutamento consistiam no ingresso de jovens no serviço com limites de
4
Segundo BARBOSA, na China o sistema de recrutamento de servidores com base no mérito iniciou-se em 206 a.C. e
subsistiu até 1912. O apadrinhamento era evitado por meio do sigilo em torno do nome dos candidatos aos cargos e da sua
sujeição a rigorosos exames escritos, avaliados por três examinadores diferentes (BARBOSA, 1999, p. 29). Esclarece o
grande escritor português Eça de Queiroz que o a palavra mandarim, que muitos acreditam ser de origem chinesa, é na
verdade um neologismo português, derivado da palavra “mandar” e que refletia o grande poder e influência desses
funcionários na administração imperial chinesa.
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idade estabelecidos, mediante concursos públicos destinados a indicar mais inteligência e habilidade
geral do que preparo técnico ou especialização profissional relativamente a tarefas de certa carreira
ou atividade específica.
Nos EUA, conforme Bobbio (1998), a concepção original que marcou a organização do
serviço civil americano, dentro dos ideais do Estado Democrático, foi a de criar-se uma
administração sem com ela gerar-se uma burocracia, assim considerada na acepção de
“antidemocraticidade dos aparelhos dos partidos e dos Estados”.
Assim, em 1820 o Four Tenure of Office Act estabeleceu a regra segundo a qual os
funcionários das áreas de finanças deviam prestar contas de sua gestão e obter confirmação da sua
investidura a cada quatro anos, limitação logo estendida a outros empregos.
Esta medida visava criar uma defesa legal contra o risco de um funcionário permanente que,
a exemplo do que ocorrera no Antigo Regime, na França, viesse originar uma propriedade
antidemocrática sobre as funções públicas, mas acabou por ser utilizada para despojar dos seus
postos todos os funcionários de ideologia contrária e recompensar com esses mesmos postos os
partidários do partido vencedor nas eleições.
A chegada de Andrew Jackson à Presidência da República, em 1829, deu início ao sistema de
derrubada, repartindo os empregos públicos entre seus partidários. A burocracia que vinha se
formando foi desmantelada, dando lugar ao chamado spoils system.
O spoils system, ou sistema dos despojos, identifica a prática, comum até a segunda metade
do século passado nos Estados Unidos, que permitia que a grande maioria dos postos de trabalho na
administração pública fossem distribuídos como verdadeiros despojos de guerra a membros do
partido vitorioso nas eleições. A expressão foi cunhada pelo Senador William L. Marcy (“aos
vencedores pertencem os despojos do inimigo”) em apoio à política dotada pelo Presidente Andrew
Jackson, em cujo governo o sistema se institucionalizou 5 . O próprio Presidente se encarregou de
formular uma concepção técnica para justificar o sistema, afirmando que “os trabalhos confiados
aos agentes do Estado são tão fáceis que todo homem inteligente pode adaptar-se a eles sem
demora” (Parada, 1993, p. 385).
A substituição alucinante de funcionários produziu graves crises nos serviços públicos,
generalizando a corrupção e mesmo a insubordinação no Exército. Tentativas operadas durante a
Guerra da Secessão de submeter a exames prévios os candidatos a cargos públicos foram
rechaçadas, tão arraigado estava o sistema na classe política americana.
No entanto, a reiteração dos escândalos e o aumento da desconfiança nos funcionários
públicos levou ao clamor popular por mudanças, tanto mais que o serviço civil britânico fora
reformado em 1854. Mas foi só após um fato traumático que as mudanças ocorreram: o histórico
Pendleton Act, de 1883, foi fruto de um fato inusitado - a morte, em 1881, do Presidente James
Garfield. Disposto a implementar reformas e reduzir os efeitos do spoils system, foi assassinado por
um ex-cabo eleitoral, Charles J. Guiteau, candidato frustrado a um emprego público. Relata
Menezes (1969, p. 28) que: “Na década de 1870, a repulsa contra o spoyls system tornou-se cada
vez mais intensa, atingindo o ápice em 1880, com a eleição de James A. Garfield, integrando no
espírito da reforma, como Presidente dos Estados Unidos. O assassínio deste homem público por
um desvairado caçador de emprego mobilizou a opinião pública num sentido unânime a favor da
reforma imediata que se cristalizou no ‘Pendleton Act’, de 16 de janeiro de 1883, tido como
verdadeiramente a primeira lei do serviço civil norte-americano”.
Este Ato, de caráter verdadeiramente revolucionário, criou ainda a Civil Service Comission,
órgão encarregado, doravante, da tarefa de proceder à apreciação da aptidão dos candidatos a
empregos públicos, com o fim de terminar com o favoritismo político: “Com a criação de um órgão
central controlador das atividades de pessoal em toda a administração, segurança de estabilidade
5
A instituição do sistema do mérito nos EUA sofreu, depois de 1945, um sério abalo, na gestão Eisenhower, quando mais
de 100 mil cargos sujeitos a concurso passaram a ser preenchidos por livre nomeação. Após esta fase, a profissionalização
da administração federal quase se completou. A nível local, no entanto, permanecem ainda muitos vestígios do spoils
system, abundando, nos municípios e estados, empregos de todo o tipo que não passam, por vezes, de simples sinecuras.
cfe. BONAZZI, Tiziano in BOBBIO, Norberto, et alii. op. cit, p.337-338.
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Segundo CATALÁ (1999), a implantação do sistema do mérito nos EUA não foi o resultado do esgotamento do sistema
de patronagem, apenas, já que este havia funcionado relativamente bem até a Guerra Civil americana. A degradação desse
sistema, que se converteu no spoils system foi o que levou à mudança, uma vez que, com o crescimento da máquina
administrativa, se havia tornado para a classe política extremamente difícil e desgastante, inclusive em termos eleitorais,
controlar os ocupantes dos cargos públicos nomeados por critérios políticos, situação que levou ao agravamento da
corrupção e da ineficiência na administração americana.
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sempre governava. Um cenário nada bucólico é o que se tem desses primeiros anos de Brasil. Um
lugar selvagem, habitado por brutos. Os que têm olhos e pés na nova colônia são: “O Rei, a Igreja,
os judeus, o homem do povo, os hereges e os criminosos políticos ou comuns que eram forçadas a
deixar Portugal”.
Outra análise semelhante é possível ser encontrada em Sérgio Buarque de Holanda, em seu
clássico Raízes do Brasil. A análise, de inspiração weberiana, mas manejada com muita liberdade
criativa, opera por tipos contrapostos: o ibérico e o saxônico, o espanhol e o português, o rural e o
urbano, o semeador e o ladrilhador, o trabalho e a aventura. Este procedimento, na reconstituição de
nossa formação social, vai se revelando, no decurso do texto, uma estratégia particularmente eficaz
para a montagem do perfil do “homem cordial”, categoria que, com rara felicidade, procura apanhar
as estruturas mais íntimas de nosso modo de ser. Esta “cordialidade” brasileira, traduzida pela
tendência nativa a estabelecer todas as suas relações com base na afetividade e, principalmente, na
dificuldade de “objetivizar” ou “racionalizar” as relações fora da família, até o momento constitui
forte base para compreensão e explicação da tendência a não considerar as fronteiras entre a esfera
pública e a esfera privada. Mais que isso, da tendência de “familiarizar” todos os seus
relacionamentos, inclusive no tratamento dos assuntos de interesse coletivo, uma vez que a família
é, para todos os efeitos, a base de sustentação desta sociedade.
Sendo a instituição familiar – em seu sentido mais amplo – tão importante na formação do
país, não seria de esperar-se outra conduta senão a extensão da apropriação do patrimônio pelas
oligarquias aos membros dos grupos familiares, conduta que se refletiu na resistência mais do que
atávica à implementação do sistema do mérito e na persistência, até hoje, das práticas de
favorecimento familiar e, com o “desenvolvimento” da democracia representativa, também dos
correligionários políticos, incorporados à noção de família pelos laços de amizade e fidelidade
“político-partidária”. Como destaca David Fleischer (Netto, 2000) “o nepotismo reflete uma relação
viciada da elite brasileira com o Estado”, relação que se perpetua apesar de socialmente reprovada –
pelo menos no plano do discurso.
Com efeito, o nepotismo brasileiro tem demonstrado enorme vigor, sobrevivendo e resistindo
a tentativas sucessivas de limitação. Mas ele tem se mantido, historicamente, de modo tal que se
torna difícil separar o nepotismo do processo de formação dos quadros do serviço público, nas três
esferas de governo, ao longo da história republicana.
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Governo pudesse exercer o poder de forma eficiente: “... Trata-se de exigência do próprio
crescimento da complexidade da ação estatal. Vale registrar que os anos 1930 são marcados pelo
fato de que o Governo passa a atuar em novas áreas. É sintomática a criação dos Ministérios da
Educação e Saúde Pública e do Trabalho, Indústria e Comércio. A atividade de elaboração e
implementação de políticas públicas começa a exigir maior especialização e profissionalismo”.
Segundo Souza (1994), ao assumir o poder em 1930, o governo Vargas tinha como
plataforma implementar reformas institucionais básicas no Brasil e, nesse sentido, a administração
pública deveria assumir um papel de agente do processo de desenvolvimento. Até então, segundo
esse autor, “... O setor público, em seus três níveis, havia sido, tradicionalmente, um dos principais
esteios da oligarquia rural. Seu controle proporcionava emprego para os protegidos políticos, sob
uma forte mentalidade da prática da distribuição de cargos públicos entre os membros do partido
vitorioso. Numa espécie de efeito retorno, tais práticas garantiam o sucesso eleitoral para a elite que
as controlava. Ordenados certos e benefícios vitalícios tinham sido sempre ponto vital para nossa
embrionária classe média, numa economia de escassas fontes de emprego fora da monocultura
agrária”.
A administração pública, assim, não apenas não estava qualificada para desempenhar as
funções esperadas, como era utilizada como uma fonte de privilégios pessoais, sendo virtualmente
inexistentes as preocupações com racionalidade, qualidade dos serviços, eficiência no desempenho
da atividade pública. O novo regime, por meio das reformas administrativas, visava, portanto, a
controlar o poder oligárquico, redesenhando a política brasileira.
Apesar das mudanças implementadas, especialmente em nível legal, tais reformas não
lograram modificar as condições que produziam o spoils system nativo, no qual os cargos públicos
continuaram a ser distribuídos entre os partidos vitoriosos.
Estas constatações, embora recorrentes na abordagem acadêmica do tema “Reforma
Administrativa”, não têm sido suficientemente absorvidas pelos agentes políticos responsáveis pelas
sucessivas reformas implementadas. Na verdade, as tentativas mais recentes de intervenção
planejada com o objetivo de reformar a Administração Pública Federal têm mesmo partido de um
diagnóstico empírico equivocado sobre o estágio atual da formação dos quadros do serviço público
federal, e das origens do quadro vigente. Analisando a reforma administrativa implementada em
1990 pelo Governo Collor, Storck (1992) constata que adotava como premissa a ocorrência de um
processo de aviltamento dos servidores públicos “nos últimos 10 ou 15 anos”: até então, o servidor
público exercia uma função que se revestia de “nobreza”, tendo então perdido, em decorrência do
aviltamento do próprio Estado, esta característica: “A exposição soa equivocada. A história da
administração pública brasileira é a história do estamento, do patrimonialismo, do rei, senhor das
terras, das gentes e dos cargos. É a história dos amigos do rei, os quais modernamente se inserem no
tecido da administração pública pela via do contrato sem concurso, sem aferição prévia da
capacitação. A função pública revestiu-se, é verdade, de nobreza, mas na exata proporção da
nobreza do príncipe concedente. O aviltamento ao qual se refere a autora [N.A.: Zélia Cardoso de
Melo, ex-Ministra da Economia, Fazenda e Planejamento] foi maior antes do que o é hoje; atribuir
esse aviltamento a fatos recentes na história brasileira é, no mínimo, sofismático”.
Embora medidas recentes tenham contribuído para consolidar as distorções pré-existentes, é
certo que o quadro presente resulta de uma herança que vem de longe. Andrade (1993) corrobora
esta afirmativa, identificando as disfuncionalidades no próprio abandono do processo de
implantação da burocracia nos moldes weberianos: “Os processos históricos que levaram a crise
atual são longos e complexos. No caso da administração pública, as disfuncionalidades atuais são o
efeito conjunto de intrusões ou intervenções políticas não planejadas e não sistêmicas, no modelo
daspiano original. São três, em resumo, os momentos mais importantes desse processo. Num
primeiro momento, a arquitetura weberiana do modelo foi desfigurada pela transformação dos
cargos públicos em moeda de troca política. Em seguida, agregou-se caoticamente à administração
direta um enorme setor empresarial, autárquico e fundacional que fugiu ao controle central e
facilitou, pela multiplicação dos órgãos e empresas com alto grau de autonomia, a feudalização da
máquina por interesses privados. Enfim, a administração federal sofreu o impacto desorganizador
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A criação do DASP, organizado pelo Decreto-Lei nº 579, de julho de 1938, decorreu da Constituição de 1937, editada
por Getúlio Vargas sob a égide do Estado Novo. De caráter concentrador, a Carta determinou, em seu art. 67, a criação,
junto à Presidência da República de um “Departamento Administrativo” com atribuições de estudar pormenorizadamente
as “repartições, departamentos e estabelecimentos públicos com o fim de determinar, do ponto de vista da economia e
eficiência, as modificações a serem feitas os serviços públicos, sua distribuição e agrupamento, dotações orçamentárias,
condições e processos de trabalho, relações de uns com os outros e com o público”, além de outras funções relativas ao
orçamento público. (BRASIL, Senado Federal. Constituições do Brasil (de 1824, 1981, 1934, 1937, 1946 e 1967 e suas
alterações). Brasília, Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1986, vol 1, 593 p. p. 205-206).
8
A estabilidade conferida pela Carta de 1934 assumia duas faces: os servidores concursados seriam estáveis após dois
anos de exercício; os não concursados - admitidos para cargos que não fossem “de carreira” - após 10 anos de exercício.
Já o parágrafo único do art. 168 previa que os funcionários com menos de dez anos de serviço efetivo não poderiam ser
demitidos senão por justa causa ou motivo de interesse público. Tacitamente, a Constituição admitia, portanto, o ingresso
de servidores sem concurso e a estabilidade de todos os admitidos no regime constitucional anterior, inaugurando o que
seria a prática corriqueira nas constituições seguintes. A previsão constitucional, embora contraditória com o sistema do
mérito por admitir a nomeação de funcionários efetivos sem concurso, guardava relação com o regime aplicável aos
trabalhadores do setor privado, sob regime trabalhista, cuja estabilidade após 10 anos de serviço achava-se na legislação
vigente.
9
O artigo 170 da Carta de 1934 estabelecia expressamente que deveria ser votado pelo Legislativo o Estatuto dos
funcionários públicos, estabelecendo, desde já, a inclusão no quadro de funcionários de todos que exercessem cargos
públicos, a obrigatoriedade de concurso de provas ou títulos para investidura em postos de carreira e demais previstos em
lei, e as normas relativas ao sistema previdenciário dos servidores.
10
WARHLICH aponta, além das características mencionadas, a ênfase da reforma nos meios, mais do que nos próprios
fins da administração e o autoritaritarismo acentuado. A ausência de percepção das disfuncionalidades geradas por tais
características teria contribuído para o posterior esvaziamento do DASP. WAHRLICH, Beatriz M. de Sousa. Reforma
administrativa federal brasileira: passado e presente. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, FGV, vol. 8, nº 2,
p. 27-75, abr.-jun. 1974. p. 29.
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11
Na opinião de MARCELINO, as medidas implementadas pelo DASP, baseadas na reforma do sistema de pessoal,
implantação e simplificação dos sistemas administrativos e das atividades-meio, obedeciam a uma orientação autocrática e
impositiva, o que contribuiu para que a administração se caracterizasse como um sistema fechado. A criação das tabelas
de extranumerários coincidiu com as pressões pela redemocratização, especialmente durante a gestão José Linhares, após
a queda de Getúlio Vargas, em 1945. Cfe.MARCELINO, Gileno. O Estado Brasileiro de Cabral a Sarney - I - Como o
Estado cresceu e se transformou. Revista do Serviço Público, Brasília, FUNCEP, vol. 115, nº 7, p. 14-20, jul-ago 87. p.
18.
12
Após a deposição do Presidente Vargas, em outubro de 1945, já em dezembro de 1945 o DASP foi reorganizado,
perdendo grande parte de suas atribuições, especialmente o controle sobre as atividades de administração de pessoal a
cargo dos ministérios, cfe. WAHRLICH, Reforma administrativa federal..., p. 29.
13
Esta previsão, restringindo a necessidade de concurso aos cargos de carreira, acabou por produzir a multiplicação de
cargos isolados, com vistas à burla deste requisito, segundo FREIRE, Homero. O problema da classificação dos cargos
públicos. Revista de Direito Administrativo, vol. 35, p. 484-491, jan-mar 1954.
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WAHRLICH, tanto essa recomendação quanto a relativa ao sistema do mérito não lograram sucesso, embora várias outras
propostas tenha sido implementadas ou aproveitadas posteriormente em outros projetos de reforma. Cfe. WAHRLICH,
Reforma administrativa federal... p. 35.
16
Segundo WAHRLICH, as idéias principais contidas no Decreto-Lei nº 200 e nas propostas da Comissão Amaral
Peixoto eram oriundas das propostas apresentadas pelo grupo de assessores do Presidente Vargas em 1952, cfe.
WAHRLICH, Reforma administrativa federal ... p. 35.
17
Cfe. WAHRLICH, Reforma administrativa federal..., p. 41. No entanto, segundo essa Autora, os projetos não
constituíram esforço inútil, uma vez que foram retomados por outros reformistas após 1964.
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que se incumbissem de serviços permanentes ou não, sem cargos criados em lei, que tivessem sido
regularmente admitidos por portaria de ministro ou por diretores e chefes de serviço, mediante
autorização escrita do titular da respectiva pasta.
A Lei nº 284, apesar de tentar institucionalizar o sistema do mérito para ingresso nas
carreiras, não inflexibilizou totalmente o processo de ingresso no serviço público, pois criou, em
substituição aos contratados, a categoria de “pessoal extranumerário” (contratado, mensalista,
diarista e tarefeiro) para o qual não exigia o concurso. O artigo 51 da Lei previa que “Os serviços
públicos em geral, e especialmente, de natureza industrial, deverão ser constituídos por um núcleo
reduzido de funcionários de quadro, que ocuparão as funções de maior responsabilidade. As
funções auxiliares deverão ser executadas por pessoal extranumerário”.
Regulando este dispositivo, foi editado o Decreto-lei nº 240, de 04.02.38, complementado
pelo Decreto-Lei nº 5.175, de janeiro de 1943, o qual constitui-se na lei orgânica do pessoal
extranumerário até 1960, quando foi promulgada a Lei nº 3.780. Segundo esse instrumento,
existiriam quatro categorias de extranumerários:
a) os contratados : pessoal técnico, admitido mediante contrato bilateral para funções
especializadas para as quais, a critério da respectiva Comissão de Eficiência, não houvesse nos
quadros do funcionalismo pessoa habilitada e disponível;
b) os mensalistas: pessoal temporário admitido para suprir temporariamente deficiência dos
quadros do funcionalismo, especialmente funções de escritório e técnico-auxiliares, exercendo,
portanto, atividades paralelas às do funcionalismo;
c) os diaristas: admitidos para o desempenho de funções auxiliares ou transitórias (exceto
para funções inerentes às profissões liberais e trabalhos de escritório), em especial as de natureza
braçal ou subalterna (por exemplo, conservação e asseio), e os tarefeiros, admitidos para trabalho de
determinadas funções com remuneração na base da produção por unidade.
Tratava, ainda, o Decreto-lei nº 240, do pessoal admitido para obras, que não se classificava
entre os extranumerários, tendo sua permanência em serviço estritamente ligada à duração da obra,
os quais, no entanto, seriam remunerados nas mesmas bases dos extranumerários.
A contratação de pessoal extranumerário acabou por converter-se numa larga porta de
entrada no serviço público: milhares de servidores foram contratados, muitas vezes em prejuízo da
realização de concursos públicos, em vista das facilidades oferecidas pela legislação vigente. Esta
prática vigorou praticamente descontrolada, uma vez que cabia a cada serviço ou repartição
promover os atos de admissão, especialmente no caso dos extranumerários mensalistas, tarefeiros e
diaristas, cujas funções, de temporárias, transformavam-se em permanentes, à vista da manutenção
dos contratados por prazo indeterminado. Segundo Marcelino (1987), tais contratações significaram
o final de um processo e a liquidação do modelo de administração de pessoal estabelecido pelo
DASP, centrado no sistema do mérito, especialmente a partir de 1945, quando a contratação de
extranumerários passou à responsabilidade de cada Ministério, prescindido de autorização direta do
Presidente da República. Em função de tudo isso, até 1952, a figura dos extranumerários sofreu tal
expansão que chegou a superar, em números absolutos, o número de funcionários.
Com o decorrer do tempo foram-se esmaecendo, porém, as diferenças efetivamente existentes
entre funcionários e extranumerários, exceto no que dizia respeito à remuneração e à estabilidade.
Em 1946, o já citado art. 23 do Ato das Disposições Transitórias à Constituição concedeu
estabilidade aos extranumerários que contassem cinco ou mais anos de serviço, permanecendo a
diferença da remuneração até 1960, quando foram enquadrados pela Lei nº 3.780 como funcionários
no novo plano de classificação de cargos, enquadramento esse que abrangeu inclusive o pessoal
admitido para obras. No entanto, desde 1952 o art. 252 da Lei nº 1.711 havia estendido a aplicação
do regime estatutário a todos os extranumerários amparados pela Constituição de 46 18 , e
determinado, no art. 257, que as funções então existentes de extranumerários passassem, na
condição de ocupantes de cargos, a integrar quadros especiais em extinção, mantendo-se, no
18
Percebe-se, aqui, praticamente o mesmo fato ocorrido em 1990, quando a Lei nº 8.112 tratou como estatutários os
ocupantes das Tabelas de Especialistas e demais contratados pelo regime trabalhista, inclusive os não concursados.
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19
A Constituição de 1946, diferentemente de outras oportunidades, não se limitou a reconhecer a estabilidade destes
extranumerários: considerou os interinos efetivados, desde que tivessem 5 anos de exercício, e determinou a equiparação
a funcionários dos extranumerários que exercessem função permanente há mais de 5 anos em virtude de prova de
habilitação ou concurso, para efeito de estabilidade, aposentadoria, licença, disponibilidade e férias. Não lhes assegurou,
no entanto, ingresso em carreiras - o que, todavia, a Lei se encarregou de assegurar...
20
WARLICH, Beatriz. Reforma Administrativa na era Vargas, Apud SOUZA, op. cit. p. 60. Este dado corrobora a
informação da mesma Autora sobre o declínio do sistema do mérito a partir, especialmente, do governo Kubitschek, cfe.
WAHRLICH, Reforma administrativa federal... p. 35.
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O Ato Institucional permitiu ao Presidente da República baixar decretos-lei sobre matéria administrativa e financeira no
período entre 24 de janeiro de 1967, data da promulgação da Carta, e o início da sessão legislativa ordinária do Congresso,
que somente se iniciou a 1º de março de 1967. A Constituição entrou em vigor apenas em 15 de março de 1967. BRASIL,
Senado Federal. Constituições do Brasil ... p. 346-347, 362 e 400.
22
Coerentemente com o dispositivo constitucional vigente, o Decreto-Lei nº 200 previa, expressamente, em seus artigos
96 e 97, as situações de contratação fora do regime estatutário:
“Art. 96. Nos termos de legislação trabalhista, poderão ser contratados especialistas para atender às exigências de trabalho
técnico, em institutos, órgãos de pesquisa e outras entidades especializadas da Administração Direta ou autarquia, segundo
critérios que, para esse fim, serão estabelecidos em regulamento”.
“Art. 97. Os Ministros de Estado, mediante prévia e específica autorização do Presidente da República, poderão contratar
os serviços de consultores técnicos e especialistas por determinado período, nos termos da legislação trabalhista”.
23
MATTOS, Pedro Lincoln. op. cit., p. 78. A esse respeito, é relevante o exemplo da empresa Audiplan - Auditoria e
Planejamento Ltda, que contratava pessoal de qualquer especialidade, nominalmente indicada ou não por autoridades do
Ministério da Educação, para trabalhar nesse ministério. Ao final do mês, o MEC passava à empresa o montante
necessário para a folha de pagamento, acrescido de um percentual de comissão. Em 1971, os “contratados” foram
absorvidos pelo MEC, em tabelas especiais regidas pela CLT, cfe. MATTOS, op. cit, p. 81. Essa prática repetia-se, nos
contratos de prestação de serviços para vigilância, limpeza e manutenção: funcionários administrativos sempre foram (e
em alguns casos continuam sendo) postos à disposição dos contratantes, pelo mesmo mecanismo.
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24
Segundo MATTOS, op. cit., o Ministério da Educação mostrou-se não apenas criativo, mas verdadeiramente
empenhado em utilizar-se de mecanismos “ágeis” de contratação de pessoal, à revelia das limitações legais ou
constitucionais vigentes. Efeito disso foi a contratação de professores por prazo determinado e de “colaboradores
eventuais” ou “horistas” e sua posterior inclusão no quadro permanente das universidades na condição de professores
assistentes.
25
Esta situação está na origem da chamada “dicotomia” entre o “Estado burocrático, formal e defasado, da Administração
direta”, e o “Estado tecnocrático, moderno, representado pela administração indireta” identificados por MARCELINO,
cfe. op. cit., p. 16.
26
As fundações se tornaram alvo privilegiado destes mecanismos de contratação. A chamada “triangulação” consistia na
contratação de pessoal através das fundações, que nem sequer eram consideradas integrantes da administração indireta.
Somente em 1979 as fundações passaram a sofrer algum tipo de controle sobre suas despesas com pessoal, quando foram
equiparadas às empresas estatais para este efeito. Até então, mediante “convênios” as fundações contratavam pessoal
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livremente, recebendo subvenções financeiras para custear as despesas decorrentes. Pagando salários superiores aos dos
planos de cargos da administração direta e autárquica, permitiam a contratação de centenas e até milhares de servidores de
maneira absolutamente discricionária e clientelista, acarretando sérios problemas a nível da administração de pessoal
permanente, pelas distorções que lhes eram associadas, cfe. MATTOS, op. cit. p. 81-82.
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assessoramento, por parte dos partidos políticos que compunham a coalizão no governo. A crise da
administração apareceu em toda sua dimensão. A criação de uma carreira de executivos
profissionais para os escalões superiores da administração pública e a qualificação dos quadros para
a alta administração tonaram-se uma necessidade crônica.
A partir de 1985, e mais enfaticamente a partir de 1987, a Administração Pública brasileira
passou a adotar medidas no sentindo de suprir estas lacunas e promover a substituição das “ilhas de
excelência” (vinculadas à administração indireta). Algumas medidas foram adotadas com o objetivo
de constituir uma alta administração de carreira, formada especificamente para o Estado a partir do
sistema do mérito e imbuída de uma ética e perfil técnico específicos e que poderia contribuir,
segundo a conceituação de Schneider (1995), para a elevação do grau de autonomia da alta
administração face ao poder político e aos grupos de pressão e produzir um grau de isolamento
adequado, reduzindo a dependência de seus integrantes do poder de nomeação política para
viabilizar a sua circulação intra machina.
Tais carreiras, inicialmente, foram constituídas a partir de categorias funcionais do Plano de
Cargos de 1970 cujos cargos haviam permanecido, mesmo após a reimplantação do regime
celetista, em 1974, regidos pelo Estatuto dos Servidores, com direito à estabilidade e provimento
por concurso. No entanto, com o passar dos anos este critério foi abrandado: novas carreiras
passaram a ser criadas, compostas via de regra por meio da transposição de cargos de servidores
em exercício em determinada área da administração. A composição dessas carreiras, dissociada do
sistema do mérito ou da sua compatibilidade com as necessidades da administração, e resultante de
“acomodações”, absorvendo servidores cujos cargos ou empregos originais tinham conteúdos
atributivos diversificados, veio a tornar ainda mais necessária a adoção de um modelo renovado de
profissionalização do serviço público.
As primeiras iniciativas foram a reconstituição das carreiras de Procurador da Fazenda
Nacional, em 1984, e a instituição das carreiras de Auditoria do Tesouro Nacional e da Polícia
Federal, em 1985, dotadas de características de especialistas e destinadas a resgatar a
profissionalização das áreas de fiscalização federal, polícia e execução da dívida ativa federal.
Vinham se somar, neste sentido, à Carreira de Diplomata 27 , já estruturada e consolidada a partir do
sistema do mérito, visto que desde o início da década de 1920 o recrutamento para essa carreira se
fazia exclusivamente mediante concursos regulares, subordinando-se, ainda, a partir de 1946, à
conclusão de curso específico ministrado pelo Instituto Rio Branco - IRBr.
A reforma administrativa proposta pelo governo da Nova República iniciou o processo de
constituição de novas carreiras em 1987, com a adoção de três iniciativas complementares, voltadas
especificamente para a alta administração: a criação da carreira de Gestão Governamental, de uma
Escola de Governo responsável pela formação de seus quadros (a Escola Nacional de
Administração Pública - ENAP) e a das carreiras de Finanças e Controle e de Orçamento. Estas
iniciativas destinavam-se a permitir a implantação de quadros específicos, dentro do perfil
desejável: organizar uma burocracia com perfil generalista nas áreas estratégicas para a
governabilidade, ajustada aos problemas próprios do setor público, orientada para as condições
sociais, políticas e econômicas do país, capaz de atuar num ambiente altamente politizado e
democrático, e ao mesmo tempo assegurar ao processo decisório base técnica qualificada 28 .
A aprovação da nova Constituição, em 5 de outubro de 1988, teve imediatas repercussões
sobre o quadro então já amplamente consolidado. As disposições contidas no art. 39 da
Constituição, determinando a adoção de regime jurídico único e planos de carreira, associadas à
27
Um relato detalhado do processo de formação e consolidação da Carreira de Diplomata até a metade da década de 1980
pode ser consultado em CHEIBUB, Zairo Borges. A carreira diplomática no Brasil: o processo de burocratização do
Itamarati. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, FGV, vol. 23, nº 2, p. 97-128, abr. 1989.
28
Segundo KLIKSBERG, o perfil necessário para esta nova burocracia permitiria superar as deficiências do modelo
weberiano clássico, substituindo a gestão neutra por uma gestão comprometida com os grandes problemas nacionais, com
amplo conhecimento da situação social e econômica do país e ajustada às especificidades do setor público (KLIKSBERG,
Bernardo. Palestra ministrada na Comissão de Serviço Público da Câmara dos Deputados, em 1990. Brasília, Câmara dos
Deputados, 1990, p. 41).
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fatores se evidenciam na visível perda do status social do servidor do Estado, assim como de sua
própria identidade de classe. Esta situação está associada à visão pejorativa que tem a sociedade em
relação ao servidor público, que associa esta condição à desprofissionalização, à ilegitimidade da
posse do cargo, ao autoritarismo e às mazelas do “governo”.
Em estudo em que aborda a forma como o servidor público percebe a sua própria natureza e
papel perante a sociedade, o Estado e o próprio meio em que atua, as formas como se dá a
percepção de sua própria realidade por parte dos diversos segmentos do serviço público, Veneu
demonstra que a imagem pejorativa do funcionário não é por ele mesmo ignorada. Nem é, segundo
a sua própria visão, completamente injustificada, à medida em que o funcionário é consciente dos
comportamentos e “rituais” que desenvolve como mecanismos compensatórios, tais como o
absenteísmo, os “bicos”: “... pode-se perceber, assim, quão longe o nosso ‘barnabé’ se coloca do
tipo ideal do burocrata moderno, tal como este é descrito por Bendix, baseando-se em Weber. Na
verdade, características importantes daquele modelo são contrariadas pela representação-matriz do
funcionário público que estamos tentando analisar. Ao invés dos procedimentos impessoais,
racionalmente orientados e sistematizados, da capacitação técnica e do mérito como condições
formais de emprego, da separação estrita entre o cargo e seu ocupante, encontramos a
predominância das relações pessoais e das decisões arbitrárias, a influência dos políticos nas
designações, os ‘cabides de emprego’” (Veneu, 1990).
A relação do servidor com o seu “patrão”, o Estado, não deixa, também, de ser uma relação
ambígua: embora o servidor tenha deveres a cumprir, e direitos a exercer, desenvolve-se um jogo
em que os agentes deixam ao formalismo a função de suprir as eventuais lacunas nessa relação mal
resolvida. A esse respeito, conclui Veneu (1990, p. 10) que “... Mesmo em áreas que exigem um
conhecimento especializado (engenharia, educação), os cargos exclusivamente técnicos são raros,
dependendo, na maior parte, de indicações por amizade ou interesse político. A existência de
tabelas fixas de vencimentos é contrabalançada pelo seu baixo nível, tornando os funcionários
dependentes das gratificações e extraordinários que, como aponta Bendix, facilitam a manipulação
por interesses pessoais. A exiguidade dos vencimentos impossibilita a dedicação exclusiva ao
serviço público, dando origem aos ‘bicos’” .
A situação apontada não é nova, como evidencia a abordagem de Guerreiro Ramos, em que
identifica o agravamento do formalismo em decorrência da situação salarial do servidor público:
“Os servidores públicos no Brasil sempre foram mal remunerados, por isso mesmo que a burocracia
que se constituiu entre nós realizava funções assistenciais e só restritamente destinava-se a prestar
efetivos serviços reclamados pelo público. Como salientamos anteriormente, na burocracia
brasileira grande número de pessoal simula que trabalha, ou não trabalha de nenhum modo e, assim,
tal burocracia, absorvendo parte do excedente populacional para o qual não há oferta de empregos
no setor privado, mitiga os choques sociais. (...)
Nesse panorama de baixa remuneração, característico do serviço civil brasileiro,
evidentemente os indivíduos mais diligentes, capazes e ambiciosos procuram exercer mais de um
emprego, tendo em vista constituir um salário em maior consonância com as suas aspirações. (...)
É óbvio que o Estado faz vista grossa sobre o costume de tornar o emprego público um
“bico” ou mera pensão, bastante difundido na burocracia brasileira. A impotência do Estado para
extinguir este costume é significativamente resultante de que não têm alternativa para a política de
remuneração que tem adotado regulamente para os seus servidores” (Guerreiro Ramos, 1983, p.
384).
A ausência de um comportamento e de um perfil profissional próximos do desejado, por parte
da média do funcionalismo público, leva à conclusão, apontada por Veneu, de que - contrariando os
conceitos utilizados na abordagem de Guerreiro Ramos - o servidor público não se ajusta ao perfil
de um funcionário burocrático, nos termos da tipologia apontada por Weber. Pelo contrário, a forma
como se deu a formação dos quadros de pessoal da administração pública, de maneira
freqüentemente personalizada, patrimonialista ou clientelista, corrobora a afirmação de Veneu (p.
10), segundo o qual “A representação-matriz do funcionário público aqui discutida aproxima-se
mais do modelo descrito por Bendix para o funcionário patrimonial, retirando-se a base territorial e
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familiar deste, que do funcionário burocrático. Segundo aquele autor, o grau de burocratização de
um dado sistema administrativo depende do jogo de forças entre os que supervisionam as condições
de emprego e os que pretendem negociar vantagens pessoais. Ora, no modelo de que estamos
tratando, a ingerência política nas nomeações faz com que os mesmos que controlam as condições
de emprego se interessem em ‘negociá-las’, resultando no que Hélio Jaguaribe chamou de ‘Estado
cartorial’, e que, nos termos de Bendix, pode ser considerado ‘neopatrimonial’. Nesse modelo,
aqueles que controlam as nomeações e promoções (pistolões) distribuem os cargos como um ato
arbitrário de favor ‘obrigando’ os que o recebem a uma retribuição, formando, assim, uma
clientela”.
A figura do servidor público, marcado assim por vícios e vieses de conduta reprováveis ao
olhos do cidadão comum, assume a condição de estereótipo, um “paradigma negativo”, ou, como
destaca Veneu, de algo que precisa ser constantemente superado em função de um ideal de
“modernidade”, mas que, apesar de tudo o que se faça, sempre permanece. Pesquisa realizada pelo
Instituto Vox Populi no primeiro semestre de 1995 confirmava esta constatação, ao revelar que a
população acreditava, majoritariamente, que o servidor público é um privilegiado, em relação aos
demais trabalhadores, sendo sua conduta associada ao pouco empenho no trabalho. E, quanto à
remuneração, freqüentemente se associa a condição de servidor público ao recebimento de altos
salários. Excetuado este último item, essas características não são ignoradas pelos próprios
servidores, que têm da própria categoria, segundo França (1993; p. 48), a imagem de relapsos,
desestimulados, ociosos, faltosos, descumpridores de seus compromissos.
Confirmando os diagnósticos citados, a par desse status cultural, e diversamente de países
como a Inglaterra, a França e países do leste asiático, o Brasil convive com um corpo de servidores
apontado, reiteradamente, como desmotivado e desprofissionalizado. Os poucos segmentos cuja
capacitação se aproxima do ideal sofrem, periodicamente, com a evasão de quadros, como resultado
da ausência de políticas de recursos humanos voltadas à valorização e retenção desses servidores,
contribuindo ainda mais para agravar o problema da incapacidade gerencial da Administração
Pública.
A situação dos recursos humanos na Administração Pública Federal brasileira, portanto,
caracteriza-se por um estado recorrente de anarquia e desaparelhamento para o cumprimento das
funções específicas que o Estado deve cumprir, resultante de um somatório de fatores agravados ao
longo dos anos.
Assim como no início da década de 1960, quanto se tentou promover a reinserção do sistema
do mérito na organização dos quadros de pessoal, é extremamente elevado o contingente de
servidores públicos admitidos sem qualquer forma de aferição de sua qualificação ou capacidade,
especialmente o concurso público e que, como apontou Veneu, deve o seu cargo ou emprego ao
favor de alguém.
A adoção do regime celetista, paralelamente ao estatutário, a partir de 1974, e a adoção de
planos de cargos diferenciados pelas autarquias e fundações contribuiu para este quadro pela via da
flexibilização dos requisitos de ingresso, bem como pelo afastamento da própria correlação que
deveria haver entre os cargos e a sua finalidade, daí decorrendo a apropriação patrimonialista e
fisiológica dos cargos e empregos, cujo provimento não respeitava as reais necessidades de um
serviço público eficaz e racional.
O uso de expedientes paternalistas e arranjos para driblar o sistema de mérito tem sido
persistente e cotidiana realidade na gestão dos recursos humanos da administração pública no
Brasil. Ao quadro histórico marcado pelo fisiologismo e pela resistência à adoção de regras
transparentes e homogêneas, somaram-se as medidas adotadas ao longo das décadas de 1970 e
1980, especialmente o progressivo abandono do sistema do mérito na Administração e a não
implantação, na sua forma plena, de um plano de cargos uniforme e coerente com os objetivos do
Estado. No período pós-1995, a ausência dessa política deu lugar à implementação de algumas
medidas que, em alguns setores, embora fundamentadas na superação de gargalos remuneratórios,
geraram situações ainda mais graves, constituindo-se “carreiras” mediante o agrupamento de cargos
sem a observância de critérios meritocráticos plenos, de que são exemplos a criação da Carreira de
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Procurador Federal, por meio da simples unificação das denominações de cargos ocupados por
Bacharéis em Direito na Administração Autárquica e Fundacional, e a Carreira de Especialista em
Meio Ambiente, constituída por diversos cargos agrupados sob denominações genéricas, também
sem qualquer vinculação com o sistema do mérito.
Além desses aspectos comprometedores, a fragilidade do sistema do mérito sempre foi
evidenciada, entre outras formas, pelo grau de utilização de mecanismos paralelos de contratação de
pessoal, fora da sistemática de carreiras vigente. Como não poderia deixar de ser, a faculdade de
que a administração pública pudesse contratar pessoal em caráter temporário ou extraordinário, de
forma mais ágil que a tradicionalmente viabilizada pelo concurso público, acabou, repetidas vezes,
por se tornar uma válvula de escape cujo controle o poder político jamais soube exercer, e a qual os
administradores públicos utilizaram, no mais das vezes, com desvio de finalidade. Quer fosse pelas
pressões políticas, pelas circunstâncias ou pela visão de curtíssimo prazo que sempre orientou a
prática administrativa, tais mecanismos de contratação assumiram, ao longo do século, o papel de
verdadeiros algozes do sistema do mérito, em prol do nepotismo, do empreguismo e do
clientelismo.
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pessoal daí decorrente é essencialmente incompatível com o elevado grau de liberdade do comando
político no provimento de cargos comissionados atualmente existente.
Para melhor delimitar o campo de utilização desses cargos, a Emenda Constitucional nº 19,
de 4 de junho de 1998, deu nova redação ao art. 37, da CF. A redação original do dispositivo previa
que “os cargos em comissão e as funções de confiança ser[iam] exercidos, preferencialmente, por
servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional, nos casos e condições previstos
em lei” 32 . Todavia, a existência na administração direta, autárquica e fundacional do Poder
Executivo de cerca de 25 mil cargos comissionados de livre provimento, sem contar os cargos
existentes no Poder Legislativo e no Poder Judiciário, não associados à condição de ser o ocupante
servidor público de carreira, tornou inútil o dispositivo, tornando a máquina administrativa, em seus
vários níveis, absolutamente permeável à vontade do dirigente político 33 , fator que é mais
identificado à medida que se sobe na escala hierárquica.
Em agosto de 1995, segundo dados apurados pelo SIAPE 34 , cerca de 48 % dos cargos de
direção e assessoramento nos três níveis mais elevados no governo federal eram providos, no
governo federal, por indivíduos sem qualquer vinculação permanente com o serviço público; nos
três níveis inferiores, a proporção era menor, oscilando entre 15 % e 25 % de ocupantes sem
vinculação permanente com o serviço público. Em junho de 2000, a situação havia sido
ligeiramente alterada, estando assim caracterizada:
Quadro 1: Perfil dos Ocupantes de DAS, por vínculo com a União – Poder Executivo – em %
(junho de 2000)
DAS Servidor Requisitados de outro Sem vínculo Aposentados Total
efetivo Poder/Empresas/outra Esfera/
DAS-1 74,5 2,2 16,3 6,9 100
DAS-2 68,4 4,3 18,5 8,8 100
DAS-3 66,9 6,6 15,8 10,7 100
DAS-4 47,7 9,7 30,0 12,6 100
DAS-5 41,4 12,5 33,9 12,2 100
DAS-6 37,9 10,5 39,9 11,8 100
TOTAL 66,9 4,9 19,3 8,9 100
Fonte: SRH/MP – Boletim Estatístico de Pessoal – jul/2000, p. 68.
32
BRASIL, Constituição Federal. Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, 1993.
33
Uma precisa descrição das formas como se dá o loteamento dos cargos comissionados na Administração Pública
Federal pode ser encontrada em FUNDAÇÃO ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
Administração Pública e Sistema de Governo in Estrutura e Organização do Poder Executivo frente à opção pelo sistema
de governo. 3º Relatório. Brasília, ENAP-CEDEC, mímeo, 1993. p. 337-489, p. 435-456.
34
BRASIL, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. SIAPE/Apuração Especial. Quantitativo de
servidores titulares de funções DAS. Brasília, MARE, set. 1995, 15 p.
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80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1997 2002 2003 1997 2002 2003 1997 2002 2003
DAS 1, 2 e 3 DAS 4, 5 e 6
Fonte: DW-SIAPE
Levantamento mais recente mostra que a tendência de ocupação desses cargos por pessoas
sem vínculo com a administração pública se mantém inalterada. Em março de 2005,
contabilizavam-se na Administração Pública Federal Civil 63 cargos de Natureza Especial, um total
de 21.341 cargos comissionados do Grupo – Direção e Assessoramento Superiores (DAS), 20.212
Funções Gratificadas, bem assim 8.703 Funções Comissionadas Técnicas. Destes, podemos
considerar de livre provimento, sem qualquer reserva de ocupação por servidor público efetivo, os
63 CNE e os 21.341 DAS. A situação de ocupação destes cargos, até mais recentemente, tem sido a
seguinte:
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Com isso, pode-se afirmar que, em relação à política e estrutura de cargos comissionados e
funções de confiança, historicamente (e o atual momento é uma exemplificação desta nota
estrutural), a Administração Pública brasileira tem avançado de maneira muito lenta no sentido de
sua ocupação de forma profissionalizada.
Essa profissionalização é pressuposto para que as organizações públicas possam ingressar
num patamar diferenciado, tornando-se menos sensíveis às interferências fisiológicas ou
clientelistas que, via de regra, impedem que as organizações possam ser geridas de forma mais
racional, tendo como horizonte o interesse público e a continuidade de suas políticas. Do maior ou
menor grau de interferência da política de clientela na sua gestão decorre, em grande medida, a
eficiência e efetividade das organizações públicas.
Apesar das resistências culturais e políticas, o ordenamento jurídico nacional tem avançado
nesta direção, inclusive na esfera constitucional. Até a Emenda Constitucional nº 19/98, as únicas
regras até hoje editadas na esfera federal para limitar o grau de politização das chefias foram o art.
10 do Decreto-Lei nº 1.660, de janeiro de 1979, que determinou que a designação para os cargos
classificados abaixo do quinto nível hierárquico recairiam, em 50 % dos casos, em servidor
ocupante de cargo permanente, e o art. 11 da Lei nº 8.460, de setembro de 1992, que elevou esta
regra até o quarto nível hierárquico (DAS-3).
Sensível avanço foi obtido mediante a aprovação da Lei nº 8.911, de julho de 1994, que em
seus art. 5º e 6º determinou que a totalidade dos cargos de chefia inferiores ao terceiro nível
hierárquico (o nível de DAS-4 35 ), e 60 % dos cargos de assessoramento de cada órgão somente
poderiam ser preenchidos por servidor ocupante de cargo efetivo. Essa regra, todavia, não resistiu
35
Acima do DAS-4 e abaixo do Ministro de Estado, existem apenas 3 níveis hierárquicos: DAS 5 e 6 e Secretário
Executivo de Ministérios.
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às pressões políticas, tendo sido inicialmente suspensa e finalmente revogada a partir de janeiro de
1995.
Em termos gerais, a Carta de 1988 incorporou dois pressupostos básicos, a serem
considerados na estruturação administrativa e na organização dos quadros de pessoal, em relação
aos cargos comissionados.
O primeiro deles diz respeito à inexigibilidade de concurso público para acesso a esses
cargos (art. 37, II da CF); o segundo, à preferência, no seu provimento, para servidores ocupantes
de cargo de carreira técnica ou profissional (art. 37, V da CF). A nova redação dada ao art. 37, V da
Constituição pela Emenda Constitucional nº 19, aperfeiçoou o comando, assegurando exclusividade
para o servidor de carreira no provimento de funções de confiança, ao mesmo tempo em que
mantém a necessidade de lei para definir os casos, condições e percentuais mínimos em que os
cargos em comissão, destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, deverão
ser preenchidos por servidores de carreira. Em tese, o comando seria capaz de permitir a redução
das hipóteses de comissionamento – que, segundo o mesmo dispositivo, somente podem ser
empregadas para atribuições de direção, chefia ou assessoramento – mas, na prática, permanece sem
aplicação, pois, desde 1998, não houve a edição da lei prevista, nem foram redefinidas as estruturas
de comissionamento a fim de reduzir as hipóteses de livre provimento.
A existência de cargos de confiança, é claro, é inerente ao regime democrático, em que
dirigentes eleitos devem ter um certo grau de liberdade para compor as estruturas de comando. Por
isso, há necessidade de fixar-se percentuais em que tais cargos devem ser livremente providos.
Quanto àqueles que devam ser providos por servidores, é de se considerar que não basta a satisfação
dessa condição genérica, ou mesmo pertencer a determinada carreira, para que o exercício do cargo
comissionado esteja legitimado. Para que não se produza um spoils system com reserva de mercado,
é necessário que o acesso seja atrelado a processos de qualificação para o exercício da gerência e do
assessoramento, guardando correspondência com a posição do servidor na carreira. A redução do
espaço para as nomeações políticas ou para a rotatividade das chefias, além de contribuir para o
aumento da eficácia e da eficiência da ação do governo, teria o aspecto moralizador de retirar de
circulação a “moeda de troca” tantas vezes associada à corrupção em nosso país e que
freqüentemente serve à subversão do sistema do mérito. Além isso, a existência de carreiras às
quais estejam vinculadas linhas de acesso pode ter grande importância para assegurar a
organicidade e continuidade das políticas públicas.
Sob essa perspectiva, seria recomendável que os cargos de nível inferior ao terceiro escalão
em todos os órgãos e entidades fossem providos exclusivamente por servidores do quadro efetivo
das instituições, e até mesmo nos escalões superiores, quando justificável pelo nível de
especialização envolvido. No entanto, estabelecer-se restrição absoluta ao provimento de
comissionamentos por servidores de carreira requisitados de outras instituições poderia resultar
prejudicial à troca de experiências que a mobilidade horizontal proporciona, sendo requisito, em
qualquer caso, que os ocupantes dos cargos comissionados sejam detentores de qualificação
gerencial e técnica para o exercício os mesmos. O excessivo insulamento poderia dar origem à
exacerbação do esprit de corps e à maior dificuldade na implementação de mecanismos de
prestação de contas e de controle social, contrapondo-se o incentivo à carreira à necessidade de
permeabilização das instituições ao fluxo de novas idéias e práticas.
A alteração promovida ao inciso V da CF pela EC nº 19/98 foi, sem dúvida, um passo
importante no sentido de reduzir o uso discricionário dos cargos em comissão, embora tímido. O
novo dispositivo constitucional estabelece que “as funções de confiança, exercidas exclusivamente
por ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comisssão, a serem preenchidos por servidores de
carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às
atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
Esta redação veio expressamente proibir a criação e uso, ainda que autorizados em lei, de
cargos comissionados para finalidade estranhas às expressamente previstas, o que desde logo
impede, por exemplo, o uso desses cargos para burlar o concurso público, mediante a nomeação
precária para cargos cujas tarefas sejam típicas de cargos efetivos ou empregos permanentes.
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Assim, um engenheiro, médico, contador ou motorista jamais poderá vir a ser nomeado para exercer
tais funções técnicas ou de mero apoio sem que tenha sido aprovado em concurso publico.
Embora seja óbvia a associação fixada no novo inciso V do art. 37 – já que o
comissionamento pressupõe um vínculo de confiança – desde sempre tais cargos foram utilizados
para finalidades as mais diversas, proliferando exatamente em função do fato de que a livre
nomeação e exoneração os tornava importante peça no jogo político. Abundam, em toda a
Administração Pública brasileira, ainda hoje, passados cerca de sete anos da vigência do
dispositivo, situações decorrentes do período anterior, preservadas em nome do “ato jurídico
perfeito” e da autonomia dos Poderes e dos entes federativos que fizeram uso dessa flexibilidade.
Além disso, outras situações novas têm sido criadas, como é o caso da manobra utilizada pelo
Governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, em agosto de 2000, para desobedecer à decisão
judicial que determinou a anulação dos contratos de trabalho de cerca de 1.580 servidores da
empresa pública Novacap, os quais foram admitidos sem concurso entre 1988 e 1991. Para manter
os funcionários que haviam por ele mesmo sido irregularmente contratados em seu primeiro
mandato como governador, enviou à Câmara Legislativa projeto de lei (Campos e Sallum, 2000),
aprovado em menos de 24 horas de tramitação, criando idêntico número de cargos em comissão na
administração direta, em confronto direto com a norma constitucional. Enquanto isso, candidatos
aprovados em concursos públicos realizados desde 1991 para cargos de atribuições semelhantes,
mas que não foram convocados, protestavam, reclamando a preferência para contratação pelo
governo do Distrito Federal.
No município de Floresta Azul, no interior da Bahia, durante o mandato iniciado em 1997, o
prefeito deu ao nepotismo uma amplitude ímpar: entregou todas as secretarias e cargos de confiança
do município aos parentes. Pelo menos 21 cargos de primeira linha tiveram esta destinação, e um
em cada quinze funcionários tinha parentesco com o prefeito (Setti, 2000).
Esta tem sido a prática corriqueira na Administração Pública brasileira. Em 2000, o Jornal O
Globo denunciou em uma série de reportagens o uso dos cargos públicos federais pelo Governo
Fernando Henrique Cardoso como instrumento essencial de sua estratégia para assegurar o apoio no
congresso. Segundo a reportagem, “O presidente Fernando Henrique Cardoso dispõe de 600 cargos
nomeados por indicações de deputados e senadores como arma para exigir fidelidade de sua base
aliada no Congresso. (...) Tais cargos incluem desde ministros, a maioria deles indicados por
partidos aliados, até o modesto mas cobiçado posto de representante do governo federal nos
Estrados. As nomeações atende tanto aos maiores líderes do Congresso, como o presidente do
Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), e o presidente do PMDB, Senador Jader Barbalho,
(PA), quanto a deputados do chamado baixo clero”.
Esclarece ainda O Globo que o número de cargos só não é maior porque muitas empresas
estatais já foram privatizadas. Mesmo assim, o governo federal conta com cerca de seis mil cargos
qualificados de livre nomeação dos quais cerca de 600 estariam ocupados pelos “afilhados, parentes
ou cabos eleitorais dos parlamentares”: “Hoje estão valorizadas as representações do Departamento
Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e do
Ministério da Agricultura, além das direções da Companhia Docas e das empresas do sistema
Eletrobrás. Diretorias de bancos oficiais também são cobiçadas”.
A reportagem cita, ainda, exemplos significativos dessa prática: “Levantamento feito pelo
GLOBO junto a líderes partidários e coordenadores de bancadas mostra que os deputados pefelistas
que votaram contra o governo na quarta-feira têm cargos e até os preenchem pelo critério do
nepotismo. O irmão do deputado Leur Lomanto (Antônio Lomanto Neto) é o presidente do Sebrae
na Bahia. O filho do Deputado Jairo Azi (Ricardo Dantas Azi) é o diretor do DNOCS. O irmão do
deputado Jorge Khoury (John Khoury Hedaye) é o chefe do escritório da Codevasf em Juazeiro”
(Franco, 2000).
A utilização clientelista de cargos na Funasa, também denunciada pelo Jornal O Globo
indicava, na opinião do Deputado José Genoíno, do PT-SP, a degradação das relações entre
Executivo e Legislativo: o deputado classificava essa relação como vergonhosa e promíscua. No
entanto, o nepotismo e o fisiologismo não se resumem ao Poder Executivo, estando também
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36
Senado pode repor fim do nepotismo na Reforma do Judiciário. URL internet
www.oglobo.com/noticias/arquivo/politica/20000316/4hgrxh.htm.
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37
Juíza condena Câmara e parentes de vereadores a devolver dinheiro. Folha de São Paulo, 23.08.2000, p. A-3.
38
Justiça confirma afastamento de assessores de Diadema. URL Internet Nepotismo leva o Incra a exonerar 22 servidores
http://www.globo.com/noticias/arquivo/brasil/saopaulo/20000417/4jguac.htm.
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em seu gabinete nomeados para cargos de confiança: “o próprio nome já diz que é um cargo de
confiança, e você coloca quem merece o seu respeito”.
- Armando Abílio, do PMDB-PI, que teria sete parentes sob suas ordens, justificava sua
contratação em vista da necessidade do salário.
- Outras declarações, alarmantes, demonstravam a cultura política vigente: “Sou pelo
nepotismo. E quero dizer ao Brasil inteiro que não sou hipócrita”. “Quero dizer que empregarei os
meus parentes enquanto puder. Se eu puder amparar minha família toda, eu a ampararei, mas
também não desprezarei os demais” (Themístocles Sampaio, PMDB-PI) (Folha de São Paulo,
8.2.2000).
“Eu gosto da minha família e quero que ela esteja ao meu lado. Vou ser vigiado por quem
não é meu parente?” (Themístocles Sampaio, PMDB-PI) (Folha de São Paulo, 16.3.00).
“Elas são preparadas, competentes e podem me ajudar. Se pedir emprego para elas a um
empresário ou ao governo, vou ficar com o rabo preso” (Gerson Peres, PPB-PA) (Folha de São
Paulo, 8.2.00).
“A maioria dos deputados justificou o nepotismo, que a lei não proíbe, dizendo que precisa
de reforço de renda familiar, de funcionários de confiança ou de apoio em seus redutos eleitorais”
(Folha de São Paulo, 8.2.00).
Há, portanto, uma clara distorção da forma como são considerados os cargos públicos pelos
praticantes do nepotismo: uma visão patrimonialista, personalista, como se o cargo fosse
propriedade de quem dele dispõe para livre nomeação, e como se tal investidura não devesse
observar os princípios da impessoalidade e moralidade, ou mesmo existissem à revelia do interesse
público, mas em decorrência do interesse pessoal do agente político.
A Transparência Brasil, organização sem fins lucrativos fundada em abril de 2000 por um
grupo de indivíduos e organizações não-governamentais comprometidos com o combate à
corrupção, associada à Transparency International (TI), a única organização mundial dedicada
exclusivamente a combater a corrupção, vem, ainda, registrando outros casos de nepotismo
noticiados pela grande imprensa. Um dos casos recorrentemente apontados pela entidade é a
contratação cruzada de parentes, ou seja, quando se emprega um parente de um político para, em
troca, ter um parente seu contratado. Segundo a TCC- Brasil, por exemplo, esta prática era muito
comum no Rio de Janeiro, tendo registrado que o Presidente da Assembléia do Rio de Janeiro
(Alerj), Sérgio Cabral Filho, tinha parentes trabalhando em gabinetes de conselheiros do Tribunal
de Contas do mesmo Estado, e na Câmara Municipal. Em São Paulo, o então vice-presidente do
Tribunal Superior de Trabalho, Almir Pazzianotto, teria seis parentes nomeados para cargos no
Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Já no Mato Grosso do Sul, 70 entidades começaram
uma campanha contra o nepotismo por meio de uma proposta de emenda constitucional, motivados
pela nomeação para cargos no governo de parentes do governador José Orcírio dos Santos (PT),
situação também registrada no Tribunal de Justiça do estado. Tal projeto apenas agora em 2005
obteve votação no mérito na Comissão específica em que se encontrava, apensado a tantas outras
iniciativas, aguardando o parecer da Comissão de Constituição e Justiça.
Registrou a Transparência Brasil, igualmente, a ocorrência, até março de 1999, de 11 novos
casos de nepotismo no Congresso Nacional, inclusive na Mesa Diretora do Senado: o Secretário-
Geral do Senado, Raimundo Carreiro, foi acusado de obter emprego para a filha e a esposa em
cargos em comissão com salários altíssimos. Devido à pressão do Presidente do Senado, Antônio
Carlos Magalhães, a filha pediu demissão.
Também o Tribunal de Contas da União, órgão legalmente encarregado de fiscalizar os
demais poderes quanto à regularidade das nomeações para cargos públicos, foi denunciado pela
prática de nepotismo. Em reportagem publicada em 28 de julho de 1999, a Revista Veja apontava a
prática pelo seu Presidente, Ministro Iram Saraiva, de nepotismo e contratação de pessoal sem
concurso. A fim de contratar um assessor pessoal - o ministro é deficiente físico e precisa de ajuda
para locomover-se - de sua intimidade, o Ministro alterou as regras do TCU, que só admitiam
servidores concursados. No entanto, o assessor, contratado por R$ 7.800 mensais, exercia atividades
no gabinete do deputado estadual Iram Saraiva Júnior, filho do ministro, em Goiânia, a 209
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quilômetros de Brasília. O próprio assessor teria admitido nuca ter trabalhado com o Ministro, mas
sempre com o filho deputado. 39
No Poder Judiciário, são também comuns as denúncias de nepotismo e empreguismo. No
Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba, o Juiz Severino Marcondes Meira é acusado de, em dez
anos de atividade, haver colocado 63 parentes na folha de pagamento do Tribunal, incluindo filhos,
mulher, sobrinhos, primos e noras. Cerca de R$ 250 mil mensais, equivalentes a 10% da folha de
pagamentos do TRT teriam como destinação os parentes do juiz, cujos salários variavam entre R$
4.000 e R$ 5.200 40 .
Em São Paulo, concurso realizado em 1992 pelo Tribunal Regional do Trabalho foi
denunciado como fraudulento pelo Ministério Público. Destinado a preencher 46 vagas de auxiliar
judiciário e oficial de justiça, teve 40.000 inscritos. Dos aprovados, porém, cerca de 20% tinham
laços de parentesco ou amizade com magistrados do Tribunal 41 . A fraude teria contado com a
participação de uma empresa contratada sem licitação para realizar o concurso, criada
especificamente para realizá-lo – e que encerrou suas atividades logo após o seu encerramento.
Em Rondônia, o Tribunal Regional do Trabalho, segundo o jornal O Estado de São Paulo,
“funciona como uma grande família”. Todos os cinco juízes togados têm parentes trabalhando no
Tribunal. A presidente do TRT tinha o filho como assessor principal. Um dos juízes teria 43
parentes no Tribunal. Uma juíza teria nomeado a mãe, a irmã, dois sobrinhos e a sogra. Como
sempre, as alegações são de que a prática é legal 42 .
Pertence ao Poder Judiciário, ainda, um dos mais curiosos casos relacionados com o
nepotismo. Em agosto de 1998, um juiz de Roraima, Helder Girão Barreto, foi afastado do cargo
por indisciplina. O Tribunal de Justiça do Estado abriu processo administrativo para determinar o
afastamento do juiz por “abuso de poder com evidentes conotações político-partidárias e atitudes
configuradoras de revanchismo e insubordinação judicial”. Tão grave punição, na verdade, decorreu
de decisões adotadas pelo Juiz em ações civis públicas promovidas pelo Ministério Público de
Roraima e por uma sindicalista determinando a demissão de parentes do então Governador de
Roraima, Neudo Campos (PPB), e de magistrados. Somente o governador teria 13 parentes em
cargos do governo; antes disso, o Juiz havia determinado a demissão de dez parentes de
desembargadores e de cinco parentes de conselheiros do Tribunal de Contas do Estado 43 . Apesar de
haver recorrido ao STF da decisão, o Juiz não foi reintegrado.
Nos tribunais superiores, a prática do nepotismo é corriqueira. Segundo a Revista Veja,
mesmo os Ministros dos Tribunais Superiores empregam parentes em cargos em comissão 44 .
Quando Presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Antônio de Pádua Ribeiro, mantinha
como sua assessora, com cargo em comissão, a própria mulher, Ives Glória Pádua Ribeiro, mesmo
ela já sendo aposentada da Justiça do Distrito Federal 45 . No Conselho de Justiça Federal, órgão
subordinado ao STJ, parentes de magistrados e de políticos ocupavam 11 funções de confiança,
cerca de 5% dos 257 funcionários do órgão. Mesmo sendo 10 desses servidores funcionários de
carreira, os níveis de parentesco com ex-Presidentes do STJ, e a data em que tais funcionários foram
investidos em funções de confiança sugere haver muito mais do que mérito a justificar as
nomeações 46 . Em alguns casos, para contornar a vedação legal, ocorre a nomeação cruzada,
chamada pejorativamente pelos próprios funcionários do Judiciário de “barriga de aluguel”: um
magistrado nomeia para o seu gabinete o parente de outro, que retribui o favor. A própria nomeação
39
PATURY, Felipe. Exemplo de cima. Veja nº 1.608, 28/07/1999, p. 45.
40
GUSMÃO, Marcos. Rei da mamata. Veja, 08 jan 1997, p. 32.
41
A farra dos parentes. Veja nº 1596, 05 maio 1999, p. 116.
42
Nepotismo é praxe entre magistrados de RO. O Estado de São Paulo, 13 ago 2000.
43
FREITAS, Silvana. Juiz recorre contra afastamento em RR. Folha de São Paulo, 21 ago 1998, p. 1-6.
44
ROCHA, Leonel. Laços de sangue. Veja, 27 maio 1998.
45
Alegou o ministro, e sua defesa, que a nomeação se deu antes da vigência de lei proibindo a nomeação de parentes no
Judiciário federal, além do fato de que até dezembro de 1990 o art.245 da Lei nº 1.711 permitia, como pretendia a
proposta do Deputado Michel Temer antes citada, que até dois parentes ocupassem funções de confiança de livre escolha
sob direção imediata do cônjuge ou parente até o segundo grau.
46
11 parentes de magistrados tem cargos em comissão no conselho. O Estado de São Paulo, 29 out 2000, A-5
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de ministros do STJ revela a força dos laços de sangue: em junho de 1999, três dos quatro ministros
nomeados pelo Presidente da República tinha laços de parentesco com outros magistrados de
tribunais superiores.
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50
Procurador vê o INSS praticando nepotismo. Jornal dos Concursos, 9-15 de outubro de 2000.
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Unidas para o Desenvolvimento - PNUD e com o Banco Mundial, por meio dos quais tem sido
encontrado um meio para a contratação, sem concurso, de pessoas que, mais por laços de amizade
do que pela sua qualificação, irão desempenhar atividades típicas do serviço público com salários
muito superiores, reajustados mensalmente pela variação cambial 51 . Auditoria realizada pela
Secretaria Federal de Controle do Ministério da Fazenda em todos os Ministérios em 1994 52
constatou a existência de mais de 2.900 contratados por este instrumento (sendo que 1.442
executavam serviços de apoio técnico e administrativo), por meio de 113 contratos envolvendo
entidades tais como a Agência Japonesa de Cooperação Internacional - JICA, OEA, FAO, CEPAL,
BID, BIRD e outros, totalizando dispêndios da ordem de US$ 80,5 milhões 53 . Do total de
contratados, 1.442 foram destinados a atividades de apoio técnico-administrativo. Apenas no
Ministério da Saúde, foram identificados 600 contratos em vigor no ano de 1994 54 . As
irregularidades identificadas iam desde a sucessiva prorrogação de contratos de consultoria sem a
apresentação de seus produtos finais, a falta de publicidade e amplo acesso quando da contratação
de consultores e técnicos, sugerindo a existência de privilégios, e a contratação de apoio técnico em
quantidade superior às necessidades dos projetos. Em 1995, elementos fornecidos à Câmara dos
Deputados por diversos ministérios 55 apontaram a existência de centenas de consultores, grande
parte contratados em caráter permanente, por meio destes instrumentos, cujos salários, em alguns
casos, alcançavam a cifra de R$ 5.500,00, superior então à dos mais bem remunerados cargos de
carreira do Poder Executivo, além de centenas de contratados para atividades de apoio com
remunerações até 100% superiores às dos ocupantes de cargos efetivos de idênticas funções. Em
maio de 1998, novamente o Tribunal de Contas da União adotou decisão em que, apreciando a
contratação indireta de pessoal nos Ministérios da Educação e do Meio Ambiente, dos Recursos
Hídricos e da Amazônia Legal por meio de contratos ou convênios com organismos internacionais,
reconhecia o mau uso e o grau excessivo de subjetivismo em tais contratações de pessoal 56 .
Tal prática andou a passos largos, com o uso de contratos de consultoria e convênios com
organizações internacionais para assegurar aos dirigentes a possibilidade de satisfazerem
necessidades de assessoramento em “alto nível”. Reportagem publicada em 18/10/1999 pela Revista
Época relata de maneira eloqüente esta situação: “Há 2.003 fundações de apoio à pesquisa também
contratadas por órgãos públicos, em todo o país, sem licitação. Graças a essa prática, também se
abre uma porta de bom tamanho para a contratação de profissionais ou serviços de consultoria, sem
a abertura de concorrência nem a realização de concurso público. Os números soam
impressionantes. Neste ano, foram consumidos R$ 780 milhões apenas na administração federal. A
cifra representa sete vezes mais do que o governo vai economizar por ter exonerado funcionários no
último Programa de Demissões Voluntárias (PDV). Parcelas crescentes dos gastos vão seguindo seu
curso sem controle. É o caso de contratos feitos por meio de empresas privadas ou fundações, já
condenados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A lei permitiu que tais entidades fossem
dispensadas de concorrência somente quando se tratasse de projetos de pesquisa em áreas de sua
especialidade. Em julho deste ano, o TCU concluiu que muitas delas funcionam, na verdade, como
locadoras de mão-de-obra. (...)”.
Em 11 de setembro de 2000, o Tribunal de Contas da União apontava falhas na contratação
de consultores verificada em Auditoria no Ministério do Meio Ambiente. Entre outras constatações,
51
MONTEIRO, Marcelo Affonso. "A Indústria da Consultoria". Jornal de Brasília, Brasília, 08 jan. 1993, p. 2.
52
IZAGUIRRE, Mônica. Consultoria disfarça contratações irregulares. O Estado de São Paulo, São Paulo, 18.09.95, p. A-
7.
53
Ver DC nº 109-09/96-P, do Tribunal de Contas da União (D.O.U. de 26.03.1996, p. 5005).
54
LOPES, Eugênia. Executivo paga salários duplos a 53 funcionários. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19.09.95, p. 3.
55
Informações encaminhadas pelos Ministérios da Fazenda, Meio Ambiente e da Amazônia Legal, Planejamento e
Orçamento, Transportes, Previdência e Assistência Social e outros em virtude de Requerimento de Informações nº 623 e
seguintes, de autoria do Deputado Ivan Valente. As informações deram origem a uma representação ao Ministério Público
da União, protocolada em setembro de 1995, para que apurasse a ocorrência de crime contra a administração pública por
burla à exigência de concurso público e desvio de finalidade na contratação de pessoal à conta de acordos com organismos
internacionais.
56
Decisão nº 213-15/98 - TCU - D.O.U de 11 maio 1998, p. 46.
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apontava o TCU a ausência de comprovação de que os serviços prestados por consultores não
poderia ser realizados por servidor da Administração Pública; a contratação elevada de consultores
técnico-administrativos, principalmente quando comparada como quadro permanente do órgão, não
guardando coerência com a excepcionalidade inerente a tais contratações (nada menos do que 63%
do pessoal do MMA em 1999 estavam sob contratos de consultoria, chegando o percentual a 90%
em alguns órgãos); desempenho de atividades de apoio administrativo por parte de consultores,
comprovando a inexistência de especificidade que justificasse a contratação; pagamento a
consultores de remunerações em valores bem superiores aos pagos aos servidores do quadro de
pessoal, inobstante exercerem funções equivalentes, causando gasto excessivo e indignação nos
servidores concursados; e subjetivismo e discricionariedade na seleção de consultores, em
desrespeito aos princípios da impessoalidade e isonomia 57 .
Tal prática hoje encontra-se contrangida, pela atuação do Ministério Público do Trabalho,
que logrou levar à Justiça uma Ação Civil Pública, e que, caso tivesse sido julgada, levaria à União
a uma vergonhosa condenação. Assinou-se, assim, em 2002, um Termo de Ajustamento de Conduta
e, em três etapas, a serem desenvolvidas ao longo de dois anos (que acabaram por ser estendidos
por mais um ano e meio) pactuou-se a substituição desses contratos precários, o que, até o
momento, vem sendo obtido. Não obstante, com certa regularidade tem-se constatado tentativas de
burla ao acordo firmado entre Executivo e Ministério Público, mediante a classificação de postos de
trabalho que deveriam ser preenchidos mediante concurso como “consultorias por produto”,
permitidas pelo acordo. Tal situação tem demandado permanente vigilância dos órgãos de controle,
a fim de evitar novo ciclo de contratações irregulares.
57
Decisão nº 695/2000 – TCU – Plenário. DOU de 11 set 2000.
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levou o Ministério Público a instaurar ação civil pública. Também o Banco do Brasil incorreu na
mesma prática, tendo sido obrigado, por força da atuação do Ministério Público, a promover
concurso para preenchimento de vagas.
No Ministério da Previdência e Assistência Social, um contrato de prestação de serviços deu
cobertura, até 2002, à contratação de pessoal para exercer atividades nos postos de benefícios, no
âmbito das novas agências da previdência social incluídas no Serviço de Atendimento ao Cidadão –
SAC. No Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, foi abortada em abril de 1999, por uma
liminar concedida em Ação Popular movida pelo Deputado Federal Doutor Rosinha (PT-PR), a
contratação de mais de 100 funcionários por meio de empresa prestadora de serviços. As atividades
a serem exercidas pelos funcionários foram caracterizadas como inerentes a servidores ocupantes de
cargos efetivos, posto que previstas nos planos de cargos existentes no Ministério. A Juíza da
Quarta Vara Federal do DF considerou que a contratação constituía “burla à livre concorrência dos
profissionais aos cargos públicos”, constituindo ainda medida estranha “em face das demissões
incentivadas pelo Governo Federal” por meio de programas de demissão voluntária. “Se incentivou
demissões e proibiu concursos”, conclui a magistrada, “é porque precisa conter gastos, ou então
porque tem pessoal em excesso”. Logo, não poderia ocorrer a contratação, que, sendo necessária,
somente poderia ocorrer mediante concurso público para cargos efetivos.
No Estado do Rio de Janeiro, situação semelhante foi denunciada na Secretaria de Saúde, em
que pelo menos 3.324 prestadores de serviços teriam sido contratados irregularmente. Além disso,
havia outros 1.500 prestadores de serviços, contratados em caráter de excepcionalidade (Gomes,
2000). Um dos mais perversos exemplos dessa prática foi descrito pela Revista Época (Krieger,
1999): “Agora, os ministérios entregam a agências de publicidade a tarefa de pagar jornalistas
contratados para atuar como assessores de imprensa. Assim, garantem salários de até R$ 10 mil
mensais, o dobro do que seria possível com a estrutura oficial. É uma cadeia de subcontratos. O
ministério contrata a agência de publicidade. A agência recorre a um escritório de assessoria de
imprensa, que emprega os jornalistas. Não há fiscalização sobre salários nem critérios de
contratação. No Ministério da Saúde, por exemplo, a assessoria de imprensa consome R$ 1 milhão
por ano. Duas empresas e uma cooperativa de jornalistas dividem esse orçamento”.
A mesma situação foi denunciada também pelos jornalistas Elio Gaspari (em 23 de julho de
2000 e Fernando Rodrigues (em 23 de agosto de 2000). No entanto, as providências a respeito
somente foram adotadas após nova investigação do Ministério Público do Trabalho que, à
semelhança do que ocorreu a respeito das contratações por projetos de cooperação técnica
internacional, ajuizou Ação Civil Pública contra a contratação de cooperativas de mão-de-obra. Em
2003, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta, no qual a União se comprometia a não
contratar tais cooperativas, abrindo um importante precedente: por decisão judicial, as cooperativas
não poderiam participar das licitações, se a natureza do serviço de execução indireta não fosse
compatível com a sua razão de existir.
Mesmo com a constante vigilância do Ministério Público, ainda assim se detectam tentativas
de burla ao concurso público, como aconteceu recentemente com tentativa de licitação de empresa
para fornecimento de mão-de-obra ao Ministério dos Esportes e ao Departamento Nacional de
Infra-Estrutura em Transportes. Nestes dois casos, o Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública
e obteve liminar favorável pelo Superior Tribunal de Justiça, em 2005.
Além da burla à exigência de concurso público, estas hipóteses permitem o favorecimento de
correligionários políticos, evidenciando resquícios de patrimonialismo ainda hoje presentes na
administração pública federal, possivelmente um dos maiores entraves à implementação de políticas
destinadas à efetiva profissionalização do serviço público. A utilização desses expedientes, de
caráter pragmático, afasta o interesse na busca de soluções para os problemas que afligem o quadro
permanente, objeto da organização de carreiras, num mecanismo disfuncional de segundo grau de
difícil solução. Manobras que, derivadas do corporativismo ou do patrimonialismo, permitem que o
serviço público continue a ser o esteio dos compadres, dos amigos, dos protegidos.
Tal burocracia patrimonialista, longe de ser profissionalizada e minimamente capacitada para
atender aos anseios da Sociedade e servir aos cidadãos, torna-se presa fácil de um sistema
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predatório, que dilapida o patrimônio do Estado para atender aos desejos de agentes privados,
muitas vezes pouco ou quase nada comprometidos com os objetivos da coletividade. Como viemos
sustentando desde o início, a correção de tal disfunção não é, em si, a única possibilidade para
extirpar a corrupção, mas, sem dúvida, tornaria muito mais difícil a ocorrência de tantos escândalos
e polêmicas, como os que mostramos nesta seção.
A seção seguinte discutirá as medidas necessárias para o enfrentamento do nepotismo,
apresentando algumas alternativas a serem adotadas ou aperfeiçoadas no caso brasileiro.
58
Tradução de accountability, (OSLAK, 1988) que se refere “a la vigência de las reglas de juego que exigen la rendición
de cuentas a terceros, ante los cuales se es responsable de um acto o de uma gestión”.
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59
O seu parente não pode. Já o meu... Veja nº 1.639, coluna Radar, 08 mar 2000, p. 20.
60
O índice, na versão de 2004, classificou opiniões sobre o grau de corrupção em 146 países, numa escala de 0 a 10, em
que 10 corresponde ao menor grau de corrupção percebido e 0 ao maior grau. O Índice reflete opiniões sobre a integridade
das relações mantidas por todas as instituições do Estado, em todas as esferas, e não corresponde apenas aos governos
nacionais, embora as ações destes últimos sejam muito determinantes na formação da opinião internacional. Assim,
quando um governo empreende um conjunto organizado de iniciativas anticorrupção e que seja percebido como
significativo pela opinião internacional, isso tende a se refletir numa melhoria da pontuação atribuída ao país. Mais
detalhes sobre o índice podem ser encontrados em http://www.transparencia.org.br/index.html.
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A mesma sensação é compartilhada por Bresser Pereira. Em um recente artigo, afirma o ex-
Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado do Governo Fernando Henrique Cardoso:
“ (...) Governar exige habilidade e competência política para fazer os compromissos necessários, e,
ao mesmo tempo, a determinação e a coragem de buscar objetivos nacionais mesmo que com risco
da própria reeleição. Isso implica lograr maioria no Congresso para realizar reformas, sem
comprometer em demasia os próprios objetivos do governo.
Não é isso o que vemos hoje no Brasil. Em vez de um governo que define objetivos nacionais
claros e estratégias que conduzam a eles, e estabelece limites para os compromissos a que está
disposto a fazer, o que vemos é um governo fraco e acuado pelo que há de pior na política. Instala-
se, assim, a chamada ‘crise de governabilidade’, que não é outra coisa senão a ausência de governo.
Se o governo tivesse objetivos claros e limites definidos quanto ao que está disposto a
conceder, nem os políticos fisiológicos, nem os rentistas teriam tanto poder. Na falta deles, o
governo se vê prisioneiro de seus capturadores. Os salários dos trabalhadores e da classe média
caem, sobem os salários de alguns setores privilegiados da burocracia, crescem os juros dos
rentistas e vicejam os rendimentos do setor financeiro associado a esses juros.
Nesse quadro de paralisia do Estado e de crise de governabilidade, a captura do Estado se
institucionaliza. Em alguns momentos chega ao limite da corrupção consentida.
Quando não chega a esse limite, se expressa na subordinação do país a políticas econômicas
recomendadas por terceiros, no pagamento de juros absurdos e na confusão do partido político com
o governo e do governo com o Estado. Em qualquer uma das hipóteses, é a cidadania que sai
derrotada, é a sociedade brasileira que assiste, perplexa, à ausência de governo” (Bresser Pereira,
2005).
Não se deve imaginar, no entanto, que não se tenha tentado, já há algum tempo, iniciar esse
processo, no Brasil. Em 1993, instituiu-se o Código de Ética do Serviço Público e, em 1998 editou-
se o Código de Conduta dos Titulares de Cargos na Alta Administração Federal. Desde 1994, vem-
se reestruturando, no Poder Executivo, o Sistema de Controle Interno, com a criação da Secretaria
Federal de Controle naquele ano ; em 2001, criou-se a Corregedoria-Geral da União, que em 2002
seria transformada na Controladoria-Geral da União. Estabeleceu-se, para dirigentes públicos, a
necessidade de quarentena (quatro meses) antes de assumir cargos na iniciativa privada. Além
disso, desde 2003, tem ocorrido, de forma célere, a ampliação da participação de conselhos e
organizações da sociedade no processo de formulação e avaliação de políticas e orçamento, com a
intensificação da fiscalização das contas dos municípios. Contudo, medidas profiláticas ou
preventivas contra o nepotismo, como bem ressalta Boris Fausto, não serão implementadas sem
resistência: “estamos diante de uma prática nociva arraigada cuja eliminação não se fará
facilmente” (Fausto, 2000, p. 2). Para muitos estudiosos, a corrupção no Brasil apresenta
características endêmicas, manifestando-se de forma disseminada em todos os setores da sociedade,
ligada a fatores culturais, e insere-se num contexto mais amplo; seu combate, assim, requer medidas
de longo prazo – há uma aceitação tácita tanto do lado do corrupto quanto do corruptor, a sociedade
não cumpre leis e acha natural, portanto, que seus dirigentes não as cumpram também,
Além dessas, a ausência de proibições expressas, ou de regras que delimitem claramente o
campo de atuação dos dirigentes políticos também pode ser considerada explicação de por que as
práticas patrimoniais continuem a grassar. De tal forma o nepotismo está arraigado em nossa cultura
política e em nossa prática administrativa, que proibi-lo em sua face mais visível, deixando raízes
para sua expansão, poderá resultar inócuo. A troca de favores, como prática substitutiva, já ocorre,
como demonstra a incidência do nepotismo no Conselho de Justiça Federal, e em gabinetes
parlamentares e de magistrados. Como afirma Fausto, a convicção da legitimidade do nepotismo é
sua maior garantia de sobrevida, verdadeiro traço cultural de nossa sociedade.
Contudo, a proibição legal será um passo importante para a moralização dos costumes
políticos e, por isso, práticas antinepóticas que possam ser incentivadas ou ampliadas devem ser
amplamente divulgadas. Mas essa proibição deverá ser acompanhada de medidas tendentes à
implantação de quadros profissionais, efetivos e qualificados no serviço público, que possam tornar
dispensável a busca de pessoas “competentes” fora dos quadros efetivos da Administração Pública
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implementado.
Neste sentido, a experiência brasileira recente tem sido exemplar, com a realização, nos
últimos dois anos e meio, de diversos concursos públicos para substituição ou recomposição da
força de trabalho na Administração Pública Federal, completamente anarquizada pelas práticas
anteriormente detalhadas neste trabalho. Segundo dados do Ministério do Planejamento, em 2003,
autorizou-se o provimento de 24.808 vagas; em 2004, de 14.011 vagas; em 2005, até o momento, de
12.450 vagas – o limite de vagas previsto na Lei Orçamentária, com os saldos remanescentes de
2004, pode chegar a 40 mil vagas. Em maio de 2005, mais de dez concursos se achavam em
andamento, o que provocou, em diversos segmentos, uma busca intensa por atualização e melhor
qualificação nos certames, vez que a Carreira Pública, profissional e dinâmica, como deve ser o
profissional de que o Estado necessita, volta a ser considerada uma opção para diversos
profissionais.
É bem verdade que, aqui e ali, espoucam denúncias sobre certames não conduzidos com
lisura, com resultados manipulados para atender a interesses políticos (como, recentemente, se viu
acontecer em concursos para Consultor Legislativo no Senado Federal) ou mesmo com a descoberta
de fraude organizada 61 No entanto, nenhuma destas ocorrências coloca o sistema do concurso
público em descrédito.
Reconhece-se que o sistema de concurso público é a forma ideal de seleção, por propiciar à
Administração a escolha numa amostra maior de candidatos qualificados para a função e impedir
atos discricionários de nomeação e contratações baseadas em critérios outros que não o
aprimoramento da função; não obstante, ele não é suficiente, por si só, para assegurar a existência
do sistema do mérito, ou para garantir a profissionalização de seus quadros. São necessários, ainda,
instrumentos consistentes de avaliação de desempenho e processos de formação, treinamento e
capacitação.
A eficácia do serviço público depende, em grande medida, do treinamento e capacitação do
pessoal selecionado. Uma vez que o servidor seja recrutado, selecionado e preparado segundo
critérios transparentes, impessoais e científicos para o exercício da missão, a estabilidade é requisito
essencial, mas não suficiente para impedir a evasão dos melhores quadros do setor público para o
setor privado. Avaliação de desempenho, treinamento e capacitação contínuas, associados a um
sistema remuneratório digno, são indispensáveis para assegurar que os bons servidores possam ser
identificados, valorizados e estimulados em sua atividade cotidiana.
No que se refere ao quesito avaliação, merece destaque a existência dos sistemas de avaliação
de desempenho do servidor, em suas três vertentes atualmente previstas na legislação brasileira:
- Avaliação de Desempenho para fins de efetivação no cargo, ao fim do Estágio Probatório
(3 anos);
- Avaliação de Desempenho para fins de progressão e promoção funcional; e
- Avaliação para percepção de Gratificação de Desempenho de Atividade.
Pode-se dizer que, atualmente, todos os servidores públicos passam por algum tipo de
avaliação, para ser confirmado no cargo ou para seu desenvolvimento na Carreira Administrativa.
Quanto à avaliação para fins remuneratórios, quase todos, à exceção dos policiais e dos técnicos
administrativos das Instituições Federais de Ensino Superior, percebem algum tipo de Gratificação
relacionada ao desempenho, todas regidas por normas específicas. Essas gratificações, em sua
maior parte, foram criadas como resposta a diversas demandas por atualização dos padrões
remuneratórios, mas limitadas pelo imperativo de conceder revisões gerais e de redução do impacto
dessas revisões na folha de inativos, uma vez que ainda se mantém o dispositivo de paridade ativos-
aposentados. Em que pese esse limite orçamentário-financeiro, as gratificações por desempenho
têm o objetivo de melhorar a qualidade dos serviços mediante o reconhecimento profissional e a
61
A exemplo do que ocorreu, em 2003, em um concurso para Analista de Finanças e Controle, ironicamente, na
Controladoria-Geral da República e, recentemente, em um concurso para agente penitenciário, do Ministério da Justiça,
este coordenado por uma fundação de apoio ligada à Universidade de Brasília. O início das investigações apontaram que,
entre os responsáveis pela fraude, encontra-se um funcionário da Fundação, contratado via terceirização.
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enfrentar pressões políticas desse nível de aberração, clara e insofismavelmente ligadas a esquemas
de corrupção.
Dizer que a profissionalização é o sonho para a França, não para nós, é entregar os pontos
diante de realidade que temos de mudar. Afinal foi possível no Itamaraty, no Banco do Brasil, no
Banco Central, por que não no conjunto do serviço público? É preciso não esquecer que, em
passado não muito distante, era até possível, com dinheiro ou influência, ganhar patente de major ou
coronel da Guarda Nacional e isso também acabou”.
Trata-se, portanto, de questão já suficientemente diagnosticada, e cuja solução se encontra,
mais do que nunca, ao alcance do legislador e dos dirigentes políticos, que deverão, no curto prazo,
estabelecer regra que limite a discricionariedade dos governantes quanto ao provimento dos cargos
comissionados, valendo, mais do que nunca, propor-se que sejam providos exclusivamente por
servidores ocupantes de cargos efetivos do quadro geral do respectivo ente estatal os cargos em
comissão e as funções de confiança de direção superior, limitando-se o livre provimento ao cargo de
primeiro e segundo escalão (Ministro, Secretários e Presidentes de autarquia ou fundação e seus
equivalentes) e seus assessores imediatos.
Além dos princípios constitucionais, de intenção moralizadora, anteriormente mencionados,
vigora desde dezembro de 1990 o art. 117 da Lei nº 8.112, proíbe ao servidor, em seu inciso VIII,
manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente
até o segundo grau civil. Embora dirigido ao servidor público, esta norma tem aplicação em relação
também aos agentes políticos, ou pelo menos deveria pautar a conduta dos dirigentes políticos. No
entanto, na prática, ela tem sido ignorada, tendo, inclusive, o ex-Presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso, mantido por um longo período sua filha, Luciana Cardoso, na condição de
assessora em seu gabinete pessoal no Palácio do Planalto, e o próprio genro, David Zilberstajn, na
direção-geral da Agência Nacional de Petróleo.
Mesmo na ausência de expressa e geral proibição da prática do nepotismo, uma das práticas
que poderiam ser consideradas meritórias, embora de restrito alcance, foi a decisão adotada pelo
Ministro da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, que, em abril de 2000,
proibiu, por meio de portaria, que cargos em comissão no Ministério e no Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária fossem ocupados por parentes de até terceiro grau de servidores
efetivos ou comissionados nesses órgãos. No entanto, somente seis meses depois, em 15 de outubro
de 2000, e após a realização de levantamento em 29 superintendências do INCRA, foram
exonerados 22 servidores que se enquadravam em tais situações e que haviam sido nomeados antes
da portaria. Outros dez servidores pediram exoneração. Foi a primeira demonstração concreta de
uma prática antinepotismo adotada pelo Governo Federal 62 .
No Poder Judiciário Federal e no Ministério Público da União vigoram regras proibitivas do
nepotismo cujo conteúdo é semelhante ao que a Deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP) havia proposto
como regra válida para os três Poderes nas três esferas de governo. O artigo 10 da Lei nº 9.421, de
24 de dezembro de 1996, veda a nomeação ou designação, para cargos em comissão e funções de
confiança, de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos
membros ou juízes vinculados, exceto se for servidor ocupante de cargo de provimento efetivo das
carreiras judiciárias, sendo que, nesse caso, a vedação é restrita à nomeação ou designação para
servir junto ao magistrado que determinar a incompatibilidade. Na verdade, a Lei, que tem
aplicação em todo o Judiciário federal, apenas generalizou uma regra que já constava do Regimento
Interno do STF desde 1989. Contudo, sua validade foi limitada apenas para as nomeações
posteriores à data do início de sua vigência. A mesma regra foi estendida ao MPU pela Lei nº 9.953,
de 4 de janeiro de 2000.
No âmbito dos Estados, as constituições estaduais e leis ordinárias têm tratado do assunto, e
em alguns casos, estabelecido regras mais precisas com vistas a assegurar espaços mínimos à
participação do servidor público na gestão superior e assegurar a democratização dos espaços
decisórios, limitando o uso discricionário dos cargos em comissão.
62
Nepotismo leva o Incra a exonerar 22 servidores. O Globo, 16 de outubro de 2000.
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Em Minas Gerais, a Constituição Estadual disciplina, em seu artigo 23, parágrafo único, a
obrigatoriedade de que, na administração indireta, pelo menos um cargo ou função de confiança de
direção superior seja provido por servidor ou empregado público de carreira da respectiva
instituição. Todavia, em pelo menos um caso o Supremo Tribunal Federal considerou - ainda que
liminarmente - inconstitucional a sujeição do Chefe do Poder Executivo a essa obrigatoriedade,
como demonstra a suspensão do art. 134 da Constituição do Estado de Mato Grosso pela ADIN n.º
282. O dispositivo impugnado achava-se assim redigido: “Art. 134 - Da direção das entidades da
Administração pública indireta e seus respectivos conselhos ou órgãos normativos participarão,
obrigatoriamente, pelo menos um diretor e um conselheiro, representantes dos servidores, eleitos
por estes mediante voto e secreto, dentre filiados de associações e sindicatos da categoria.
Parágrafo Único - No caso do IPEMAT, além do que estabelece o “caput desse artigo, os
servidores públicos do Estado do Mato Grosso, por meio de suas entidades legalmente constituídas
com mais de dois anos de existência e que tenham mais de um mil associados, indicara um diretor e
metade dos membros do Conselho deliberativo e Conselho Fiscal”.
Nesse sentido, merece registro a aprovação, pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio
Grande do Sul, em 1995, da Emenda Constitucional nº 12, vedando a nomeação nos três Poderes de
parentes consangüíneos ou afins até o segundo grau do Governador, do Vice-Governador, do
Procurador-Geral do Estado, dos Secretários de Estado, dos Desembargadores, dos Deputados
Estaduais e membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Estado, além dos
Presidentes e vice-presidentes ou equivalentes de autarquias, fundações e empresas estatais. A
emenda previa também a extinção do provimento dos cargos em comissão providos em desacordo
com a proibição estabelecida, no prazo de trinta dias. Questionada pela própria magistratura
estadual, a Emenda foi objeto de apreciação pelo STF em Ação Direta de Inconstitucionalidade (nº
1.521), tendo sido indeferida liminar pedida pelo Procurador-Geral da República. Na ocasião do
julgamento, assentou o Ministro Celso de Mello que “a concepção republicana de poder mostra-se
absolutamente incompatível com qualquer prática governamental tendente a restaurar a inaceitável
teoria do Estado patrimonial”, e concluía que “o nepotismo, além de refletir um gesto ilegítimo de
dominação patrimonial do Estado, desrespeita os postulados republicanos da igualdade, da
impessoalidade e da moralidade administrativa”. Foi, como destaca Borja, “um duro golpe contra o
nepotismo no Rio Grande do Sul” que, no entanto, ainda não teve repercussões em outros entes da
federação.
No Mato Grosso do Sul, projeto de lei enviado pelo Governador à Assembléia Legislativa do
Estado em 19 de outubro de 2000 previa, em seu art. 75, que “o provimento de cargo sem comissão
de direção, gerência ou de assessoramento e assistência técnica deverá tomar em consideração na
escolha do nomeado a sua afinidade com a posição hierárquica do cargo e a educação formal, a
experiência profissional relevante e a capacidade administrativa exigidas para o exercício das
atribuições do cargo”.
Previa, também, que serão reservados aos servidores ocupantes de cargos de carreira, no
mínimo, trinta por cento dos cargos em comissão criados para atender ao funcionamento de órgãos
e entidades de direito público, integrantes da estrutura organizacional do Poder Executivo. A
iniciativa reveste-se de importância não apenas em vista do seu conteúdo, mas por ter sido o
Governador José Orcírio Miranda (Zeca do PT) acusado, no começo de seu governo, de haver
nomeado mais de 13 parentes para cargos em comissão, os quais foram, a seguir, exonerados de
suas funções, embora em sua maioria fossem militantes partidários com antiga atuação no Estado.
Nos municípios, vem-se manifestando também uma tendência à adoção de regras expressas,
proibindo o nepotismo. No Município de Barbosa (SP), lei municipal foi aprovada pela Câmara de
Vereadores estabelecendo proibição de nomeação de parentes, mesmo concursados, para cargos em
comissão. A lei foi aprovada sessenta dias após a renúncia do prefeito que denunciara a pressão dos
vereadores para empregarem parentes na administração municipal. No entanto, a lei não foi
recebida com entusiasmo: o prefeito em exercício, cuja filha e vários sobrinhos ocupavam cargos na
administração, anunciou que não iria demiti-los.
Em Santos (SP), a Câmara Municipal aprovou, agosto de 2000, projeto de lei complementar,
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de autoria do Prefeito Municipal, proibindo aos vereadores, prefeito e vice contratar parentes para
cargos de assessoria. O projeto foi aprovado por unanimidade, e proíbe também a nomeação de
parentes para cargos de secretário municipal, presidente de fundação e empresas ligadas à
prefeitura. A lei fixou prazo de sessenta dias para que os parentes nomeados fosse exonerados 63 .
No plano internacional, vários países contam com princípios ou normas constitucionais
voltados à proibição do nepotismo. Por exemplo, a Constituição da Colômbia prevê expressamente,
no seu art. 126, que “los servidores públicos no podrán nombrar como empleados a personas con las
cuales tengan parentesco hasta el cuerto grado de consanguinidad, segundo de afinidad, primero
civil, o con quien estén ligados por matrimonio o unión permanente”, vedando-se também a
designação de pessoas vinculadas pelos mesmos laços a servidores públicos competentes para
intervir em sua designação, excetuando-se as nomeações em que se apliquem as regras gerais de
acesso por mérito.
Em março de 2000, também Porto Rico aprovou legislação proibindo o nepotismo. A lei
local vedou a contratação de parentes consangüíneos de até terceiro grau, ou afins de até segundo
grau, de funcionários com poder decisório nos órgãos do governo. A proposta original apresentada
pela Oficina de Ética Gubernamental previa a proibição até o quarto grau, mas emendas
parlamentares tornaram menos rigorosa a proibição, inclusive permitindo que a Oficina de Ética
Gubernamental ou o Comisionado de Asuntos Municipales autorize o emprego de pessoas que,
embora dentro do grau de consangüinidade proibido, sejam consideradas imprescindíveis para o
bom funcionamento do governo ou o bem-estar do serviço público. As proibições também não se
aplicam aos que vierem a adquirir condição de parentesco após a nomeação para o cargo público.
Emenda aprovada pelo Senado também excepcionou da proibição os funcionários de carreira que
tenham ascendido aos cargos em função de processos competitivos em igualdade de condições com
outros candidatos e em que tenha sido observado o sistema do mérito 64 .
A comoção nacional criada em torno da defesa do nepotismo por alguns dos mais altos
dignitários da Nação gerou, como contraponto, a retomada da discussão sobre propostas voltadas a
vedar o nepotismo. Diversas propostas de Emenda à Constituição, algumas aguardando análise há 9
anos, foram finalmente aceitas para tramitarem na Câmara dos Deputados, tendo sido, em maio de
2005, constituída Comissão Especial para o seu exame. A principal delas, de autoria do Deputado
Antonio Carlos Biscaia, do PT-RJ, é na verdade idêntica à proposta apresentada, em 2001, pelo
então Presidente do Partido, Deputado José Dirceu, atualmente Ministro-Chefe da Casa Civil. O seu
conteúdo, moralizador, estabelece princípios claros para impedir que dirigentes públicos utilizem
cargos públicos de forma patrimonial. Veda, no âmbito da administração pública direta e indireta,
inclusive fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, a nomeação ou designação para cargos, empregos ou funções de confiança de direção,
chefia e assessoramento, de cônjuge, companheiro ou parente, consangüíneo ou afim, até o segundo
grau ou por adoção, inclusive, dos respectivos titulares da prerrogativa de nomeação ou de
designação, inclusive por delegação de competência, ou de agente público que esteja diretamente
subordinado a esses titulares. Excetua, apenas, o servidor ocupante de cargo de provimento efetivo
ou emprego permanente no quadro de pessoal do respectivo órgão ou entidade, desde que observada
compatibilidade entre o nível de formação e qualificação do servidor com a função, emprego ou
cargo de confiança a ser exercido, vedado o exercício de cargo, emprego ou função de confiança
subordinado a cônjuge, companheiro ou parente, consangüíneo ou afim, até o segundo grau civil.
Estende-se a sua aplicação, inclusive, a empresas estatais e sociedades de economia mista e
quaisquer pessoas jurídicas que utilizem, arrecadem, guardem, gerenciem ou administrem dinheiros,
bens e valores públicos, como o caso dos Serviços Sociais Autônomos, Organizações Sociais e
outras formas de organização semi-estatal. Aprovada, a regra será aplicada imediatamente, às
nomeações ou designações efetuadas a partir da data de sua promulgação, e, no prazo de noventa
63
Câmara de Santos aprova projeto contra nepotismo. URL Internet
http://www.estadao.com.br/agestado/politica/2000/ago/18/217.htm
64
In URL Internet http://www.estado51.com/2000/Marzo-2000/00-03-28d.htm
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dias deverão ser exonerados os ocupantes de cargos, empregos e funções de confiança cuja
designação ou nomeação esteja em desacordo com o seu conteúdo. Declara, ainda, nulos os atos de
nomeação ou designação praticados em desacordo com os seus mandamentos, importando a sua
desobediência em ato de improbidade administrativa, que tem como pena a perda dos direitos
políticos. Constatada a nomeação ou designação de parentes em situação de fraude à vedação
constitucional proposta, ou com desvio de finalidade, por meio da utilização de cargos subordinados
a outros agentes públicos de nível equivalente ao que determina a vedação, será imediatamente
declarada a sua nulidade por ato da autoridade competente, sem prejuízo das sanções civis e penais
cabíveis, configurando crime de responsabilidade o descumprimento dessa norma.
A conclusão de toda a prática e a discussão sobre práticas anti-corrupção, assim, deixa claro
que, se os Governos estiverem comprometidos com a ética na política e na gestão, poderão agir a
partir de uma liderança política forte, que enfatize e imponha práticas administrativas mais
saudáveis. Além disso, os cidadãos que, muitas vezes, têm dificuldades de proceder além do ponto
inicial da indignação ou organizações civis que igualmente se sentem desorientadas com as
dificuldades inerentes à fiscalização e combate à corrupção poderão unir forças e buscar auxílio,
nos órgãos de controle ou mesmo junto a ONGs que militem na área e que tenham experiência em
desenvolver metodologias e atitudes voltadas ao combate à corrupção.
A tarefa de combater a corrupção, ou qualquer uma de suas práticas correlacionadas, no
Brasil, de um modo geral, não poderá perder de vista o tamanho da economia brasileira, a existência
de 26 estados e cerca de 5.650 municípios, 200 deles bastante grandes ou mesmo colossais, e as
enormes disparidades regionais do país.
O mesmo se aplica em relação ao combate e desencorajamento de práticas nepóticas: o atual
clima existente no país sugere uma tendência à redução da tolerância e condescendência com o
nepotismo e o empreguismo; esse pode ser um momento único para que sejam redobrados esforços
no sentido de aprovação de normas efetivas que estabeleçam restrições à conduta dos agentes
políticos e administradores públicos acostumados à prática do nepotismo. Mas, sem dúvida, sem
que haja aumento do acesso às informações e aperfeiçoamento dos mecanismos institucionais e
sociais de controle, estar-se-á, mais uma vez, resvalando para o mero formalismo, repetindo-se a
situação antes apontada por Lívia Barbosa, em que uma sociedade antimeritocrática convive com
um ordenamento jurídico e institucional que, aparentemente, atende aos requisitos e pressupostos da
implementação do sistema do mérito. É esse, sem dúvida, o desafio para esta geração, e para a
próxima, além do compromisso em manter a vigilância: fortalecer e consolidar, na prática, uma
postura a favor da efetiva profissionalização da função pública no Brasil.
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