Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
○
○
○
○
construtivista
○
○
○
○
The educator and child morality from
○
○
○
○
a constructivist perspective
○
○
○
○
○
○
○
○
Prof. Telma Pileggi Vinha
○
Doutoranda na UNICAMP – Campinas-SP
○
○
Professora da UNICAMP
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○
Telma Pileggi Vinha trata, neste artigo, Telma Pileggi deals in this article
○
e dos educadores, os limites da intervenção educators, the limits to the teacher’s in-
○
○
autônomo, crítico, criativo, responsável e que mous, critical, creative, responsible citi-
○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O que me levou a pesquisar a área da moralidade, a questão da auto-
nomia, foi a minha experiência como coordenadora pedagógica.
Quando eu trabalhava em Itatiba, cidade próxima a Campinas, como coor-
denadora, os professores costumavam me perguntar: “O que eu faço com
aquele aluno que bate nos outros? O que eu faço com aquele que fala pala-
16 vrão o tempo inteiro? E com aquele que não pára um minuto quieto, que
fica correndo pela classe? Eu ponho para pensar e não adianta.”
○
○
Eu também não sabia o que fazer. Sabíamos que não podia gritar, não
○
podia estrangular, mesmo sendo nossa vontade, não podia colocar de casti-
○
○
go, não podia bater. Nós sabíamos o que não fazer, mas não sabíamos quais
○
Evitamos uma ao mesmo tempo, nos sentimos inseguros de como agir diante de um mal
○
○
educação autoritária, mas comportamento de uma criança. Por vezes, os professores sentiam-se muito
○
não sabemos como agir permissivos. Diziam: “Eu converso, converso, converso e não adianta. Não
○
humano que eu quero formar. Que ser humano vocês querem formar? Au-
○
quem diz o que fazer, quando fazer, como começar, quando começar, a
○
É a própria professora
○
ro. É a própria professora que diz para as crianças quando está certo e
○
quando está errado Como é que queremos formar pessoas cooperativas, se um não pode
○
ajudar o outro, porque isso é visto como ‘cola’, como uma coisa negativa?
○
○
Quando escrevem, eles colocam o braço sobre o trabalho para o outro não
○
ver. Como é que eu posso formar pessoas solidárias, se cada um tem que ter
○
○
formar pessoas que saibam decidir, se o professor decide até a hora das
○
crianças irem ao banheiro, decide que atividade vai ser dada, como vai ser
○
○
feita? Como é que eu quero crianças que saibam viver em uma democracia,
○
○
é certo? O que é íntegro, integridade, respeito, o bem, o caráter? Como isso
○
é construído na criança, como a criança aprende isso no dia-a-dia? Ela segue
○
○
exemplos, modelos?
○
Primeiramente, o desenvolvimento moral refere-se ao desenvolvimento
○
○
das crenças, dos valores, das idéias dos sujeitos sobre a noção do certo, do
○
errado, dos juízos. Quando me sinto culpado por uma atitude, estou emitin-
○
do um juízo. Esse julgamento reflete as minhas crenças, os meus valores, a
○
○
noção do que é certo e do que é errado. Da mesma forma quando julgo a
○
ação do outro e a maneira como eu acredito que o outro me vê.
○
A moral refere-se ao
○
Esse é o desenvolvimento moral. A moral se refere ao que eu devo ser,
○
que eu devo ser, como eu
como eu devo agir perante o outro. Como eu devo e não como eu ajo. O
○
devo agir perante o outro
○
estudo da moral, da ética, é como eu devo agir. O mais importante, para
○
Piaget, não são os valores pessoais. O que mais importa para ele é por que
○
○
eu sigo esses valores. Por exemplo, por que eu tenho que ser honesto numa
○
relação com outra pessoa? Por que a sociedade me ensinou e todos cobram
○
○
esse padrão social? Se eu viver em uma sociedade que me ensine que a men-
○
tira, às vezes, é o melhor caminho, então eu posso mentir e tudo bem? Eu
○
○
tenho que ser verdadeiro sempre? Por que isso é importante?
○
Piaget mostra o que vai fazer diferença entre uma moral autônoma –
○
○
quando uma pessoa governa a si mesma, é responsável pelos seus atos, leva
○
em conta o outro antes de tomar uma decisão – e uma moral heterônoma –
○
quando a pessoa é governada pelos outros. É uma pessoa que justifica o que
○
○
ela faz, justifica o que ela sente em nome do outro, do terceiro. “Eu penso Eu penso assim
○
assim porque a vida inteira me ensinaram a agir assim.” porque a vida inteira me
○
○
O que faz diferença entre uma moral heterônoma, em que a moral ensinaram a agir assim.
○
professor depois.
○
○
minadas normas porque elas acreditam que isso é o melhor para elas. Elas
○
○
não seguem essas normas para receber uma recompensa, por medo do olhar
○
É preciso saber que numa relação entre pessoas, se uma começar a falar
○
portante é refletir a respeito de por que seguimos as normas, os nossos valo- a respeito de por que
○
res. É por medo ou para agradar os pais, o diretor, as crianças? seguimos as normas
○
○
Para serem coerentes com isso, os educadores devem estar pensando
por que estão transformando a sala de aula, aderindo ao construtivismo. Se
é porque eu sigo os meus valores e estou me transformando ou se é por uma
recompensa ou uma punição. É isso que vai fazer diferença entre uma mo-
ral autônoma e uma moral heterônoma.
18 A construção da Para a criança, a construção da inteligência se dá a partir da interação
com o meio. O mesmo vale para a moralidade. A construção dos valores, o
○
inteligência se dá a partir
○
da interação com o meio desenvolvimento moral, se dá a partir da interação da criança com pessoas e
○
com o outro.
○
mos histórias infantis – contar que o Pinocchio mentiu e o nariz dele cres-
○
○
O pai ensina a não mentir, mas quando, por exemplo, encontra uma
○
○
morena na padaria, diz para o filho: “não fala para tua mãe que eu encontrei
○
com a fulana”. Ou a mãe bate o carro e diz: “não conta para o teu pai que fui
○
○
eu!”. Ou ainda quando a criança fala a verdade, é punida, mais pelo que ela
○
contou do que por ter falado a verdade. No entanto, para a criança, o senti-
○
○
mento é de que falou a verdade e foi castigada. O que ela está aprendendo?
○
ências que ela está tendo com as pessoas, mostrando que nem sempre ser
○
pequena, uma mentira que é considerada grave é uma mentira em que você
○
considerada grave é uma não pode acreditar. É, por exemplo, você dizer que encontrou um homem
○
mentira em que você não do tamanho de um prédio. Para ela, essa é uma mentira muito grave, por-
○
○
pode acreditar
Revista do Cogeime nº 14 Julho/99
para a criança é mentira. Por outro lado, ela falar que tirou uma nota alta na
○
○
prova, sendo que não tirou, não é uma mentira assim tão séria, porque ela
○
poderia ter tirado mesmo! Como ela poderia ter tirado, é uma mentirinha
○
○
boba.
○
Um adulto que disser que trocou de carro e não trocou cometeu uma
○
○
de tão grande”, as pessoas vão perceber que é um exagero, não é uma men-
○
○
que a criança comeu biscoitos – a lata de biscoito está diminuindo, a boqui-
○
nha da criança está suja. Em vez de afirmar: “você comeu biscoito”, diz: “o
○
○
seu coração está me dizendo que você comeu biscoito.” Ou: “deixa eu olhar
○
nos seus olhos. Você comeu biscoito e está mentindo” Isso é um abuso da
○
○
autoridade do adulto que trata a criança como se fosse transparente. Isso só
○
é possível porque essa criança ainda é pré-operatória, incapaz de tirar a
○
conclusão como o adulto.
○
○
Eles realmente acreditam que são transparentes e que os adultos são
○
mágicos, têm o poder de, olhando dentro dos olhos, ouvindo o coração,
○
○
adivinhar. É diferente se o adulto falar “eu não posso acreditar no que você
○
está me dizendo por causa disso”.
○
○
A primeira atitude do adulto é não abusar da autoridade de adulto, por-
○
que a criança constrói a privacidade com muito custo. É preciso dizer para a É preciso dizer para
○
○
criança o porquê de você não acreditar no que ela está dizendo e mostrar a criança o porquê de
○
onde está a mentira no que ela falou. Explicar quais são as conseqüências da você não acreditar no
○
que ela está dizendo
○
mentira na relação entre duas pessoas.
○
Quando queremos crianças e pessoas sinceras, devemos estar prepara-
○
○
dos para ouvir verdades agradáveis e desagradáveis. Valorizar o fato de a
○
criança ter contado a verdade, mas não deixar de conversar sobre o que ela
○
○
fez. Deixar claro que contar a verdade é algo saudável, e refletir sobre o ato
○
em si.
○
Moralidade envolve uma série de regras e essas regras só existem porque
○
○
na convivência entre as pessoas são necessárias. Com o tempo, a criança vai
○
percebendo as conseqüências do não cumprimento da regra ou da necessi-
○
○
dade dessa regra existir. Na educação, é isso que tem de ser mostrado para ○
as crianças.
○
○
da, ao medo dela ser castigada por Deus, ou por um anjinho que está vendo
○
○
tudo. Ou ainda a uma recompensa. Se ela for boazinha, vai ganhar um sor-
○
nariz crescer, ou deixa de mentir porque a mamãe não gosta que mente, ou
○
porque a mamãe acha feio, ela cresce com medo de descobrirem. O que
○
○
fazia essa criança legitimar a norma de falar a verdade eram coisas que,
○
provavelmente, quando ela crescer já não vai acreditar mais. Haverá situa- Haverá situações em
○
ções em que ela vai mentir e ninguém vai descobrir, o nariz não vai crescer.
○
Ela vai experimentar situações em que a opinião da mãe dela não pesa tanto ninguém vai descobrir
○
O que fazia a criança legitimar a norma já não existe mais. Ela não tem
○
mais porque cumprir. Por isso é importante associar uma regra a um bem-
○
○
professor finge que não vê, ele está passando uma mensagem de que, nessa
○
rar um adulto. O melhor seria interferir para revalidar a regra e deixar cla-
○
ro: “aqui nesta escola, as pessoas não devem se agridir. Vamos ver o que está
○
Diante do mesmo Diante do mesmo conflito, o adulto pode ter respostas diferentes e, de
○
qualquer maneira, ele está ensinando a moralidade nesse dia-a-dia. Com cada
○
respostas diferentes e resposta que ele dá, ou com as que ele não dá, a moralidade e a ética são
○
ensina a moralidade no abordadas. Por isso é um tema transversal. A moralidade vai se dando a partir
○
○
dia-a-dia daquelas situações do cotidiano do professor, do pai, das crianças com as cri-
○
Cada ato do relacionamento com o aluno serve para algo e faz parte da
○
cador tem que perceber que está trabalhando a moralidade, por isso que é um
○
tema transversal. Vamos supor que duas crianças estejam brigando por causa de
○
○
um balanço. O professor pode fingir que não está vendo. Ou pode ir lá e dizer:
○
“Cada um balança dois minutos e eu vou ficar marcando.” Ou ele pode chegar
○
○
resolver isso? Como vamos fazer para que todos usem o balanço?”
○
○
uma conclusão.
○
O que as crianças O que as crianças podem fazer na sala, com relação aos limites, às nor-
○
○
podem fazer na sala é mas, é justamente elaborar as regras. Há normas que são necessárias, não
○
justamente elaborar as são negociadas. Por exemplo, não é permitido bater. É uma regra que não
○
regras
○
Nas salas de aula existem dois tipos de regras. As regras necessárias são
○
as regras de boa saúde, de boa educação. São regras que não se negocia. A
○
○
criança não pode escolher se ela quer ir na escola ou não. Este tipo de esco-
○
○
bém com quem estiver incomodado.
○
É muito comum acontecer uma visão reducionista da teoria de Piaget, É muito comum
○
acontecer uma visão
○
quando as escolas acham que a criança pequena pode escolher qual a san-
○
ção ou castigo que vai ser dado à criança que está aprontando alguma coisa. reducionista da teoria de
○
Piaget
○
Crianças de seis anos são egocêntricas e incapazes de coordenar pontos de
○
vista diferentes, de se colocar no lugar do outro. Elas escolhem os castigos
○
da maneira mais severa, que é a idéia que elas têm de justiça. Para elas, é
○
○
justo pagar o preço sofrendo, para ser perdoado e aceito no grupo, restabe-
○
lecendo o elo que foi rompido.
○
○
Nesses casos, não se pode passar a autoridade da escolha de sanção para
○
a criança, mas sim elaborar a regra com eles. Um problema é colocado,
○
○
discutido e decidido pelo grupo, resultando numa regra. Mas não se combi-
○
na com as crianças o que fazer com quem não segue a regra, porque isso é
○
○
um problema do professor, que tem que ser bem preparado para saber qual
○
é a sanção mais justa, com o aluno.
○
○
A criança tem uma interpretação de regra rígida, ao pé da letra. Ela não
○
percebe que cada caso é um caso. Ela não tem essa noção de justiça. É um É um erro acharmos
○
que as crianças podem
○
erro acharmos que as crianças podem escolher qual é a sanção mais justa.
○
Quando pregamos a intervenção e a não intervenção, trata-se de uma inter- escolher qual é a sanção
○
mais justa
○
venção adequada, porque o professor desempenha uma autoridade na clas-
○
se. Até saber, inclusive, até onde as crianças podem ir.
○
A moralidade é um tema transversal porque, quer o professor queira,
○
○
quer não queira, está trabalhando a moral. O problema é que a maioria
○
das escolas trabalham a moralidade não em direção à autonomia e sim à
○
○
manutenção da heteronomia. Toda escola – de Educação Infantil, Ensi- ○
autonomia.
○
○
a torneira fica aberta, ele está trabalhando o tema transversal meio ambien-
○
○
valores constantemente. Qualquer professor transmite valores e regras nos li- mensagens e valores
○
vros didáticos, na organização institucional. Para cada regra da escola, temos de constantemente
○
○
pensar se ela é realmente necessária, se está prejudicando a aprendizagem e o
desenvolvimento da criança. Tudo tem que ter um sentido de existir.
Outro aspecto refere-se a como o conteúdo é trabalhado. Se queremos
Não ensinamos “pessoas críticas”, não ensinamos história com uma visão única, dando a
história com uma visão crítica pronta. É preciso que eles comparem diferentes autores sobre histó-
22 única, dando a crítica ria e discutam. Para ensinar o lógico-matemático, é preciso dar oportunida-
○
resolver por si mesmos, assim o educador deixa claro que a verdade vem da
○
○
cabeça do professor. Assim, o que os alunos têm de fazer, mesmo que eles
○
Avaliação
○
○
vão ver na hora da prova, vou dar uma prova surpresa”. Portanto, na avalia-
○
do trabalhada a moralidade.
○
la, que não tem esse direito e o professor não pode permitir esse tipo de
○
ça aprende muito por imitação, que é inconsciente. O modelo tem que ser
○
exemplar porque a criança não vai aprender o que é falado, mas com os
○
○
atos de quem fala. Por isso, é fundamental que haja coerência no modo de
○
respeito. Para aprender a falar baixo, é preciso que se fale baixo com ela. Se
○
O educador é um
○
fala do que pelo que é peitar também e, na hora da merenda, entrar na fila, e se quer que eles
○
falado
○
O modelo tem que ser exemplar e isso é fundamental. A criança não vai
○
○
curso e técnicas em cima de dilemas, e não construir na classe um ambiente
○
em que tudo isso está presente.
○
○
A preocupação deve ser construir esse ambiente, em que as crianças Favorecer que a
○
interajam, pautado pelo respeito, sem coerção ou pressão. Favorecer que a criança tome pequenas
○
decisões e assuma
○
criança tome pequenas decisões e assuma responsabilidades. Ela estará cons-
○
truindo esse conhecimento e o professor também estará trabalhando com responsabilidades
○
temas específicos, como os direitos.
○
○
Na verdade, a construção da personalidade moral vai se dar a partir da
○
interação com os diversos ambientes: família, escola, amigos, meios de co-
○
○
municação, etc. Cada um tem um peso. Na primeira infância, até os quatro
○
anos, a família tem uma peso muito grande. A interação com esses vários
○
○
ambientes é que vai formando o desenvolvimento moral da criança.
○
Na realidade, o que faz uma criança desenvolver mais ou menos a sua
○
○
moralidade e a sua autonomia, é justamente o convívio, se ela está interagindo
○
num ambiente autoritário ou democrático. Mas a concepção de autoritário
○
○
não é apenas o “não”. Em um ambiente em que tudo é não, é natural que a
○
criança tenha mais dificuldades de tomar decisões para assumir responsabi-
○
○
lidades e ficar com medo de punições. Mas no construtivismo, o autoritário
○
não é só esse ambiente. Autoritário também
○
é o ambiente em que a
○
Autoritário é o que o adulto faz pela criança que ela pode fazer por si mes-
○
ma. Autoritário é quando o professor está ensinando ou instruindo algo que a criança não pode realizar
○
pequenas tarefas por si
criança pode descobrir ou reinventar a partir de situações que ele vai colocan-
○
mesma
○
do, para que ela reinvente, para que ela descubra. Autoritário, é aquele profes-
○
sor que coloca as normas, que diz o que é melhor para a crinaça. É o professor
○
○
que não permite que as crianças interajam, que elas troquem idéias. Autoritário ○
Eu brinco que “atire a primeira pedra quem nunca tiver pecado”, por-
○
○
babá, podem estar prejudicando ainda mais as crianças, porque muitas ve-
○
zes a babá tira a roupa, dá o banho, escolhe a roupa, põe a roupa, abotoa,
○
○
boca, põe na frente da televisão, coisas que a criança poderia fazer sozinha.
○
○
É o ambiente em
aquele ambiente em que a criança planeja junto com o professor quais ativi-
○
dades vão ter naquele dia. Ela vai tomar decisões, escolher, dentre as opções os cantinhos, pegam os
○
O professor evita
○
aquilo que ela pode fazer A criança pequena não pode tomar grandes decisões. Por exemplo,
○
○
por si mesma. Em casa é não cabe à criança escolher em que escola quer estudar, nem se ela
○
a mesma coisa quer sair numa noite fria com casaco ou não. Isso ela não pode decidir.
○
○
Mas ela pode decidir com qual casaco ela quer sair, se ela quer com o
○
vermelho, com o roxo ou com o amarelo. Ela pode decidir, por exem-
○
plo na escola, se ela quer entrar com a mãe ou se prefere entrar sozi-
○
○
nha. Ela não vai escolher se ela vai trabalhar ou não no dia, mas ela
○
A criança pequena
○
não toma qualquer democrático, não toma qualquer decisão, mas está tomando pequenas
○
tomando pequenas Em virtude da educação autoritária que nós tivemos, hoje em dia, diante
○
decisões o tempo inteiro de desafios, morremos de medo de errar. Quando alguém pede para a pes-
○
○
soa falar em público, ela treme na base. Para tomar decisões, justificamos o
○
nosso agir em nome do outro: “Ah, mas fulano falou que era para eu fazer
○
○
assim”, ou: “eu reagi assim porque o porteiro foi mal educado comigo”, mas
○
Justamente pelo fruto dessa educação é que nós somos assim hoje. O
○
Exige pessoas que pensem por si mesmas, que tomem decisões, criativas,
○
que estejam sempre se atualizando. A escola está formando pessoas que não
○
○
O Piaget diz que as O Piaget diz que as pessoas verdadeiramente autônomas são raras. É
○
pessoas verdadeiramente claro, a vida inteira vivemos em um ambiente autoritário, quando não era a
○
○
autônomas são raras escola, era mãe, o pai que diziam que tinha que obedecer, que é o pai quem
○
manda.
○
○
pais foram autoritários, minha escola usava castigo e, se não fosse por
○
○
isso, eu não seria a pessoa que eu sou hoje.” E o Hill responde assim para
○
ele: “olha, eu não conheço o senhor, mas quem disse que o senhor não
○
○
Revista do Cogeime nº 14 Julho/99
poderia ser uma pessoa melhor do que é hoje?!”. Temos que argumentar
○
isso com os pais, mostrando que o mundo está mudando. Nós somos
○
○
vez melhores.
○
○
Para chegar à disso para se sentir amada, protegida. Para chegar à autonomia, ela precisa
○
primeiro dos limites colocados pelo adulto. Depois ela irá construindo os
○
○
uma recomendação dos adultos. Por exemplo, se a criança vai colocar a
○
mão na tomada, a mãe diz assim: “não pode!”. Ela sabe que lá não é para
○
○
mexer, tanto que mexe escondido ou mexe e olha para a mãe. Isso porque
○
essa criança aceita interiormente aquela recomendação. Ela sabe que não é
○
○
para mexer e se ela for flagrada mexendo, fica constrangida, perturbada,
○
porque sabe que fez algo errado.
○
O Piaget perguntou: “por que as crianças, em uma idade tão pequena,
○
○
em que tudo é brincadeira, tudo é espontaneidade, por que essas crianças
○
aceitam o que os adultos falam? Por que elas simplesmente não ignoram?.
○
○
Ele descobriu que para a criança ter esse sentimento de aceitação interi-
○
or a uma norma, a uma regra, é preciso que haja duas condições simultâne-
○
○
as. Primeiro essa criança precisa estar acostumada a receber normas e reco-
○
mendações que são comuns, como não mexer na tomada, não atravessar a
○
○
rua sozinha, não brincar com faca. Estar acostumada primeiro a receber
○
limites, receber normas.
○
○
O segundo fator que faz com que essa criança apresente esse sentimen-
○
to de obrigação é que ela só vai ter aceitação interior a uma regra quando
○
○
essa norma parta de uma pessoa que ela respeita. Ela só tem aceitação inte-
○
rior a uma norma se essa norma vem de uma pessoa que ao mesmo tempo
○
○
ela ame e tema.
○
Será que só o amor é suficiente para causar sentimento de obrigação? O segundo fator que
○
Não. Por exemplo, ela ama o irmão mais velho e não tem essa aceitação faz com que essa criança
○
○
interior de uma regra posta por um irmão ou uma irmã. apresente esse sentimen
○
A criança tem medo de uma pessoa estranha, tanto que se esconde atrás
○
○
da perna da mãe. Mas a recomendação de um estranho, a ordem de um ○
estranho, não faz com que uma criança sinta-se obrigada a isso. O medo de
○
○
uma pessoa só coage, a criança não faz enquanto ela sente medo. Depois
○
que a pessoa que causa o medo sai, ela está livre para agir. Então o medo
○
○
Esse primeiro respeito, Piaget chama de respeito unilateral. É o respeito O respeito unilateral
○
de um lado só, que a criança tem pelo adulto. A criança vê o adulto como o
○
chamada de moral
Revista do Cogeime nº 14 Julho/99
mais forte, como aquele que sabe mais. Então esse respeito é uma relação
○
heterônoma
○
A criança vê o professor como aquele que sabe mais. Entre os colegas, elas
○
discutem, mas se o professor falar: “é isso, tá errado.”, elas não vão questionar.
○
Moral heterônoma
○
○
de ser punida, de ser censurada, leva a uma moral que é chamada de moral
○
plo de moral heterônoma é que a criança justifica uma regra, uma norma,
○
○
As crianças têm uma idéia do adulto como se este fosse mágico, como se
○
○
relação de igual para igual, que são as relações de respeito mútuo, relações
○
Mas, e o adulto tem aceitação interior ao que a criança fala? Não. Muitas
○
○
No respeito mútuo, vezes nem aceitamos o que a criança fala. No respeito mútuo, não existe mais
○
não existe mais a presença a presença da autoridade. A legalidade, quer dizer, o que é legal, o que é
○
da autoridade
○
temor? Nas relações de respeito mútuo também existem amor e temor. Mas o
○
temor nesse caso é o medo de eu decair aos olhos dos outros, não é mais o
○
○
ma, mas considerando sempre o outro por vontade própria. Não é simples-
○
○
Moral autônoma é dizer assim: “eu estou trabalhando com Piaget por-
○
que eu estudei e concordo com as idéias. Não porque ele falou e eu falo
○
○
A criança pequena A criança pequena não consegue ver o adulto como igual, mas quem ela
○
não consegue ver o consegue tratar como igual? Os colegas. Para a criança chegar à autonomia,
○
ela precisa ter relações de respeito mútuo. Para isso, ela precisa conviver
○
No entanto, a escola põe uma carteira atrás da outra e não permite que as
○
○
crianças troquem idéias. Se elas não tiverem essas relações em que vão dis-
cutir e resolver os conflitos, trocando idéias, percebendo que os pontos de
vista são diferentes, dificilmente vão chegar à autonomia.
Na escola tradicional, só durante o recreio é permitido que as crianças
troquem idéias. Assim, as crianças vão continuar heterônomas e se tornarão
adultos heterônomos. 27
○
Um princípio básico da teoria Piagetiana é a interação social. Para che-
○
gar à autonomia moral e intelectual, tem que haver duas coisas: a ação do
○
○
objeto sobre o conhecimento e a interação social.
○
É preciso colocar situações em que as crianças vão interagir socialmen-
○
○
te. Mesmo quando cada criança faz o próprio desenho, o professor vai olhar
○
para ela e conversar com ela. Quatro crianças em cada cantinho porque é
○
um número que favorece essa interação social. Grupos de seis ou sete propi-
○
○
ciam a formação de “panelinhas”, não havendo interação com todos. Tem
○
de haver um motivo para o que está acontecendo. As decisões pedagógicas
○
As decisões
○
têm de ser fundamentadas numa teoria científica. É fundamental saber por- pedagógicas têm de ser
○
que fazer dessa maneira e não de outra, porque dessa maneira eu desenvol- fundamentadas numa
○
○
vo melhor a autonomia, daquela maneira não. As decisões têm de sair do teoria científica
○
senso comum entre os profissionais da educação.
○
○
○
○
Os limites
○
○
Está acontecendo que os limites estão se ampliando muito. Nenhuma
○
○
criança gosta de limites, nenhum ser humano gosta. É natural e é saudável
○
que a criança teste os limites, porque quando ela testa os limites, ela está
○
○
testando a validade dos mesmos, se são necessários. Mas quando a mãe ame-
○
aça e chega na hora e não cumpre, a criança vai perdendo o temor que ela
○
tem naturalmente pelo adulto. Ela sabe que não vai acontecer nada com a
○
○
mãe, que a mãe não vai fazer nada, e os limites vão se ampliando.
○
Os limites situam a criança no espaço social: “até aqui eu posso ir. Aqui
○
○
eu estou invadindo o espaço do outro”. É fundamental que o adulto vá ○
mostrando o limite: “até aqui você pode ir, aqui o espaço é meu.”
○
○
sem limites, é terrível para o professor. Mas para a criança, talvez seja a
○
○
fazer com os professores o que ela faz em casa. Se em casa ela se joga
○
ela for frustrada na escola, ela se jogue no chão para conseguir a mes-
○
ma coisa do professor.
○
○
Mas a resposta que os educadores vão dar será diferente diante do mes-
○
mo ato, e isso é saudável. Se a criança não tem esses limites, o fato de o É natural e saudável
○
professor dar uma resposta adequada vai faze-la perceber algo e, talvez, seja que a criança teste os
○
limites, testando a
○
validade e a necessidade
mento do respeito ao outro.
○
dos mesmos
○
pai, a situação piora, porque essa criança decaiu mais ainda aos olhos do pai
○
e a relação entre eles piora. Só devemos levar o problema para o pai quando
○
○
Aprendendo a sentir
○
○
○
O limite da moral Quando nós estudamos ética, o limite da moral são os atos e não os
○
são os atos e não os sentimentos. Todo sentimento é permitido, é aceito, não existe senti-
○
sentimentos
○
mento bom ou ruim. Faz parte da natureza humana sentir raiva, sentir
○
inveja, sentir amor, sentir ódio, sentir carinho. Mas o problema é que os
○
○
atos são limitados. Eu posso desejar muito um homem, mas eu não posso
○
vou te matar.
○
Para lidar com a criança, nós devemos deixar claro que o problema está
○
○
tura de amor e temor de decair aos olhos do outro. Assim, o primeiro passo
○
○
Se não for criado um vínculo de afeto com a criança, não vai existir o amor
○
Se isso não ocorrer, aceitação interior. É preciso, para modificar uma criança, para trabalhar
○
nada do que for falado com ela, para auxiliá-la, que ela goste do adulto. Se isso não ocorrer, nada
○
○
vai ter efeito, a não ser do que for falado ou tentado com essa criança vai ter efeito, a não ser re-
○
um aluno de seis anos que falava muito palavrão. A professora foi conversar
○
com a mãe, que argumentou: “ele fala a mesma coisa para mim?! Eu não sei
○
○
o que fazer com esse moleque! Ele é um boca suja!” E aí começou a desfiar
○
Tudo o que a professora Tudo o que a professora tentou trabalhar com a criança não teve efeito.
○
Então ela começou a se aproximar da criança. Sentava com ele, jogava com
○
criança não teve efeito. ele. Quando ele fazia coisa legal, ela mostrava que tinha notado a atitude.
○
○
Fazia atividades individuais, como contar uma história e falava: “olha, eu li
essa história e lembrei de você.” Foi se aproximando da criança. Um dia, de- Um dia, depois de
pois de um ou dois meses desse trabalho, ele falou um palavrão para ela. Ela um ou dois meses desse
simplesmente disse: “eu não gosto quando você me trata com palavrões. Eu trabalho, ele falou um
palavrão para ela
não te trato com palavrões”. Ele respondeu: “mas eu falo assim com a minha
mãe.” E ela: “Mas eu não sou sua mãe” e saiu de perto, não falou mais nada. 29
○
Essa criança nunca mais falou palavrão com a professora. A diferença é
○
que agora ele gostava dela, ele não queria decair aos olhos dela. É muito
○
○
comum que, quando eu recebo uma criança, vem com a “ficha criminal” e
○
já se espera o pior dela.
○
○
Nós brincamos que sempre quem fica com a pior é o bonzinho, porque,
○
em função do “terrível”, paramos a roda diversas vezes, no recreio estamos
○
atrás dele e até durante a noite pensamos nele. Ele acaba recebendo mais
○
○
atenções pelo comportamento negativo.
○
Se você espera o pior dele, você envia mensagens que é isso que você
○
○
espera. Quando você olha e diz assim: “só podia ser você, estava demoran-
○
do”, ou mesmo: “quantas vezes eu vou ter que te falar a mesma coisa. Será
○
○
que você nunca vai aprender”, você passa mensagens como se esperasse isso
○
dele. É natural que essa criança não modifique o comportamento, porque É natural que essa
○
criança não modifique o
○
ele já decaiu aos seus olhos, então, por que mudar?
○
comportamento
O Yves De La Taille tem um trabalho muito interessante em que ele con-
○
○
tou para crianças, desde cinco, seis anos até 14, 15 anos, duas histórias. Na
○
primeira história ele dizia que em uma classe, um livro que pertencia a todos
○
○
foi furtado e que a professora descobriu quem foi. Quando ela descobriu, ela
○
tinha duas opções: deixar quem roubou o livro sem recreio, ou contar para
○
○
todo mundo que havia sido ele quem roubou o livro. O Yves perguntava às
○
crianças o que elas achavam que era melhor a professora fazer e por que.
○
Metade das crianças de cinco anos, por causa do egocentrismo, afirmou
○
○
que era para deixar sem recreio. A outra metade disse que podia contar para
○
todo mundo. A partir dos sete anos de idade, a maioria das crianças afirmou
○
○
que não era para contar para todo mundo, que era melhor deixar sem re- ○
creio, porque elas ficavam com vergonha do que os outros iam pensar.
○
○
Depois de um tempo, o Yves contou outra história. Ele disse que numa
○
classe a professora decidiu deixar esse aluno sem recreio e numa outra clas-
○
○
se, onde aconteceu a mesma coisa, ela decidiu que ia contar para todo o
○
mundo e contou para todos quem foi o menino que roubou o livro. Em
○
○
uma das duas classes, um livro voltou a sumir. Em qual classe eles achavam
○
que a criança tinha roubado – a que ficou sem recreio ou a que contou para
○
○
“voltou a roubar naquela que contou para todo o mundo, porque ela já
○
○
terrível, como difícil, como preguiçosa e eu passo mensagens, ela não vai
○
○
mudar porque ela já decaiu aos meus olhos. Eu mudo quando não quero
○
Se eu já estou danada
○
Se eu já estou danada aos olhos do outro, para que eu vou mudar? Se ele já aos olhos do outro, para
○
não me acha grande coisa, por que eu vou ser grande coisa?
○
Linguagem de educador
○
○
pessoas, relações de respeito lateral. Por exemplo, cada vez que a criança
○
“não se fala assim com a mamãe, porque o papai não quer que faça assim”,
○
justifica-se uma norma, uma conduta, com base no que a autoridade acha.
○
○
Cada vez que você está associando o que a criança faz ao castigo, você está
○
Isso pode ocorrer no Isso pode ocorrer no casamento e até na relação que o professor man-
○
casamento e até na relação tém com o coordenador. Se o professor obedece e diz: “eu estou trabalhan-
○
vencido, está estudando que é por aí, de estar fazendo porque uma autori-
○
também senta no chão, ele se abaixa para conversar com elas, ele procura
○
usar um tom de voz que não seja elevado. O professor quer que as regras
○
○
Tratar uma criança com respeito mútuo, mesmo que ela ainda não
○
○
consiga tratar o professor com respeito mútuo, vai muito mais longe. Por
○
lá, pede desculpas para o seu amigo, dá o dedinho para o seu amigo.”
○
ele, qual o adulto que vai dizer: “vai lá, pede desculpas e dá um abraço
○
no seu namorado”?
○
○
É preciso ter com a criança o mesmo respeito com que se trata um adul- É preciso ter com a
to. Quem falaria para um adulto, a respeito de uma terceira pessoa presen- criança o mesmo respeito
te: “não liga não, ela está querendo aparecer mesmo”? Mas falamos isso da com que se trata um adulto
criança para uma visita.
Quanto ao pedido de desculpas, só é válido quando é sincero, quando a Quanto ao pedido de
criança está realmente arrependida do que fez. Esse desejo de desculpa tem desculpas, só é válido 31
○
que ser um desejo interno dela, não por solicitação externa. O que pode- quando é sincero
○
mos fazer é deixar claro para a criança, porque as crianças aprendem a pe-
○
○
dir desculpas para se livrar do problema. Elas batem no colega e depois
○
falam: “mas eu já pedi desculpas”.
○
○
Nós temos culpa nisso, porque quando elas brigam, dizemos: “pede des-
○
culpas para o seu amigo.” A criança vai aprendendo que pode ficar livre dos
○
○
problemas dessa maneira. Ao invés de fazer isso, quando uma criança pede
○
desculpas, temos que sentar com ela e falar: “o pedido de desculpas quer
○
○
dizer que você está realmente sentido, arrependido do que você fez. É isso
○
que você está sentindo? Pedido de desculpas significa modificar, significa
○
○
que você não está querendo mais fazer o que fez. É isso que você quer di-
○
zer?”
○
○
Também é necessário ensinar à criança as conseqüências dos seus atos.
○
Nós temos que tratar a criança com o mesmo respeito que dedicamos aos
○
○
adultos. Não xingamos um adulto, não humilhamos, não colocamos de cas-
○
tigo um adulto. O que fazemos, com os adultos, é permitir que sintam as
○
○
conseqüências dos atos, repararem o erro. É assim que devemos trabalhar
○
com as crianças.
○
○
Em um ambiente de respeito mútuo, as regras e os limites são necessári- Em um ambiente de
○
os. Piaget mostra que a criança é heterônoma. Ela é naturalmente governa- respeito mútuo, as regras e
○
○
da pelos adultos e vai precisar de limites. Mas quando as crianças são peque- os limites são necessários
○
nininhas, elas precisam de limites necessários. Conforme vão crescendo, os
○
○
limites podem ir se ampliando. Os limites são negociáveis, são combinados
○
com ela.
○
○
Por exemplo, o pequeno não vai decidir se vai pôr casaco no dia frio. ○
Mas com o adolescente, não há porque brigar se ele quiser sair de camiseta
○
○
Brigamos com os adolescentes por tudo. Por causa do cabelo, pela ba-
○
○
gunça do quarto, pela chave do carro, porque não come direito, porque sai
○
sem casaco, porque a calça dele é rasgada. Como brigamos por tudo, coisas
○
○
importante, vale a pena eu brigar por isso? Se não valer a pena vocês briga-
○
A característica de uma regra é justamente a regularidade. Isso sig- Isso significa que
○
nifica que ela tem que servir para diversas situações. Se ora ela é cum- ela tem que servir para
○
○
prida, ora não é cumprida, não tem porque existir essa norma. A regra diversas situações
○
rística dessa regra é que ela tem que ser cumprida sempre, ela tem que
○
fora e ele quer sair de camiseta, se ele comeu ou não comeu. Ele já sabe
○
○
tudo isso. Mas vale a pena brigar pela chave do carro, se a regra for que
○
antes dos dezoito anos não se dirige, e não abrir mão disso, deixando muito
○
○
paço. Pode ser que no quarto dele fique bagunçado, mas na sala o espaço é
○
coletivo. Se brigarmos por tudo, esse jovem não saberá aquilo que é real-
○
○
É preciso separar na
○
classe quais são as regras cessárias, que não são combinadas – como não bater, não falar palavrão,
○
necessárias lavar as mãos, escovar dentes. Essas regras são só comunicadas. Por exem-
○
○
o cabelo de alguém: “não se puxa o cabelo das pessoas”; “aqui nessa escola
○
○
sério, mostrar que é para valer, tem que falar pouco. Quanto menos falar,
○
mais será ouvido. A Angie Noil diz isso: para passar autoridade tem que ser
○
○
tem que ser lidado no momento específico. Por exemplo, aconteceu numa
○
disse: “Felipe, para que servem as mesas?! Quantas vezes eu vou ter que falar
○
Mas é preciso usar De repente, ela trabalhou a linguagem e resolveu mudar. Mas é preciso
○
uma linguagem descritiva usar uma linguagem descritiva e só se descreve o que se está vendo. Aí ela
○
○
e só se descreve o que se está falou: “Felipe, as mesas não foram feitas para as pessoas subirem nelas, des-
○
vendo ça.” Em nenhum momento ela agrediu o Felipe, porque em nenhum mo-
○
○
Revista do Cogeime nº 14 Julho/99
O educador de dor, entendeu?” É assim: tem que ser breve. Brincamos que o educador de
○
Educação Infantil tem que falar menos e ouvir mais as crianças. Nós fala-
○
falar menos e ouvir mais mos demais, o tempo inteiro, com as crianças. Às vezes é preciso ouvir
○
○
as, também usar linguagem breve. Por exemplo, tem que lavar a mão na
○
hora da merenda, não interessa se a mão está muito ou pouco suja.
○
○
As regras combinadas são muito mais importantes que as regras necessá-
○
rias. Mas elas têm só dois objetivos: garantir a justiça na classe e organizar os
○
○
trabalhos. Geralmente, logo no início do ano, combinamos as regras. Isso
○
não é adequado, porque a criança precisa ter a necessidade dessa regra exis-
○
tir. Ela precisa sentir a necessidade dessa regra, e se a colocamos no começo
○
○
do ano, antecipamos o processo.
○
Há regras que nós sabemos que são sempre necessárias – não bater, não
○
○
falar alto etc –, mas as crianças não sabem. Elas precisam, num primeiro
○
momento na roda, falarem todas ao mesmo tempo. Quando ninguém esti-
○
○
ver ouvindo, pára para ver o que está acontecendo. “O que é preciso fazer
○
para ouvir o que o fulano está falando?” Diante de um problema sentido Diante de um
○
○
pela criança, comentar e propor soluções. problema sentido pela
○
Mas a solução não é assim: “quem falar alto, acontece tal coisa”. Não se criança, comentar e
○
propor soluções
○
combina regra sanção. Combina-se: “falar um de cada vez.” No começo, nós
○
entrevistamos as crianças para perguntar o que elas achavam das regras. Era
○
○
comum as crianças falarem assim: “regra é tudo o que não se pode fazer”.
○
“Tem regras que podem fazer?” e elas falavam: “não, se pode ser feito, para
○
○
que fazer regra”. Então colocou-se a regra: não gritar. “Ah, então não pode
○
gritar, tem que ficar todo o mundo quieto?”. “Não, tem que falar. Então
○
como tem que falar? Pode falar baixo”. E aí vai se combinando. Mas tem
○
○
regras que não dá. Então vamos dar uma misturada, coisas que podem, coi-
○
sas que não podem ser feitas.
○
○
As regras têm de ser em pequeno número para que os professores façam ○
das passar. Para fazer com que se cumpram, pode ser de uma maneira mui-
○
mente, dizer: “olha, você esqueceu de arrumar o cantinho, vamos lá, num
○
○
Quando a criança percebe que ora a regra é cumprida e ora não é cum- Quando a criança
○
No filme apresentado, uma professora está trabalhando individualmen- cumprida ela vai
○
te com uma criança. Existia uma regra de quando ela estivesse trabalhando continuar tentando
○
individualmente com uma criança ela não seria interrompida. Ela combi-
○
○
ças poderiam vir e conversar com ela. Quando estivesse vermelho, significa-
○
○
va que ela estava conversando com uma criança e era para esperar um
○
trabalhar individualmente
○
Então daqui a pouco eu vou lá”. No começo, ela confessou que fazia com dor
○
Com a ida ao banheiro também é assim. Há classes que têm dois colares,
○
o colar verde e vai ao banheiro. No começo, é claro, eles formam uma fila
○
para ir ao banheiro. Depois isso vai ficando normal. É comum eles irem
○
juntos em três, quatro, no banheiro. Se o professor ora cobra, ora não co-
○
○
bra, deixa passar, vai ser assim o ano inteiro. Se na hora de ir ao cantinho,
○
começar a ir em grupos de cinco, seis, e o professor finge que não vê, ora ele
○
○
Trabalhamos com 30, 32 crianças. Uma média tranqüila na sala. É claro que
○
○
o ideal é ter menos alunos. Acontece que o ideal é termos materiais adequados,
○
esperarmos as condições ideais para trabalhar bem, não iremos trabalhar nun-
○
Observei o trabalho de uma professora que dava aula para crianças de seis
○
desmontavam a classe todos os dias. Cada aluno, durante 15 dias, era responsá-
○
○
Ela e a turma de seis vel por um pedaço da classe. Os cartazes e o varal do do planejamento, mais o
○
anos montavam e material da sucata e o canto da pintura eram por conta da professora. O restan-
○
desmontavam a classe
○
material, levavam para a classe e cada uma fazia a sua parte. Pegavam as
○
○
roda. Depois, na hora dos cantinhos, eles juntavam duas carteiras, quatro
○
○
classe.
○
○
Se crianças de seis anos fazem isso, como é que os mais velhos, de sete,
○
oito, dez ou doze, não podem fazer? Há o exemplo de uma classe em que a
○
○
Isso mostra que o professor. É possível perceber claramente, em uma classe construtivista, que
○
justamente no grupo
○
○
primeiros ciclos, se isso tiver continuidade. Nós percebemos que não há
○
involução, que eles não regridem em um ambiente autoritário.
○
○
Por isso é fundamental que não se façam regras bobas, nem regras que
○
reforcem relações de respeito lateral. Por exemplo: “tem que obedecer a Por isso é
○
○
professora.” Ou “ficar quietos enquanto a professora estiver falando”. Espe- fundamental que não se
○
ra lá, tem que obedecer as regras da classe. Tem que ficar quieto quando façam regras bobas
○
alguém estiver falando. Quando um fala, os outros escutam.
○
○
Também existem regras que vão contra o desenvolvimento da criança,
○
por exemplo: “devem emprestar o brinquedo ao amigo, não falar mentira”.
○
○
São regras feitas para não serem cumpridas. As regras têm que ser muito
○
elaboradas, discutidas com as crianças, em cima de problemas reais.
○
○
○
○
Escola para os pais
○
○
Não tem escola para pais. Nós somos profissionais, estamos estudando
○
○
e nos esforçando para quê? Para nos aperfeiçoarmos cada vez mais. E os
○
pais acabam educando no bom senso. Às vezes, sentem-se culpados por
○
○
trabalhar fora, por não dar atenção, e nos momentos que passam com o
○
filho, confundem o “não” com o desamor. Falar “não” significa que eu não
○
○
amo o meu filho. Ou mesmo para compensar, nessas poucas horas que
○
passam com o filho, não querem frustá-lo de maneira alguma. Sabemos
○
que pequenas frustrações não traumatizam. É importante que a criança
○
○
saiba lidar com a tristeza, com a alegria, com o “não”, porque na vida dela
○
isso vai acontecer.
○
○
É comum, em palestras, às vezes o próprio professor perguntar: “como ○
lidar com uma classe em que a gente não impõe limites porque ama muito as
○
○
Nós podemos trabalhar com esses pais e eles têm nos buscado, porque
○
que seja uma palestra mensal, que os próprios professores estudem, por exem-
○
plo os limites, e montem uma palestra para quem esteja interessado em traba-
○
○
lhar os limites. Se for possível convidar profissionais para dar palestras, ótimo,
○
Mas pode ser com os próprios professores, a cada mês um fica responsável Também é função
○
por um tema, escreve um resumo, manda para os pais, indica livros. Acredito da escola orientar os pais,
○
porque a conseqüência é
○
crianças
○
Vocês já viram crianças brincando com boneca, ou com o colega, de
relação sexual. É porque ela já viu isso. Do mesmo jeito que viu o pai baten-
É importante que do na mãe ou o pai sendo preso. É importante que exista na sala, esse canto
exista na sala, esse canto do jogo simbólico, de faz-de-conta, ou mesmo uma caixa de miniaturas em
do jogo simbólico
que ela possa brincar, para ter um espaço para simbolizar. É perceptível que
36 as crianças, quando estão passando por determinados problemas, escolhem
muito mais o local do jogo simbólico, porque é uma maneira de eles lida-
○
○
conta com a boneca. É preciso dar esse espaço para que ela lide com
○
que sentiu. O professor não deve fingir que não está acontecendo nada,
○
mas até colocar histórias com conflitos e como podemos lidar com eles.
○
○
fale a respeito do que está sentindo, que ela verbalize isso, que ela con-
○
○
verse com o professor e que ela perceba que os sentimentos dela são
○
retamente.
○
Quando uma criança Quando uma criança está presenciando uma situação de violência, é
○
○
está presenciando uma preciso lidar com ela – o que ela está sentindo –, e com os pais também.
○
A nossa atuação na família é até mais limitada. Por mais que converse-
○
mudar, por melhor que seja o nosso trabalho. Mas, apesar disso, o profes-
○
sor tem que trabalhar com a criança sobre o que ela sente nessa situação,
○
○
o que ela pensa, como ela está lidando com essa situação. É o problema do
○
Por isso deve existir o canto do desabafo, o local em que a criança pode
○
O local em que a
○
criança pode desenhar o ver sobre o que ela está sentindo, pode pintar tudo aquilo de preto, rasgar
○
que a está entristecendo em mil pedacinhos e jogar no lixo, pode enviar a carta, enfim, pode expor o
○
○
sem causar danos maiores. Por exemplo, eu posso estar com raiva de al-
○
○
Revista do Cogeime nº 14 Julho/99
guém, mas não posso socá-lo, mas eu posso socar uma almofada, um saco de
○
adulto. Para lidar com a raiva, é preciso que na classe tenha o jogo simbóli-
○
controlar a raiva de uma co, uma caixa de areia com miniaturas onde as crianças podem organizar,
○
criança, ou mesmo de um montar cenários, em que vão lidar com os sentimentos. Se uma criança não
○
○
adulto quiser falar com o grupo, ou falar individualmente com você, que ela possa
○
desenhar como está se sentindo, que possa pintar sobre isso. Isso é estar
○
○
○
criança pequena, o professor falar: “eu gosto muito de você.” Ele tem que
○
abraçar e beijar a criança, o toque é importante. O mesmo vale quando eles
○
○
estão lidando com briga.
○
Havia uma criança de quatro anos que mordia os amigos. A professora
○
○
falou: “você sabia que nessa escola não se morde as pessoas?!” A criança
○
respondeu: “não, não sabia”. A professora disse: “mas agora você fica saben-
○
do”. Mas ela teve uma intervenção inadequada quando afirmou: “olha, você
○
○
pode se morder, mas não se morde os amigos.” Essa criança começou a
○
morder a si mesma, aparecia com mordidas no braço. Ficou clara a necessi-
○
○
dade que essa criança tinha de morder, porque senão ela não estaria mor-
○
dendo a si mesma.
○
○
Em um caso como esse, é preciso deixar determinados objetos para que
○
ela possa morder. Da mesma maneira que deixamos um canto onde ela
○
○
possa socar, que ela possa bater: “Olha, quando você estiver com muita rai-
○
va, você vai ali e morde a boneca. Eu sei que você está bravo, está com raiva,
○
○
mas no seu amigo não se bate.” Não podemos permitir que a criança cause
○
dano aos outros ou a si mesma. Não podemos
○
○
Tem uma fase em que a mordida é normal, por volta dos dois anos, permitir que a criança
○
depois desaparece, dependendo muito do ambiente. Foi engraçado que cause dano aos outros ou
○
a si mesma
○
depois que objetos grandes para morder foram colocados, a menina parou
○
de morder. É preciso deixar também desvios simbólicos para as crianças,
○
para que eles possam se extravasar de alguma forma.
○
○
Agimos de maneira semelhante quando apertamos a bochecha da crian-
○
ça. Conheci uma criança de dois anos que, quando gostava de alguém,
○
○
externava esse sentimentos apertando as duas bochechas. Com um bebê ○
Uma solução muito criativa foi relatada por uma professora simples, que
○
○
nem tinha magistério, lá do Norte. Ela tinha um aluno que chutava muito e ela
○
não sabia o que fazer. O chão da classe era de barro e ela falou para as crianças
○
○
dele. Ele chutou duas vezes e nunca mais, porque doía o pé. A criatividade da
○
○
sentir as conseqüências dos atos, as crianças vão modificando as ações. conseqüências dos atos,
○
○
as crianças vão
○
modificando as ações
○
Recompensas e punições
○
○
troca, quando fala que quem for bonzinho vai ficar no recreio, ele está ma-
○
nipulando para que a criança aja como ele quer. O mesmo ocorre quando
○
○
usa do castigo para que a criança não tenha alguns comportamentos. Nessas
circunstâncias, a criança permanece heterônoma.
Castigo e recompensa funcionam. Quem falar que não funcionam, está
mentindo. O problema é que deixam conseqüências na criança a longo
prazo, como cálculo de risco. A criança fica calculando qual a chance de ela
38 ser flagrada, mentir para escapar de punição.
Piaget diz que quando for necessário tomar uma atitude, o educador
○
○
O educador deve se deve se valer de sanções por reciprocidade. São aquelas sanções que têm
○
valer de sanções por relação direta com aquilo que a criança fez. Por exemplo, as crianças estão
○
○
reciprocidade brincando com um jogo e uma rouba. O que elas fazem? Não vão mais que-
○
Havia uma criança que, no meio do jogo, quando ele via que ia perder,
○
dizia que não queria mais jogar. Foi assim na primeira vez, na segunda os
○
meninos falaram que não queriam mais jogar com ele. É uma decorrência
○
○
natural do ato.
○
O que o Piaget diz é que nós protegemos muito as crianças. Não permi-
○
○
ências dos atos. “Por que será que o grupo não quer mais jogar com você? O
○
○
que você vai fazer para deixar claro que você está disposto a mudar.”
○
a criança de algo que ela está estragando; reparar o dano causado, se ela
○
ança sabe o que pedir para o pai, o que pedir para a mãe, o que um profes-
○
○
sor deixa, o que o outro não deixa. A coerência seria o ideal, mas nem sem-
○
Para adquirir uma Sempre que possível, nas reuniões pedagógicas, todos os profissionais
○
linguagem única, todos os devem participar, desde os zeladores ao professor de química, por exemplo,
○
mesmo que ele ache que não tem nada a ver com o tema. Isso é fundamen-
○
profissionais devem
○
pedagógicas
○
○
○
○
○
○
○
○
Revista do Cogeime nº 14 Julho/99
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○