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SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO INFANTIL

O educador e a moralidade infantil 15


numa perspectiva





construtivista





The educator and child morality from





a constructivist perspective









Prof. Telma Pileggi Vinha


Doutoranda na UNICAMP – Campinas-SP



Professora da UNICAMP





















○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Telma Pileggi Vinha trata, neste artigo, Telma Pileggi deals in this article

Revista do Cogeime nº 14 Julho/99

da questão do desenvolvimento da with the issue of the development of mo-



moralidade, da autonomia e da disciplina rality, autonomy and discipline within


na Educação Infantil. Baseando-se na teoria Child Education. Based on Jean Piaget’s



construtivista de Jean Piaget, a autora constructivist theory, the author covers


abordatemascomooposicionamentodospais issues such as the position of parents and


e dos educadores, os limites da intervenção educators, the limits to the teacher’s in-

do professor e a necessidade de um ambiente tervention, and the need for an appro-


apropriado para a formação de um cidadão priate environment in forming autono-



autônomo, crítico, criativo, responsável e que mous, critical, creative, responsible citi-

saiba conviver com o outro. zens able to coexist with others.



○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O que me levou a pesquisar a área da moralidade, a questão da auto-
nomia, foi a minha experiência como coordenadora pedagógica.
Quando eu trabalhava em Itatiba, cidade próxima a Campinas, como coor-
denadora, os professores costumavam me perguntar: “O que eu faço com
aquele aluno que bate nos outros? O que eu faço com aquele que fala pala-
16 vrão o tempo inteiro? E com aquele que não pára um minuto quieto, que
fica correndo pela classe? Eu ponho para pensar e não adianta.”

Eu também não sabia o que fazer. Sabíamos que não podia gritar, não

podia estrangular, mesmo sendo nossa vontade, não podia colocar de casti-

go, não podia bater. Nós sabíamos o que não fazer, mas não sabíamos quais

procedimentos eram adequados para lidar com essa questão do desenvolvi-



mento da moralidade, da autonomia, da disciplina.


Estudamos um pouco de psicologia, lemos textos, lemos artigos e não


queremos educar como educávamos algumas décadas atrás. Não queremos



repetir um modelo de educação autoritária, como a que nós tivemos. Mas,


Evitamos uma ao mesmo tempo, nos sentimos inseguros de como agir diante de um mal

educação autoritária, mas comportamento de uma criança. Por vezes, os professores sentiam-se muito

não sabemos como agir permissivos. Diziam: “Eu converso, converso, converso e não adianta. Não

diante do mal comporta-


acontece nada. Ele continua da mesma maneira.”


mento de uma criança


Em outros momentos, o professor não se continha e acabava estouran-

do e sentia-se autoritário demais. A nossa preocupação era encontrar o limi-


te da intervenção, de qual o procedimento que está mais coerente com o ser



humano que eu quero formar. Que ser humano vocês querem formar? Au-

tônomo, crítico, criativo, humano, responsável, que saiba conviver com o



outro, cidadão, feliz, inteligente.


Humano, no sentido de pessoa humanizada, merece reflexão. Será que



os nossos procedimentos pedagógicos, aqueles que utilizamos em sala de


aula, são coerentes com esse homem que queremos construir?



Na escola tradicional, o professor também tem esses objetivos belos


e nobres, e realmennte gostaria de estar trabalhando para formar esse


homem. Só que, na sala de aula, uma carteira está atrás da outra e as



crianças não podem se comunicar, conversar. Cada um tem que ter o


seu próprio material, não pode emprestar para o amigo. A professora é



quem diz o que fazer, quando fazer, como começar, quando começar, a

que horas terminar. Ela é quem determina, inclusive, a ida ao banhei-


É a própria professora

ro. É a própria professora que diz para as crianças quando está certo e

que diz para as crianças


quando está errado.

quando está certo e



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quando está errado Como é que queremos formar pessoas cooperativas, se um não pode

ajudar o outro, porque isso é visto como ‘cola’, como uma coisa negativa?

Quando escrevem, eles colocam o braço sobre o trabalho para o outro não

ver. Como é que eu posso formar pessoas solidárias, se cada um tem que ter

o seu, se eu não posso compartilhar os meus materiais, se eu não posso


compartilhar minhas atividades com o meu colega? Como é que eu quero



formar pessoas que saibam decidir, se o professor decide até a hora das

crianças irem ao banheiro, decide que atividade vai ser dada, como vai ser

feita? Como é que eu quero crianças que saibam viver em uma democracia,

conviver com os iguais, se eles não podem conversar?




Há muita incoerência entre o objetivo e os instrumentos utilizados para
atingir esse objetivo. Se o objetivo é formar um ser humano autônomo, cri-
ativo etc, a sala tem que ter um ambiente em que tudo isso seja possível de
acontecer. Essa é apenas uma reflexão inicial. O tema central é a construção O tema central é a
da autonomia, o desenvolvimento moral. construção da autonomia,
O que se entende por moralidade? Qual é a idéia de moralidade? O que o desenvolvimento moral 17


é certo? O que é íntegro, integridade, respeito, o bem, o caráter? Como isso


é construído na criança, como a criança aprende isso no dia-a-dia? Ela segue



exemplos, modelos?


Primeiramente, o desenvolvimento moral refere-se ao desenvolvimento



das crenças, dos valores, das idéias dos sujeitos sobre a noção do certo, do


errado, dos juízos. Quando me sinto culpado por uma atitude, estou emitin-


do um juízo. Esse julgamento reflete as minhas crenças, os meus valores, a



noção do que é certo e do que é errado. Da mesma forma quando julgo a


ação do outro e a maneira como eu acredito que o outro me vê.


A moral refere-se ao


Esse é o desenvolvimento moral. A moral se refere ao que eu devo ser,


que eu devo ser, como eu
como eu devo agir perante o outro. Como eu devo e não como eu ajo. O


devo agir perante o outro


estudo da moral, da ética, é como eu devo agir. O mais importante, para


Piaget, não são os valores pessoais. O que mais importa para ele é por que



eu sigo esses valores. Por exemplo, por que eu tenho que ser honesto numa


relação com outra pessoa? Por que a sociedade me ensinou e todos cobram



esse padrão social? Se eu viver em uma sociedade que me ensine que a men-


tira, às vezes, é o melhor caminho, então eu posso mentir e tudo bem? Eu



tenho que ser verdadeiro sempre? Por que isso é importante?


Piaget mostra o que vai fazer diferença entre uma moral autônoma –



quando uma pessoa governa a si mesma, é responsável pelos seus atos, leva


em conta o outro antes de tomar uma decisão – e uma moral heterônoma –


quando a pessoa é governada pelos outros. É uma pessoa que justifica o que



ela faz, justifica o que ela sente em nome do outro, do terceiro. “Eu penso Eu penso assim


assim porque a vida inteira me ensinaram a agir assim.” porque a vida inteira me


O que faz diferença entre uma moral heterônoma, em que a moral ensinaram a agir assim.

é externa, e a autônoma, em que o centro, a ética, os meus valores, são



interiorizados, são internos é justamente a razão de eu seguir os meus


valores. Por que os professores querem que as crianças cumpram as



regras da classe? Porque as regras são necessárias para organizar os tra-


balhos, para formar os cidadãos do futuro e não por medo da criança



de ficar sem recreio ou receber uma punição ou uma recompensa do


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professor depois.

O fundamental para Piaget é que as pessoas autônomas seguem deter-


minadas normas porque elas acreditam que isso é o melhor para elas. Elas

não seguem essas normas para receber uma recompensa, por medo do olhar

externo, por medo de uma punição, de uma censura. O importante não é


ser leal ou não, mas por que eu estou sendo leal.



É preciso saber que numa relação entre pessoas, se uma começar a falar

mentiras, o elo de confiança é rompido, desestabilizando a relação. O im- O importante é refletir



portante é refletir a respeito de por que seguimos as normas, os nossos valo- a respeito de por que

res. É por medo ou para agradar os pais, o diretor, as crianças? seguimos as normas


Para serem coerentes com isso, os educadores devem estar pensando
por que estão transformando a sala de aula, aderindo ao construtivismo. Se
é porque eu sigo os meus valores e estou me transformando ou se é por uma
recompensa ou uma punição. É isso que vai fazer diferença entre uma mo-
ral autônoma e uma moral heterônoma.
18 A construção da Para a criança, a construção da inteligência se dá a partir da interação
com o meio. O mesmo vale para a moralidade. A construção dos valores, o

inteligência se dá a partir

da interação com o meio desenvolvimento moral, se dá a partir da interação da criança com pessoas e

situações. Não existe moral sem o outro. A moral, necessariamente, envolve



o outro, porque se refere a regras, a normas, como as pessoas devem agir


perante o outro. A construção dos valores se dá a partir das experiências



com o outro.

Será que a moralidade é ensinada diretamente? É muito comum usar-


mos histórias infantis – contar que o Pinocchio mentiu e o nariz dele cres-

ceu. Quando as crianças brigam, contamos uma história de briga entre os


personagens, que tiveram um final trágico. Com a história da cigarra e da



formiga, ensinamos a questão da solidariedade, da cooperação, e assim por


diante, sempre utilizando a moral da história.



Na realidade, a moralidade não se aprende assim. A moralidade não é


ensinada por sermões. A moralidade vai se dando a partir das pequenas



experiências diárias que a criança tem ao se relacionar com o outro.


O pai ensina a não mentir, mas quando, por exemplo, encontra uma

morena na padaria, diz para o filho: “não fala para tua mãe que eu encontrei

com a fulana”. Ou a mãe bate o carro e diz: “não conta para o teu pai que fui

eu!”. Ou ainda quando a criança fala a verdade, é punida, mais pelo que ela

contou do que por ter falado a verdade. No entanto, para a criança, o senti-

mento é de que falou a verdade e foi castigada. O que ela está aprendendo?

A criança vai percebendo que, às vezes, ela mente e não é descoberta e



que a mentira é necessária para escapar de um castigo. Essas são as experi-


ências que ela está tendo com as pessoas, mostrando que nem sempre ser

honesto é um bom negócio.



Para falar da moralidade infantil é preciso considerar que a criança tem


uma concepção do que é certo, do que é errado, do valor de verdade, do



valor de mentira, completamente diferente do adulto. Para uma criança


pequena, uma mentira que é considerada grave é uma mentira em que você

Uma mentira que é


considerada grave é uma não pode acreditar. É, por exemplo, você dizer que encontrou um homem

mentira em que você não do tamanho de um prédio. Para ela, essa é uma mentira muito grave, por-

pode acreditar
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que não existe um homem do tamanho de um prédio. Assim, o exagero


para a criança é mentira. Por outro lado, ela falar que tirou uma nota alta na

prova, sendo que não tirou, não é uma mentira assim tão séria, porque ela

poderia ter tirado mesmo! Como ela poderia ter tirado, é uma mentirinha

boba.

Um adulto que disser que trocou de carro e não trocou cometeu uma

mentira séria, porque está querendo aparecer, teve a intenção de mentir e


enganar. Mas se alguém disser: “eu vi um caminhão que parecia um navio



de tão grande”, as pessoas vão perceber que é um exagero, não é uma men-

tira tão séria. Para a criança é o contrário.




A criança também considera o engano e a mentira a mesma coisa. A
partir daí, como podemos lidar com a mentira na criança? Constance Camille
deixa claro que, primeiramente, devemos perceber que a própria inteligên- Devemos perceber
cia da criança – de educação infantil, com dois a sete anos – é pré-operató- que a própria inteligência
ria, é intuitiva. da criança é pré-
Muitas vezes acontece que o adulto é capaz, a partir de indícios, deduzir operatória, é intuitiva 19


que a criança comeu biscoitos – a lata de biscoito está diminuindo, a boqui-


nha da criança está suja. Em vez de afirmar: “você comeu biscoito”, diz: “o



seu coração está me dizendo que você comeu biscoito.” Ou: “deixa eu olhar


nos seus olhos. Você comeu biscoito e está mentindo” Isso é um abuso da



autoridade do adulto que trata a criança como se fosse transparente. Isso só


é possível porque essa criança ainda é pré-operatória, incapaz de tirar a


conclusão como o adulto.



Eles realmente acreditam que são transparentes e que os adultos são


mágicos, têm o poder de, olhando dentro dos olhos, ouvindo o coração,



adivinhar. É diferente se o adulto falar “eu não posso acreditar no que você


está me dizendo por causa disso”.



A primeira atitude do adulto é não abusar da autoridade de adulto, por-


que a criança constrói a privacidade com muito custo. É preciso dizer para a É preciso dizer para



criança o porquê de você não acreditar no que ela está dizendo e mostrar a criança o porquê de


onde está a mentira no que ela falou. Explicar quais são as conseqüências da você não acreditar no


que ela está dizendo


mentira na relação entre duas pessoas.


Quando queremos crianças e pessoas sinceras, devemos estar prepara-



dos para ouvir verdades agradáveis e desagradáveis. Valorizar o fato de a


criança ter contado a verdade, mas não deixar de conversar sobre o que ela



fez. Deixar claro que contar a verdade é algo saudável, e refletir sobre o ato


em si.


Moralidade envolve uma série de regras e essas regras só existem porque



na convivência entre as pessoas são necessárias. Com o tempo, a criança vai


percebendo as conseqüências do não cumprimento da regra ou da necessi-


dade dessa regra existir. Na educação, é isso que tem de ser mostrado para ○

as crianças.

É muito comum as regras serem associadas ao medo da criança ser puni-


da, ao medo dela ser castigada por Deus, ou por um anjinho que está vendo

tudo. Ou ainda a uma recompensa. Se ela for boazinha, vai ganhar um sor-

vete. Na realidade, se a criança só deixa de mentir porque tem medo de o



nariz crescer, ou deixa de mentir porque a mamãe não gosta que mente, ou

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porque a mamãe acha feio, ela cresce com medo de descobrirem. O que

fazia essa criança legitimar a norma de falar a verdade eram coisas que,

provavelmente, quando ela crescer já não vai acreditar mais. Haverá situa- Haverá situações em

que ela vai mentir e


ções em que ela vai mentir e ninguém vai descobrir, o nariz não vai crescer.

Ela vai experimentar situações em que a opinião da mãe dela não pesa tanto ninguém vai descobrir

quanto a dos amigos.



O que fazia a criança legitimar a norma já não existe mais. Ela não tem

mais porque cumprir. Por isso é importante associar uma regra a um bem-

estar e às conseqüências do não cumprimento dessa regra. Tem de haver


sentido na existência da regra, para um bom convívio social.




Temas transversais
Atualmente, é comum os professores alegarem que, nas classes em que
trabalham em grupos, as crianças têm mais conflitos. É claro, elas convivem
mais, antes elas conviviam menos, então os conflitos não apareciam. A
20 moralidade é justamente um tema transversal à ética por causa disso.
As crianças estão convivendo e, de repente acontece uma briga. Se o

professor finge que não vê, ele está passando uma mensagem de que, nessa

escola, a agressão é permitida. Ao contrário, se a briga é encerrada por um



adulto e os dois são colocados de castigo, a mensagem é de que os adultos


têm mais autoridade, e quando vocês tiverem um problema têm de procu-



rar um adulto. O melhor seria interferir para revalidar a regra e deixar cla-

ro: “aqui nesta escola, as pessoas não devem se agridir. Vamos ver o que está

acontecendo e uma maneira de resolver isso sem agressão.”



Diante do mesmo Diante do mesmo conflito, o adulto pode ter respostas diferentes e, de

qualquer maneira, ele está ensinando a moralidade nesse dia-a-dia. Com cada

conflito, o adulto pode ter


respostas diferentes e resposta que ele dá, ou com as que ele não dá, a moralidade e a ética são

ensina a moralidade no abordadas. Por isso é um tema transversal. A moralidade vai se dando a partir

dia-a-dia daquelas situações do cotidiano do professor, do pai, das crianças com as cri-

anças. Nesses momentos é que estão sendo trabalhadas a ética e a moralidade.



Cada ato do relacionamento com o aluno serve para algo e faz parte da

construção da personalidade que a criança está formando. Em cada ato, o edu-



cador tem que perceber que está trabalhando a moralidade, por isso que é um

tema transversal. Vamos supor que duas crianças estejam brigando por causa de

um balanço. O professor pode fingir que não está vendo. Ou pode ir lá e dizer:

“Cada um balança dois minutos e eu vou ficar marcando.” Ou ele pode chegar

e falar: “Temos um balanço e duas crianças querendo balançar. Como vamos


resolver isso? Como vamos fazer para que todos usem o balanço?”

Nos três casos, o professor está passando uma mensagem. Podem se


pagar porque o problema é de vocês. Ou o adulto resolve o problema. Ou


vamos resolver o problema sem agressão.



Quando as crianças começam a resolver os problemas, as soluções não são


as mais adequadas. Mas elas só vão chegar a resolver os problemas de forma



adequada, quando começarem a resolvê-los, percebendo as conseqüências.


Em nenhum momento afirma-se que o professor não deve intervir. Mas



a intervenção deve ser adequada, construtiva. Atuar como interlocutor ou


mediador do problema, da discussão para que as crianças possam chegar a




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uma conclusão.

O que as crianças O que as crianças podem fazer na sala, com relação aos limites, às nor-

podem fazer na sala é mas, é justamente elaborar as regras. Há normas que são necessárias, não

justamente elaborar as são negociadas. Por exemplo, não é permitido bater. É uma regra que não

regras

pode ser flexível – bater só de vez em quando ou de leve. Outro exemplo é


escovar os dentes, também é uma regra que não tem negociação.



Nas salas de aula existem dois tipos de regras. As regras necessárias são

as regras de boa saúde, de boa educação. São regras que não se negocia. A

criança não pode escolher se ela quer ir na escola ou não. Este tipo de esco-

lha não tem negociação.




Existem outras normas que são as que organizam o trabalho da sala e
garantem a justiça. Da formulação dessas regras as crianças podem partici-
par. Por exemplo, combinar algum sinal para avisar quando o barulho esti-
ver muito alto. Há salas em que a criança incomodada com o barulho apaga
a luz para avisar os colegas que abaixem o tom de voz. Diminuiu, ela acende
a luz. Assim, até a cobrança da regra não fica só com o professor, mas tam- 21


bém com quem estiver incomodado.


É muito comum acontecer uma visão reducionista da teoria de Piaget, É muito comum


acontecer uma visão


quando as escolas acham que a criança pequena pode escolher qual a san-


ção ou castigo que vai ser dado à criança que está aprontando alguma coisa. reducionista da teoria de


Piaget


Crianças de seis anos são egocêntricas e incapazes de coordenar pontos de


vista diferentes, de se colocar no lugar do outro. Elas escolhem os castigos


da maneira mais severa, que é a idéia que elas têm de justiça. Para elas, é



justo pagar o preço sofrendo, para ser perdoado e aceito no grupo, restabe-


lecendo o elo que foi rompido.



Nesses casos, não se pode passar a autoridade da escolha de sanção para


a criança, mas sim elaborar a regra com eles. Um problema é colocado,



discutido e decidido pelo grupo, resultando numa regra. Mas não se combi-


na com as crianças o que fazer com quem não segue a regra, porque isso é



um problema do professor, que tem que ser bem preparado para saber qual


é a sanção mais justa, com o aluno.



A criança tem uma interpretação de regra rígida, ao pé da letra. Ela não


percebe que cada caso é um caso. Ela não tem essa noção de justiça. É um É um erro acharmos


que as crianças podem


erro acharmos que as crianças podem escolher qual é a sanção mais justa.


Quando pregamos a intervenção e a não intervenção, trata-se de uma inter- escolher qual é a sanção


mais justa


venção adequada, porque o professor desempenha uma autoridade na clas-


se. Até saber, inclusive, até onde as crianças podem ir.


A moralidade é um tema transversal porque, quer o professor queira,



quer não queira, está trabalhando a moral. O problema é que a maioria


das escolas trabalham a moralidade não em direção à autonomia e sim à


manutenção da heteronomia. Toda escola – de Educação Infantil, Ensi- ○

no fundamental, Ensino médio, professor de química, de física – traba-



lha a moral. Mas muito poucos professores a trabalham em direção a


autonomia.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais colocam temas transversais como


orientação sexual, educação para a saúde, ética, pluralidade cultural, meio



ambiente. Quando o professor pede para as crianças escovarem os dentes e


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a torneira fica aberta, ele está trabalhando o tema transversal meio ambien-

te, mas com o desperdício.


Em outra situação, ele vê duas crianças brincando de faz-de-conta de



namorar ou se beijando e fica roxo de vergonha ou repreende. Ele também


está trabalhando a orientação sexual. Nós precisamos conhecer muito bem


os temas transversais porque, independentemente da nossa vontade, eles



estão sendo trabalhados.


A moralidade é ensinada a todo momento. O professor passa mensagens e O professor passa



valores constantemente. Qualquer professor transmite valores e regras nos li- mensagens e valores

vros didáticos, na organização institucional. Para cada regra da escola, temos de constantemente


pensar se ela é realmente necessária, se está prejudicando a aprendizagem e o
desenvolvimento da criança. Tudo tem que ter um sentido de existir.
Outro aspecto refere-se a como o conteúdo é trabalhado. Se queremos
Não ensinamos “pessoas críticas”, não ensinamos história com uma visão única, dando a
história com uma visão crítica pronta. É preciso que eles comparem diferentes autores sobre histó-
22 única, dando a crítica ria e discutam. Para ensinar o lógico-matemático, é preciso dar oportunida-

pronta. de para a criança reinventar, assim como no conhecimento físico, com as


propriedades dos objetos, cor, sabor, odor.



Ensinar sem permitir que eles descubram, passando os conceitos como


se fossem verdades prontas, ensinando a técnica para resolver sem deixá-los


resolver por si mesmos, assim o educador deixa claro que a verdade vem da

cabeça do professor. Assim, o que os alunos têm de fazer, mesmo que eles

não entendam, é obedecer, é aceitar a autoridade, que hoje é o professor e



amanhã pode ser o diretor, o chefe, o marido, o político.


As crianças vão aprendendo a engolir sem entender. Vão engolindo e



achando que é assim mesmo e quando crescem, continuam acreditando que


as verdades vêm de determinadas pessoas e não questionam essas verdades.





Avaliação

A forma de avaliação das crianças é outro aspecto. Por exemplo, perder



ponto quando conversar e ganhar ponto quando entregar trabalho. A manei-


ra de usar o instrumento de avaliação, ameaçando com frases como: “vocês



vão ver na hora da prova, vou dar uma prova surpresa”. Portanto, na avalia-

ção, e se é avaliado o desenvolvimento da criança pequena, também está sen-



do trabalhada a moralidade.

A relação professor-aluno e a relação entre as próprias crianças são



indicativas de valores, normas e regras. Se é permitida a discriminação e o


desrespeito no relacionamento entre os alunos, isso é legitimado pela esco-



la, que não tem esse direito e o professor não pode permitir esse tipo de

atitude no ambiente escolar.



Nós precisamos, como educadores, ter uma postura extremamente exem-


plar. Somos modelos e sabemos que, nesse período pré-operatório, a crian-



ça aprende muito por imitação, que é inconsciente. O modelo tem que ser

exemplar porque a criança não vai aprender o que é falado, mas com os

atos de quem fala. Por isso, é fundamental que haja coerência no modo de

agir e coerência no discurso.



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Para a criança aprender o respeito, tem que viver em um ambiente de


respeito. Para aprender a falar baixo, é preciso que se fale baixo com ela. Se

O educador é um

as crianças utilizam uniforme, os professores têm de usar também. Se o pro-


modelo e a criança aprende


fessor quer que as crianças, por exemplo, respeitem uma fila, tem que res-

mais pelos atos de quem


fala do que pelo que é peitar também e, na hora da merenda, entrar na fila, e se quer que eles

falem a verdade, tem que ser sincero.


falado

O modelo tem que ser exemplar e isso é fundamental. A criança não vai

seguir as mensagens passadas verbalmente, oralmente. Ela vai seguir o com-



portamento. Por isso a postura tem que ser muito exemplar.




Ambiente cooperativo
É muito comum na educação em geral, na Educação Infantil e no Ensi-
no Fundamental, que se estudem técnicas e procedimentos de educação
moral, mas o professor não faz o essencial que é construir um ambiente
cooperativo. Não adianta pensar em trabalhar direitos e respeito com dis- 23


curso e técnicas em cima de dilemas, e não construir na classe um ambiente


em que tudo isso está presente.



A preocupação deve ser construir esse ambiente, em que as crianças Favorecer que a


interajam, pautado pelo respeito, sem coerção ou pressão. Favorecer que a criança tome pequenas


decisões e assuma


criança tome pequenas decisões e assuma responsabilidades. Ela estará cons-


truindo esse conhecimento e o professor também estará trabalhando com responsabilidades


temas específicos, como os direitos.



Na verdade, a construção da personalidade moral vai se dar a partir da


interação com os diversos ambientes: família, escola, amigos, meios de co-



municação, etc. Cada um tem um peso. Na primeira infância, até os quatro


anos, a família tem uma peso muito grande. A interação com esses vários



ambientes é que vai formando o desenvolvimento moral da criança.


Na realidade, o que faz uma criança desenvolver mais ou menos a sua



moralidade e a sua autonomia, é justamente o convívio, se ela está interagindo


num ambiente autoritário ou democrático. Mas a concepção de autoritário



não é apenas o “não”. Em um ambiente em que tudo é não, é natural que a


criança tenha mais dificuldades de tomar decisões para assumir responsabi-



lidades e ficar com medo de punições. Mas no construtivismo, o autoritário


não é só esse ambiente. Autoritário também


é o ambiente em que a


Autoritário é o que o adulto faz pela criança que ela pode fazer por si mes-


ma. Autoritário é quando o professor está ensinando ou instruindo algo que a criança não pode realizar


pequenas tarefas por si
criança pode descobrir ou reinventar a partir de situações que ele vai colocan-


mesma


do, para que ela reinvente, para que ela descubra. Autoritário, é aquele profes-


sor que coloca as normas, que diz o que é melhor para a crinaça. É o professor


que não permite que as crianças interajam, que elas troquem idéias. Autoritário ○

é o professor que entrega o trabalho na mão, recolhe o trabalho, resolve os



problemas, entrega o material, diz o horário de começar, de ir ao banheiro etc.


Eu brinco que “atire a primeira pedra quem nunca tiver pecado”, por-

que no dia-a-dia do educador, acabamos amarrando o sapato, pondo comi-


da no prato, ajudando a criança. E, muitas vezes, os pais que podem ter



babá, podem estar prejudicando ainda mais as crianças, porque muitas ve-

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zes a babá tira a roupa, dá o banho, escolhe a roupa, põe a roupa, abotoa,

amarra o sapato, penteia o cabelo, põe a comida no prato, dá a comida na


boca, põe na frente da televisão, coisas que a criança poderia fazer sozinha.

Assim, um ambiente autoritário é um ambiente em que não é permitido


que a criança faça as coisas por ela mesma. O democrático é o contrário, é


É o ambiente em
aquele ambiente em que a criança planeja junto com o professor quais ativi-

que as crianças montam


dades vão ter naquele dia. Ela vai tomar decisões, escolher, dentre as opções os cantinhos, pegam os

oferecidas pelo professor, quais quer fazer. É o ambiente em que as crianças


materiais e estes são


montam os cantinhos, pegam os materiais e estes são compartilhados. A compartilhados


criança é quem decide e o ritmo dela é respeitado.




Então, por exemplo, se uma criança demora mais para fazer um dese-
nho e outra menos, a que terminou muda de canto. Não tem aquela compa-
ração entre as pessoas: “olha, tá vendo, está todo o mundo te esperando, só
falta você.”
Nesse ambiente democrático, diante de um conflito, as crianças vão pen-
24 sar outra maneira de resolvê-lo, sem usar as mãos, os dentes, cotovelo, joe-
lho, pé. O professor evita fazer pela criança tudo aquilo que ela pode fazer

O professor evita

fazer pela criança tudo por si mesma. Em casa é a mesma coisa.


aquilo que ela pode fazer A criança pequena não pode tomar grandes decisões. Por exemplo,

por si mesma. Em casa é não cabe à criança escolher em que escola quer estudar, nem se ela

a mesma coisa quer sair numa noite fria com casaco ou não. Isso ela não pode decidir.

Mas ela pode decidir com qual casaco ela quer sair, se ela quer com o

vermelho, com o roxo ou com o amarelo. Ela pode decidir, por exem-

plo na escola, se ela quer entrar com a mãe ou se prefere entrar sozi-

nha. Ela não vai escolher se ela vai trabalhar ou não no dia, mas ela

pode escolher quais atividades. A criança pequena, em um ambiente


A criança pequena

não toma qualquer democrático, não toma qualquer decisão, mas está tomando pequenas

decisão, mas está decisões o tempo inteiro.



tomando pequenas Em virtude da educação autoritária que nós tivemos, hoje em dia, diante

decisões o tempo inteiro de desafios, morremos de medo de errar. Quando alguém pede para a pes-

soa falar em público, ela treme na base. Para tomar decisões, justificamos o

nosso agir em nome do outro: “Ah, mas fulano falou que era para eu fazer

assim”, ou: “eu reagi assim porque o porteiro foi mal educado comigo”, mas

você poderia ter reagido de outra maneira.



Justamente pelo fruto dessa educação é que nós somos assim hoje. O

mercado de trabalho, inclusive, exige mais do que apenas cumprir ordens.



Exige pessoas que pensem por si mesmas, que tomem decisões, criativas,

que estejam sempre se atualizando. A escola está formando pessoas que não

estão atendendo às necessidades do próprio mercado profissional.


O Piaget diz que as O Piaget diz que as pessoas verdadeiramente autônomas são raras. É

pessoas verdadeiramente claro, a vida inteira vivemos em um ambiente autoritário, quando não era a

autônomas são raras escola, era mãe, o pai que diziam que tinha que obedecer, que é o pai quem

manda.

Cito o depoimento de um pai no livro “Liberdade sem medo”: “meus


pais foram autoritários, minha escola usava castigo e, se não fosse por

isso, eu não seria a pessoa que eu sou hoje.” E o Hill responde assim para

ele: “olha, eu não conheço o senhor, mas quem disse que o senhor não


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poderia ser uma pessoa melhor do que é hoje?!”. Temos que argumentar

isso com os pais, mostrando que o mundo está mudando. Nós somos

frutos de uma educação autoritária, mas queremos formar pessoas cada


vez melhores.

Os limites vão situar a criança no espaço social e é preciso determinar os


espaços da mãe, do colega, da professora. No desenvolvimento moral, para



Piaget, os limites são necessários e eles precisam existir. A criança necessita


Para chegar à disso para se sentir amada, protegida. Para chegar à autonomia, ela precisa

autonomia, ela precisa


primeiro dos limites colocados pelo adulto. Depois ela irá construindo os

primeiro dos limites seus próprios limites.


colocados pelo adulto



Amor, temor e respeito
Ao mesmo tempo que eu amo, eu também temo. Esse sentimento é o Para Piaget, todo o
respeito. Para Piaget, todo o respeito é uma mistura de amor e de temor. respeito é uma mistura
Piaget percebeu que as crianças pequenas têm um sentimento que ele de amor e de temor
chama de sentimento de obrigação, de aceitação interior a uma norma, a 25


uma recomendação dos adultos. Por exemplo, se a criança vai colocar a


mão na tomada, a mãe diz assim: “não pode!”. Ela sabe que lá não é para



mexer, tanto que mexe escondido ou mexe e olha para a mãe. Isso porque


essa criança aceita interiormente aquela recomendação. Ela sabe que não é



para mexer e se ela for flagrada mexendo, fica constrangida, perturbada,


porque sabe que fez algo errado.


O Piaget perguntou: “por que as crianças, em uma idade tão pequena,



em que tudo é brincadeira, tudo é espontaneidade, por que essas crianças


aceitam o que os adultos falam? Por que elas simplesmente não ignoram?.



Ele descobriu que para a criança ter esse sentimento de aceitação interi-


or a uma norma, a uma regra, é preciso que haja duas condições simultâne-



as. Primeiro essa criança precisa estar acostumada a receber normas e reco-


mendações que são comuns, como não mexer na tomada, não atravessar a



rua sozinha, não brincar com faca. Estar acostumada primeiro a receber


limites, receber normas.



O segundo fator que faz com que essa criança apresente esse sentimen-


to de obrigação é que ela só vai ter aceitação interior a uma regra quando



essa norma parta de uma pessoa que ela respeita. Ela só tem aceitação inte-


rior a uma norma se essa norma vem de uma pessoa que ao mesmo tempo



ela ame e tema.


Será que só o amor é suficiente para causar sentimento de obrigação? O segundo fator que


Não. Por exemplo, ela ama o irmão mais velho e não tem essa aceitação faz com que essa criança



interior de uma regra posta por um irmão ou uma irmã. apresente esse sentimen


A criança tem medo de uma pessoa estranha, tanto que se esconde atrás


da perna da mãe. Mas a recomendação de um estranho, a ordem de um ○

estranho, não faz com que uma criança sinta-se obrigada a isso. O medo de

uma pessoa só coage, a criança não faz enquanto ela sente medo. Depois

que a pessoa que causa o medo sai, ela está livre para agir. Então o medo

não causa aceitação interior à norma nenhuma.


Esse primeiro respeito, Piaget chama de respeito unilateral. É o respeito O respeito unilateral

leva a uma moral


de um lado só, que a criança tem pelo adulto. A criança vê o adulto como o

chamada de moral
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mais forte, como aquele que sabe mais. Então esse respeito é uma relação

heterônoma

assimétrica entre o adulto e a criança. A criança por exemplo, nunca vê o


professor como uma pessoa igual a ela.



A criança vê o professor como aquele que sabe mais. Entre os colegas, elas

discutem, mas se o professor falar: “é isso, tá errado.”, elas não vão questionar.

Com o pai se dá o mesmo. É uma relação desigual. A criança nunca



vê o adulto como igual. Se respeito é uma mistura de amor e temor, o


temor do respeito unilateral é o seguinte: a criança tem medo de ser



punida, tem medo de ser censurada e principalmente tem medo de per-


der o amor dos pais.




Jamais devemos Inclusive, jamais devemos utilizar com a criança a retirada do amor como
utilizar com a criança a sanção. Por exemplo, falar assim: “eu não gosto mais de você, você é feio. A
retirada do amor como mamãe está triste, não quer mais falar com você.” Não se usa a retirada de
sanção amor porque a criança só se atreve, só se arrisca, em relações frágeis. Aque-
las relações em que se ela aprontar alguma coisa, o colega não vai querer
26 mais brincar com ela. Isso porque existe uma segurança de ser amada, de
estar em casa, de que nunca vai perder o amor dos pais, uma relação estável.



Moral heterônoma

O respeito unilateral, que a criança tem medo de perder o amor, medo



de ser punida, de ser censurada, leva a uma moral que é chamada de moral

heterônoma. É a moral da criança que é governada pelos adultos. O exem-


plo de moral heterônoma é que a criança justifica uma regra, uma norma,

em cima da autoridade de um adulto.


As crianças têm uma idéia do adulto como se este fosse mágico, como se

quando eles crescerem saberão tudo. O adulto desenvolveu determinadas


estruturas que permitem raciocinar de uma maneira diferente da criança, e



para ela, o adulto sabe muita coisa.


Isso é moral heterônoma e as relações dessa moral são justamente con-



seqüência de respeito unilateral. A criança pequena só estabelece com o


adulto relações de respeito unilateral. Ela não consegue estabelecer uma



relação de igual para igual, que são as relações de respeito mútuo, relações

de mão dupla. Eu te respeito e você me respeita. A criança pequena tem



aceitação interior do que o adulto fala.


Mas, e o adulto tem aceitação interior ao que a criança fala? Não. Muitas

No respeito mútuo, vezes nem aceitamos o que a criança fala. No respeito mútuo, não existe mais

não existe mais a presença a presença da autoridade. A legalidade, quer dizer, o que é legal, o que é

da autoridade

justo, predomina. Nas relações de respeito mútuo, o respeito não é amor e


temor? Nas relações de respeito mútuo também existem amor e temor. Mas o

temor nesse caso é o medo de eu decair aos olhos dos outros, não é mais o

medo de ser censurado, de ser castigado, de ser punido, de perder o amor.


As relações de respeito mútuo, entre pessoas que se consideram iguais,



levam à uma moral autônoma. Autônoma é a pessoa que governa a si mes-


ma, mas considerando sempre o outro por vontade própria. Não é simples-

mente eu fazer o que eu quero. É eu considerar o que é melhor para nós, ao


tomar uma decisão.




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Moral autônoma é dizer assim: “eu estou trabalhando com Piaget por-

que eu estudei e concordo com as idéias. Não porque ele falou e eu falo

amém. Eu estou estudando e vejo que isso é coerente.” Autonomia é decor-


rente de relações de igual para igual.



A criança pequena A criança pequena não consegue ver o adulto como igual, mas quem ela

não consegue ver o consegue tratar como igual? Os colegas. Para a criança chegar à autonomia,

adulto como igual


ela precisa ter relações de respeito mútuo. Para isso, ela precisa conviver

com crianças da mesma idade que ela.



Na escola, a criança vai poder conviver com crianças da mesma idade.


No entanto, a escola põe uma carteira atrás da outra e não permite que as


crianças troquem idéias. Se elas não tiverem essas relações em que vão dis-
cutir e resolver os conflitos, trocando idéias, percebendo que os pontos de
vista são diferentes, dificilmente vão chegar à autonomia.
Na escola tradicional, só durante o recreio é permitido que as crianças
troquem idéias. Assim, as crianças vão continuar heterônomas e se tornarão
adultos heterônomos. 27


Um princípio básico da teoria Piagetiana é a interação social. Para che-


gar à autonomia moral e intelectual, tem que haver duas coisas: a ação do



objeto sobre o conhecimento e a interação social.


É preciso colocar situações em que as crianças vão interagir socialmen-



te. Mesmo quando cada criança faz o próprio desenho, o professor vai olhar


para ela e conversar com ela. Quatro crianças em cada cantinho porque é


um número que favorece essa interação social. Grupos de seis ou sete propi-



ciam a formação de “panelinhas”, não havendo interação com todos. Tem


de haver um motivo para o que está acontecendo. As decisões pedagógicas


As decisões


têm de ser fundamentadas numa teoria científica. É fundamental saber por- pedagógicas têm de ser


que fazer dessa maneira e não de outra, porque dessa maneira eu desenvol- fundamentadas numa



vo melhor a autonomia, daquela maneira não. As decisões têm de sair do teoria científica


senso comum entre os profissionais da educação.





Os limites



Está acontecendo que os limites estão se ampliando muito. Nenhuma



criança gosta de limites, nenhum ser humano gosta. É natural e é saudável


que a criança teste os limites, porque quando ela testa os limites, ela está



testando a validade dos mesmos, se são necessários. Mas quando a mãe ame-


aça e chega na hora e não cumpre, a criança vai perdendo o temor que ela


tem naturalmente pelo adulto. Ela sabe que não vai acontecer nada com a



mãe, que a mãe não vai fazer nada, e os limites vão se ampliando.


Os limites situam a criança no espaço social: “até aqui eu posso ir. Aqui


eu estou invadindo o espaço do outro”. É fundamental que o adulto vá ○

mostrando o limite: “até aqui você pode ir, aqui o espaço é meu.”

Na escola ocorre o mesmo. Se uma criança vem de um ambiente


sem limites, é terrível para o professor. Mas para a criança, talvez seja a

única oportunidade que ela tem de estar interagindo em ambiente que


coloca limites para ela de maneira adequada. É normal uma criança



fazer com os professores o que ela faz em casa. Se em casa ela se joga

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no chão para conseguir uma coisa, é natural que no começo, quando



ela for frustrada na escola, ela se jogue no chão para conseguir a mes-

ma coisa do professor.

Mas a resposta que os educadores vão dar será diferente diante do mes-

mo ato, e isso é saudável. Se a criança não tem esses limites, o fato de o É natural e saudável

professor dar uma resposta adequada vai faze-la perceber algo e, talvez, seja que a criança teste os

limites, testando a

o único ambiente em que ela interage que está auxiliando no desenvolvi-


validade e a necessidade
mento do respeito ao outro.

dos mesmos

Se o ambiente oferecido na escola é pautado no respeito mútuo, é um


ambiente em que as crianças decidem o que fazer, tomam decisões, elabo-




ram as normas, sorte dessas crianças, que têm a possibilidade de estar
interagindo em um ambiente saudável.
Também é fundamental saber por que e quando acionar os pais. Geral-
mente, quando há algum problema, primeiro coloca-se para a criança, antes
de levar para os pais. Tem problemas que quem tem que trabalhar é a própria
28 escola. Por exemplo, o problema de indisciplina de criança que corre demais
na sala, ou que está falando muito, estão fora da alçada dos pais.

Temos que tomar muito cuidado em separar o que é problema de casa,


o que é problema da escola. Muitas vezes, quando se leva o problema para o



pai, a situação piora, porque essa criança decaiu mais ainda aos olhos do pai

e a relação entre eles piora. Só devemos levar o problema para o pai quando

ele tem condições de auxiliar de maneira adequada.


Em vez de o professor decair a criança aos olhos do pai, muitas vezes o


remédio mais saudável é levantar a criança, mudar a maneira como o pai



enxerga essa criança. Isso dá resultados.




Aprendendo a sentir


O limite da moral Quando nós estudamos ética, o limite da moral são os atos e não os

são os atos e não os sentimentos. Todo sentimento é permitido, é aceito, não existe senti-

sentimentos

mento bom ou ruim. Faz parte da natureza humana sentir raiva, sentir

inveja, sentir amor, sentir ódio, sentir carinho. Mas o problema é que os

atos são limitados. Eu posso desejar muito um homem, mas eu não posso

agarrar o homem na rua. Eu posso ter vontade de te matar, mas eu não



vou te matar.

Para lidar com a criança, nós devemos deixar claro que o problema está

no ato de raiva e não no sentimento de raiva. O respeito mútuo é uma mis-


tura de amor e temor de decair aos olhos do outro. Assim, o primeiro passo

para mudar um comportamento de uma pessoa é criar um vínculo de afeto.


Se não for criado um vínculo de afeto com a criança, não vai existir o amor

do respeito mútuo, e só o temor não vai causar na criança o sentimento de



Se isso não ocorrer, aceitação interior. É preciso, para modificar uma criança, para trabalhar

nada do que for falado com ela, para auxiliá-la, que ela goste do adulto. Se isso não ocorrer, nada

vai ter efeito, a não ser do que for falado ou tentado com essa criança vai ter efeito, a não ser re-

recompensa e punição compensa e punição.



A criança pequena, ou mesmo maior, se não gostar de alguém, por que


vai modificar o comportamento em função da censura dessa pessoa? Até




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um adulto reagiria assim.


Eu me lembro de uma professora que foi muito inteligente. Ela tinha



um aluno de seis anos que falava muito palavrão. A professora foi conversar

com a mãe, que argumentou: “ele fala a mesma coisa para mim?! Eu não sei

o que fazer com esse moleque! Ele é um boca suja!” E aí começou a desfiar

os palavrões. A professora entendeu a origem do problema e a conversa



ficou por isso mesmo.


Tudo o que a professora Tudo o que a professora tentou trabalhar com a criança não teve efeito.

tentou trabalhar com a


Então ela começou a se aproximar da criança. Sentava com ele, jogava com

criança não teve efeito. ele. Quando ele fazia coisa legal, ela mostrava que tinha notado a atitude.


Fazia atividades individuais, como contar uma história e falava: “olha, eu li
essa história e lembrei de você.” Foi se aproximando da criança. Um dia, de- Um dia, depois de
pois de um ou dois meses desse trabalho, ele falou um palavrão para ela. Ela um ou dois meses desse
simplesmente disse: “eu não gosto quando você me trata com palavrões. Eu trabalho, ele falou um
palavrão para ela
não te trato com palavrões”. Ele respondeu: “mas eu falo assim com a minha
mãe.” E ela: “Mas eu não sou sua mãe” e saiu de perto, não falou mais nada. 29


Essa criança nunca mais falou palavrão com a professora. A diferença é


que agora ele gostava dela, ele não queria decair aos olhos dela. É muito



comum que, quando eu recebo uma criança, vem com a “ficha criminal” e


já se espera o pior dela.



Nós brincamos que sempre quem fica com a pior é o bonzinho, porque,


em função do “terrível”, paramos a roda diversas vezes, no recreio estamos


atrás dele e até durante a noite pensamos nele. Ele acaba recebendo mais



atenções pelo comportamento negativo.


Se você espera o pior dele, você envia mensagens que é isso que você



espera. Quando você olha e diz assim: “só podia ser você, estava demoran-


do”, ou mesmo: “quantas vezes eu vou ter que te falar a mesma coisa. Será



que você nunca vai aprender”, você passa mensagens como se esperasse isso


dele. É natural que essa criança não modifique o comportamento, porque É natural que essa


criança não modifique o


ele já decaiu aos seus olhos, então, por que mudar?


comportamento
O Yves De La Taille tem um trabalho muito interessante em que ele con-



tou para crianças, desde cinco, seis anos até 14, 15 anos, duas histórias. Na


primeira história ele dizia que em uma classe, um livro que pertencia a todos



foi furtado e que a professora descobriu quem foi. Quando ela descobriu, ela


tinha duas opções: deixar quem roubou o livro sem recreio, ou contar para



todo mundo que havia sido ele quem roubou o livro. O Yves perguntava às


crianças o que elas achavam que era melhor a professora fazer e por que.


Metade das crianças de cinco anos, por causa do egocentrismo, afirmou



que era para deixar sem recreio. A outra metade disse que podia contar para


todo mundo. A partir dos sete anos de idade, a maioria das crianças afirmou


que não era para contar para todo mundo, que era melhor deixar sem re- ○

creio, porque elas ficavam com vergonha do que os outros iam pensar.

Depois de um tempo, o Yves contou outra história. Ele disse que numa

classe a professora decidiu deixar esse aluno sem recreio e numa outra clas-

se, onde aconteceu a mesma coisa, ela decidiu que ia contar para todo o

mundo e contou para todos quem foi o menino que roubou o livro. Em

uma das duas classes, um livro voltou a sumir. Em qual classe eles achavam

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que a criança tinha roubado – a que ficou sem recreio ou a que contou para

todo o mundo? Uma criança de 12 anos, muito sabiamente, disse assim:


“voltou a roubar naquela que contou para todo o mundo, porque ela já

estava danada mesmo!”


Isso significa o que? Se eu já vejo essa criança como agressiva, como


terrível, como difícil, como preguiçosa e eu passo mensagens, ela não vai

mudar porque ela já decaiu aos meus olhos. Eu mudo quando não quero

decepcionar o outro, quando não quero decair, quando eu gosto do outro.


Se eu já estou danada

Se eu já estou danada aos olhos do outro, para que eu vou mudar? Se ele já aos olhos do outro, para

não me acha grande coisa, por que eu vou ser grande coisa?

que eu vou mudar?



O caminho da O caminho da educação nunca é o da humilhação, do ataque à dignida-
educação nunca é o da de, do grito, do castigo. É o contrário. Se eu quero modificar o comportamen-
humilhação, do ataque à to de uma pessoa, eu tenho que mostrar que eu confio, que ela é capaz etc.
dignidade, do grito, do Uma professora chegou para uma criança que desenhava muito bem e
castigo
pediu alguns desenhos para ela. Em alguns trabalhos ela colocou como ilus-
30 tração o desenho que essa criança fez, acrescentando uma observação em-
baixo: “agradeço ao Felipe pela ilustração dos trabalhos”. Os demais alunos

exclamaram: “ô Felipão, você hein?!”. Na verdade, ela fez um trabalho de


levantar a auto-estima da criança, para a própria criança e aos olhos de todo



o grupo. Esse é o caminho de uma educação construtiva.




Linguagem de educador

Isso envolve muito a linguagem do educador, as sanções que ele utiliza.



Essa linguagem deve ser construtiva, nunca destrutiva. O educador nunca


deve julgar, mas simplesmente descrever as coisas. É fundamental, em uma



educação, o vínculo de afeto, o cuidado em não decair a criança. Ao contrá-


rio, mudar a maneira de como eu vejo a criança.



As relações de respeito lateral não ocorrem só com a criança pequena


em relação ao adulto. No nosso dia-a-dia, mantemos com os adultos, com as



pessoas, relações de respeito lateral. Por exemplo, cada vez que a criança

está crescendo e começa a questionar o adulto e este a repreende, porque



“não se fala assim com a mamãe, porque o papai não quer que faça assim”,

justifica-se uma norma, uma conduta, com base no que a autoridade acha.

Cada vez que você está associando o que a criança faz ao castigo, você está

mantendo com essa criança relações de respeito lateral.



Isso pode ocorrer no Isso pode ocorrer no casamento e até na relação que o professor man-

casamento e até na relação tém com o coordenador. Se o professor obedece e diz: “eu estou trabalhan-

que o professor mantém


do assim porque ele quer”, é hora de começar a questionar a sua própria


com o coordenador

moralidade, a sua concepção de autonomia.


É diferente ele estar mudando a proposta de trabalho porque está con-



vencido, está estudando que é por aí, de estar fazendo porque uma autori-

dade quer que ele faça. É preciso refletir e rever isso.



Se queremos educar as crianças para a autonomia, como podemos man-


ter no dia-a-dia relações de respeito lateral com as pessoas?



Conseqüentemente, as crianças serão tratadas assim. O professor deve estar


sempre no mesmo nível das crianças. Se as crianças sentam no chão, ele




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também senta no chão, ele se abaixa para conversar com elas, ele procura

usar um tom de voz que não seja elevado. O professor quer que as regras

valham para todos, inclusive para ele.


Tratar uma criança com respeito mútuo, mesmo que ela ainda não

consiga tratar o professor com respeito mútuo, vai muito mais longe. Por

exemplo, é comum, quando as crianças brigam, o professor dizer: “vai



lá, pede desculpas para o seu amigo, dá o dedinho para o seu amigo.”

Mas se a própria professora brigou com o namorado, está chateada com



ele, qual o adulto que vai dizer: “vai lá, pede desculpas e dá um abraço

no seu namorado”?


É preciso ter com a criança o mesmo respeito com que se trata um adul- É preciso ter com a
to. Quem falaria para um adulto, a respeito de uma terceira pessoa presen- criança o mesmo respeito
te: “não liga não, ela está querendo aparecer mesmo”? Mas falamos isso da com que se trata um adulto
criança para uma visita.
Quanto ao pedido de desculpas, só é válido quando é sincero, quando a Quanto ao pedido de
criança está realmente arrependida do que fez. Esse desejo de desculpa tem desculpas, só é válido 31


que ser um desejo interno dela, não por solicitação externa. O que pode- quando é sincero


mos fazer é deixar claro para a criança, porque as crianças aprendem a pe-



dir desculpas para se livrar do problema. Elas batem no colega e depois


falam: “mas eu já pedi desculpas”.



Nós temos culpa nisso, porque quando elas brigam, dizemos: “pede des-


culpas para o seu amigo.” A criança vai aprendendo que pode ficar livre dos



problemas dessa maneira. Ao invés de fazer isso, quando uma criança pede


desculpas, temos que sentar com ela e falar: “o pedido de desculpas quer



dizer que você está realmente sentido, arrependido do que você fez. É isso


que você está sentindo? Pedido de desculpas significa modificar, significa



que você não está querendo mais fazer o que fez. É isso que você quer di-


zer?”



Também é necessário ensinar à criança as conseqüências dos seus atos.


Nós temos que tratar a criança com o mesmo respeito que dedicamos aos



adultos. Não xingamos um adulto, não humilhamos, não colocamos de cas-


tigo um adulto. O que fazemos, com os adultos, é permitir que sintam as



conseqüências dos atos, repararem o erro. É assim que devemos trabalhar


com as crianças.



Em um ambiente de respeito mútuo, as regras e os limites são necessári- Em um ambiente de


os. Piaget mostra que a criança é heterônoma. Ela é naturalmente governa- respeito mútuo, as regras e



da pelos adultos e vai precisar de limites. Mas quando as crianças são peque- os limites são necessários


nininhas, elas precisam de limites necessários. Conforme vão crescendo, os



limites podem ir se ampliando. Os limites são negociáveis, são combinados


com ela.


Por exemplo, o pequeno não vai decidir se vai pôr casaco no dia frio. ○

Mas com o adolescente, não há porque brigar se ele quiser sair de camiseta

num dia frio. Ele já sabe que lá fora está frio.


Brigamos com os adolescentes por tudo. Por causa do cabelo, pela ba-

gunça do quarto, pela chave do carro, porque não come direito, porque sai

sem casaco, porque a calça dele é rasgada. Como brigamos por tudo, coisas

passam, coisas não passam. Na realidade, quando vocês forem elaborar as


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normas na classe de vocês, ou na família é preciso pensar: isso é realmente



importante, vale a pena eu brigar por isso? Se não valer a pena vocês briga-

rem por isso, esqueçam.



A característica de uma regra é justamente a regularidade. Isso sig- Isso significa que

nifica que ela tem que servir para diversas situações. Se ora ela é cum- ela tem que servir para

prida, ora não é cumprida, não tem porque existir essa norma. A regra diversas situações

existe, é o contrato entre as partes que vai beneficiar a todos. A caracte-



rística dessa regra é que ela tem que ser cumprida sempre, ela tem que

estar presente sempre.




Da necessidade das regras
Ao combinar uma série de coisas bobas, muitas vão ser deixadas passar, e
o adulto acaba caindo em descrédito aos olhos da criança. Quando fazemos
uma regra com a criança, temos que ter autoridade para que se cumpra a
32 regra. É preciso sempre questionar se vale a pena brigar por algo, a fim de
definir-se uma regra é necessária ou não.

No caso de um adolescente não vale a pena brigar porque está frio lá


fora e ele quer sair de camiseta, se ele comeu ou não comeu. Ele já sabe

tudo isso. Mas vale a pena brigar pela chave do carro, se a regra for que

antes dos dezoito anos não se dirige, e não abrir mão disso, deixando muito

clara essa postura.


O adolescente tem que perceber que há aspectos como situações de


respeito, de dignidade, de preconceito, de organização de determinado es-



paço. Pode ser que no quarto dele fique bagunçado, mas na sala o espaço é

coletivo. Se brigarmos por tudo, esse jovem não saberá aquilo que é real-

mente importante, que é valorizado ou não.


Na escola é idêntico. É preciso separar na classe quais são as regras ne-


É preciso separar na

classe quais são as regras cessárias, que não são combinadas – como não bater, não falar palavrão,

necessárias lavar as mãos, escovar dentes. Essas regras são só comunicadas. Por exem-

plo, se bateu, o professor revalida a regra: “não se bate em ninguém”; puxou


o cabelo de alguém: “não se puxa o cabelo das pessoas”; “aqui nessa escola

nós não falamos palavrões”.


Quando se quer mostrar autoridade, deixar claro que se está falando



sério, mostrar que é para valer, tem que falar pouco. Quanto menos falar,

mais será ouvido. A Angie Noil diz isso: para passar autoridade tem que ser

breve e objetivo. Em várias palavras a mensagem se perde. Isso vale para


qualquer relacionamento, não é só com criança.



Não adianta desenterrar o passado ou antecipar o futuro. O incidente


tem que ser lidado no momento específico. Por exemplo, aconteceu numa

escola a criança subir na mesa da merenda e sair correndo. A professora



disse: “Felipe, para que servem as mesas?! Quantas vezes eu vou ter que falar

com você? Felipe, como é que vai ser?”



Mas é preciso usar De repente, ela trabalhou a linguagem e resolveu mudar. Mas é preciso

uma linguagem descritiva usar uma linguagem descritiva e só se descreve o que se está vendo. Aí ela

e só se descreve o que se está falou: “Felipe, as mesas não foram feitas para as pessoas subirem nelas, des-

vendo ça.” Em nenhum momento ela agrediu o Felipe, porque em nenhum mo-


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mento admite-se qualquer ataque à dignidade de uma criança. É terminan-


temente proibido qualquer tipo de humilhação à criança. Ela conseguiu



passar autoridade e o Felipe desceu.


Essa mesma criança, num outro dia, colocou a vassoura no ventilador.



Aí a professora segurou a mão dela, contendo o ato, sem apertar, e disse:


“Felipe, não se coloca nem se joga nada, absolutamente nada, no ventila-



O educador de dor, entendeu?” É assim: tem que ser breve. Brincamos que o educador de

Educação Infantil tem que falar menos e ouvir mais as crianças. Nós fala-

Educação Infantil tem que


falar menos e ouvir mais mos demais, o tempo inteiro, com as crianças. Às vezes é preciso ouvir

as crianças mais do que falar.




Quando se coloca uma limitação, por exemplo, não se joga pedra na
janela, não há que explicar que não se pode jogar pedra na janela, porque a
criança sabe isso. É simplesmente falar: “as janelas não foram feitas para
serem quebradas”. É preciso usar uma linguagem que descreve, mas seja É preciso usar uma
breve. Com discursos, em qualquer situação, não se é ouvido. linguagem que descreve,
Resumindo: para mostrar autoridade, ser breve; com as regras necessári- mas que seja breve 33


as, também usar linguagem breve. Por exemplo, tem que lavar a mão na


hora da merenda, não interessa se a mão está muito ou pouco suja.



As regras combinadas são muito mais importantes que as regras necessá-


rias. Mas elas têm só dois objetivos: garantir a justiça na classe e organizar os



trabalhos. Geralmente, logo no início do ano, combinamos as regras. Isso


não é adequado, porque a criança precisa ter a necessidade dessa regra exis-


tir. Ela precisa sentir a necessidade dessa regra, e se a colocamos no começo



do ano, antecipamos o processo.


Há regras que nós sabemos que são sempre necessárias – não bater, não



falar alto etc –, mas as crianças não sabem. Elas precisam, num primeiro


momento na roda, falarem todas ao mesmo tempo. Quando ninguém esti-



ver ouvindo, pára para ver o que está acontecendo. “O que é preciso fazer


para ouvir o que o fulano está falando?” Diante de um problema sentido Diante de um



pela criança, comentar e propor soluções. problema sentido pela


Mas a solução não é assim: “quem falar alto, acontece tal coisa”. Não se criança, comentar e


propor soluções


combina regra sanção. Combina-se: “falar um de cada vez.” No começo, nós


entrevistamos as crianças para perguntar o que elas achavam das regras. Era



comum as crianças falarem assim: “regra é tudo o que não se pode fazer”.


“Tem regras que podem fazer?” e elas falavam: “não, se pode ser feito, para



que fazer regra”. Então colocou-se a regra: não gritar. “Ah, então não pode


gritar, tem que ficar todo o mundo quieto?”. “Não, tem que falar. Então


como tem que falar? Pode falar baixo”. E aí vai se combinando. Mas tem



regras que não dá. Então vamos dar uma misturada, coisas que podem, coi-


sas que não podem ser feitas.


As regras têm de ser em pequeno número para que os professores façam ○

com que se cumpram. Se forem em quantidade, muitas coisas serão deixa-



das passar. Para fazer com que se cumpram, pode ser de uma maneira mui-

to natural, muito espontânea. Por exemplo, uma criança saiu da classe e



deixou o cantinho desarrumado. O professor deve ir até ela e, tranqüila-


mente, dizer: “olha, você esqueceu de arrumar o cantinho, vamos lá, num

minutinho a gente arruma.” E fazer junto com ele. O que é importante é as


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crianças perceberem que não vai passar.



Quando a criança percebe que ora a regra é cumprida e ora não é cum- Quando a criança

prida, ela vai continuar tentando. percebe que ora a regra é



No filme apresentado, uma professora está trabalhando individualmen- cumprida ela vai

te com uma criança. Existia uma regra de quando ela estivesse trabalhando continuar tentando

individualmente com uma criança ela não seria interrompida. Ela combi-

nou de fazer um sinal vermelho ou verde. Quando estivesse verde, as crian-


ças poderiam vir e conversar com ela. Quando estivesse vermelho, significa-

va que ela estava conversando com uma criança e era para esperar um

pouquinho que depois ela atenderia.




Mas essas atividades individuais são rápidas, cinco ou dez minutos no má-
ximo. O que acontecia é que a criança vinha falar alguma coisa, perguntar
alguma coisa e ela dava atenção. Depois que ela resolvia o problema ela fala-
va: “mas a gente não combinou de que quando estivesse vermelho não pode-
Por seis vezes foi ria interromper?!” Por seis vezes foi assim, ela não conseguia trabalhar indivi-
34 assim, ela não conseguia dualmente, as outras crianças interrompiam. Então, ela resolveu cobrar a re-
gra mesmo. A criança chegava, ela levantava o vermelho e falava: “é urgente?

trabalhar individualmente

Então daqui a pouco eu vou lá”. No começo, ela confessou que fazia com dor

no coração, mas depois de um mês ela não tinha mais problema.



Com a ida ao banheiro também é assim. Há classes que têm dois colares,

um verde e um vermelho, para menina e para menino. Uma menina coloca



o colar verde e vai ao banheiro. No começo, é claro, eles formam uma fila

para ir ao banheiro. Depois isso vai ficando normal. É comum eles irem

juntos em três, quatro, no banheiro. Se o professor ora cobra, ora não co-

bra, deixa passar, vai ser assim o ano inteiro. Se na hora de ir ao cantinho,

começar a ir em grupos de cinco, seis, e o professor finge que não vê, ora ele

cobra, vai ser assim o ano inteiro.


Trabalhamos com 30, 32 crianças. Uma média tranqüila na sala. É claro que

o ideal é ter menos alunos. Acontece que o ideal é termos materiais adequados,

espaço físico adequado, um grupo de alunos pequenos, por exemplo 20. Se



esperarmos as condições ideais para trabalhar bem, não iremos trabalhar nun-

ca. O importante é, apesar das dificuldades, adaptar-se bem à situação.



Observei o trabalho de uma professora que dava aula para crianças de seis

anos numa classe em que, em outro período, funcionava o ensino técnico de



Segundo Grau. As carteiras eram enormes, para adolescentes. Muito material,


desenhos em que eles colocavam genitálias, xingavam crianças, destruíam.



Essa professora me ensinou muito. Ela e a turma de seis anos montavam e


desmontavam a classe todos os dias. Cada aluno, durante 15 dias, era responsá-

Ela e a turma de seis vel por um pedaço da classe. Os cartazes e o varal do do planejamento, mais o

anos montavam e material da sucata e o canto da pintura eram por conta da professora. O restan-

te era dividido entre as crianças.


desmontavam a classe

todos os dias Elas chegavam na escola e iam na sala do almoxarifado, pegavam o


material, levavam para a classe e cada uma fazia a sua parte. Pegavam as

carteiras, que ficavam uma atrás da outra, empurravam, para fazerem a


roda. Depois, na hora dos cantinhos, eles juntavam duas carteiras, quatro

cadeiras, as outras eles empurravam. No final do dia, na hora da limpeza,


eles levavam todo o material de volta para o almoxarifado, punham uma




Revista do Cogeime nº 14 Julho/99

carteira atrás da outra, deixavam do jeito que eles tinham encontrado a


classe.

Se crianças de seis anos fazem isso, como é que os mais velhos, de sete,

oito, dez ou doze, não podem fazer? Há o exemplo de uma classe em que a

professora chegou tarde e as crianças trabalharam sozinhos. Isso mostra que


o centro pedagógico está justamente no grupo, na classe, e não na mão do



Isso mostra que o professor. É possível perceber claramente, em uma classe construtivista, que

centro pedagógico está o centro pedagógico não está na mão do professor.


justamente no grupo

Numa classe construtivista, quando as crianças estão acostumadas a re-


solver os problemas, a tomar decisões, a montar e a organizar, o professor




pode sair da sala. Pode trabalhar individualmente, pois o centro pedagógi-
co não está mais na sua mão. O andamento, a disciplina, a aprendizagem
não dependem mais do professor.
Se conseguirmos transformar essas relações que temos com as crianças,
nós estamos caminhando em direção à autonomia dessas crianças. Vocês
imaginem os futuros adultos se isso for trabalhado nas séries iniciais, nos 35


primeiros ciclos, se isso tiver continuidade. Nós percebemos que não há


involução, que eles não regridem em um ambiente autoritário.



Por isso é fundamental que não se façam regras bobas, nem regras que


reforcem relações de respeito lateral. Por exemplo: “tem que obedecer a Por isso é



professora.” Ou “ficar quietos enquanto a professora estiver falando”. Espe- fundamental que não se


ra lá, tem que obedecer as regras da classe. Tem que ficar quieto quando façam regras bobas


alguém estiver falando. Quando um fala, os outros escutam.



Também existem regras que vão contra o desenvolvimento da criança,


por exemplo: “devem emprestar o brinquedo ao amigo, não falar mentira”.



São regras feitas para não serem cumpridas. As regras têm que ser muito


elaboradas, discutidas com as crianças, em cima de problemas reais.





Escola para os pais



Não tem escola para pais. Nós somos profissionais, estamos estudando



e nos esforçando para quê? Para nos aperfeiçoarmos cada vez mais. E os


pais acabam educando no bom senso. Às vezes, sentem-se culpados por



trabalhar fora, por não dar atenção, e nos momentos que passam com o


filho, confundem o “não” com o desamor. Falar “não” significa que eu não



amo o meu filho. Ou mesmo para compensar, nessas poucas horas que


passam com o filho, não querem frustá-lo de maneira alguma. Sabemos


que pequenas frustrações não traumatizam. É importante que a criança



saiba lidar com a tristeza, com a alegria, com o “não”, porque na vida dela


isso vai acontecer.


É comum, em palestras, às vezes o próprio professor perguntar: “como ○

lidar com uma classe em que a gente não impõe limites porque ama muito as

crianças?”.As pessoas confundem amor com superproteção. Isso não é amar.


Amar é justamente esse respeito que eu dou à criança, o respeito ao desenvol-



vimento, atender às necessidades dela. As necessidades que a criança tem,


não é sufocá-la com atenções, não colocar limitações, superprotegendo.



Nós podemos trabalhar com esses pais e eles têm nos buscado, porque

Revista do Cogeime nº 14 Julho/99

também estão perdidos a respeito de como educar. Se tiver espaço na escola,



que seja uma palestra mensal, que os próprios professores estudem, por exem-

plo os limites, e montem uma palestra para quem esteja interessado em traba-

lhar os limites. Se for possível convidar profissionais para dar palestras, ótimo,

porque ajudando a família, conseqüentemente, a criança está sendo ajudada


e o trabalho da escola também.



Mas pode ser com os próprios professores, a cada mês um fica responsável Também é função

por um tema, escreve um resumo, manda para os pais, indica livros. Acredito da escola orientar os pais,

porque a conseqüência é

que também é função da escola orientar os pais, porque a conseqüência é


direta na formação das


direta na formação das crianças.

crianças

Vocês já viram crianças brincando com boneca, ou com o colega, de
relação sexual. É porque ela já viu isso. Do mesmo jeito que viu o pai baten-
É importante que do na mãe ou o pai sendo preso. É importante que exista na sala, esse canto
exista na sala, esse canto do jogo simbólico, de faz-de-conta, ou mesmo uma caixa de miniaturas em
do jogo simbólico
que ela possa brincar, para ter um espaço para simbolizar. É perceptível que
36 as crianças, quando estão passando por determinados problemas, escolhem
muito mais o local do jogo simbólico, porque é uma maneira de eles lida-

rem com tudo isso.


É importante que haja esse espaço para a criança brincar de faz-de-



conta com a boneca. É preciso dar esse espaço para que ela lide com

esses conflitos. É importante também falar sobre o episódio: “o que você



sentiu quando isso aconteceu?” A criança ter oportunidade de colocar o


que sentiu. O professor não deve fingir que não está acontecendo nada,

mas até colocar histórias com conflitos e como podemos lidar com eles.

Buscar também conversar com os pais. Mas é fundamental que a criança


fale a respeito do que está sentindo, que ela verbalize isso, que ela con-

verse com o professor e que ela perceba que os sentimentos dela são

reconhecidos. Na sala de aula, precisamos abordar certos problemas di-



retamente.

Quando uma criança Quando uma criança está presenciando uma situação de violência, é

está presenciando uma preciso lidar com ela – o que ela está sentindo –, e com os pais também.

situação de violência, é Precisamos lidar com essas realidades distintas.


preciso lidar com ela


A nossa atuação na família é até mais limitada. Por mais que converse-

mos com a criança, há determinadas famílias que não vamos conseguir



mudar, por melhor que seja o nosso trabalho. Mas, apesar disso, o profes-

sor tem que trabalhar com a criança sobre o que ela sente nessa situação,

o que ela pensa, como ela está lidando com essa situação. É o problema do

cotidiano, muito mais importante que o ensino da matemática, do portu-



guês, da religião, porque isso não é religião, é a vivência da religião.


Por isso deve existir o canto do desabafo, o local em que a criança pode

desenhar o que a está entristecendo, o que a está preocupando, pode escre-


O local em que a

criança pode desenhar o ver sobre o que ela está sentindo, pode pintar tudo aquilo de preto, rasgar

que a está entristecendo em mil pedacinhos e jogar no lixo, pode enviar a carta, enfim, pode expor o

que ela está sentindo naquele dia.


Isso é chamado de “desvios simbólicos”. São desvios que nós utilizamos



para que a criança expresse a raiva, a tristeza, de uma maneira adequada,


sem causar danos maiores. Por exemplo, eu posso estar com raiva de al-


Revista do Cogeime nº 14 Julho/99

guém, mas não posso socá-lo, mas eu posso socar uma almofada, um saco de

serragem sem causar danos.



Não adianta tentar controlar a raiva de uma criança, ou mesmo de um


adulto. Para lidar com a raiva, é preciso que na classe tenha o jogo simbóli-

Não adianta tentar


controlar a raiva de uma co, uma caixa de areia com miniaturas onde as crianças podem organizar,

criança, ou mesmo de um montar cenários, em que vão lidar com os sentimentos. Se uma criança não

adulto quiser falar com o grupo, ou falar individualmente com você, que ela possa

desenhar como está se sentindo, que possa pintar sobre isso. Isso é estar

lidando com esses sentimentos.


Quanto menor for a criança, mais ela vai resolver os problemas na




ação, mais ela vai socar, morder. Quando ela fala “eu te amo”, ela beija,
abraça, sobe no colo, não fala apenas. O mesmo ocorre quando ela está
com raiva. Ela não só fala que está com muita raiva, mas também chuta,
morde, bate. Ela não só fala que
Nós precisamos ensinar essas crianças a outra maneira delas se expressa- está com muita raiva,
rem, sem ser com as mãos, com os pés, com os dentes. Não basta, para a mas também chuta, 37
morde, bate


criança pequena, o professor falar: “eu gosto muito de você.” Ele tem que


abraçar e beijar a criança, o toque é importante. O mesmo vale quando eles



estão lidando com briga.


Havia uma criança de quatro anos que mordia os amigos. A professora



falou: “você sabia que nessa escola não se morde as pessoas?!” A criança


respondeu: “não, não sabia”. A professora disse: “mas agora você fica saben-


do”. Mas ela teve uma intervenção inadequada quando afirmou: “olha, você



pode se morder, mas não se morde os amigos.” Essa criança começou a


morder a si mesma, aparecia com mordidas no braço. Ficou clara a necessi-



dade que essa criança tinha de morder, porque senão ela não estaria mor-


dendo a si mesma.



Em um caso como esse, é preciso deixar determinados objetos para que


ela possa morder. Da mesma maneira que deixamos um canto onde ela



possa socar, que ela possa bater: “Olha, quando você estiver com muita rai-


va, você vai ali e morde a boneca. Eu sei que você está bravo, está com raiva,



mas no seu amigo não se bate.” Não podemos permitir que a criança cause


dano aos outros ou a si mesma. Não podemos



Tem uma fase em que a mordida é normal, por volta dos dois anos, permitir que a criança


depois desaparece, dependendo muito do ambiente. Foi engraçado que cause dano aos outros ou


a si mesma


depois que objetos grandes para morder foram colocados, a menina parou


de morder. É preciso deixar também desvios simbólicos para as crianças,


para que eles possam se extravasar de alguma forma.



Agimos de maneira semelhante quando apertamos a bochecha da crian-


ça. Conheci uma criança de dois anos que, quando gostava de alguém,


externava esse sentimentos apertando as duas bochechas. Com um bebê ○

pequeno, essa atitude acabava em choro, é claro. A nossa função é mostrar



para essa criança outras maneiras de extravasar o afeto dela.


Uma solução muito criativa foi relatada por uma professora simples, que

nem tinha magistério, lá do Norte. Ela tinha um aluno que chutava muito e ela

não sabia o que fazer. O chão da classe era de barro e ela falou para as crianças

ficarem descalças, trabalharem descalças. Quando o menino chutava, doía o pé


Revista do Cogeime nº 14 Julho/99

dele. Ele chutou duas vezes e nunca mais, porque doía o pé. A criatividade da

professora permitiu à criança sentir as conseqüências do chute. Às vezes, ao Ao sentir as


sentir as conseqüências dos atos, as crianças vão modificando as ações. conseqüências dos atos,

as crianças vão

modificando as ações

Recompensas e punições

Não usamos recompensas ou punições com as crianças de forma algu-


ma. Quando o adulto usa uma recompensa, quando dá alguma coisa em



troca, quando fala que quem for bonzinho vai ficar no recreio, ele está ma-

nipulando para que a criança aja como ele quer. O mesmo ocorre quando


usa do castigo para que a criança não tenha alguns comportamentos. Nessas
circunstâncias, a criança permanece heterônoma.
Castigo e recompensa funcionam. Quem falar que não funcionam, está
mentindo. O problema é que deixam conseqüências na criança a longo
prazo, como cálculo de risco. A criança fica calculando qual a chance de ela
38 ser flagrada, mentir para escapar de punição.
Piaget diz que quando for necessário tomar uma atitude, o educador

O educador deve se deve se valer de sanções por reciprocidade. São aquelas sanções que têm

valer de sanções por relação direta com aquilo que a criança fez. Por exemplo, as crianças estão

reciprocidade brincando com um jogo e uma rouba. O que elas fazem? Não vão mais que-

rer jogar com aquele menino.



Havia uma criança que, no meio do jogo, quando ele via que ia perder,

dizia que não queria mais jogar. Foi assim na primeira vez, na segunda os

meninos falaram que não queriam mais jogar com ele. É uma decorrência

natural do ato.

O que o Piaget diz é que nós protegemos muito as crianças. Não permi-

timos que elas sintam a conseqüência do ato.


Quando brigam, vamos lá imediatamente e pedimos para se desculpa-



rem. É importante que o adulto permita que as crianças sintam as conseqü-


ências dos atos. “Por que será que o grupo não quer mais jogar com você? O

que você vai fazer para deixar claro que você está disposto a mudar.”

Outros tipos de sanções por reciprocidade são: privar temporariamente



a criança de algo que ela está estragando; reparar o dano causado, se ela

quebrou algo; sujou, limpou.



A criança sabe exatamente o que pode fazer e em que ambiente. A cri-


ança sabe o que pedir para o pai, o que pedir para a mãe, o que um profes-

sor deixa, o que o outro não deixa. A coerência seria o ideal, mas nem sem-

pre é possível, por isso investe-se em formação de professores.



Para adquirir uma Sempre que possível, nas reuniões pedagógicas, todos os profissionais

linguagem única, todos os devem participar, desde os zeladores ao professor de química, por exemplo,

mesmo que ele ache que não tem nada a ver com o tema. Isso é fundamen-

profissionais devem

participar das reuniões tal para adquirirem uma linguagem única.


pedagógicas








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