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Leitura crítica da comunicação: uma forma diferente de ver os meios de

comunicação

Autoras:
PICHELLI, Katia Regina (jornalista, assessora de comunicação da Embrapa Florestas e
mestranda em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo, Brasil,
katiapichelli@uol.com.br)

BONA, Nívea Canalli (jornalista, especialista em comunicação, professora da Faculdade


Internacional de Curitiba, Brasil, bonanivea@gmail.com)

Grupo de discussão: Como democratizar a comunicação por meio da Educação?

Resumo:
As mensagens veiculadas pelos meios de comunicação social são entendidas de formas
diferentes por cada pessoa e grupo social. Estas mensagens apresentam modelos de
comportamento e padrões de consumo, entre outras técnicas de persuasão, nem sempre
condizentes a questões éticas e de cidadania. Em contraponto, cresce a organização da
sociedade em movimentos sociais que tem atuado de diferentes maneiras. Uma delas é a
cobrança, dos veículos de comunicação, de padrões éticos de atuação. Isso é observado na
Campanha contra a Baixaria na TV ("Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania").
Outros movimentos têm optado por capacitar a população na compreensão das mensagens
veiculadas pelos meios de comunicação para uma posição crítica frente a eles. Um dos
projetos é o Leitura Crítica da Comunicação (LCC). Coordenado pela organização não-
governamental União Cristã Brasileira de Comunicação Social – UCBC, o LCC tem sua
origem histórica em 1970 e, após um período de pouca atividade, foi retomado em 2003. O
presente artigo pretende discutir o funcionamento deste projeto e, principalmente, como seu
objetivo pode colaborar para a democratização da comunicação.

Palavras-chave: comunicação; leitura crítica da comunicação; meios de comunicação;


movimentos sociais

1
As mensagens veiculadas pelos meios de comunicação social são entendidas de
formas diferentes por cada pessoa e grupo social. Estas mensagens apresentam modelos de
comportamento e padrões de consumo, entre outras técnicas de persuasão, nem sempre
condizentes a questões éticas e de cidadania. É necessário que o cidadão saiba “ler” estas
mensagens, que tenha uma posição crítica diante delas.
Mas antes ainda das mensagens, no Brasil existe toda uma problemática sobre a
democratização da comunicação. Quem detém os meios de comunicação, principalmente os
eletrônicos, que invadem cotidianamente nossos lares? Como funciona o sistema de
concessões? O cidadão conhece este lado dos meios de comunicação? Conhece seus
direitos?
Rádios e tevês são concessões estatais, isto é, utilizam um bem público, que é o
espaço eletrônico de transmissão. A Constituição brasileira deixa claro que os direitos sobre
a possibilidade de transmitir qualquer informação por esses meios está diretamente ligada à
responsabilidade de se posicionar como serviço público, como um lugar aberto às
necessidades da população. Infelizmente a história de nosso País mostra que isso está longe
de acontecer na prática. Desde a ditadura militar até hoje, a maioria das concessões
beneficiou quem estava no poder ou quem o apoiava. E o que se constatou desde a abertura
do regime até os dias de hoje foi que pouquíssima coisa mudou em relação a, de fato, a
democratização dos meios. Cavalcanti (1993, p. 41) cita como principais grupos detentores
de meios de comunicação famílias oligárquicas: Abravanel (SBT), Bloch (Manchete),
Civita (Abril), Frias (Folha), Marinho (Globo), Mesquita (O Estado de São Paulo), Saad
(Bandeirantes). A prova de que houve pouca ou nenhuma mudança é que, à exceção da
Rede Manchete, todos os outros grupos continuam da mesma forma, aliás, alguns deles
crescendo cada vez mais.
Além da realidade das concessões dos espaços continuarem sendo realizadas de
maneira desigual e anti-democrática, é preciso analisar como os concessionários têm
utilizado esses espaços. Além de ser necessário construir a sua programação com foco de
atuação social, o meio de comunicação deve ser aberto à contribuição da sociedade,
oferecendo livre acesso à população. O fato é que isso, também, não é realidade. Há uma

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distorção conceitual que acaba sendo fabricada e estimulada pelos próprios meios de
comunicação:
o entendimento dos concessionários e, conseqüentemente, da população em geral, é
de que se eu ‘possuo’ uma rádio, ou TV, faço dela o que quero, digo o que quero e
deixo quem eu quero falar, pois afinal isso é ‘meu’. Dane-se a responsabilidade
social e dane-se o entendimento do que seja um ‘serviço público’”(BIZ &
GUARESCHI, 2005, p. 29)

A estratégia dos meios para monopolizar a opinião pública e alimentar o círculo


vicioso do eu sou dono porque veiculo o que a opinião pública quer ver/ouvir e a opinião
pública ouve/vê o que coloco porque sou dono se dá de diversas formas. Casos de atuação
da imprensa nacional, principalmente, mostram o quanto os veículos têm poder de
destronar líderes, endeusar ou destruir pessoas:
(...) na mídia dos anos 90,(...) dava-se publicidade a cada processo [de denúncias do
ministério público] como se fosse a sentença definitiva, antes mesmo que a outra
parte fosse ouvida. Abolia-se o contraditório, o procurador assumia o papel de juiz e
as acusações não precisavam passar pelo teste da consistência: depois que são
publicadas, o acusado está liminarmente condenado, mesmo que a acusação
posteriormente se mostre infundada (NASSIF, 2003, p. 23)

Mas, a influência dos meios vai além da construção (ou desconstrução) de


personalidades. Seu alcance é muito maior:

A televisão, o cinema e o rádio estabelecem relações agradáveis, envolventes e


sedutoras, que não podem ser explicadas só a partir da sofisticação tecnológica da
indústria cultural, mas mostra a competência dessa indústria em captar anseios e
necessidades, e responder adequadamente através de narrativas dinâmicas, ágeis,
que encontram ressonâncias profundas, afetivas, emotivas, conscientes-
inconscientes no ‘receptor’ (MORAN, 1991, p. 17).

Moran (1991, p. 5) mostra também que existem dimensões positivas em meio a todo
esse caos:
Os meios de comunicação exercem poderosa influência em nossa cultura. Refletem,
recriam e difundem o que se torna importante socialmente tanto ao nível dos
acontecimentos (informação) como do imaginário (ficção). Desempenham também
um importante papel educativo, transformando-se, na prática, numa segunda escola,
paralela à convencional. Os meios são processos eficientes de educação informal,
porque ensinam de forma atraente e voluntária (ninguém é obrigado, ao contrário da
escola) a observar, julgar e agir individual e coletivamente.

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E é justamente por terem também este papel de educação informal que os meios
devem ser vistos com outros olhos. Com olhos críticos, capazes de perceber e separar as
mensagens que realmente valem a pena. Fazer uma leitura crítica da comunicação. Para
Moran (1993, p. 30),
ler é o processo de passar da consciência ingênua, fragmentada, sincrética para uma
visão crítica, totalizante, englobadora. É passar do sentimento para os conceitos.
Passar de uma experiência confusa, ambígua, apoiada no afetivo, na imaginação,
para uma síntese coerente, esclarecedora e significativa.

A questão é a grande dificuldade em interpretar todas as informações que dispomos


pela TV, jornais, rádio e, atualmente, Internet. Podemos dizer que nossa sociedade sofre de
ansiedade da informação. Segundo Wurman (1995, p. 36), “uma edição do The New York
Times em um dia da semana contém mais informação do que o comum dos mortais poderia
receber durante toda a vida na Inglaterra do século XVII”. Ainda segundo Wurman (1995,
p. 38), nossa ansiedade de informação é caracterizada por lermos sem compreender, vermos
sem perceber e ouvirmos sem escutar. Essa quantidade de informações a que somos
submetidos não nos deixa tempo para refletir sobre as mesmas e compreender sua
importância histórica e sua influência em nosso dia-a-dia. Ou seja, precisamos saber
transformar a quantidade de informação em conhecimento, de uma forma crítica.
Mas esta não é uma tarefa fácil, principalmente para aqueles que não conseguem
abstrair das mensagens dos meios de comunicação os textos subliminares, chamados por
Luria (2001) de subtextos. A compreensão do subtexto é que dá realmente sentido à
comunicação. Para Luria (2001, p.189),
a profundidade da ‘leitura’ do texto ou a descoberta de seu subtexto, de seu sentido
interno, pode ser muito diferente e estas diferenças [...] distinguem mais
profundamente um sujeito do outro do que a profundidade na compreensão do
significado externo da comunicação.

Podemos, então, concordar com a afirmação de Moran (1991, p. 9), de que “ler é
perceber e julgar”. E para capacitar a sociedade para esta tão necessária leitura crítica da
comunicação existem em andamento diversas iniciativas, algumas inclusive já com um bom
tempo de caminhada.

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Nos anos de 1980 diversos movimentos opostos à ditadura organizaram-se em
instituições formais e com processo ativo mais ordenado. Começaram, então, a nascer as
Organizações Não Governamentais (ong´s), as associações, as fundações e outras
instituições que têm por objetivo lutar pelos direitos de diversos nichos sociais. Na questão
da comunicação, percebe-se a organização em torno de duas grandes temáticas: projetos de
educação e conscientização social e pressão aos representantes legais.
No âmbito de mobilização popular e pressão para controle e regulamentação
ressalta-se aqui a atuação do Fórum Nacional pela Democratização na Comunicação
(FNDC), que reúne diversas associações dos mais variados segmentos e promove
discussões sobre os vieses da luta pela democratização nos veículos de comunicação. Sua
bandeira é a defesa de políticas públicas de comunicação.
A Campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, é outra iniciativa de pressão social e política.
Sua forma de atuação é a divulgação de uma lista de programas que infringem os direitos
humanos e de seus respectivos patrocinadores. O intuito é, de um lado, esclarecer a
população para não comprar produtos de empresas que financiam programas de conteúdo
apelativo ou que incitam a violência. A outra faceta da campanha é pressionar, via
Congresso Nacional e por meio de ações judiciais, as emissoras e programas que saem dos
limites. A Campanha promove, há três anos, a Semana de Democratização da Comunicação
que, contando com o auxílio de diversas organizações, discute a programação televisiva.
Diversas vitórias têm sido obtidas, tais como mudança de horários de alguns programas e
até mesmo a adesão de empresas à Campanha, como foi o caso das Casas Bahia, que
decidiu não veicular mais comerciais nos intervalos de programas de cunho apelativo.
No caminhar da educação e conscientização para uma leitura mais crítica do que a
mídia vem oferecendo estão as escolas e faculdades, que promovem reflexões e estudos
acerca do que é produzido e publicado pelos meios de comunicação. Há ainda organizações
da sociedade civil que, simultaneamente à pressão exercida no governo e nos meios de
comunicação, fazem o trabalho de esclarecer, conscientizar e traduzir a grupos
populacionais as mensagens recebidas todos os dias. Entre essas organizações podemos

5
citar a TVer, uma instituição civil que trata da responsabilidade social da TV. Entre seus
projetos estão sugestões de emendas e projetos que envolvem a conscientização social.
para os participantes do TVer qualquer tentativa de conscientização sobre cidadania,
problemas de violência, gravidez na adolescência, exploração sexual ou de trabalho
das crianças, desrespeito à mulher, à população negra e às minorias sexuais tem
que, necessariamente, levar em conta a atuação da TV. (http://www.tver.com.br/
acessado em 29/04/05)

Outra instituição que trabalha com a capacitação para uma leitura crítica da
comunicação é a União Cristã Brasileira de Comunicação Social (UCBC), com o projeto
Leitura Crítica da Comunicação.

O que é o LCC e seu histórico


É um projeto criado pela UCBC no início dos anos 1980 e tem como objetivo
possibilitar à sociedade, especialmente aos grupos organizados da sociedade civil –
igrejas, movimentos sociais, escolas etc. – instrumentos acessíveis que permitam
um maior conhecimento de todo o processo da comunicação, seja aquela produzida
e difundida pelos meios de comunicação social ou pelas diferentes instituições
sociais, como a que se faz presente nas próprias estruturas organizacionais
(SUZINA & FAXINA, 2004, p.2).

Para entender melhor o processo que acontece atualmente, é necessário conhecer um


pouco a história do projeto. Apesar de ter sido criado nos anos 1980, o LCC foi gestado nos
anos 1970, quando a UCBC realizava cursos de comunicação de curta duração para
religiosos, movimentos de Igreja e estudantes. Sua metodologia era influenciada pelo
Treinamento Análise Televisão (TAT), considerado moralista. Segundo Suzina & Faxina
(2004, p. 5), “a metodologia do TAT não possuía uma aceitação pacífica, o que rendeu
inúmeros questionamentos e críticas àquele trabalho de análise da comunicação. Foi a partir
disto que a UCBC aproximou-se ainda mais da área acadêmica, buscando contribuições de
universidades, para superar a concepção moralista frente aos fenômenos da comunicação de
massa”.
Em 1979, novos cursos são sistematizados a partir do núcleo de professores da
Faculdade de Comunicação Social do Instituto Metodista de São Bernardo do Campo. Os
assuntos em pauta agora são os impactos dos meios de comunicação, comunicação popular,

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NOMIC (Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação), entre outros. O público-
alvo se amplia, passando a integrar também professores e agentes multiplicadores e seu
formato também é alterado, assumindo um caráter de conferências e debates. O objetivo do
projeto, então, passa a ser
denunciar a manipulação exercida pelos meios massivos e alertar sobre os
responsáveis pelo controle e desvio da informação: o próprio sistema sócio-político-
econômico-cultural vigente no Brasil e, em geral, no mundo. A esses temas,
acrescentava-se um estudo da comunicação cristã e do próprio culto ou liturgia
praticados pelas comunidades evangélicas e católicas (SUZINA & FAXINA, 2004,
p. 6) .

Em 1980 é criado então, formalmente, o projeto LCC 1, em sua primeira formatação.


Até então os cursos eram feitos em São Paulo. A partir de 1982 começam a ganhar o Brasil,
chegando a estados como Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais e Paraná.
Em 1983 o projeto passa por uma revisão teórico metodológica e passam a ter como
público-alvo os movimentos populares, com uma metodologia mais participativa. Segundo
Gomes apud Suzina & Faxina (2004, p. 12),
enquanto antes se propunha fazer, junto com o grupo, uma análise objetiva do
conteúdo e da linguagem, assim como dos interesses ideológicos e do sistema de
produção que estão por trás de um determinado programa, agora se propunha a
trabalhar com grupos que tivessem interesses de classe mais definidos, partindo do
modo como as pessoas subjetivamente percebem os programas e as matérias dos
meios de comunicação de massa. O objetivo passou a ser o de que os próprios
participantes tomassem consciência da contradição entre seus valores e os valores
propostos pela classe dominante2.

Além da leitura crítica, o LCC passa a oferecer cursos práticos de produção em


comunicação, tais como jornalismo, rádio e vídeo e também começa a produzir a coleção
“Para uma leitura crítica...”.
Em 1986 a UCBC realiza o II Seminário Latino-Americano de Educação para a
Televisão. Sobre a importância deste seminário, Suzina & Faxina (2004, p. 8) destacam que
nesse encontro, acentuou-se o deslocamento do pólo do emissor para o receptor e
identificaram-se, como objetivos dos programas de educação para os meios de
1
O projeto foi criado pela nova Diretoria da UCBC como um programa orgânico da instituição. O momento
histórico é importante, pois tal Diretoria foi eleita em um Congresso (Comunicação e Educação Popular) que
contou com a participação de Paulo Freire.
2
GOMES, Pedro Gilberto. “Leitura Crítica da comunicação: um deslocamento necessário”. São Paulo,
Mimeo, 1986, p. 6.

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comunicação, a formação da consciência crítica, o desenvolvimento de uma atitude
“ativa” e a liberação da criatividade grupal. Definiu-se que o fundamento do LCC é
o marco referencial cristão, que postula uma democratização da sociedade e do
papel que cabe à cultura e à comunicação neste processo, além de apontar para a
transformação dos sistemas formais de educação.

Em 1987 surge o primeiro estudo acadêmico3 sobre o programa e também é feito um


encontro para avaliação do LCC. Passa-se a trabalhar com os “cursos de motivação” para
assistência aos grupos já em andamento. O sistema educacional passa a ter importância
também, além dos movimentos populares. Em 1988, os coordenadores e capacitadores
auxiliam a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, a elaborar o texto da
Campanha da Fraternidade, que naquele ano tinha a comunicação como tema. A CNBB
também passa a recomendar o programa oficialmente. Em 1990 o LCC é novamente objeto
de estudo acadêmico4 e, em 1991, passa por nova revisão.
De 1992 a 2002 as atividades continuam a acontecer, mas de forma não-
sistematizada e em pontos isolados. Na UCBC sempre se discutia sua retomada, mas só em
2002 a atividade voltou com força como pauta de trabalho da instituição. Os anos de 2003 a
2004 serviram para reestruturação do programa e busca de apoio institucional e financeiro.
Além dos cursos próprios do programa, os coordenadores e capacitadores do LCC
sempre colaboraram na elaboração e produção de revistas e também participaram de
eventos nacionais e internacionais, difundindo o trabalho realizado e aprendendo com
outras experiências. Outros tantos pesquisadores colaboraram em suas avaliações para a
melhoria do LCC. Para mais informações, ver Suzina & Faxina (2004).
Percebe-se, em sua trajetória, que o LCC em um primeiro momento desenvolveu
atividades para analisar os meios de comunicação e suas mensagens e depois passou a focar
o receptor como sujeito ativo no processo de aprendizagem.

3
Tese de José Manoel Morán (“Educar para a Comunicação, a Análise das Experiências Latino-Americanas de
Leitura Crítica da Comunicação”, ECA/USP)
4
Tese de livre-docência de Ismar de Oliveira Soares (“A Contribuição das Ciências Sociais para a Avaliação
dos Programas de Educação para a Comunicação”, ECA/USP).

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O LCC hoje
O que se propõe, hoje, é a retomada do LCC com as mesmas motivações
trabalhadas anteriormente. Ou seja, a análise através do receptor continua extremamente
atual, pois a interpretação dos conteúdos é feita partindo do ponto de vista único do
receptor, onde seu histórico e conhecimentos têm uma grande influência. Ou seja, a leitura
vem do cotidiano da pessoa. Durante as capacitações, os participantes passam a ler a
comunicação em três momentos: explicitação dos valores do grupo, dos valores dos meios
de comunicação analisados e o processo de comunicação. Isso é feito através da leitura do
produto, da produção e da recepção. É importante ressaltar que isso é feito de forma
bastante prática com a análise de programas de TV e jornais impressos, quando os
participantes são os atores principais da análise, a partir do seu próprio saber. Os
participantes discutem em grupos homogêneos e depois levam suas reflexões para a sessão
plenária, onde têm a oportunidade de compartilhar os pontos de vista de outros grupos:
quando falamos de identificação, na discussão dos valores pessoais, estamos
falando de identidade nominal. Cada pessoa precisa ser tomada como ator
individual da relação com a informação que lhe é transmitida. Na discussão em
grupo, essas identidades nominais opõem-se no processo dialético, que aponta os
valores essenciais do grupo e, mais tarde, vai colocar esses mesmos valores em
discussão com os valores evidenciados pelos meios ou processos de comunicação
(SUZINA & FAXINA, 2004, p. 23).

O que foi acrescentado a esta nova fase do LCC foi uma preocupação com os
valores cristãos, a ética e a cidadania. Ou seja, todas as análises são feitas buscando este
norteamento. Na condução dos trabalhos, procura-se mostrar que fazer uma análise crítica
não é somente encontrar os pontos negativos de um produto cultural, mas também buscar
os aspectos positivos e valorizá-los, evitando assim generalizações tais como “programa X
não presta” ou “tal emissora é contra a cidadania” (tomando o todo por alguma parte
específica). Segundo Moran (1991, p.10), “educação-leitura crítica é um constante ajuste
no sistema de valores, um processo onde se entrelaçam a decodificação (percepção do
mundo) e a valoração (qualificação da percepção), e se misturam decodificação e
avaliação”. Moran (1991, p.17) ainda afirma que “há um processo dialético de querer
seduzir e de deixar-se ou não seduzir”.

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Desta forma, o LCC possui, atualmente, os seguintes objetivos geral e específicos:
Objetivo geral
Possibilitar às pessoas, especialmente lideranças comunitárias, religiosas e sociais,
uma mudança de comportamento na sua relação com os meios e com as diferentes
formas de comunicação presentes em seu cotidiano, por meio de um instrumento
acessível e de fácil manuseio, que facilite a leitura do fenômeno da comunicação e
que lhes permita serem sujeitos de seu próprio aprendizado.

Objetivos específicos
1. Compreender como a dinâmica da comunicação interfere ou não no nosso
desenvolvimento humano pessoal e social, mediante a análise de produtos
culturais ou elementos de comunicação presentes em nosso cotidiano.
2. Compreender a dinâmica dos MCS para, em vez de simplesmente culpá-los
pelas mazelas que ocorrem hoje na sociedade, entendê-los na sua dimensão
integral, como difusores dos modelos de comunicação presentes também no
tecido social e dos desejos coletivos de grande parte da sociedade, e também
como atribuidores de valores a certos padrões de comportamento pessoal e
social, que às vezes reforçam e outras contradizem os valores cristãos, éticos e
de cidadania.
3. Apontar caminhos para que possamos, a partir do exercício da recepção,
transformar os MCS e os próprios processos de comunicação presentes em
nosso cotidiano em instrumentos a serviço da cidadania, da ética, dos valores
cristãos. (SUZINA & FAXINA, 2004, p. 24)

Ao trabalhar com estes objetivos e metodologia, o LCC possibilita a formação de


lideranças comunitárias que serão agentes multiplicadores onde atuam. É como um trabalho
de formiguinha, que aos poucos pode se espalhar e atingir todo o País. Neste primeiro ano
de retorno sistematizado do projeto, já foram realizadas três capacitações de
multiplicadores (Goiânia/GO, Fortaleza/CE, São Paulo/SP), reunindo cerca de 50 pessoas.
Tais capacitações prevêem que os próprios grupos passem a caminhar com as próprias
pernas, ou seja, não é criada uma dependência da instituição para a continuidade das
atividades nas comunidades.
Se, por um lado, muitas campanhas e atividades atualmente procuram realizar
grandes mobilizações em torno da questão dos meios de comunicação, por outro, um
projeto como o LCC procura ir à comunidade, trabalhar diretamente com o cidadão. São
estratégias complementares. O LCC não é algo que apresente resultados efetivos
rapidamente. Talvez resida aí seu maior problema num País em que a democratização da
comunicação anda a passos lentos e em um mundo que exige cada vez mais soluções

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rápidas. Mas, ao aprender a olhar criticamente os meios de comunicação, o cidadão poderá
ser mobilizado a lutar mais por seus direitos, estará mais seguro sobre o que lutar e poderá
efetivamente cumprir seu papel de sujeito ativo da democratização da comunicação.

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Referências Bibliográficas

BIZ, Oswaldo; GUARESCHI, Pedrinho. Mídia e democracia. Porto Alegre/RS: Evangraf,


2005.

CAVALCANTI FILHO, José Paulo (Org.). Informação e Poder: ampla liberdade de


informar x responsabilidade no exercício dessa liberdade. São Paulo/SP: Record, 1993.

LURIA, Alexandr Romanovich. Pensamento e Linguagem. Porto Alegre/RS: Artes


Médicas, 2001.

MORAN, José Manoel. Como ver televisão: leitura crítica dos meios de comunicação. São
Paulo/SP: Ed. Paulinas, 1991.

_________________ Leituras dos meios de comunicação. São Paulo/SP: Pancast Editora,


1993.

NASSIF, Luis. O jornalismo dos anos 90. São Paulo/SP: Futura, 2003.

SUZINA, Ana Cristina; FAXINA, Élson. Programa LCC: leitura crítica da comunicação.
São Paulo/SP: 2004. Documento não publicado. Disponível através de contato com
ucbc@ucbc.org.br

TVER. O que é o TVer. Disponível em <http://www.tver.com.br>. Acesso em: 24/04/2005.

WURMAN, Richard Saul. Ansiedade de informação. São Paulo/SP: Cultura, 1995.

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