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A crise econômica internacional e seu

Panorama das Economias


rebatimento sobre a economia brasileira
Panorama das Economias Internacional e Brasileira

Panorama das Economias Internacional e Brasileira


constituem os temas principais desta
dinâmica e impactos da crise global
Internacional e Brasileira
coletânea, mas a abordagem não se
contenta com a avaliação do momento.
Como o leitor perceberá em cada artigo,
dinâmica e impactos da crise global

dinâmica e impactos da crise global


em vez de reproduzir as palavras de ordem
da compreensão média do mercado sobre Geraldo Biasoto Junior
a economia, a tentativa foi de investigar Luis Fernando Novais
os elementos que deram sentido aos Maria Cristina Penido de Freitas
movimentos financeiros e reais que organizadores
resultaram nesse desequilíbrio, bem como a
institucionalidade que os suportou.
Geraldo Biasoto Junior
Os desdobramentos e as alternativas postas
a governos e agentes econômicos também Luis Fernando Novais com artigos de
foram avaliados buscando compreender as Maria Cristina Penido de Freitas Claudio Avanian Jacob
interessantes articulações entre o público e o Daniela Magalhães Prates
Organizadores
privado produzidas ante o desespero da crise. Emerson Fernandes Marçal
Importa frisar que as análises que o leitor Geraldo Biasoto Junior
encontrará ao longo deste livro guardam José Roberto Afonso
enorme relação com o avanço da situação e Julio Gomes de Almeida
com as descobertas que o mundo foi fazendo Luis Fernando Novais
sobre a fragilidade da ordem financeira Marcos Antonio Macedo Cintra
estabelecida nos últimos anos. Maria Cristina Penido de Freitas
Desfruta-se, agora, do súbito retorno dos Maryse Farhi
mercados à realidade de que a condução Rafael Fagundes Cagnin
da economia é muito mais complexa do que
meramente seguir a receita de manter os
“fundamentos” sob controle.
Por isso, conquanto todos os temas e as
posições aqui visitados sejam naturalmente
controversos, a retomada do debate — ao
largo das amarras postas pelas verdades
universais alardeadas pelos mercados — já
terá um grande valor para a discussão da
economia e das políticas governamentais.
Panorama das Economias
Internacional e Brasileira
dinâmica e impactos da crise global

Geraldo Biasoto Junior


Luis Fernando Novais
Maria Cristina Penido de Freitas
organizadores

Artigos de
Claudio Avanian Jacob
Daniela Magalhães Prates
Emerson Fernandes Marçal
Geraldo Biasoto Junior
José Roberto Afonso
Júlio Gomes de Almeida
Luis Fernando Novais
Marcos Antonio Macedo Cintra
Maria Cristina Penido de Freitas
Maryse Farhi
Rafael Fagundes Cagnin

1a. edição
São Paulo
Edições Fundap
2009
Governador do Estado
José Serra
Secretário de Gestão Pública
Sidney Beraldo

Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap)


Diretor Executivo
Geraldo Biasoto Junior

GRUPO DE CONJUNTURA E INFRAESTRUTURA DA FUNDAP


Luis Fernando Novais (coordenador)
Maria Cristina Penido de Freitas
Emerson Fernandes Marçal
Talita Miranda Ribeiro
Mario Roque Bonini
Waldomiro Pecht
Mônica Landi
José Rodrigues
Margret Althuon
Roberto Honda
César Garritano (estagiário)
Marcos Rente Pessoa (estagiário)
César Roma Filho (estagiário)
Daniel Sousa Dias (estagiário)

EQUIPE DE EDIÇÃO Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Revisão Técnica (Centro de Documentação da FUNDAP, SP, Brasil)
Maria Cristina Penido de Freitas
Capa e Projeto Gráfico Panorama das economias internacional e brasileira: dinâmica e impactos da crise
Newton Sodré global / Geraldo Biasoto Junior, Luis Fernando Novais, Maria Cristina Penido de
Editoração Eletrônica Freitas (orgs.); artigos de Claudio Avanian Jacob...[et al.]. São Paulo : FUNDAP :
Kleber de Freitas Carneiro Pessoa Secretaria de Gestão Pública, 2009.
336p.
Revisão
Diego Ramon Jonsson Carau ISBN 978-85-7285-115-2
Heloisa Hisami Yokoyama 1. Conjuntura econômica. 2. Economia brasileira. 3.Economia internacional.
Catalogação na Fonte I. Biasoto Junior, Geraldo (org.). II. Novais, Luis Fernando (org.). III. Freitas, Maria
Elena Yukie Harada Cristina Penido de (org.) IV. Fundação do Desenvolvimento Administrativo – FUNDAP.
V. São Paulo (Estado) Secretaria de Gestão Pública
Normalização Bibliográfica
Ana Cristina de Souza Leão CDD – 330.9
Norma Batista Nórcia 330.981
Ruth Aparecida de Oliveira 337

Edições Fundap
Rua Cristiano Viana, 428
05411-902 São Paulo SP
Telefone (11 3066 5500
livraria@fundap.sp.gov.br
© 2009 Secretaria de Gestão Pública / Fundap
SUMÁRIO

Apresentação 5
Sobre os Autores 7

ECONOMIA INTERNACIONAL
ORIGEM E DESDOBRAMENTOS DA CRISE DO MERCADO DE HIPOTECAS DE ALTO RISCO
NOS ESTADOS UNIDOS 9
Maria Cristina Penido de Freitas

A CRISE FINANCEIRA E O GLOBAL SHADOW BANKING SYSTEM 25


Maryse Farhi / Marcos Antonio Macedo Cintra

O sistema de financiamento residencial americano: de uma crise a outra 46


Rafael Fagundes Cagnin

PANORAMA E PERSPECTIVAS DAS ECONOMIAS AVANÇADAS: SOB O SIGNO DA CRISE 64


Maria Cristina Penido de Freitas

Panorama das economias emergentes: o efeito-contágio da crise 84


Daniela Magalhães Prates

REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO EM PERSPECTIVA COMPARADA 98


Maria Cristina Penido de Freitas

Inflação Mundial e Preços de Commodities 113


Maria Cristina Penido de Freitas

Fundos de riqueza soberana 125


Maria Cristina Penido de Freitas

3
ECONOMIA BRASILEIRA
DO “VoO DA GALINHA” AO CRESCIMENTO SUSTENTADO: POSSIBILIDADES E INCERTEZAS 142
Luis Fernando Novais

A crise global e a ‘morte súbita” do PIB brasileiro no 4º trimestre de 2008 152


Luis Fernando Novais

O desempenho econômico-financeiro das companhias abertas entre 2002-2007


e no ano de 2008 172
Júlio Gomes de Almeida / Claudio Jacob /Luis Fernando Novais

Os fluxos de capitais para a economia brasileira em 2007 e no primeiro


quadrimestre de 2008 198
Daniela Magalhães Prates

O mercado de crédito no Brasil: tendências recentes 215


Maria Cristina Penido de Freitas / Daniela Magalhães Prates

O mercado brasileirode capitais no período 2003-2008: evolução e tendências 235


Maria Cristina Penido de Freitas

O COMÉRCIO EXTERIOR BRASILEIRO EM 2007 253


Daniela Magalhães Prates

O desempenho do comércio exterior brasileiro por intensidade tecnológica,


entre 2000 e 2008 262
Emerson Marçal / Luis Fernando Novais

ESTIMANDO A TAXA DE CÂMBIO REAL DE EQUILÍBRIO PARA A ECONOMIA BRASILEIRA 289


Emerson Marçal

O mercado de câmbio em 2008 302


Daniela Magalhães Prates

Por que não Investimento Público com Gestão Privada? 314


José Roberto R. Afonso / Geraldo Biasoto Junior

4
Apresentação

E
ste livro reúne dezesseis artigos, elaborados a partir das notas técnicas sobre temas da conjuntura
econômica internacional e brasileira produzidas, ao longo de 2007 e de 2008, pelo Grupo de Con-
juntura da Fundação de Desenvolvimento Administrativo (Fundap) e por pesquisadores convidados.
A crise econômica internacional e seu rebatimento sobre a economia brasileira constituem os
temas principais, mas a abordagem não se contenta com a avaliação do momento. Compreender a crise
como manifestação das estruturas e da dinâmica inscrita na economia atual é o pano de fundo dos es-
forços realizados pelos autores. Como o leitor perceberá, houve, em cada artigo, a tentativa de — em vez
de reproduzir as palavras de ordem da compreensão média do mercado sobre a economia — investigar
os elementos que deram sentido aos movimentos financeiros e reais que resultaram na crise, bem como
a institucionalidade que os suportou. Os desdobramentos e as alternativas postas pela crise a governos
e agentes econômicos também foram avaliados, buscando compreender as interessantes articulações
entre o público e o privado produzidas ante o desespero da crise.
Na primeira parte — Economia Internacional —, cinco de seus oito artigos têm como tema a crise fi-
nanceira, que, iniciada no mercado americano de hipotecas residenciais, em julho de 2007, transformou-se,
rapidamente, em crise global, a pior dos últimos setenta anos. Os três primeiros, de autoria, respectivamente,
de Maria Cristina Penido de Freitas, de Maryse Farhi e Marcos Antonio Macedo Cintra e de Rafael Fagundes
Cagnin, complementam-se na análise das origens da crise, examinando a atuação dos bancos e instituições
financeiras não bancárias no processo de securitização e o funcionamento do mercado hipotecário ame-
ricano. O quarto artigo, de Maria Cristina Penido de Freitas, examina o impacto da crise financeira sobre o
desempenho macroeconômico das principais economias avançadas, enquanto o quinto artigo, de Daniela
Magalhães Prates, examina o efeito-contágio da crise sobre os países de economia de mercado emergente.

5
Dos outros três artigos dessa primeira seção, todos de autoria de Maria Cristina Penido de Freitas,
o sexto discute, em perspectiva comparada, os aspectos teóricos e operacionais da política monetária no
regime de meta de inflação, enquanto o sétimo artigo ressalta a relação entre o movimento de alta nos
preços das principais commodities e a elevação da inflação mundial em 2007 e 2008. O oitavo e último
artigo dessa seção mapeia os principais pontos do debate sobre os fundos de riqueza soberana, cujos
investimentos nas economias avançadas suscitaram temores e reações protecionistas.
A segunda parte — Economia Brasileira — é composta de onze artigos. O primeiro, de autoria de
Luis Fernando Novais, discute o desempenho da economia brasileira na presente década, enquanto o
segundo, do mesmo autor, mostra como o processo de crescimento foi interrompido pelo impacto da
crise global. O terceiro artigo sintetiza os resultados da pesquisa realizada por Júlio Gomes de Almeida,
Claudio Avaniam Jacob e Luis Fernando Novais sobre o desempenho econômico-financeiro das empresas
brasileiras de capital aberto entre 2002-07 e o ano de 2008. No quarto artigo, de Daniela Magalhães
Prates, são discutidos os determinantes dos fluxos de capitais para a economia brasileira em 2007 e no
início de 2008, o período crítico da crise. O quinto e o sexto artigos têm como objeto a análise da evolução
do mercado financeiro: no quinto, Maria Cristina Penido de Freitas e Daniela Magalhães Prates examinam
as tendências recentes do mercado de crédito, enquanto no sexto artigo, Maria Cristina Penido de Freitas
analisa os determinantes da evolução do mercado de capitais no período 2003-2008.
O comércio exterior é igualmente tema de dois artigos. O sétimo artigo, de Daniela Magalhães Prates,
examina o desempenho do comércio exterior brasileiro em 2007, enquanto no oitavo artigo, de Emerson Mar-
çal e Luis Fernando Novais, analisa o desempenho das exportações brasileiras no período 200-08 pela ótica
da intensidade tecnológica. Tema correlato ao comércio exterior e ao mercado financeiro em uma economia
aberta como a brasileira, o câmbio é objeto do nono artigo, no qual Emerson Marçal apresenta os resultados
de suas estimações para a taxa de câmbio de equilíbrio e também do décimo artigo, de autoria de Daniela
Magalhães Prates, que examina a dinâmica dos mercados de câmbio à vista e futuro.
O décimo primeiro artigo, de José Roberto Afonso e Geraldo Biasoto Junior, avalia os desafios e
oportunidades que a crise global impôs à economia brasileira como mote para propor um novo arranjo
institucional para os investimentos em infraestrutura, que combina propriedade estatal e gestão privada.
Por fim, importa frisar que as análises que o leitor encontrará ao longo desse livro guardam enorme
relação com o avanço da crise e as descobertas que o mundo foi fazendo sobre a fragilidade da ordem finan-
ceira estabelecida nos últimos anos. Elas desfrutam, agora, do súbito retorno dos mercados à realidade de
que a condução da economia é muito mais complexa do que meramente seguir a receita de manter os “fun-
damentos” sob controle. Por isso, conquanto todos os temas e posições aqui visitados sejam naturalmente
controversos, a retomada do debate, ao largo das amarras postas pelas verdades universais alardeadas
pelos mercados, já terá um grande valor para a discussão da economia e das políticas governamentais.
Cabe registrar agradecimentos a todos que colaboraram para a elaboração desse livro. Em parti-
cular, a Talita Miranda Ribeiro, Roberto Honda, Cesar Roma Filho, Cesar Garritano, Marcos Rente Pessoa
e Daniel Sousa Dias, responsáveis pela atualização do banco de dados do Grupo de Conjuntura e pela
elaboração dos gráficos. Este livro também não teria sido possível sem o trabalho dedicado e competente
da equipe de Editoração da Fundap.
Geraldo Biasoto Junior
Organizador

6
Sobre os Autores
Claudio Avanian Jacob. Doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de
Campinas (IE-Unicamp) em 2003. Professor Universitário, entre 2000 e 2007, nas áreas ligadas a mer-
cado financeiro, mercado de capitais, política econômica, macroeconomia, economia brasileira. Atua no
mercado financeiro e de capitais há mais de 15 anos.

Daniela Magalhães Prates. Doutora em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual
de Campinas (IE-Unicamp) em 2002, foi pesquisadora da Fundação do Desenvolvimento Administra-
tivo (Fundap) entre dezembro de 1994 e dezembro 2004. Desde 2003, é professora dos cursos de
graduação e mestrado do IE-Unicamp. Realiza estudos nas áreas de economia internacional, economia
monetária-financeira e economia brasileira. Atualmente, é pesquisadora do CNPq e do Centro de Estudos
de Conjuntura e Política Econômica (Cecon) do Instituto de Economia da Unicamp

Emerson Fernandes Marçal. Doutor em Economia pela Faculdade de Economia, Administração e Contabi-
lidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), em 2004. Atualmente, é professor do mestrado e doutora-
do strictu sensu na Linha de Finanças na Universidade Presbiteriana Mackenzie e coordenador do Centro
de Macroeconomia Aplicada (Cemap) da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas
(EESP-FGV). Foi professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp)
entre 2005 e 2008. Atua na área de econometria de séries de tempo, macroeconometria e finanças.

Geraldo Biasoto Junior. Economista, mestre e doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Uni-
versidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp). Professor licenciado do IE-Unicamp e diretor executivo
da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap). Ex-secretário de Gestão de Investimentos do
Ministério da Saúde. Realiza estudos em finanças públicas e políticas sociais.

José Roberto Afonso. Economista e técnico em Contabilidade; mestre em Economia pela UFRJ e dou-
torando do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp). Ex-superinten-
dente da área fiscal do BNDES, atualmente cedido para o Senado Federal. Realiza estudos na área de
finanças públicas.

Júlio Gomes de Almeida. Doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Cam-
pinas (IE-Unicamp), em 1997. Professor do IE-Unicamp, ex-secretário de Política do Ministério da Fazenda (de
maio de 2006 a abril de 2007); ex-diretor executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial
(Iedi). Realiza estudos em macroeconomia, economia de empresas e economia brasileira.

Luis Fernando Novais. Bacharel em Economia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (Depar-
tamento de Economia e Planejamento Econômico) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e
doutorando do Instituto de Economia da Unicamp. Pesquisador da Fundação do Desenvolvimento Admi-
nistrativo (Fundap), especializado em análise de conjuntura econômica e em economia regional. Atual-
mente, é coordenador do projeto ‘Conjuntura Econômica, PIB Tributável e Arrecadação Tributária’ e do
Grupo de Conjuntura Fundap.

7
Marcos Antonio Macedo Cintra. Doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Esta-
dual de Campinas (IE-Unicamp), em 1997; pesquisador da Fundação do Desenvolvimento Administrativo
(Fundap) entre dezembro de 1994 e maio de 2004. Professor do IE-Unicamp entre junho de 2004 e
junho de 2009. Desde então, técnico em planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea). Realiza estudos em economia internacional, sistema monetário e financeiro internacional
e sistema financeiro brasileiro.

Maria Cristina Penido de Freitas. Economista pela Face-UFMG, mestre em Economia pelo Instituto de
Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp), doutora em Economia pela Universidade
de Paris XIII (França). Foi pesquisadora da Fundap entre agosto de 1987 e fevereiro de 2002. Foi profes-
sora da Unip, entre abril de 1999 a julho de 2006, e da PUC-SP, entre maio de 2004 a julho de 2008.
Realiza estudos em economia internacional e economia monetária e financeira.

Maryse Farhi. Doutora em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas
(IE-Unicamp), em 1998. Professora do IE-Unicamp desde março de 2003 e pesquisadora da Fundação de
Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Realiza estudos em sistema financeiro internacional
com ênfase em inovações financeiras, economia monetária e financeira no Brasil.

Rafael Fagundes Cagnin. Economista, mestre em Teoria Econômica na Universidade Estadual de Cam-
pinas (Unicamp), doutorando em Economia na Universidade Paris XIII (França) e bolsista do Programa
Alßan da União Européia para a América Latina.

8
ORIGEM E DESDOBRAMENTOS
DA CRISE DO MERCADO DE
HIPOTECAS DE ALTO RISCO
NOS ESTADOS UNIDOS

Maria Cristina Penido de Freitas

A
s turbulências nos mercados financeiros globais – iniciadas em meados de 2007 – atingiram, no
início de 20081, um novo patamar com o anúncio das perdas dos principais bancos americanos e
europeus como consequência da crise do mercado de hipotecas subprimes. Em abril de 2008, os
maiores bancos do mundo já haviam reconhecido perdas de mais de US$ 224 bilhões com ativos asso-
ciados a essas hipotecas, que se revelaram de má qualidade.
Para analisar a crise do mercado de hipotecas subprimes, o artigo divide-se em quatro seções. A primeira
examina como os bancos se envolveram com o mercado de hipotecas de alto risco, destacando o processo de
securitização e os veículos de investimentos estruturados (SIV, na sigla em inglês). Na seção seguinte, analisam-
se a expansão recente do mercado de empréstimos imobiliários de alto risco nos Estados Unidos e os impactos
da crise sobre as famílias. A terceira seção apresenta uma breve cronologia dos problemas enfrentados pelos
bancos em decorrência da crise das hipotecas subprime. A última seção examina as ações dos bancos centrais
para evitar que a iliquidez dos mercados interbancários se transformasse em uma grave crise de crédito.

O Processo de Securitização no Sistema Bancário e a Crise do Mercado


de Hipotecas Subprime
Até o início dos anos 80, os bancos americanos mantinham em carteira, até o vencimento, os
empréstimos que concediam. Embora algumas operações de crédito fossem vendidas uma a uma, como
no caso dos empréstimos sindicados após a crise da dívida de 1982, esse mercado era pequeno e ilí-
quido. Com a maior ênfase das autoridades de regulamentação nos requisitos de liquidez e de capital __

1 Este artigo foi elaborado com informações disponíveis até 13 de maio de 2008.

ECONOMIA INTERNACIONAL

9
que culminou na elaboração do Acordo de Basileia de 1988 e na definição de um coeficiente de capital
mínimo de 8% dos ativos ponderados pelos riscos __, os bancos passaram a utilizar de forma crescente a
securitização como instrumento de administração de balanço.
Inspirados no modelo de transformação das hipotecas em ativos negociáveis (mortgage backed
securities) da Government National Mortgage Association (Ginnie Mae) e das empresas patrocina-
das pelo governo (government sponsored-enterprises)2, os bancos desenvolveram novos instrumentos
financeiros, os chamados produtos financeiros estruturados, que viabilizaram a constituição de um
amplo mercado secundário para os empréstimos bancários. Ao mesmo tempo, essas instituições pas-
saram a priorizar operações não registradas no balanço (garantias de crédito, por exemplo) e a criar
empresas de propósitos especiais, também conhecidas como veículos de investimento estruturados
(SIV, na sigla em inglês). Os bancos transferiam parte de suas carteiras de crédito para esses veículos,
em geral localizados em paraísos fiscais, de forma a reduzir as exigências de capital e liberar recursos
para novos negócios.
Com o desenvolvimento de novos produtos e técnicas complexas de gestão de risco de crédito –
tais como o credit default swap (CDS) e o collateralised debt obligations (CDO) – e com a proliferação
de produtos financeiros estruturados, lastreados em diversos tipos de ativos de renda fixa (commercial
papers, hipotecas etc.) e em recebíveis diversos, o processo de securitização atingiu o seu ápice (Gráfico
1). De um lado, a exemplo dos bancos globais, os pequenos bancos regionais americanos, que concen-
travam suas operações de crédito nos mercados locais, passaram também a vender suas operações de
crédito para seguradoras e hedge funds, transferindo assim os riscos de crédito e de mercado. De outro
lado, além reduzir o custo do endividamento tanto para as famílias como para as empresas, essas inova-
ções financeiras, ao facilitar a avaliação e a precificação dos riscos, viabilizou a concessão de crédito para
tomadores com fraco histórico de crédito, em particular famílias de baixa renda.

Gráfico 1. Evolução da securitização nos Estados Unidos

1 2

Emissão de Ativos Securitizados, $tri Empréstimos, $tri 2006

Registrado no balanço Vendido/Securitizado*


4
0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0

3 Bank of
America

2
Citigroup

1 JPMorgan
Chase

0 Wells Fargo
1985 90 95 2000 06
*Últimos 2 anos

Extraído de When it goes wrong (2007).

2 As empresas patrocinadas pelo governo que atuam no mercado de financiamento imobiliário são a Fannie Mae – Federal National
Mortgage Association – e a Freddie Mac – Federal Home Loan Mortgage Corp. –, empresas privadas com papéis negociáveis em bolsa.

ORIGEM E DESDOBRAMENTOS DA CRISE DO MERCADO DE HIPOTECAS DE ALTO RISCO NOS ESTADOS UNIDOS

10
A partir de 2003, com o forte aquecimento do mercado imobiliário nos Estados Unidos e a expan-
são da concessão de empréstimos imobiliários a tomadores de alto risco, os bancos fizeram uso intenso
das transações não registradas no balanço, transferindo aos SIV parte de suas carteiras de empréstimos
subprime, de modo a evitar os requerimentos de capital associados a esses ativos. Simultaneamente,
proliferaram no mercado financeiro americano transações com instrumentos financeiros lastreados em
hipotecas já securitizadas, tais como o collateralized debt obligation (CDO), o asset-backed commercial
paper (ABCP), o ABS CDO, o CDO de CDO e o CDO sobre CDO, emitidos pelos SIV e garantidos por linhas
de crédito contingente fornecidas pelos bancos comerciais. Baseados em sofisticada engenharia finan-
ceira, esses ativos combinam títulos de natureza distinta e riscos diversos com baixa correlação, de modo
a viabilizar a obtenção de uma classificação de risco superior ao dos ativos subjacentes. Esses ativos
financeiros complexos foram adquiridos por bancos, fundos de investimento e seguradoras, tanto nos
Estados Unidos como no exterior.
Embora tenham viabilizado a ampliação da liquidez no mercado de crédito e do endividamento
de famílias, empresas e instituições financeiras, essas inovações financeiras potencializaram o risco de
crise sistêmica, uma vez que os contratos são amplamente interconectados, envolvendo diversos partici-
pantes e segmentos do mercado financeiro. Igualmente, afetaram a qualidade da avaliação e o monitora-
mento dos devedores pelas instituições originadoras dos empréstimos, pois essas – ao transferir o risco
de crédito – deixam de realizar o acompanhamento efetivo do devedor (PARTNOY e SKEEL JR., 2006).
Esses problemas vieram à tona em 2006, quando a contínua elevação da taxa básica de juros pelo
Federal Reserve (Fed), a partir do final de 2004, acarretou o aumento crescente da inadimplência dos
mutuários das hipotecas subprimes. Foram particularmente afetadas as hipotecas ajustáveis, que combi-
nam taxa de juros fixa nos dois primeiros anos e juros flutuantes pelos 28 anos restantes do contrato de
30 anos. Com o crescimento do número de contratos inadimplentes levados a execução (foreclosures),
os preços dos imóveis __ que servem de garantia aos empréstimos __ entraram em trajetória de queda,
afetando seriamente o mercado imobiliário e se espraiando rapidamente para os diversos segmentos do
mercado financeiro tanto americano como global.

A Expansão Recente do Mercado de Hipotecas de Alto Risco e Os Impactos


da Crise Sobre as Famílias
As hipotecas de alto risco ou subprime são empréstimos imobiliários concedidos a indivíduos sem
histórico de crédito ou com histórico de inadimplência, em geral famílias de baixa renda ou minorias (ne-
gros e hispânicos). Essas hipotecas de alto riso integram o segmento não prime do mercado, em conjunto
com as hipotecas Alt A que são os empréstimos imobiliários concedidos a indivíduos com bom histórico
de crédito, mas sem comprovação de renda. Isto significa que não contam com garantia governamental
nem são adquiridas pelas empresas patrocinadas pelo governo que viabilizam o mercado secundário e a
transformação das hipotecas em ativos negociáveis (mortgage backed securities).
Esse tipo de hipoteca surgiu nos Estados Unidos na década de 1980, porém o mercado só
ganhou importância na segunda metade dos anos 1990. A expansão das hipotecas subprime foi im-
pulsionada, sobretudo, por inovações financeiras que viabilizaram sua negociabilidade, como o de-
senvolvimento do sistema de credit score (que facilitou a avaliação e precificação dos riscos) e dos

ECONOMIA INTERNACIONAL

11
chamados derivativos de crédito (credit swap, credit option e outros), que permitem a transferência
do risco de não pagamento (default). Igualmente, ocorreram alterações na regulamentação do setor,
as quais autorizaram a concessão de empréstimos imobiliários com taxas de juros ajustáveis (ou seja,
flutuantes) e viabilizaram as vendas das hipotecas pelas instituições “originadoras” dos empréstimos
a vários intermediários ou “securitizadores”.
O desenvolvimento deste modelo originate-to-distribute permitiu o acesso das instituições credo-
ras ao mercado de capitais, ao mesmo tempo em que viabilizou a ampliação da taxa de famílias proprie-
tárias de imóveis, que saltou de 64% em 1994 para quase 69% em 2006 (Gráfico 2). As maiores taxas de
crescimento foram observadas entre as famílias de baixa renda e minorias, com fraco histórico de crédito
e piores condições financeiras para absorver a elevação do custo das hipotecas quando da elevação das
taxas de juros (BERNANKE, 2007).

Gráfico 2. Evolução da taxa de famílias proprietárias de residência (em %)

Fonte: Kiff e Mills (2007 : 4).

No Gráfico 3, observa-se o extraordinário crescimento dos fluxos de empréstimos subprime em


comparação com os dos empréstimos com garantia da Federal Housing Administration (FHA). As hipote-
cas FHA referem-se ao financiamento imobiliário concedido a famílias de baixa e média renda, com bom
histórico de crédito, mas que são considerados de mais alto risco pelos credores tradicionais. As hipote-
cas FHA são realizadas com regras mais estritas no que se refere às condições da concessão, incluindo
taxa fixa de juros e limite do valor de empréstimo (teto de US$ 427 mil por família). Na avaliação dos
analistas, as regras mais rígidas e a menor flexibilidade de adaptação às alterações nas condições de
mercado explicariam o predomínio das concessões de empréstimos imobiliários de alto risco vis-à-vis os
empréstimos com garantia da FHA (KIFF e MILLS, 2007).
O mercado de financiamento imobiliário é extremamente fragmentado. Metade dos empréstimos é
concedida pelas instituições depositárias (bancos comerciais e instituições de poupança e empréstimos)
ou suas subsidiárias e filiadas, enquanto a outra metade é concedida por companhias hipotecárias inde-
pendentes. Além disso, na presente década, a maioria das hipotecas foi obtida por meio de brokers, entida-
des independentes que realizam empréstimos por conta e ordem das instituições de depósito e de outros
credores. As várias instituições financeiras e as corretoras que operam no mercado de crédito habitacional
estão sujeitas a distintos regimes de regulação e supervisão, com graus variados de enforcement. Essa
heterogeneidade do marco regulatório dificulta o monitoramento das atividades, seja pelas autoridades de

ORIGEM E DESDOBRAMENTOS DA CRISE DO MERCADO DE HIPOTECAS DE ALTO RISCO NOS ESTADOS UNIDOS

12
regulamentação seja pelos investidores, aumentando, com isso, a possibilidade de práticas ilícitas e/ou de
altíssimo risco, em particular no segmento não prime do mercado (BERNANKE, 2007).

Gráfico 3. “Originação” das hipotecas subprime e FHA1 (Fluxos) (em US$ bilhões)

Extraído de Kiff e Mills (2007 : 4).


Nota: (1) Hipotecas FHA são empréstimos imobiliários concedidos a tomadores de baixa e média renda e contam
com a garantia da Federal Housing Administration.

Com a expansão dos empréstimos imobiliários de alto risco, aumentou o percentual de hipotecas sem
garantia governamental mantidas em carteiras por instituições privadas que realizam a securitização desses
empréstimos. Como mostra o Gráfico 4, embora as instituições depositárias concedam cerca de 50% do
total das hipotecas, no final de 2006 conservavam em carteira apenas 30% do estoque total de hipotecas
(maturidade, em geral, de 30 anos). Os 70% restantes estavam assim distribuídas: 38% mantidas no pool de
securitização das entidades patrocinadas pelo governo (das quais 3% detidas diretamente por essas entida-
des), 18% no pool de instituições privadas securitizadoras e 5% nos trusts de investimento imobiliários.

Gráfico 4. Evolução das hipotecas mantidas em carteira por instituições depositárias1 (em % do estoque total)
Instituições depositárias GSE (incl. securitização)
Private label securizations REIT e households

Extraído de Kiff e Mills (2007 : 7).


Nota: (1) Instituições depositárias são bancos comerciais e instituições de poupança (saving and loans); GSE são
empresas com patrocínio governamental, que compram, concedem garantia e securitizam hipotecas que obedecem
as regras da FHA; REIT são trusts de investimento imobiliário; Private label securitizations referem-se a hipotecas que
não contam com suporte governamental e são transformadas em ativos negociáveis por instituições privadas.

ECONOMIA INTERNACIONAL

13
O contexto de forte aquecimento do mercado imobiliário americano a partir de 2003, com rápida
elevação dos preços das residências, resultou na subavaliação do risco por parte tanto dos tomadores
como dos credores dos empréstimos imobiliários. Para adequar os empréstimos às condições financei-
ras dos tomadores, as instituições credoras passaram, cada vez mais, a oferecer hipotecas com taxas
ajustáveis e/ou hipotecas não tradicionais, que preveem o pagamento apenas de juros nos anos iniciais
de duração do contrato.
As hipotecas com taxas ajustáveis são, em sua maioria, produtos financeiros híbridos que combi-
nam juros fixos com juros flutuantes. Segundo Kiff e Mills (2007), cerca de dois terços das concessões
de financiamento imobiliário realizados em 2005 e 2006 nos Estados Unidos combinam taxa de juros
fixa nos dois primeiros anos, que são convertidas em taxa de juros flutuante ao final do segundo ano para
vigorar pelos 28 anos seguintes. Em geral, a taxa de juros fixa que vigora nos dois anos iniciais são infe-
riores à taxa de mercado, o que amplifica o efeito de elevação do custo financeiro do empréstimo para o
tomador quando se inicia o período de juros flutuantes.
Com a contínua elevação da taxa básica de juros pelo Federal Reserve (Fed) a partir do final
de 2004 (Gráfico 5), a taxa de inadimplência (atraso superior a 60 dias) das hipotecas subprime
com taxas ajustáveis começou a subir consideravelmente, atingindo 15% em 2006 (Gráfico 6). Com
a ampliação das taxas de inadimplência, o número de execução das hipotecas (foreclosures) tam-
bém aumentou, passando de uma média de 220 mil durante os últimos seis anos para 320 mil em
cada um dos dois primeiros trimestres de 2007 (BERNANKE, 2007). De acordo com o presidente do
Fed, historicamente, metade das hipotecas executadas redundam em despejo das famílias inadim-
plentes, porém essa proporção deverá aumentar em virtude das piores condições financeiras dos
tomadores subprime.

Gráfico 5. Evolução da meta da Federal Funds Rate

7,0%

6,0%

5,25%
5,0%
4,75%
4,50%
4,25%
4,0%

3,50%
3,0%
3,0%

2,25%
2,0%
2,0%

1,0%

0,0%
abr-99

out-99

abr-00

out-00

abr-01

out-01

abr-02

out-02

abr-03

out-03

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out-04

abr-05

out-05

abr-06
jan-99

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abr-07
jul-99

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out-07

abr-08
jul-00

jan-01

jul-01

jan-02

jul-02

jan-03

jul-03

jan-04

jul-04

jan-05

jul-05

jan-06

jul-06

jan-07

jul-07

jan-08

Fonte: Federal Reserve. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Para auxiliar os mutuários em situação de fragilidade financeira, o Fed, em conjunto com outras agên-
cias federais de supervisão, emitiu instruções para encorajar as instituições financeiras a renegociar os débi-

ORIGEM E DESDOBRAMENTOS DA CRISE DO MERCADO DE HIPOTECAS DE ALTO RISCO NOS ESTADOS UNIDOS

14
tos (loan workout), de maneira prudente. Essas renegociações teriam o propósito de evitar execuções desne-
cessárias, o que atende aos interesses de todos os envolvidos. Foram emitidas duas orientações: uma para
as instituições hipotecárias, em abril de 2007, e outra, em setembro, para os mortgage servicers.

Gráfico 6. Evolução da taxa de inadimplência das hipotecas com juros fixos e juros flutuantes (em % do
estoque de empréstimos imobiliários em atraso)

Preferencial fixo
Preferencial ajustável
Subprime fixo
Subprime ajustável

Extraído de Kiff e Mills (2007 : 9).

Em junho de 2007, em coordenação com as demais agências Federais de supervisão, o Fed emitiu
diretrizes para os parâmetros que os bancos deverão observar para assegurar que os tomadores tomem
crédito que tenham condições de honrar e que garantam oportunidade de refinanciamento sem penalidade
pré-pagamento. Em cooperação com supervisores bancários estaduais, as autoridades Federais estão traba-
lhando na harmonização das exigências e elevação da qualidade das práticas de underwriting de hipotecas
não-tradicionais e/ou de alto risco. Igualmente, estava em estudo a extensão dos requerimentos de infor-
mação previstos para cartão de crédito e cheque especial no Truth in Lending Act para os financiamentos
imobiliários, o que garantiria maior transparência nas informações para os tomadores (BERNANKE, 2007).
Com o crescimento do número de contratos inadimplentes levados à execução (foreclosures), os
preços dos imóveis — que servem de garantia aos empréstimos — entraram em trajetória de queda, afe-
tando seriamente o mercado imobiliário. Em razão da integração financeira crescente desde a década de
1980, a crise iniciada no mercado hipotecário contaminou rapidamente diversos segmentos do mercado
financeiro americano e global. Em um cenário de forte incerteza em relação ao risco de contraparte, os
bancos passaram a exercer preferência pela liquidez, contraindo os empréstimos no mercado interbancá-
rio. Igualmente, reduziram a concessão de crédito aos clientes, mesmo os de excelente risco.

As Perdas do Sistema Bancário


Os primeiros sinais da crise do mercado de hipotecas subprime surgiram em fevereiro de 2007
com o anúncio, pelo banco britânico HSBC, de aprovisionamento de US$ 10,5 bilhões para cobrir even-

ECONOMIA INTERNACIONAL

15
tuais perdas com empréstimos imobiliários nos Estados Unidos. O banco britânico havia adquirido em
2005 e 2006 várias carteiras de empréstimos hipotecários para clientes subprime.
Em abril, a New Century Financial, um dos maiores originadores de hipotecas subprime, declarou
falência, após ser obrigada a recomprar bilhões de empréstimos em liquidação. Dentre os principais cre-
dores da New Century Financial estavam a Goldman Sachs e o Barclays Capital, de propriedade do banco
britânico Barclays. No mês seguinte, um novo evento agitou os mercados financeiros: o banco suíço UBS
anunciou o fechamento de sua subsidiária americana Dillon Read Capital Management que atuava no
segmento de hipotecas subprime.
Em junho, a crise ganhou novos contornos ao atingir os fundos de investimentos especulativos, os
chamados hedge funds, que adquiriram as tranches de maior risco e, portanto, de maior rentabilidade,
dos CDO lastreados em hipotecas securitizadas, emitidos pelos SIV. Nesse contexto, o banco de investi-
mento Bear Stearns viu-se obrigado a realizar aporte de US$ $3,2 bilhões em dois de seus hedge funds
expostos ao mercado subprime e a suspender os saques dos clientes em um terceiro fundo no mês de ju-
lho. Em agosto, o banco francês BNP Paribas suspendeu os saques em seus três fundos de investimento,
com carteira estimada em US$ 2,2 bilhões de dólares, enquanto a Goldman Sachs injetou US$ 3 bilhões
em seu hedge fund.
Com a deterioração dos empréstimos imobiliários de alto risco, as agências de rating rebai-
xaram a classificação de centenas de títulos relacionados às hipotecas subprime, contribuindo para
ampliar a incerteza em relação aos produtos financeiros estruturados. Dúvidas crescentes sobre o grau
de exposição dos bancos à crise no mercado subprime provocaram o empoçamento de liquidez no
mercado interbancário. A desconfiança também contaminou o mercado de asset-backed commercial
papers (ABCP), títulos lastreados em recebíveis comerciais, emitidos pelos bancos e outras instituições
financeiras para atender necessidades de curto prazo, ocasionando problemas de iliquidez em várias
instituições americanas e européias.
O credit crunch aprofundou-se ainda mais com os rumores de que a Countrywide __ maior empresa
americana de hipotecas e pioneira do segmento de subprime e cujos resultados no primeiro semestre de
2007 foram fortemente afetados pela elevação da inadimplência __ teria utilizado integralmente os US$ 11,5
bilhões de suas linhas de crédito stand-by. Duramente atingida pela contração do crédito e pelo aumento da
inadimplência, a empresa acabou sendo adquirida pelo Bank of America por US$ 4 bilhões em janeiro de
2008, após a queda de 48% em suas ações na Bolsa de Nova Iorque (BANK of America’s big..., 2008).
Do outro lado do Atlântico, a crise no mercado americano de crédito imobiliário de alto risco atingiu
direta e indiretamente alguns bancos. Em agosto, o pequeno banco público do Estado alemão da Saxônia,
Sachsen Landesbank, após ter recebido aporte de US$ 23 bilhões para cobrir perdas com ativos lastreados
em empréstimos habitacionais americanos, foi vendido ao maior banco público regional alemão, o Landes-
bank Baden-Württemberg (LBBW) por cerca de US$ 409 milhões. Os problemas do Sachsen LB repercuti-
ram no terceiro maior banco inglês, o Barclays, cujas ações caíram no final de agosto depois que o Financial
Times informou que sua exposição ao mercado de hipoteca subprime seria de centenas de milhões de dó-
lares. Isto porque, além de conceder linha de crédito a quatro veículos de investimento estruturado, criados
por sua subsidiária Barclays Capital, o banco criou um veículo de investimento em nome do Sachsen LB
em maio, ou seja, três meses antes da quebra do banco alemão, com ativos avaliados em US$ 3 bilhões. A
grande maioria foi investida em títulos lastreados por hipotecas americanas normais e de alto risco.

ORIGEM E DESDOBRAMENTOS DA CRISE DO MERCADO DE HIPOTECAS DE ALTO RISCO NOS ESTADOS UNIDOS

16
No início de setembro, outro banco alemão, o IKB, quase foi à falência, devido aos seus investi-
mentos e do Rhineland Funding, administrado por ele, em ativos de crédito estruturado, que incluíam
exposição a empréstimos suprime. Para evitar o colapso do IKB, o Bundesbank (banco central alemão)
coordenou uma operação de resgate financeiro junto aos grandes bancos domésticos. Nessa opera-
ção, o IKB recebeu aporte de 8,1 bilhões de euros do banco público federal de fomento KfW (que já
possuía uma participação de 38% no IKB) e outros 6,1 bilhões de euros em linhas de crédito de um
grupo de bancos alemães.
Nos meses de setembro e outubro, sucederam-se novos anúncios de aprovisionamento contábil
para cobrir eventuais perdas associadas ao mercado de hipotecas subprimes, o que contribuiu para au-
mentar a volatilidade dos preços dos ativos nos mercados globais. Grandes bancos admitiram prejuízo
maior do que o estimado pelos analistas e/ou divulgado anteriormente por seus executivos. Esse foi o
caso do Citigroup que, após revelar perda de US$ 3,1 bilhões, efetuou baixa contábil de US$ 8,7 bilhões
no seu balanço trimestral. O mesmo ocorreu com a Merrill Lynch, cujas perdas contábeis no terceiro
trimestre associadas às hipotecas subprime foram de US$ 7,9 bilhões, em vez dos US$ 5,6 bilhões divul-
gado inicialmente pelo seu então principal executivo, Stan O'Neal.
Outros bancos americanos e europeus — UBS, Deutsche Bank, Bank of America, JP Morgan, Bear
Stearns, Lehman Brothers, HSBC, Morgan Stanley, Wachovia, Barclays, Crédit Suisse, Royal Bank of Sco-
tland — também contabilizaram perdas com transações relacionadas ao mercado subprime em seus
balanços no terceiro trimestre. Ainda em outubro, um dos maiores bancos de investimento do Japão, a
Nomura Securities, anunciou o encerramento de suas atividades no mercado de hipotecas subprime,
após incorrer em prejuízo de US$ 621 milhões.
Devido às dificuldades para avaliar a extensão das exposições dos bancos à crise do mercado de
hipotecas subprime em suas operações não registradas nos balanços, aprofundou-se o empoçamento
de liquidez nos mercados interbancários, a despeito das intervenções dos bancos centrais, sobretudo
o norte-americano e o europeu, que injetarem liquidez continuamente ao longo do segundo semestre
de 2007. Para limitar os efeitos da contração do crédito, o Federal Reserve também reduziu a taxa
básica de juros e a taxa do redesconto. Embora essas ações tenham temporariamente acalmado os
mercados, promovendo a redução das taxas de juros interbancárias a um nível mais adequado, elas
não tiveram o efeito de conter o aprofundamento da crise, em razão da dimensão da pirâmide de cré-
dito construída sobre os empréstimos de hipotecas de alto risco.
Os principais bancos americanos concederam linhas de crédito stand-by para as emissões de
commercial papers pelos SIV, que assumiram seus ativos subprime. Com o aprofundamento da crise e a
contração de liquidez no mercado monetário, os bancos tiveram que honrar esse crédito, o que implicou
registro contábil e a necessidade de atender rapidamente os requerimentos de capital. Para atender às
exigências regulatórias, os bancos americanos foram buscar aportes de capital junto aos investidores
estrangeiros e, em particular, junto aos fundos soberanos dos países em desenvolvimento superavitá-
rios. Em novembro de 2007, por exemplo, o fundo soberano Abu Dhabi Investment Authority adquiriu
participação de 4,9% no capital do Citi, aportando US$ 7,5 bilhões, enquanto o Temasek, um dos fundos
soberanos de Cingapura, investiu US$ 4,4 bilhões na Merrill Lynch.
No início de janeiro de 2008, os bancos começaram a divulgar os resultados contábeis do quarto
trimestre de 2007, os quais foram ruins, como já era mais ou menos esperado. O maior banco do mundo

ECONOMIA INTERNACIONAL

17
por volume de ativos, o Citi, incorreu em prejuízo de US$ 9,8 bilhões no quarto trimestre, em razão da
redução de US$ 18,1 bilhões no valor dos títulos de crédito subprime e CDO (Gráfico 7). Esse prejuízo foi
o primeiro em 17 anos e o maior em seus 196 anos de história. No ano, contudo, o banco apresentou
lucro de US$ 3,62 bilhões, 83% inferior ao de 2006.

Gráfico 7. Evolução das receitas líquidas do Citigroup e das provisões contra perdas

Receitas líquidas Provisão contra perda no


(US $ bi) crédito ao consumo

Extraído de A Citi situation:... (2008).

Ao mesmo tempo, o banco registrou, no balanço, US$ 49 bilhões em títulos lastreados em dívida
subprimes, fechando sete de seus SIV, que enfrentavam dificuldade para captar no mercado monetário.
Isso exigiu que o Citi reforçasse o capital, contando para isso com aporte de recursos de US$ 14,5 bilhões
de diversos investidores, dentre os quais dois fundos soberanos asiáticos: o GIC de Cingapura (US$ 6,9
bilhões) e o Kuwait Investment Authority (US$ 3,0 bilhões).
No caso da Merrill Lynch, o terceiro maior banco de investimento americano, a baixa contábil de
US$ 11,5 bilhões em bônus e empréstimos imobiliários de alto risco, no quarto trimestre de 2007, sur-
preendeu negativamente o mercado, pois foi bem maior do que o estimado. Em consequência, o prejuízo
líquido do trimestre foi de US$ 9,8 bilhões, ante o lucro de US$ 2,3 bilhões no quarto trimestre de 2006.
Esse resultado provocou o primeiro prejuízo anual (US$ 7,8 bilhões) do banco desde 1989, exigindo no-
vos aportes de capital. Mais uma vez, os investidores estrangeiros vieram em socorro da instituição, que
recebeu, no total, US$ 6,6 bilhões do banco japonês Mizuho e dos fundos soberanos da Coreia do Sul e
do Kuwait (US$ 2,0 bilhões).
Também registram prejuízo no quarto trimestre os bancos de investimentos Morgan Stanley (US$
3,6 milhões) e o Bear Stearns (US$ 854 milhões). Enquanto o Bear Stearns contabilizou perdas de US$
1,9 bilhão, o Morgan Stanley efetuou uma baixa contábil de US$ 9,4 milhões de ativos associados ao
mercado de hipotecas subprime. Em razão desse péssimo resultado, a Morgan vendeu participação acio-
nária de 9,9% para o fundo soberano chinês, CIC, por US$ 5 bilhões para reforçar seu capital.
Os bancos canadenses __ CIBC, NBC, BMO e RBC __ também se envolveram com mercado subpri-
me americano, assumindo posições em CDO que se traduziram em pesadas perdas já contabilizadas.

ORIGEM E DESDOBRAMENTOS DA CRISE DO MERCADO DE HIPOTECAS DE ALTO RISCO NOS ESTADOS UNIDOS

18
Até meados de abril de 2008, considerando os balanços divulgados do primeiro trimestre, as
perdas contabilizadas montavam, aproximadamente, a US$ 224,1 bilhões (Tabela 1). Porém, as es-
timativas efetuadas pelos analistas de investimento dos próprios bancos indicavam que os prejuí-
zos eram muito maiores, superando US$ 430 bilhões. Além dos produtos estruturados em carteira,
grandes volumes de empréstimos habitacionais concedidos com taxas ajustáveis poderiam se tornar
inadimplentes.

Tabela 1. Principais perdas associadas às hipotecas subprime

Perdas Contabilizadas
Instituição País
(US$ bilhões)
Citigroup Estados Unidos 40,7
UBS Suíça 38,0
Merrill Lynch Estados Unidos 31,7
Bank of América Estados Unidos 14,9
Morgan Stanley Estados Unidos 12,6
HSBC Reino Unido 12,4
Royal Bank od Scotland Reino Unido 12,0
JP Morgan Chase Estados Unidos 9,7
Washington Mutual Estados Unidos 8,3
Deutsche Bank Alemanha 7,5
Wachovia Estados Unidos 7,3
Crédit Agricole França 6,6
Credit Suisse Suíça 6,3
Mizuho Financial Japão 5,5
Bear Stearns Estados Unidos 3,2
Barclays Reino Unido 2,6
IKB Alemanha 2,6
Freddie Mac Estados Unidos 2,0
BNP Paribas França 0,2
Fonte: BBC News International (2008). Elaboração: Grupo de Conjuntura da Fundap.

Dentre os bancos europeus, as perdas mais expressivas relacionadas ao mercado subprime foram
registradas pelos bancos britânicos, suíços, alemães e franceses. Até meados de abril, as perdas contá-
beis anunciadas totalizavam US$ 88,2 bilhões. Porém, a crise não atingiu a todos com o mesmo grau de
intensidade. O banco europeu com maior exposição à crise subprime foi o suíço UBS, que não por acaso
registrou seu primeiro prejuízo anual em uma década. Disputando o segundo lugar, estavam os britânicos
HSBC e RBS.
Na Alemanha, além dos grandes bancos privados, contabilizaram depreciação de ativos os bancos
públicos regionais, como IKB, Sachsen LB e o WestLB, banco do estado do North Rhine-Westphalia. Este
último, além de registrar perdas contábeis de quase US$ 1,5 bilhão, anunciou em prejuízo anual de US$
1 bilhão no final de janeiro de 2008.

ECONOMIA INTERNACIONAL

19
Por seu lado, os dois maiores bancos alemães, o Deutsche Bank e o Commerzabank, registra-
ram lucros recordes em 2007, a despeito das desvalorizações dos ativos relacionadas às hipotecas
subprime. O Deutsche registrou, no ano, lucro de US$ 9,4 bilhões, 7% maior do que o de 2006; o
Commerzabank anunciou ter fechado o ano com o lucro recorde de US$ 2,7 bilhões, 19,5% superior ao
registrando em 2006, mesmo tendo contabilizado perdas da ordem de US$ 1,1 bilhão nos três últimos
trimestres de 2007.
Nos meses de janeiro e fevereiro de 2008, novos fatos e rumores contribuíam, a cada dia, para
ampliar o clima de desconfiança e de temor quanto à magnitude real das perdas associadas à crise das
hipotecas subprime. Um desses acontecimentos envolveu, como previsto por diversos analistas, algumas
seguradoras monolines, que operam com linhas de seguro voltadas para o segmento de crédito imobi-
liário e oferecem garantia de crédito para as asset-backed securities com obrigações de dívida como
colateral (ABS CDO).
Amplamente comprometidas com o mercado de hipotecas subprime, duas das maiores segurado-
ras americanas do mercado de títulos, Ambac Financial Group e da MBIA (Tabela 2), contabilizaram per-
das no último trimestre de 2007 que totalizaram US$ 8,5 bilhões, com elevação do nível de inadimplência
e do rebaixamento da classificação de risco de inúmeros CDO. Desde a divulgação desses resultados, as
duas seguradoras passaram a enfrentar queda no valor de suas ações e/ou rebaixamento de sua clas-
sificação de risco (caso da Ambac que perdeu o rating AAA da agência Fitch, enquanto a classificação de
ambas esteve sob revisão da Standard & Poor's e Mood’s).

Tabela 2. Exposição das Principais Seguradoras Monolines ao Mercado Subprime (US$ bilhões)
Exposição Direta Exposição Indireta
Seguradoras
(mortgage-backed securities) (CDO)
Ambac 8,8 29,2
MBIA 5,1 25,3
Assured Guaranty 6,7 0,42
FSA 4,8 0,36
Fonte: Buddy, could you spare us $15 billion? (2008). Elaboração: Grupo de Conjuntura da Fundap.

A Ação dos Bancos Centrais


Dúvidas crescentes sobre o grau de exposição dos bancos à crise no mercado subprime provoca-
ram o empoçamento de liquidez no mercado interbancário. A desconfiança também contaminou o mer-
cado de asset-backed commercial papers (ABCP), títulos lastreados em recebíveis comerciais, emitidos
pelos bancos e outras instituições financeiras para atender necessidades de curto prazo, ocasionando
problemas de iliquidez em várias instituições americanas e européias. A crise de iliquidez no mercado
interbancário desencadeou rápida reação dos bancos centrais, em particular do Federal Reserve (Fed) e
do Banco Central Europeu (EBC), que injetaram US$ 3,2 trilhões nos mercados monetários entre os dias
27 de julho e 12 de setembro (Lucchesi, 2007). Igualmente, em setembro, o Fed deu início ao afrouxa-
mento da política monetária, interrompendo a trajetória de elevação da taxa básica de juros (ver Gráfico
5), além de reduzir a taxa do redesconto.

ORIGEM E DESDOBRAMENTOS DA CRISE DO MERCADO DE HIPOTECAS DE ALTO RISCO NOS ESTADOS UNIDOS

20
O ECB, embora estivesse mantendo taxa de juros em 4% desde março de 2007 para conter as
pressões inflacionárias associadas à alta dos alimentos e combustíveis, foi pródigo em injetar liquidez no
sistema bancário. As ações tomadas tiverem o propósito de evitar a ameaça de risco sistêmico em razão
da crise de iliquidez no mercado interbancário, que se traduziu na ampliação do prêmio de risco tanto no
overnigth em euro como nos empréstimos em eurodólar de três meses (TED spread). No dia 9 de agosto,
por exemplo, após a taxa overnigth do interbancário na área do euro ter atingido 4,6% (ou seja, 0,6 p. p.
acima da meta), em razão dos temores desencadeados pela exposição do banco francês BNP Paribas à
crise subprime, o ECE surpreendeu os analistas financeiros, colocando € 95 bilhões (US$ 131 bilhões)
no mercado monetário, montante bem superior aos recursos colocados à disposição dos bancos na crise
de iliquidez após os ataques de 11 de setembro de 2001.
Desde agosto de 2007, o Fed também vem injetando mais dinheiro do que o normal no sistema
monetário local, principalmente com garantia nos créditos hipotecários. Essas intervenções têm como
propósito trazer os juros dos empréstimos interbancários para mais perto da meta da taxa básica de ju-
ros. Não obstante, as taxas de juros dos mercados interbancários registraram forte volatilidade, refletindo
as dificuldades de avaliar a extensão das exposições dos bancos à crise (Gráficos 8 e 9).
Foi apenas a partir de dezembro, após a ação coordenada, que envolveu cinco bancos centrais __
Federal Reserve, BCE, Banco da Inglaterra, Swiss National Bank e Bank of Canada __, que as taxas dos
mercados interbancários começaram a recuar (Gráfico 8). No dia 12, foram injetados nos diversos mer-
cados interbancários cerca de US$110 bilhões. Nesse mesmo dia, o Fed colocou à disposição do BCE
e do Banco Nacional da Suíça linhas de swap em moeda estrangeira no montante, respectivamente, de
US$ 20 bilhões e US$ 4 bilhões. Essas operações foram realizadas com o propósito de diminuir a pres-
são sobre as taxas de juros interbancárias — em particular a taxa Libor (London Interbank Offered Rate),
referência internacional para empréstimos entre bancos.

Gráfico 8. Taxa do mercado interbancário1 e taxas oficiais de juros2 (em %)


6,0
5,8
5,6
5,4
5,2
5,0
4,8
4,6
4,4
4,2
4,0
3,8
3,6
3,4
3,2
3,0
2/7/07

16/7/07

30/7/07

13/8/07

27/8/07

10/9/07

24/9/07

8/10/07

22/10/07

5/11/07

19/11/07

3/12/07

17/12/07

31/12/07

14/1/08

28/1/08

11/2/08

25/2/08

10/3/08

24/3/08

7/4/08

21/4/08

5/5/08

Média -Libor 3m Média - Taxas Oficiais de Juros

Fonte: British Bankers’ Association e site dos Bancos Centrais. Elaboração: Grupo de Conjuntura da Fundap.
Notas: (1) Libor de três meses para dólar, euro e libra esterlina. (2) Taxas de juros oficiais dos Estados Unidos, Área
do Euro e Reino Unido.

ECONOMIA INTERNACIONAL

21
Gráfico 9. Evolução do TED Spread1 (em %)
2,75

2,50

2,25

2,00

1,75

1,50
%

1,25

1,00

0,75

0,50

0,25

0,00
12/10/2007

22/10/2007

11/11/2007

21/11/2007

11/12/2007

21/12/2007

31/12/2007
14/7/2007

24/7/2007

13/8/2007

23/8/2007

12/9/2007

22/9/2007

2/10/2007

1/11/2007

1/12/2007

10/1/2008

20/1/2008

30/1/2008

19/2/2008

29/2/2008

10/3/2008
4/7/2007

20/3/2008

30/3/2008
3/8/2007

19/4/2008

29/4/2008
2/9/2007

19/5/2008

29/5/2008
9/2/2008

9/4/2008

9/5/2008
Fonte: Federal Reserve Board of Governors. Disponível em http://www.Federalreserve.gov/releases/h15/data.htm
Elaboração Grupo de Conjuntura da Fundap.
Nota: (1) Diferença entre a taxa de juros dos títulos do Tesouro de três meses e a Libor de três meses para emprés-
timos em dólar.

Igualmente, o Fed anunciou a decisão de utilizar um instrumento temporário para o fornecimento


de liquidez ao sistema bancário: o term auction facility (TAF). Mediante a realização de leilões de dinheiro,
o Fed passou a conceder aos bancos empréstimos de curto prazo (28 dias) com taxa de juros inferior ao
do redesconto, aceitando como garantia uma gama maior de títulos do que nas operações do mercado
aberto. A partir dezembro, o Fed passou a realizar leilões quinzenais. No leilão ocorrido no dia 11 de fe-
vereiro, foram realizados empréstimos no montante de US$ 30 bilhões, a taxa de 3,01%. De acordo com
as informações disponíveis no site do banco central americano, esses leilões serão realizados enquanto
for necessário reduzir as pressões no mercado monetário.
Uma semana depois, no dia 18 de dezembro, o EBC colocou 348,6 bilhões de euros (U$ 501,5
bilhões) por duas semanas, cobrando apenas 0,21 p.p. acima da taxa básica de 4% (Finch, 2007).
Com aumento da liquidez do mercado interbancário, a TED spread recuou para 1,56 p.p. contra 2,35
p.p. no dia 13 de dezembro (contra 0,35 p.p. no início de 2007). A TED spread continuou recuando
até o início de janeiro (0,83 no dia 11), quando voltou a subir com anúncio dos resultados do quarto
trimestre.
Nos Estados Unidos, além da injeção de liquidez, seja por meio das operações de mercado aber-
to e dos leilões de dinheiro (auction facility), seja mediante operações de redesconto, o Fed também
reduziu a meta da taxa básica de juros (a Federal fund rate). Na reunião de 18 de setembro, o Comitê
de Política Monetária (FMOC, na sigla em inglês) realizou um corte de 0,5 ponto percentual na Fed
fund, que passou de 5,25% para 4,75%. Surpreendendo os analistas do mercado — que esperavam
uma queda de 0,5 p.p. —, o Fed explicitou suas preocupações com os efeitos negativos da crise sobre
o ritmo de crescimento da economia americana. A partir de então, o banco central americano realizou
sucessivos cortes na meta da Federal fund rate em consonância com o seu mandato dual de guardião
da estabilidade e do pleno emprego.

ORIGEM E DESDOBRAMENTOS DA CRISE DO MERCADO DE HIPOTECAS DE ALTO RISCO NOS ESTADOS UNIDOS

22
Em 2008, ante a contração do crédito e a desaceleração da economia americana mais forte do
que o previsto, o Fed realizou uma inesperada e expressiva redução da taxa básica de juros (0,75%) no
dia 23 de janeiro, uma semana antes da reunião regular do FMOC, ocasião em que reduziu novamente a
taxa em 0,5 p.p., trazendo-a para 3% ao ano. Em depoimento ao Comitê de Bancos, Habitação e Assuntos
Urbanos do Senado americano, no dia 14 de fevereiro, o presidente do Fed, Ben Bernanke, sinalizou que
continuará agindo no sentido de impedir a recessão, efetuando novos cortes na taxa básica de juros, o
que efetivamente ocorreu nas reuniões do Comitê de Política Monetária nos meses de março e abril, cor-
tes de, respectivamente, 0,75 % e 0,25%, trazendo a meta da Fed funds para o patamar de 2,0%.
No início de março, para aliviar a nova “onda” de turbulência nos mercados internacionais, o
Fed anunciou novos mecanismos de intervenção: ampliou o volume de recursos oferecidos nas linhas
especiais de crédito e os acordos de swaps de moedas com outros bancos centrais e iniciou leilões de
securities vinculadas às hipotecas por títulos do Tesouro americano. Na semana seguinte, refinanciou o
Bear Stearns (por intermédio de bancos com carteira comercial), articulou a sua compra pelo JP Morgan
e abriu assistência de liquidez para os dealers do mercado aberto. Em abril, foi a vez de o BCE alterar sua
estratégia de fornecimento de liquidez com a introdução de operação de refinanciamento de seis meses,
como forma de aliviar as pressões por funding de mais longo prazo (Bernanke, 2008b).
As intervenções do Fed e dos demais Bancos Centrais conseguiram evitar o agravamento da crise
de liquidez, embora não tenham sido suficientes para aliviar a tensão nos mercados interbancários. Ainda
são particularmente graves as dúvidas em relação às perdas que as instituições poderão sofrer com os
produtos estruturados, o que pode afetar o capital do sistema financeiro. Caso os bancos americanos e
europeus incorram em perdas ainda mais fortes do que o esperado, a atual retração do crédito poderá
transformar-se em um credit crunch bastante severa.

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ORIGEM E DESDOBRAMENTOS DA CRISE DO MERCADO DE HIPOTECAS DE ALTO RISCO NOS ESTADOS UNIDOS

24
A CRISE FINANCEIRA E O
GLOBAL SHADOW BANKING SYSTEM

Maryse Farhi
Marcos Antonio Macedo Cintra

A
crise financeira iniciada nos EUA em meados de 20071, em decorrência da elevação da inadim-
plência e da desvalorização dos imóveis e dos ativos financeiros associados às hipotecas de alto
risco (subprime), tem renovado os questionamentos sobre a arquitetura do sistema financeiro
americano e internacional, seus potenciais riscos sistêmicos e seus mecanismos de supervisão e regu-
lação. Essa arquitetura específica transformou uma crise de crédito clássica em uma crise financeira e
bancária de imensas proporções, que lhe conferiu um caráter sistêmico. Numa crise de crédito clássica,
o somatório dos prejuízos potenciais (correspondente aos empréstimos concedidos com baixo nível de
garantias) já seria conhecido. Na atual configuração dos sistemas financeiros, os derivativos de crédito e
os produtos estruturados lastreados em diferentes operações de crédito replicaram e multiplicaram tais
prejuízos por um fator desconhecido e redistribuíram, globalmente, os riscos deles decorrentes para uma
grande variedade de instituições financeiras. Após mais de um ano e meio da eclosão da crise, continua
sendo impossível mensurar as perdas e determinar sua distribuição. Isso constituiu fator crucial da des-
confiança dos agentes, potente combustível da crise, e da persistente restrição da liquidez interbancária,
apesar das contínuas e volumosas injeções de recursos pelas autoridades monetárias.
O desenrolar da crise pôs em questão a sobrevivência de muitas instituições financeiras e colocou
em xeque essa arquitetura financeira, bem como os princípios básicos do sistema de regulação e super-
visão bancária e financeira. Esse desenrolar trouxe alguma luz a diversos aspectos dessa arquitetura, an-
tes envoltos em sombra, o que possibilitou elucidar sua efetiva configuração. O principal desses aspectos
1 Artigo elaborado com informações disponíveis até 23 de março de 2009. Uma versão modificada deste artigo foi publicada na
revista Novos Estudos (n. 82, Cebrap, São Paulo, p. 35-55, novembro de 2008). Os autores agradecem os comentários e sugestões
da equipe do Cecon — Ricardo Carneiro, Antonio Carlos M. e Silva, Daniela Prates, Francisco Lopreato, André Biancareli, Emerson
Marçal e Eliana Ribeiro —, de Cristina Penido, de José Carlos Braga, de Rafael Cagnin e de André Scherer.

ECONOMIA INTERNACIONAL

25
consiste na interação entre bancos universais e demais instituições financeiras, que se deu sobretudo
nos opacos mercados de balcão. Os bancos universais buscaram diversas formas de retirar os riscos de
crédito de seus balanços, com o objetivo de ampliar suas operações sem ter de reservar os coeficientes
de capital requeridos pelos Acordos de Basileia (8% dos ativos ponderados pelos riscos). Mas somente
puderam fazê-lo porque outros agentes se dispuseram a assumir a contraparte dessas operações, ou
seja, assumir esses riscos contra um retorno que, à época, parecia elevado.
Esses agentes formaram o chamado global shadow banking system (“sistema bancário global na
sombra” ou paralelo), um conjunto de instituições que funcionava como banco, sem sê-lo, captando re-
cursos no curto prazo, operando altamente alavancadas e investindo em ativos de longo prazo e ilíquidos.
Mas, diferentemente dos bancos, eram displicentemente reguladas e supervisionadas, sem reservas de
capital, sem acesso aos seguros de depósitos, às operações de redesconto e às linhas de empréstimos
de última instância dos bancos centrais. Dessa forma, eram altamente vulneráveis, seja a uma corrida
dos investidores (saque dos recursos ou desconfiança dos aplicadores nos mercados de curto prazo),
seja a desequilíbrios patrimoniais (desvalorização dos ativos em face dos passivos).
Este artigo procura discutir a interação entre as distintas instituições financeiras, incluindo algu-
mas características do principal palco dessa interação — os mercados de balcão — e a utilização de de-
terminadas inovações financeiras que amplificaram a crise. O artigo está organizado em quatro seções,
após esta introdução. Na próxima seção, apresenta-se a configuração do global shadow banking system.
Na seção seguinte, discute-se a desintegração das instituições que compõem esse obscuro sistema. Na
terceira seção, analisa-se a opaca teia de relações entre os bancos universais e o “sistema financeiro
paralelo”. Nas considerações finais, procura-se indicar as possíveis repercussões do encolhimento desse
sistema financeiro e o sentido dos aperfeiçoamentos nas estruturas de regulação e supervisão.

Os participantes do global shadow banking system


Os bancos concedem empréstimos com os recursos que recebem de seus depositantes e com o
seu capital próprio. Mas, sobretudo, os bancos criam depósitos — moeda bancária escritural — ao con-
ceder crédito (Keynes, 1930). Emitem também títulos de dívidas para obter recursos e conceder novos
financiamentos (Chick, 1994). Em geral, os empréstimos concedidos têm prazos mais longos do que os
depósitos ou as dívidas. Em decorrência da criação de depósitos e do descasamento de prazos, o sistema
tende a ser altamente instável, sujeito a processos de euforia ou pessimismo e a corridas bancárias. Por
essa razão, foram desenvolvidas instituições para garantir os depósitos, para atuar como “emprestado-
ras em última instância”, para regular e supervisionar o sistema, de modo a assegurar que os bancos
sempre detenham ativos suficientes para fazer frente aos movimentos de saques dos depositantes.
Nas últimas décadas, verificaram-se três movimentos simultâneos e complementares. Em primeiro
lugar, os bancos comerciais, submetidos à regulação prudencial e ao acirramento da concorrência, au-
mentaram extraordinariamente o volume de crédito concedido. Para fazê-lo, tiveram de retirar parte dos
ativos (e, portanto, dos riscos) de seus balanços, uma vez que o capital próprio (reservas) era insuficiente
para atender às exigências dos Acordos de Basileia. Dessa forma, deixaram de atuar como fornecedores
de crédito e assumiram o papel crescente de intermediadores de recursos em troca de comissões. Rompe-
ram, por conseguinte, as relações diretas, anteriormente existentes, com os tomadores de crédito que cos-

A CRISE FINANCEIRA E O GLOBAL SHADOW BANKING SYSTEM

26
tumavam ser monitoradas de perto, pois serviam de “indicador antecedente” de riscos de inadimplência.
Em segundo lugar, os bancos passaram a administrar fundos de investimentos, oferecer serviços de ges-
tão de ativos por meio de seus vários departamentos, fornecer seguros financeiros (hedge) como dealers
no mercado de derivativos e ofertar linhas de crédito nas emissões de commercial paper e outros títulos
de dívida no mercado de capitais (Farhi, 2002). Em terceiro lugar, uma grande variedade de instituições
evoluiu no sentido de desempenhar papel semelhante ao dos bancos comerciais sem estarem incluídas
na estrutura regulatória existente e, portanto, sem disporem das requeridas reservas em capital.
Segundo McCulley (2007), diretor executivo da maior gestora de recursos do mundo, a Pimco,
o global shadow banking system inclui todos os agentes envolvidos em empréstimos alavancados que
não têm (ou não tinham, pela norma vigente antes da eclosão da crise) acesso aos seguros de depósi-
tos e/ou às operações de redesconto dos bancos centrais. Esses agentes tampouco estão sujeitos às
normas prudenciais dos Acordos de Basileia (Cintra e Prates, 2008; Freitas, 2008). Nessa definição,
enquadram-se os grandes bancos de investimentos independentes (brokers-dealers)2, os hedge funds,
os fundos de investimentos, os fundos private equity, os diferentes veículos especiais de investimento,
os fundos de pensão e as seguradoras. Nos EUA, ainda se somam os bancos regionais especializados
em crédito hipotecário (que não têm acesso ao redesconto) e as agências quase-públicas (Fannie Mae e
Freddie Mac), criadas com o propósito de prover liquidez ao mercado imobiliário.
Na busca de instrumentos para retirar os riscos de crédito de seus balanços, os bancos sujeitos
à regulação também estiveram na origem do surgimento e da forte expansão dos derivativos de crédito
(CDS), por meio dos quais podem comprar proteção para os riscos de crédito de suas carteiras de em-
préstimos. Valeram-se, igualmente, dos chamados “produtos estruturados”, instrumentos resultantes da
combinação de título representativo de um crédito (debêntures, títulos de crédito negociáveis, hipotecas,
dívida de cartão de crédito, empréstimos corporativos etc.) e do conjunto dos derivativos financeiros
(futuros, termo, swaps, opções e derivativos de crédito), qualquer que seja seu ativo subjacente. Num
primeiro momento, os bancos empacotaram os créditos concedidos, submeteram-nos às agências de
classificação de riscos e lançaram títulos sobre eles, com rendimentos proporcionais ao fluxo de caixa
gerado pela quitação das prestações dos créditos. Os títulos estruturados eram divididos em diversas
tranches com riscos e retornos diferenciados. A estrutura de distribuição dos juros ficou conhecida como
“queda d’água” (interest waterfall), porque a água tinha de encher o primeiro reservatório ou tranche
mais sênior para posteriormente começar a preencher os outros (mezzanine e equity). A porção mais
arriscada (equity) — que assumia os riscos de inadimplência iniciais e recebeu o nome de lixo tóxico (toxic
waste) — acabou muito frequentemente ficando entre os ativos dos veículos especiais de investimento3.
Essas diversas pessoas jurídicas — special investment vehicles (SIV), conduits ou SIV-lites —, criadas para

2 Operam como intermediários entre um comprador e um vendedor, geralmente, cobrando uma comissão, e atuam por sua pró-
pria conta e risco em negociações de valores mobiliários. Em 2004, a Securities and Exchange Commission (SEC) concordou em
relaxar a chamada “regra de capital líquido” (net capital rule), que restringia a alavancagem dos grandes bancos de investimento, e
permitiu que decidissem seus próprios graus de alavancagem, a partir de seus modelos de gestão de risco. O resultado foi o rápido
aumento da alavancagem e a utilização de novos instrumentos como as CDO (collateralized debt obligations), que se tornaram im-
portantes em suas operações de compra e venda de ativos (trading activities). A SEC, no entanto, dispunha de apenas sete agentes
para supervisionar os cinco grandes bancos de investimento com ativos superiores a US$ 4 trilhões, em 2007.
3 Para mensurar os riscos de crédito, a fim de negociá-los nos mercados de capitais, os bancos adotaram sistemas complexos,
sustentados por potentes computadores. Segundo funcionários da Standard & Poor’s, os cálculos necessários para avaliar os riscos
das complexas CDO, realizados pelos computadores, podiam “levar todo um fim de semana” (Tett, 2009).

ECONOMIA INTERNACIONAL

27
adquirir os títulos estruturados, com recursos provenientes da emissão de títulos de crédito de curto
prazo (asset-backed commercial paper), não eram tecnicamente propriedades dos bancos nem seus
resultados figuravam nos balanços, constituindo parte relevante do global shadow banking system. De
acordo com FMI (2007 : 18), essas entidades tendem a se diferenciar pelo tamanho e composição do
ativo e passivo. Em geral, os conduits tendem a ser maiores e menos arriscados, com ativos de até US$
1,4 trilhão; os SIV, intermediários, com ativos em torno de US$ 400 bilhões; e os SIV-lites, com ativos me-
nores, cerca de US$ 12 bilhões, mas de elevado risco (Quadro 1). A carteira de ativos das SVI-lites, que
opera com alta alavancagem (40 a 70 vezes dependendo do colateral), tende a ser composta de 96% de
hipotecas residenciais securitizadas (RMBS) e de 4% de CDO (collateralized debt obligation). Todas elas
têm algum mecanismo de liquidez total ou parcial garantido pelas instituições patrocinadoras. Dessa
forma, os bancos obtinham mais recursos, além de receitas (taxas, comissões etc.), que lhes permitiram
conceder novos créditos e elevar seus lucros, num processo de crescente alavancagem. Num segundo
momento, passaram a emitir versões “sintéticas” desses instrumentos com lastro em derivativos de cré-
dito e não em créditos concedidos4.

Quadro 1. Principais características dos conduits, SIV e SIV-lites

CONDUIT SIV SIV-LITE


– US$ 400 bilhões
– Ativos negociáveis
– US$ 1,4 trilhão – US$ 12 bilhões
– Menos arriscados:
– Empréstimos não negociáveis – Ativos negociáveis
a) 28%, dívida de instituições
Ativos – Mesmos arriscados: – Alto risco:
financeiras;
a) 47% ativos tradicionais; a) 96% US RMBS;
b) 48%, CMBS/RMBS/ABS;
b) 53% securities e derivativos b) 4% CDO.
c) 22%, CDO/CLO;
d) 2% outros.
– 27% ABCP
– Commercial paper
Passivos – 100% commercial paper – 66% medium-term notes
– Medium-term notes
– 7% capital notes
– Cobertura contratual menor do – Linha de crédito contratual
Garantias de – Cobertura contractual de
que o estoque do passivo parcial, sujeita a testes de
Liquidez 100%
– 10% a 15% de dívidas sênior valor de mercado
Fonte: Brunnermeier (2007); IMF staff estimates. IMF (2008 : 71).
Legenda: SIV = structured investment vehicle; RMBS = residential mortgage-backed security; CMBS = commercial
mortgage-backed security; ABS = asset-backed security; CDO = collateralized debt obligation; CLO = collateralized
loan obligation; ABCP = asset-backed commercial paper.

Não estando habilitados a obter recursos de depositantes, os SIV e os outros intermediários finan-
ceiros foram buscá-los nos mercados de capitais, sobretudo, emitindo títulos de curto prazo (commercial
papers), comprados pelos fundos de investimentos (money market mutual funds). Os SIV tinham emitido
US$ 1,5 trilhão em commercial papers, até meados de 2007 (Reilly e Mollenkamp, 2007). Não po-
dendo criar moeda ao conceder crédito diretamente, eles utilizaram esses recursos de curto prazo para
assumir a contraparte das operações dos bancos, seja no mercado de derivativos, vendendo proteção
contra riscos de crédito, seja nos produtos estruturados, adquirindo os títulos emitidos pelos bancos com

4 Segundo Morris (2008a : 76), em 2006 e no primeiro semestre de 2007, o volume de novas CDO sintéticas superou o de novas
CDO de fluxo de caixa.

A CRISE FINANCEIRA E O GLOBAL SHADOW BANKING SYSTEM

28
rentabilidade vinculada ao reembolso dos créditos que esses concederam. Tornaram-se, dessa forma,
participantes do mercado de crédito, obtendo recursos de curto prazo com os quais financiavam créditos
de longo prazo (hipotecas de 30 anos, por exemplo), atuando como quase-bancos (Kregel, 2008; Gut-
tmann e Plihon, 2008; Freitas e Cintra, 2008).
Além dos SIV, uma grande variedade de instituições financeiras optou por participar do global
shadow banking system. As principais foram os grandes bancos de investimentos (brokers-dealers), os
hedge funds, as seguradoras, os fundos de pensão e as government sponsored enterprises (GSE). Os
bancos de investimento multiplicaram os hedge funds sob sua administração, abrindo espaço em suas
carteiras para produtos e ativos de maior risco e montaram estruturas altamente alavancadas. Da mes-
ma forma, os bancos universais também passaram a patrocinar hedge funds, fornecendo-lhe crédito para
suas operações (inclusive compra de “produtos estruturados”) bem como copiando suas estratégias de
negócios. Como afirma Blackburn (2008 : 90): “os bancos de Wall Street não somente patrocinam hedge
funds, mas cada vez mais passam a se parecer com eles à medida que usam sua posição de intermedi-
ários primários (prime brokers) para alavancar suas apostas e buscar arbitragens”5. O papel dos hedge
funds é crucial, pois eles aparecem em diversas pontas do processo de alavancagem e difusão de ativos
financeiros6. Ademais, são os agentes mais difíceis de colocar sob o arcabouço regulatório dos bancos
centrais. Ou seja, são os agentes mais desregulamentados (e, portanto, mais shadow), ao mesmo tempo
em que são extremamente dependentes da liquidez bancária e contribuem para ampliar o risco sistêmi-
co (Aglietta & Rigot, 2008). Por sua vez, as GSE, com garantia implícita do setor público americano,
representaram o espelho dos veículos “fora de balanço” do setor financeiro privado altamente alavanca-
do7. Belluzzo (2008) sublinhou as razões e o alcance dessa opção estratégica dos integrantes do global
shadow banking system: “em um ambiente de estabilidade e de rendimentos em queda, a busca de
ganhos mais alentados levou aos píncaros as relações entre o valor dos ativos carregados nas carteiras
e o capital próprio das instituições”.
Deve também ser salientado o papel das agências de classificação de riscos (rating) na constitui-
ção do global shadow banking system. Essas agências tiveram crescimento acelerado e registraram forte
elevação de lucros com a expansão da securitização dos ativos de crédito (asset backed securities). Ao
auxiliar as instituições financeiras na montagem dos “pacotes de crédito” que lastreavam os títulos secu-
ritizados de forma a garantir a melhor classificação possível, as agências tiveram participação relevante
na criação do mito que ativos de crédito bancário podiam ser precificados e negociados como sendo de
“baixo risco” em mercados secundários. Ademais, incorreram em sério conflito de interesses uma vez que
parte substancial de seus rendimentos advinha dessas atividades.
Finalmente, destaca-se que os bancos de investimento da City de Londres, predominantes no
mercado de ativos, desempenharam papel relevante como contraparte do sistema financeiro de Wall

5 Para maiores discussões sobre a emulação das estratégias dos hedge funds pelos bancos universais, ver Cintra e Cagnin
(2007). De acordo com a Economist (2008): “And funds-of-hedge-funds, which act as intermediaries for private banks, some institu-
tions and individuals who are merely affluent, have become hugely important. They supply more than 46% of industry assets under
management, compared with only 5% in 1990”.
6 Nos empréstimos dos bancos comerciais e de investimento aos hedge funds, por exemplo, são requeridos colaterais (collate-
rals) e, por meio de uma prática conhecida como rehypothecation, uma proporção desses ativos colaterais é utilizado pelos prime
brokers como seus próprios colaterais para levantar recursos (funding) para suas operações (Gowan, 2008 : 7).
7 As GSE também têm presença ativa nos mercados de swaps de taxas de juros e nos derivativos de crédito (ver, http://www.
ofheo.gov/Media/Archive/docs/reports/sysrisk.pdf e Economist, End of Illusions, july 17th 2008).

ECONOMIA INTERNACIONAL

29
Street, desde a implementação da agência unificada Financial Services Authority (1997), ampliando a
autorregulação do sistema bancário inglês. Segundo Gowan (2008 : 8), Londres tornou-se um satélite
das operações dos grandes bancos americanos: “the place where you could do what you couldn’t do back
home: a place of regulatory arbitrage”. Juntos, Londres e Nova York dominaram as emissões de novas
ações e bônus, o mercado de moedas e as operações nos mercados de derivativos de balcão (over-the-
counter derivatives)8. Em 2007, Londres respondia por 42,5% das emissões mundiais de derivativos de
juros e de câmbio; Nova York, por 24%. Em derivativos de crédito, os EUA detinham 40% do mercado em
2006; enquanto Londres, 37% (após atingir 51% em 2002).
Em suma, houve interação entre instituições financeiras reguladas (bancos universais, de
investimento e hipotecários), displicentemente reguladas (seguradoras, fundos de pensão, fundos
de investimento) e não reguladas (hedge funds, private equities funds, SIV). Os bancos universais
e hipotecários originavam empréstimos (hipotecários, corporativos, estudantis, de cartão de crédito
etc.) que eram distribuídos para bancos de investimento, fundos de pensão, fundos mútuos, SIV,
hedge funds etc., com a anuência das agências de classificação de risco de crédito, e garantidos por
meio de derivativos de crédito emitidos nos mercados de Nova York e de Londres, formando o global
shadow banking system. Os bancos universais e os de investimento captavam recursos no curto
prazo (money market mutual funds) e os emprestavam para alguns hedge funds (e/ou SIV) carregar
os ativos secutirizados.

O desmanche do global shadow banking system


Entre junho de 2007 e março de 2009, houve vários momentos mais agudos da crise, com re-
percussões acentuadas nos mercados interbancários globais9. Esses momentos ficaram explícitos no
comportamento da chamada TED spread — a diferença entre a taxa dos títulos do Tesouro americano de
três meses (no mercado secundário) e a taxa Libor (London Interbank Offered Rate) para os depósitos
interbancários em eurodólar de três meses10 —, referência internacional para empréstimos entre bancos
(Gráfico 1). Apesar da acentuada queda da taxa básica de juros americana e da redução conjunta de
taxas de juros das principais economias desenvolvidas, a TED spread persistiu em patamar elevado.
A falência do banco de investimento Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008, acarretou a
paralisação das operações interbancárias, e a desconfiança dos investidores nos sistemas financeiros
se espalhou, resultando em movimentos de pânico nos mercados de ações, de câmbio, de derivativos e
de crédito, em âmbito global. Ampliou-se a preferência pelos títulos do Tesouro americano, os ativos de
última instância do sistema monetário global, provocando um movimento de fuga para o dólar, a despeito
de Wall Street ser um dos epicentros da crise. Em 20 de novembro de 2008, com o aumento da deman-

8 Chicago Mercantile Exchange domina os derivativos negociados em Bolsas.


9 Para uma cronologia mais detalhada dos principais fatos relacionados com a crise, ver, dentre outros, BIS (2008 : 109-110);
Borio (2008); Fundap (2008).
10 Salienta-se que o Wall Street Journal levantou a suspeita de que alguns bancos — Citigroup, JP Morgan Chase, UBS, WestLB e
HBOS PLC — estariam informando seus custos de captação para o cálculo da Libor significativamente menores do que outras medidas
do mercado, como o seguro contra inadimplência (CDS). Esses bancos são membros do grupo de 16 instituições financeiras cujas
taxas são usadas para definir a Libor em dólares. Segundo o WSJ, “entre janeiro e abril, com o temor crescente de quebra de bancos,
as duas medidas começaram a divergir e as taxas reportadas para a Libor deixaram de refletir o aumento no custo dos seguros de
inadimplência. (...) Uma possível explicação para essa diferença é que os bancos reportaram taxas de captações inferiores às reais”
(Mollenkamp e Whitehouse, 2008).

A CRISE FINANCEIRA E O GLOBAL SHADOW BANKING SYSTEM

30
da, o rendimento sobre os títulos do Tesouro americano de três meses caiu para 0,01%, antes mesmo da
redução a zero da taxa de juros básica da economia americana.

Gráfico 1. TED spread — Prêmio de risco entre títulos de curto prazo americano e taxa Libor (em %)

6,0

5,0

4,0

3,0

2,0

1,0

0,0
2/4/2007

26/4/2007

22/5/2007

18/6/2007

13/7/2007

8/8/2007

4/9/2007

18/9/2007

25/10/2007
21/11/1900

18/12/2007

16/1/2008

12/2/2008
11/3/2008

7/4/2008

1/5/2008

28/5/2008

23/6/2008

18/7/2008

13/8/2008

9/9/2008
3/10/2008

30/10/2008

26/11/2008

23/12/2008

21/1/2009

17/2/2009

13/3/2009
Fonte: Federal Reserve. Disponível em: http://www.federalreserve.gov/releases/h15/data.htm.

Nesse período, as instituições financeiras não bancárias sofreram uma verdadeira “corrida bancá-
ria” contra o global shadow banking system na expressão de McCulley (2007b), ou de uma “corrida bancá-
ria contra não bancos” segundo Kedroski (2007). Em movimentos reveladores da importância que o global
shadow banking system adquiriu, o Federal Reserve e o Tesouro americano tiveram de estender a diversas
dessas instituições (bancos de investimentos e GSE) o acesso às operações de redesconto — com a aceita-
ção de títulos lastreados em crédito hipotecário e outros — e a criação de linhas de crédito aos money ma-
rket mutual funds11. O Banco da Inglaterra também adotou medidas semelhantes por meio de operações de
swaps. Entretanto, essas medidas revelaram-se insuficientes para conter o “desmanche” do global shadow
banking system. Nesse processo, as instituições, buscando sobreviver, venderam avidamente os ativos
para os quais ainda existia mercado, provocando acentuada desvalorização de seus preços12.
Sem dispor de reservas de capital, com ativos cuja liquidez desapareceu desde a eclosão da crise
em junho de 2007 — fazendo com que seu preço deixasse de ter cotação — e confrontados ao expressivo
encolhimento de sua fonte de funding, os grandes bancos de investimentos americanos simplesmente
deixaram de existir. Em março de 2008, a falência do quinto maior banco de investimentos americano
somente tinha sido evitada pela intervenção e pelas garantias de US$ 29 bilhões ofertadas pelo Federal

11 Até o momento, os hedge funds, as seguradoras (com exceção da AIG) e os fundos de pensão não tiveram acesso a essas
operações.
12 Segundo a World Federation Exchange, a desvalorização das 51 bolsas de valores mundiais atingiu US$ 32 trilhões, entre outu-
bro de 2007 e janeiro de 2009. Segundo estimativa do Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD), as perdas mundiais relacionadas
à crise financeira somaram US$ 50 trilhões em 2008. As instituições financeiras asiáticas perderam quase US$ 9,6 trilhões, cerca
de um quinto do total (“Instituições financeiras asiáticas perderam US$ 9,6 trilhões em 2008”, Folha Online, http://www1.folha.uol.
com.br/folha/dinheiro/ult91u531394.shtml).

ECONOMIA INTERNACIONAL

31
Reserve para sua compra com grande desvalorização pelo JP Morgan/Chase (US$ 10 por ação, contra
uma cotação de US$ 170, um ano antes). A recusa das autoridades monetárias americanas em impe-
dir a falência do Lehman Brothers13 desencadeou a compra do Merrill Lynch pelo Bank of America, e o
Goldman Sachs e o Morgan Stanley obtiveram autorização para se transformar em holding financeiras
(financial holding companies), sujeitas às normas de Basileia, à supervisão do Federal Reserve e com
amplo acesso às operações de redesconto.
As instituições especializadas em crédito hipotecário sofreram fortes abalos tanto nos EUA como
na Europa. A primeira corrida bancária na Inglaterra desde 1860 atingiu o banco Northern Rock, que
tomava recursos a curto prazo no interbancário, para emprestá-los a longo prazo aos compradores de
imóveis (Ndong e Scialom, 2008). O Northern Rock acabou nacionalizado, mesmo destino que teve
o Bradford & Bingley , banco especializado em créditos imobiliários e hipotecas. Nos EUA, essas insti-
tuições especializadas em crédito hipotecário são formadas por um conjunto de bancos regionais. Eles
recebem depósitos e, portanto, têm garantias do Federal Deposit Insurance Corp. (FIDC), mas não têm
acesso ao redesconto do Federal Reserve. Em 11 de julho de 2008, o IndyMacBank sofreu intervenção
do FIDC. Em decorrência de seu colapso, dois efeitos mais imediatos foram registrados: (a) os depositan-
tes no sistema bancário americano com depósitos superiores ao limite garantido pelo FDIC procuraram
redistribuí-los entre diversos bancos; (b) os temores de investidores e depositantes alastraram-se para
outras instituições do mesmo tipo, provocando várias novas falências. O maior banco desse grupo, Wa-
shington Mutual, teve sua falência decretada em setembro de 2008.
A acentuada perda de confiança nas instituições com ativos imobiliários atingiu igualmente as
duas grandes agências quase-públicas, criadas com o propósito de prover liquidez ao mercado imobiliário
americano, a Federal National Mortgage Association (Fannie Mae) e a Federal Home Loan Mortgage As-
sociation (Freddie Mac)14. Essas companhias privadas, com ações negociadas em bolsa de valores, mas
consideradas como “patrocinadas pelo governo” (Government Sponsored Enterprises, GSE), conseguiam
financiar-se a um custo bastante próximo ao do Tesouro americano (T-bonds) e, simultaneamente, operar
de forma muito mais alavancada que outras instituições financeiras, sustentando um elevado endivida-
mento15. As duas companhias carregavam US$ 4,7 trilhões, por meio da emissão de dívida ou de garan-
tias a títulos hipotecários (RMBS), ou seja, 32% dos créditos hipotecários nos EUA (US$ 14,8 trilhões),
equivalente a 33% do Produto Interno Bruto (PIB), estimado em US$ 14,3 trilhões em junho de 2008.
Com a queda do preço dos imóveis, dados em garantias dos empréstimos, que passaram a va-
ler menos do que as dívidas (hipotecas) e a duplicação da inadimplência, as empresas ficaram diante
da possibilidade de insolvência, ou pelo menos sem capital para continuar operando (Torres Filho e

13 Segundo Barros (2008): “Quando quebrou, o banco de investimento Lehman Brothers tinha US$ 650 bilhões em compromis-
sos, contra um capital de US$ 20 bilhões”. Mas, verificou-se a posteriori que a sua falência teve efeitos nefastos, acentuando as
incertezas e o empoçamento de liquidez. Ver, por exemplo, “Lehman’s demise triggered cash crunch around globe”, The Wall Street
Journal, 29/10/2008. O fato de o Tesouro americano ter, após várias peripécias, aceitado recapitalizar os bancos, a exemplo da
Comunidade Europeia, tem sido visto como a confissão desse equívoco.
14 Após a crise de 1982, o sistema de financiamento imobiliário americano tem sido ancorado por quatro instituições, além dos
bancos hipotecários e das instituições de poupança (S&L): Federal Housing Administration (FHA), Government National Mortgage
Association (Ginnie Mae), Federal National Mortgage Association (Fannie Mae) e Federal Home Loan Mortgage Corporation (Freddie
Mac). Todo o sistema foi construído por garantias públicas diretas ou indiretas. Para maiores informações sobre o sistema financei-
ro imobiliário americano, ver Cagnin (2007).
15 Fannie Mae tinha dívida total de US$ 800 bilhões e Freddie Mac, de US$ 740 bilhões, com um patrimônio conjunto de apenas
US$ 71 bilhões.

A CRISE FINANCEIRA E O GLOBAL SHADOW BANKING SYSTEM

32
Borça Jr., 2008). Em 30 de julho de 2008, o Congresso americano autorizou o Tesouro a injetar US$
100 bilhões em cada uma das instituições e permitiu o refinanciamento de até US$ 300 bilhões de em-
préstimos imobiliários, para manter os proprietários em suas casas e conter as execuções de hipotecas
(foreclosures) e a deflação nos preços dos imóveis. Em março de 2009, o Federal Reserve elevou de
US$ 100 bilhões para US$ 200 bilhões as compras de papéis de dívida emitidos diretamente pelas três
empresas hipotecárias que contam com apoio do governo — a Fannie Mae, a Freddie Mac e a Ginnie Mae
(essa, uma agência pública).
A inédita ação se explica pela magnitude dos passivos dessas companhias e pelo fato de parte sig-
nificativa de seus títulos ter sido adquirida por bancos centrais estrangeiros. Em junho de 2008, a dívida
total das agências federais americanas detida por estrangeiros somava US$ 1,6 trilhão, sendo US$ 1,1
trilhão em portfólios de credores oficiais e US$ 546,7 bilhões de credores privados16. Em outras palavras,
títulos emitidos pela Fannie Mae e pela Freddie Mac foram considerados pelos gestores das reservas
internacionais como tão “sem riscos” quanto os títulos do Tesouro americano (US$ 1,8 trilhão), com a
vantagem de oferecer rendimentos um pouco mais elevados.
É importante relembrar que os primeiros sinais da eclosão da crise atingiram os hedge funds.
Entre junho e agosto de 2007, diversos hedge funds geridos por bancos comerciais e de investimento
anunciaram pesadas perdas com ativos garantidos por hipotecas subprime e foram fechados. Mas, a
sequência dos acontecimentos foi menos destrutiva para essas instituições financeiras que administram
ativos estimados em US$ 2 trilhões e operam com grau de alavancagem extremamente elevado. Alguns
fatores podem explicar esse grau relativo de “sobrevivência”. Em primeiro lugar, é preciso levar em conta
o fato que grande parte dessas instituições, por serem menores, apresenta maior agilidade, o que lhes
permitiu assumir mais rapidamente posições defensivas nos mercados, vendendo ativos e assumindo
posições “vendidas”, colocando mais pressão nos preços. A SEC procurou limitar esse efeito, proibindo
as vendas a descoberto de ações de diversas empresas, notadamente do conjunto das instituições fi-
nanceiras. Esse movimento foi seguido pelas autoridades de supervisão dos mercados das economias
desenvolvidas (como o Reino Unido).
Em segundo lugar, embora compartilhem a denominação genérica de hedge funds, existe uma
grande diversidade nas estratégias adotadas. Essa diversidade aparece claramente em seus resultados.
Segundo a publicação especializada Hedge World (2008), os hedge funds tiveram, na média, perdas
de 9,41% no ano, bastante inferiores às registradas, por exemplo, pelos tradicionais fundos mútuos de
ações. Os maiores perdedores foram aqueles que se concentraram em operações com commodities e
energia, com perdas de 20,84% no ano; enquanto os maiores ganhadores foram os que se concentraram
em posições vendidas em ações e registraram lucros de 15,14% no ano, apesar da proibição temporária
da SEC (e outras agências) de haver posições vendidas sem cobertura.
Em terceiro lugar, deve ser ressaltada uma característica própria aos hedge funds: os pedidos de
resgate dos cotistas somente são possíveis em datas predeterminadas (na maior parte, nos finais de tri-
mestres) e os reembolsos, apenas três meses depois. Essa característica não os isolou do caos financeiro
vivido pelas demais instituições, mas lhes concedeu um tempo suplementar para reduzir posições quan-
do previam resgates elevados. A aceleração da crise a partir do final de setembro de 2008, ocasionou

16 De acordo com o Tesouro americano, os maiores detentores das dívidas das agências americanas eram China e Japão.

ECONOMIA INTERNACIONAL

33
nova e gigantesca rodada de desalavancagem, tornando ainda mais nebuloso o destino desses fundos.
Segundo a Economist (novembro de 2008): “Nos próximos quadrimestres, o impacto (da crise) deverá
ser brutal. Entre 1990 e o ano passado, os ativos geridos pelos hedge funds multiplicaram-se quase 50
vezes para algo como US$ 2 trilhões. Agora, seus executivos preveem que os ativos podem cair 30-40%,
com os clientes correndo para a saída. O número de fundos que tinha crescido para mais de 7000 [...]
pode ser reduzido à metade”.
Last but not least, as seguradoras (monolines e outras) assumiram posições relevantes no global
shadow banking system. Persaud (2002) já chamava a atenção para o fato de que os juros baixos tinham
levado as seguradoras a se mover coletivamente para graus de riscos mais elevados, para obter o ren-
dimento necessário. Diversas seguradoras divulgaram enormes prejuízos financeiros; algumas de porte
médio faliram. O caso mais espetacular foi o da maior seguradora do mundo, a American International
Group Inc. (AIG). Antes de ser socorrida pelo Federal Reserve, a instituição tinha declarado US$ 321
bilhões em perdas e baixas contábeis. Ademais, tinha assumido posição de venda de proteção contra
riscos de crédito de mais de US$ 460 bilhões, incluindo US$ 60,6 bilhões em proteção para ativos vincu-
lados às hipotecas subprime (Son, 2008). Em 16 de setembro de 2008, o Federal Reserve concedeu um
empréstimo de US$ 85 bilhões à AIG, posteriormente elevado para US$ 173,3 bilhões, cobrando juros
elevados e recebendo, em garantia, ações que lhe dão o direito de ter mais de 80% do capital votante
(sorkin, 2008). Segundo Morris (2008), a inédita ação resultou da imensa posição assumida pela AIG
como vendedora de proteção no mercado de derivativos de crédito. Diante disso, grande parte do apoio
público recebido foi transferida aos bancos e aos hedge funds (Ng, 2009) (ver Tabela 1). No que se refe-
re tanto aos fundos de pensão quanto aos incontáveis fundos mútuos ao redor do mundo, sabe-se que,
apesar da falta de informações confiáveis, a deflação de ativos afetou-os profundamente17.
Paralelamente, os bancos universais — contrapartes do global shadow banking system — registra-
ram prejuízos crescentes. Segundo o IMF (2009), as perdas potenciais apenas com ativos de crédito ori-
ginados nos Estados Unidos podem alcançar US$ 2,2 trilhões, em comparação a US$ 1,4 trilhão em ou-
tubro passado. As estimativas das perdas, no entanto, são incompletas e conflitantes (Onaran, 2008)18.
Em primeiro lugar, a inadimplência ameaça se espalhar para outras formas de crédito ao consumidor
bem como atingir devedores de créditos hipotecários considerados de menor risco que os subprime.
Em segundo lugar, é preciso levar em conta que a maior parte dos empréstimos hipotecários subprime
foi concedida em condições que tornavam as prestações iniciais baixas, mas que, passados um ou dois
anos, subiam de modo acentuado. Em terceiro lugar, a maior fonte de potenciais prejuízos suplementa-
res — resultado do desmanche do shadow banking system — é o aguçamento do risco de contraparte nos
mercados de derivativos financeiros, isto é, que as instituições que aceitaram assumir os riscos de crédito
dos bancos não consigam honrar seus compromissos. A evolução deste risco será tratada adiante.

17 Em 20 de novembro de 2008, o Tesouro americano anunciou a liquidação de um fundo de investimento e, de “maneira única
e excepcional”, o desembolso de US$ 5,6 bilhões em fundos públicos para pagar os investidores. O acordo garantiu ao fundo 45
dias para continuar com a venda de seus ativos a seu valor contábil líquido ou inferior. Ao final desse período, o Tesouro “comprará
todos os ativos restantes a seu valor contábil líquido”, a fim de assegurar que cada investidor receba um valor correspondente ao
seu investimento inicial.
18 Uma das dificuldades reside na própria forma de contabilizar as perdas. Para uns, os bancos estão maquiando balanços, es-
condendo prejuízos atrás de fórmulas matemáticas de avaliação de ativos mais complexos e sem liquidez a preços de mercado.
Para outros, os bancos não deveriam mesmo marcar a mercado todas as perdas, pois não teriam como absorvê-las com o capital
disponível.

A CRISE FINANCEIRA E O GLOBAL SHADOW BANKING SYSTEM

34
Tabela 1. Instituições que mais receberam recursos da AIG
INSTITUIÇÃO US$ BILHÕES
1 Goldman Sachs 12,9
2 Société Générale 11,9
3 Deutsche Bank 11,8
4 Barclays 8,5
5 Merrill Lynch 6,8
6 Bank of America 5,2
7 UBS 5,0
8 BNP Paribas 4,9
9 HSBC 3,5
10 Dresdner 2,6
Total repassado 93,2
Fonte: AIG e agências internacionais em Folha de S.Paulo (2009 : B8).

Diante das perdas, os grandes bancos foram obrigados, repetidas vezes, a sair em busca de novos
e cada vez mais custosos aportes de capitais, em particular de fundos soberanos, para reforçar seus ba-
lanços de modo a se readequar aos critérios de Basileia. Essa necessidade foi recorrente porque se mani-
festou cada vez que os bancos foram levados a reconhecer novos prejuízos. O UBS (2008) apontou que “o
setor ainda necessitaria de mais capital” e concluiu que “continuar levantando capital será cada vez mais
difícil em função do cansaço dos investidores [...] e do fato que novas captações terão de ser feitas através
da colocação de ações”19 (UBS, 2008). A partir de outubro de 2008, os imensos planos públicos de so-
corro aos bancos e a ampliação das garantias aos depósitos mostraram que a obtenção de novos capitais
tinha-se tornado mais difícil e que seus balanços, embora mais sólidos que os dos integrantes do global
shadow banking system, também estavam imensamente fragilizados. O FMI (2009 : 2) estimou perdas de
US$ 792 bilhões no sistema bancário, seguida por aportes de capital de US$ 826 bilhões (sendo US$ 380
bilhões provenientes dos bancos centrais) (Gráfico 2).

Gráfico 2. Estimativas de perdas e de aumento de capital pelo sistema bancário global

826

792

Perdas Aumento de Capital

Fonte: IMF (2009 : 2)

19 Essa obrigação decorre da aplicação dos acordos de Basileia, que restringem a proporção possível entre capital de acionistas e
capital oriundo da emissão de títulos portadores de juros.

ECONOMIA INTERNACIONAL

35
Uma teia opaca de inter-relacionamento financeiro internacional
A arquitetura financeira desmantelada pela crise desenvolveu-se ao longo das últimas décadas
tendo como pano de fundo as complexas relações que se estabeleceram entre instituições financeiras
reguladas e não reguladas nos opacos mercados de balcão. Isso ocorreu em um contexto de ampla liber-
dade de ação aos agentes financeiros. As instituições de supervisão e regulação estavam convencidas de
que os mecanismos de governança corporativa e os instrumentos de gestão e monitoramento dos riscos
bancários haviam evoluído a tal ponto que suas decisões poderiam ser consideradas as mais apropriadas
e eficientes para evitar a ocorrência de episódios que desembocassem em risco sistêmico.
A inexistência de uma câmara de compensação bem como a ausência de normas e especificações
das operações são as características comuns aos ativos negociados no mercado de balcão. Esses instru-
mentos são livremente negociados entre as instituições financeiras e entre essas e seus clientes, fazen-
do com que as posições dos participantes sejam totalmente opacas. As negociações nesses mercados
acabaram formando uma extensa e intrincada teia de créditos e débitos entre as instituições financeiras.
Nem os reguladores conseguem ter uma ideia dos riscos cruzados e das posições das diversas instituições
financeiras. Ademais, os produtos negociados no mercado de balcão não têm cotação oficial. Os preços são
livremente acordados entre as partes e não são transparentes, uma vez que não são tornados públicos.
Essa falta de transparência nos preços, nos mercados de balcão, notadamente nos que apresen-
tam baixa liquidez ou em montagens complexas e sofisticadas, pode impedir ou dificultar sua avaliação
no decorrer do período em que a posição é mantida. A prática contábil de mark-to-market (ajustar a
preços de mercado), conforme as recomendações dos organismos internacionais de supervisão e regu-
lamentação, de modo a permitir uma avaliação do valor das posições, pode não ter referência clara e ser
apenas aproximativa no que se refere aos derivativos de balcão, envolvendo consultas a outros intermedi-
ários financeiros ou cálculos segundo modelos matemáticos complexos20. Já durante o final da década de
1990, alguns rumorosos casos de elevados prejuízos em mercados de balcão só foram detectados pelas
empresas nos seus vencimentos e não durante o decurso da operação e estiveram na origem de diversos
processos judiciais contra as instituições financeiras que intermediaram as operações.
Na crise atual, o problema ressurgiu de forma ainda mais aguda. No final de 2006, o Financial
Accounting Standards Board (FASB), que regulamenta as informações contábeis das instituições finan-
ceiras, introduziu nova classificação dos ativos financeiros para efeito de apuração de seus preços. O
nível 1 compreende os ativos cujos preços são formados em mercados líquidos; o nível 2 inclui os ativos
cujos preços dependem de modelos com inputs baseados em preços de ativos negociados em mercados;
o nível 3 refere-se a ativos cujos mercados são os menos líquidos e cujos preços só podem ser obtidos

20 Cf. Guttmann e Plihon (2008 : 30): “trata-se de mercados de balcão, organizados por um número razoavelmente pequeno de
instituições financeiras negociando entre si com acordos bilaterais. Na falta de regras claramente estabelecidas, esses mercados
mais ou menos informais dependem em grande medida da existência de confiança e crença no ambiente das instituições, as quais
formam o mercado por meio dos negócios que fazem entre si e entre elas e sua clientela respectiva, que é quem acaba ficando
com os valores mobiliários. Mesmo assim, essa informalidade dos mercados de balcão também torna essa confiança vulnerável
a choques. Os bancos underwriters produzem os mercados de balcão pela compra inicial de alguns valores mobiliários uns dos
outros, usando seus modelos próprios para avaliar o produto e chegar a um acordo quanto ao preço, que servirá de base para a
distribuição subsequente de toda a emissão para os clientes investidores. Se e quando características comportamentais inespera-
das do produto colocarem em dúvida o seu perfil de risco e retorno planejados, os mercados de balcão não terão o mecanismo de
troca pública para estabelecer um preço novo coletivamente elaborado, que reflita as informações que geram turbulência. Quando
os bancos duvidam dos preços uns dos outros, pode não haver coesão suficiente para um novo consenso de preço. Neste ponto,
quando não há mais recuperação de preço, as negociações cessam”.

A CRISE FINANCEIRA E O GLOBAL SHADOW BANKING SYSTEM

36
usando-se modelos matemáticos. No nível 2, encontra-se boa parte dos derivativos de balcão, enquanto
os ativos lastreados em hipotecas ou outros tipos de crédito e investimentos em private equity estão no
nível 321. O investidor Warren Buffett (2007) declarou à revista Fortune que essas instituições “estão
marcando a modelo ao invés de marcar a mercado. A recente derrocada nos mercados de dívida transfor-
mou este processo em uma marcação a mito”. As novas normas contábeis mostraram claramente que as
instituições financeiras detinham em excesso ativos pouco líquidos, que a crise financeira se encarregou
de reprecificar em níveis próximos de zero22. Com efeito, os ativos de nível 1 somente representavam
algo próximo de 9% dos ativos totais das instituições financeiras americanas, enquanto os de nível 2 e 3
constituíam os 91% restantes.
A elevadíssima alavancagem das instituições financeiras repousa também na negociação de de-
rivativos financeiros. Por meio desses instrumentos que requerem um pagamento inicial baixíssimo ou,
em alguns casos, nulo, as instituições financeiras tanto buscam cobertura de seus riscos de câmbio,
de juros e de preços de mercado de outros ativos como especulam sobre a tendência desses preços ou
efetuam operações de arbitragem. A expansão dos mercados de balcão que já ocorria num ritmo extre-
mamente rápido, desde o final da década de 1980, acelerou-se mais ainda a partir do final da década de
1990, com o surgimento e intensa negociação dos derivativos de crédito. Uma volatilidade elevada em
mercados muito alavancados pode resultar em prejuízos superiores ao patrimônio das instituições, além
de levar a um repentino aumento da percepção de riscos suplementares, num montante consolidado e
numa distribuição desconhecidos.
As próprias características dos mecanismos de transferência de riscos introduziram novas incerte-
zas. Não se sabe se os riscos foram diluídos entre um grande número de pequenos especuladores ou se
foram concentrados em algumas carteiras. Dessa forma, mais de um ano e meio após a eclosão da crise
os prejuízos persistiram incomensuráveis e sua distribuição continuou em grande parte desconhecida,
contribuindo para contrair o volume de crédito (credit crunch), manter elevadas as taxas de empréstimo
e, por vezes, desencadear o pânico entre os investidores, desvalorizando ativos mobiliários e imobiliários,
além de provocar o empoçamento da liquidez nos mercados interbancários.
Nos mercados organizados, a transferência dos ganhos e perdas é organizada e garantida pelas
câmaras de compensação. Nos mercados de balcão, a inexistência dessas câmaras de compensação
coloca em evidência um elevado risco de inadimplência da contraparte perdedora. Dessa forma, aumen-
tam os riscos potenciais dos derivativos de balcão em relação aos negociados em mercados organizados.
A acentuada expansão, no início deste milênio, dos derivativos de crédito ampliou fortemente os riscos

21 Os fundos de investimento de private equity, em geral, recompram integralmente empresas promissoras, retiram-nas das bolsas
de valores, reestruturam-nas para revendê-las, dois a quatro anos mais tarde, com valorização. Tais fundos tendem a realizar gran-
des captações de recursos (inclusive para efetuar a aquisição da empresa), cujos serviços das dívidas são transferidos à empresa
recomprada. Os bancos apoiaram inúmeras dessas operações, em condições surpreendentes: os empréstimos covenant-lite eram
livres de todas as cláusulas relativas a coeficientes financeiros elementares a que são normalmente submetidos os tomadores de
empréstimos (“aconteça o que acontecer, nós estamos do seu lado”); a operação PIK (payment in kind, pagamento em espécie) ; ou
ainda IOU (I owe you), os juros e o principal eram reembolsados não em dinheiro, mas em dívida adicional acrescentada à inicial.
22 Cumpre notar que as instituições financeiras apontam o mark-to-market como parcialmente responsável pelos imensos preju-
ízos que registraram. Salienta-se que os planos de resgate dos EUA e da área do euro, implementados em meados de outubro de
2008, suspenderam as regras de marcação a mercado dos ativos, que exigem que as instituições avaliem os investimentos pelos
preços que eles valem caso sejam vendidos imediatamente. As mudanças permitiram que os bancos reclassifiquem alguns ativos
como investimentos de longo prazo (empréstimos e recebíveis), concedendo-lhes tempo para decidir o valor dos ativos e quanto
perderam com a turbulência Isso desencadeou uma imensa polêmica em que muitos apontam que tal concessão só irá provocar
maior desconfiança.

ECONOMIA INTERNACIONAL

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agregados presentes nos mercados de balcão. Esses derivativos nasceram da constatação do crescente
fosso entre técnicas sofisticadas de gestão dos riscos de juros, câmbio e de mercado e dos modos mais
tradicionais disponíveis para a gestão dos riscos de crédito (securitização, diversificação de carteira,
garantias colaterais, limites operacionais etc.). Sabe-se que os mercados de derivativos financeiros cons-
tituem um jogo de soma zero em que as perdas de uns correspondem exatamente aos ganhos de outros,
se excetuarmos os custos de transação. No agregado, só se pode ganhar, nos mercados de derivativos,
os valores perdidos por outros participantes. Mas essa característica assume importância maior nos de-
rivativos de crédito23 porque neles o risco envolve o principal da operação, enquanto nos demais derivati-
vos o risco está na margem (vender mais barato do que comprou ou comprar mais caro do que vendeu).
Utilizando os mecanismos já existentes de swaps, os derivativos de crédito permitiram que os ban-
cos retirassem riscos de seus balanços, ao mesmo tempo em que as instituições financeiras do global
shadow banking system passaram a ter novas formas de assumir exposição aos riscos e rendimentos
do mercado de crédito. Não sendo “originadoras” de crédito, as instituições do global shadow banking
system assumiram, sobretudo, a posição vendida nesses derivativos, pois dessa forma podiam reproduzir
“sinteticamente” a exposição ao crédito e ao seus rendimentos.
Os dados apurados pelo Bank for International Settlements (BIS) indicam: (a) o crescimento renitente
dos derivativos de balcão; em junho de 2008, alcançaram US$ 683,7 trilhões em valores nocionais (prati-
camente onze vezes o PIB mundial estimado em US$ 62 trilhões) e US$ 20,3 trilhões em valores brutos de
substituição a preço de mercado24, ou seja, um aumento de 28,7% em relação ao semestre anterior (ver
Tabela 2); (b) uma elevação extremamente acelerada dos valores nocionais e valores brutos de mercado
dos CDS (derivativos de crédito), entre junho de 2007 e junho de 2008, num período em que os negócios
com produtos estruturados ligados ao crédito foram praticamente inexistentes. Os valores nocionais de CDS
atingiram US$ 57,3 trilhões e os valores brutos de substituição a preço de mercado, US$ 3,2 trilhões.
O forte aumento nos prêmios dos CDS decorrentes da crise aparece claramente nesses dados:
para um aumento de 34,6% no valor nocional dos CDS entre junho de 2007 e junho de 2008, registrou-
se uma alta de 339,9% no seu valor bruto de substituição a preço de mercado (Tabela 2). Ademais, a
elevação dos valores nocionais dos derivativos de crédito num período tão conturbado indica que pode
ter ocorrido, alternativa ou cumulativamente dois fenômenos: (a) prêmios mais elevados atraíram novos
especuladores dispostos a assumir os riscos de crédito para os quais muitos procuravam cobertura; (b)
diante da impossibilidade de liquidar posições antecipadamente, agentes com uma percepção de riscos
mais elevada realizaram, para este fim, operações “com sinal trocado” com outras contrapartes que são
contabilizadas até seu vencimento nos agregados divulgados pelo BIS.
As instituições, sobretudo as não bancárias, que tinham assumido posições vendidas nos CDS amar-
garam altíssimos prejuízos em função da alta dos prêmios iniciada em 2007 e acentuada a partir de setem-
bro de 2008. Mas o fato de esses riscos terem sido transferidos não os anulou, eles permaneceram pre-

23 Os mais utilizados foram os swaps de inadimplência de crédito (credit default swaps, CDS) que transferem o risco de crédito
entre o agente que adquire proteção e a contraparte que aceita vender proteção. Por esse mecanismo, o detentor de uma carteira
de crédito compra proteção (paga um prêmio) do vendedor de proteção. Em troca, esse assume, por um prazo predeterminado, o
compromisso de efetuar o pagamento das somas combinadas nos casos especificados em contrato, que vão de inadimplência ou
falência à redução da classificação de crédito ou outros eventos que possam causar queda do valor da carteira.
24 Existem duas formas de agregação dos derivativos. O primeiro é o valor nocional que equivale ao valor do ativo subjacente. O
segundo é denominado de “valores brutos de mercado”, que corresponde ao custo de substituição de todos os contratos aos preços
atuais de mercado.

A CRISE FINANCEIRA E O GLOBAL SHADOW BANKING SYSTEM

38
sentes no mesmo montante consolidado. Essa transferência de riscos significou apenas que eles deixaram
de incidir no balanço da instituição que originou o crédito e passaram a ser de responsabilidade da outra
instituição que constituiu a contraparte da operação. De forma agregada, as instituições financeiras do
global shadow banking system passaram a ser as contrapartes dos bancos nessas operações uma vez que
optaram por ter um acesso considerado altamente remunerador às operações de crédito. Bastava captar
recursos no mercado de títulos de curto prazo e adquirir os títulos de longo prazo com lastro em crédito e/ou
assumir posições vendidas em proteção contra os riscos de crédito no mercado de derivativos para reprodu-
zir “sinteticamente” uma operação de crédito. Dessa forma, os mercados de balcão tornaram-se o palco de
negociação tanto de ativos como de passivos das instituições financeiras. Enquanto tal, eles se transforma-
ram em fonte de funding e de investimentos para as instituições financeiras que deles participavam.

Tabela 2. Estoque de derivativos negociados nos mercados de balcão — US$ bilhões


Valor nocional Valor bruto de mercado
Instrumento 2006 dez. 2007 jun. 2007 dez.. 2008 jun. 2006 dez. 2007 jun. 2007 dez.. 2008 jun.
Total 414.845 516.407 595.341 683.725 9.691 11.140 15.813 20.353
Câmbio 40.271 48.645 56.238 62.983 1.266 1.345 1.807 2.262
Reporting Dealers (a) 15.532 19.173 21.334 24.845 438 455 594 782
Outras Instituições Finan-
16.023 19.144 24.357 26.775 521 557 806 995
ceiras
Instituições não Financeiras 8.716 10.329 10.548 11.362 307 333 407 484
Taxas de Juros 291.582 347.312 393.138 458.304 4.826 6.063 7.177 9.263
Reporting Dealers (a) 127.432 148.555 157.245 188.982 1.973 2.375 2.774 3.554
Outras Instituições Finan-
125.708 153.370 193.107 223.023 2.223 2.946 3.786 4.965
ceiras
Instituições não Financeiras 38.441 45.387 42.786 46.299 630 742 617 745
Ações 7.488 8.590 8.469 10.177 853 1.116 1.142 1.146
Reporting Dealers (a) 2.537 3.118 3.011 3.479 290 405 398 376
Outras Instituições Finan-
4.295 4.473 4.598 5.496 452 549 578 616
ceiras
Instituições não Financeiras 656 999 861 1.203 111 161 166 154
Commodities 7.115 7.567 8.455 13.229 667 636 1.899 2.209
Ouro 640 426 595 649 56 47 70 68
Outras 6.475 7.141 7.861 12.580 611 589 1.829 2.142
Derivativos de crédito 28.650 42.580 57.894 57.325 470 721 2.002 3.172
Simples 17.879 24.239 32.246 33.334 278 406 1.143 1.889
Múltiplo 10.771 18.341 25.648 23.991 192 315 859 1.283
Outros 39.740 61.713 71.146 81.708 1.609 1.259 1.788 2.301
Exposição de Crédito Bruta - - - - 2.036 2.672 3.256 3.859
Fonte: BIS (2007).
Nota: (a) Nas estatísticas do BIS, reporting dealers são os grandes bancos internacionais e os agentes chamados
de broker-dealer nos EUA. Nenhuma outra instituição financeira não bancária está incluída nessa rubrica.

Foi a partir dessa transferência de riscos pelos bancos que ocorreu o “milagre” de sua multiplica-
ção. Nos casos em que esses riscos foram transferidos dos balanços dos bancos para outras instituições
financeiras por meio de títulos securitizados e produtos estruturados, esses ativos foram “reempacota-
dos” e deram origem a outros ativos que, por sua vez, foram vendidos a outras instituições. Enquanto
essas operações se restringiram às transações no mercado à vista, eram os riscos originais que iam
sendo trocados de mãos. Mas, ao serem acoplados aos derivativos de crédito, esses ativos deram ori-
gem a “ativos sintéticos”, isto é, ativos que replicavam os riscos e retornos dos ativos originais, sem que

ECONOMIA INTERNACIONAL

39
fosse necessário possuí-los. Estes ativos “virtuais” (Bourguinat, 1995) possuem tal propriedade porque
negociam compromissos futuros de compra e venda mediante o pagamento de um “sinal”, o que abre a
possibilidade de vender o que não se possui e/ou comprar o que não se deseja possuir. Nos mercados
de balcão, multiplicaram-se as mais diversas combinações “virtuais” dos ativos de crédito securitizados
com operações de derivativos de crédito. Os “produtos estruturados”, que haviam permitido realizações
de lucros recordes, transformaram-se, para retomar a expressão do mesmo Warren Buffett, em “armas
de destruição em massa” (English, 2003). Os riscos de crédito bancário, que saíram dos balanços dos
bancos, transformaram-se em riscos de contraparte, dependentes da capacidade de pagamento dos
agentes que os assumiram no conjunto da pirâmide.
A introdução e forte expansão nos mercados de balcão dos derivativos de crédito — isto é, a
transformação de partes constitutivas dos ativos bancários em ativos negociáveis — fez com que o sis-
tema bancário e o global shadow banking system se interpenetrassem de modo quase inextrincável25.
Os prejuízos das instituições participantes do global shadow banking system acabaram, em parte,
achando seu caminho para os balanços dos bancos. Alguns bancos (por exemplo, o Citibank) tinham
incluído opções de venda (que davam a seu detentor a possibilidade de revender o ativo a um preço
predeterminado) nos títulos de securitização de crédito. Essas opções foram exercidas, obrigando os
bancos a recomprar os ativos no momento em que sua liquidez desapareceu e seus preços tenderam
a zero. Os diversos SIV tinham a garantia dos bancos patrocinadores. Em outros casos, esses novos in-
termediários possuíam linhas de crédito pré-aprovadas com bancos universais que foram amplamente
utilizadas após a eclosão da crise.
Nos derivativos de crédito, além dos prejuízos ocasionados aos vendedores de proteção pela alta
dos preços dos CDS, agregaram-se, em primeiro lugar, os prejuízos decorrentes da concretização dos
eventos de crédito incluídos nos contratos de CDS. Verificou-se que essa definição costumava ser muito
ampla, incluindo, além de falência, necessidades de recapitalização. Isso fez com que a proteção con-
ferida por CDS que tinham por ativo subjacente os títulos das GSE — do Lehman Brothers e dos bancos
hipotecários, por exemplo — fosse exercida, obrigando os vendedores de proteção a cumprir o compromis-
so assumido de efetuar o pagamento das somas predeterminadas aos que compraram essa proteção.
Em segundo lugar, falta contabilizar os prejuízos decorrentes do risco de contraparte das instituições do
global shadow banking system. Boa parte dessas instituições — que tinham assumido a contraparte dos
riscos transferidos pelos bancos — não apresenta condições de honrar os compromissos assumidos que
continuam crescendo em ritmo celerado. Seus credores, os bancos universais, tampouco têm condições
de prescindir desses pagamentos. Enfim, o papel complexo e obscuro desempenhado por esse conjunto
de instituições e pelos instrumentos financeiros negociados nos mercados de balcão multiplicou os riscos
e tornou sua distribuição desconhecida. Isso dificulta e prolonga uma solução negociada para a crise.

Considerações finais
Diante da magnitude das perdas e dos recursos públicos envolvidos na tentativa de se restabelecer
a confiança, ficou evidente a fragilidade do sistema financeiro desregulamentado, liberalizado e supervi-

25 Como sugerido por Blackburn (2008 : 81): “os derivativos de crédito ajudaram a obnubilar as distinções entre os bancos comer-
ciais e os de investimento”.

A CRISE FINANCEIRA E O GLOBAL SHADOW BANKING SYSTEM

40
sionado de forma displicente, que fomentou a expansão do global shadow banking system26. O resgate
das agências hipotecárias (Fannie Mae e Freddie Mac) e da seguradora American Insurance Group (AIG), o
desaparecimento dos cinco grandes bancos de investimento de Wall Street (Bear Sterns, Lehman Brothers,
Merril Lynch, Goldman Sachs e Morgan Stanley) e a falência de diversos bancos hipotecários, de fundos de
investimentos, de hedge funds, de private equities funds aceleraram um processo de enxugamento desse
gigantesco “sistema financeiro paralelo” que proliferou inovações cada vez mais complexas e opacas.
A quebra das instituições insolventes e o desaparecimento da liquidez dos instrumentos financei-
ros mais exóticos promoveram um acentuado processo de desalavancagem e uma reconfiguração força-
da do sistema financeiro global27. Promoveram, ainda, um enquadramento das instituições sob a regula-
ção e supervisão do Federal Reserve System e dos outros bancos centrais (Reino Unido, União Europeia,
Suíça, Japão, Canadá etc.). Todavia, o risco de desmoronamento do sistema financeiro como um todo
tornou cada vez mais inevitável a adoção de mecanismos mais abrangentes de regulação e supervisão.
Isso deverá implicar a consolidação das diversas agências regulatórias, tanto na Europa como nos EUA. A
crise revelou a obsolescência das estruturas de supervisão descentralizadas, dado o grau de imbricação
das diversas instituições financeiras (bancos, fundos de pensão, seguradoras, fundos de investimento) e
dos mercados (de crédito, de capitais e de derivativos). Destaca-se que essa questão já foi encaminhada
pelo governo americano. Um dos pilares da proposta de reestruturação da estrutura regulatória do sis-
tema financeiro dos EUA, encaminhada ao Congresso no final de março de 2008, consistiu exatamente
na consolidação das diversas agências reguladoras do país. Ademais, nessa proposta, o Federal Reserve
teria poderes ampliados, passando a supervisionar, além das holdings financeiras, os bancos de investi-
mento, seguradoras e fundos de investimento (inclusive hedge funds).
Nas discussões preparatórias para a reunião dos chefes de governo do G2028 — em Londres, em 2
de abril de 2009 —, sobressaíram, de um lado, a impossibilidade de um “super-regulador global”, mas, de
outro lado, a adoção de regras globais aplicadas por supervisores/reguladores nacionais. Dessa forma,
as novas regras para o funcionamento dos sistemas financeiros parecem caminhar para um aperfeiço-
amento do Acordo de Basileia II em âmbito global, naquilo que vem sendo chamado de “autorregulação
supervisionada”, com alguma norma sobre o grau de alavancagem, testes de stress para novos instru-
mentos e governança corporativa que reflita as responsabilidades fiduciárias das instituições financeiras
(Guttmann, 2008 e Cintra e Prates, 2008). As instituições financeiras deverão ser enquadradas nas

26 Em novembro de 2008, a Bloomberg consolidou todas as operações governamentais de resgate do sistema financeiro ameri-
cano. Naquele momento, somavam US$ 7,4 trilhões: US$ 4,4 trilhões geridos pelo Federal Reserve, US$ 1,5 trilhão pelo Federal
Deposit Insurance Corp., US$ 1,1 trilhão pelo Tesouro e US$ 300 bilhões pela Federal Housing Administration (disponível em —
http://www.bloomberg.com/apps/data?pid=avimage&iid=i0YrUuvkygWs). Em janeiro de 2009, o BNP Paribas (2009), por sua vez,
aglutinou os diferentes planos de resgate dos sistemas financeiros da área euro — injeção de capital e garantia para emissão de
novas dívidas — que atingiram € 2 trilhões, o equivalente a 22,5% do PIB regional. Agregou ainda os programas da Austrália, Canadá
(19,1% do PIB), Dinamarca, Hungria, Noruega (15,4% do PIB), Catar, Arábia Saudita, Coreia do Sul (11,1% do PIB), Suécia (49,3%
do PIB), Suíça, Reino Unido (25% do PIB) e Emirados Árabes, perfazendo mais € 898,2 bilhões.
27 Após divulgar uma queda em seus lucros trimestrais em 24%, com o menor uso dos cartões e maior inadimplência dos clientes,
a American Express passou a enfrentar dificuldades para emitir novos títulos de dívida e, portanto, para obter financiamento. Diante
disso, o Federal Reserve aprovou sua conversão em banco comercial, em 11 de novembro de 2008. Com isso, a empresa poderá se
beneficiar dos programas de financiamento de baixo custo da autoridade monetária. O mesmo ocorreu com o Banco da GM. Essas
decisões podem representar o fim das empresas financeiras que operam em uma única linha de negócios e são dependentes dos
mercados financeiros para obter financiamento.
28 Formado pelos membros do G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá) mais um grupo de na-
ções emergentes que inclui Arábia Saudita, África do Sul, Argentina, Austrália, Brasil, China, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, México,
Rússia e Turquia.

ECONOMIA INTERNACIONAL

41
normas de capital ponderado pelos riscos, nos sistemas de monitoramento e gestão de riscos cada vez
mais sofisticados. Os mercados de derivativos de balcão, sobretudo, os derivativos de crédito, serão do-
tados de câmaras de compensação29.
Ademais, para enfrentar a desconfiança em seu sistema bancário, o Departamento do Tesouro
americano anunciou um Plano de Estabilização Financeira (Financial Stability Plan). Pelas informações
disponíveis, o Plano prevê quatro componentes básicos: (a) os balanços dos bancos passarão por avalia-
ções cuidadosas (stress test);o aporte de capital, quando necessário, será realizado por meio da compra
de ações preferenciais conversíveis em ações ordinária por uma nova entidade — o Financial Stability
Trust — que administrará os investimentos do Tesouro nas instituições financeiras; (b) o Tesouro, o Fede-
ral Reserve, a FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation) e o setor privado estabelecerão um Fundo de
Investimento Público Privado, começando com US$ 500 bilhões, podendo alcançar US$ 1 trilhão; esse
fundo irá comprar “empréstimos e ativos tóxicos”, com financiamento e garantias públicas.; (c) o Federal
Reserve disponibilizará US$ 1 trilhão para estimular a recuperação do crédito às empresas e aos consu-
midores, por meio do programa Term Asset-Backed Securities Loan Facility (Talf); (d) uma linha de crédito
de US$ 75 bilhões para facilitar a repactuação das hipotecas de três a quatro milhões de mutuários,
com redução do valor das prestações para um equivalente a 31% da renda familiar, a fim de abrandar a
execução de hipotecas residenciais e amortecer o impacto da crise imobiliária.
O mercado financeiro global parece convencido da necessidade de limpar os ativos dos bancos, a fim
de reduzir a desconfiança no sistema de crédito e de financiamento. Dessa forma, algum mecanismo de “bad
bank” (para comprar ativos podres de bancos comerciais) será necessário, como mostrou a experiência da
Suíça. O problema americano é a escala dessa operação, acrescida da dificuldade de precificar essa monta-
nha de “ativos podres” de forma que reestruture o balanço dos bancos e seja menos deletério para os contri-
buintes. Pelo desenho institucional do Fundo de Investimento Público Privado, permitindo um enfrentamento
dessas duas dimensões, espera que uma operação típica possa funcionar da seguinte forma: para cada
US$ 100 de “ativos tóxicos” comprados dos bancos, o setor privado (fundos de investimento, seguradoras,
fundos de pensão) deve contribuir com US$ 7; o Tesouro, com outros US$ 7. O restante (US$ 86) será coberto
pela Federal Deposit Insurance Corp. A participação do setor privado, mesmo que marginal, foi considerada
relevante para auxiliar no processo de formação de preços dos “ativos podres”, por meio de leilões entre os
bancos vendedores e os investidores interessados, com a expectativa de uma valorização futura.
Resta salientar que o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, indicou a preparação de um plano
“completo” para a habitação que viria em auxílio dos proprietários ameaçados com a execução de hipo-
tecas residenciais. O plano incluiria a compra de títulos lastreados por hipotecas emitidos pelas compa-
nhias Fannie Mae e Freddie Mac, salvas pelo governo americano em setembro de 2008. Isso é absolu-
tamente essencial para conter a deflação dos preços da terra e dos imóveis (residenciais e comerciais).

29 O relatório do Counterparty Risk Management Policy Group III (CRMPG III, 2008), por exemplo, recomendou: a) a criação de
uma câmara de compensação para os derivativos de balcão; b) o estabelecimento de exigências de que as contrapartes em certas
operações no mercado de balcão sejam “suficientemente sofisticadas para entender as operações e seus riscos”; c) mudanças na
contabilização dos ativos lastreados em crédito — incluindo os já existentes —, que deixariam de ser considerados “fora de balanço”
e passariam a ser incluídos nos balanços. Essa última recomendação provocaria um forte aumento do capital regulatório e obrigaria
muitas instituições a captar elevados montantes de capital. Todavia, “por mais custosas que venham a ser essas reformas, esse cus-
to será minúsculo se comparado às centenas de bilhões de dólares em créditos em liquidação que as instituições financeiras tiveram
de enfrentar nos últimos meses, para não falar das distorções e dos deslocamentos econômicos ocasionados pela crise”. Para outras
propostas de reestruturação dos sistemas financeiros e de regulação, ver Carvalho & Kregel (2009) e Group of Thirty (2009).

A CRISE FINANCEIRA E O GLOBAL SHADOW BANKING SYSTEM

42
Como o próprio Alan Greenspan sinalizou, a economia americana começará a se recuperar quando o
mercado imobiliário se estabilizar. Há, portanto, que impedir as execuções das hipotecas e a progressiva
queda nos preços da terra e dos imóveis.

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ECONOMIA INTERNACIONAL

45
O sistema de financiamento
residencial americano:
de uma crise a outra

Rafael Fagundes Cagnin

E
ntre agosto de 2007 e o final de 20081, a crise das hipotecas subprime — de início uma crise de
crédito clássica, condicionada pelo aumento das taxas de juros e de inadimplência — evoluiu de
maneira a gerar uma crise financeira e bancária de proporções globais. As inovações financeiras
constituíram o fio condutor dessa evolução.
A criação de novos instrumentos pelos agentes financeiros está associada ao processo de concor-
rência a que estão submetidos. A busca pelo lucro condiciona estratégias por meio das quais um agente
procura diferenciar-se dos demais, lançando mão de técnicas de marketing, de investimentos em tecnolo-
gia e da expertise de seus gestores. Um novo instrumento financeiro, da criação à comercialização, acaba
por sintetizar essas estratégias de concorrência, permitindo que as instituições financeiras compatibili-
zem os produtos e serviços ofertados às características daqueles demandados pelo público. Os ganhos
de caráter monopolista possibilitados pelas inovações financeiras apresentam, contudo, um caráter pas-
sageiro, dada a ausência de mecanismos que bloqueiem ou dificultem sua imitação pelos concorrentes,
como, por exemplo, os registros de patentes. Assim, quanto mais concorrencial for o ambiente econômi-
co, maior será o ritmo de introdução e de disseminação de inovações financeiras (Freitas, 1997).
Essa dinâmica microeconômica apresenta desdobramentos macroeconômicos importantes. Por
um lado, a introdução de novos contratos e práticas amortece o impacto da elevação das taxas de juros
na fase de ascendente do ciclo, permitindo a continuação da tendência de expansão dos estoques de
crédito, incorporando tomadores e projetos de maior risco2. Por outro lado, na fase descendente do ciclo,
1 O autor agradece os comentários e sugestões de Maryse Fahri e Marcos Antonio M. Cintra, isentando-os dos erros remanescentes.
2 Minsky (1986 : 230-238) adota a seguinte tipologia para a situação patrimonial dos agentes econômicos: hedge (quando as
receitas são suficientes para honrar o serviço da dívida), speculative (quando tais receitas permitem o pagamento apenas dos
juros, obrigando o refinanciamento do principal) e Ponzi (quando as receitas obtidas não são capazes sequer de saldar o montante

O sistema de financiamento residencial americano: de uma crise a outra

46
ela colabora na intensificação da instabilidade financeira e do aumento do risco sistêmico, à medida
que complexifica as relações de crédito e débito e dificulta a gestão da liquidez pelos bancos centrais
(Minsky, 1984 e 1986).
As inovações financeiras apresentam uma relação de duplo sentido com o arranjo institucional
que, por sua vez, define o ambiente de concorrência dos agentes financeiros. Por um lado, fatores institu-
cionais específicos (leis e normas que compõem o quadro regulatório) de cada sistema financeiro nacio-
nal condicionam a capacidade de criação de novos instrumentos, à medida que definem o conjunto de
escolhas possíveis que compõem as estratégias concorrenciais dos agentes financeiros (Amable, 2005).
Aglietta (1987) chama atenção, por exemplo, para as características do sistema jurídico na Europa Con-
tinental e nos EUA e Grã-Bretanha. Nesses últimos, prevalece a common law (tudo o que não é proibido
é permitido), o que garante aos agentes financeiros maior liberdade para desenvolver novas práticas e
instrumentos financeiros do que na maioria dos países europeus, onde predomina a civil law (tudo o que
não é permitido é proibido).
Por outro lado, as inovações financeiras também permitem a adaptação das condições de finan-
ciamento a mudanças econômicas, não apenas cíclicas, mas inclusive aquelas de caráter estrutural. A
criação de novos instrumentos pode fazer parte de estratégias que tenham o objetivo de contornar os li-
mites impostos pela regulação, desencadeando um processo de “obsolescência” do arranjo institucional
em vigência, incitando um movimento de rerregulação por parte dos órgãos competentes, que venha a
validar as práticas correntes. Foi um processo dessa natureza que levou à transformação da estrutura do
sistema financeiro americano dos anos 1930 em direção às suas características atuais (Freitas, 1997;
Braga e Cintra, 2004; Cintra e Cagnin, 2007b).
As mudanças na conjuntura econômica dos EUA a partir de meados dos anos 1960 (perda de
competitividade internacional, elevação das taxas de juros, aceleração da inflação e baixo crescimento
econômico), que refletiam o desgaste do arranjo político-institucional do pós-guerra, aprofundadas na
década seguinte, deram origem a um intenso processo de inovação financeira, seguido pelo desmante-
lamento de controles quantitativos (Glass-Steagal Act de 1933 e Securities Exchange Act de 1934), que
constituíam, até então, uma das principais características do sistema financeiro americano (Belluzzo e
Coutinho, 1996; Braga e Cintra, 2004).
Data desse período o processo de “institucionalização da poupança” americana — isto é, o aumento
da importância dos investidores institucionais como gestores de riqueza e de crédito em relação às institui-
ções de depósito — e o crescimento dos mercados de títulos de dívida (securities) e de derivativos. A essas
tendências, que consistiam numa elevação do nível de concorrência, os grandes bancos americanos rea-
giram introduzindo outras inovações financeiras (certificados de depósito, repurchase agreement etc.), de
maneira a contornar os limites às taxas de juros aos quais estavam sujeitos (Baer, 1990; Cintra, 1997).
A concorrência entre as instituições bancárias e não bancárias e a introdução de inovações finan-
ceiras, seja nas formas de captação, seja na gestão de riscos e das operações ativas, transformaram o
negócio bancário3. Os grandes bancos comerciais lideraram o processo de conglomeração entre diferen-

integral referente aos juros da dívida). Ao longo do ciclo econômico, a estrutura patrimonial da maioria dos agentes transforma-se
no sentido de uma elevação da fragilidade; isto é, a estrutura hedge, predominante no inÍcio da expansão econômica, dá lugar à
predominância de estruturas speculative e Ponzi.
3 Nas finanças contemporâneas, as inovações financeiras ocupam papel importante nas estratégias de ampliação dos ativos das
instituições, assim como na gestão de seu passivo. A diversificação dos mecanismos de captação, em que se destaca a prática da

ECONOMIA INTERNACIONAL

47
tes instituições que, sob figuras jurídicas distintas, passaram a oferecer serviços de subscrição de títulos
e ações, seguros e gestão de riqueza por meio de fundos de investimento e de pensão4 (Freitas, 1997;
Cintra e Cagnin, 2007b).
A combinação de aceleração da inflação e existência de teto para as taxas de juros de empréstimos
e dos depósitos a prazo (Regulação Q) criou problemas para a captação de recursos pelas instituições de
saving e loans (S&L), responsáveis pelo financiamento da compra de imóveis residenciais. A introdução
de inovações financeiras pelos grandes bancos e investidores institucionais, sobre as quais não incidiam
tetos, reduziu a capacidade das S&L de atrair depósitos, dificultando o refinanciamento de suas posições
ativas, que em grande parte eram constituídas de hipotecas de longo prazo.
Aos problemas de liquidez dos anos 1960 e 1970, foram acrescentados novos desafios com o
choque de juros realizado por Paul Volcker em 1979 e com a eliminação dos tetos de taxas de juros, por
meio do Depository Institutions Deregulation and Monetary Control Act de 1980. Em função do descasa-
mento de prazos entre suas operações ativas e passivas, a elevação das taxas de juros que seguiram à
sua liberalização resultou no encarecimento do funding das S&L, ao mesmo tempo em que a rentabili-
dade de seu ativo continuava definida pelos contratos hipotecários de longo prazo a taxas de juros fixas,
estabelecidos anteriormente.
Como as S&L consistiam no principal tipo de instituição geradora de hipotecas, a crise dessas insti-
tuições significava necessariamente a crise do arranjo de financiamento residencial5. A importância do setor
imobiliário residencial, em termos tanto de crescimento econômico e geração de emprego como de política
social, criou as condições políticas que sustentaram a sucessão de transformações institucionais liderada
pelo Estado6. A gestão da crise desse segmento do mercado de crédito deu origem a um sistema integrado
aos mercados securitizados, cuja dinâmica permitiu a forte expansão do financiamento residencial americano
depois de 2002, acompanhada de inovações financeiras e de acúmulo crescente de riscos (Cagnin, 2007).

As transformações do sistema de financiamento residencial


Após a crise financeira dos anos 1930, as autoridades governamentais americanas buscaram for-
talecer e expandir o sistema de financiamento residencial, apoiando as instituições de saving e loans e o
desenvolvimento de mecanismos que permitissem melhor gestão dos riscos por meio da criação de um
mercado secundário de hipotecas e da concessão de garantias públicas. Três instituições foram criadas:

securitização, permitiu que bancos e demais instituições pudessem definir o ritmo de crescimento de seu ativo para, em seguida,
compor sua estrutura passiva (Minsky 1984).
4 A remoção da proibição sobre a atuação de filiais bancárias ocorreu em 1994 por meio do Riegle-Neal Interstate Banking and
Branching Efficiency Act, que permitiu a expansão das filiais e dos bancos interestaduais. A partir de 1999, as bank holding com-
panies conseguiram liberalização ainda maior de suas operações, podendo manter em sua estrutura companhias de seguros e
bancos de investimento. A redução das restrições legais impostas às instituições financeiras americanas, especialmente sobre os
bancos, tornou de jure uma situação já presente de fato, reforçando a tendência de flexibilização do sistema financeiro (Freitas,
1997a; Braga e Cintra, 2004).
5 Vale ressaltar que o financiamento imobiliário nos EUA é quase exclusivamente hipotecário, isto é, a operação de crédito está associa-
da a uma garantia real, o que reduziria o risco de default da operação. Entretanto, o crédito imobiliário pode estar associado a um seguro
que tem a função de substituir a garantia real, como é o caso da caution francesa. Ver Stone e Zissu (1994) e Baude e Bosvieux (2002).
6 Mesmo as instituições mais formais, como as constituições, as leis e as regulamentações, são suscetíveis a transformações
diante da pressão dos agentes. A introdução de inovações financeiras pode ser vista como um mecanismo dessa pressão. Contudo,
é na esfera política que as demandas por mudanças institucionais devem ser validadas. Nesse sentido, a ocorrência de crises,
conflitos ou guerras criam as condições políticas necessárias para a reavaliação dos arranjos institucionais ao alterar a relação de
poder entre os grupos de interesse da sociedade (Boyer, 2004; Amable, 2005).

O sistema de financiamento residencial americano: de uma crise a outra

48
o Federal Home Loan Bank System (FHLBS) em 1933, a Federal Housing Administration (FHA) em 1934
e a Federal National Mortgage Association (FNMA) em 1938.
Enquanto a FHA7 assumia o risco de crédito de novos contratos de financiamento, funcionando
como uma seguradora pública, o FHBLS constituía-se numa fonte alternativa de captação às instituições
de depósito associadas8. O desenvolvimento de um mercado secundário de hipotecas cabia à FNMA,
cujas operações restringiam-se à aquisição das hipotecas garantidas pela FHA.
Apesar das medidas implementadas, o mercado secundário de hipotecas manteve-se restrito até a
década de 1970, o que significava que as operações das instituições credoras (e inclusive da FNMA) ain-
da eram acompanhadas por um elevado descasamento de prazos entre suas estruturas ativa e passiva.
Assim, ante os desafios postos pelo ambiente macroeconômico, as autoridades públicas continua-
ram a incentivar a ampliação do mercado secundário de hipotecas, melhorando as condições de obtenção
de liquidez por parte das S&L. Foram criadas, entre 1967 e 1968, três comissões pelo então presidente
dos EUA, Lyndon Johnson: National Advisory Commission on Civil Disorder, National Commission on Urban
Problems (também conhecida como “Comissão Douglas”) e o President’s Committee on Urban Housing
(“Comissão Kaiser”), cujos trabalhos fundaram, em 1968, o Housing and Urban Development Act (HUD).
O HUD Act também introduziu mudanças no funcionamento do mercado secundário, mediante a
reformulação do papel da Federal National Mortgage Association, que foi dividida em duas instituições. A
“nova” FNMA, atualmente conhecida como Fannie Mae, foi privatizada mas conservou seu papel público,
tornando-se uma Government-Sponsored Enterprise (GSE). Foi-lhe permitida a emissão de ações em bol-
sa de valores e a compra de hipotecas convencionais (não garantidas pela FHA). A expansão do mercado
secundário de hipotecas seguradas pela Federal Housing Administration passou então a ser responsa-
bilidade de uma nova instituição, a Government National Mortgage Association, conhecida como Ginnie
Mae. Retiraram-se, assim, da responsabilidade da Fannie Mae os créditos hipotecários constituintes de
política pública de habitação para os segmentos de renda mais baixa, liberando a instituição para promo-
ver o fortalecimento do segmento de hipotecas submetido às “leis de mercado” (Colton, 2002).
No ano de 1970, o Congresso americano criou outra GSE, a Federal Home Loan Mortgage Corpo-
ration, que mais tarde passou a ser chamada de Freddie Mac. Com essa nova instituição, as autoridades
públicas buscaram dar novo incentivo ao mercado de hipotecas convencionais originadas9 pelas S&L. A

7 A Federal Housing Administration assume o risco de crédito associado às hipotecas tomadas pelos credores de mais baixa
renda. A elegibilidade da operação está sujeita a um valor máximo por hipoteca, ajustável de acordo com a tendência dos preços
médios dos imóveis. Em 2007, esses valores foram de US$ 362,79 mil para imóveis localizados em regiões metropolitanas e de
US$ 200,16 mil para imóveis localizados em outras regiões.
8 O Federal Housing Loan Bank System é formado por 12 bancos com sedes em Atlanta, Boston, Chicago, Cincinatti, Dallas, Des
Moines, Indianapolis, Nova York, Pittsburgh, San Francisco, Seattle e Topeka. Cada um deles funciona como um “banco central” para
as instituições associados ao sistema, provendo a liquidez necessária para o funcionamento do mercado primário de hipotecas.
Apoiados por garantias públicas implícitas, os FHLBanks conseguem ter acesso a recursos de prazo mais longo e a taxas de juros
mais baixas do que cada um dos seus associados conseguiria obter diretamente no mercado de títulos. Em 2007, cerca de 8 mil
instituições eram associadas ao sistema, entre bancos, instituições de poupança, uniões de crédito e companhias de seguro de
imóveis. Os FHLBanks são instituições privadas, cuja propriedade está distribuída entre os bancos associados, sendo que as partici-
pações variam de acordo com seus ativos, o volume de hipotecas e de mortgage backed securities retidos em balanço e em relação
à necessidade de captar recursos junto ao sistema. Deve ser ressaltado, ainda, que os FHLBanks não concedem garantias públicas
e que seu funding é inteiramente captado junto ao mercado, por meio da emissão de títulos de dívida, geralmente classificados como
“AAA”. O órgão regulador do sistema é o Federal Housing Finance Board, uma agência independente cujo conselho é composto de
quatro membros indicados pelo presidente dos EUA, além do secretário do Department of Housing and Urban Development (HUD).
9 A literatura em inglês a respeito do financiamento residencial convenciona denominar o ato de firmar contratos hipotecários
junto ao público de origination (originated).

ECONOMIA INTERNACIONAL

49
Freddie Mac passou a ser responsável pela emissão de títulos referenciados a contratos de crédito hipo-
tecário, as mortgage-backed securities (MBS), conhecidos como participation certificates.
Dessa maneira, a partir do início da década de 1970, estava criado o embrião do atual mercado
secundário de hipotecas, baseado em MBS. Deve ser ressaltado, contudo, que a Fannie Mae ainda não
realizava operações de securitização; sua função estava restrita a adquirir e manter em portfólio hipo-
tecas convencionais. Por esse motivo, as causas que levaram à crise das S&L do início dos anos 1980
também afetaram a solidez da Fannie Mae (Colton, 2002; HUD, 2006).
No mercado primário10, foram eliminados, em 1980, os tetos sobre as taxas de juros dos emprésti-
mos das instituições de depósito. Contudo, em função do prazo mais longo das operações ativas contra-
tadas pelas S&L, quando os limites sobre as taxas de captação foram retirados, o custo de seu passivo
sofreu aumento maior que a elevação da rentabilidade de suas operações ativas. Esses descasamentos
nos prazos e nas de taxas de juros dificultavam o funcionamento dessas instituições (Cintra, 1997)11.
No sentido de promover um diagnóstico a respeito da crise das S&L e seu impacto sobre o sistema
de financiamento residencial, foi criada em 1982, a President’s Commission on Housing. O relatório da
comissão reconhecia a necessidade de criar um sistema em que houvesse maior flexibilidade, de manei-
ra a permitir melhor gestão de riscos. A estratégia fundava-se no desenvolvimento do mercado secundá-
rio de hipotecas securitizadas (MBS). Partia-se do princípio de que esse mercado estaria subdesenvolvido
diante da evolução dos mercados de títulos de dívida corporativa. As desvantagens provinham de diferen-
tes frentes: legal, regulamentar e tributária, especialmente para as hipotecas sem seguro público.
Nessa mesma direção, em 1981, já havia sido permitida a securitização de hipotecas conven-
cionais pela Fannie Mae, como resposta aos seus desequilíbrios patrimoniais. As recomendações da
President’s Commission on Housing foram incorporadas no Secondary Mortgage Market Enhancement
Act (SMMEA) de 1984. Dentre elas, estavam a remoção de limites impostos por lei federal à aquisição de
MBS por instituições de depósito, ficando a cargo do órgão regulador a definição dos tetos, e incentivos
ao desenvolvimento de mercados futuros de MBS. Ademais, as MBS passariam a receber classificação de
high-grade, podendo, assim, ser compradas por fundos de pensão e seguradoras como se fossem títulos
emitidos ou garantidos pelo governo federal.
No que diz respeito às condições de concorrência entre as Government-Sponsored Enterprises
e outras instituições privadas securitizadoras, o SMMEA determinou limites para o valor das hipotecas
a serem compradas pela Fannie Mae e pela Freddie Mac, ajustados periodicamente de acordo com
o preço médio das residências12. As hipotecas abaixo do valor limite passaram a ser chamadas de
conforming mortgage; as que ultrapassavam o limite ficaram conhecidas como hipotecas jumbo, ou
nonconforming mortgage.

10 O termo “mercado primário” refere-se ao crédito hipotecário contratado pelas famílias junto às instituições credoras (bancos co-
merciais, bancos hipotecários e instituições de poupança). Já o termo “mercado secundário” diz respeito ao conjunto de operações
envolvidas na venda e securitização das carteiras de crédito hipotecário junto ao mercado de títulos, seja por meio das GSE, seja
por meio de securitizadoras privadas.
11 Em 1980, o Depository Institutions Deregulation and Monetary Control Act eliminou os tetos sobre as taxas de juros das ins-
tituições de depósito e aumentou o limite do seguro de depósito de US$40 mil para US$ 100 mil. Em 1982, o Garn-St. Germain
Depository Institutions Act, além de autorizar as contas de depósito remuneradas, flexibilizou as restrições sobre empréstimos das
instituições de poupança.
12 Em 2007, as operações de securitização da Fannie Mae e da Freddie Mac estavam restritas às hipotecas de valores inferiores
a US$ 417 mil.

O sistema de financiamento residencial americano: de uma crise a outra

50
A implementação dessas medidas levou à ampliação da liquidez dos títulos no mercado secundário
de hipotecas, estreitando as relações entre os mercados de capitais e o mercado de hipotecas. Assim,
grandes bancos comerciais, como o Bank of America, também se tornaram importantes emissores de MBS,
especialmente a partir de meados dos anos 1980. Um outro aspecto desse processo de aprofundamento
do mercado de MBS foi o aumento da diversificação dos tipos de securities relacionadas a hipotecas.
O interesse dos grandes bancos privados no mercado de crédito imobiliário fazia parte das es-
tratégias de expansão das carteiras dos créditos colateralizados voltados a pessoas físicas e a médias
e pequenas empresas13. Por um lado, a exigência de colateral permitia a melhor gestão dos impactos
sobre o balanço patrimonial do banco em caso de ocorrência de default. Por outro lado, as atividades de
securitização de hipotecas e os serviços associados ao recolhimento e transferência dos pagamentos do
tomador do empréstimo ao investidor proprietário das securities transformaram-se em fontes de receitas
por meio de tarifas e comissões (Goodhart e Hofmann, 2007; Bhatia, 2007).
Em 1970, as instituições de S&L respondiam por 47,6% da contratação de empréstimos hipote-
cários. Em 2001, sua participação chegou a 20,7% (Gráfico 1). O espaço deixado por essas instituições,
obrigadas a retrair sua oferta de crédito em função dos desequilíbrios patrimoniais aprofundados a partir
da segunda metade dos anos 1970 e pelas restrições impostas pelo Financial Institutions Reform, Reco-
very and Enforcement Act (FIRREA), de 1989, foi ocupado progressivamente por instituições bancárias
especializadas na concessão de crédito hipotecário (mortgage banks) e pelos bancos comerciais14.

Gráfico 1. Geração de hipotecas — Participação por tipo de credor — 1970 a 2000

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

Inst. Poupança Bancos Comerciais


Bancos hipotecários Outros

Fonte: U.S. Department of Housing and Urban Development e Fannie Mae, apud Colton (2002).
Obs.: Os dados referem-se às single mortgages. Após 1985, houve mudança de metodologia no tratamento dos dados
do HUD, não sendo recomendável, assim, a comparação com dados anteriores. Entre 1970 e 1977, os dados são
provenientes do HUD, entre 1998 e 2000, referem-se a estimativas realizadas pela Fannie Mae, a partir de dados do
Home Mortgage Disclosure Act (HMDA), que cobre cerca de 75% do mercado hipotecário para single family.

13 Os grandes bancos americanos, como Citibank, Bank of America, J.P. Morgan-Chase e Wachovia, aparecem como os grandes players
no financiamento residencial, como geradores de hipotecas, servicers e securitizadores (ver: http://www.nationalmortgagenews.com).
14 Salienta-se que, neste período, faliram mais de 2500 saving e loans.

ECONOMIA INTERNACIONAL

51
Com relação aos estoques de crédito hipotecário mantidos em balanço pelos diferentes agentes,
houve crescimento da participação das instituições federais e das GSE, em contraste com a queda da
participação das instituições de poupança. Essa tendência refletiu a importância do mercado secundário
nas operações hipotecárias. As instituições credoras no mercado primário passaram a se desfazer de
suas carteiras de crédito hipotecário no mercado secundário. As GSE (Fannie Mae e Freddie Mac), além
de emitirem securities baseadas nesses créditos, também ampliaram o volume de hipotecas e de MBS
retido em balanço. Em 1970, as instituições federais e GSE possuíam 8,1% do estoque total de hipotecas,
contra uma participação de 43,9% das instituições de poupança. A relação inverteu-se na última década,
quando a participação das primeiras atingiu 42,9% em 2003 e a das últimas, 9,5%.
Ficavam retidos em balanço, então, apenas os créditos cujos valores ultrapassassem o teto estabe-
lecido para a compra pelas GSE, ou seja, os nonconforming loans (jumbo) ou, então, aqueles contratos cuja
avaliação de risco impunha um deságio muito grande para serem adquiridos. Entretanto, nos últimos 10
anos, o crescimento da participação de emissores privados desse tipo de título (Gráfico 2) ampliou a concor-
rência nesse mercado, colaborando para a introdução de inovações financeiras e facilitando a securitização
de créditos jumbo e de alto risco. Diante da conjuntura de baixas taxas de juros a partir de 2001, a busca
por rentabilidade intensificou essa tendência e criou a demanda pelos novos instrumentos.

Gráfico 2. Emissões de MBS pelas agências e por instituições privadas — 1985 a 2005

3 000

2 500

2 000
US$ bilhões

1 500

1 000

500

0
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005

MBS-privadas MBS-Agências

Fonte: Ginnie Mae, Freddie Mac, Fannie Mae e Inside MBS&ABS. Apud Vallee (2006).

Inovações financeiras recentes


A partir do final dos anos 1970, pari passu ao contínuo movimento de formação do atual sistema
de financiamento residencial, por meio de alterações nos marcos regulatórios e da criação de instituições,
outro processo tomava início: a diversificação dos tipos de contratos hipotecários, no mercado primário, e
de securities relacionadas a eles, no mercado secundário. Na verdade, as inovações nos contratos hipo-
tecários faziam parte de um movimento mais amplo de inovações financeiras, iniciado nos anos 1970 e

O sistema de financiamento residencial americano: de uma crise a outra

52
aprofundado a partir da década seguinte. A incompatibilidade da regulação do sistema financeiro à nova
conjuntura macroeconômica, em que estiveram presentes níveis cada vez maiores de inflação e de taxas
de juros, deu início a esse processo. A própria lógica da concorrência, por meio das inovações financeiras,
foi quebrando as amarras regulatórias (Freitas, 1997).
No caso específico do financiamento residencial, a introdução de inovações foi estimulada inicial-
mente pela iniciativa pública, por meio das instituições do mercado secundário (Fannie Mae, Freddie
Mac e Ginnie Mae) e por alterações na regulamentação. A necessidade de incentivo público na criação
de novos contratos pode ser explicada por dois aspectos. Em primeiro lugar, as instituições de S&L, prin-
cipais responsáveis pela geração de hipotecas, estavam enfrentando dificuldades crescentes, agravadas
a partir da década de 1980, e não se mostraram capazes de sustentar o funcionamento do sistema de
financiamento residencial sozinhas. Em outras palavras, a expansão das operações hipotecárias ia de
encontro à necessidade de casamento de prazo entre seus ativos, de longo prazo, e sua estrutura de
funding, de curto prazo; ademais, inovações financeiras significavam a não elegibilidade dos créditos às
garantias públicas e à compra pelas GSE. Em segundo lugar, havia claro interesse público em manter
funcionando esse sistema de crédito, dada a importância social da ampliação do acesso à propriedade
residencial (Colton, 2002).
Dessa forma, na tentativa de reduzir os descasamentos de taxas de juros das S&L e a contração
do crédito no financiamento residencial, o governo americano decidiu ampliar o mercado secundário de
hipotecas a partir da década de 1980, quando, inclusive, a Fannie Mae passou a ter permissão para
securitizar contratos hipotecários. É também desse período o Alternative Mortgage Transaction Parity
Act (1982), que autorizou as S&L a contratarem hipotecas a taxas de juros flexíveis, as adjustable rate
mortgages (ARM).
Conforme se aprofundava o mercado secundário de hipotecas, um conjunto maior de agentes
privados interessava-se em atuar com financiamento residencial. A crescente desregulamentação finan-
ceira e a intensificação da concorrência, desde então, têm levado a uma maior proliferação de contratos
“não tradicionais”.
A introdução dos contratos de ARM não foi de grande efetividade para a recuperação das S&L,
dado que o problema de liquidez já se havia instaurado. Contudo, a participação desse tipo de contrato
tem-se ampliado, especialmente no ambiente de taxas de juros estáveis e baixas, a partir de 2003 (HUD,
2006; Bernanke, 2007). Outras inovações seguiram as ARM sem, contudo, nunca atingirem participa-
ção expressiva. Foram elas:
• price level adjusted mortgage, cujo serviço da dívida está atrelado a um índice de inflação previa-
mente acordado;
• shared appreciation mortgage, contrato em que a instituição credora aceita receber uma taxa de
juros (geralmente fixa) mais baixa que contratos semelhantes de mesma maturidade, em troca do
direito de se apropriar de uma parcela da valorização do imóvel financiado. Assim, no prazo estabe-
lecido no contrato, o tomador do empréstimo deverá pagar a porcentagem acordada à instituição
financeira (vendendo o imóvel ou obtendo outro tipo de empréstimo) ou, então, refinanciar sua hipo-
teca de maneira a incluir esse montante junto ao principal a ser pago.
O avanço da tecnologia e de diferentes instrumentos de mitigação de riscos ao longo dos anos
1990, juntamente com a profundidade do mercado secundário de hipotecas e a tendência à valorização

ECONOMIA INTERNACIONAL

53
dos imóveis15 permitiram uma nova fase de inovações dos contratos. Com a deflação de ativos das bol-
sas de valores e a manutenção de baixos patamares de taxas de juros a partir de 2001, as instituições
financeiras intensificaram a busca por ativos de maior rentabilidade. O desenvolvimento de novos instru-
mentos no mercado primário de hipotecas permitiu, de um lado, que as famílias americanas ampliassem
sua capacidade de endividamento dando como garantia seus imóveis em tendência de valorização e, por
outro, satisfazia o desejo de crescimento das operações ativas das instituições financeiras.
Os novos contratos seguiram na direção de permitir que os tomadores realizassem pagamentos
menores no período inicial de existência da hipoteca, possibilitando, assim, menor relação entre o serviço
da dívida e a renda pessoal16. Dessa forma, foi ampliado o universo de possíveis tomadores de crédito
hipotecário, com importantes consequências sobre os riscos potenciais presentes no sistema de financia-
mento residencial. Dentre os principais contratos desenvolvidos, destacaram-se:
• interest-only mortgage (IO), por meio do qual o tomador pode pagar apenas os juros sobre o valor do
empréstimo durante um período de tempo predeterminado. Na verdade, o contrato IO não consiste
em um novo contrato, mas na associação de uma opção aos contratos tradicionais a taxas fixas ou
flexíveis (FRM ou ARM). Assim, a cada vencimento mensal, o tomador tem o direito de decidir se paga
apenas os juros ou juros acrescidos da amortização do principal. Esse é um tipo de contrato procu-
rado por aqueles tomadores que desejam despender a menor quantia possível durante os primeiros
meses da existência da dívida (por esse aspecto, geralmente está vinculada a uma ARM), ou porque
espera um aumento da renda pessoal futura ou tem expectativa de refinanciar a hipoteca quando do
término do período no qual tem o direito de não amortizá-la;
• negative amortization mortgage (Neg-Am) — também conhecida como “pay-option ARM”17 —, que
consiste numa hipoteca IO com mais uma opção associada a um contrato ARM. O tomador desse
tipo de empréstimo tem direito, a cada mês, de escolher entre três opções: pagar somente juros ou
juros acrescidos da amortização ou realizar um pagamento “mínimo”, estabelecido em contrato,
cujo valor é menor que o pagamento dos juros. Caso opte por pagar esse mínimo, seria como se o
tomador estivesse fazendo uma amortização negativa. A diferença entre o mínimo e o montante de
juros daquele período é incorporada no principal do empréstimo. Assim como nas hipotecas IO, as
opções contidas nos contratos Neg-Am também têm um período de validade, após o qual os paga-
mentos deverão incluir os montantes referentes a juros e amortização. Esse tipo de contrato garante
pagamentos reduzidos no início, mas que podem crescer expressivamente passado o período de va-
lidade da opção. Dependendo das condições do contrato, os pagamentos mensais podem-se elevar
em mais de 40%;
• hybrid-ARM, semelhante às demais, busca reduzir os pagamentos durante os primeiros anos de
existência da hipoteca. Nesse contrato, durante o período inicial, geralmente de 2 a 5 anos, o toma-
dor paga taxas fixas de juros, consistindo na verdade numa FRM. Após essa fase, as taxas de juros
tornam-se flexíveis, em geral ajustadas semestralmente de acordo com a Libor (London Interbank

15 Com imóveis mais caros, o montante de recursos a se obter com o financiamento também deverá ser maior; assim, contratos
que permitam maior relação entre o valor da hipoteca e o preço do imóvel e maior proporção em relação à renda ganham atrativi-
dade no mercado.
16 O conjunto desses contratos também pode ser chamado de balloon mortgage ou contratos com balloon payments.
17 O contrato, comumente conhecido como Neg-Am na década de 1980, passou a ser chamado de pay-option ARM a partir do final
dos anos 1990, quando seu uso voltou a intensificar-se.

O sistema de financiamento residencial americano: de uma crise a outra

54
Offer Rate); isto é, passa a consistir numa ARM. Vale lembrar que desde o início os pagamentos
mensais incluem as parcelas referentes à amortização;
• hybrid IO-ARM, como no caso da hipoteca hybrid-ARM, esse contrato associa taxas fixas e flexíveis,
mas agora oferece a possibilidade de o tomador realizar pagamentos referentes apenas ao montan-
te de juros, por um período predeterminado.
Outra prática que se popularizou no mercado primário é a segunda hipoteca, conhecida como piggy-
back, emitida simultaneamente à hipoteca principal. A existência desse contrato pode isentar o tomador
de realizar qualquer sinal ou entrada no momento de contratação da hipoteca. Contratos tradicionais ge-
ralmente exigem um sinal de 20%, ou seja, a hipoteca cobre apenas 80% do valor do imóvel. Caso queira
uma relação maior entre o valor da hipoteca e do imóvel (loan-to-value, LTV), o tomador deve, na maioria dos
casos, fazer um seguro junto a uma instituição privada. O grande incentivo para se tomar uma segunda hi-
poteca sobre o valor do imóvel não coberto pela primeira é fiscal. Os gastos com pagamento de juros sobre
hipotecas são dedutíveis do imposto de renda, enquanto os gastos com seguro não são.
Uma maneira comum de se fazer uma piggyback é por meio do home equity loan (HEL), que consiste
numa linha de crédito com fim específico (geralmente para melhorias no imóvel ou para complementar sua
compra), tendo como colateral o valor do imóvel ainda não utilizado como garantia de outra hipoteca. O limi-
te máximo do empréstimo é definido a partir da análise de crédito do tomador e da existência de hipotecas
sobre o imóvel a ser tomado como colateral. Sobre os HEL incidem geralmente taxas de juros fixas. Outra
maneira de se adquirir uma piggyback é realizando um home equity lines of credit (HELOC), que é um tipo
de crédito pré-aprovado que toma um imóvel como garantia, de maneira semelhante ao HEL. Entretanto,
o HELOC não necessita da definição de um fim específico para o uso dos recursos emprestados, que tanto
podem ser usados para complementar uma primeira hipoteca como para o consumo em geral. Home equity
loan e home equity lines of credit consistem nos dois tipos de home equity lending.
O crescimento da participação de contratos não tradicionais, em que geralmente estão presentes ballo-
on payments, assim como a maior possibilidade de ampliar a relação loan-to-value, marcaram o desenvol-
vimento do sistema de financiamento residencial nos EUA após 2001, expandindo os riscos implícitos das
operações no mercado primário18. Tanto as instituições credoras, como os tomadores esperam, ao contratar
hipotecas com essas características, que a tendência de valorização do imóvel se mantenha ou que as taxas
de juros futuras sejam reduzidas, de maneira que possam refinanciar as hipotecas em condições favoráveis.
Os contratos no mercado secundário também passaram por processos de sofisticação desde a
primeira emissão de uma MBS pela Ginnie Mae no início dos anos 1970. O pass-through ou single class
MBS emitida por essa agência consiste na simples transferência do fluxo de pagamento realizado pelo
tomador da hipoteca ao detentor do título, depois de serem descontadas as taxas e comissões dos agen-
tes financeiros envolvidos na operação.
A partir da década seguinte, Fannie Mae e Freddie Mac passaram a emitir multiple-class MBS,
também conhecida como collateralized mortgage obligation (CMO). A partir de um conjunto de MBS
lastreado por hipotecas de diferentes maturidades e níveis de risco, as GSE emitem diversas classes de
securities (tranches) que são hierarquizadas de acordo com a prioridade de recebimento de fluxo de pa-
gamento e da absorção de perdas provenientes da ocorrência de default nas hipotecas utilizadas como

18 Segundo Zelman et alli (2007), a participação das hipotecas do tipo Interest Only e Neg-Am no total de hipotecas concedidas em
2006 foi de 23%, um crescimento de 22 p.p. em relação a 2001.

ECONOMIA INTERNACIONAL

55
colateral. Geralmente existem três classes de securities: sênior, mezzanine e equity. O pagamento de
juros mais principal é realizado em cascata — ou seja, primeiro é remunerada a classe sênior, depois a
mezzanine e, por fim, a classe equity. Em caso de perdas, entretanto, os impactos serão repassados às
securities em ordem inversa, a classe sênior seria a última a ter seu pagamento comprometido.
A popularização desses contratos teve duas consequências importantes. Em primeiro lugar, abriu
a possibilidade para a criação de operações semelhantes utilizando outros ativos como colateral, princi-
palmente financiamento de automóveis e recebíveis de cartões de crédito, originando os contratos ABS
(asset-backed securities) e também os CDO (collateralized debt obligations). Em segundo lugar, integrou
definitivamente o sistema de financiamento residencial ao mercado de capitais.
A partir de 2002, a articulação das inovações financeiras nos contratos hipotecários e nos proces-
sos de securitização possibilitaram a expansão do sistema de financiamento residencial americano em
direção a operações associadas a riscos mais elevados. Assim, os segmentos denominados subprime
— que reúne conjunto de tomadores sem histórico de crédito ou com histórico de inadimplência — e alt-A
(alternative A) — que consiste em empréstimos a tomadores sem comprovação de renda mas com bom
histórico de pagamento — apresentaram forte crescimento. De acordo com Zelman et alli (2007), a con-
tratação de hipotecas subprimes saltou de US$ 213 bilhões em 2002 para US$ 640 bilhões em 2006.
As operações desse segmento não são elegíveis nem à garantia pública concedida pela FHA nem
à securitização pelas GSE por não respeitarem os parâmetros exigidos por essas instituições. Agentes
privados, contudo, responsabilizaram-se pela transformação dessas carteiras de crédito em títulos, utili-
zando técnicas complexas de securitização por meio de special purpose vehicles (SIV)19.
Os grandes bancos americanos desempenharam papel importante na construção da pirâmide
de crédito, que contou com a securitização de hipotecas já securitizadas por meio de collateralized debt
obligation (CDO)20, emitidos por SIV e garantidos pelos bancos através de linhas de crédito ou acordos de
recompra (Eichengreen, 2008; Guttmann, 2008).
A composição do pool de ativos ao qual um CDO está vinculado foi realizada de maneira a obter uma
melhor classificação de risco, o que não significou a ausência de participação de ativos arriscados. A coope-
ração entre as agências de rating e os emissores de CDO permitiu que uma classificação AAA fosse obtida
atingindo as condições mínimas exigidas para essa nota. Dessa maneira, hipotecas e MBS do segmento
subprime foram adicionados ao conjunto de ativos até o limite máximo que garanta a avaliação do CDO
desejada pelo emissor. As tranches de maior risco foram adquiridas por agentes especulativos (como os
fundos hedge), enquanto as de menor risco foram compradas por fundos de pensão, seguradoras e demais
investidores institucionais de perfil mais conservador (Mason e Rosner, 2007; Bhatia, 2007)21.

19 Special purpose vehicles consistem em subsidiárias criadas por empresas ou instituições financeiras, sobretudo os grandes
bancos que tentam, assim, reduzir o volume de capital exigido pela regulamentação prudencial. Os SIV adquirem os ativos que seus
controladores não desejam reter em balanço, financiando a compra por meio da emissão de títulos ou de endividamento bancário
de curto prazo. Eichengreen (2008) enfatiza que esses SIV podem-se assemelhar aos hedge funds, assumindo graus elevados de
alavancagem e descasamentos de prazos.
20 Diferentemente dos contratos de mortgage backed securities (MBS) e de collateralized mortgage obligations (CMO), os ativos
subjacentes de um CDO não têm composição estática nem se referem somente a hipotecas — isto é, o pool de ativos pode ter sua
composição alterada entre diferentes títulos ao longo do tempo (Mason e Rosner, 2007). Para maiores detalhes sobre o mercado
de CDO, ver IMF (2006 e 2007).
21 Ressalta-se, aqui, a centralidade das classificações de risco das agências de rating nos mercados de títulos, especialmente
daqueles contratos mais sofisticados, fruto de inovações financeiras recentes, cujos riscos são mais difíceis de serem avaliados
pela maioria dos agentes.

O sistema de financiamento residencial americano: de uma crise a outra

56
Apesar de ampliarem a liquidez do sistema de financiamento residencial, as inovações financeiras
tornaram mais complexa a avaliação de risco das operações ao vincularem diferentes segmentos dos
mercados de capitais e de crédito. Ademais, incentivaram distorções na estrutura de incentivos ao moni-
toramento dos riscos. Bhatia (2007) afirma que as novas técnicas de securitização transferiram os riscos
dos agentes financeiros mais bem regulados (os grandes bancos, as instituições com seguro de depósito
do FDIC, Fannie Mae e Freddie Mac) para instituições cuja administração de riscos está mais sujeita à dis-
ciplina de mercados (hedge funds, fundos de pensão, seguradoras, private equities funds, mutual funds,
real estate investment trusts, mortgage companies, sovereing wealth funds etc.) de maneira a ampliar a
assimetria de informações, colaborando para ocultar os riscos envolvidos nas operações.

O papel das inovações financeiras: da “crise do subprime” à crise atual


Entre 2001 e 2005, a alta do preço dos imóveis e a expansão do crédito hipotecário assumiram a
dinâmica autorreforçante dos ciclos de ativos22. A valorização das residências reforçou a solidez patrimo-
nial das famílias, melhorando a avaliação de seus riscos feita pelos credores23, e estimulou o aumento do
seu endividamento, cujos recursos foram utilizados tanto para a aquisição de novos imóveis, fortalecen-
do a alta dos preços desses ativos, como para o consumo, permitindo a recuperação econômica dos EUA
após a recessão de 2001 (Cagnin, 2007).
Ao longo desse período, a concorrência entre os agentes credores condicionou a expansão do
segmento subprime, especialmente por meio das inovações financeiras associadas a balloon pay-
ments. O fim do período de taxas de juros baixas de muito desses contratos24 em 2006 e a elevação
da taxa de juros básica americana a partir do final de 2004 elevaram o custo financeiro desses cré-
ditos, refletindo no nível de inadimplência dessas operações (Gráfico 3). A ampliação do número de
execuções de hipotecas e o endurecimento das condições de crédito determinaram a reversão do ciclo
de preço dos imóveis a partir de meados de 2006 (Gráfico 4). Com a desvalorização do colateral, foi
restringida a possibilidade de refinanciamento das hipotecas dos tomadores em situação patrimo-
nial mais fragilizada (subprime e alt-A), reforçando a tendência de alta da inadimplência (Guttmann,
2008; Freitas e Cintra, 2008).
Devido às interconexões criadas pelas técnicas de securitização, a crise de um segmento relativa-
mente pequeno (apesar do forte crescimento) do sistema de financiamento residencial expandiu-se em
efeito cascata para diferentes mercados financeiros, ao longo de 2007.
Com os atrasos havidos no pagamento das hipotecas subprime, a classificação de risco das mortga-
ge-backed securities, que reuniam esses créditos como parte do pool de hipotecas a que estavam refe-
renciadas, teve de ser rebaixada pelas agências de rating em 2007. Esse processo de reavaliação pelas
agências — que anteriormente haviam classificado esses títulos como de baixo risco — gerou dois efeitos:
(1) obrigou que fundos de pensão e seguradoras se desfizessem de suas posições nesses ativos, uma vez

22 Sobre a dinâmica dos ciclos de ativos, ver Aglietta (2008), Belluzzo e Coutinho (1996), Borio e Lowe (2002), Cintra e Cagnin
(2007a) e Freitas e Cintra (2008).
23 A existência de uma garantia real (imóvel) associada ao crédito hipotecário relativiza a importância da análise do fluxo
futuro de renda do tomador em favor da expectativa de valorização da garantia (Goodhart e Hofmann, 2007; Taffim e
Vorms, 2007).
24 A taxa de juros durante os dois primeiros anos de existência dos contratos associados a ballon payments era de cerca de 2-3%
a.a. e a partir desse período chegava a 10-15% a.a.

ECONOMIA INTERNACIONAL

57
Gráfico 3. Inadimplência dos créditos subprime — 2004 a 2007

Porcentagem de inadimplência

Meses desde a originação

Fonte: First American LoanPerformance, reproduzido em Myer et alli (2008)


Nota: O gráfico mostra a porcentagem de tomadores de crédito hipotecário subprime em cada um dos anos cujos
pagamentos em um dado número de meses estavam em default. Os dados referem-se a hipotecas de 30 anos.

Gráfico 4. Preço dos imóveis residenciais nos EUA — 1992 a 2008


(variação em relação ao mesmo trimestre do ano anterior)

12%

10%
8%
6%

4%

2%
0%
-2%

-4%
1992

1993
1994
1995

1996
1997
1998

1999
2000

2001
2002

2003
2004

2005

2006
2007
2008

Fonte: Office of Federal Housing Enterprise Oversight (OFHEO)


Nota: Variação do índice para preço de compra (purchase-only index) com ajuste sazonal.

O sistema de financiamento residencial americano: de uma crise a outra

58
que por motivos regulatórios só podem carregar títulos de baixo risco, e (2), ao gerar desconfiança sobre
as avaliações de risco, colocou em questionamento a precificação de todos os MBS não emitidos pelas
GSE (Guttmann, 2008; Kregel, 2008).
A desordem instaurada no mercado de MBS transmitiu-se para os mercados em que esses títulos
funcionavam como garantia. As grandes perdas nos mercados subprime pareciam não ser absorvidas
apenas pelos agentes com posições em tranches mais arriscadas dos contratos de collateralizad debt
obligations. Dessa maneira, os mercados de CDO também passaram por um movimento de revisão e
rebaixamento da classificação de risco, acentuando ainda mais o clima de incerteza nos mercados finan-
ceiros (Dodd, 2007).
O mercado de asset-backed commercial paper — cujos títulos são de curto prazo e têm, como cola-
teral, recebíveis de um conjunto créditos, como dívidas de cartões de crédito, financiamento de automó-
veis e, inclusive, hipotecas e MBS — também foi atingido pela crise. A paralisação desses mercados criou
dificuldades para a obtenção de recursos de curto prazo pelos agentes financeiros. A reincorporação dos
ativos dos SIV ao balanço dos bancos ocorreu em função da existência de acordos de recompra em caso
de desvalorização das carteiras ou então pelo uso crescente das linhas de crédito disponibilizadas por
eles (Eichengreen, 2008).
As sucessivas declarações de perdas patrimoniais de grandes bancos nos EUA e na Europa apro-
fundaram o estado de incerteza nos mercados interbancários. Nessa conjuntura, a incapacidade de esti-
mar os riscos da contraparte levou ao empoçamento de liquidez nesses mercados, exigindo a intervenção
dos bancos centrais. A crise, por diferentes canais construídos pelas inovações financeiras, atingiu assim
o mercado interbancário, em agosto de 2007.
Diante da gravidade da crise, os principais bancos centrais implementaram injeções coordenadas
de liquidez e a utilização de novos instrumentos, como o Term Auction Facility e o Term Securities Lending
Facility, criados pelo Federal Reserve com o objetivo de ampliar a gama de títulos aceitos como garantias
nas operações de mercado aberto. A partir de março de 2008, diante da falência do Bear Stearns, o
banco central americano criou o Primary Dealer Credit Facility, que estendeu o acesso às operações de
redesconto (restritas às instituições de depósitos) a outros agentes financeiros e ampliam a variedade de
títulos aceitos como garantia (Guttmann, 2008; Mishkin, 2008).
Os segmentos mais conservadores do sistema de financiamento imobiliário também foram atin-
gidos. O crescimento da inadimplência das conventional mortgages e o investimento em MBS referen-
ciados a hipotecas subprime e alt-A impuseram perdas às GSE nos três primeiros trimestres de 2008.
Apesar de seus privilégios fiscais e regulatórios25, Fannie Mae e Freddie Mac declararam perdas acumu-
ladas, no período, de US$ 59,7 bilhões, acima das expectativas dos analistas. Os rumores sobre a solidez
das instituições impuseram forte queda de seu valor de mercado e ampliaram largamente seu custo de
captação — os spreads sobre os treasuries saltaram de 0,69 p.p. para 1,39 p.p. entre maio e agosto de

25 Dentre os privilégios dessas GSE, podem ser citadas a isenção de pagamento de impostos estaduais e municipais (income tax)
e a não exigência de registro dos títulos emitidos na SEC (securities and exchange commission). Ademais, o Tesouro tem permis-
são de realizar, arbitrariamente, compras de títulos de dívida emitidos por essas instituições, até um limite de US$ 2,25 bilhões.
As agências também mantêm uma relação estreita com o Federal Reserve System. Os títulos emitidos em nome delas próprias
são elegíveis como colateral das operações de open market do Federal Reserve; sob tais títulos também não recai nenhum limite
máximo de aplicação por parte das instituições de depósito. Outro importante benefício concedido a essas instituições é o acesso
ao Federal Reserve’s Fedwire Funds Transfer e Fedwire Securities Transfer System, onde movimentam grande volume de recursos
diariamente. A possibilidade de operar nesses mercados permite a redução de custos das agências (OFHEO, 2003).

ECONOMIA INTERNACIONAL

59
2008 —, condicionados em grande medida pela retração da demanda de bancos centrais e sovereign
wealth funds asiáticos. Na tentativa de restabelecer a solidez do sistema e impedir um racionamento
mais profundo do crédito imobiliário, o governo americano adotou um conjunto de medidas por meio do
Housing and Economic Recovery Act, de 2008.
Dentre as principais ações, destaca-se a criação da Federal Housing Finance Agency (FHFA), uma
agência reguladora para as GSE (Fannie Mae, Freddie Mac e os FHLBanks), centralizando as operações
antes dispersas em três outras instituições (Federal Housing Enterprise Oversight — OFHEO, Federal Hou-
sing Finance Board — FHFB e parte das atividades do Department of Housing and Urban Development
— HUD). A nova agência apresenta uma ampliação de poderes, podendo estabelecer exigências mais
elevadas de capital e tendo autoridade sobre o tamanho e as características do portfólio das GSE.
Ante a deterioração da situação patrimonial da Fannie Mae e da Freddie Mac, no dia 6 de setem-
bro, o governo americano decidiu assumir a gestão dessas entidades por meio da intervenção da FHFA,
seguido da substituição de suas diretorias26. Juntamente com o Tesouro e o Federal Reserve, a FHFA bus-
cou restabelecer a saúde financeira dessas duas GSE e a normalidade das operações de securitização de
hipotecas, sobretudo para os segmentos de menor risco (prime). A injeção de capital do Tesouro por meio
do Senior Preferred Stock Purchase Agreement somou US$ 100 bilhões em cada uma das GSE em troca
de ações preferenciais. Ademais, o governo americano criou linhas temporárias de crédito de curto prazo
para essas entidades, tomando como garantia MBS e advances27. Por meio do MBS Purchase Program,
o Tesouro tornou-se, por sua vez, capaz de comprar diretamente as MBS emitidas pela Fannie Mae e
Freddie Mac. O Federal Reserve também anunciou suporte aos títulos de dívida emitidos por essas duas
entidades e pelos FHLBanks, somando recursos de US$ 100 bilhões, além de outros US$ 500 bilhões
que serão dirigidos para a compra de MBS (Bernanke, 2008b; FHFA, 2008).
De modo geral, o sentido das medidas adotadas até o início de 2009 é de reafirmar o modelo atual
de financiamento residencial americano e de impedir os “excessos” cometidos nos últimos anos, daí a
criação de uma nova agência reguladora28. Algumas de suas principais características são conservadas:
os estreitos laços com os mercados de capitais e a centralidade das operações de securitização para o
funcionamento do sistema. Após dezembro de 2009, contudo, quando se expirarão a maior parte das
medidas adotadas, a questão do papel do governo na gestão das GSE deverá ocupar o centro do debate.
Ainda que seja possível a privatização ou a estatização definitiva dessas entidades, o caminho mais pro-
vável é que a ambiguidade do papel do setor público seja reduzida, definindo-se critérios e instrumentos
para futuras intervenções. De qualquer modo, como aponta Bernanke (2008a), o suporte do Estado
mostrou-se importante para que a crise desse sistema de financiamento não fosse ainda mais profunda:
“Fannie Mae and Freddie Mac continued to produce and sell significant quantities of mortgage-backed
securities to secondary-market investors throughout the period of turmoil. Their ability to continue to

26 Enquanto esse tipo de intervenção é conhecido na Grã-Bretanha como “nationalization”, os americanos adotam o termo “con-
servatorship”, mesmo no caso em que uma instituição pública assuma o controle de uma corporação privada.
27 Nome dados aos empréstimos realizados pelos 12 Federal Home Loan Banks aos seus bancos associados.
28 Kroszner (2008): “I would expect the originate-to-distribute model to continue to be an important part of the modern financial
market landscape, but, I hope, in a much stronger form. The model works best when the resulting credit instruments are less com-
plex and opaque, as analysts and investors can evaluate the underlying risks with greater certainty. (…) Both to protect consumers
and to foster the revival of these markets, the Federal Reserve has proposed stricter underwriting rules for high-cost mortgages
under the Home Ownership and Equity Protection Act (HOEPA), which could also help to increase the transparency and improve the
quality of underlying assets in private mortgage pools”.

O sistema de financiamento residencial americano: de uma crise a outra

60
securitize when private firms could not did not appear to result from superior business models or mana-
gement. Instead, investors remained willing to accept GSE mortgage-backed securities because they con-
tinued to believe that the government stood behind them. That experience suggests that, at least under
the most stressed conditions, some form of government backstop may be necessary to ensure continued
securitization of mortgages”.

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ECONOMIA INTERNACIONAL

63
PANORAMA E PERSPECTIVAS
DAS ECONOMIAS AVANÇADAS:
SOB O SIGNO DA CRISE

Maria Cristina Penido de Freitas

O
texto analisa o desempenho das economias avançadas em um cenário de aprofundamento da
crise financeira, que se traduziu na virtual paralisia dos mercados de crédito, com fortes impactos so-
bre vários segmentos da atividade econômica1. Com esse propósito, analisam-se, na primeira seção,
os desdobramentos da crise em 2008, que, a partir do episódio da falência do banco de investimento Lehman
Brothers, tornou-se uma crise sistêmica. Na seção seguinte, são examinadas as ações dos bancos centrais e
as iniciativas dos governos para estabilizar o sistema bancário e restaurar os fluxos de crédito ― e, assim, evi-
tar a forte desaceleração da atividade econômica, Na terceira seção, são analisadas as repercussões da crise
sobre o desempenho econômico dos Estados Unidos e da Área do Euro no primeiro semestre de 2008. Na úl-
tima seção, são apresentadas algumas considerações sobre as perspectivas para as economias avançadas.

Os desdobramentos da crise financeira em 2008


A crise financeira iniciada no mercado de hipotecas de alto risco em meados de 2007 resultou na
contração do crédito bancário, em virtual paralisia de vários segmentos do mercado financeiro e na desa-
celeração no nível de atividade nos Estados Unidos e nas principais economias avançadas. Desde a divul-
gação dos balanços das instituições financeiras no terceiro trimestre de 2007, as notícias sobre vultosas
perdas têm sido frequentes, o que redundou em crise de confiança, na consequente contração e empoça-
mento de liquidez nos mercados interbancários e na elevação do custo de financiamento das instituições
financeiras. Em meados de março, após um período de relativa calmaria, os rumores de insolvência do
Bear Steans, quinto maior banco de investimento americano, voltou a semear pânico nos mercados, levan-

1 Artigo elaborado com informações disponíveis até 25 de outubro de 2008.

PANORAMA E PERSPECTIVAS DAS ECONOMIAS AVANÇADAS: SOB O SIGNO DA CRISE

64
do a uma forte elevação no TED spread ― que mede o diferencial entre a taxa de juros paga pelos bancos
por depósitos de três meses em eurodólar na praça financeira de Londres e a taxa de juros dos títulos de
três meses do Tesouro americano (Gráfico 1) ―, que serve como indicador de crise sistêmica.

Gráfico 1. Evolução do TED Spread

6,0
%
5,5

5,0

4,5

4,0

3,5

3,0

2,5
Quebra do
Lehman Brothers
2,0

1,5

1,0

0,5
2/1/2008
9/1/2008

6/2/2008

5/3/2008

2/4/2008
9/4/2008

7/5/2008

4/6/2008

2/7/2008
9/7/2008

6/8/2008

3/9/2008
16/1/2008
23/1/2008
30/1/2008

13/2/2008
20/2/2008
27/2/2008

12/3/2008
19/3/2008
26/3/2008

16/4/2008
23/4/2008
30/4/2008

14/5/2008
21/5/2008
28/5/2008

11/6/2008
18/6/2008
25/6/2008

16/7/2008
23/7/2008
30/7/2008

13/8/2008
20/8/2008
27/8/2008

10/9/2008
17/9/2008
24/9/2008
1/10/2008
8/10/2008
15/10/2008
22/10/2008
29/10/2008
Fonte: Board of Governors of Federal Reserve System. Federal Reserve Statistical Release. Disponível em http://
www.federalreserve.gov/releases/h15/data.htm. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Nota: Diferença entre a taxa de juros dos depósitos de três meses em eurodólar e a taxa de juros dos títulos do
Tesouro americano de três meses.

No primeiro trimestre de 2008, importantes instituições financeiras, sobretudo americanas e


europeias, voltaram a contabilizar perdas em volume superior ao total registrado ao longo do ano an-
terior. O total acumulado de perdas contabilizadas desde o início da crise alcançou US$ 387 bilhões
(Tabela 1). De acordo com os dados divulgados pelo Institute of International Finance, os bancos euro-
peus acumulavam, até junho de 2008, perdas bem maiores do que os bancos americanos: US$ 200
bilhões contra US$ 166 bilhões. Em termos individuais, as perdas mais vultosas foram registradas pe-
los americanos Citi, Merrill Lynch, Bank of America e Morgan Stanley, pelo suíço UBS e pelos britânicos
HSBC e RBS. Dentre as instituições japonesas, bem menos afetadas pela crise que suas congêneres
europeias e americanas, o Mizuho Financial Group, o segundo maior do Japão, foi o mais afetado,
com perdas contabilizadas de US$ 6,1 bilhões. Esse montante equivale a 76% dos prejuízos totais dos
bancos japoneses relacionados aos investimentos com produtos estruturados lastreados em hipotecas
subprime (Japanese.., 2008).
Para atender as exigências de capital mínimo de 8% dos ativos ponderados pelos riscos, várias
das instituições mais seriamente afetadas pela crise buscaram ampliar o capital, seja solicitando aportes
aos seus acionistas, seja captando recursos junto a investidores estrangeiros, dentre os quais fundos
soberanos dos países asiáticos em desenvolvimento. De acordo com a imprensa especializada, essas
instituições já captaram US$ 266,5 bilhões. Enquanto os bancos americanos levantaram $141bilhões,
seus rivais europeus obtiveram apenas US$ 125,5 bilhões (Tett, 2008).

ECONOMIA INTERNACIONAL

65
Tabela 1. Impacto da Crise em Instituições Financeiras Selecionadas
Perdas Contabilizadas
Instituição País
(US$ bilhões)
Citigroup Estados Unidos 40,7
UBS Suíça 38,0
Merrill Lynch Estados Unidos 31,7
HSBC Reino Unido 16,6
Bank of America Estados Unidos 14,9
Morgan Stanley Estados Unidos 12,6
Royal Bank of Scotland Reino Unido 12,0
JP Morgan Chase Estados Unidos 9,7
Washington Mutual Estados Unidos 8,3
Deutsche Bank Alemanha 7,5
Wachovia Estados Unidos 7,3
Crédit Agricole França 6,6
Credit Suisse Suíça 6,3
Mizuho Financial Japão 6,1
Bear Stearns Estados Unidos 3,2
Barclays Reino Unido 3,2
Estados Unidos 166,0
Memo: Perdas totais do
Europa 200,0
sistema financeiro desde o
Demais Países 21,0
3º trimestre de 2007
Total Geral 387,0
Fonte: BBC News International e Financial Times. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap, com informações dis-
poníveis até o dia 5 de junho.

Em setembro de 2008, a crise financeira entrou em nova fase, tornando-se uma crise global sis-
têmica. Nos Estados Unidos, após a estatização das duas principais instituições de crédito hipotecário ―
Fannie Mae e Freddie Mac ―, ocorreu o desaparecimento de dois dos principais bancos de investimento
― Lehman Brothers, em concordata, e do Merrill Lynch, adquirido pelo Bank of America–, seguido pela
quase falência da maior seguradora do mundo, AIG, salva, in extremis, pelo empréstimo de US$ 85 bi-
lhões concedidos pelo Federal Reserve2.
Defensor incondicional da autodisciplina do mercado, o secretário do Tesouro americano, Henry
Paulson, decidiu não socorrer o Lehman Brothers, que se viu obrigado a decretar falência no dia 15 de
setembro. Porém, as consequências da quebra desse centenário banco de investimento de Wall Street
foram subavaliadas e resultaram no brutal aprofundamento na crise.
Marca da nova fase da crise, a quebra do Lehman desencadeou queda vertiginosa de preço de
ativos financeiros privados, fuga desenfreada para títulos públicos considerados de baixo risco e virtual
paralisia dos mercados interbancários nos Estados Unidos e nas principais economias avançadas. Em
consequência, os mercados de crédito domésticos e internacionais ficaram virtualmente congelados.
Nem tomadores de excelente risco conseguiam se financiar em um cenário de completa aversão ao risco
e preferência absoluta pela liquidez.
As sucessivas operações coordenadas de injeção de liquidez realizadas por vários bancos centrais
falharam em normalizar o funcionamento do mercado interbancário. O indicador de risco sistêmico, TED
spread, saltou de 1,5 ponto percentual no dia 12 de setembro para 4,8 pontos percentuais no dia 18,
mantendo trajetória fortemente ascendente nos dias subsequentes, até atingir o patamar recorde de

2 Um resumo dos principais acontecimentos no período de julho a outubro de 2008 é apresentado no Quadro 1A, no Anexo.

PANORAMA E PERSPECTIVAS DAS ECONOMIAS AVANÇADAS: SOB O SIGNO DA CRISE

66
5,1% no dia 30 de setembro (ver Gráfico 1). Entre 29 e 30 de setembro, a taxa Libor de três meses saltou
de 5% a.a. para 6% a.a. e permaneceu congelada nesse patamar até 14 de outubro, indicando que não
havia negócio no mercado interbancário. A taxa de juros dos títulos de três meses do Tesouro americano
caiu abaixo de um ponto percentual, refletindo a fuga para a qualidade. Em resultado, o TED spread bateu
sucessivos recordes, atingindo o auge de 4,76% no dia 10 de outubro.
As quedas recordes nas principais bolsas de valores das economias avançadas também contri-
buíram para o clima de pânico que se espalhou nos quatro cantos do mundo. De um lado, a queda nos
preços das ações facilitou aquisições hostis; de outro lado, o declínio nos preços dos ativos financeiros,
devido à exigência de marcação a mercado, obrigou a contabilização de prejuízo, tornando necessário o
reforço de capital, sobretudo para as instituições bancárias sujeitas à regulamentação.
Nesse cenário de forte volatilidade dos preços das ações e das taxas de câmbio, a contração do
crédito atingiu instituições financeiras e corporações industriais que, embora não estivessem expostas aos
complexos produtos estruturados com lastro em hipotecas de alto risco, não conseguiam se financiar.
Nos Estados Unidos, a situação se agravou sobremaneira com a corrida aos fundos mútuos do
mercado monetário, um investimento de baixo risco e baixa remuneração, cujos cotistas movimentam
suas aplicações como se fossem depósitos à vista. Em razão do aprofundamento da desconfiança e da
crescente aversão ao risco dos investidores, esses fundos viram-se em dificuldade para atender aos
saques crescentes dos clientes. Para conter os saques desenfreados que estavam contribuindo para a
espiral deflacionária dos ativos, o Tesouro concedeu, no dia 19, garantia de pagamento aos investidores
dos fundos mútuos, cujo valor líquido de referência caia abaixo de um dólar. Para auxiliar os fundos com
dificuldade de financiamento, o Federal Reserve criou uma linha emergencial de suporte financeiro (AMLF
na sigla em inglês) aos bancos que adquirissem asset backed commercial papers emitidos pelos fundos
mútuos do mercado monetário.
Ante o agravamento da crise, e para restabelecer o escoamento da liquidez nos mercados e ga-
rantir a estabilidade do sistema financeiro, e assim evitar que a brutal contração do crédito conduzisse
a economia para uma profunda recessão, o governo dos Estados Unidos encaminhou ao Congresso, em
regime de urgência, um plano de resgate financeiro ― Plano de Resgate dos Ativos Problemáticos (TARF,
na sigla em inglês) ― de até US$ 700 bilhões no final do dia 19, aprovado, em versão modificada, no dia
2 de outubro. Porém, em virtude das dificuldades de operacionalização TARF, em particular a questão da
avaliação e precificação dos complexos ativos ilíquidos, os mercados não se tranquilizaram e os fluxos de
crédito permaneceram bloqueados.
Nos Estados Unidos, até mesmo grandes empresas e estados, como o da Califórnia, passaram a en-
frentar dificuldades para se financiar. A crise de confiança alastrou-se também para outros países, atingindo,
sobretudo, instituições financeiras europeias, o que levou alguns governos a estatizar bancos ― como foram
os casos, por exemplo, do Fortis (em operação tripartite dos governos belga, luxemburguês e holandês), do
britânico Bradford & Bingley e do Dexia, que recebeu aporte de capital da França e da Bélgica (Tabela 2) ― e/
ou a elevar a garantia aos depósitos bancários, como fizeram Irlanda, Reino Unido, Alemanha e Dinamarca3.

3 A Irlanda foi o primeiro país a conceder, em 30 de setembro, garantia integral aos depósitos por um período de dois anos. Em
reação à decisão irlandesa, o governo anunciou, no dia seguinte, a ampliação do limite da garantia aos depósitos bancários para £50
mil. A concessão de garantia integral pelos governos da Alemanha e Dinamarca levou a União Europeia a aumentar, em 7 de outubro,
o limite mínimo de garantia aos depósitos bancários de €20 mil para €50 mil.

ECONOMIA INTERNACIONAL

67
Tabela 2. Instituições financeiras afetadas no 2º semestre de 2008
Instituição Data País Status
Fannie Mae 7 Set EUA Estatizada
Freddie Mac 7 Set EUA Estatizada
Lehman Bros 15 Set EUA Falência
Merrill Lynch 15 Set EUA Adquirida
AIG 16 Set EUA Parcialmente Estatizada
HBOS 17 Set Reino Unido Adquirida
WaMu 25 Set EUA Falência, seguida de venda
Fortis 28 Set Bélgica; Holanda Estatizada
Bradford & Bingley 29 Set Reino Unido Estatizada
Wachovia 29 Set EUA Adquirida
Glitnir 29 Set Islândia Estatizada
Dexia 30 Out Bélgica e França Estatizada
Hypo Real Estate 6 Out Alemanha Socorrido
RBS 13 Out Reino Unido Parcialmente Estatizada
Lloyds TSB 13 Out Reino Unido Parcialmente Estatizada
UBS 16 Out Suíça Parcialmente Estatizada
Nacional City Corp. 27 Out EUA Falência, seguida de venda
Fonte: BBC News International; Financial Times; Wall Street Journal, The Economist. Elaboração: Grupo de Conjun-
tura Fundap, com informações disponíveis até 27 de outubro.

As ações isoladas dos governos só reforçaram, contudo, a crise de confiança em relação ao sis-
tema financeiro, tanto nos Estados Unidos como na Europa. A consequência foi o congelamento dos
mercados de crédito e, em particular, do mercado de crédito interbancário, pois os bancos líquidos se
recusaram a emprestar aos demais, não obstante as maciças injeções diárias de recursos pelos bancos
centrais. O mercado interbancário permaneceu congelado porque nenhum banco quis assumir o risco de
iliquidez e solvência da contraparte.
A desconfiança entre os bancos e demais instituições financeiras traduziu-se na deterioração das
condições de crédito das famílias e das empresas, à exceção das grandes corporações com elevado ra-
ting. O custo do crédito subiu, assim como as exigências de colateral. Ao lado do reforço de capital para
compensar as perdas, as instituições financeiras procuram reduzir o grau de alavancagem, o que significa
menor disposição para rolar a dívida e conceder novos empréstimos, com efeitos cumulativos sobre o
consumo das famílias e o investimento das empresas. O ajustamento dos bancos e demais instituições
financeiras contribui, assim, para desacelerar o nível de atividade mais forte, o que, por sua vez, resulta
em maior fragilidade financeira.
A repercussão da crise financeira no nível da atividade econômica, no emprego, no consumo e,
sobretudo, nas expectativas levou os bancos centrais e os governos das principais economias avançadas
a agir em prol da reativação dos fluxos de crédito.

A ação dos governos e dos bancos centrais


Para evitar a ocorrência de crise sistêmica e seus efeitos deletérios para o conjunto da economia,
os principais bancos centrais dos países avançados ― Federal Reserve (Fed), Banco Central Europeu
(BCE) e Banco da Inglaterra (BoE) ― responderam com amplo fornecimento de liquidez aos bancos em

PANORAMA E PERSPECTIVAS DAS ECONOMIAS AVANÇADAS: SOB O SIGNO DA CRISE

68
dificuldade, o que envolveu uma ação coordenada das autoridades monetárias, em dezembro de 2007.
Porém, como os mecanismos tradicionais de assistência financeira de liquidez mostram-se insuficientes
para diminuir as pressões nos mercados interbancários, que se traduziam em elevados spreads e forte
volatilidade, os bancos centrais introduziram novas modalidades operacionais.
Assim, desde 12 de dezembro de 2007, por exemplo, o banco central americano passou a realizar
dois leilões mensais de dinheiro com prazo de 28 dias (Term Auction Facility, TAF), tendo como colateral
um espectro mais amplo de títulos com excelente grau de risco. De US$ 20 bilhões por leilão, a oferta do
Fed foi elevada gradualmente para os atuais US$ 75 bilhões. Com duração prevista inicialmente para seis
meses, esse programa foi prorrogado duas vezes ao longo de 2008.
Com o agravamento da crise e a quase falência do banco de investimento Bearn Stearns, cuja
aquisição pelo JP Morgan contou com um empréstimo de US$ 30 bilhões do Fed, duas novas modalida-
des de fornecimento de liquidez foram introduzidas. Para atender às necessidades das instituições finan-
ceiras não bancárias que atuam como primary dealer nas operações do mercado aberto, o Fed, mediante
a Term Securities Lending Facility (TSLF), passou a realizar leilões semanais de liquidez em datas prea-
nunciadas para liquidação em 28 dias. Com a Primary Dealers Credit Facility (PDCF), os primary dealers
passaram a contar com acesso diário à liquidez, com taxa de juros preestabelecida e um amplo leque de
títulos com grau de investimento como colateral (NYFed, 2008). Além disso, em março de 2008, o Fed au-
mentou a linha de crédito das operações de swap (swap line) junto ao BCE e ao Banco Nacional da Suíça,
com o objetivo de lhes assegurar o suprimento de dólares necessários para garantir a liquidez em dólares
para os seus bancos domésticos, em uma nova ação coordenada com vistas a reduzir as pressões nos
mercados interbancários. A linha do BCE subiu de US$ 10 bilhões para US$ 30 bilhões, enquanto a linha
para o banco central suíço passou de US$ 2 a US$ 6 bilhões (Bernanke, 2008b).
O BCE e o BoE também introduziram novas modalidades de fornecimento de liquidez com prazos
mais longos. Em março, o BCE realizou leilões de dólares por 28 dias com colateral em euro. E, no caso
inglês, em abril de 2008, os bancos puderam realizar trocas de títulos lastreados em hipotecas de alta
qualidade por títulos do Tesouro.
Na atuação dos principais bancos centrais, notam-se, contudo, diferentes estratégias para enfrentar a
crise. Tão logo percebeu a gravidade da crise e a ameaça de forte desaceleração da economia, o Fed deu início
ao afrouxamento da política monetária, com a redução, em agosto, da taxa de redesconto. Entre setembro de
2007 e abril de 2008, em oito reuniões consecutivas, o Comitê de Mercado Aberto (Fmoc, na sigla em inglês)
do Fed já havia reduzido a meta da taxa básica, com um corte total de 3,25 pontos percentuais, trazendo-a
para 2,0% ao ano. Com a redução de 0,5% na reunião extraordinária no dia 8 de outubro de 2008, a meta da
fed funds rate caiu para 1,5% ao ano, menor patamar desde agosto de 2004 (Gráfico 2).
O BCE, preso ao mandato de guardião da estabilidade dos preços, manteve inalterada em 4% a.a.,
até junho de 2008, a taxa básica de juros (a main refinancing rate), e a elevou em 0,25% em julho, por te-
mer o recrudescimento das pressões inflacionárias associadas às altas dos preços dos alimentos e com-
bustíveis. Também com mandato único de garantidor da estabilidade dos preços e compromisso explícito
com uma meta de inflação de 2% a.a., o BoE realizou, desde o início da crise, três cortes, que totalizaram
0,75 p.p., na meta da taxa básica entre os meses de dezembro de 2007 e abril de 2008. No período de
maio a setembro, o Comitê de Política Monetária (MPC, na sigla em inglês) manteve inalterada a taxa
básica em 5,0% (Gráfico 3). Como justificativa, o presidente do BoE destacou as pressões inflacionárias

ECONOMIA INTERNACIONAL

69
Gráfico 2. Evolução da meta da Federal funds rate (% a.a.)

6,0%

5,25%

5,0%
4,75%
4,50%

4,25%
4,0%

3,50%

3,0%
3,0%

2,25%
2,0%
2,0%

1,0%

0,0%

jul-06

jul-07
jul-02

jul-03

jul-04

jul-05

set-06

set-07
set-02

set-03

set-04

set-05
jan-04

jan-05

jan-06

jan-07

jan-08
jan-02

jan-03

mai-06

mai-07

mai-08
mai-02

mai-03

mai-04

mai-05
mar-04

mar-05

mar-06

mar-07

mar-08
mar-02

mar-03

nov-05

nov-06

nov-07
nov-02

nov-03

nov-04

Fonte: Board of Governors of Federal Reserve System. Disponível em http:// www.federalreserve.gov.


Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 3. Evolução da meta das taxas de juros oficiais (Área do Euro, Estados Unidos e Reino Unido) (% a.a.)

Fonte: Board of Governors of Federal Reserve System; European Central Bank, Bank of England.
Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

PANORAMA E PERSPECTIVAS DAS ECONOMIAS AVANÇADAS: SOB O SIGNO DA CRISE

70
associadas à alta dos preços dos alimentos e combustíveis, que contribuíam para manter a inflação bem
acima da meta de 2,0% a.a.4. Essa postura do banco central foi severamente criticada pelas associações
empresariais, que temiam uma retração ainda mais forte do mercado imobiliário, com repercussão no
consumo das famílias e nos investimentos.
Com o agravamento da crise após a falência do Lehmann Brothers, os bancos centrais ampliaram
o fornecimento de liquidez diária no mercado, mediante o aceite de um leque cada vez mais amplo de
colateral. Ao mesmo tempo, reforçaram as ações coordenadas de injeção de liquidez em dólar, viabiliza-
das pelas operações de swap com o Federal Reserve. Esses instrumentos, porém, não foram suficientes
para promover o desempoçamento da liquidez e restaurar o fluxo de crédito interbancário, essencial à
normalização da concessão de crédito.
Assim, no esforço de normalizar o mercado monetário, o Federal Reserve criou um novo canal de
financiamento emergencial para os bancos e, usando de suas prerrogativas legais, também para institui-
ções financeiras não bancárias. Com o novo programa Commercial Paper Funding Facility (CPFF), o Fed
passou a adquirir papéis de curto prazo emitidos por bancos e por instituições financeiras não bancárias,
como os fundos mútuos de investimento. Na prática, com esse novo programa, o banco central america-
no ampliou o alcance de sua ação como prestamista em última instância.
Também com o propósito de estimular a normalização dos fluxos de crédito, seis bancos centrais das
principais economias avançadas ― Estados Unidos, Canadá, Área do Euro, Reino Unido, Suécia e Suíça ―
efetuaram em simultâneo, no dia 8 de outubro, em uma ação coordenada inédita, um corte de 0,5 ponto
percentual nas metas das taxas de juros oficiais, principal variável operacional da política monetária. Reali-
zada em um contexto de inflação ascendente, os bancos centrais mostraram com essa diminuição de juros
que amortecer os impactos da crise sobre a atividade econômica tornou-se prioritário, mesmo para aqueles
que têm como objetivo estatutário exclusivo a estabilidade dos preços (Quadro 1).
Para evitar a brutal contração do crédito, que compromete o giro diário dos negócios além de afetar
os planos de investimento das empresas e de consumo das famílias, também os governos decidiram agir.
Após o anúncio do plano de resgate financeiro do governo britânico no dia 8 de outubro, várias iniciativas
semelhantes foram adotadas por diversos países, tanto de economias avançadas como de economias
em desenvolvimento. Com o propósito de restabelecer a confiança dos investidores e da população no
sistema bancário, esses planos incluíram aporte de capital, a concessão de garantia para as obrigações
bancárias e garantia de depósitos privados. Embora o formato e o alcance dessas iniciativas variem de
país para país, em razão das especificidades institucionais domésticas, todas compartilham do propósito
de restaurar os fluxos de crédito bancário para as empresas e para as famílias5.
O plano anunciado pelo governo britânico foi o primeiro a atacar a raiz do problema do empoçamen-
to de liquidez no interbancário, ao prever, além de aporte direto de capital às instituições em dificuldade
no montante de até £ 50 bilhões, garantia governamental aos empréstimos interbancários, em até £ 250
bilhões. Dessa forma, o governo procurar evitar a transformação de problemas de iliquidez em situação de

4 Vários fatores contribuíram para a elevação dos preços das commodities agrícolas e não agrícolas (como petróleo e metais) ao
longo do primeiro semestre de 2008. Além do forte crescimento da demanda dos países em desenvolvimento cujas economias se
expandem em ritmo acelerado, notadamente China e Índia, e de restrições de oferta ― como catástrofes naturais que afetam as
safras agrícolas, utilização de cereais para fabricação de biocombustível e elevado grau de utilização da capacidade na extração de
petróleo ―, também houve forte especulação nos mercados futuros, o que afeta o preço spot (Masters, 2008).
5 Um quadro comparativo de alguns dos principais planos de resgate financeiro é apresentado no Quadro 2A, em anexo.

ECONOMIA INTERNACIONAL

71
insolvência, o que poderia comprometer ainda mais a confiança no já fragilizado sistema financeiro. Igual-
mente, o plano incluiu £ 200 bilhões para ampliar o Special Liquidity Scheme do Banco da Inglaterra.

Quadro 1. Principais países avançados ― alterações recentes nas metas das taxas oficiais de juros
Taxa de Juros
Taxa de Meta de
País/Área Data da última Meta anterior
Meta atual Inflação2 Inflação
alteração (% a.a.)
Não adota formalmente
regime de meta de infla-
Área do Euro* 8/10/2008 3,75% 4,25% 3,6%
ção, mas busca manter o
IPC abaixo de 2%
Austrália 7/10/2008 6,0% 7,0% 5,0% 3%
2% a.a., com intervalo de
Canadá* 21/10/2008 2,25 % 2,50% 3,4%
variação de +/– 1%.
Não adota regime de meta
Estados Unidos* 8/10/2008 1,5% 2,0% 4,9%
de inflação
Noruega 16/10/2008 5,25% 5,75% 5,3% 2,5% a.a.
Nova Zelândia 23/10/2008 6,5% 7,5% 5,1% Entre 1% a 3% a.a.
Reino Unido* 8/10/2008 4,5% 5,0% 5,2% 2% a.a.
2% a.a., com intervalo de
Suécia* 23/10/2008 3,75% 4,25% 4,4%
variação de +/– 1%.
Suíça* 8/10/2008 2,0% – 3,0%1 2,5% a 3,0%1 2,9% Abaixo de 2% a.a.
Fonte: Site oficial dos bancos centrais. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Notas: (*) Países que participaram da ação coordenada de corte de 0,5% da taxa de juros em 8 de outubro.
(1) A meta de juros do Banco Nacional da Suíça é um intervalo de variação da Libor em franco suíço de três meses.
(2) Percentagem em 12 meses, terminados em setembro.

A relativa simplicidade do plano viabilizou sua rápida concretização. Em apenas cinco dias após o
anúncio, foi realizado aporte de £ 37 bilhões em três instituições: Royal Bank of Scotland (£ 20 bilhões),
Halifax Bank of Scotland (£11,5 bilhões) e Lloyds TSB (£5,5 bilhões). Em troca da capitalização sob a
forma de aquisição de ações preferenciais, as três instituições se comprometeram a manter a concessão
de crédito às pequenas e médias empresas no mesmo nível de 2007 e a renegociar hipotecas com os
mutuários em dificuldade. Além disso, os bancos semiestatizados comprometeram-se a limitar os bônus
concedidos aos executivos e a alterar a composição do conselho de administração, com os novos mem-
bros sendo indicados pelo Tesouro.
O plano britânico serviu de referência para a grande maioria dos demais planos elaborados pelos
governos dos países industrializados. Todos, à exceção do plano suíço ― desenhado para resgatar o UBS,
instituição não americana que mais incorreu em perdas com os ativos ilíquidos lastreados em hipotecas
de alto risco ―, contemplaram garantia para os novos empréstimos interbancários combinada com apor-
te de capital. A Área do Euro, por exemplo, definiu diretrizes comuns para os planos dos países membros,
que, em razão de especificidades institucionais domésticas, foram detalhados por cada um dos governos
nacionais. Dentre essas diretrizes, destaca-se a garantia de novos empréstimos pelo prazo de cinco anos.
Além disso, o Banco Central Europeu (BCE) passou a aceitar, como colateral em suas operações de refi-
nanciamento, empréstimos de boa qualidade, que os bancos concederam às empresas.
Nos Estados Unidos, o Programa de Saneamento dos Ativos Problemáticos também foi alterado
para contemplar a aquisição de participação acionária em instituições em dificuldade. Dos US$ 700

PANORAMA E PERSPECTIVAS DAS ECONOMIAS AVANÇADAS: SOB O SIGNO DA CRISE

72
bilhões previstos no TARP para a aquisição de ativos ilíquidos, US$ 250 milhões foram destinados para
a compra de ações preferenciais de bancos e instituições de poupança, de todo e qualquer porte, com
remuneração mínima de 5% ao ano (nos próximos cinco anos).
Embora a adesão ao programa estatal seja voluntária, os nove maiores bancos foram pressionados, pelo
secretário Paulson, a aderir para servir de exemplo aos demais e evitar o estigma da necessidade de socorro
governamental. Assim, no mesmo dia da extensão do Tarp, ficou decidido que o governo americano compraria
US$25 bilhões em ações preferenciais do Bank of America, do J.P. Morgan, Citigroup e do Wells Fargo e U$10
bilhões em ações dos ex-bancos de investimento Goldman Sachs e Morgan Stanley; US$3 bilhões do Bank of
New York Mellon; e US$2 bilhões do State Street. O restante (125 bilhões) seria distribuído às instituições de
poupança e aos bancos menores, regionais e locais, que encontravam dificuldade para levantar capital.
Embora sem utilizar recursos orçamentários, o plano americano em versão ampliada, do dia 14 de
outubro, também passou a incluir garantia governamental aos novos empréstimos. Seguindo o exemplo
dos governos europeus, o governo Bush determinou que o Federal Deposit Insurance Company (FDIC) ga-
rantisse por três anos os novos débitos dos bancos e das instituições de poupança e holding companies
― incluindo notas promissórias, commercial paper, empréstimos interbancário —, contraídos até abril
de 2009. Ao mesmo tempo, tornou ilimitada, até 2009, a garantia do FDIC aos depósitos bancários não
remunerados para evitar qualquer prejuízo, sobretudo aos pequenos negociantes. Em ambos os casos,
as instituições beneficiárias arcaram com o ônus da garantia, sobre a qual incide comissão.
Adicionalmente, o Federal Reserve anunciou a ampliação do CPFF. A partir do dia 27 de outubro,
o Fed passou a adquirir commercial paper, denominados em dólar, com prazo de três meses, emitidos
por empresas não financeiras de alta qualidade, incluindo subsidiárias americanas de empresas multina-
cionais. Para isso, foi criado um veículo de propósito especial, que irá adquirir diretamente os comercial
papers das empresas emissoras (incluindo subsidiárias americanas de empresas estrangeiras). Com
isso, pretende assegurar o acesso das empresas não financeiras ao financiamento de capital de giro,
essencial para a manutenção do nível de atividade econômica.
A normalização dos fluxos de crédito é essencial para minimizar os impactos da crise financeira so-
bre os demais segmentos da atividade econômica. Por essa razão, alguns dos planos adotados incluem
a exigência de que o banco beneficiário amplie a concessão de crédito. No caso do plano britânico, os
três bancos que receberam aporte de capital devem manter a concessão do crédito no mesmo nível de
2007. Na França, também, os bancos que aderiram ao programa do governo de recapitalização compro-
meteram-se a ampliar de 3% a 4% a concessão de crédito, em particular para as pessoas físicas e para
pequenas e médias empresas.
A preocupação com o acesso ao crédito bancário, por empresas e consumidores, também foi expli-
citada pelo presidente do Federal Reserve, em discurso proferido em 20 de outubro no Comitê de Orça-
mento da Câmara dos Deputados. Ao relatar a forte desaceleração da atividade econômica nos Estados
Unidos ― expressa na elevação da taxa de desemprego que atingiu 6,1% em setembro e na retração dos
gastos dos consumidores e dos investimentos empresariais ―, Bernanke sugeriu que, caso o Congresso
decidisse propor um novo pacote fiscal, seria desejável que esse contemplasse medidas de estímulo à
normalização do acesso dos consumidores, famílias e empresas ao mercado de crédito.
Não obstante, o fortalecimento do capital de várias instituições e as garantias governamentais
aos novos empréstimos bancários, a liquidez demorou a voltar a fluir nos mercados interbancários. O

ECONOMIA INTERNACIONAL

73
Ted spread começou a recuar bem devagar a partir do dia 20 de outubro, permanecendo em patamares
ainda bem elevados em comparação com a situação prévia à falência do Lehman (ver Gráfico 1).
A persistência dos temores em relação à duração da crise, bem como a preocupação com os
impactos da crise sobre os diversos segmentos da economia, fez com que os bancos centrais e os gover-
nos continuassem a atuar no sentido de assegurar a estabilidade do sistema financeiro e a estimular a
retomada da economia.
A forte desaceleração da atividade econômica doméstica explica, por exemplo, a decisão de redu-
zir a meta da taxa básica de juros, tomada, na semana de 20 de outubro, por três bancos centrais (ver
Quadro 1). No Canadá, a meta que já havia sido reduzida em 0,5%, no dia 8 de outubro, sofreu novo corte,
dessa vez de 0,25%, passando de 2,5% para 2,25%. O Banco da Nova Zelândia, pioneiro na adoção do
regime de metas, cortou em 1% a taxa básica de juros, que passou de 7,5% para 6,5%, não obstante a
taxa de inflação ter alcançado, em setembro de 2008, o nível recorde dos últimos 18 anos: 5,1% em doze
meses. Na Suécia, o Riksbank também realizou um novo corte de 0,5 ponto percentual na taxa básica de
juros, que agora está em 3,75% ao ano.
Em 21 de outubro, o banco central americano anunciou a criação de uma linha de crédito especial
para fundos mútuos de investimento (o Money Markets Investidor Funding Facility) no montante de US$
540 milhões. Com esse programa, o Fed passou a conceder empréstimos aos fundos mútuos, tendo
como colateral certificados de depósitos e commercial papers emitidos por instituições financeiras de
qualidade. Desse modo, o Fed pretendia reativar o mercado secundário dos instrumentos de curto prazo
e melhorar a posição de liquidez dos seus participantes, ampliando assim a disponibilidade de crédito
para os consumidores e empresas.
Na França, o governo criou um fundo de investimento estratégico para fornecer capital às peque-
nas e médias empresas, que são as mais fragilizadas pela crise. O fundo ― gerido pela Caisse de Dépôt
et Consignation e sob supervisão do Parlamento ― foi criado para assumir participação acionária e/ou
conceder empréstimos para empresas de setores considerados estratégicos, seja para consolidá-las,
seja para evitar a tomada de controle por empresas estrangeiras.
Cabe mencionar que, nos Estados Unidos, o governo Bush, também com o propósito de evitar a
forte desaceleração na economia e afastar a ameaça de recessão, lançou um pacote fiscal de US$ 146
bilhões. Esse pacote incluía abatimento tributário de entre US$ 300 e US$ 600 para a grande maioria
dos americanos, assim como um corte de impostos de um montante total de US$ 50 bilhões para as
empresas, com o objetivo de incentivar o investimento. Embora consideradas insuficientes e tardias na
avaliação de vários analistas, as medidas de estímulo fiscal, em conjunto com a política monetária pro-
ativa do Fed, evitaram que a economia americana entrasse em recessão no primeiro trimestre de 2008,
como será visto a seguir.

O Impacto da Crise no Desempenho Macroeconômico das Principais


Economias Avançadas
As projeções feitas pelo FMI e pela OCDE para os Estados Unidos apontaram para a desaceleração
econômica em 2008 e 2009, acompanhada de elevação da inflação e da taxa de desemprego (Tabela 3).
As divergências mais significativas, entre as estimativas feitas pelos dois organismos internacionais, referi-

PANORAMA E PERSPECTIVAS DAS ECONOMIAS AVANÇADAS: SOB O SIGNO DA CRISE

74
ram-se ao crescimento real do PIB dos Estados Unidos e à variação da inflação na Área do Euro. Enquanto o
FMI projetava, em abril, uma recessão suave no primeiro semestre, com incremento real do PIB de 0,5% em
2008, a OCDE ― cujas projeções foram divulgadas em 3 de junho, quando o resultado do primeiro trimestre
já era conhecido ― estimava uma variação real de 1,2%. Em relação à inflação, as estimativas do FMI para
a Área do Euro indicaram uma variação de 2,8% em 2008 contra 3,4% da OCDE.
Na avaliação do FMI (World Economic Outlook, 2008a), a despeito da adoção do pacote de estí-
mulo fiscal e da agressiva política monetária expansionista do Fed, as previsões para os Estados Unidos,
em 2008, foram de retração do consumo em razão do efeito “riqueza” adverso e queda no investimento
empresarial. As exportações seriam a única atividade privada em expansão, pois se beneficiariam da
contínua desvalorização do dólar e da forte desaceleração da economia americana relativamente ao
crescimento dos seus parceiros comerciais, notadamente os países em desenvolvimento. Na Área do
Euro, a expansão da região, que vinha sendo liderada pela robusta ampliação dos gastos com investimen-
to, deveria se enfraquecer significativamente, com redução do incremento real do PIB de 2,6% em 2007
para 1,4% em 2008 e 1,2% em 2009.

Tabela 3. Área do Euro e Estados Unidos: indicadores econômicos selecionados

Indicadores Projeções do FMI Projeções da OCDE


Econômicos 2007 2008 2009 2008 2009
Variação Real do PIB (%)
Área do Euro 2,6 1,4 1,2 1,7 1,4
Estados Unidos 2,2 0,5 0,6 1,2 1,1
Inflação (%)
Área do Euro 2,1 2,8 1,9 3,4 2,4
Estados Unidos 2,5 3,0 2,0 3,2 2,0
Desemprego (%)
Área do Euro 7,4 7,3 7,4 7,2 7,4
Estados Unidos 4,6 5,4 6,3 5,4 6,1
Fonte: World Economic Outlook (2008a); OECD Economic Outlook (2008). Elaboração: Grupo de Conjuntura
Fundap.

Na avaliação da OCDE (OECD Economic Outlook, 2008), a política macroeconômica expansionista


moderou os impactos da forte retração do crédito e do declínio dos preços dos imóveis sobre o consumo
das famílias, levando à revisão para cima das estimativas do PIB americano em 2008. Na Área do Euro,
as estimativas indicavam uma expansão econômica moderada em 2008, com crescimento do PIB abaixo
do seu potencial, em razão da forte desaceleração no segundo trimestre, provocada pela contração do
crédito, inflação ascendente e declínio no mercado imobiliário.
Os resultados do primeiro trimestre de 2008 revelaram uma assimetria no desempenho das princi-
pais economias avançadas. O PIB americano cresceu mais do que o esperado, com revisão para cima da
taxa anualizada de 0,6% para 0,9%, puxado pelo gasto do governo e pelo consumo das famílias (Gráfico
4). Já na Área do Euro, embora o resultado do primeiro trimestre tenha sido favorável (2,8% anualizado), a
queda das vendas no varejo e a perda de dinamismo das exportações, em virtude da apreciação do euro
em relação ao dólar, davam sinais de desaceleração maior que a esperada.

ECONOMIA INTERNACIONAL

75
Gráfico 4. Estados Unidos: variação do pib em relação ao trimestre imediatamente anterior (dados com
ajuste sazonal, taxas anualizadas)

11,0
9,3

6,0
4,9
3,7 3,8 4,1 3,8
2,8 2,3
2,1 2,0 2,0
1,4 0,9 1,0
0,6 0,6

-0,5 -0,2
%

-11,8

-16,3

-20,5

-25,2 -25,5

2007:T1 2007:T2 2007:T3 2007:T4 2008:T1

PIB Consumo das famílias Investimento ñ-residencial Investimento residencial Consumo do governo

Fonte: Bureau of Economic Analysis (BEA). Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Os impactos da crise financeira e da contração do crédito sobre a atividade econômica começa-


ram a ser sentidos pelas economias avançadas já na passagem do primeiro para o segundo trimestre de
2008. De acordo com as estatísticas compiladas pela OCDE, as economias desenvolvidas registraram
arrefecimento, expresso na menor variação do PIB, que passou de 0,5% para 0,1%, descontados os efei-
tos sazonais (Gráfico 5).

Gráfico 5. OCDE ― Crescimento do PIB (variação % em relação ao período anterior, com ajuste sazonal)

1,2 1,2

0,8 0,8 0,8


0,7
0,7 0,7
0,7

0,6 0,6
0,5 0,5
0,4
0,4 0,4
0,4

0,2
0,1 0,1 0,1

0,0

0,0

-0,2

T1-2007 T2-2007 T3-2007 T4-2007 T1-2008 T2-2008

Estados Unidos Área do Euro G7* OCDE-Total

Fonte: OCDE ― Quarterly National Accounts Database. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

PANORAMA E PERSPECTIVAS DAS ECONOMIAS AVANÇADAS: SOB O SIGNO DA CRISE

76
Nas economias que compõem o grupo dos sete países mais industrializados (G7), a desacelera-
ção foi ainda mais acentuada, à notável exceção dos Estados Unidos (Gráficos 5 e 6). Na comparação
com o trimestre imediatamente anterior, enquanto as economias do Japão (–0,7%), Alemanha (–0,5%),
França (–0,3%), Itália (–0,3%) registraram variação negativa, o PIB americano avançou 0,7% no segundo
trimestre, após modesto crescimento de 0,2% nos três primeiros meses de 2008. No Reino Unido, o PIB
também registrou variação nula (0,0%), indicando desaquecimento muito maior do que o esperado pelas
autoridades econômicas.

Gráfico 6. OCDE ― PIB no segundo trimestre de 2008 (variação % em relação ao período anterior, com
ajuste sazonal)

0,7

0,1 0,1

0,0

-0,2
-0,3
-0,3

-0,5

-0,7

Alemanha França Itália Japão Reino Unido Estados Unidos Área do Euro G7* OCDE Total

Fonte: OCDE ― Quarterly National Accounts Database. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Essa diferença nos desempenhos das economias que compõem o grupo dos sete países mais
industrializados (G7) reflete tanto a desvalorização do dólar em relação ao euro e ao iene ― que im-
pulsionou as exportações norte-americanas ―, como as distintas estratégias da política econômica
adotadas, em particular a política monetária. Como já mencionado, nos Estados Unidos, o Federal
Reserve reduziu ininterruptamente a meta da federal funds rate a partir de setembro de 2007, en-
quanto o Tesouro lançou um pacote fiscal para estimular o consumo das famílias. Em contraste, na
Europa, o Banco da Inglaterra e Banco Central Europeu relutavam em flexibilizar a política monetária,
em razão das fortes pressões inflacionárias associadas à alta nos preços do petróleo e das commo-
dities agrícolas.
Como já mencionado, apenas no dia 8 de outubro esses dois importantes bancos centrais decidi-
ram priorizar a atividade econômica, relegando para segundo plano a preocupação com a estabilidade
dos preços, não obstante a inflação corrente superar a meta perseguida. A exemplo dos bancos centrais
do Canadá e da Suécia, que, depois da ação coordenada, realizaram um novo corte na meta de juros em
outubro (ver Quadro 1), o Banco da Inglaterra e o Banco Central Europeu viriam a reduzir os juros, com o
propósito de conter a forte e rápida desaceleração do nível da atividade econômica.

ECONOMIA INTERNACIONAL

77
Única entre as economias do G7 que no momento da conclusão desse trabalho já possuía dados
preliminares sobre o comportamento do PIB no terceiro trimestre, o Reino Unido está à beira da recessão.
Pelas informações divulgadas em 24 de outubro de 2008, pelo Escritório Nacional de Estatísticas (ONS,
na sigla em inglês), o PIB britânico contraiu 0,5% no terceiro trimestre em relação ao trimestre imediata-
mente anterior (com ajuste sazonal), resultado bem pior do que o inicialmente esperado pelos analistas
econômicos dos bancos (–0,2%). Essa é a primeira vez que se verifica uma variação negativa no PIB nos
últimos dezesseis anos e a maior desde o primeiro trimestre de 1991. Com exceção da atividade agrí-
cola, todos os demais segmentos da atividade econômica registraram retração. O setor de serviço que
responde por três quartos da economia do país recuou 0,4%, a maior queda em dezoito anos, enquanto
a atividade industrial caiu 1,0% em relação ao trimestre imediatamente anterior e 1,9% em relação ao
terceiro trimestre de 2007.

Perspectivas para 2009


Com o aprofundamento da grave crise financeira, a pior desde a de 1929, a economia mundial
está se desacelerando forte e rapidamente. Mesmo com os planos de estabilização do sistema financeiro
e as medidas de reativação dos fluxos de crédito, é provável que não haja crescimento em várias das
economias avançadas até meados de 2009. A crise financeira em curso está longe de seu término. As
suas ondas sucessivas atingem agora inúmeros países, inclusive economias em desenvolvimento depen-
dentes dos fluxos financeiros internacionais.
Nos Estados Unidos, por exemplo, onde o consumo das famílias é o principal motor de crescimen-
to, a deflação dos ativos financeiros e a queda nos preços dos imóveis se traduzem em redução da renda
disponível, e a demanda interna deverá reduzir-se, com impacto nas exportações destinadas ao mercado
americano. Igualmente, com a valorização do dólar em relação às demais moedas, à exceção do iene,
deve diminuir a competitividade das exportações americanas que, ao longo do primeiro semestre de
2008, vinha contribuindo para a sustentação da atividade econômica.
Como mostram as estimativas do Fundo Monetário Internacional em seu relatório semestral World
Economic Outlook, divulgado em 8 de outubro, as principais economias avançadas ― países da Área do
Euro, Canadá, Estados Unidos, Japão e Reino Unido ― devem registrar aumento real do PIB da ordem de
1,6% em 2008, caindo para 0,1% em 2009 (Gráfico 7).
Na Área do Euro, onde a Irlanda e Itália já dão sinais de recessão, as previsões são de crescimento
real do PIB de 0,2% em 2009. Para os Estados Unidos, o Fundo prevê expansão de 1,5% em 2008, com
retração da atividade econômica até meados de 2009 e incremento real do PIB de 0,5% em 2009. Já
para o Reino Unido, as estimativas apontam contração real do PIB em 0,1% em 2009, após modesta
variação de 1% em 2008.
Em consequência da forte desaceleração das economias avançadas, que respondem por parcela
expressiva do comércio internacional, o Fundo estima que crescimento real do produto mundial vá decli-
nar de 3,5% em 2008 para 3% em 2009. Essa variação só não será menor em razão do dinamismo das
economias em desenvolvimento, em particular da China e Índia.
A despeito da contínua oferta de liquidez e das medidas de suporte financeiro às instituições ban-
cárias, os mercados interbancários e de crédito às empresas e às famílias não se normalizaram.

PANORAMA E PERSPECTIVAS DAS ECONOMIAS AVANÇADAS: SOB O SIGNO DA CRISE

78
Gráfico 7. Projeção da variação anual real do PIB (em %)
5,0
Mundo 3,9
3,0
2,6
Principais Economias Avançadas (1) 1,6
0,1
2,5
Alemanha 1,8
0,0
2,7
Canadá 0,7
1,2
2,0
Estados Unidos 1,5
0,6
2,2
França 0,8
0,2
1,5
Itália -0,1
-0,2
2,1
Japão 0,7
0,5
3,0
Reino Unido 1,0
-0,1
2,6
Área do Euro (15) 1,3
0,2
8,0
Regiões em desenvolvimento 6,9
6,1
5,4
Brasil 5,2
3,5
11,9
China 9,7
9,2
9,3
India 7,9
6,9

2007 2008* 2009*

Fonte: World Economic Outlook (2008b). Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Nota: (1) Estados Unidos, Japão, Área do Euro e Reino Unido.

O indicador de risco de crédito bancário, TED spread, embora tenha começado a se reduzir, per-
manece em patamar bastante elevado (Gráfico 1). Vários analistas consideram que, até todas as perdas
serem anunciadas e contabilizadas pelos bancos, a contração de crédito e liquidez não será resolvida.

Referências Bibliográficas

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ECONOMIA INTERNACIONAL

79
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SHELLOK, Dave. Eurozone inflation surge sparks rate rise fears. Financial Times, May 31. Disponível em:
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TETT, Gillian. European banks harder hit by credit crunch. Financial Times, June 5, 2008. Disponível em:
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WORLD ECONOMIC OUTLOOK. Washington, DC: International Monetary Fund, Apr., 2008a.

_____. Washington, DC: International Monetary Fund, Oct., 2008b.

PANORAMA E PERSPECTIVAS DAS ECONOMIAS AVANÇADAS: SOB O SIGNO DA CRISE

80
AnexoS

Quadro 1A. Crise financeira: principais acontecimentos em julho, setembro e outubro de 2008

Julho
Quebra da IndyMac, segunda maior instituição de crédito hipotecário americana.
Fannie Mae e Freddie Mac, duas empresas-chave do mercado secundário de hipotecas, começam a enfrentar
problemas.
Setembro “negro”
Fannie Mae e Freddie Mac são estatizadas pelo governo americano, que já era garantidor de suas obrigações.
O banco de investimento Lehman Brothers decreta falência, após o Tesouro americano recusar socorro financeiro.
O banco de investimento Merrill Lynch é comprado pelo Bank of America.
A seguradora AIG é estatizada pelo governo americano, que assume participação de 85% em contrapartida ao
empréstimo de US$ 85 bilhões.
O Lloyds TSB adquire o seu concorrente HBOS, cujas ações haviam despencado nas bolsas de valores.
O secretário do Tesouro anuncia, no dia 23, plano de saneamento do sistema financeiro, no montante de US$
700 bilhões, rejeitado pela Câmara em votação no dia 29.
É decretada a falência da Washington Mutual, vendida em seguida ao JP Morgan.
Goldman Sachs e Morgan Stanley abandonam o status de bancos de investimento.
Os governos da Bélgica, Holanda e Luxemburgo anunciam a estatização parcial do banco Fortis.
Banco hipotecário britânico Brandford & Bingley é estatizado.
Outubro
Islândia vota um plano de resgate do sistema bancário, que entrou em colapso.
Wachovia, o quarto maior banco americano, é comprado pelo Citi, mas o negócio acaba sendo fechado com o
Wells Fargo.
Irlanda anuncia garantia integral dos depósitos bancários.
O plano do governo americano, Programa de Saneamento dos Ativos Problemáticos (TARP na sigla em inglês), é
aprovado com modificações no dia 3.
O governo britânico eleva para £ 50 mil o limite do seguro de depósito.
O governo alemão organiza plano de salvamento do Hypo Real Estate, instituição bancária de segunda linha.
União Europeia eleva para €50 mil o limite mínimo do seguro de depósito.
Reino Unido anuncia plano amplo de resgate da ordem de £ 400 bilhões, que inclui garantia aos empréstimos
interbancários.
Em ação inédita, seis bancos centrais se unem para cortar em simultâneo a taxa básica de juros em 0,5%.
Países da Área do Euro anunciam plano de resgate coordenado, que inclui aporte de capital e garantia de novos
empréstimos interbancários.
Governo britânico estatiza parcialmente três bancos e exige em contrapartida ampliação dos empréstimos.
Governo americano anuncia extensão do TARP e concede garantia aos novos empréstimos bancários de curto prazo.
Nove dos principais bancos americanos recebem aporte de capital do governo sob a forma de ações preferenciais.
O governo da Suíça socorre o UBS, com aporte de capital e compra de ativos ilíquidos denominados em dólar.
O governo francês aporta capital nos seis principais bancos, mediante a aquisição de títulos de dívida subordina-
da e exige ampliação da concessão de crédito a empresas e pessoas físicas.
O governo holandês aporta capital no ING, mediante a aquisição de títulos de dívida subordinada.
O governo sueco lança plano de estabilização financeira.
O banco central da Suécia e o banco central do Canadá realizam outro corte na meta da taxa básica de juros.
A Islândia recorre ao FMI e fecha acordo para receber empréstimo de US$ 2,1bilhões.

Fonte: BBC News International; Financial Times. Wall Street Journal, The Economist.
Elaboração Grupo de Conjuntura, com informações disponíveis até o dia 25 de outubro.

ECONOMIA INTERNACIONAL

81
Quadro 2A. Planos de regaste das instituições bancárias

CARACTERÍSTICAS ÁREA DO EURO ESTADOS UNIDOS REINO UNIDO SUÍÇA SUÉCIA

O programa de saneamen-
to dos ativos problemáti-
cos (aprovado em segunda
tentativa, pelo Congresso
10 de outubro. Apro-
Data do em 3 de outubro) previa 20 de outu-
vado pela Comissão 8 de outubro 16 de outubro
plano apenas o saneamento das bro
Europeia no dia 15.
carteiras das instituições
financeiras. Em 13 de ou-
tubro, o governo anunciou
a extensão do plano.
Tesouro destinou US$ 250
bilhões, dos US$ 700 bi- Tesouro des- Governo reali-
Cada país definiu o
lhões aprovados pelo Con- tinou £ 50 zou aporte de
montante de recur-
gresso, para a compra de bilhões para capital no UBS, Governo
sos públicos:
ações preferenciais (sem a compra de sob a forma de destinou 15
Capitali- Alemanha: € 80
direito a voto) de bancos e ações preferen- compra de títu- bilhões de
zação dos bilhões
instituições de poupança. ciais de bancos los conversíveis coroas para
bancos França: €40 bilhões
Plano prevê o aporte máxi- e instituições em ações, no aporte de
Itália: €40 bilhões
mo de US$ 25 bilhões por hipotecárias montante de 6 capital.
Holanda: €20 bilhões
instituição ou o equivalen- (building socie- bilhões de fran-
Áustria: €15 bilhões
te 3% dos ativos pondera- ties). cos suíços.
dos pelo risco.
Cada país definiu o
montante de recur-
sos públicos para
Garantia
garantir novos em-
das obriga-
préstimos pelo prazo
ções ban-
Garantia de de cinco anos: Até £250
FDIC garantirá 100% dos cárias de
emprésti- Alemanha: €400 bilhões para
novos empréstimos pelo Não menciona médio prazo
mos inter- bilhões garantir novos
prazo de três anos em até o
bancários França: €320 bilhões empréstimos
equivalente
Holanda: €200 bilhões
a US$ 205
Itália: ilimitado
bilhões
Espanha: €120 bilhões
Áustria: € 85 bilhões
Portugal: €20 bilhões
Garantia Itália concedeu ga- FDIC garantirá 100% dos
de outros rantia ilimitado aos novos empréstimos de ban- Não faz par-
Não Não menciona
ativos ban- novos empréstimos cos e instituições de poupan- te do plano
cários a não bancos ça pelo prazo de 3 anos
Transferência
de US$ 60 bi-
lhões de ativos
Compra Não, mas houve am- ilíquidos do UBS
direta de pliação do leque de e empréstimo
Compra, pelo Tesouro, de
ativos de ativos aceitos como de até US$ 54 Não
hipotecas residenciais
liquidação colateral pelo Banco bilhões do Ban-
duvidosa Central Europeu 1
co Nacional da
Suíça2 para So-
ciedade de Pro-
pósito Especial.

PANORAMA E PERSPECTIVAS DAS ECONOMIAS AVANÇADAS: SOB O SIGNO DA CRISE

82
CARACTERÍSTICAS ÁREA DO EURO ESTADOS UNIDOS REINO UNIDO SUÍÇA SUÉCIA

Aquisição, pelo Federal Re-


serve, até abril de 2009, de
Compra Não, a legislação do
commercial papers de três
direta de Banco Central Eu-
meses, denominados em
obrigações ropeu não permite Não Não Não
dólar, emitidos por empresas
de não ban- operação com não
de alta qualidade, incluindo
cos bancos
subsidiárias americanas de
empresas estrangeiras
Elevação
FDIC garante 100% das
do teto da Garantia ele-
Não incluído no contas de depósito bancá- Garantia eleva- Não men-
garantia de vada a 30 mil
Plano3 rio não remuneradas, até da para £50 mil ciona
depósitos francos suíços
dezembro de 2009
bancários
Mudança Suspendeu a marca-
Suspendeu a marcação a Não men-
de regras ção a mercado dos Não menciona Não menciona
mercado dos ativos ciona
contábeis ativos
Bancos devem
manter, nos ní-
veis de 2007, os
empréstimos con-
Bancos participan- cedidos a famí-
Bancos participantes terão
tes terão de limitar lias e pequenas
Condiciona- de limitar os bônus e as
os bônus e as inde- empresas, devem Não menciona
lidades indenizações concedidas
nizações concedidas limitar os bônus
aos executivos
aos executivos concedidos aos
executivos e alte-
rar a composição
do conselho de
administração
Fonte: site dos Bancos Centrais, dos ministérios das Finanças e de jornais estrangeiros.
Elaboração Grupo de Conjuntura da Fundap.
Notas: (1) Houve iniciativas individuais nesse sentido antes do anúncio do plano comum. Na Espanha, por exemplo,
o governo aprovou, no início de outubro, um fundo para comprar até € 50 bilhões em ativos de bancos. (2) O em-
préstimo concedido à Sociedade de Empréstimo Especial pelo banco central suíço será realizado em dólar, moeda
de denominação dos ativos ilíquidos do UBS que serão adquiridos. (3) Em 7 de outubro, a União Europeia decidiu
elevar a garantia mínima de depósitos de € 20 mil para € 50 mil para o conjunto dos 27 países membros. Porém
alguns países, como Alemanha, Irlanda e Dinamarca, instituíram garantia de 100%. Na Espanha, Bélgica e Holan-
da, elevaram a € 100 mil, enquanto a França garantia já era de € 70 mil.

ECONOMIA INTERNACIONAL

83
Panorama das
economias emergentes:
o efeito-contágio da crise

Daniela Magalhães Prates

O
mês de setembro de 2008 foi marcado pelo aprofundamento da crise financeira internacional,
que se originou no mercado de títulos vinculados às hipotecas subprime, em julho de 20071.
Após a falência do banco de investimento Lehman Brothers, em meados daquele mês, a crise
ganhou dimensões sistêmicas e se espraiou para os países emergentes, atingindo mesmo economias
com situação favorável nas contas externas e elevados volumes de reservas internacionais.
Esta nota técnica examina o efeito-contágio da crise sobre as quatro principais regiões emer-
gentes (América Latina, Ásia, Europa central e do leste, Comunidade dos Estados Independentes). Com
esse propósito, a próxima seção resgata as principais características da inserção dessas regiões (e das
suas principais economias) na fase de auge do ciclo de comércio e liquidez internacional que vigorou
no período 2003-2007. A seção seguinte explora o impacto da crise sobre as moedas dessas econo-
mias e a reação dos bancos centrais e dos governos ante o efeito-contágio. A última seção, a título de
considerações finais, analisa as implicações da crise sobre a atividade econômica.

A inserção diferenciada na economia mundial no período 2003-2007


No quinquênio 2003-2007, a economia mundial vivenciou a fase mais favorável das últimas qua-
tro décadas. As elevadas taxas de crescimento foram acompanhadas por baixas taxas de inflação, dis-
ponibilidade de financiamento externo e expansão dos fluxos comerciais. Se, por um lado, as regiões
emergentes foram especialmente beneficiadas por esse ambiente benigno, por outro lado, ao contrário
das fases anteriores de expansão, este ambiente foi em parte reflexo do desempenho dos grandes países

1 A nota técnica Panorama e Perspectivas das Economias Avançadas: sob o signo da crise, incluída neste livro, trata dessa questão.

PANORAMA DAS ECONOMIAS EMERGENTES: O EFEITO-CONTÁGIO DA CRISE

84
dessas regiões. Os chamados países Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) foram responsáveis por quase
metade do crescimento mundial verificado no quinquênio (Cepal, 2008).
Contudo, a inserção das quatro principais regiões emergentes (América Latina, Ásia, Europa central e do
leste e Comunidade dos Estados Independentes2) no boom do comércio e das finanças mundiais, bem como
os efeitos dessa inserção nas respectivas performances macroeconômicas, diferenciaram-se em função de
um conjunto de fatores, dentre os quais se destacam: os regimes cambiais adotados; o grau de abertura finan-
ceira; as características dos sistemas financeiros; e as estruturas das pautas de exportação e importação.
No âmbito do comércio internacional, as robustas taxas de expansão do valor das exportações
mundiais, entre 2003 e 2007, resultaram da interação de duas tendências, impulsionadas pelo dinamis-
mo da economia internacional e, sobretudo, das regiões emergentes: o aumento das quantidades tran-
sacionadas e a alta dos preços. A importância dessa alta fica evidente na comparação das performances
do valor e do volume dessas exportações. Tanto para o total como para as três principais categorias de
produtos (agrícolas, minerais e energéticos e manufaturas), as variações do valor das exportações foram
superiores àquelas do volume, em função, exatamente, da elevação dos preços3 (Gráficos 1 e 2).

Gráfico 1. Variação anual do valor e do volume das exportações mundiais (em %)


40
20 34

28
15
22

10 16
10
5
4

-2
0
2002 2003 2004 2005 2006
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Prod. agrícolas (vol.) Prod. minerais e energéticos (vol.)
Valor - Mercadorias (OMC) Vol. - Mercadorias (OMC) Manufaturas (vol.) Prod. agrícolas (valor)
Vol. - Mercadorias e serviços (FMI) Prod. minerais e energéticos (valor) Manufaturas (valor)

Fontes: OMC e FMI. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap

O desempenho positivo do comércio mundial, que abrangeu as diversas categorias de produtos,


constitui um dos fatores explicativos do crescimento ininterrupto do superávit da conta corrente do con-
junto das economias emergentes entre 2003 e 2007. Todavia, as performances regionais foram bastante
díspares em função do perfil das pautas de comércio exterior e dos regimes cambiais adotados.
A Ásia beneficiou-se do crescimento dos volumes das exportações de manufaturas (sobretudo
chinesas) num contexto de demanda externa dinâmica e de regimes de câmbio administrado ou de flutu-
ação suja4, que priorizaram, na maioria dos países, a manutenção de taxas de câmbio competitivas (uma

2 As outras duas regiões classificadas pelo FMI como regiões emergentes (África e Oriente Médio) não serão analisadas nessa
nota técnica, que dará maior ênfase à América Latina, Ásia e Europa central e do leste.
3 Sobre o ciclo de preços das commodities, ver, neste livro, a nota técnica Inflação mundial e Preços das Commodities.
4 Nos regimes de flutuação suja, os bancos centrais não se comprometem com determinada taxa de câmbio ou banda cambial,
mas intervêm no mercado de câmbio seja para influenciar a cotação da moeda, seja para acumular reservas.

ECONOMIA INTERNACIONAL

85
importante exceção é a Coreia, como destacado a seguir). No caso da América Latina, os saldos positivos
nessa conta, a partir de 2003, ancoraram-se, principalmente, na melhoria dos termos de troca propicia-
da pela alta nas cotações das commodities metálicas e energéticas (desde 2003) e alimentícias (desde
2006), que foi bem mais expressiva do que a registrada nos preços dos bens manufaturados.

Gráfico 2. Saldo de transações correntes das economias emergentes — Total e regiões selecionadas — US$ bilhões

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008*


Economias emergentes 76,9 144,5 215,1 445,9 617,0 634,2 784,9
Ásia 139,6 187,4 190,6 250,6 405,4 564,8 498,2
América Latina -16,3 7,8 20,6 35,2 47,7 16,2 -37,3
Europa Central e do Leste -23,1 -36,8 -57,6 -59,4 -87,7 -120,7 -164,4
Comunidade dos Estados 6,5 6,3 8,2 8,8 7,5 4,4 5,5
Independentes

Fonte: IMF, 2008a. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Nota: (*) Previsto.
Nessa região, os regimes de flutuação suja tornaram-se predominantes após as crises financeiras
dos anos 1990, mas a gestão das políticas cambiais foi heterogênea. Por exemplo, enquanto a Argentina
elegeu como principal objetivo dessa política a manutenção da uma taxa de câmbio favorável às expor-
tações, no Brasil, no México e no Chile, onde o regime de câmbio flutuante foi acoplado ao sistema de
metas de inflação, a apreciação das respectivas moedas foi utilizada como instrumento por excelência
para atingir essas metas — estratégia que não comprometeu o desempenho das balanças comerciais
exatamente em função dos ganhos de termos de troca.
Na Comunidade dos Estados Independentes, que tem posição praticamente equilibrada em tran-
sações correntes, é importante mencionar casos que não seguem o padrão regional: a Rússia, enquanto
exportadora líquida de petróleo, também se beneficiou dessa alta e registrou superávits crescentes na
conta corrente; a Ucrânia, ao contrário, ampliou seu déficit nessa conta e sua dependência ao financia-
mento externo (ver Tabela 1, no Anexo ao final desta nota) (IMF, 2008a).
Em 2007 e no primeiro semestre de 2008, as cotações das commodities mantiveram sua trajetó-
ria altista, o que contribuiu para sustentar as exportações dos países latino-americanos (num contexto de
desaceleração da demanda dos Estados Unidos), mas que, em contrapartida, gerou pressões inflacioná-
rias tanto nesses países como naqueles importadores desses bens, que levaram os bancos centrais da
maioria das economias emergentes seja a adotar políticas monetárias restritivas (mediante o aumento
das taxas de juros e/ou dos recolhimentos compulsórios ou da adoção de medidas de controle do crédi-
to), seja a permitir a apreciação das suas moedas, como já mencionado. Antes do espraiamento da crise
para as regiões emergentes, a principal preocupação da política econômica era exatamente atenuar es-
sas pressões — que são mais expressivas do que nos países avançados em função do elevado peso dos
alimentos na cesta de consumo das populações (Cepal, 2008; IMF, 2008a e 2008b).
As economias da Europa central e do leste, enquanto importadoras líquidas de produtos básicos (e
também de manufaturas), foram duplamente atingidas pelo boom dos preços desses produtos: além da

PANORAMA DAS ECONOMIAS EMERGENTES: O EFEITO-CONTÁGIO DA CRISE

86
alta da inflação (que atingiu dois dígitos em alguns países em junho de 2008; IMF, 2008a), suas balanças
comerciais sofreram forte deterioração em função da piora dos termos de troca. Contudo, essa deteriora-
ção explica somente de forma parcial o crescimento do déficit em transações correntes da região desde
2003, que, nesse quesito, percorreu caminho oposto ao latino-americano. Na realidade, esse crescimen-
to decorreu, principalmente, do forte dinamismo da demanda interna nos últimos anos. Esse dinamismo
foi impulsionado pelos aportes de recursos da União Europeia (associados ao processo de integração
das economias nessa União), pelo aumento dos salários, bem como pelo expressivo crescimento dos
empréstimos ao consumo e hipotecário (UNCTAD, 2008; IMF, 2008a; IMF, 2008c).
Os déficits crescentes em transações correntes — verificados em todos os países do leste e do
centro europeu, mas especialmente elevados (em torno ou superiores a 15% do PIB) no caso da Letônia,
Estônia, Bulgária e Romênia (ver Tabela 1 do Anexo) — foram financiados não somente pelos aportes
oficiais, mas principalmente pelo ingresso líquido de fluxos de capitais privados. Como já mencionado, o
boom do comércio mundial foi acompanhado por forte expansão desses fluxos, que também atingiu seu
auge em 2007, tanto em termos líquidos como em termos brutos (Gráficos 3 e 4).

Gráfico 3. Fluxos líquidos de capitais privados para as economias emergentes — Total e regiões selecionadas
(US$ bilhões)

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008* 2009**


América Latina 5,1 19,0 15,2 38,1 9,5 97,4 93,2 80,8
Ásia 23,1 64,2 147,7 91,0 48,3 163,0 291,6 22,0
Europa Central e do Leste 53,7 53,6 74,3 119,2 119,9 173,8 179,9 181,7
Total 77,1 162,5 236,5 248,7 223,1 633,0 528,9 286,8

Fonte: IMF, 2008a. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Notas: (*) Previsto. (**) Estimado

Gráfico 4. Emissões brutas pelas economias emergentes (US$ bilhões)


800

700

600
500

400

300
200

100
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008*
Ações 17,2 28,0 49,0 93,0 157,3 229,2 50,3
Títulos 58,3 89,4 128,3 179,5 163,1 184,4 77,6
Empréstimos 82,5 97,6 148,4 189,7 252,1 327,8 140,3
Total 158,0 215,0 325,7 462,2 572,6 741,3 268,1

Fonte: IMF, 2008d. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Nota: (*) Primeiro semestre

ECONOMIA INTERNACIONAL

87
Assim como em outros momentos de pico dos ciclos, que precedem a sua reversão, uma euforia
excessiva marcou o primeiro semestre de 2007, resultando em absorção inédita de recursos externos pe-
las economias emergentes, que mais do que compensou o desempenho medíocre do segundo semestre,
após a eclosão da crise (então) subprime. Os fluxos líquidos, que incluem as modalidades de investimen-
to direto, de portfólio e empréstimos bancários (ver Tabela 2 do Anexo), somaram US$ 633 bilhões. Nos
dados das emissões brutas (ver Tabela 3 do Anexo), chama a atenção a predominância dos empréstimos
bancários, revelando que, no caso dos fluxos de capitais para as economias emergentes, as finanças
securitizadas não são ainda predominantes.
A Europa central e do leste foi a região emergente que mais absorveu esses fluxos entre 2005
e 2007. Além dos investimentos diretos dos bancos europeus (sobretudo alemães e austríacos), atra-
ídos pelas oportunidades de lucros elevados num mercado de crédito ainda pouco profundo e em
expansão, houve uma captação expressiva de empréstimos externos, seja mediante a emissão de
títulos no exterior (investimentos de portfólio), seja mediante empréstimos bancários (outros fluxos
de capitais) (ver Tabelas 2 e 3 do anexo). Ambos os movimentos foram viabilizados pelos processos
de abertura financeira implementados pelos países da região, que envolveram tanto a remoção das
barreiras aos fluxos de capitais, como o aumento da participação de instituições financeiras nos
sistemas financeiros domésticos.
A oferta e a demanda por esses fluxos financeiros foram estimuladas pelo diferencial entre os
juros externos e internos e pelo contexto de taxas nominais de câmbio estáveis (nos países com regimes
de câmbio administrado, como os bálticos) ou com tendência à apreciação (nos países com regimes
de flutuação suja, com políticas monetárias mais rígidas). Essa combinação de preços-chave estimulou
operações de arbitragem a partir da captação de recursos em moedas com baixas taxas de juros (prin-
cipalmente iene e franco suíço), bem como o endividamento imobiliário nessas moedas, criando um
expressivo descasamento de moedas nos balanços das famílias e reforçando a tendência de apreciação
cambial. Por exemplo, na Hungria e na Polônia, em 2007, 60% desse endividamento provinha de créditos
externos (IMF, 2008c; unctad, 2008). O aumento expressivo das emissões brutas de títulos e emprésti-
mos desde 2003 revela a dependência crescente da região em relação a essas modalidades de recursos
externos (ver Tabela 3 do Anexo).
Após a Europa central e do leste, a Ásia foi a região emergente que mais absorveu fluxos líquidos de
capitais entre 2003 e 2007. Todavia, nesse caso, predominaram os fluxos de investimento direto (direciona-
dos, em grande parte, para a China; ver Tabela 2 do Anexo). Ademais, no caso asiático, a expansão dos de-
mais tipos de fluxos de capitais transparece somente nos dados brutos (o valor negativo dos fluxos líquidos
reflete, em grande parte, as aplicações de residentes no exterior). Contudo, essas emissões concentraram-
se em três países da região (China, Índia e Coreia), sendo que a China destaca-se nas colocações de ações,
e a Coreia, no endividamento externo (ver Tabela 3 no Anexo). Assim, ao contrário da Europa central e do
leste, na Ásia o padrão regional da inserção financeira parece encobrir maior diversidade nacional, que
também é observada na trajetória das contas correntes dos países da região.
Chama a atenção o caso da Coreia do Sul, que optou por aprofundar sua abertura financeira após
a crise de 1997 e por permitir, como alguns países latino-americanos, a apreciação da sua moeda para
atenuar as pressões inflacionárias provenientes da alta dos preços das commodities. Essa apreciação,
somada à deterioração dos seus termos de troca (já que a Coreia é importadora líquida desses bens),

PANORAMA DAS ECONOMIAS EMERGENTES: O EFEITO-CONTÁGIO DA CRISE

88
resultou numa forte redução do superávit em transações correntes desse país — que se converteu em
déficit no primeiro semestre de 2008, destoando do perfil característico da região.
Nesse contexto, as empresas exportadoras buscaram proteger suas receitas em dólares me-
diante a realização de contratos de derivativos cambiais com os bancos, os quais contraíam emprés-
timos de curto prazo no mercado internacional para viabilizar esses contratos (ver Tabela 4 do Anexo
ao final desta nota). Esses empréstimos cumpriam duas funções: proviam os recursos necessários
para liquidar os contratos, que são “deliverable”, ou seja, envolvem a entrega física de dólares; e
possibilitavam a aplicação de recursos no mercado doméstico de renda fixa, resultando em ganhos
de arbitragem superiores aos prejuízos incorridos pelos bancos no período de valorização do won
(Kim e Yang, 2008).
Na América Latina, os dois países que foram responsáveis pela maior parte das emissões brutas
no período recente — México e Brasil (ver Tabela 2 do Anexo) — também optaram pelo aprofundamento
da abertura financeira após as respectivas crises cambiais dos anos 1990. Assim como na Coreia, além
da emissão de títulos no exterior, esses países absorveram um volume expressivo de aplicações dos
investidores não residentes nos respectivos mercados financeiros (de ações, renda fixa e derivativos),
que fomentaram o seu aprofundamento (aumento dos volumes negociados, dos agentes participantes
e da liquidez), mas, em contrapartida, tornaram sua dinâmica dependente das decisões de alocação de
portfólio desses investidores (ver Tabelas 3 e 4 do Anexo).
Se considerarmos a composição dos fluxos líquidos de capitais para essa região, o padrão regional
da América Latina aproximou-se mais do padrão asiático. Entre 2003 e 2007, os investimentos diretos
foram a modalidade principal de recursos externos, atraídos não somente pelo desempenho favorável
dos setores produtores de commodities, mas também pelo dinamismo dos mercados internos das prin-
cipais economias da região (Brasil, México e Argentina). Parte desses investimentos foi realizada pelas
instituições financeiras estrangeiras diante das perspectivas de ampliação do mercado de crédito ban-
cário nesse contexto.
Mesmo que esses investimentos sejam menos voláteis e guiados por perspectivas de mais longo
prazo que as demais modalidades de fluxos, eles ampliaram ainda mais o grau já elevado de internacio-
nalização das estruturas produtivas e dos sistemas financeiros dos países latino-americanos, reforçando
os vasos comunicantes entre o desempenho das matrizes (sediadas nos países avançados) e das filiais,
nas fases de expansão e de retração.
Os superávits em transações correntes somados aos fluxos líquidos de capitais permitiram à Ásia
e, em menor medida, à América Latina o acúmulo de expressivos volumes de reservas internacionais (ver
Tabela 2 do Anexo).
Assim, no limiar da eclosão da crise subprime, essas duas regiões tinham uma situação externa
favorável (principalmente no primeiro caso), bem como contas fiscais sólidas e inflação sob controle
(Cepal, 2008; IMF, 2008a), que as tornavam aparentemente imunes à crise. Essa suposta imunidade,
ao lado dos vínculos comerciais cada vez mais estreitos entre as duas regiões (com destaque para as
importações de commodities por parte da China e da Índia), levou vários analistas a defender a hipótese
do “descolamento” (decoupling), segundo a qual os países emergentes dessas regiões seriam capazes
de sustentar seu dinamismo econômico após a eclosão. Todavia, essa hipótese não foi confirmada pelos
acontecimentos, como se verá na próxima seção.

ECONOMIA INTERNACIONAL

89
O efeito-contágio da crise sobre as moedas emergentes e as respostas
de política
O efeito-contágio da crise sobre as regiões emergentes ocorreu por meio de vários canais de trans-
missão — que derivam das múltiplas relações de interdependência das economias emergentes e avança-
das —, envolvendo seja a conta corrente (queda dos preços das commodities e da demanda mundial, e
aumento das remessas de lucros pelas empresas e bancos), seja a conta financeira (menor ingresso de
investimento direto, saída dos investimentos de portfólio, interrupção das linhas de crédito comercial e
forte contração dos empréstimos bancários).
Os defensores da hipótese do descolamento desconsideraram não somente a existência desses
vários canais, mas também uma característica comum a todas as economias emergentes, que explica o
efeito-contágio praticamente generalizado da crise sobre suas respectivas taxas de câmbio, qual seja: a
pior qualidade de suas moedas relativamente às moedas dos países desenvolvidos, que as tornam mais
vulneráveis aos movimentos de fuga para a qualidade dos investidores globais.
Enquanto a inserção diferenciada das quatro principais regiões emergentes no boom do comércio
e das finanças internacionais no período 2003-2007, sintetizada na seção anterior, contribui para a com-
preensão desses canais e, assim, dos impactos heterogêneos da crise financeira sobre suas respectivas
moedas (e economias), essa característica elucida por que mesmo países com bons fundamentos macro-
econômicos (incluindo elevadas reservas internacionais) não ficaram imunes a esse efeito.
Como mostra o Gráfico 5, considerando os principais países dessas regiões, somente a moeda
chinesa não sofreu depreciação, seja desde a eclosão da crise (agosto de 2007), seja após o seu aprofun-
damento (meados de setembro de 2008). Porém, a intensidade dessa depreciação foi bastante diferente
e não guardou relação apenas com a magnitude do déficit na conta de transações correntes.

Gráfico 5. Variação das taxas de câmbio — Períodos selecionados

38

28

18

-2

-12
México

Malásia

Taiwan
Tailândia

Eslovênia
Argentina

Chile

China

Tcheca

Turquia
Brasil

Colômbia

Peru

Cingapura

Coréia

Índia

Indonésia

Bulgária
Filipinas

Hungria

Polônia

Romênia

Estônia

Letônia

Ucrânia

Rússia

América Latina Ásia Europa central e do leste Comunid.


dos
Estados
Independ.

15/09/08 a 20/10/08 01/08/2007 a 20/10/08

Fonte: Bloomberg. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Essa magnitude, somada à elevada dependência de financiamento externo, explica, em grande me-
dida, a desvalorização das moedas da Ucrânia e dos países da Europa central e do leste (que foi menos
intensa na República Checa e na Polônia, cujas posições externas eram menos vulneráveis). No caso desses

PANORAMA DAS ECONOMIAS EMERGENTES: O EFEITO-CONTÁGIO DA CRISE

90
países, a elevada presença dos bancos estrangeiros nos sistemas financeiros domésticos foi um canal adi-
cional de contágio, já que estes contraíram suas operações locais diante das perdas nos países de origem.
Na Coreia, a deterioração da conta de transações correntes não é suficiente para explicar a de-
preciação cambial recorde entre agosto de 2007 e o dia 20 de outubro de 2008 (cerca de 44%). Essa
depreciação está relacionada à estratégia de ampliação da abertura financeira que, num contexto de
apreciação cambial, resultou no ingresso de volumes expressivos de recursos de curto prazo (emprés-
timos bancários e investimentos de portfólio em ações; ver Tabelas 4 e 5 do Anexo) e de contratos de
derivativos cambiais, como mencionado na seção anterior. Com a eclosão da crise, esses investimentos
passaram a ser resgatados e os bancos não conseguiram rolar seus empréstimos no exterior, o que
implicou depreciação cambial e perdas para as empresas que estavam com posições vendidas nesses
contratos, adicionando pressões sobre a taxa de câmbio coreana, uma vez que essas perdas tinham que
ser cobertas com a entrega de dólares.
As moedas dos países latino-americanos, ao contrário da coreana, resistiram por mais tempo ao efeito-
contágio. No primeiro semestre de 2008, as moedas latino-americanas apreciaram-se em função, principal-
mente, da alta dos preços das commodities, que se sustentou até junho (Cepal, 2008). Mas, a partir de
agosto, teve início sua trajetória de depreciação — em função da queda dos preços das commodities e do
aumento da saída de capitais das bolsas de valores —, que se intensificou com a virtual interrupção das linhas
de crédito comercial e com o movimento generalizado de fuga para a qualidade (ou seja, para os títulos do
tesouro americano) após a falência do Lehman Brothers. Assim como na Coreia, a desmontagem das posições
das empresas exportadoras nos mercados de derivativos cambiais reforçou essa trajetória (IMF, 2008c).
Ademais, no caso da América Latina, outro canal de transmissão também entrou em ação. A dete-
rioração da conta de transações correntes, associada não somente à queda dos preços das commodities,
mas também ao aumento das remessas de lucros e dividendos pelas filiais dos setores automobilístico
e financeiro e ao recuo das quantidades exportadas (Cepal, 2008), contaminou adversamente as expec-
tativas dos agentes em relação, especialmente, às moedas dos países com maiores vínculos comerciais
com os Estados Unidos e com a Europa, como o México e o Chile.
Diante do efeito-contágio da crise, os governos de vários países emergentes adotaram um conjunto
de iniciativas para conter a depreciação de suas moedas, bem como os desdobramentos da crise sobre
os sistemas financeiros domésticos e o desempenho do nível de atividade. As iniciativas envolveram re-
duções das taxas de juros básicas, medidas preventivas de estabilização do sistema financeiro (caso das
garantias aos depósitos em moeda doméstica e estrangeira concedidas pelos governos de Cingapura,
Hong Kong e Malásia), planos de apoio aos bancos com elevado endividamento externo (Coreia), vendas
de dólares das reservas cambiais (México) e pactuação de acordos com o FMI (Hungria e Ucrânia). Vale
destacar que durante a negociação do seu acordo com o Fundo, a Hungria foi forçada a elevar sua taxa
de juros (ver Quadro 1 do Anexo).
Ademais, como resposta a esse efeito, no dia 29 de outubro o FMI anunciou a criação de uma nova
linha de liquidez de curto prazo (no valor de US$ 100 bilhões) para proporcionar rápidos desembolsos
de recursos para países com políticas econômicas saudáveis, mas enfrentando problemas temporários
de liquidez. No mesmo dia, o Federal Reserve concedeu uma linha de crédito de US$ 30 bilhões em ope-
rações de swaps (vigente até 30 de abril de 2009) para os bancos centrais da Coreia do Sul, Cingapura,
Brasil e México.

ECONOMIA INTERNACIONAL

91
Considerações finais: o impacto sobre a atividade econômica
Os dados disponíveis sobre o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) de uma amostra de pa-
íses emergentes mostram que o impacto da crise financeira sobre a atividade econômica desses países
nos dois primeiros trimestres do corrente ano foi heterogêneo (Gráfico 6).

Gráfico 6. Crescimento do PIB — contra o mesmo trimestre do ano anterior (%)


8,8
8,3
7,9
7,5
7,0 7,1
6,7
5,9 6,1 5,7 6,1
5,3
4,8
4,3
3,3 3,3
2,6 2,8
1,9 2,0
1,7

0,2
0,1

-1,1

Argentina Brasil Chile México Índia Coréia Tailândia Turquia Bulgaria Estonia Letônia Hungria

1ºTri 2008 2ºTri 2008

Fontes: FMI, OCDE, Bancos Centrais e Institutos Nacionais de Estatísticas. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Na América Latina, Brasil, Chile e México aceleraram suas taxas de crescimento na passagem do
primeiro para o segundo trimestre de 2008, num contexto de evolução favorável dos preços das com-
modities. No primeiro caso, a obtenção do grau de investimento no final de abril gerou uma “onda” de
otimismo e também contribuiu para manter os mercados financeiros e os demais setores da economia
relativamente imunes ao efeito-contágio.
Em contrapartida, na Ásia e na Europa central e do leste, alguns países desaceleraram seu ritmo de ex-
pansão, indicando que a transmissão da crise, seja pelas transações correntes seja pela conta financeira, já
estava em operação nos primeiros seis meses de 2008, antes da sua transformação num fenômeno sistêmi-
co. No caso da Coreia, além da piora dos termos de troca, as dificuldades de refinanciar o elevado passivo de
curto prazo resultaram em forte depreciação do won e, consequentemente, em perdas para as empresas que
tinham se protegido contra a apreciação dessa moeda, afetando adversamente as expectativas dos agentes
e a atividade econômica. Na Índia, os principais canais de transmissão foram a queda das exportações de
serviços de tecnologia de informação e a redução das transferências unilaterais. A Tailândia, por sua vez,
sentiu os reflexos da menor demanda por seus produtos pelos países desenvolvidos. No âmbito dos países
do centro e do leste europeu, foram exatamente as economias com maior vulnerabilidade externa (elevados
déficits em transações correntes e dívidas em moeda estrangeira) que apresentaram pior desempenho.
No segundo semestre, diante do aprofundamento da crise e do seu transbordamento para os mer-
cados de crédito dos países emergentes — seja diretamente (no caso dos sistemas mais dependentes de
funding externo ou com presença expressiva de bancos estrangeiros), seja indiretamente (pelas perdas das
empresas com derivativos cambiais e pelo aumento da preferência pela liquidez dos agentes diante do quadro
de elevada incerteza) —, a atividade econômica desses países registrava uma desaceleração mais intensa.
Todavia, não era este o cenário previsto pelo FMI no seu último World Economic Outlook, divulgado
no início de outubro de 2008. No relatório, o Fundo (assim como os defensores da hipótese do descola-

PANORAMA DAS ECONOMIAS EMERGENTES: O EFEITO-CONTÁGIO DA CRISE

92
mento) parece ter desconsiderado os múltiplos mecanismos de irradiação da crise para as economias
emergentes e, assim, ainda apostava na sua capacidade de sustentar um ritmo elevado de expansão,
que passaria de 8% em 2007 para 6,9% em 2008, puxado pelo desempenho da Ásia em desenvolvi-
mento e da Comunidade dos Estados Independentes (Gráfico 7), números otimistas diante dos últimos
acontecimentos.

Gráfico 7. Crescimento anual do PIB (%)

10
7,9 8,0
8 7,5 7,1 6,9
6,3
6
4,8
4 3,2 3,0
2,6 2,6
1,9
2 1,6 1,5

0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008*

Ásia em desenvolvimento Comunidade dos países independentes


Países emergentes e em desenvolvimento América latina
Europa Central e do Leste Novas economias industrializadas da Ásia
Países avançados

Fonte: IMF, 2008a. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Finalmente, vale mencionar que o próprio FMI reconheceu que havia subestimado os impactos da
crise sobre o mundo emergente ao divulgar, no dia 6 de novembro de 2008, uma atualização das suas pro-
jeções para 2009, na qual reduziu as estimativas de crescimento mundial (de 3,0% para 2,2%), dos países
avançados (de 0,5% para uma variação negativa de 0,3%) e dos emergentes (de 6,1% para 5,1%).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Comisión Económica para América Latina y el Caribe — Cepal. Panorama de la inserción interna-
cional de la América Latina y el Caribe 2007, tendencias 2008. Santiago de Chile, 2008. Disponível
em: <http://eclac.org >

INTO the storm. The Economist, 23 oct. 2008. Disponível em: <http://www.economist.com/printedition/>

KIM, S.; YANG, D. Y. Managing capital flows: the case of the republic of Korea. Tokyo: Asian Development
Bank Institute, [s.d.]. (ADB Discussion Paper, n.88)

IMF. International Monetary Fund. World Economic Outlook, out. 2008a. Disponível em: < http://www.imf.org>

____. Regional Economic Outlook — Western Hemisphere, out. 2008b.

____. Regional Economic Outlook — Europe, out. 2008c.

____. Global Financial Stability, 2008d.

UNITED NATIONS CONFERENCE ON Trade and development — unctad. Trade and development re-
port: commodity prices, capital flows and the financing of investment. New York, 2008. Disponível em:
< http://www.unctad.org > .

ECONOMIA INTERNACIONAL

93
Anexo estatístico
Tabela 1. Saldo de transações correntes
Comunidade
América Latina Ásia Europa central e do leste dos Estados
  Independentes
 
Coreia
Argentina Brasil Chile México China Índia Turquia Estônia Hungria Letônia Rússia Ucrânia
do Sul
2002 8.767 -7.637 -580 66.052 35.422 5.394 7.060 -626 -779 -4.693 -625 29.116 3.174
2003 8.140 4.177 -779 78.083 45.875 11.950 8.773 -7.515 -1.115 -6.721 -921 35.410 2.891
2004 3.213 11.738 2.074 94.979 68.659 28.174 780 -14.431 -1.413 -8.561 -1.762 59.514 6.909
2005 5.102 13.984 1.449 109.369 160.818 14.981 -7.835 -22.137 -1.382 -7.463 -1.992 84.444 2.531
2006 7.691 13.620 6.838 127.929 253.268 5.385 -9.415 -31.893 -2.759 -6.824 -4.522 94.367 -1.617
2007 7.210 1.460 7.200 151.130 371.833 5.954 n.a. -37.575 -3771,8 -6.777 -6.232 78.310 -5.272

FonteS: FMI, CD IFS / Economic Concept View, Balance of Payments. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Tabela 2. Fluxos líquidos de capitais privados e variação de reservas — Economias emergentes (US$ bilhões)
  2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008* 2009**
Economias Emergentes (Total)
1
77,1 162,5 236,5 248,7 223,1 633,0 528,9 286,8
Investimento direto 156,6 166,2 189,0 261,8 246,0 379,0 443,6 414,6
Fluxos financeiros -79,5 -3,8 47,4 -13,1 -22,9 254,0 85,2 -127,8
Investimento de portfólio -91,9 -13,0 12,7 -20,4 -107,3 54,5 -6,6 -89,1
Outros fluxos de capitais2 12,4 9,2 34,8 7,3 84,4 199,5 91,8 -38,7
Fluxos Oficiais - líquido -1,0 -50,6 -71,1 -109,9 -158,0 -140,7 -158,6 -135,4
Variações nas reservas3 -195,1 -364,0 -508,4 -595,8 -754,3 -1.256,1 -1.270,1 -920,2
Ásia4                
Investimento direto 53,3 70,4 64,5 104,3 96,5 160,4 224,5 181,2
Fluxos financeiros -30,2 -6,2 83,2 -13,3 -48,2 2,6 67,1 -159,1
Investimento de portfólio -60,0 7,9 13,4 -9,3 -110,7 14,8 -24,8 -108,4
Outros fluxos de capitais2 29,9 -14,1 69,9 -4,0 62,5 -12,2 91,9 -50,7
Variações nas reservas3 -154,8 -236,7 -338,7 -288,3 -373,3 -662,8 -752,4 -546,2
América Latina                
Investimento direto 50,2 38,2 49,0 52,3 27,3 79,5 73,7 70,8
Fluxos financeiros -45,1 -19,2 -33,8 -14,2 -17,9 18,0 19,5 10,0
Investimento de portfólio -15,3 -11,0 -18,7 5,1 -13,4 32,6 23,1 18,6
Outros fluxos de capitais2 -29,8 -8,3 -15,1 -19,3 -4,4 -14,6 -3,6 -8,6
Variações nas reservas3 1,5 -33,6 -22,1 -33,8 -49,5 -130,8 -74,0 -20,3
Europa Central e do Leste                
Investimento direto 24,5 17,1 36,1 51,7 64,3 74,8 77,3 81,8
Fluxos financeiros 29,3 36,5 38,2 67,4 55,6 99,0 102,6 100,0
Investimento de portfólio 2,1 8,0 28,4 21,5 9,9 -7,7 10,4 15,5
Outros fluxos de capitais2 27,2 28,5 9,8 45,9 45,6 106,7 92,2 84,5
Variações nas reservas3 -18,1 -12,8 -14,7 -45,9 -22,8 -41,6 -22,9 -21,3

Fonte: imf, 2008a.


Notas: (*) Previsto (**) Estimado (1) Inclui Israel e as Novas Economias Industrializadas da Ásia. (2) Refere-se às
diversas modalidades de empréstimos bancários. (3) Sinal negativo indica um acréscimo. (4) Inclui as Novas Econo-
mias Industrializadas da Ásia. Exclui os efeitos da recapitalização de dois grandes bancos comerciais chineses com
reservas estrangeiras (US$45 bilhões).

PANORAMA DAS ECONOMIAS EMERGENTES: O EFEITO-CONTÁGIO DA CRISE

94
Tabela 3. Emissões brutas das economias emergentes (US$ bilhões)
  2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008*
Ásia 76,5 100,2 152,4 195,3 243,1 315,3 110,5
% Total 48,4 46,6 46,8 42,3 42,5 42,5 41,2
Títulos 17,2 26,7 44,6 44,5 41,7 47,3 20,2
% Total 29,5 29,9 34,7 24,8 25,6 25,7 26,0
Ações 12,9 23,0 36,8 68,8 101,0 118,0 26,1
% Total 75,3 81,9 75,0 74,0 64,2 51,5 52,0
Empréstimos 16,4 50,6 71,0 82,0 100,4 150,0 64,1
% Total 19,9 51,8 47,9 43,2 39,8 45,8 45,7
China, Índia e Coreia 29,5 38,2 70,0 112,9 137,9 209,4 69,0
% Total 38,5 38,1 45,9 57,8 56,7 66,4 62,5
América Latina 31,9 46,9 56,5 86,2 76,3 133,0 39,5
% Total 20,2 21,8 17,4 18,6 13,3 17,9 14,7
Títulos 18,8 32,8 33,7 61,0 30,7 38,7 14,4
% Total 32,3 36,7 26,3 34,0 18,8 21,0 18,5
Ações 2,2 1,2 2,2 6,0 18,8 47,7 11,5
% Total 12,9 4,3 4,5 6,5 11,9 20,8 22,9
Empréstimos 10,8 13,0 20,6 19,2 26,8 46,5 13,6
% Total 13,1 13,3 13,9 10,1 10,6 14,2 9,7
Brasil e México 19,8 29,9 36,6 42,2 51,1 91,8 24,1
% Total 62,1 63,7 64,7 49,0 67,0 69,1 60,9
Europa 29,6 45,1 70,2 104,3 133,6 164,8 77,7
% Total 18,8 21,0 21,6 22,6 23,3 22,2 29,0
Títulos 14,9 22,8 33,0 52,3 50,6 59,8 33,5
% Total 25,5 25,5 25,7 29,1 31,0 32,4 43,2
Ações 1,7 2,5 5,6 11,3 24,2 41,7 7,2
% Total 9,6 8,9 11,3 12,1 15,4 18,2 14,4
Empréstimos 13,1 19,8 31,6 40,8 58,7 63,4 37,0
% Total 15,9 20,3 21,3 21,5 23,3 19,3 26,4
Rússia e Turquia 14,4 20,7 36,6 56,0 92,3 119,2 45,2
% Total 48,4 45,83 52,17 53,67 69,11 72,34 58,16

Fonte: IMF, 2008d, Tabelas 14, 15 e 16 — Anexo estatístico. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Nota: (*) Primeiro semestre

Tabela 4. Outros fluxos de capitais (US$ bilhões)


Comunidade
  América Latina Ásia Europa central e do leste dos Estados
Independentes
Coreia
  Argentina Brasil Chile México China Índia Turquia Hungria Estônia Letônia Rússia Ucrânia
do Sul
2002 -9.920 -9.331 728 -3.164 -1.029 5.263 2.164 -3.676 399 668 -517 1.877 734
2003 -4.580 -5.724 1.543 -4.114 12.040 2.434 1.742 24.547 501 533 6.000 1.945 715
2004 -2.635 -4.404 -829 -3.939 35.928 4.282 6.701 19.331 744 2.352 3.199 5.131 4.196
2005 -3.661 785 2.028 -1.124 44.921 9.473 10.876 45.846 372 2.176 6.769 7.731 5.749
2006 -2.020 23.491 4.206 -4.652 45.118 56.330 20.488 30.340 1.955 4.033 6.491 9.598 10.189
2007 -766 31.923 6.817 8.880 81.806 59.836 n.a. 136.798 1645,4 7.317 13.405 20.301 22.994

Fonte: FMI, CD IFS / Economic Concept View, Balance of Payments. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

ECONOMIA INTERNACIONAL

95
Tabela 5. Investimentos de portfólio (US$ bilhões)
Comunidade
  América Latina Ásia Europa central e do leste dos Estados
Independentes
Coreia
  Argentina Brasil Chile México China Índia Turquia Hungria Estônia Letônia Rússia Ucrânia
do Sul
2002 -5.117 -4.797 999 -1.003 1.752 5.378 1.022 -694 1.503 3.756 1.461 1.844 693
2003 -7.663 5.129 2.054 3.558 8.444 22.690 8.216 851 3.851 -2.329 -36 2.902 1.424
2004 -9.339 -3.996 1.122 5.238 13.203 18.375 9.037 1.856 9.411 4.406 58 7.353 1.715
2005 -1.731 6.655 1.394 8.366 21.224 14.114 12.144 7.070 14.670 -828 497 5.784 7.808
2006 7.931 9.051 776 1.296 42.861 8.056 9.549 5.714 11.402 9.124 703 8.751 5.604
2007 7.207 48.104 -373 14.773 20.996 29.974 n.a. 3.043 2.780 12.729 -162 516 9.891

Fonte: FMI, CD IFS / Economic Concept View, Balance of Payments. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap

Quadro 1. Principais iniciativas de política econômica dos países emergentes (exclusive o Brasil)
REGIÃO PAÍS INICIATIVA
O governo anunciou no dia 22 de outubro de 2008 a decisão de estatizar os 10 fundos de pre-
Argentina
vidência privada
AMÉRICA LATINA No dia 21 de outubro, o governo decidiu fornecer US$ 3,92 bilhões em garantias para o refi-
México
nanciamento de dívidas vincendas em 2008 pelas empresas.
Chile O Banco Central manteve sua taxa de juros básica em 8,25% ao ano, em 6 de novembro.
O governo anunciou, no dia 19 de outubro de 2008, um pacote de US$ 130 bilhões de ajuda
aos bancos domésticos: US$ 100 bilhões para servir como garantia, num período de três
anos, aos empréstimos externos contraídos entre os dias 19/10/2008 e 30/6/2009; os
restantes US$ 30 bilhõe, destinados aos bancos mais afetados pela contração do crédito
Coreia em moeda estrangeira.
O Banco Central reduziu no dia 27 de outubro de 2008 em 0,75 p.p. sua taxa de juros básica
numa reunião extraordinária.
O Banco Central propôs um acordo bilateral de swaps com o Banco Central da China em 4
de novembro.
O Banco Central da China anunciou em 29 de outubro de 2008 um corte de 0,27 pontos per-
China centuais da taxa de juros básica (de 6,93% para 6,66%) e da taxa de depósito (de 3,87% para
3,60%). Este é o terceiro corte dos juros nas últimas seis semanas.
Em 16 de outubro, o governo ofereceu garantia aos depósitos em moeda doméstica e estran-
Cingapura
geira até o ano de 2010.
No dia 14 de outubro, o governo ofereceu garantia aos depósitos em moeda doméstica e es-
trangeira até o ano de 2010.
A autoridade monetária anunciou no dia 30 de outubro de 2008 um corte da taxa de juros em
Hong Kong
0,5 pontos percentuais (de 2,0% para 1,5%), seguindo o corte de juros anunciado em 29 de
outubro pelo FED. Esta foi a segunda redução dos juros em outubro, a outra havia ocorrido em
ÁSIA
9 de outubro, quando os juros foram de 2,5% para 2,0% ao ano.
O Banco Central promoveu no dia 20 de outubro de 2008 um corte de 100 pontos básicos na
sua taxa de redesconto.
Índia O Banco Central reduziu, em 1 de novembro de 2008, sua taxa principal de juros para emprés-
timos em 0,5 ponto percentual (de 8,0% para 7,5% ao ano), a segunda vez em duas semanas.
O governo também anunciou a recompra de títulos a fim aumentar a liquidez da economia.
O governo e o Banco Central anunciaram, em 29 de outubro, um pacote de emergência a fim de
proteger a estabilidade do sistema financeiro e a economia nacional, em resposta à pressão cres-
cente contra a moeda nacional e a bolsa de valores. O pacote inclui a compra de títulos do gover-
Indonésia no, a repatriação dos ganhos em moeda estrangeira das empresas estatais, além da realização
de swaps cambiais com os bancos centrais da China, Japão e Coreia do Sul, se necessário.
O Banco Central da Indonésia manteve, em 6 de novembro, sua taxa de juros básica em 9,5%
ao ano.
No dia 16 de outubro, o governo ofereceu garantia aos depósitos em moeda doméstica e es-
Malásia
trangeira até o ano de 2010.
O Banco Central reduziu, em 30 de outubro, a taxa básica de juros (de 3,25% para 3% ao
ano), a taxa de acomodações com colaterais (de 3,625% para 3,375% ao ano) e a taxa de aco-
Taiwan
modações sem colaterais (de 5,5% para 5,25% ao ano) em 0,25 ponto percentual. A medida
representa o terceiro corte nos juros realizado em menos de dois meses.

PANORAMA DAS ECONOMIAS EMERGENTES: O EFEITO-CONTÁGIO DA CRISE

96
REGIÃO PAÍS INICIATIVA
O parlamento da Rússia aprovou, em 23 de outubro, duas medidas para atenuar a turbulência
nos mercados financeiros domésticos: (1) 175 bilhões de rublos do orçamento para apoiar ins-
Rússia
tituições financeiras em dificuldades; e (2) um aporte adicional de 200 bilhões de rublos para
COMUNIDADE
a agência de seguro de depósitos.
DOS ESTADOS
O conselho executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) aprovou, em 6 de novembro, um
INDEPENDENTES
pacote de US$ 16,4 bilhões disponíveis por 24 meses. O país teve acesso imediato a cerca de
Ucrânia
US$ 4,5 bilhões. O plano inclui mudanças nas políticas monetária e cambial, recapitalização
dos bancos e ajustes fiscais.
O Banco Central anunciou, em 28 de outubro, um corte da sua taxa de juros em 0,5 ponto
Eslováquia
percentual (4,25% para 3,75% ao ano).
O Banco Central elevou, no dia 22 de outubro, em 3 p.p. sua taxa de juros básica.
Em 28 de outubro, o FMI, a União Européia e o Banco Mundial aprovaram um pacote de € 20
bilhões (US$ 25 bilhões) para a Hungria. O FMI concedeu € 12,5 bilhões (US$ 15,7 bilhões) sob
a forma de empréstimo a 17 meses. A UE participou do pacote com € 6,5 bilhões (8,1 bilhões)
Hungria e o Banco Mundial com € 1,0 bilhão (US$ 1,3 bilhão).
EUROPA O governo da Hungria propôs, em 6 de novembro de 2008, um pacote de US$ 3,0 bilhões de
CENTRAL E DO ajuda ao sistema bancário, que foi atingido pela crise financeira internacional. Este plano fez
LESTE parte do pacote do FMI, Banco Mundial e União Européia de US$ 25,8 bilhões, aprovado no
dia 28/10/2008.
República O Banco Central reduziu, em 6 de novembro, sua taxa de juros básica em 0,75 pontos percen-
Tcheca tuais (de 3,5% para 2,75%).
Em 6 de novembro, o Banco Central aumentou a taxa de juros básica em 2,0 pontos percentu-
ais (de 15,75% para 17,75% ao ano), a fim de conter a inflação e fortalecer a moeda nacional.
Sérvia
Foi anunciado, em 6 de novembro, que o governo assinará um acordo precaucional com o
Fundo Monetário Internacional para restaurar a confiança no país.
Arábia O governo anunciou, em 26 de outubro, a injeção de 10 bilhões de riyals (US$ 2,67 bilhões) no
ORIENTE MÉDIO
Saudita Saudi Credit Bank para prover concessão de empréstimos sem juros a cidadãos de baixa renda.
Fontes: BBC News, Bloomberg e Agências Reuters. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

ECONOMIA INTERNACIONAL

97
REGIME DE METAS
DE INFLAÇÃO EM
PERSPECTIVA COMPARADA

Maria Cristina Penido de Freitas

D
esde a última década do século passado, o regime de metas de inflação tornou-se a principal
estratégia dos bancos centrais na condução da política monetária. O regime apoia-se no anún-
cio prévio de uma meta numérica para a inflação em prazo predeterminado e no compromisso
explícito do banco central com o cumprimento da meta fixada. O regime de metas de inflação comporta,
porém, diversos formatos institucionais, com distintos graus de flexibilidade para a ação dos bancos
centrais ante as flutuações do crescimento econômico.
O objetivo dessa nota técnica é examinar o regime de metas de inflação em perspectiva compa-
rada . Com esse propósito, após uma breve apresentação dos fundamentos teóricos, são descritas e
1

cotejadas algumas experiências internacionais de economias avançadas e periféricas no que se refere à


configuração institucional do regime de metas de inflação. Na terceira seção, o foco recai na análise da
experiência brasileira. Na seção final, a guisa de conclusão, são tecidas algumas considerações sobre os
desafios colocados para os bancos centrais que adotam a estratégia de metas de inflação em um contex-
to de inflação ascendente, com fortes pressões nos preços dos alimentos e combustíveis.

Fundamentos Teóricos do Regime de Metas de Inflação


Na condução da política monetária, os bancos centrais podem, em termos teóricos, basear-se em
discrição ou em regras. No primeiro caso, os bancos centrais utilizam livremente seus instrumentos le-
vando em consideração a conjuntura econômica e os objetivos de política macroeconômica. No segundo
caso, a utilização dos instrumentos está subordinada a uma regra explícita a ser perseguida, sem levar

1 Esta nota foi elaborada com informações disponíveis em 10 de março de 2008.

REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO EM PERSPECTIVA COMPARADA

98
em consideração o ciclo de negócios. A opção pela definição de regras fundamenta-se na crença de que
o sistema econômico é autorregulado, é basicamente estável e tende para o equilíbrio.
A defesa de adoção de regras para a condução da política monetária apoia-se na concepção teóri-
ca da neutralidade da moeda — que não afetaria, de forma permanente, variáveis reais como a produção
e o emprego. Para a escola monetarista, a adoção das regras também se justifica pelo fato de que é
imperfeito o conhecimento teórico e empírico sobre o funcionamento da economia. Milton Friedman, o
maior expoente dessa corrente teórica, defendia a adoção de regras para a expansão da oferta monetária
(agregados monetários), também conhecido como regime de metas monetárias.
O regime monetário de metas de inflação apoia-se nos desenvolvimentos teóricos da Escola Novo-
clássica, que surgiu na década de 1970 como uma vertente crítica do monetarismo. A teoria novo-clássi-
ca funda-se em quarto pilares: (1) equilíbrio contínuo de mercado, com salários e preços reais flexíveis,
(2) neutralidade da moeda, (3) hipótese de expectativas racionais e (4) existência de viés inflacionário
na política econômica que gera inconsistência temporal. O primeiro pilar indica que a economia estará
sempre em seu nível ótimo de equilíbrio, no qual a oferta e a demanda se igualam, como resultado dos
procedimentos de otimização individual dos agentes (trabalhadores, firmas, consumidores). Em caso de
choques exógenos, a economia se autoajusta, sem a necessidade de intervenção de políticas. O segundo
pilar afirma que a variação na quantidade de moeda não produz nenhum efeito permanente sobre o nível
de produção e de emprego, nem no curto nem no longo prazo. A elevação na quantidade de moeda ofer-
tada só resultaria em aumento do nível de preços. De acordo com o terceiro pilar, os agentes econômicos
racionais maximizam as informações disponíveis para formar suas expectativas sobre o comportamento
futuro das variáveis relevantes, agindo como se tivessem conhecimento de como a economia funciona
e não cometendo erros sistemáticos. O desemprego é sempre voluntário e, na ausência de políticas-
surpresa, estará no seu nível natural. O quarto pilar preconiza a existência de um viés inflacionário na
política macroeconômica associado à existência de ciclos políticos eleitorais. Para atingir resultados de
curto prazo que viabilizem sua permanência no poder, em sociedades democráticas, os políticos adotam
medidas inconsistentes, como a ampliação da oferta de moeda e/ou a redução da taxa de juros para
reduzir o desemprego.
Com a hipótese de expectativas racionais, a Escola Novo-clássica diferencia-se da teoria monetaris-
ta, que admite a não neutralidade da moeda no curto prazo, fruto da ilusão monetária dos trabalhadores
que, por não perceberam que a política monetária expansionista reduz o salário real, aceitam trabalhar
em troca de salário nominal mais alto. O agente com expectativa racional não está sujeito à ilusão mo-
netária, porque sabe, tal como sugere a Teoria Quantitativa da Moeda, que a maior oferta monetária pro-
vocará inflação. Assim, para ter sucesso em suas políticas, o governo teria que surpreender os agentes,
com adoção de medidas inesperadas ou não antecipadas. Esse sucesso, no entanto, é passageiro pois,
tão logo percebem o erro, os agentes ajustam suas expectativas e a economia real retorna ao equilíbrio,
porém com um nível de preços mais alto. De acordo com o modelo teórico da Escola Novo-clássica, tudo
o que o governo consegue na prática, com adoção de política-surpresa, é confundir os agentes e provocar
distorções no curto prazo, em função dos erros de previsão.
Por essa razão, a Escola Novo-clássica defende a tese de que o governo não deve utilizar a
política monetária de forma discricionária, mas, sim, uma política baseada em regras claras e prees-
tabelecidas, com vistas à manutenção da estabilidade dos preços. De modo a evitar um ambiente de

ECONOMIA INTERNACIONAL

99
incertezas e desconfianças em relação ao comportamento do governo e à credibilidade da política mo-
netária, o banco central deveria ser independente vis-à-vis o Poder Executivo, para formular e executar
a política monetária.
Em desenvolvimentos teóricos posteriores, as regras claras e conhecidas assumiram a forma de
uma meta de crescimento máximo da inflação (inflation target), à qual todas as demais variáveis ma-
croeconômicas estariam subordinadas. A adoção do mecanismo de meta de inflação reforçaria a inde-
pendência operacional do banco central. Ao mesmo tempo em que o compromisso do banco central
independente com uma meta explícita de inflação máxima serviria de âncora para as expectativas dos
agentes racionais.
A adesão de economistas novo-keynesianos à hipótese de expectativas racionais levou, na década
de 1990, ao surgimento do chamado “novo consenso”. Tornou-se amplamente aceito, entre os econo-
mistas, que a moeda tem impacto no curto prazo sobre a produção e o emprego, mantendo porém sua
neutralidade no longo prazo. De acordo com esse “novo consenso”, dada a existência de um viés inflacio-
nário inerente à prática governamental, que se traduz em política temporalmente inconsistente, o regime
de meta de inflação afirma-se como a melhor prática de política monetária.
Os elementos fundamentais do regime monetário de metas de inflação seriam: o anúncio prévio
de uma meta numérica para a inflação em prazo determinado, que serviria de âncora nominal para a
coordenação de expectativas; o compromisso institucional com a estabilidade dos preços; a transparên-
cia na condução da política monetária, que permitiria o monitoramento e a avaliação de desempenho do
banco central; a atribuição de liberdade ao banco central para utilizar instrumentos com vistas à execu-
ção das metas.
O anúncio público das metas de inflação e a transparência na condução da política monetária
confeririam, como mencionado, ainda maior credibilidade ao banco central independente. Além de asse-
gurar maior comprometimento com a manutenção da estabilidade, o regime de metas teria a vantagem
de reduzir o viés inflacionário associado à política econômica (inconsistência temporal ou dinâmica), pois
todos os demais objetivos macroeconômicos passam a subordinar-se ao objetivo da política monetária,
que é a estabilidade de preços.
Identificado pelo novo consenso como a melhor prática de política monetária, o regime de metas
de inflação comporta diferentes configurações institucionais, com distintos graus de flexibilidade para a
ação dos bancos centrais ante as flutuações do crescimento econômico, como será visto a seguir.

Formatos de Regime de Meta de Inflação


Um número crescente de países — centrais e periféricos — vem adotando o regime de metas de
inflação desde o início da década de 1990. A adesão ao regime de metas significa o anúncio prévio de
uma meta numérica para a inflação em um horizonte temporal predeterminado (em geral, médio prazo)
e compromisso explícito do banco central com o cumprimento da meta fixada. Por essa razão, a adoção
do regime de metas de inflação traduziu-se na introdução de leis que atribuíram aos bancos centrais
responsabilidade exclusiva pela formulação da política monetária com objetivo primordial de garantir a
estabilidade dos preços. Em vários casos, a lei orgânica do banco central foi, igualmente, alterada para
conceder independência ou autonomia em relação ao executivo.

REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO EM PERSPECTIVA COMPARADA

100
Dentre os países industrializados, adotaram o regime de metas, na primeira metade da década
de 1990, Nova Zelândia, Canadá, Reino Unido, Austrália, Suécia (ver Quadro 1, no Anexo). Na Suíça, o
banco central aderiu ao regime de metas de inflação em janeiro de 2000 e, em outubro de 2003, teve
sua lei orgânica modificada, com a instituição da estabilidade dos preços como seu objetivo primordial
e de sua independência vis-à-vis o Executivo e o Legislativo para cumprir esse mandato. A Espanha e a
Finlândia aderiram igualmente a esse regime até o momento da integração monetária na União Europeia
em 1998, quando transferiram ao Banco Central Europeu (BCE) a responsabilidade pela formulação da
política monetária.
Cabe ressaltar que o BCE não adota regime de metas de inflação, embora possua independência
legal em relação ao Executivo para formular e executar a política monetária com o objetivo de assegurar
a estabilidade dos preços. Outra importante exceção é o banco central americano; o Federal Reserve
(Fed) também possui independência legal em relação ao Executivo para formular e executar a política
monetária, mas com mandato dual. Além do objetivo de assegurar a estabilidade dos preços, o Fed deve
buscar o pleno emprego.
Dentre os países periféricos, Chile e Israel foram os primeiros a adotar o regime de metas de infla-
ção, respectivamente em 1991 e 1992. Em relação ao Chile, cabe ressaltar que o banco central tornou-
se legalmente independente do Executivo em 1990, antes mesmo da introdução formal do regime de
metas. Logo depois, foram seguidos por inúmeros outros países: África do Sul, Brasil, Colômbia, Coreia,
Hungria, Indonésia, México, Peru, Polônia, República Checa, Tailândia e Turquia, para mencionar apenas
aqueles que são considerados mercados emergentes.
Em vários países, sobretudo naqueles em desenvolvimento, mas também em países industrializa-
dos (casos do Reino Unido e Suécia), essa estratégia de política monetária foi adotada na sequência de
ataques especulativos contra suas moedas, o que os obrigou a adotar o regime de câmbio flutuante.
A análise das experiências dos dezenove países avançados e em desenvolvimento, acima mencio-
nados, mostra que o regime de metas de inflação comporta configurações variadas (Quadro 1 do Anexo).
Há diferenças entre os países no que se refere à instância responsável pela definição da meta, ao índice
de preço de referência horizonte temporal para o alvo ser alcançado e ao grau de rigidez ou flexibilidade
da estrutura institucional.
Na maioria dos países analisados, o regime de metas de inflação foi introduzido com alteração no
marco legal, o que confere caráter relativamente permanente ao arcabouço institucional dessa estratégia
de política monetária. Há, contudo, duas importantes exceções, a Nova Zelândia e o Canadá. Nesses paí-
ses, o regime de meta faz parte de um compromisso formal renovável entre o Executivo e o presidente do
banco central, o que permite a repactuação dos seus parâmetros, como o índice de referência, o formato
da meta, o horizonte temporal etc.
Na Nova Zelândia, esse compromisso formal assume a forma de um contrato público, denominado
Policy Targets Agreement (PTA, na sigla em inglês). O contrato em vigor foi assinado em 24 de maio de
2007, em substituição ao contrato assinado em 17 de setembro de 2002. Ressalte-se que, no PTA de
2002, o piso da meta de inflação foi elevado de 0% para 1%. No caso do Canadá, o atual acordo negocia-
do em dezembro de 2006 tem validade por cinco anos (até 2011).
Em alguns países, a meta para a inflação é fixada pelo governo (Reino Unido e Turquia). Em outros,
pelo governo em conjunto com o banco central (Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Colômbia) ou com

ECONOMIA INTERNACIONAL

101
consulta ao banco central (Coreia, Indonésia, Israel e Tailândia). Há ainda países nos quais a responsa-
bilidade pela fixação da meta cabe ao banco central (Hungria, Polônia, República Checa, Suécia e Suíça),
que, em alguns casos, consulta o governo (Chile e Peru).
No que se refere ao índice de preço de referência, em todos os países o escolhido foi o índice de
preços ao consumidor. A única exceção foi o Reino Unido que, até 2003, adotou o índice de preços do
varejo (RPI, na sigla em inglês), expurgado dos juros das hipotecas residenciais. Desde então, o índice
de preço de referência é o IPC cheio. Atualmente, países como Chile, Colômbia, Israel, México, Nova
Zelândia, Peru, Polônia e Suécia fixam meta para o índice de preços ao consumidor cheio. Outros, como
Austrália, Canadá, Coreia, Hungria, República Checa e Tailândia, adotam meta para a chamada core infla-
tion, excluindo do índice os preços mais voláteis, como alimentos, combustíveis, impostos indiretos e/ou
preços administrados. África do Sul exclui do índice de preço o custo das hipotecas residenciais. Alguns
países em desenvolvimento, em particular os latino-americanos que possuem histórico de inflação mais
elevada do que os países desenvolvidos, evitam adotar meta para o core inflation para não comprometer
a credibilidade do regime de metas de inflação.
O formato da meta também varia consideravelmente entre os países. Alguns adotam piso e teto,
como são os casos de Austrália, Canadá, Colômbia, Israel, Tailândia e Nova Zelândia. Outros adotam in-
tervalo de tolerância, cuja extensão pode variar de +/–0,5% (Coreia) a +/–2%% (Turquia), enquanto no
Reino Unido a meta é pontual. No México, nos documentos oficiais, o banco central declara perseguir
como meta permanente 3% do INPC, mas admite, em função da volatilidade da inflação no curto prazo,
um intervalo de flutuação de +/–1%, o qual, entretanto, não é considerado intervalo de tolerância nem
de incerteza.
O horizonte temporal para alcançar a meta de inflação definida é um dos principais parâmetros
do regime de meta, pois a extensão desse horizonte condiciona a ação da autoridade monetária. Quanto
mais curto o horizonte temporal, menor a flexibilidade do regime de metas de inflação para a acomoda-
ção das flutuações do produto em decorrência de choques. Dentre as experiências analisadas, chama
a atenção o fato de que em apenas dois países, Israel e Indonésia, o horizonte temporal é de um ano,
como no Brasil. Nos demais, atualmente, o horizonte temporal varia de médio prazo — Austrália, Canadá,
Colômbia, Hungria, Nova Zelândia, Peru e Suécia —, a prazo indefinido (África do Sul, Chile, México, Reino
Unido, Polônia e Tailândia).
Outro aspecto se destaca no cotejo das opções institucionais do regime de metas de inflação nos
países em exame: a existência de cláusula de escape para a autoridade monetária em caso de descum-
primento da meta. Embora a divulgação de informação e a prestação de conta das ações e resultados
obtidos pelo banco central seja uma característica comum aos diversos formatos do regime de metas, há,
em alguns países, a indicação explícita de circunstâncias e eventos que justificam o descumprimento da
meta ou, mesmo, a sua revisão. Esses são os casos de África do Sul, Canadá, Indonésia, Nova Zelândia,
Suíça e República Checa. Nos países onde não há cláusula de escape, os bancos centrais devem apre-
sentar, formalmente, explicações ao governo e anunciar as medidas que serão adotadas para trazer a
inflação para o nível definido pela meta.
Tendo como referência essas distintas experiências nacionais, analisa-se a seguir a configuração
institucional do regime de metas no Brasil.

REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO EM PERSPECTIVA COMPARADA

102
Regime de Metas no Brasil
No Brasil, a base legal para introdução do regime de metas de inflação foi dada pelo Decreto n.
3.088 de 21 de junho de 1999 e pela Resolução n. 2.614 de 30 de junho de 1999 do Conselho Monetá-
rio Nacional (CMN). O Decreto atribuiu ao Banco Central do Brasil (BCB) a responsabilidade pela política
monetária, enquanto a Resolução do CMN — do qual participa o presidente do BCB — definiu as metas
para o crescimento máximo para a inflação e estabeleceu o Índice de Preço ao Consumidor Ampliado
(IPCA) cheio como o indicador do comportamento da inflação. Na composição desse índice, os preços
administrados, fixados pelo governo ou por contratos indexados, respondem por cerca de 30%.
De acordo com o Decreto n. 3.088, a atuação do Banco Central ocorre fundamentalmente com a
determinação da meta para a taxa básica de juros da economia (taxa Selic), cuja magnitude é decidida
pelo Comitê de Política Monetária (Copom). O Decreto estabelece, igualmente, a obrigatoriedade de divul-
gação, pelo BCB, de relatórios trimestrais de inflação, com informações macroeconômicas e justificativas
para as medidas adotadas, além das atas de decisões do Comitê de Política Monetária, relativas à fixa-
ção da taxa de juros básica e seu viés (alta, baixa, neutro). Em caso de não cumprir a meta, o BCB deve
informar as razões em carta pública ao Ministro da Fazenda e definir as medidas de correção para que a
inflação retorne ao patamar esperado.
Por meio da Resolução n. 2614, o CMN fixou as metas de inflação para os anos calendários de 1999,
2000 e 2001 em, respectivamente, 8% a.a., 6% a.a. e 4% a.a. Igualmente, definiu um intervalo de tolerância
para a variação da inflação de 2 pontos percentuais abaixo ou acima da meta. O Decreto n. 3.088 havia
estabelecido que o anúncio das metas fosse efetuado com dois anos de antecedência, sem que houvesse
alteração nas metas depois de sua fixação. Todavia, em junho de 2002, o CMN redefiniu a meta para 2003,
elevando-a de 3,5% para 4% a.a., ao mesmo tempo em que subiu o intervalo de tolerância para 2,5% (Ta-
bela 1 e Gráfico 1). Isto porque o BCB não conseguiu cumprir as metas definidas para 2001 e para 2002, o
que motivou a divulgação de cartas abertas ao Ministro da Fazenda, em janeiro de 2002 e de 2003.

Tabela 1. Brasil: Metas de inflação 1999/2009


IPCA (em %)
Ano Resultado Final
Meta Ajustada Margem Limite Superior Verificado

1999 8,00 - 2,0 10,0 8,94 Cumpriu


2000 6,00 - 2,0 8,00 5,97 Cumpriu
2001 4,00 - 2,0 6,00 7,67 Descumpriu
2002 3,5 - 2,0 5,50 12,53 Descumpriu
2003 4,00 8,50 2,5 6,5 9,30 Descumpriu
2004 3,75 5,50 2,5 8,0(*) 7,60 Cumpriu (*)
2005 4,50 5,10 2,5 7,6 (*) 5,59 Cumpriu(*)
2006 4,50 2,0 6,5 3,14 Cumpriu
2007 4,50 2,0 6,5 4,46 Cumpriu
2008 4,50 2,0 6,5 Cumpriu (**)
2009 4,50 2,0 6,5
Fonte: Banco Central do Brasil — Relatório de inflação e Ata do Copom. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Notas: (*) Se for considerada a meta ajustada, referendada pelo CNM. (**) Nota da revisão técnica.

ECONOMIA INTERNACIONAL

103
Gráfico 1. Brasil: Meta para o IPCA e IPCA efetivo (em %)

12,5

9,3
8,9

8,0
7,7 7,6

6,0 6,0
5,7

4,5 4,5 4,5 4,5 4,4 4,5


4,0 4,0
3,8
3,5
3,1

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008*

IPCA Efetivo Centro da Meta

Fonte: IPEAData e Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Nota: (*) Estimativa do Mercado. Pesquisa da Gerência Executiva de Relacionamento com Investidores (Gerin/BCB).

Em 2003, o Banco Central decidiu perseguir uma trajetória de convergência com a meta definida
pelo CMN (4,0% a.a. com intervalo de tolerância de 2,5%), mediante a adoção de uma meta ajustada,
fixada em 8,5%, calculada a partir das estimativas dos impactos inerciais da inflação anterior e do efei-
to primário dos choques dos preços administrados (Tabela 1). Para 2004, a meta ajustada foi fixada
em 5,5%.
No final de junho de 2003, o CMN estipulou que a meta de inflação seria de 5,5% para 2004 (ou
seja, a meta ajustada proposta pelo Banco Central) e de 4,5% para 2005, ambas com um intervalo de
tolerância de 2,5 pontos. Porém, em meados de setembro de 2004, em sua 100ª reunião, o Copom de-
cidiu perseguir, em 2005, a meta ajustada de 5,1%, adicionando 0,6% a título de acomodação da inércia
inflacionária no percentual definido pelo CMN. Em junho de 2004, ao fixar a meta de inflação de 2006, o
CMN reduziu o intervalo de tolerância da meta, que retornou a 2% (Resolução n. 3210).
Desde 2005, beneficiando-se do contexto externo favorável, tanto em termos dos preços das
commodities exportadas como do ciclo de liquidez internacional (que contribuiu para a trajetória de
apreciação do real), o Banco Central tem tido êxito em manter a inflação sob controle e cumprir as
metas fixadas pelo CMN, que têm sido mantidas em 4,5% a.a., com intervalo de tolerância de +/–2
pontos percentuais.
No que se refere ao horizonte temporal para o cumprimento da meta, o Brasil se diferencia da
maioria dos países analisados na seção anterior por adotar o ano calendário, ou seja, janeiro a dezembro.
Como a meta para o IPCA é anunciada com dois anos de antecedência, o BCB perde graus de liberdade
na execução da política monetária ante a ocorrência de choques, como uma forte alta dos preços de
alimentos ou crise energética, dentre outros.
Como o horizonte temporal para o cumprimento da meta é curto, as pressões altistas dos
preços acabam se traduzindo na elevação dos juros, a despeito dos seus efeitos deletérios sobre

REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO EM PERSPECTIVA COMPARADA

104
a produção e o emprego, porque o Banco Central teme perder a credibilidade e/ou ser acusado de
leniente. Ao mesmo tempo, dado o elevado peso dos preços administrados na composição do IPCA
(cerca de 1/3), o aumento da meta da Selic afeta os investimentos, a produção e o consumo privado
sem, contudo, ter efeitos sobre tais preços, que são insensíveis à taxa de juros. Assim, no Brasil, o
regime de meta esteve longe de propiciar a vantagem da desinflação sem comprometimento do pro-
duto, como evidenciado no Gráfico 2.

Gráfico 2. Brasil: Evolução do PIB, da meta Selic e do IPCA efetivo (variação anual em %)
%

25,0

19,0 19,0
18,5
17,8
16,5
15,8

13,3
12,5
11,3 11,5

8,9 9,3
7,7 7,6
6,0 5,7 5,7
5,2
4,3 4,5 4,4 4,5
3,8
3,2 3,1
2,7
1,3 1,1
0,3

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008*

IPCA Meta Selic PIB

Fonte: IPEAData e Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Nota: (*) Estimativa do Mercado.
Pesquisa da Gerência Executiva de Relacionamento com Investidores (Gerin/BCB)

A rigidez do regime brasileiro de metas de inflação foi reconhecida pelo próprio Arminio Fraga, pre-
sidente do BCB em 1999, em um artigo em co-autoria com Ilan Goldjan, ex-diretor de política monetária
na época. Os autores admitem que nas economias em desenvolvimento observam-se alta volatilidade
de juros e câmbio e maior vulnerabilidade aos choques externos. Assim, o regime de metas deve prever
bandas, suficientemente largas, para evitar que sejam ultrapassadas, e um horizonte temporal maior do
que o ano calendário para atingir a meta. Deste modo, a reputação e a credibilidade do Banco Central
seriam preservadas.
A meta para a taxa básica de juros no Brasil, embora tenha sido reduzida continuamente entre
setembro de 2005 — após atingir o recorde de 12,8% a.a. em termos reais em agosto — e outubro de
2007, mantém-se em patamar muito elevado tanto em termos nominais como em termos reais (Gráfico
3). Em termos comparativos, o Brasil possui a maior meta de juros em termos reais em relação a todos os
outros países que adotam o regime de metas de inflação aqui analisados (Gráfico 4). A meta da taxa Selic
mantida em 11,25% pelo Copom, na reunião realizada nos dias 4 e 5 de março de 2008, representa
em termos reais uma taxa básica de juros de 6,4%, vários pontos percentuais acima da grande maioria
dos países da amostra analisada.

ECONOMIA INTERNACIONAL

105
Gráfico 3. Meta da taxa Selic de juros básica em termos reais1
20,0%

18,0%

16,0%

14,0%

12,0%

10,0%

8,0%

6,0%

4,0%

2,0%

0,0%
dez/99

dez/00

dez/01

dez/02

dez/03

dez/04

dez/05

dez/06
jun/99

dez/07
jun/00

jun/01

jun/02

jun/03

jun/04

jun/05

jun/06

jun/07
Fonte: IpeaData. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Nota: (1) Utilizou-se como deflator o Índice de Preços ao Consumidor (IPC).

Gráfico 4. Países selecionados: Meta da taxa básica de juros em vigor1 em termos reais2
7,0

6,0

5,0

4,0

3,0

2,0
% a. a.

1,0

0,0

-1,0

-2,0

-3,0

-4,0
México
Brasil

Nova Zelandia
Turquia

Hungria
Israel
Reino Unido

Coréia

Suécia

Peru
Canadá

Polônia

Indonésia

Chile
África do Sul

Rep.Checa
Colômbia

Tailândia
Austrália

Fonte: Site dos bancos centrais. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Nota: (1) Meta da taxa básica de juros vigente em 7/3/2008. (2) Utilizou-se como deflator o IPC em doze meses,
terminados em dezembro de 2007, janeiro e fevereiro de 2008 conforme a disponibilidade dos dados.

Considerações Finais
No meio acadêmico, formou-se um consenso de que meta de inflação é a melhor prática de polí-
tica monetária. Inúmeros estudos2 mostram que, nos países em que o regime de metas de inflação foi
adotado, o nível e a volatilidade da inflação e da taxa de juros declinaram após adoção do regime. Igual-

2 Por exemplo, Bernanke et al. (1999), Mishkin e Schmidt-Hebbel (2001), Carare e Stone (2003), Mishkin (2007).

REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO EM PERSPECTIVA COMPARADA

106
mente, além de não ter havido piora na volatilidade do produto, os efeitos do impacto do câmbio (pass-
through) sobre os preços e a política monetária foram atenuados.
Há evidências, também, de que a queda no nível e volatilidade da inflação (Gráfico 5) e na volati-
lidade dos juros e do produto foi uma tendência mundial ao longo dos anos 1990 e na presente década.
Ademais, os países que adotaram o regime de metas não apresentaram melhor desempenho macroe-
conômico do que países como os Estados Unidos e a área do Euro, que não introduziram metas para
a inflação3. Nos países periféricos, cujas moedas não possuem conversibilidade, os ciclos de liquidez
internacional, como mostra Farhi (2007), condicionam a política monetária, pois os efeitos do impacto do
câmbio (pass-through) sobre os preços são muito importantes. Assim, parte do êxito da desinflação pode
ser atribuída à apreciação das moedas domésticas, que baratearam o custo dos produtos importados e,
no caso dos países exportadores de commodities, compensaram o efeito interno da elevação dos preços
internacionais.

Gráfico 5. Evolução da inflação mundial medida pelo IPC (variação em doze meses)
35

30

25

20
% a.a.

15

10

0
jan/90

jan/91

jan/92

jan/93

jan/94

jan/95

jan/96

jan/97

jan/98

jan/99

jan/00

jan/01

jan/02

jan/03

jan/04

jan/05

jan/06

jan/07

jan/08

Fonte: FMI. International Finance Statistic Database. Elaboração Grupo de Conjuntura Fundap.

Em 2007, a inflação mundial, medida pela variação em doze meses do IPC, deu um salto em
comparação a 2006, passando de 3,5% para 4,8%. Nos países industrializados, houve uma acelera-
ção de 1%, enquanto nos países em desenvolvimento os preços sofreram elevação de 6,8% em 2007
contra 5,2% (aceleração de 1,5%). Em vários países, os alimentos constituíram importante, senão a
principal, fonte de pressão inflacionária (ver Gráfico 6). Os preços dos alimentos elevaram-se forte-
mente como resultado da quebra de safras agrícolas em virtude das condições climáticas adversas,
das políticas de apoio à produção de biocombustíveis diante do aumento dos preços de petróleo, que
estimularam a substituição de culturas, e da forte demanda dos países em desenvolvimento, em par-
ticular China e Índia.

3 Ver: Sicsú (2002), Ball e Sheridan (2003) e Farhi (2007).

ECONOMIA INTERNACIONAL

107
Gráfico 6. Índices de preços de alimentos* (variação anual em dólares — Em%)
CRB grãos
CRB óleos
Brasil
Rep. Checa
China
Polônia
Peru
Chile
Hungria
CRB alimentos
Filipinas
Índia
Rússia
Tailândia
Colombia
Canadá
África do Sul
Zona Euro
Austrália
Nova Zelândia
Cingapura
Malásia
Taiwan
Japão
Reino Unido
Indonésia
Hong Kong
México
Argentina
Estados Unidos
Coreia

Extraído de Banco Central de Chile, Informe de Política Monetaria, janeiro de 2008, p. 27.
* Dados de outubro, novembro, dezembro de 2007, segundo a disponibilidade de informação.

Os preços das commodities agrícolas (bem como os preços do petróleo) também estão sendo
pressionados pela especulação. Com o aprofundamento da crise das hipotecas subprime nos Estados
Unidos, em meados de 2007, e seu espraiamento para os demais segmentos do mercado financeiro,
doméstico e internacional, os fundos de investimento especulativos, os chamados hedge funds, direcio-
naram suas apostas para os mercados de commodities e seus derivativos. A expressiva elevação das
cotações dos cereais (milho, soja e trigo) na Bolsa de Chicago ao longo do segundo semestre de 2007
e início de 2008 reflete, pelo menos em parte, esse movimento de busca de alto retorno nos mercados
futuros de commodities para compensar as perdas com os ativos financeiros.
Pelos dados apresentados na Tabela 2, é possível constatar que a elevação da inflação em 2007
(e início de 2008) fez com que a inflação efetiva superasse as metas em vários países. Alguns bancos
centrais — como os de Austrália, Colômbia, Coreia, Polônia e República Checa — reagiram à maior pressão
inflacionária com aumento da meta da taxa básica. Porém, a grande maioria manteve suas taxas inaltera-
das em razão das incertezas em relação à desaceleração da economia mundial em decorrência da crise
financeira nos Estados Unidos. Esses foram os casos, por exemplo, da África do Sul, Hungria, Indonésia,
México, Peru, Reino Unido e Tailândia. Já o Canadá, nas duas reuniões realizadas em 2008, cortou a
meta da taxa básica de juros em, respectivamente, 0,25% e 0,5%, que passou de 4,25% para 3,5% a.a.
O banco central de Israel também realizou corte de 0,5% na meta da taxa de juros em sua reunião do
dia 7 de março, enquanto o banco central da Turquia realizou corte de 0,25% na taxa básica na reunião
realizada no dia 14 de fevereiro.

REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO EM PERSPECTIVA COMPARADA

108
Tabela 2. Países selecionados: meta de inflação, inflação efetiva e meta da taxa básica de juros

INFLAÇÃO EM META DA TAXA BÁSICA


META DE
PAÍS 12 MESES DE JUROS
INFLAÇÃO
(IPC CHEIO) (DATA DE ENTRADA EM VIGOR)
África do Sul 3 a 6% 9,3% (jan-08) 11% (31-01-2008)
Austrália 3% 3,0 (dez-07) 7,25% (5-mar-08)
Canadá 2%+/- 1% 2,2 (jan-08) 3,5% (4-mar-08)
Brasil 4,5% +/- 1% 4,56% (jan-08) 11,25 (5-mar-08)
Chile 3,0% +/-1% 8,1% (fev-08) 6,25% (7-fev-08)
Colômbia 3,5% a 4,5% 6,35% (fev-08) 9,50 (8-fev-08)
Coreia 3,0%, +/-0,5% 3,6 (fev-08) 5,0 (7-mar-08)
Hungria 3% 7,1% (jan-08) 7,5% (21-jan-08)
Indonésia 5%, +/- 1% 7,4% (fev-08) 8,0% (6-mar-08)
Israel 1 a 3% 3,5% (jan-08) 4,25% (11-02-08)
México 3%1 3,72%(fev-08) 7,5% (15-02-08)2
Nova Zelândia 1 a 3% 3,2% (dez-07) 8,25% (6-mar-08)
Peru 2%, +/-1% 4,82% (fev-08) 5,25% (7-fev-08)
Polônia 2,5%, +/-1% 4,3% (jan-08) 5,5% (28-fev-08)
República Checa 3
2% +/- 1% 7,5% (jan-08) 3,75% (8-fev-08)
Reino Unido 2% 2,2% (jan-08) 5,25% (6-mar-08)
Suécia 2%, +/-1% 3,2% (jan-08) 4,25% (20-02-08)
Tailândia 0 a 3,5% 4,3,% (jan-08) 3,25% (27-fev-08)
Turquia 4%, +ou-2% 8,77 (fev-08) 15,25% (14-02-08)

Fonte: Site dos bancos centrais. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Notas: (1) O Banco do México adota como meta de inflação permanente 3% do INPC anual. Porém, dado a volatili-
dade da inflação no curto prazo, admite um intervalo de flutuação de +/-1%, o qual, entretanto, não é considerado
intervalo de tolerância nem de incerteza. (2) O Banco do México adotou meta para taxa de juros em janeiro de
2008. Até então, a meta operacional utilizada era o “corto”, nível de reservas do sistema bancário. (3) Com a inte-
gração monetária com União Europeia prevista para 2011, o banco central cederá a responsabilidade pela formula-
ção da política monetária ao Banco Central Europeu.

É possível que a tendência recente de elevação dos preços dos alimentos e outras commodities
— como petróleo, minério de ferro, aço e minerais não metálicos, em razão da ampliação da demanda
mundial, em particular da China, de restrições de oferta e especulação financeira — coloque à prova a
eficácia do regime de metas de inflação como a melhor estratégia para a condução da política monetária.
É provável que países com estruturas institucionais mais flexíveis se saiam melhor do que aqueles com
formato do regime de metas mais rígido, como é o caso brasileiro.

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ECONOMIA INTERNACIONAL

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REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO EM PERSPECTIVA COMPARADA

110
Anexo
Quadro 1. Formato institucional do regime de metas de inflação em países selecionados
Responsabilidade
Data da Índice de Meta Atual Horizonte Cláusula de
Países pela Fixação da
Adoção Referência (2008) Temporal Escape
Meta
Economias Avançadas
Médio prazo
Setembro Governo em conjunto Entre 2 a 3% em
Austrália Núcleo do IPC (over the Nenhuma
de 1994 com o Banco Central média
business cycle)
Revisão da meta
Núcleo do IPC (exclui Multianual
Fevereiro de Governo em conjunto em caso de
Canadá alimentos, energia e Entre 1 e 3% (entre 6 e 8
1991 com o Banco Central circunstâncias
impostos indiretos) trimestres)
excepcionais
Nova Março IPC cheio Governo em conjunto Eventos
Entre 1 a 3% Médio Prazo
Zelândia de 1990 desde 1999 com o Banco Central excepcionais
Até 2003, Índice de Preço
Prazo
Reino Outubro do Varejo (exclui juros das
Governo 2% Indefinido Nenhuma
Unido de 1992 hipotecas residenciais)
desde 1996
Desde 2004, IPC cheio
2%, com intervalo
Junho
Suécia IPC cheio Banco Central de tolerância de Dois anos Nenhuma
de 1993
+/–1%
Janeiro Eventos
Suíça IPC cheio Banco Central Abaixo de 2% 3 anos
de 2000 excepcionais
Economias Periféricas
IPCX (exclui juros Eventos imprevistos
África Fevereiro de
dos financiamentos Banco Central 3 a 6% Multianual fora do controle do
do Sul 2000
imobiliários) banco central
CMN, composto
pelos ministros 4,5%, com
Junho de Ano
Brasil IPCA cheio da Fazenda, do intervalo de Nenhuma
1999 calendário
Planejamento e +/–2%
presidente do BC
3,0% a.a, com Prazo
Janeiro Banco Central, com
Chile IPC cheio intervalo de Indefinido Nenhuma
de 1991 consulta ao governo
+/–1% desde 2001
Núcleo do IPC, exclui preço
dos alimentos e alguns
Setembro Governo em conjunto Entre 3,5 e 4,5%
Colômbia preços administrados 24 meses Nenhuma
de 1999 com o Banco Central a.a.
(transporte, combustível e
serviços públicos)
IPC cheio até 2000;
Governo, com 3,0%, com
Janeiro Núcleo do IPC a partir de
Coreia consulta ao Banco intervalo de 3 anos Nenhuma
de 1998 2000 (exclui alimentos e
Central +/–0,5%
energia)
Núcleo do IPC (exclui
Junho alimentos, petróleo 3%, com intervalo
Hungria Banco Central Médio prazo Nenhuma
de 2001 e certos preços de +/–1%
administrados)
2004
Revisão da meta
(introdução Governo, com
5%, com intervalo em caso de
Indonésia efetiva em IPC cheio consulta ao Banco 1 ano
com +/–1% circunstâncias
julho de Central
excepcionais
2005)
Governo, com
Junho
Israel IPC cheio consulta ao Banco 1 a 3% 1 ano Nenhuma
de 1992
Central

ECONOMIA INTERNACIONAL

111
Responsabilidade
Data da Índice de Meta Atual Horizonte Cláusula de
Países pela Fixação da
Adoção Referência (2008) Temporal Escape
Meta
Economias Periféricas
Prazo
Janeiro
México IPC cheio Banco Central 3%1 Indefinido Nenhuma
de 1999
desde 2002
Janeiro
de 1994
Multianual
(informal), Banco Central, com 2%, com intervalo
Peru IPC cheio (entre 1 a 2 Nenhuma
Janeiro consulta ao governo de +/–1%
anos)
de 2000
(formal)
Prazo
2,5% com
Outubro Indefinido
Polônia IPC cheio Banco Central intervalo de Nenhuma
de 1998 a partir de
+/–1%
2003
Média trimestral do
Governo, com
Abril Núcleo do IPC (exclui Prazo
Tailândia consulta ao banco De 0 a 3,5% Nenhuma
de 2000 alimentos in natura e Indefinido
central
preços de energia)
Catástrofes
naturais, choques
globais de matérias-
primas, choque
Núcleo do IPC (exclui de produção
República Janeiro 2%, com intervalo Longo prazo
preços administrados e Banco Central agrícola, choque
Checa de 1998 de +/–1% (até 2010)
impostos indiretos) de câmbio não
relacionado com
os fundamentos
da economia
doméstica.
4%, com intervalo
Turquia 2006 IPC cheio Governo 3 anos Nenhuma
de +ou–2%

Fonte: Site dos bancos centrais. Elaboração Grupo de Conjuntura.


Nota: (1) O Banco do México adota como meta de inflação permanente 3% do INPC anual. Porém, dado a volatilida-
de da inflação no curto prazo, admite um intervalo de flutuação de +/–1%, o qual, entretanto, segundo documento
oficial da instituição, não é considerado intervalo de tolerância nem de incerteza.

REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO EM PERSPECTIVA COMPARADA

112
Inflação Mundial e
Preços de Commodities

Maria Cristina Penido de Freitas

N
a esteira da crise financeira nas economias avançadas, e em particular nos Estados Unidos, os
preços das principais commodities internacionais elevaram-se fortemente nos últimos doze me-
ses. Pressionada pela alta das cotações das commodities, notadamente petróleo e alimentos,
a inflação mundial, em trajetória descendente desde 1999, atingiu 6,1% em maio de 2008 na série de
doze meses. Nas economias avançadas, o índice de preços ao consumidor registrou, em junho, patamar
mais elevado nos últimos onze anos (4,1% em doze meses).
O objetivo dessa nota técnica é examinar os determinantes da alta recente dos preços das commo-
dities e seus efeitos sobre a inflação mundial1. Com esse propósito, o artigo foi dividido em três seções.
Na primeira, são examinados os fatores comuns e específicos por trás da alta recente das commodities.
Na segunda seção, analisam-se os impactos desse movimento na inflação mundial e os dilemas dos
bancos centrais dos países centrais ante o aumento dos índices de preços em um contexto de forte de-
saceleração econômica e elevada fragilidade financeira. Na terceira e última seção, são apresentadas
algumas considerações sobre o cenário prospectivo dos preços das commodities.

Determinantes da elevação dos preços das commodities


Em trajetória de alta em termos reais desde 2003, os preços das principais commodities inter-
nacionais subiram consideravelmente em 2007 e no primeiro semestre de 2008 (Gráficos 1 e 2). Até
meados de 2007, os maiores incrementos ocorreram nos preços dos metais – em particular, minério de
ferro, cobre e estanho. A partir do segundo semestre de 2007, petróleo e alimentos passaram a registrar

1 Esta nota foi elaborada com informações disponíveis até 8 de agosto de 2008.

ECONOMIA INTERNACIONAL

113
os aumentos mais expressivos e forte volatilidade. No caso do petróleo, a cotação do barril do tipo Brent
atingiu nível recorde em termos históricos no dia 11 de julho de 2008, ao alcançar US$ 147,00 no merca-
do de Londres. Há múltiplas razões por trás dessa elevação recente das cotações de várias commodities,
algumas das quais se inter-relacionam e se realimentam de modo complexo.

Gráfico 1. Evolução dos preços reais1 de commodities selecionadas no período 2001-2007 (2000 = 100)
270

250

230

210

190

170

150

130

110

90

70

50
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Commodities Primárias (Exc. Petróleo) 2 Alimentos Matérias -Primas Agrícolas Metais Petróleo Bruto spot

Fonte: FMI – International Financial Statistics. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Notas: 1. Dados deflacionados pelo deflator do PIB dos Estados Unidos (2000 = 100). 2. Commodities primárias (exce-
to petróleo) incluem alimentos, matérias-primas agrícolas, metais, bebidas elaboradas a partir de frutas e vegetais.

Gráfico 2. Evolução dos preços reais1 de commodities selecionadas no período jun.2002-maio 2008
(2000 = 100)
325

300

275

250

225

200

175

150

125

100

75

50
set/02

set/03

set/04

set/05

set/06

set/07
jan/02

jan/03

jan/04

jan/05

jan/06

jan/07

jan/08
mar/02
mai/02

mar/03
mai/03

mar/04
mai/04

mar/05
mai/05

mar/06
mai/06

mar/07
mai/07

mar/08
mai/08
jul/02

jul/03

jul/04

jul/05

jul/06

jul/07
nov/02

nov/03

nov/04

nov/05

nov/06

nov/07

Commodities Primárias (Exc. Petróleo) 2 Alimentos Matérias-Primas Agrícolas Metais Petróleo Bruto spot

Fonte: FMI – International Financial Statistics. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Notas: 1. Dados deflacionados pelo Índice de Preço ao Produtor dos Estados Unidos (2000 = 100). 2. Commodities
primárias (exceto petróleo) incluem alimentos, matérias-primas agrícolas, metais e bebidas.

INFLAÇÃO MUNDIAL E PREÇOS DE COMMODITIES

114
Um dos principais fatores explicativos da alta recente dos preços das commodities é a existência
de desequilíbrios entre oferta e demanda, no caso tanto do petróleo como no dos alimentos. No caso do
petróleo, a despeito dos esforços realizados pelas economias avançadas para reduzir sua dependência
dessa fonte de energia, o crescimento acelerado dos países em desenvolvimento, em particular na Ásia,
tem contribuído para sustentar a expansão da demanda acima da oferta (Gráficos 3 e 4).

Gráfico 3. Evolução da oferta e demanda de petróleo (milhões de barris diários)

Fonte: International Energy Agency. Oil Market Report, 10 July, 2008. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Nota: Inclui ganhos e perdas líquidas no processo de refino e transporte marítimo.

Gráfico 4. Evolução da demanda de petróleo e derivados pelos países em desenvolvimento


(milhões de barris diários)

Não OCDE demanda total de petróleo e derivados Não OCDE crescimento de derivados por região

América Latina
Europa Oriente Médio

Extraído de International Energy Agency. Oil Market Report, 10 July, 2008, pg 12.

Segundo o relatório da Agência Internacional de Energia, a demanda dos países em desenvolvi-


mento por petróleo e seus derivados saltou de 35 milhões de barris diários em 2006 para mais de 38
milhões no primeiro trimestre de 2008 (IEA, 2008). Porém, do lado da oferta, os especialistas apontam
o desinteresse dos países membros da Opep em ampliar a produção e as dificuldades de exploração

ECONOMIA INTERNACIONAL

115
de novas áreas, que exigem investimentos pesados e superação de problemas técnicos, e as crises
geopolíticas nas áreas de exploração que frequentemente favorecem a volatilidade dos preços ou oca-
sionam a interrupção da produção.
No se refere aos alimentos, a maior demanda resultante da ampliação da renda associada ao
crescimento econômico nos países em desenvolvimento também não foi acompanhada pela expansão
da oferta. Nesses países, a elevação do poder de compra, sobretudo da população de renda média e
baixa, traduziu-se no aumento do consumo de alimentos, em particular cereais, carne, leite e seus de-
rivados, o que contribuiu para pressionar os preços em âmbito mundial. Isto porque, além de níveis de
estoque relativamente baixos, ocorreu ruptura de oferta em razão de condições climáticas desfavoráveis
e de políticas de estímulo à produção de biocombustível, que resultaram tanto na redução de áreas de
plantio devido à substituição de culturas, como na utilização de alimentos básicos, como o milho e óleos
vegetais (de soja e de palma) para a fabricação, respectivamente, de etanol e de biodiesel.
O caso do milho é bastante ilustrativo. Além de ser amplamente utilizado na alimentação humana,
esse cereal é usado na ração animal, sobretudo de aves e suínos. Assim, a menor oferta em virtude de
sua utilização para a produção de etanol tem impacto nos preços dos seus derivados assim como no
preço das carnes de porco e aves. Nos Estados Unidos, por exemplo, a utilização crescente do milho para
a produção de etanol – que passou de menos de 15% em 2006 para quase 24% em 2007, devendo
atingir 33% em 2008 (Gráfico 5) – pressionou os preços das rações destinadas aos animais (23% mais
cara em dezembro de 2007 em relação ao mesmo mês do ano anterior), com impacto no preço da carne
suína. Com a elevação da demanda por biocombustível, apesar do aumento da safra prevista para 2008
(383 milhões de toneladas), os Estados Unidos exportarão menos milho, o que deverá pressionar para
cima os preços nos mercados internacionais. Além disso, o avanço da produção de milho trouxe consigo
a redução da área plantada com soja nos EUA, pressionando para cima os seus preços.

Gráfico 5. Evolução da utilização de milho na produção de etanol nos Estados Unidos

BILHÕES DE BUSHELS PERCENTAGEM


4.4 33%
MILHO USADO % DA PRODUÇÃO AMERICANA
4.0 30%
3.6 27%
3.2 24%
2.8 21%
2.4 18%
2.0 15%
1.6 12%
1.2 9%
0.8 6%
0.4 3%
0.0 0%
02

04

5
99

08
00

03

07
01

6
0

0
20

20

20
19

20

20
20

20

20

20

Extraído de HARRIS, Jeffrey. Testimony before the Senate Committee on Homeland Security and Governmental
Affairs, United States Senate, May 20, 2008, pg 8.

INFLAÇÃO MUNDIAL E PREÇOS DE COMMODITIES

116
Outro fator importante que explica a elevação dos preços internacionais dos produtos primários e
que está relacionado às baixas taxas de juros americanas é o enfraquecimento do dólar, moeda na qual
esses produtos são cotados e comercializados. Ante a desvalorização do dólar, os produtores tendem a
elevar os preços para neutralizar as perdas cambiais. Esse movimento de realinhamento do preço em
dólar foi bastante importante no caso do petróleo (Burkhard, 2008), o que, por sua vez, influenciou os
preços das outras commodities, em particular as agrícolas. A alta dos preços de petróleo pressiona os
preços dos alimentos de dois modos. De um lado, estimula a produção e demanda de biocombustíveis,
diminuindo a oferta de alimentos, seja pela substituição de culturas, seja pelo desvio da produção de
alimentos para fabricação de álcool e de biodiesel. De outro lado, eleva os custos da produção agrícola,
devido ao aumento dos preços dos fertilizantes e do transporte.
Ao lado do descompasso entre a oferta e a demanda nos respectivos mercados e da depreciação
do dólar, os preços do petróleo e das commodities agrícolas também estão sendo pressionados pela es-
peculação financeira. As commodities tornaram-se investimentos atraentes ante a menor rentabilidade
dos ativos financeiros, resultante tanto dessa depreciação como das turbulências dos mercados finan-
ceiros das economias centrais. A atratividade das commodities como forma alternativa de valorização da
riqueza aumentou ainda mais com a redução da taxa de juros nos Estados Unidos, a partir de setembro
de 2007 (Gráfico 6).

Gráfico 6. Evolução do rendimento do título de 10 anos do Tesouro Americano (a.a %)

Fonte: Board of Governors of the Federal Reserve System. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Com a eclosão da crise financeira a partir da deterioração do mercado de hipotecas subprime


nos Estados Unidos em meados de 2007, e seu espraiamento para os demais segmentos do mercado
financeiro, doméstico e internacional, os fundos de investimento especulativos (os chamados hedge fun-
ds) e outros investidores institucionais (como os fundos de pensão) direcionaram suas apostas para os
mercados de commodities e seus derivativos. A forte elevação das cotações dos cereais (milho, soja e
trigo) e do petróleo na Bolsa de Chicago, ao longo do segundo semestre de 2007 e primeiro semestre de

ECONOMIA INTERNACIONAL

117
2008, reflete, pelo menos em parte, esse movimento de busca de alto retorno nos mercados futuros de
commodities para compensar as perdas com os ativos financeiros. Essa estratégia de mitigação das per-
das com o declínio do mercado acionário foi, como ressalta Burkhard (2008), publicamente admitida pelo
maior fundo de pensão público americano, o California Public Employees Retirement System (CalPERS),
em fevereiro de 2008.
Como ressalta Masters (2008), os investidores institucionais alocaram parcela crescente de suas
carteiras em investimentos nos mercados futuros de commodities, que negociam 25 commodities (doze
produtos agropecuários, seis tipos de petróleo e derivados, cinco metais básicos e dois metais preciosos).
De um lado, esses mercados de commodities oferecem possibilidade de retorno elevado ante a menor
rentabilidade dos ativos financeiros tradicionais em razão tanto da queda dos juros americano como da
depreciação do dólar. De outro lado, fornecem oportunidade de diversificação de risco, uma vez que es-
ses mercados não estão historicamente correlacionados com os mercados de títulos e ações.
Essa tendência, que se apresentou no início da presente década, ganhou ímpeto em meados de
2007 com a crise internacional (Gráfico 7). Os recursos alocados pelos investidores institucionais nos mer-
cados futuros de commodities saltaram de US$ 13 bilhões para US$ 260 bilhões entre o final de 2003 e
março de 2008, enquanto os preços das 25 commodities subiram, em média, 183% nesses cinco anos.

Gráfico 7. Evolução do tamanho do mercado de commodities

Extraído de Michel Masters. Testimony before the Committee on Homeland Security and Governmental Affairs. ����
Uni-
ted States Senate. May 20, 2008.

O especialista em mercado de petróleo, James Burkhard, em depoimento ao Comitê de Energia


e Recursos Naturais do Senado americano, também destacou as transações realizadas nos mercados
futuros como fator explicativo da elevação recente dos preços. Em suas palavras, “embora o impulso
primário para a alta dos preços tenha sido os desequilíbrios entre oferta e demanda e os custos cres-
centes de produção, a maior participação dos chamados investidores não-comerciais ou especulativos
nos mercados futuros reforçou a tendência de alta” (Burkhard, 2008 : 2). A dinâmica financeira global

INFLAÇÃO MUNDIAL E PREÇOS DE COMMODITIES

118
seria, de acordo com sua interpretação, um “novo fundamento” por trás dos preços recordes atingidos
pelo barril de petróleo.
Comparado com os montantes transacionados nos mercados acionários globais, o volume de
recursos alocados pelos investidores institucionais nos mercados futuros de commodities é diminuto.
Todavia, esse volume é suficiente para se traduzir em elevação dos preços futuros, que, por sua vez, re-
percute, embora com certa defasagem, nos preços dos mercados à vista, sob forma de aumento e maior
volatilidade. Ao afetar os preços à vista, a especulação financeira no mercado futuro influencia o custo
dos produtos essenciais, aumentando a inflação e reduzindo a renda real das camadas de rendimento
mais baixo dos países mais pobres.
Várias commodities que não são negociadas em mercados futuros também se tornaram alvo de
especulação financeira. Reportagem recente do Wall Street Journal, reproduzida no Valor Econômico, des-
creve os novos mecanismos desenvolvidos pelos bancos para oferecer aos seus clientes opções de investi-
mento em minério de ferro, metais raros como os componentes de carros híbridos e elétricos, mas também
em “serragem, frango, óleo de palma, fertilizante potássico”, dentre outros (Dugan, 2008). Um dos me-
canismos utilizados é o contrato conhecido como “swaps com liquidação financeira” (cash-settled swaps),
no qual não há entrega física, mas a cada mês há um pagamento líquido em dinheiro da diferença entre o
preço estabelecido e uma cotação flutuante atrelada a um índice do preço à vista. No caso do minério de
ferro, em apenas dois meses os investidores assumiram posições cujo valor nocional (ou do total de ativos
que os contratos representam) supera US$ 500 milhões, equivalente a 2,7 milhões de toneladas.

Impacto da alta das commodities na inflação mundial e reação dos


bancos centrais
A elevação dos preços das commodities, em particular petróleo e alimentos, traduziu-se em no-
tável incremento da inflação mundial, que saltou de 3,5% em 2006 para 4,8% em 2007. Nos países
industrializados, a inflação subiu de 2,1% para 3,1% (aceleração de 1%), patamar recorde no período
1997-2007 (Tabela 1).

Tabela 1. Ranking da variação anual em % do IPC no período 1997-2007


Rank Mundo Países Países em
Industrializados Desenvolvimento
1 1998 6,8 2007 3,1 1998 14,0
2 1997 5,3 2000 2,6 1997 9,8
3 2007 4,9 2004 2,4 1999 7,2
4 2000 4,3 2005 2,3 2007 6,8
5 1999 4,3 2002 2,1 2000 6,3
6 2002 3,8 2006 2,1 2002 5,9
7 2004 3,7 1997 1,8 2001 5,8
8 2005 3,6 1999 1,8 2003 5,4
9 2006 3,5 2003 1,6 2004 5,2
10 2001 3,3 2001 1,3 2005 5,2
11 2003 3,3 1998 1,3 2006 5,2

Fonte: FMI – International Financial Statistics. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

ECONOMIA INTERNACIONAL

119
O impacto da alta das commodities na inflação das economias avançadas foi nitidamente mais acen-
tuado a partir da eclosão da crise financeira (Gráfico 8). Pelas razões assinaladas na seção anterior, os preços
do petróleo e dos alimentos dispararam, pressionando fortemente os índices de preço aos consumidores. No
Reino Unido, onde vigora o regime de meta de inflação, a inflação em doze meses medida pelo IPC tem supe-
rado a meta oficial de 2%. Também na área do euro e nos Estados Unidos, a inflação está bem acima da zona
de conforto (IPC em torno de 2% ao ano). Excluídos petróleo e alimentos (Gráfico 9 e 10), o índice de preços ao
consumidor, sobretudo nos Estados Unidos, registra uma variação menos acentuada.

Gráfico 8. Evolução do IPC nas economias avançadas (variação % em doze meses)


5,5

5,0

4,5

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

1,5

1,0
dez -06

mar-07

mai-07

out-07

nov -07

dez -07

mar-08

mai-08
jan-07

fev-07

abr-07

jun-07

jul-07

ago -07

set-07

jan-08

fev-08

abr-08

jun-08
Euro area EUA Reino Unido

Fonte: Eurostat, Bureau of Labour Statistics, UK Statistic Authority. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 9. Evolução do IPC nos Estados Unidos (variação % em doze meses)


5,5

5,0

4,5

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

1,5

1,0
jan-07

jan-08
abr-07

abr-08
ago-07
jun-07

jul-07

out-07

jun-08
mai-07

nov-07

mai-08
mar-07

set-07

dez-07

mar-08
fev-07

fev-08

Cheio Exc. Petróleo e Alimentos

Fonte: Bureau of Labour Statistics.. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

INFLAÇÃO MUNDIAL E PREÇOS DE COMMODITIES

120
Gráfico 10. Evolução do IPC na Área do Euro (variação % em doze meses)
4,5

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

1,5

1,0

0,5

0,0

out-07
jun-07

jul-07

jun-08
mai-07

nov-07

mai-08
set-07

dez-07
mar-07

mar-08
jan-07

abr-07

jan-08

abr-08
fev-07

fev-08
ago-07
Cheio Exc. Petróleo e Alimentos

Fonte: Eurostat, Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

A aceleração inflacionária nas economias avançadas, em um contexto de agravamento da crise


financeira e da contração do crédito bancário, trouxe um sério dilema aos bancos centrais, em particular
os da Área do Euro e do Reino Unido, que possuem mandato exclusivo de garantir a estabilidade dos
preços. Como a elevação dos juros poderia ocasionar recessão e ampliar a fragilidade financeira, o banco
central europeu manteve inalterada a sua taxa básica até junho de 2008 e promoveu uma elevação de
0,25 p.p. na reunião de julho, mas manteve esta taxa no mesmo patamar (de 4,25%) em agosto, diante
dos sinais cada vez mais evidentes de desaceleração da zona euro. Já o Banco da Inglaterra efetuou três
reduções parcimoniosas de 0,25 pontos percentuais nos meses de dezembro, março e abril (Gráfico 11),
trazendo a taxa básica de juros para 5%. Desse modo, agiu em sentido oposto à prescrição básica do
regime de metas de inflação, que sustenta que pressões inflacionárias devem ser combatidas tempesti-
vamente pela elevação da básica de juros.
Em carta pública encaminhada ao ministro do Tesouro (Chancellor of Exchequer) no dia 16 de ju-
nho de 2008, escrita para explicar por que a inflação britânica do mês de maio estava mais de um ponto
percentual acima da meta, o presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King, chamou a atenção para a
natureza global dos preços dos alimentos e energia, ainda que o timing do seu impacto sobre os índices
de preços aos consumidores variasse de país para país. Em suas palavras, “a mudança relativa nos pre-
ços das commodities, embora ocasione um aumento no nível geral de preços, não representa uma infla-
ção contínua” (King, 2008). Por essa razão, avaliava que a inflação medida pelo IPC deveria permanecer
bem acima da meta de 2% a.a. também em 2009. Igualmente, King admitiu que a elevação da meta da
taxa de juros para conter pressões advindas de fatores externos e trazer a inflação para a meta nos pró-
ximos doze meses poderia resultar em desnecessária volatilidade da produção e do emprego.
Após reduzir, entre setembro de 2007 e abril de 2008 a meta da taxa básica de juros a 2%, o Fed tem
sinalizado que sua prioridade é a normalização dos mercados financeiros. Assim, a despeito da aceleração
da inflação nos meses de maio e junho de 2008, a taxa básica de juros permaneceu inalterada. As previsões

ECONOMIA INTERNACIONAL

121
dos analistas dos bancos e consultorias econômicas é que, ante a forte desaceleração da economia ameri-
cana, o banco central americano não irá elevar a meta da taxa básica antes do primeiro trimestre de 2009.

Gráfico 11. Evolução da meta de juros oficiais nas economias avançadas (% a.a.)
6,0
5,9
5,7
5,6
5,4
5,3
5,1
5,0
4,8
4,7
4,5
4,4
4,2
4,1
3,9
3,8
3,6
3,5
3,3
3,2
3,0
2,9
2,7 Meta Real de Juros (agosto/08):
2,6 Área do Euro: 0,48%
2,4 Estados Unidos: -2,76%
2,3 Reino Unido: 1,16%
2,1
2,0
1,8
1,7
1,5
jul/07 ago/07 set/07 out/07 nov/07 dez/07 jan/08 fev/08 mar/08 abr/08 mai/08 jun/08 jul/08 ago/08

Fed ECB Banco da Inglaterra

Fonte: Federal Reserve, Banco Central Europeu, Banco da Inglaterra. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

No contexto atual de desaceleração das economias e da fragilidade financeira crescente, e dadas


as razões acima apontadas para a alta dos preços das commodities, a contenção dos preços de energia
e alimentos parece estar longe do alcance das políticas monetárias domésticas e exigiria ações coorde-
nadas e combinadas em várias frentes. Em relação aos alimentos, por exemplo, além de eliminar os in-
centivos aos programas de produção de biocombustíveis a partir de cereais, os governos das economias
avançadas poderiam reduzir barreiras aos produtos agrícolas dos países em desenvolvimento.

Considerações finais
Após atingir níveis recordes em meados do mês de julho de 2008, os preços de importantes com-
modities – em particular petróleo, cobre, mas também milho e soja – registraram queda nos mercados a
vista e futuro, ao longo das últimas semanas, na esteira da divulgação de vários indicadores econômicos
desfavoráveis nos países avançados. Porém, em vez de significar uma reversão duradoura da tendência
de alta das commodities, esse movimento tem sido interpretado como sinal de maior volatilidade e per-
sistência dos preços em patamares elevados, em razão das incertezas quanto às perspectivas de cresci-
mento da economia global e à higidez do sistema financeiro americano e europeu.
O arrefecimento mais forte das economias avançadas, em conjunto com uma crise financeira que
parece longe do fim, atua como elemento de dissuasão para aumentos futuros das taxas básicas de
juros pelos bancos centrais dos Estados Unidos e da Área do Euro, como confirmado pelas decisões dos
respectivos comitês de política monetária no início de agosto de 2008. As taxas básicas de juros reais
negativas (no caso americano) ou próximas de zero (no caso europeu) devem realimentar as apostas dos
fundos de hedge e outros investidores institucionais nos mercados futuros de commodities, o que, por

INFLAÇÃO MUNDIAL E PREÇOS DE COMMODITIES

122
sua vez, aliado aos desequilíbrios entre a oferta e demanda, devem contribuir para que os preços das
commodities permaneçam em patamares elevados, ainda que inferiores aos níveis recordes atingidos no
início do mês de julho.
Mesmo com a desaceleração da economia mundial, as economias em desenvolvimento, e em
particular as dos países da chamada Ásia em desenvolvimento (com destaque para China e Índia), devem
continuar crescendo em ritmo forte, sustentando uma forte demanda por matérias-primas (como petró-
leo e derivados e metais básicos) e por alimentos. Nas estimativas revistas do FMI em meados de julho
de 2008, enquanto a economia mundial deverá crescer 4,1% em 2008 e 3,9% em 2009, o conjunto dos
países em desenvolvimento deverá registrar aumento real do PIB da ordem de 6,9% em 2008 (6,7% em
2009). Para os países da chamada Ásia em desenvolvimento, sob a liderança da China (9,7%), o cresci-
mento esperado é mais do que o dobro da global: 8,4% em 2008 e em 2009.
Do lado da oferta, em particular no caso do petróleo, a expansão da oferta global muito provavel-
mente não se dará no mesmo ritmo do aumento da demanda. Como já mencionado, além do desinteres-
se dos países da Opep (à exceção da Arábia Saudita) em ampliar a produção, a construção da capacidade
de distribuição e a exploração de novas fontes fora da área do cartel, como no caso do pré-sal brasileiro,
é um processo demorado que envolve investimentos pesados e soluções tecnológicas, que estão longe
de ser triviais.
Tanto as projeções do FMI como as da OCDE-FA0 apontam para a manutenção, em patamar eleva-
do, dos preços do petróleo, metais e alimentos. No caso dos alimentos, o relatório conjunto da OCDE-FAO
sustenta a tese de que os preços reais deverão permanecer, pelo menos até 2010, bem acima da média
da década passada. Além do aumento da demanda dos países em desenvolvimento e dos custos de pro-
dução e da atuação dos especuladores, o estudo ressalta as quebras de safra decorrentes de problemas
climáticos e o impacto da utilização de grãos na produção de biocombustível como razões adicionais para
a elevação dos preços dos alimentos.
A tendência de que os preços dos alimentos se mantenham em níveis elevados e conservem uma
trajetória ascendente também é ressaltada por Ocampo e Parra (2008). Embora estejam em trajetória de
elevação desde 2004, esses autores mostram que os preços reais dos produtos agrícolas – tropicais e
outros – aumentaram muito menos do que os metais básicos, tomando como base o período 1945-80.
Outros fatores contribuem, ademais, para as intensas oscilações de preços das commodities. No
caso do petróleo, por exemplo, a instabilidade geopolítica em regiões produtoras – como as tensões e
violência na Nigéria e ameaças de ataque de Israel às instalações nucleares ao Irã – alimenta a espiral de
preços e a especulação. Já no caso das commodities agrícolas, são as condições climáticas que afetam
as previsões sobre as safras de grãos, levando à volatilidade dos preços.

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Committee on Energy and Natural Resources. [S.l.:s.n], Apr. 03, 2008.

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____. Development and globalization: facts and figures. Geneva: [s.n.], 2008.

INFLAÇÃO MUNDIAL E PREÇOS DE COMMODITIES

124
Fundos de
riqueza soberana

Maria Cristina Penido de Freitas

O
s fundos de riqueza soberana, criados pelos países em desenvolvimento, vêm ganhando des-
taque crescente nos fóruns políticos internacionais e na imprensa especializada. Movimentando
recursos estimados entre US$ 1,9 a 3,5 trilhões, esses fundos, que passaram despercebidos por
várias décadas, tornaram-se importantes atores financeiros globais. Ao mesmo tempo em que são fontes
de recursos para empresas e bancos, como visto nos episódios de compra de participação acionária em
grandes bancos internacionais afetados pela crise subprime, suas estratégias de investimento podem in-
fluenciar os mercados de ativos e cotação das principais divisas. Embora atuem à semelhança de qualquer
outro fundo de investimento financeiro, diversificando aplicações e buscando altos retornos, os fundos so-
beranos — de propriedade de governos — suscitam preocupação quanto a seus potenciais impactos na
estabilidade financeira mundial, no funcionamento da economia de mercado e na segurança nacional dos
países industrializados.
Com o propósito de apresentar um panorama geral, a próxima seção contrapõe distintas definições
de fundos de riqueza soberana. Na seção seguinte, faz-se um breve histórico do surgimento dos fundos
soberanos e analisam-se os determinantes do seu crescimento recente. Na terceira seção, examinam-se
os principais pontos do debate atual em torno dos fundos soberanos. Na última seção, são apresentadas
algumas considerações sobre a proposta de criação de um fundo soberano no Brasil.

Definições
Os fundos de riqueza soberana (SWF, na sigla em inglês) são fundos governamentais de inves-
timento financeiro, geridos em separado das reservas oficiais e constituídos, na maioria dos casos, de

ECONOMIA INTERNACIONAL

125
ativos em moeda estrangeira. Não há, porém, uma definição consensual sobre quais fundos governa-
mentais devem ser classificados como fundos de riqueza soberana. Existem diferentes taxonomias.
O Departamento do Tesouro americano classifica os SWF de acordo com a origem dos seus
recursos (USTREAS, 2007). Segundo esse critério, haveria dois tipos de fundos: (1) commodity, cujos
recursos são provenientes de impostos ou receitas sobre exportação de commodities (em geral petró-
leo, gás, metais e minerais), e (2) não commodity, cujos recursos são transferidos das reservas oficiais
acumuladas a partir de expressivos superávits em transações correntes, obtidos com a exportação de
manufaturados.
Baseado nessa classificação, um estudo do Deustche Bank identificou a existência de 41
SWF em setembro de 2007 (Tabela 1 do Anexo), dos quais 26 do tipo commodity e 15 não com-
modity, com recursos da ordem de 3,2 trilhões (Kern, 2007). Do total de 41 fundos soberanos,
apenas nove são de propriedade de governos de países industrializados: Austrália, Canadá, Irlanda,
Estados Unidos, Noruega e Nova Zelândia. Ou seja, a grande maioria é de governos de economias
em desenvolvimento.
Na taxonomia proposta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI, 2007), os fundos soberanos são
classificados a partir de seus objetivos principais. Por esse critério, existiriam cinco tipos de SWF:
• fundos de estabilização, constituídos por países ricos em recursos naturais, para proteger o
orçamento fiscal e a economia doméstica das oscilações dos preços dos produtos primários
(sobretudo petróleo);
• fundos de poupança, constituídos por países ricos em recursos naturais não renováveis, com
o propósito de compartilhar a riqueza entre as gerações;
• fundos de investimento, constituídos como instituições separadas, para reduzir o custo de
carregamento negativo das reservas ou para seguir políticas de investimento com retorno
elevado;
• fundos de desenvolvimento, que alocam recursos para financiamento de projetos socioeconô-
micos prioritários ― em infraestrutura ou em política de desenvolvimento industrial;
• fundos de reserva para aposentadoria, constituídos para o custeio futuro de passivos fiscais
de longo prazo associados aos sistemas oficiais de pensões e aposentadoria.
Em contraste, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que con-
grega os países industrializados, propõe uma definição mais abrangente para os fundos de riqueza so-
berana, sem os classificar seja por origem dos recursos, seja por objetivos. Considera-se que são vários
os objetivos potenciais dos SWF, nem sempre sendo possível atribuí-los a um fundo em particular. Além
disso, um fundo pode ter mais de um objetivo (Blundell-Wignall et al., 2008).
Pela definição da OCDE, os fundos soberanos seriam conjuntos de ativos de propriedade e admi-
nistração direta ou indireta de governos para alcançar objetivos nacionais variados, cujos recursos pro-
vêm das reservas internacionais, da comercialização de recursos naturais escassos ― em geral petróleo,
gás, metais e minerais ― e de receitas tributárias, estando em sua maior parte aplicada em ativos estran-
geiros. Essa classificação exclui os fundos de reserva para aposentadoria, criados e geridos diretamente
pelos governos (Sovereign Pension Reserve Funds, SPRF), em separado do sistema de seguridade social,
como o norueguês Government Pension Fund Global, exemplo recorrente de transparência na gestão e
na estratégia de investimento no debate em torno dos SWF. Mesmo quando investem em ativos estran-

FUNDOS DE RIQUEZA SOBERANA

126
geiros, os SPRF gerem os seus recursos para atender obrigações específicas, por isso seu horizonte de
investimento seria mais longo e mais bem definido que os SWF. Igualmente, suas políticas de investimen-
to e seus requerimentos de transparência são distintos.
Baseada nessa classificação, a OCDE estima que os ativos totais geridos pelos SWF estejam em
torno de 2,3 trilhões (Tabela 2 do Anexo). Como mostra o Gráfico 1, os maiores fundos soberanos seriam
o dos Emirados Árabes Unidos (com ativos entre 500 a 874 bilhões), o Government of Singapore Invest-
ment Corporation (com ativos entre 100 a 330 bilhões) e o Kuwait Investment Authority, KIA (com ativos
entre 70 a 250 bilhões).

Gráfico 1. Fundos de riqueza soberana, por tamanho estimado (US$ bilhões)

US$ Bilhões Tamanho estimado do Fundo de Riqueza Soberana


Ku C)

a)
t

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em ia

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ão

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C
a
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U
ur
Ar
Si

ap
ng
Si

Extraído de Blundell-Wignal; Hu; Yermo (2008 : 5).

Histórico e desenvolvimentos recentes


Os primeiros fundos de riqueza soberana foram criados na década de 1950. Assim foi, por exem-
plo, com o KIA ― criado em 1953, para receber aportes anuais de 10% das receitas do país com pe-
tróleo ― e com o Revenue Equalisation Reserve Fund, instituído em 1956 pela administração britânica
das Ilhas Gilbert (Kiribati desde 1979), para gerir receitas de royalties pela exploração de fosfato.
Na década de 1970, com a elevação dos preços do petróleo, teve início a segunda onda de criação
de fundos soberanos. Com receitas provenientes da exportação de petróleo, foram criados fundos sobe-
ranos nos Emirados Árabes (o Abu Dhabi Investiment Autority, Adia), nos Estados Unidos (o Alaska Per-
manent Reserve Fund, APRF) e no Canadá (o Alberta Heritage Fund, AHF). O governo de Cingapura criou,
também na década de 1970, o seu primeiro fundo soberano, o Temasek Holding, com recursos oriundos
das receitas com exportações de manufaturados. Em 1981, foi instituido o Government of Singapore
Investment Corporation (GIC), que se tornou o segundo maior fundo soberano, com ativos estimados em
330 bilhões. Desde então, não parou de crescer o número de fundos de investimento criados por gover-
nos de países em desenvolvimento e, também, de economias avançadas (Gráfico 2).

ECONOMIA INTERNACIONAL

127
Gráfico 2. Evolução do número de fundos de riqueza soberana desde os anos 1950

Extraído de Gieve (2008 : 7).

No começo da década de 1990 ― marco inicial da globalização financeira ― teve início a terceira
onda de criação de fundos soberanos, com destaque para o Khazanah Nasional BHD (KNB) da Malásia,
o Pula Fund de Botusuna, o Foreign Exchange Reserve Fund do Irã, o Qatar Investment Authority (QIA), o
State Oil Fund do Azerbaijão, o Kazakhstan National Fund (KNF) e o Taiwan National Stabilisation Fund
(TNSF). Na presente década, foram criados mais de dez novos fundos, como o Stabilization Fund of the
Russian Federation, o Central Hujin Investment Corporation da China (cujos ativos foram, em 2007, incor-
porados ao China Investiment Corporation) e o Korea Investment Corporation. No início de 2008, mais de
20 países possuíam fundos de riqueza soberana, e vários outros já manifestaram interesse em criá-los.
No final de 2007, por exemplo, estava em discussão a criação de fundos soberanos na Bolívia, Brasil,
Índia e Japão (Gieve, 2008 : 2).
Com o recente boom de commodities e os ganhos de competitividade de alguns países em rela-
ção às economias industrializadas, ampliaram-se as receitas dos países exportadores. Esse aumento de
receitas, aliado ao esforço dos países em desenvolvimento em acumular reservas ― sobretudo após a
crise da Ásia de 1997, mediante superávits persistentes em conta-corrente ―, estimulou a proliferação
dos SFW. Seguindo recomendações do Fundo Monetário Internacional, os países em desenvolvimento
adotaram como estratégia manter reservas internacionais líquidas em montante equivalente, no mínimo,
à dívida externa com vencimento inferior a um ano ― diretriz conhecida também como regra Guidotti-
Greenspan-FMI ―, como forma de se evitar o risco de contração abrupta dos fluxos internacionais de
capitais. Assim, de um montante inferior a um trilhão em 1997, as reservas internacionais dos países em
desenvolvimento alcançaram mais de US$ 3,9 trilhões, o que corresponde a mais do que o dobro das
reservas mantidas pelos países avançados (ver Gráfico 3).
O expressivo acúmulo de reservas internacionais pelos países em desenvolvimento viabilizou inú-
meros planos de criação de SWF, com o objetivo de favorecer o fluxo de receita sustentável para fazer face

FUNDOS DE RIQUEZA SOBERANA

128
ao esgotamento dos recursos naturais e/ou a perda de competitividade internacional das empresas do-
mésticas. Igualmente, estimulou a busca de redução do custo de carregamento das reservas. As reservas
internacionais são, em geral, investidas pelos bancos centrais em títulos, líquidos e seguros, dos tesouros
dos países industrializados, em particular dos Estados Unidos. A transferência de parte das reservas para
um fundo de investimento permite a ampliação do retorno, mesmo considerando o maior risco, uma vez que
os SWF investem em ativos financeiros e físicos variados e fazem uso de instrumentos derivativos.

Gráfico 3. Evolução das reservas internacionais, 2000-2007


4,5

4,0

3,5
US$ Trilhões

3,0

2,5

2,0

1,5

1,0

0,5

0,0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Economias Avançadas 0,79 0,78 0,77 0,77 0,82 0,83 0,96 1,19 1,37 1,31 1,39 1,43
Países em desenvolvimento 0,75 0,82 0,88 0,95 1,05 1,14 1,35 1,71 2,21 2,64 3,38 3,90

Fonte: FMI ― International Financial Statistics. Online Database. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Estimativas do FMI, divulgadas no World Economic Outlook em abril de 2008, indicam que em
2009 as reservas internacionais dos países em desenvolvimento atingirão US$ 6,3 trilhões. A China,
cuja estratégia de intervenção no mercado de câmbio conduziu a um rápido acúmulo de reservas (cres-
cimento médio anual de 35% na presente década), responderá, de acordo com as projeções, por 38% do
total (aproximadamente US$ 2,4 trilhões, Gráfico 4). Essas estimativas mostram o elevado potencial de
expansão dos fundos de riqueza soberana.
Como os SWF não divulgam informações detalhadas sobre suas operações, o volume de ativos ge-
ridos por esses fundos estatais não pode ser quantificado com precisão. Além disso, como já mencionado,
os diferentes critérios de classificação dos fundos soberanos conduzem a totalizações distintas. Estimativas
divulgadas pelo Global Insight no dia 28 de abril de 2008 indicam que os ativos sob gestão dos fundos
soberanos totalizavam US$ 3,5 trilhões em dezembro de 2007. Dos ativos totais dos SWF, cerca de 70%
concentram-se nos cinco maiores: Adia, CIG, KIA, Sama e CIC, de propriedade, respectivamente, dos gover-
nos dos Emirados Árabes, Cingapura, Kuwait, Arábia Saudita e China.
Embora os ativos dos fundos soberanos seja o dobro do setor de hedge funds dos Estados Unidos (US$
1,4 trilhões), isso representa apenas 1/20 dos ativos financeiros globais em posse de investidores privados,
tais como fundos de pensão, fundos mútuos de investimentos e seguradoras e 2% do mercado global de

ECONOMIA INTERNACIONAL

129
capitais (Gráfico 5). De acordo com projeções realizadas pelo Morgan Stanley, se mantiverem a taxa de cresci-
mento anual de 13%, observada nos últimos 10 anos, os SWF deterão ativos da ordem de US$ 12 trilhões em
meados da próxima década, o que corresponderá a 5% da riqueza financeira global (Jen, 2008 : 4).

Gráfico 4. Países selecionados: evolução das reservas internacionais. 2000-2009*


2600
2400
2200
2000
1800
US$ Bilhões

1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008* 2009*
Brasil 32 36 38 49 53 54 86 180 220 251
China 169 216 292 409 616 823 1.070 1.531 1.911 2.411
India 28 46 68 100 127 133 171 257 288 301
México 36 45 51 59 64 74 76 87 97 105
Rússia 25 33 45 74 122 177 296 445 583 708

Brasil China India México Rússia

Fonte: FMI ― World Economic Outlook, Tabela A.15, April, 2008. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Nota: (*) Estimativas.

Gráfico 5. Ativos sob gestão dos SWF relativo a outros investidores e ao tamanho dos mercados de
capitais em 20061 (US$ trilhões)

EME Tamanho do mercado


US de ações e títulos

Global
Colocação privada
Fundos de hedge
Fundo de riqueza soberana
Ativos sob gestão
Reservas Oficiais por tipo de
Ativos de Seguradora investidor
Fundos mútuos
Fundos de pensão

0 25 50 75 100 125 150


US$ tri
Extraído de Gieve (2008 : 9).
Nota: (a) Os dados sobre reservas oficiais (FX reservas) e as estimativas para os ativos dos SWF são do ano de 2007.
Observação: EME ― Economias de Mercados Emergentes; US ― Estados Unidos.

FUNDOS DE RIQUEZA SOBERANA

130
Os fundos soberanos têm utilizado parte dos seus recursos para adquirir participações em empre-
sas e bancos nos países industrializados. Os aportes de recursos, em total superior a US$ 40 bilhões, re-
alizados pelos SWF no Citigroup, na Merrill Lynch e em outras instituições financeiras afetadas pela crise
subprime, foram vistos com bons olhos não somente pelas próprias instituições carentes de capital, mas
também pelo Tesouro americano e por vários analistas internacionais (Quadro 1). As aplicações desses
fundos criaram inúmeras oportunidades de negócio nos mercados de capitais. Porém, também levanta-
ram suspeitas, dentro e fora dos EUA, de que os investidores soberanos possam ter objetivos políticos.

Quadro 1. Aporte de capital por SWF em instituições financeiras desde novembro de 2007
Data do Fundo de Instituição Montante
Anúncio Riqueza Soberana Financeira (US$ Bilhões)
26/11/2007 Abu Dhabi Investment Authority Citigroup 7,5
Singapore Government Investment
10/12/2007 UBS 9,8
Corporation
19/12/2007 China Investiment Corporation Morgan Stanley 5,0
24/12/2007 Temasek Holding ― Cingapura Merril Lynch 4,4
Singapore Government Investment
6,9
15/1/2008 Corporation Citigroup
Kuwait Investment Authority 3,0
Korea Investment Corporation 2,0
15/1/2008 Merril Lynch
Kuwait Investment Authority 2,0
TOTAL 40,6
Extraído de Gieve (2008 : 9).

Debate sobre os fundos soberanos nos países avançados


As estimativas de rápido crescimento do volume de recursos geridos pelos SWF ― e, sobre-
tudo, dos fundos soberanos pela China e Rússia ― suscitaram reações nos países avançados. Em
particular, nos Estados Unidos, na Alemanha e na França, os políticos e a imprensa conservadora
passaram a alertar sobre as ameaças potenciais das participações acionárias dos fundos sobera-
nos, principalmente no que se refere às questões de segurança nacional e à falta de transparência
de suas políticas de investimento.
Os enormes superávits dos países exportadores de commodities e dos países asiáticos são o outro
lado da moeda dos déficits em transações correntes de outros países, em particular dos Estados Unidos.
Atualmente, em torno de 95% das reservas oficiais estão investidas em títulos de dívida soberana ou de
agências internacionais, denominados em dólar, euro e libra esterlina, que são aplicações consideradas
líquidas e seguras. Os SWF buscam diversificação dos seus portfólios e investem também em bônus cor-
porativos, ações, private equity, imóveis e outros ativos em um espectro de divisas mais amplo, que inclui
as moedas dos países do G10 e alguns países em desenvolvimento, dos chamados mercados emer-
gentes. De acordo com Setser e Ziemba (2007), os fundos soberanos dos países do Golfo Pérsico, por
exemplo, além de estarem investindo em ações mais do que outros investidores oficiais, teriam reduzido
a participação do dólar (estimada em 60%) em favor de países emergentes (asiáticos) e da Europa.

ECONOMIA INTERNACIONAL

131
Na avaliação de analistas do mercado financeiro, o crescimento dos SWF e suas estratégias de
diversificação podem contribuir ― via "efeito substituição de classe de ativos" ― para a volatilidade nos
preços dos ativos financeiros e taxas de câmbio. A diversificação das aplicações dos SWF podem se
traduzir na redução da demanda por títulos do Tesouro americano, usualmente adquiridos pelos bancos
centrais na gestão das reservas oficiais, com impacto na taxa de câmbio, por exemplo, do euro, caso haja
mudança em direção a ativos denominados nessa moeda. A opacidade dos SWF agravaria o potencial de
risco sistêmico, devido ao risco de comportamento de manada e contágio. A falta de informação sobre a
composição dos portfólios e as estratégias de investimentos dos SWF também suscitariam dúvidas sobre
se tais estratégias são tomadas exclusivamente com o objetivo de ampliar os retornos ou se possuem
motivação geopolítica.
Há quem veja por trás da recente alta dos preços das commodities o resultado da ação dos fundos
soberanos que, como os hedge funds, não estão sujeitos aos requerimentos regulatórios convencionais
de transparência e de divulgação de informação sobre a composição do seus portfólios de investimento.
Embora os fundos soberanos se distingam nitidamente dos fundos de hedge pelo fato de não operarem
com recursos de terceiros e por terem horizonte de mais longo prazo, isto não significa que a especulação
esteja ausente das suas estratégias de investimento; o que não é em si um problema, já que operações
especulativas fazem parte do jogo dos mercados financeiros.
Para alimentar o debate sobre as implicações de tais aquisições para as políticas macroeconô-
mica, industrial e de segurança, contribuiu muito o crescente interesse de empresas originárias dos
chamados mercados emergentes por empresas europeias e americanas. Dois episódios, em particular,
nos Estados Unidos, e que não envolveram fundos soberanos, desencadearam reações de xenofobia e
teorias conspiratórias. Um deles foi a oferta de compra (bid) da americana Unocal Oil Company pela em-
presa petrolífera chinesa CNOCC, em 2005. O outro foi a compra, em 2006, pela Dubai Ports World, da
empresa britânica P&O, que administra negócios da área portuária em diferentes países, incluindo seis
terminais nos Estados Unidos. Essa aquisição provocou tal comoção no Congresso americano que a em-
presa do governo de Dubai chegou a cancelar o negócio. Esses dois casos resultaram em pressões para
reformular o Comitê sobre Investimentos Estrangeiros nos EUA (CIFUS, na sigla em inglês) que culminou
na promulgação do Foreign Investment and National Security Act (FINSA) de 2007. Na Europa, os confli-
tos foram gerados após as aquisições realizadas pela Gazprom, conglomerado estatal russo, em vários
países ― incluindo a compra de participação acionária na empresa aeroespacial Airbus e a tentativa de
obter o controle acionário da Centrica, a principal distribuidora de gás na Grã-Bretanha.
Tanto a CNOCC, como a Dubai Ports e Gazprom são empresas com atuação internacional. Por-
tanto, não há nada inerentemente errado com suas ambições de ampliar suas participações, como bem
ressalta Mendelson (2007 : 7). As aquisições e fusões são práticas constantes entre as empresas mul-
tinacionais. A novidade é que agora são empresas multinacionais de países em desenvolvimento que
estão adquirindo multinacionais de economias avançadas. E o fato de pertencerem a governos fez soar
o alarme em relação às ameaças potenciais dos investimentos diretos estrangeiros realizados pelos fun-
dos de investimentos soberanos, que podem ter motivações geopolíticas.
Em junho de 2007, a aquisição pelo fundo soberano chinês CIC de 10% das ações da Blackstone,
uma das mais agressivas empresas de private equity dos Estados Unidos, que possui o controle da rede
de hotéis Hilton e da Deutsche Telekom, lançou mais lenha nessa fogueira. Essa compra motivou a rea-

FUNDOS DE RIQUEZA SOBERANA

132
ção de Lawrence Summers, ex-diretor do Federal Reserve e professor da Universidade de Harvard, que
em um artigo publicado em sua coluna no Financial Times, no dia 29 de julho de 2007, destacou que os
fundos soberanos contrariam a lógica capitalista, porque são fundos estatais. Segundo Summers (2007),
“a lógica do sistema capitalista depende da ação dos acionistas sobre as empresas de modo a levá-la
a agir no sentido de maximizar o valor de suas participações. Está longe de ser evidente que essa será
a única motivação dos governos como acionistas”. Em sua avaliação, os SWF podem usar o seu peso
estratégico para objetivos nacionalistas, como apoiar as empresas nacionais bem sucedidas, comprando
firmas com conhecimento proprietário ou aumentando o controle sobre instituições financeiras e infraes-
trutura no exterior (portos, energia, telecomunicações).
Igualmente, surgiram propostas no sentido de restringir os investimentos que os fundos sobera-
nos possam realizar, dentre as quais: que os SWF só podem adquirir ações sem direito de voto (Buiter,
2007) ou que sejam encorajados a investir em índices bem diversificados, como S&P 500, Wilsshire
5000, Dow Jones Global Total Market Index etc. (Aizenman e Glick, 2007 : 3). Adicionalmente, alguns
analistas defenderam a reciprocidade nas aquisições de participação acionária, uma vez que alguns pa-
íses em desenvolvimento, proprietários de fundos soberanos, possuem legislações bem mais restritivas
aos IDE que as economias avançadas (FEAR of..., 2007).
O diretor do Centro de Desenvolvimento da OCDE, Xavier Santiso, defende que os fundos de ri-
queza soberana devem assumir papel-chave no financiamento do desenvolvimento, injetando capital em
empresas locais e em projetos dos países emergentes. Além de contribuir para estimular o investimento
acionário nos países em desenvolvimento, os SWF estariam, dessa forma, contribuindo igualmente para
reduzir a volatilidade dos mercados, ao construir portfólios de longo prazo. Em sua opinião, longe de ser
uma ameaça aos países industrializados, os SWF podem ser aliados para estimular o desenvolvimento
nos países mais pobres. Embora os SWF invistam o grosso dos seus portfólios nos países da OCDE em
busca de investimentos seguros e de longo prazo, podem ser igualmente bem servidos realizando inves-
timentos na América Latina, Ásia e África. Nessas regiões, a correlação com os retornos das economias
avançadas é baixa e há enormes gap de infraestrutura. De acordo com Santiso, já estão em curso várias
iniciativas nesse sentido, ainda que sem igual destaque na imprensa internacional, como nos casos de
aportes de capital nos bancos ocidentais. A título de exemplo, menciona os investimentos substanciais
que o fundo soberano Temasek Holding, de Cingapura, realizou em bancos e empresas indianas, como o
ICICI Bank, Tata Sky, Tata Teleservice, Mahindra & Mahindra Car Manufactures, bem como a intenção do
Dubai International Capital de elevar para 30% do seu portfólio os investimentos nos países emergentes
da Ásia (Santiso, 2008).
Nas palavras de Mendelson (2008), Comissário de Comércio da União Europeia, “o debate em
torno dos fundos soberanos gerou muito medo e pouca luz e levou a um aumento na ansiedade geral
em relação à globalização e à mudança econômica”. Em sua avaliação, “não há nada inerentemente
suspeito sobre a riqueza soberana ou o desejo de investi-la produtivamente”. A raiz do problema
está no fato de novos fundos com enormes recursos pertencerem a governos que incomodam a sus-
ceptibilidade dos políticos: China e Rússia, países com credenciais democráticas “mistas”, grande
projeção em política externa e sem registros históricos como investidores. Em sua opinião, “isso não
desqualifica os novos fundos, mas provoca um aumento na necessidade de garantia e confiança”
dos países que recebem os investimentos.

ECONOMIA INTERNACIONAL

133
Para evitar que reações xenófobas contribuam para o aumento do protecionismo nas economias
centrais ― acarretando reações nacionalistas nos países em desenvolvimento, onde estão representadas
importantes empresas multinacionais ―, os governos do G7 solicitaram ao FMI e à OCDE, em outubro de
2007, estudos sobre os fundos soberanos. O FMI foi encarregado de propor um código de conduta para
os SWF em cooperação com seus proprietários, enquanto a OCDE se dedicou a examinar os eventuais
impactos dos investimentos desse fundo nos países industrializados. A ideia é que, para evitar reações
protecionistas, os fundos soberanos devem comprometer-se com a transparência e a maior divulgação
de informações (accountability).
Nos países avançados, existe relativo consenso de que a adesão voluntária dos SWF a um código
de conduta é a maneira efetiva de enfrentar a questão sobre os possíveis riscos de suas operações trans-
fronteiras. Esse código de conduta teria dois pilares fundamentais: a governança e a transparência. A go-
vernança permitiria esclarecer o grau possível de interferência política na gestão dos SWF, contemplando
os seguintes aspectos: clara alocação e separação de responsabilidade na estrutura interna de gestão
dos SWF; definição dos objetivos gerais dos SWF que nortearão sua política de investimento; autonomia
operacional da entidade que executará os objetivos; e divulgação pública dos princípios gerais que regem
as relações dos SWF com as autoridades governamentais. A transparência seria obtida com a divulgação
de informações que permitam um efeito disciplinador da gestão dos ativos soberanos e o monitoramento
de cumprimento ou não dos objetivos. Além de favorecer a disciplina de mercado, essa prática reduziria
o incentivo à intervenção governamental, pois contemplaria a divulgação anual das posições e alocações
de ativos, em particular sobre participações acionárias majoritárias, composição de moeda, alavanca-
gem e sobre a intenção de fazer uso do direito de propriedade.
No início de março de 2008, os líderes da União Europeia aprovaram a proposta para adoção de
um código internacional de conduta dos SWF, incluindo padrões de transparência e governança, com
o propósito de garantir uma política comum de proteção aos “interesses políticos legítimos sem cair na
armadilha do protecionismo” e, ao mesmo tempo, reafirmar o direito dos estados-membros de proteger
setores industriais estratégicos (como o da defesa) contra investimentos estrangeiros indesejados. Tam-
bém em março, o Tesouro dos Estados Unidos anunciou acordo com os fundos soberanos de Cingapura e
dos Emirados Árabes. Esses fundos aceitaram adotar regras em suas políticas de investimento, de modo
a ampliar a divulgação de informações e garantir que suas estratégias de investimentos não tivessem
motivação política, visando apenas a propósitos econômicos de diversificação e rentabilidade.
Como destaca Kern (2007), vários SWF possuem administrações altamente profissionalizadas,
com conhecimento especializado e experiência nos mercados globais de capital. Portanto, a preocupa-
ção dos críticos em relação à capacidade de observar os padrões de governança não são justificáveis,
nem em teoria nem na prática. Esses fundos operam com objetivo de lucro como qualquer outro inves-
tidor institucional. Restringir os investimentos dos SWF em ações sem direito a voto poderia ter efeito
negativo e diminuir a atratividade dos investimentos. Além disso, os países industrializados já possuem
mecanismos de controle formais e informais para Investimento Estrangeiro Direto (IDE) que os permitem
evitar que empresas estrangeiras atuem em segmentos e áreas consideradas sensíveis do ponto de vista
da segurança nacional (Quadros 2 e 3 do Anexo).
Essa opinião é compartilhada pelo Comissário de Comércio da União Europeia. Em discurso
na Conferência sobre Fundos Soberanos, realizada na OCDE em 28 de março de 2008, Mendelson

FUNDOS DE RIQUEZA SOBERANA

134
(2008 : 3) afirmou que, “a despeito da tentação dos políticos em afirmar o contrário, os países da
OCDE já possuem os instrumentos legais necessários para regular o estabelecimento e as ações dos
investidores estrangeiros. Não seriam necessárias novas leis. O que os países avançados precisam
é da garantia de que a conduta benéfica dos SWF no passado permanecerá como um guia útil e
consistente do futuro”.
Reafirmando, todavia, a decisão tomada em 14 de março pelos líderes da União Europeia, Men-
delson defendeu a adoção do código internacional de conduta, que “deve ser entendido pelos SWF não
como uma tentativa de reduzir sua liberdade de ação, mas como a necessária garantia política para pre-
venir a reversão da abertura a investimentos na Europa e nos Estados Unidos”. Em sua opinião, alguns
representantes dos SWF reagiram mal à proposta de adesão ao código de conduta por não quererem que
lhes digam o que fazer com seu dinheiro ― no que tiveram razão. Porém, se os países anfitriões devem
evitar colocar sob suspeita os SWF, esses últimos “precisam também não subestimar a importância de
aderir à transparência e à governança” (Mendelson, 2008).

Considerações finais: questões para o Brasil


No Brasil, as aplicações de fundos soberanos estrangeiros no país não entraram na pauta de dis-
cussão do governo nem da imprensa. Com a abertura financeira realizada na década de 1990, os fundos
soberanos, como qualquer outro investidor estrangeiro, podem comprar, via mercado, participações acio-
nárias em empresas como Vale do Rio Doce, Petrobras e Embraer, que atuam em áreas consideradas de
segurança nacional nos países avançados.
Na pauta de discussão do governo está, no entanto, a criação de um fundo soberano brasileiro. A
ideia foi lançada, no início de outubro de 2007, pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que anunciou
que estava em estudo a constituição de um fundo soberano, com ativos de US$10 bilhões, com o propó-
sito de financiar investimentos de empresas brasileiras no exterior com a intermediação do BNDES.
A ideia de constituição de fundo soberano no Brasil foi recebida com inúmeras críticas, inclusive
do Banco Central do Brasil (BCB) que é o responsável legal pela gestão das reservas internacionais do
país. O BCB defende uma administração mais conservadora desses recursos, com aplicação em títu-
los soberanos de elevada liquidez. Embora tenham-se elevado significativamente na presente década,
atingindo o patamar de US$ 180 bilhões em dezembro de 2007, as reservas internacionais brasileiras
superam em apenas 40% as necessidades brutas de financiamento externo e o estoque de investimento
estrangeiro de portfólio, de acordo com o “Indicador amplo de liquidez externa”. Ou seja, esse indicador
corrobora o argumento do Banco Central.
Além dos obstáculos legais à criação de um fundo a partir das reservas internacionais acumula-
das ― em um contexto como o atual, de crise financeira internacional ―, seria temerário utilizar parte das
reservas acumuladas para constituir um fundo soberano uma vez que, comparativamente aos demais
países que criaram SWF, as reservas brasileiras ainda são pequenas.
Uma alternativa seria a constituição do fundo mediante a aquisição de divisas pelo Tesouro como
emissão de títulos no exterior. Porém, isso esbarra na ausência de superávit fiscal e na alta relação dívida
pública/PIB. Outra possibilidade seria a criação de um fundo com receitas auferidas da tributação das
exportações de commodities primárias, o que, na prática, significaria tributar a Petrobras e a Vale.

ECONOMIA INTERNACIONAL

135
Ao que tudo indica, no caso do Brasil, a constituição de um fundo soberano seria prematura no
contexto atual, seja em função do nível ainda baixo das reservas oficiais vis-à-vis o passivo externo de
curto prazo, seja devido à situação fiscal, seja, ainda, em função de obstáculos políticos associados à
imposição de um tributo sobre as empresas mencionadas acima.

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ECONOMIA INTERNACIONAL

137
AnexoS
Tabela 1. Visão geral de importantes Sovereign Wealth Funds
Ativos Ano de
País Fundo Fonte
(US$ bi) Início
Emirados Árabes Abu Dhabi Investment Authority (ADIA) 875 1976 Petróleo
Cingapura Government of Singapore Investment Corporation 330 1981 Não commoditiy
Noruega Government Pension Fund Global (GPFG) 322 1990 Petróleo
Arábia Saudita Vários fundos 300 nd Petróleo
Kuwait Kuwait Investment Authority (KIA) 250 1953 Petróleo
China China Investment Company Ltd. 200 2007 Não commoditiy
Hong Kong Hong Kong Monetary Authority Investment Portfolio 140 1998 Não commoditiy
Rússia Stabilization Fund of the Russian Federation 127 2003 Petróleo
China Central Hujin Investment Corp. 100 2003 Não commoditiy
Cingapura Temasek Holdings 108 1974 Não commodity
Austrália Australian Government Future Fund (AGFF) 50 2004 Não commodity
Líbia Reserve Fund 50 nd Petróleo
Catar Qatar Investment Authority (QIA) 40 2000 Petróleo
Alaska Permanent Reserve Fund Corperation
EUA 40 1976 Petróleo
(APRF)
Brunei Brunei Investment Agency (BIA) 35 1983 Petróleo
Irlanda National Pensions Reserve Fund (NPRF) 29 2001 Não commodity
Algéria Reserve Fund 25 nd Petróleo
Coreia do Sul Korea Investment Corporation (KIC) 20 2006 Não commodity
Malásia Khazanah Nasional BHD (KNB) 18 1993 Não commodity
Cazaquistão Kazakhstan National Fund (KNF) 18 2000 Petróleo, gás, metais
Canadá Alberta Heritage Fund (AHF) 17 1976 Petróleo
Taiwan Taiwan National Stabilisation Fund (TNSF) 15 2000 Não commodity
Estados Unidos New Mexico State Investment Office Trust Funds 15 1958 Não commodity
Irã Foreign Exchange Reserve Fund 15 1999 Petróleo
Nigéria Excess Crude Account 11 2004 Petróleo
Nova Zelândia New Zealand Superannuation Fund 10 2003 Não commodity
Omã State General Stabilisation Fund (SGSF) 8,2 1980 Petróleo, gás
Chile Economic and Social Stabilization Fund (ESSF) 6,0 2007 Cobre
Botsuana Pula Fund 4,7 1993 Diamantes e outros
EUA Permanent Wyoming Mineral Trust Fund (PWMTF) 3,2 1974 Minérios
Noruega Government Petroleum Insurance Fund (GPIF) 2,6 1986 Petróleo
Azerbaijão State Oil Fund 1,5 1999 Petróleo
Timor Leste Timor-Leste Petroleum Fund 1,2 2005 Petróleo, gás
Investment Fund for Macroeconomic Stabilization
Venezuela 0,8 1998 Petróleo
(FIEM)
Kiribati Revenue Equalisation Reserve Fund (RERF) 0,6 1956 Fosfatos
Chile Chile Pension Reserve Fund 0,6 2007 Cobre
Uganda Poverty Action Fund 0,4 1998 Assistência Externa
Papua-Nova Guiné Mineral Resources Stabilization Fund (MRSF) 0,2 1974 Minérios
Mauritânia National Fund for Hydrocarbon Reserves 0,0 2006 Petróleo, gás
Emirados Árabes Dubai Intern. Financial Centre Investments (DIFC) nd 2002 Petróleo
Angola Reserve Fund for Oil nd 2007 Petróleo
Memo: Projetos de Sovereign Wealth Funds
China State Foreign Exchange Investment Corporation 200 2007e Não commodity
Rússia Future Generations Fund of the Russian Federation 32 2008e Petróleo
Bolívia (Estabelecimento de SWF planejado) nd 2008e Gás natural
Japão (Estabelecimento de SWF planejado) nd nd Não commodity
Total (inclui memo) 3.422,00
Extraído de Kern (2007).

FUNDOS DE RIQUEZA SOBERANA

138
Tabela 2. Estimativas dos recursos geridos pelos SWF (US$ bilhões, datas variadas)
Estimativas de Recursos sob gestão dos SWF, de acordo com
diferentes fontes Reservas
Nome do Fundo, ano de
País Interna-
criação Deutsche Pearson Morgan Intervalo dos
Oficial cionais
Bank Institute Stanley Recursos
Emirados Abu Dhabi Investment
875 500 a 875 875 500 a 875 48,5
Árabes Authority, 1976
Government of Singapore
Cingapura Investment Corporation 330 100 a 330 330 100 a 330 164,90
(GIC), 1981
Arábia Saudi Arabia Monetary
300 300 225 225 a 300 33,8
Saudita Authority (SAMA)1
Kuwait Investment
Kuwait 250 213 70 70 a 250 16,6
Authority (KIA), 1953
China Investment
China 200 200 200 1.528,2
Corporation (CIC), 20072
Stabilization Fund of
Rússia the Russian Federation, 127 122 32 a 127 483,2
2003
Cingapura Temasek Holding, 1972 108 108 100 100 a 108 164,8
Líbia Reserve Fund 50 50 n.a.
Qatar Investment
Qatar 40 50 40 40 a 50 9,9
Authority (QIA), 2000
Argélia Reserve Regulation Fund 25 43 25ª 43 n.a.
Estados Alaska Permanent
40 40 39 39 a 40 70,6
Unidos Reserve Fund, 1976
Brunei Investment
Brunei 35 30 30 30 a 35 n.a.
Authority (BIA), 1983
Korea Investment
Coreia 20 20 20 261,4
Corporation
Casaquis-
National Oil Fund 18 18 18 19,1
tão
Malásia Khazanah Nasional 18 18 17,7 18 101,5
Alberta Heritage Saving
Canadá 17 13 13 a 17 42,2
Trust, 1976
Taiwan National Stability Fund 15 15 15 2,7
USA New Mex SIO Trust Fund 15 15 n.a.
Irã FX Reserve Fund 15 8 8 a 15
Outros 50 50
Total 2.548 1.966 2.038 1.966 a 2.548 2.947,4
Hedge Funds Fundos de Fundos Mútuos
Memo ― Total Pensão da de Investimento
Mundial OCDE ― Total Mundial
2.000 17.915 21.765 5.200
Extraído de Blundell-Wignal, Hu e Yermo (2008).
Notas: (1) O governo da Arábia Saudita está criando um SWF com as reservas detidas pela autoridade monetária e
com outros ativos governamentais. (2) Ativos detidos previamente pela China Huijin Investment Corporation.

ECONOMIA INTERNACIONAL

139
Quadro 2. Mecanismos formais de controle dos investimentos estrangeiros diretos em algumas economias
industrializadas

Estados Unidos Japão França Alemanha Reino Unido


Emenda Exon-Florio Lei de Controle Lei da Indústria
(EFA)1, Ato de Poderes de Câmbio e Lei de Investimen- Lei de Pagamento e de 1975 (Industry
Estrutura
jurídica

Econômicos Interna- Comércio Exterior tos Estrangeiros de Comércio Exterior de Act)


cionais de Emergência (Foreign Exchange 1996 (Foreign Invest- 1961 (Foreign Trade Lei do Comércio
(International Emergency and Foreign Trade ment Law) and Payments Act) Exterior de 1973
Economic Powers Act)1 Control Law, FECL) (Foreign Trade Act)
Governo tem autori-
dade para regular ou
Ordem pública restringir investimen-
Saúde tos estrangeiros com Governo tem
Segurança na- Segurança base na segurança autoridade para
Motivos da revisão

cional Funções públicas nacional, ordem pú- intervir em toma-


Ordem pública Pesquisa, produção blica, política externa, das de controle
Segurança nacional Segurança pú- ou comércio com balança comercial. acionário hostil
blica qualquer substância Ausência de contro- com base no in-
Efeitos adversos destinada para uso les administrativos, teresse nacional,
na economia militar ou equipa- órgãos e práticas inclusive defesa
mento para tempos para monitorar, exa- e espaço aéreo.
de guerra minar, rastrear ou
limitar os investimen-
tos estrangeiros
Obrigatória ex post
Obrigatória ex ante
para todas as tran-
sações ligadas à
Notificação

segurança nacional,
ordem pública, se-
Voluntária Obrigatória Não pertinente Não pertinente
gurança pública e
todos os setores sob
reserva por meio do
Código de Liberaliza-
ção dos Movimentos
de Capitais da OCDE
Ministério das Ministério da Eco-
Comitê de Investimen-
Finanças nomia e Finanças,
revisor
Órgão

tos Estrangeiros nos


Ministério res- em conjunto com os Não pertinente Não pertinente
Estados Unidos (CFIUS,
ponsável pelo Ministérios da Indús-
na sigla em inglês)1
setor industrial tria e da Defesa
Período de revisão
Período de revi-
em30 dias
de revisão
Processo

são em 30 dias
Período de investigação
Período máximo 1 mês Não pertinente Não pertinente
em 45 dias
de extensão até 5
Período de revisão pelo
meses
presidente em 15 dias
Apelação
judicial

Não Sim Sim Não pertinente Não pertinente

continua

FUNDOS DE RIQUEZA SOBERANA

140
continuação
Estados Unidos Japão França Alemanha Reino Unido
caso a caso Sim Sim
Avaliação

Ausência de crité- Ausência de critérios


Sim Não pertinente Não pertinente
rios formais para formais para ava-
avaliação liação

Nove rejeitados em Poderes sob


Evidência

Nenhum desde Poderes sob Lei do


1992, 1993, 1994 Lei da Indústria
Um caso obstruído as revisões da lei Comércio Exterior
por questões de de 1975 nunca
em 1992 nunca invocados
ordem pública invocados
Extraído de Kern (2007 : 12).
Nota: (1) Em 2007, foi aprovada o Foreign Investiment and National Security Act (FINSA) que reforçou os poderes da
CFIUS.

Quadro 3. Barreiras indiretas ao investimento estrangeiro direto


Estados Unidos: Empresas sob controle estrangeiro não podem ser contratadas ou subcontratadas em áreas
que envolvam informações confidenciais.
Japão: Planos de investimentos de empresas sob controle estrangeiro podem ser alterados ou suspensos se
forem considerados ameaça à segurança nacional, ordem pública, segurança pública, sobretudo na área de
aviação, armas, explosivos, energia nuclear e aeroespacial.
União Europeia: Política de concorrência da UE aplicável a todos os projetos de investimentos estrangeiros
relevantes.
França: Empresas estatais, sobretudo na área de defesa, infraestrutura e energia. A França se reserva o direito
de restringir os investimentos estrangeiros nos setores abrangidos pelo Código de Liberalização dos Movimentos
de Capitais da OCDE, sobretudo aéreo, marítimo e setor de seguros. Exceções para o Instrumento de Tratamen-
to Nacional da OCDE em diversos setores. Preferência concedida às empresas nacionais no fornecimento às
forças armadas.
Alemanha: Federal Cartel Office analisa fusões e aquisições, inclusive investimentos diretos estrangeiros,
para verificar violações da lei alemã antitruste. Direito de restringir investimentos em transporte aéreo e
marítimo e telecomunicações sob o Código de Liberalização dos Movimentos de Capitais da OCDE. Exceções
para o Instrumento de Tratamento Nacional da OCDE para investimentos estrangeiros em transporte aéreo e
marítimo.
Reino Unido: Participação golden share do governo e limite de 29,5% à participação estrangeira na British
Aerospace PLC e na Rolls Royce PLC. Empresa sob controle estrangeiro não pode ser contratada para forne-
cer na área da defesa. Exigências de cidadania para empresas envolvidas em atividades confidenciais. Veto à
transferência de ativos para determinadas empresas. Restrições às atividades de investimentos estrangeiros
em determinados setores. Sob o Código de Liberalização dos Movimentos de Capitais da OCDE, o Reino Unido
reserva-se o direito de restringir investimentos estrangeiros nos setores de transportes aéreo e marítimo e tele-
comunicações. Restrições ao Instrumento de Tratamento Nacional da OCDE em contratos de fornecimento no
setor aeroespacial, transporte marítimo e defesa.
Extraído de Kern (2007 : 13)

ECONOMIA INTERNACIONAL

141
DO “VoO DA GALINHA”
AO CRESCIMENTO SUSTENTADO:
POSSIBILIDADES E INCERTEZAS

Luis Fernando Novais

o
desempenho da economia brasileira após o Plano Real, contextualizado na nova série das Contas
Nacionais (1995 a 2007, referência 2000), é tratado na primeira seção deste artigo. Na mesma
seção, o desempenho do Brasil é comparado com as economias avançadas e os países em desen-
volvimento. Na seção seguinte, discute-se a questão da sustentabilidade do crescimento econômico1.

Evolução da Economia Brasileira após o Plano Real e Desempenho


Recente da Atividade Econômica
O contexto econômico do Brasil nos últimos doze anos caracterizou-se pela oscilação da atividade
produtiva, que refletiu, em certa medida, a vulnerabilidade externa do país ante os ciclos de liquidez do
mercado financeiro internacional e do comércio mundial. Analistas de diferentes vertentes cunharam ex
post a expressão “voo da galinha” para caracterizar o desempenho da economia brasileira, qualificando-o
nos seguintes termos: nos períodos ascendentes do ciclo global, a economia brasileira não conseguiu alçar
patamares mais elevados de crescimento e, quando ocorreu expansão, o dinamismo não se sustentou.
Ao longo dos anos, o “filme” da crise foi reprisado diversas vezes e cumpriu, via de regra, um conhe-
cido roteiro, qual seja: ao ser deflagrada a crise externa, com redução do fluxo de capitais para os países
em desenvolvimento, a política monetária doméstica reagiu e elevou a taxa de juros para estimular a en-
trada de capitais e controlar a escalada dos preços, dados a reduzida capacidade de geração de dólares
e o baixo patamar de reservas do país. O efeito colateral dessa terapia recai sobre a atividade econômica,
uma vez que o consumo doméstico sofre restrição e os ciclos de investimentos são abortados.

1 Esta nota foi elaborada com informações disponíveis até 4 de abril de 2008.-

DO “VoO DA GALINHA” AO CRESCIMENTO SUSTENTADO: POSSIBILIDADES E INCERTEZAS

142
Três períodos marcaram a trajetória recente do Brasil entre 1995 e 2007. O primeiro abrange a gestão
macroeconômica após o Plano Real até 1998 e é pautado pelo controle do processo inflacionário mediante
a âncora cambial no âmbito do regime de bandas cambiais. O segundo inicia-se em 1999, com a implan-
tação do regime de câmbio flutuante e do sistema de metas de inflação, e se estende até 2002. O terceiro
período, entre 2003 e 2007, é caracterizado pelo aprofundamento da política econômica do período anterior,
baseada na busca de três fundamentos básicos, quais sejam: (i) a obtenção de superávit primário nas contas
públicas, que dê sustentação a uma trajetória descendente da dívida pública; (ii) a manutenção do câmbio
flutuante com o viés, em 2007, de intervenção do Banco Central na compra crescente de reversas internacio-
nais; e (iii) o cumprimento da meta de inflação por meio do uso da política monetária, guiada pela expectativa
do mercado ante a elevação futura dos preços ao consumidor e pela medida do hiato do produto.
A insustentabilidade dos déficits em transações correntes, acumulados no período de vigência da
âncora cambial, foi trazida à tona com a crise cambial de 1998. As turbulências no mercado financeiro
internacional (crises asiática e russa) afetaram o Brasil, e o país foi obrigado a recorrer a empréstimos
do FMI para fechar as contas do balanço de pagamentos. Naquele ano, o déficit em transação corrente
atingiu 4,0% do PIB; a taxa de juros básica subiu, em outubro, para 42% em termos anualizados, e a
economia ficou estagnada depois de ter crescido em média 3,3% entre 1995 e 1997. O Gráfico 1 permite
notar o primeiro “pouso forçado” da economia brasileira pós-Plano Real.

Gráfico 1. Taxa de crescimento anual do PIB, do consumo das famílias e da formação bruta de capital fixo

13,4

10,0
8,6 8,7 9,1

7,3
6,5
5,7 5,4
5,0 4,6
4,3 4,0 4,5
4,2 3,43,0 3,8 3,6 3,8
3,2 3,2
2,7
2,2 1,9
1,5 1,3 1,1
0,70,4
0,0 0,3 0,4

-0,7 -0,3 -0,8

-4,6
-5,2

-8,2

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

PIB a preços de mercado Consumo das Famílias Formação Bruta de Capital Fixo

Fonte: IBGE. Contas Nacionais (referência 200). Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Os efeitos deletérios da elevação da taxa de juros espraiaram-se pela economia brasileira. Em


1999, a taxa básica de juros permaneceu acima de 25% a.a. durante todo o primeiro semestre, deprimin-
do a formação bruta de capital fixo, que caiu 8,2% em relação ao ano anterior. A contribuição (em pontos
percentuais) da demanda interna ao crescimento do PIB foi negativa em 1,5%. A situação só não foi pior
em função da desvalorização do Real, que inibiu as importações e fez a demanda externa contribuir po-
sitivamente (1,7 ponto percentual) para a expansão do PIB (Gráfico 2).

ECONOMIA BRASILEIRA

143
Gráfico 2. Contribuição da demanda para o crescimento anual do PIB (em pontos percentuais)

7,2
6,9

5,0 5,2
4,3
3,9

2,7 2,5 2,7


1,7 1,7
0,8 0,7
0,3 0,5 0,2 0,5
-0,5 -0,5 -0,3
-0,5
0,0 -1,4
-1,5 -1,5

-3,0

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Demanda Interna Demanda Externa

Fonte: IBGE. Contas Nacionais (referência 200). Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Os ajustes microeconômicos realizados pelas empresas privadas na década de 90, em função do


aumento da concorrência externa no contexto das aberturas comercial e financeira, foram postos à prova
após a desvalorização do Real, em 1999. Os custos industriais aumentaram e o mercado externo passou
a ser fundamental para as estratégias das grandes empresas nacionais e multinacionais.
O Quadro 1 mostra as principais variáveis e preços-chave da economia nos dois períodos de vigên-
cia do câmbio flutuante (1999-2002; 2003-2007), com destaque para o ano de 2007.

Quadro 1. Evolução das principais variáveis e preços-chave da economia brasileira por períodos: 1999 a 2007

Variáveis \ Períodos 1999 - 2002 2003 - 2006 2007


Favorável com
Cenário Externo Restritivo Benigno aumento da
volatilidade
Transações Correntes (em % do pib,
-3,5 1,4 0,3
média do período)
Reservas Internacionais (U$ bilhões,
36,4 56,1 142,7
média do período)

PIB Brasil (média do período) 2,2 3,4 5,4


1999 1,81 2003 3,08
2000 1,83 2004 2,93
Câmbio Nominal R$ / U$ - média 1,95
2001 2,35 2005 2,44
2002 2,92 2006 2,18
1999 26,80% 2003 23,10%
2000 17,80% 2004 16,40%
Juros (meta Selic, média anual) 2001 17,60% 2005 19,40%
11,90%
2002 19,50% 2006 15,40%
1999 8,94% 2003 9,30%
2000 5,97% 2004 7,60%
Inflação (IPCA, variação no ano) 7,67% 2005 5,69%
4,46%
2001
2002 12,53% 2006 3,14%

Fonte: IBGE, Banco Central e Ipeadata. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap

Em primeiro lugar, cabe destacar o quão fundamental é o comportamento do cenário externo na


definição do desempenho da economia brasileira. No período desfavorável, entre 1999 e 2002, quando

DO “VoO DA GALINHA” AO CRESCIMENTO SUSTENTADO: POSSIBILIDADES E INCERTEZAS

144
o fluxo de capitais financeiros (portfólio e outros investimentos), juntamente com o Investimento Direto
Externo (IDE), retraiu num contexto de baixo crescimento dos países centrais2, o PIB, o saldo em transa-
ções correntes e as reservas internacionais apresentaram os piores resultados na comparação entre os
períodos: em média, o PIB cresceu apenas 2,2%, o saldo em transações correntes permaneceu deficitário
em 3,5% como proporção do PIB e as reservas internacionais ficaram restritas ao montante de U$ 36,4
bilhões de dólares, na média do período.
Dois fatores foram cruciais para explicar essa trajetória. As sucessivas desvalorizações do Real
entre 1999 e 2002 ― que, ao longo desses anos, foram-se mostrando insuficientes para ajustar as con-
tas externas ― pressionaram a inflação para cima, especialmente os preços dos bens comercializáveis
e os preços administrados, cujos contratos oriundos das privatizações foram indexados ao IGP, índice
mais sensível aos choques da taxa de câmbio. Além desse impacto inflacionário, as desvalorizações não
afetaram positivamente a balança comercial como era de se esperar, especialmente em relação às expor-
tações, que não se expandiram em função do desempenho desfavorável do comércio mundial, em função
tanto dos baixos preços das commodities, como do pequeno dinamismo da demanda externa.
A variável de ajuste, naquela fase, foi a atividade econômica, dado que o cenário externo impôs res-
trições à gestão da política monetária. A política monetária procurou reduzir a transferência dos choques
exógenos para os índices de preços, diminuindo o ritmo de crescimento da demanda doméstica mediante a
elevação da taxa de juros3. Como se pode ver no Gráfico 2, a contribuição da demanda interna para o cres-
cimento real do PIB, entre 1999 e 2002, ficou próxima de zero, com exceção do ano 2000, quando a taxa
de câmbio nominal ficou estável e a inflação foi mais baixa. Em 2001 e 2002, o PIB só não caiu de forma
mais intensa devido ao recuo das importações, que determinou o aumento da contribuição da demanda
externa ao crescimento.
No final do período, o cenário econômico convivia, de um lado, com uma atividade econômica
restringida pela política monetária e pelos efeitos negativos do ‘apagão’ de energia elétrica e, de ou-
tro, com a aceleração dos índices de inflação, que chegaram ao final de 2002 na casa de dois dígitos
(12,5%, variação anual do IPCA).
A fase inaugurada na gestão do governo Lula, em 2003, caracterizou-se pela mudança do cená-
rio internacional, do ponto de vista tanto dos fluxos financeiros como do comércio mundial. O ciclo de
liquidez no mercado financeiro internacional ganhou força ao longo no período e abriu oportunidade
para o Brasil atrair para si um fluxo crescente de capitais (portfólio e aplicações em renda fixa) e de
Investimentos Direto Externo (IDE). Estados Unidos e Japão, que tinham passado por forte desacele-
ração entre 2000 e 2001, retomaram rápida e expressivamente o crescimento econômico. Os países
que compõem os BRICs, especialmente a China e a Índia, também aceleraram a taxa de crescimento
do PIB a partir de 2002 (ver Gráfico 3).
Os efeitos da aceleração da economia mundial rebateram no Brasil, de forma mais expressiva, a
partir de 2004. Nota-se um aumento nas exportações, especialmente de manufaturados, devido à expan-
são do quantum e dos preços dos bens exportados pelas indústrias. O ajuste microeconômico realizado
pelas empresas ao longo da abertura comercial (redução de custos, diferenciação de produtos e inova-

2 Para uma análise detalhada do panorama da inserção externa do Brasil, consultar Prates (2006).
3 O Quadro 1 indica certa estabilidade da taxa de juros na média do ano em 2001 e pequeno aumento em 2002. Todavia, houve
aumentos mais pronunciados nesses anos (em julho de 2001 a taxa Selic alcançou 18% a.a. e, em dezembro 2002, a taxa chegou
a 25% a.a. Para maiores detalhes sobre os impactos dos ciclos de liquidez no Brasil, consultar Farhi (2006).

ECONOMIA BRASILEIRA

145
ções tecnológicas) e as desvalorizações ocorridas pós-crise cambial de 1999 aumentaram a competitivi-
dade da estrutura produtiva brasileira. Aliado a esses fatores, o baixo dinamismo do mercado interno, até
2003, também influenciou as estratégias das empresas no sentido de direcionarem ao mercado externo
parcela crescente da produção e do investimento.

Gráfico 3. Taxa de crescimento anual do PIB — EUA, Japão e Bric

12,0

10,0

8,0

6,0

4,0

2,0

0,0

-2,0

-4,0

-6,0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
EUA 2,5 3,7 4,5 4,2 4,4 3,7 0,8 1,6 2,5 3,6 3,1 2,9 2,2
Japão 2 2,7 1,6 -2 -0,1 2,9 0,2 0,3 1,4 2,7 1,9 2,4 2,1
Brasil 4,2 2,2 3,4 0,0 0,3 4,3 1,3 2,7 1,1 5,7 2,9 3,7 5,4
China 10,9 10,0 9,3 7,8 7,6 8,4 8,3 9,1 10,0 10,1 10,4 11,1 11,5
Rússia -4,1 -3,6 1,4 -5,3 6,4 10,0 5,1 4,7 7,3 7,2 6,4 6,7 7,0
Índia 7,6 7,5 4,9 5,9 6,9 5,4 3,9 4,5 6,9 7,9 9,0 9,7 8,9

EUA Japão Brasil China Rússia Índia

Fonte: FMI e Word Outlook Economic, setembro de 2007. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Nota: (1) Brasil, Rússia, Índia e China

De 2004 a 2007, também a balança comercial brasileira foi beneficiada pela elevação dos preços
das commodities, associada ao intenso crescimento da China. Neste contexto, ocorreram superávits co-
merciais crescentes, a despeito do processo de valorização do Real ocorrido ao longo do período4.
O cenário externo benigno, ao gerar entrada de divisas no país via saldos na balança comercial e en-
trada de capital financeiro, permitiu que a política monetária fosse flexibilizada. A apreciação cambial atuou
no sentido de jogar para baixo os preços e estabilizar as expectativas do mercado em relação à evolução
futura da inflação. Isto abriu espaço para a taxa de juros (Selic) cair e criou um ciclo virtuoso entre deman-
da externa, demanda doméstica e investimentos. A taxa de câmbio nominal (média do ano), entre 2003 e
2006, caiu de 3,08 para 2,18; e a taxa anual da inflação (IPCA) diminuiu de 9,3% para 3,14%.
Os indicadores da economia brasileira, resumidos no Quadro 1, melhoraram entre 2003 e 2006:
o PIB cresceu em média 3,4% e as transações correntes tornaram-se superavitárias em 1,4% como
proporção do PIB, e o patamar de reservas subiu para U$S 56,1 bilhões de dólares. Entretanto, cabe
destacar que a economia brasileira apresentou o menor crescimento do PIB dentre os países que com-

4 Um dos fatores explicativos, além dos já citados, desse fenômeno de aumento das exportações e apreciação cambial tem
natureza financeira. O elevado patamar de juros no Brasil, a despeito da trajetória cadente nos últimos três anos, gerou um mais
alto diferencial em relação às taxas de juros cobradas no exterior. Neste contexto, as empresas exportadoras anteciparam os ACC
(Adiantamento de Contratos de Crédito) e aplicaram as receitas em dólar convertidas em Real no mercado financeiro doméstico,
conseguindo manter parcela da sua rentabilidade.

DO “VoO DA GALINHA” AO CRESCIMENTO SUSTENTADO: POSSIBILIDADES E INCERTEZAS

146
põem o Bric (Gráfico 3) desde a vigência do câmbio flutuante, fato que demonstra o baixo perfil da in-
serção externa do Brasil, mais centrada em mercados de menor valor agregado com base em recursos
naturais, a despeito de o país ter sido escolhido como plataforma exportadora de alguns segmentos
(como, por exemplo, as montadoras).
O Gráfico 4 mostra a taxa de crescimento de dois principais componentes da demanda interna
e as variações do quantum das importações e das exportações entre 2000 e 2007. Notam-se, do lado
doméstico, a instabilidade da trajetória do consumo e do investimento e, do lado do comércio exterior, a
elasticidade da importação em relação à taxa de câmbio e ao investimento, além da perda de dinamismo
das quantidades exportadas, especialmente em 2006 e 2007.

Gráfico 4. Taxa de crescimento do consumo doméstico do investimento e do quantum


das exportações e importações

22,0

18,0
13,4
14,0
9,1 10,0
10,0
6,5
6,0 4,0 5,0 4,5 4,0
3,8 3,6
1,9
2,0 0,7 0,4

-2,0 -0,8

-6,0 -5,2 -4,9

-10,0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

-14,0
Consumo Doméstico Investimento
Exportação - quantum Importação - quantum

Fonte: IBGE. Contas Nacionais (referência 200). Funcex. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Nos períodos de desvalorização cambial e de taxa de juros elevadas, as quantidades importadas


e os investimentos caíram de forma expressiva e as exportações foram a válvula de escape para a ativi-
dade produtiva, especialmente em 2003. Na fase de recuperação, na qual a apreciação cambial jogou
papel decisivo no controle da inflação e na queda da taxa de juros, a expansão das quantidades exporta-
das perdeu dinamismo e ficou na faixa de 5% (2006 e 2007). Já o consumo doméstico e o investimento
cresceram neste período e estimularam o aumento das importações.
Essa trajetória virtuosa foi mantida até meados de 2007 e teve como indutor fundamental o mo-
mento especial da economia mundial. A manutenção desse ciclo ― caracterizado pela melhoria dos ter-
mos de troca da economia brasileira, pela redução da taxa de juros doméstica, pelo aumento do inves-
timento produtivo, pela expansão do mercado interno e pela redução da inflação ― foi problematizada
pela eclosão da crise financeira internacional, centrada nos Estados Unidos, e levanta dúvidas sobre a
capacidade de esse ciclo manter-se nos próximos anos.
Antes de discutir os desdobramentos desta crise, cabe destacar os fatores que influenciaram a
recuperação do mercado interno. A economia brasileira vem passando por uma alteração do patamar de
crescimento desde 2004 e por uma mudança do seu eixo dinâmico. Excluindo o ano de 2005, quando

ECONOMIA BRASILEIRA

147
o Banco Central, pautado pelo descolamento das expectativas de elevação dos preços em relação à
meta de inflação, elevou a taxa de juros, os anos de 2006 e 2007 foram de aceleração do crescimento
econômico. Nestes dois anos, o principal vetor de dinamismo foi a demanda doméstica, que contribuiu
com, respectivamente, 5,2 e 6,9 pontos percentuais na expansão do PIB. A demanda externa passou a
contribuir negativamente neste período, devido ao incremento das importações acima do patamar das
exportações (ver Gráficos 1 e 2).
Três fatores impulsionaram a expansão do mercado interno. Como primeiro fator, destacam-se as
mudanças ocorridas no mercado de crédito, fundamentais para dar impulso ao consumo. O atual ciclo
de crédito começou com a implantação do sistema de empréstimos consignados em folha de pagamento
aos aposentados, o que deu acesso ao crédito “barato” a um expressivo grupo populacional. Os ban-
cos sentiram-se seguros para aumentar a oferta de financiamento e alongar os prazos, uma vez que a
inadimplência não se elevou e a taxa de juros foi-se reduzindo gradualmente. As empresas capitalizadas
ampliaram a utilização de empréstimos para alavancar os seus negócios. Esses fatores propiciaram um
crescimento do crédito acima de dois dígitos nos últimos dois anos.
O segundo fator foi que o mercado de trabalho voltou a crescer: a queda da inflação e o aumento
da oferta de emprego, aliados à política de recuperação do valor real do salário mínimo, abriram espaço
para a recuperação dos rendimentos dos trabalhadores, que haviam perdido valor entre 1999 e 2003.
Nota-se que, de 2004 a 2007, houve expansão da ocupação, tanto nas principais regiões metropolita-
nas como no interior do país. Esse crescimento ocorreu com tendência de formalização das relações de
trabalho, especialmente a partir de 2007, quando houve maior participação dos empregos com carteira
assinada. O aumento da atividade industrial e o contínuo crescimento das vendas no varejo deram segu-
rança para que os empresários formalizassem os novos empregos. As sinergias do mercado de trabalho
― queda da taxa de desocupação e aumento da massa de rendimento e do emprego formal ― realimen-
taram o ciclo de crédito e deram sustentação ao consumo.
O terceiro fator foi que o mercado doméstico também se beneficiou da consolidação de um con-
junto de políticas sociais distributivas de renda, cujo destaque é o programa Bolsa Família. Novos consu-
midores surgiram no país. As condições socioeconômicas deste contexto deram acesso a uma cesta de
consumo mais ampla para a parcela mais desprotegida da população brasileira.
O atual ciclo de expansão, baseado nos elementos acima descritos, avançou para uma etapa supe-
rior. O consumo lastreado no ciclo de crédito gerou demanda para a indústria de transformação e ocasio-
nou elevação do nível de utilização da capacidade instalada. A apreciação do Real, embora tenha reduzido
a competitividade da indústria no mercado externo, barateou os preços dos bens de capital importados e
está contribuindo para a modernização do parque produtivo instalado no Brasil. As empresas ampliaram
as decisões de investir a partir de 2004, impulsionadas também pela elevação da rentabilidade corrente
dos seus negócios. Entre 2003 e 2007, a formação bruta de capital fixo cresceu 40,2% e a taxa de investi-
mento a preços correntes em proporção do PIB passou de 15,3% (2003) para 17,6% (2007).
O ano de 2007 marcou a divisão entre uma situação de tranquilidade em relação à condução
da política econômica e de maior turbulência no cenário internacional, num contexto de aceleração do
crescimento doméstico. Nesse ano, a economia brasileira obteve desempenho mais robusto em relação
à média de crescimento observada entre 1995 e 2003: o PIB cresceu 5,4% e se aproximou do resultado
obtido em 2004 (5,7%, Gráfico 5).

DO “VoO DA GALINHA” AO CRESCIMENTO SUSTENTADO: POSSIBILIDADES E INCERTEZAS

148
Do lado da oferta, o destaque foi a expansão mais homogênea dos setores: no acumulado em
quatro trimestres, a indústria expandiu-se 4,9% e o segmento de serviços avançou 4,7% na mesma base
de comparação, com aceleração no último trimestre do ano. Nota-se o expressivo aumento da produção
de bens de capital (líder da expansão) e de bens de consumo duráveis. No setor de serviços, as maiores
altas foram registradas nos segmentos de comércio (7,6%) e de informações (8,0%). A agropecuária apre-
sentou o melhor desempenho dos últimos três anos, com crescimento de 5,3% em 2007.

Gráfico 5. PIB (Volume) ― Taxa de crescimento acumulada em quatro trimestres

20,6 20,7
20,4
19,4

13,4
12,2
11,0
9,3
8,0
5,4 6,96,0 6,5 6,4 6,6
5,1 5,7 5,3 4,7 5,6
4,8 4,7 4,94,9 4,4 5,2
3,9 4,2 4,9 4,3
3,9
2,9 3,1
2,8 2,7 2,8

PIB - Preços Agropecuária Indústria - Serviços - Consumo das Consumo do Formação Exportações Importações
de M ercado Total total Famílias Governo bruta de
capital fixo

I Trim-07 II Trim-07 III Trim-07 IVTrim-07

Fonte: IBGE. Contas Nacionais (referência 200). Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Do lado da demanda, os destaques são os resultados positivos do consumo das famílias, da for-
mação bruta de capital fixo e das importações, que cresceram, entre 2006 e 2007, 6,5%, 13,4% e 20,7%,
respectivamente. O consumo do governo apresentou um desempenho positivo, mas de menor intensida-
de (3,1%). As exportações cresceram 6,6%, um terço da alta observada nas importações.

Perspectivas
Se, do ponto de vista do desempenho da economia, o ano de 2007 foi virtuoso, os desdobramen-
tos desse dinamismo num cenário externo mais restritivo, devido à crise financeira dos EUA, já mostra-
vam sinais potenciais de desequilíbrio no balanço de pagamentos. A apreciação cambial, que ajudou a
deixar a inflação abaixo da meta em 2006, cobrava o seu preço. No final de 2007, a taxa de câmbio no-
minal chegou ao patamar de 1,75, retirando competitividade das exportações e estimulando um número
maior de empresas a aderir às importações.
A diminuição do saldo da balança comercial, combinada com o aumento das remessas de lucros
e a maior volatilidade nos investimentos de portfólio, reduziu o superávit das transações correntes para
0,3% do PIB, em 2007. As projeções do saldo em transações correntes, para 2008, indicavam um déficit
na casa de 1% do PIB (algo em torno de U$ 18 bilhões de dólares), o que impõe limites à condução da
política monetária.
Esse fato tornou-se realidade. Desde setembro de 2007, o Banco Central manteve a taxa de juros
básica (Selic) na faixa de 11,25% a.a. Na Ata do Copom de 13 de março de 2008 e no relatório de inflação

ECONOMIA BRASILEIRA

149
publicado no final daquele mesmo mês, os gestores da política econômica evidenciaram a preocupação
com as pressões inflacionárias oriundas de um aquecimento do consumo avaliado como exagerado, e
introduziram um viés “prudencial” de alta na taxa de juros, mesmo com a expectativa do mercado (rela-
tório Focus, do Banco Central, de 28/3/2008) sobre a trajetória do IPCA ficar dentro da meta de inflação
estipulada pelo Conselho Monetário Nacional.
Na primeira fase do boom no comércio mundial, após a recessão dos EUA em 2001, a elevação
dos preços das commodities não significou pressão adicional na inflação dos países avançados e dos pa-
íses em desenvolvimento. No período recente, o crescimento da demanda mundial por matérias-primas
(combustíveis, minério de ferro e alimentos), devido ao dinamismo do conjunto de países em desenvolvi-
mento, especialmente a China e na Ásia, aliado ao aumento dos preços das exportações oriundas destes
países, estabeleceu um vetor altista na inflação mundial. Essa tendência já se manifestava no Brasil: a
inflação ao consumidor terminou, em 2006, na casa de 3,1%, e em 2007 a taxa fechou em 4,46%. Os
índices de preços no atacado estão mais pressionados: o IPA-DI apresentou variação de 6,7% no acumu-
lado em doze meses findos em fevereiro de 2008.
Portanto, a gestão da política econômica entrou em uma fase mais difícil a partir de 2008, devido
ao aumento da volatilidade dos fluxos de capitais para o país e à tendência de alta dos preços das maté-
rias-primas, no mercado mundial. O governo chegou a tomar, em março, medidas para deter a apreciação
do Real e aumentar a competitividade das exportações: (i) cobrança de uma alíquota de 1,5% de IOF so-
bre os investimentos estrangeiros de portfólio em renda fixa; (ii) fim da cobrança de IOF nas operações de
câmbio dos exportadores; (iii) autorização para que os exportadores mantivessem, em contas bancárias
no exterior, sua receita em dólar.
A sintonia fina dos preços-chave da economia ― juros e câmbio ―, ante o desenrolar da crise
internacional, faria a diferença entre abortar a expansão do investimento produtivo com uma eventual
elevação mais forte da taxa de juros ou esperar alguns meses para avaliar os desdobramentos do cenário
externo e, aí sim, decidir se o cenário doméstico, especialmente a trajetória da inflação e a evolução do
hiato do produto, estão ou não compatíveis com a meta de inflação.
Todavia, é notório que as condições de financiamento da economia brasileira estão melhores.
O volume de reservas internacionais, a situação patrimonial e o baixo endividamento da empresas, o
ingresso de Investimento Direto Externo num contexto de crescimento econômico e a desdolarização do
passivo externo do setor público dotaram o país de condições para enfrentar as turbulências advindas
da crise externa. Outro fator que serviu para amortecer os impactos negativos da crise foi o eventual
descolamento do desempenho produtivo das economias em desenvolvimento em relação à trajetória de
desaceleração dos países avançados. Segundo o FMI, a economia americana perdeu participação no
crescimento mundial e as economias em desenvolvimento, especialmente a China, ganharam espaço na
produção de riqueza global.
Se o cenário de desaceleração dos EUA não for de aprofundamento em direção a uma recessão
prolongada, e se as notícias sobre os prejuízos nos balanços dos bancos não ultrapassarem os limites do
razoável, são grandes as condições de o Brasil conseguir passar por essa crise sem precisar interromper
de forma brusca o crescimento econômico doméstico, caso o Banco Central tenha calma na condução
da política monetária. Mas se, ao contrário, a crise se alastrar e a desaceleração contaminar regiões que
ainda mostram dinamismo, o apetite dos investidores pelo risco tenderá a refluir, e o fluxo de capitais

DO “VoO DA GALINHA” AO CRESCIMENTO SUSTENTADO: POSSIBILIDADES E INCERTEZAS

150
não virá para o Brasil no volume necessário para estabilizar a taxa de câmbio. Neste cenário, cresce
consideravelmente a probabilidade de a atividade econômica ser a variável de ajuste, pois a receita para
combater uma provável desvalorização cambial é conter a demanda, via aumento da taxa de juros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FARHI, Maryse. O impacto dos ciclos de liquidez no Brasil: mercados financeiros, preços e política monetária.
In: CARNEIRO, Ricardo (Org.) A supremacia dos mercados e a política econômica do governo Lula. São
Paulo: UNESP, 2006, p. 173.

PRATES, Daniela M. A inserção da economia brasileira no governo Lula. In: CARNEIRO, Ricardo (Org.) A supre-
macia dos mercados e a política econômica do governo Lula. São Paulo: UNESP, 2006, p. 133.

RELATÓRIO FOCUS, Brasília, DF: Banco Central do Brasil, 28 Mar. 2008.

ECONOMIA BRASILEIRA

151
A crise global e a
‘morte súbita” do
PIB brasileiro no
4º trimestre de 2008

Luis Fernando Novais

A
ruptura do sistema financeiro internacional contaminou intensamente a atividade econômica nos
países centrais e periféricos e, via redução do fluxo global do comércio mundial e paralisia do mer-
cado de crédito, impactou a economia brasileira.
Esta nota técnica objetiva analisar, na próxima seção, a situação da economia mundial após o
aprofundamento da crise global em meados de setembro de 2008 e avaliar quais foram os efeitos des-
ta ruptura no Brasil, aprofundando a análise do resultado do PIB em 2008. A seção seguinte traz uma
comparação do desempenho da economia brasileira entre 1995 e 2008, particularmente do PIB, em
relação ao conjunto de países Bric e países da América Latina. E, na última seção, são apresentadas as
perspectivas para a evolução da economia brasileira.

A crise econômica global e a ‘morte súbita’ do PIB no último trimestre de 2008

O ciclo de expansão pré-aprofundamento da crise financeira no Brasil


No período pré-crise, o papel do sistema financeiro internacional no desenvolvimento econômico era
visto, segundo a opinião dos analistas de mercado, como uma relação virtuosa entre a desregulamentação
financeira e o ciclo de crescimento mundial. A crença era de que na globalização, sob a égide da desre-
gulamentação das finanças, a farta oferta de crédito e a expansão dos ativos beneficiavam a “economia
real”. Os problemas inerentes ao estouro da bolha de ativos no setor imobiliário nos EUA que pudessem vir
a impactar o mercado financeiro global não eram considerados no discurso dominante, embora análises
alternativas alertassem sobre a insustentabilidade das bases em que o ciclo vinha se reproduzindo.

A CRISE GLOBAL E A ‘MORTE SÚBITA’ DO PIB BRASILEIRO NO 4º TRIMESTRE DE 2008

152
É inegável que os ativos financeiros, a capacidade produtiva e o consumo cresceram ao redor do
mundo. Em contrapartida, notava-se um processo de descolamento sem precedentes entre a valorização
dos ativos financeiros e os volumes de produção e de comércio mundiais. Até o primeiro semestre de
2007, esse ciclo expansivo parecia reproduzir-se quase automaticamente e sem limites à valorização da
riqueza: as expectativas altistas nos mercados eram lastreadas pelas opiniões das agências de avaliação
de risco, que validavam as inovações financeiras e o processo de securitização das dívidas, e “construí-
am” o elo de confiança entre os bancos comerciais, os bancos de investimentos, as corretoras, os fundos
de pensão e os investidores privados e públicos em um mercado cada vez mais competitivo1.
A prosperidade da periferia e o dinamismo dos países centrais davam credibilidade ao mainstream.
Sob o véu da liquidez disseminada por inovações financeiras “exóticas” nos portfólios dos principais bancos
comerciais e de investimento, e com capital financeiro abundante a procura de rentabilidade, as empresas au-
mentaram as decisões de investimento, abriram espaço para tomar dívidas e atraíram novos sócios. A propen-
são a consumir aumentou ao redor do mundo. O efeito riqueza dos ganhos no mercado financeiro e de capitais
sobre as renda das famílias criou espaço para que o endividamento dos consumidores crescesse acima da
remuneração do fator trabalho. Geravam-se lucros recordes nas instituições financeiras e nas empresas.
Nesse contexto, a economia americana, a zona do Euro, a Ásia e as economias periféricas, com
algumas exceções, apresentaram sete ou mais anos de expansão consecutiva do PIB até o momento
da eclosão da crise. No caso dos países Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), guardadas as diferenças de
intensidade, o crescimento médio desses países foi superior à média mundial.
A conjugação de um cenário externo extremamente favorável até meados de 2007 e de um ciclo de
crédito doméstico criou condições especiais para o Brasil. A Tabela 1 traz as variações do PIB e da inflação
entre 1995 e 2008, além dos saldos das transações correntes e da balança comercial, o volume de reservas
internacionais e de investimento direto externo (IDE). Nesse ambiente, quatro tendências atuaram simultane-
amente na dinâmica econômica, algo inédito se olharmos o desempenho dos últimos vinte anos. Após 2003,
notam-se: (i) aceleração do ritmo de crescimento da atividade econômica; (ii) desaceleração dos índices de
inflação até 2007; (iii) geração de superávits crescentes na balança comercial com resultados positivos nas
transações correntes (até 2006); e (iv) expressivo acúmulo de reservas internacionais em 2007 e 2008.
A economia brasileira “surfou” nessa onda a partir de 2004. Beneficiou-se do crescimento do comércio
mundial e da liquidez no mercado financeiro internacional. O financiamento do balanço de pagamentos foi faci-
litado pelo crescente superávit na balança comercial e pelo IDE, que tem comportamento pró-clíclico e assumiu
papel importante no financiamento do balanço de pagamento, agregando valor ao investimento doméstico.
A primeira dessas tendências manifestou-se logo que a confiança dos agentes econômicos, após o
ajuste (aperto na política monetária) realizado em 2003, foi restabelecida e o novo governo assumiu a “res-
ponsabilidade” de manter inalterado o perfil da política econômica, baseado no regime de câmbio flutuante, no
sistema de metas de inflação e na obtenção de superávit primário nas contas públicas. Nos últimos cinco anos,
excluindo-se 2005, a atividade econômica apresentou trajetória ascendente. Segundo o IBGE, a taxa de expan-
são real do PIB acumulada em quatro trimestres findos em setembro de 2008 alcançou 6,3% (Tabela 1).
A política de transferência de renda do governo federal, aliada à recuperação do rendimento real
e da ocupação dos trabalhadores e à retomada do mercado de crédito, moldou o dinamismo do mercado

1 Sobre o assunto, ver Krugman e Greenspan (2008).

ECONOMIA BRASILEIRA

153
interno. A menor volatilidade macroeconômica a partir de 2004 e a expectativa de redução na taxa bási-
ca de juros, combinada com a introdução do crédito consignado, fizeram com que os bancos voltassem a
emprestar de forma mais consistente e agressiva2.

Tabela 1. Evolução do PIB e da inflação, saldos das transações correntes e da balança comercial, e volu-
me das reservas internacionais e do investimento direto externo (IDE)

Saldo em
Volume de Balança Co- Reservas Inter-
Transações IDE (U$
Período PIB¹ IGP-DI² IPCA² crédito Total mercial (U$ nacionais (U$
correntes bilhões)³
(% PIB)3 bilhões)³ bilhões)³
(%PIB)3
1995 4,4 14,8 22,4 32,1 -2,4 -3,5 51,8 4,4
1996 2,2 9,3 9,6 29,5 -2,8 -5,6 60,1 10,8
1997 3,4 7,5 5,2 26,8 -3,5 -6,8 52,2 19,0
1998 0,0 1,7 2,5 27,9 -4,0 -6,6 44,6 28,9
1999 0,3 20,0 8,9 24,9 -4,3 -1,2 36,3 28,6
2000 4,3 9,8 6,0 26,4 -3,8 -0,7 33,0 32,8
2001 1,3 10,4 7,7 24,7 -4,2 2,7 35,9 22,5
2002 2,7 26,4 12,5 22,0 -1,5 13,1 37,8 16,6
2003 1,1 7,7 9,3 24,0 0,8 24,8 49,3 10,1
2004 5,7 12,1 7,6 24,5 1,8 33,6 52,9 18,1
2005 3,2 1,2 5,7 28,1 1,6 44,7 53,8 15,1
2006 3,8 3,8 3,1 30,2 1,3 46,5 85,8 18,8
2007 5,7 7,9 4,5 34,2 0,1 40,0 180,3 34,6
1º Tri/08 5,9 9,2 4,7 35,5 -0,6 34,1 195,2 36,8
2º Tri/08 6,0 14,0 6,1 36,3 -1,2 30,7 200,8 30,4
3º Tri/08 6,3 11,9 6,3 38,7 -1,6 28,7 207,5 37,4
4º Tri/08 5,1 9,1 5,9 41,3 -1,8 24,7 206,8 45,0
Fonte: IBGE, Ipeadata, Banco Central do Brasil, MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Notas: (1) Trimestres de 2008: variação% acumulada em quatro trimestres. (2) Variação acumulada em 12 meses. (3)
Acumulado em 12 meses.

Emprego e renda crescentes, crédito mais fácil, custos decrescentes e com prazos alongados,
funding do investimento produtivo mais abrangente e com maior acessibilidade (financiamento ex-
terno, mercado de capitais e BNDES mais ativo), produziram a mais longa fase de crescimento eco-
nômico dos últimos 28 anos. A média anual de expansão do PIB, entre 2003 e 2008, foi de 4,6%. A
economia brasileira apresentou expansão anual média de 2,1% entre 1980 e 2000. Nesse período,
o PIB cresceu de forma mais consistente em dois momentos; no pós-Plano Cruzado (1985 a 1989)
e no pós-Plano Real (1993 a 1997, excluído o ano de 1998) com expansões médias anuais de, res-
pectivamente, 3,5% e 3,9%.
O recente ciclo de crescimento foi ao longo do período ancorando-se no mercado interno, como
fator dinâmico. No terceiro trimestre de 2008, o consumo das famílias cresceu 6,7% no acumulado em
quatro trimestres (Gráfico 1), reflexo da evolução favorável da massa de rendimento e, principalmente, do
aumento do endividamento dos consumidores que, atraídos pelas melhores condições dos financiamen-
tos, passaram a comprar bens duráveis, de forma mais agressiva.
2 Para uma análise mais detalhada das tendências recentes do crédito no Brasil, ver o artigo “O mercado de crédito no Brasil:
tendências recentes”, neste volume.

A CRISE GLOBAL E A ‘MORTE SÚBITA’ DO PIB BRASILEIRO NO 4º TRIMESTRE DE 2008

154
Gráfico 1. Variação real do PIB acumulada em quatro trimestres — Componentes da demanda (em%)
25
22,8

20
18,5

17,0

15
13,8

10

6,7
6,3
5,4 5,6
5,1 5,1
5
2,8

0
PIB Preços de Mercado Consumo das Famílias Consumo do Governo Formação Bruta de Capital Fixo Exportações -0,6 Importações

-5

1 tri 07 2 tri 07 3 tri 07 4 tri 07 1 tri 08 2 tri 08 3 tri 08 4 tri 08

Fonte: IBGE. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Outro fator que dá consistência ao consumo doméstico é a sistemática de aumento do salário míni-
mo, que considera a alta do PIB de dois anos anteriores e a inflação acumulada em doze meses no cálculo
do reajuste anual, o que está garantindo aumentos reais e consistentes aos trabalhadores e aposentados
cujos rendimentos estão atrelados a esse salário. Nesse sentido, a forma adotada pelo governo para rea-
justar o salário mínimo é um vetor estabilizador “automático” da economia — ou seja, preserva o poder de
compra de parte importante da população mesmo em situações de retração do nível de atividade3.
Em outra direção, as exportações foram progressivamente perdendo força na composição da de-
manda do país, de uma expansão acumulada, em quatro trimestres, na faixa de 8,5% no segundo trimes-
tre de 2007, nota-se que houve menor expansão (2,8%) no terceiro trimestre de 2008. Já a trajetória das
importações seguiu tendência oposta, ganhou dinamismo no período e alcançou crescimento expressivo
de 22,8% no terceiro trimestre de 2008, na mesma base de comparação.
Para dar respaldo ao aumento da demanda no ciclo de crescimento após 2003, os empresários
aceleraram os investimentos, os quais, até o terceiro trimestre de 2008, não deram nenhuma indicação
de perda de ritmo. No acumulado em quatro trimestres findos em setembro de 2008, nota-se crescimen-
to de 17,0% (Gráfico 2). Nesse contexto, a produção de máquinas e equipamentos e a importação de
bens de capital cresceram, respectivamente, 20,0% e 37,1%, no acumulado em doze meses até setem-
bro de 2008, em relação ao mesmo período anterior.
Desde o início da recuperação econômica, a formação bruta de capital fixo manteve trajetória ascen-
dente. A partir de março de 2004, foram dezoito trimestres consecutivos de expansão, o que resultou em
elevação real da ordem de 73,2%, entre o último trimestre de 2003 e o terceiro trimestre de 2008.
As decisões dos empresários de aplicar recursos em inversões produtivas são originadas de avalia-
ções específicas. Basicamente, a efetivação dessas decisões privadas dependerá da comparação entre
3 O governo vem editando medidas provisórias de reajuste do salário mínimo em 2008 e 2009. O projeto de lei que cria uma política
permanente de reajuste do salário mínimo até 2023, com regras baseadas na variação do PIB de dois anos anteriores e a inflação acu-
mulada em 12 meses , está parado na Câmara dos deputados (esperando para ser incluído na pauta de votação) desde junho de 2008,
depois que o Senado aprovou a emenda que estendeu o reajuste para os aposentados que ganham mais de um salário mínimo.

ECONOMIA BRASILEIRA

155
a taxa de retorno esperado do negócio — ou seja, de um lado, do valor presente esperado do fluxo de
receitas menos o custo de aquisição de máquinas e equipamentos e, de outro lado, da remuneração de
um ativo opcional aos ativos de capital4.

Gráfico 2. Taxa de variação acumulada em quatro trimestres — Formação bruta de capital fixo
25

20

17,0

15 13,8

10

-5

-10
1 tri 94
2 tri 94
3 tri 94
4 tri 94
1 tri 95
2 tri 95
3 tri 95
4 tri 95
1 tri 96
2 tri 96
3 tri 96
4 tri 96
1 tri 97
2 tri 97
3 tri 97
4 tri 97
1 tri 98
2 tri 98
3 tri 98
4 tri 98
1 tri 99
2 tri 99
3 tri 99
4 tri 99
1 tri 00
2 tri 00
3 tri 00
4 tri 00
1 tri 01
2 tri 01
3 tri 01
4 tri 01
1 tri 02
2 tri 02
3 tri 02
4 tri 02
1 tri 03
2 tri 03
3 tri 03
4 tri 03
1 tri 04
2 tri 04
3 tri 04
4 tri 04
1 tri 05
2 tri 05
3 tri 05
4 tri 05
1 tri 06
2 tri 06
3 tri 06
4 tri 06
1 tri 07
2 tri 07
3 tri 07
4 tri 07
1 tri 08
2 tri 08
3 tri 08
4 tri 08
Fone: IBGE. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Como forma de inferir a evolução dos determinantes do investimento privado, o Gráfico 3 traz dois indica-
dores proxy (aproximações) do que seria a rentabilidade esperada das inversões em capital fixo das empresas,
quais sejam: o nível de utilização da capacidade instalada (Nuci) e a relação entre os preços no atacado e os
preços das máquinas e equipamentos. A hipótese que está por traz da utilização desses indicadores é de que,
quando utilizam mais intensamente a capacidade produtiva, as empresas dão sinal de rentabilidade positiva
— e se houver elevação da relação entre os preços que as indústrias recebem pelos seus produtos e os preços
(custos) dos equipamentos (IPA-Total/IPA máquinas e equipamentos), a propensão a investir deverá crescer.
Dois períodos recentes são marcantes. Entre o final de 2004 e o início de 2005, a elevação da taxa
de juros (Selic) desestimulou a atividade econômica, e o nível de utilização da capacidade instalada arre-
feceu. Concomitantemente, nesse período, perdeu força o choque positivo de preços internacionais e da
taxa de câmbio doméstica sobre os preços recebidos pela indústria e sobre os custos dos equipamentos. A
combinação desses fatores reduziu o dinamismo do investimento: a taxa de expansão da formação bruta de
capital fixo caiu para a faixa abaixo de 5% no acumulado até o último trimestre de 2005 (ver Gráfico 2)
A partir do último trimestre de 2006, nota-se que o ambiente econômico passou a ser pró-inves-
timento. As empresas passaram a utilizar mais capacidade instalada com o crescimento do mercado
interno estimulado pelo ciclo de crédito e pela redução da taxa de juros, e o indicador de preços relativos
dos investimentos parou de cair em 2006, iniciando uma trajetória ascendente após julho de 2007.
Diversos fatores atuaram no sentido de melhorar os preços relativos das inversões de capital fixo das
empresas: (i) o aumento da demanda interna abriu espaço para a remarcação de preços no atacado; (ii) os
preços das importações de bens de capital ficaram praticamente estáveis em 2007 e cresceram abaixo da
média dos preços das importações totais em 2008; (iii) o choque exógeno positivo dos preços das commodi-

4 Para detalhes sobre o referencial teórico dos determinantes dos investimentos, ver Amitrano (2006).

A CRISE GLOBAL E A ‘MORTE SÚBITA’ DO PIB BRASILEIRO NO 4º TRIMESTRE DE 2008

156
ties manifestou-se mais intensamente nos preços das exportações do que nos custos de capital fixo das em-
presas. Nesse quadro, a taxa de investimento da economia (formação bruta de capital fixo como proporção
do PIB) cresceu e, no terceiro trimestre de 2008, atingiu o patamar de 20,3%, a preços do ano anterior.

Gráfico 3. Nuci e índices de preços relativos dos investimentos


140
87
130
85

120
83

base ago 94 = 100


em %

110
81

100
79

77 90

75 80
nov

nov

nov
jul

nov
jul
set

nov
jan/02

jul
mar

nov
mai

set
jan/03

jul
mar

nov
mai

set
jan/04

jul
mar
mai

set
jan/05

jul
mar
mai

set
jan/06

jul
mar
mai

set
jan/07
mar
mai

set
jan/08
mar
mai
Nível de utilização da capacidade instalada com auste sazonal (eixo da esquerda)
IPA - EP - DI / IPA - EP bens de investimento - máquinas e equipamentos (eixo da direita)
Fonte: CNI e FGVDADOS. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Do lado da oferta, observa-se um perfil equilibrado de crescimento do PIB na passagem de 2007


para 2008. No acumulado em quatro trimestres findos em setembro de 2008, a indústria e o setor de
serviços cresceram praticamente no mesmo ritmo. No primeiro caso, a taxa alcançou 5,8% e, no segun-
do, a expansão foi de 5,7%. A agropecuária mostrou resultado mais robusto, com 7,2% de aumento, na
mesma base de comparação. Em 2006, o desempenho desses segmentos foi menor e mais desigual,
particularmente na indústria e nos serviços (Tabela 2).

Tabela 2. Taxa de variação real do PIB acumulada em quatro trimestres — Componentes setoriais da oferta
Produto Interno Bruto 1 tri 06 2 tri 06 3 tri 06 4 tri 06 1 tri 07 2 tri 07 3 tri 07 4 tri 07 1 tri 08 2 tri 08 3 tri 08 4 tri 08

PIB Preços de Mercado 3,4 3,3 3,7 4,0 4,2 5,1 5,3 5,7 5,9 6,0 6,3 5,1
Agropecuária 1,1 1,4 3,9 4,5 5,8 6,3 5,4 5,9 5,4 7,8 7,2 5,8
Indústria 2,1 1,4 2,0 2,3 2,2 4,3 4,8 4,7 5,6 5,3 5,8 4,3
Extrativa Mineral 10,9 9,2 7,5 4,4 1,8 2,6 2,4 2,8 2,8 2,8 4,3 4,3
Transformação 0,7 -0,3 0,4 1,1 1,6 4,2 5,1 4,7 5,8 5,2 5,3 3,2
Construção Civil 3,2 3,4 4,4 4,7 3,5 4,5 4,4 5,0 6,6 7,4 9,2 8,0
Produção e distribuição
de eletricidade, gás e água 3,0 3,1 3,7 3,5 3,8 5,1 5,2 5,9 6,3 5,3 5,3 4,5

Serviços 3,8 3,9 4,1 4,2 4,5 4,7 4,8 5,4 5,2 5,3 5,7 4,8
Comércio 4,5 4,2 4,4 5,9 4,7 5,7 6,5 7,1 8,0 8,2 8,7 6,1
Transporte 2,7 1,5 1,2 2,1 2,3 4,1 5,1 5,3 5,6 5,3 5,2 3,2
Serviços de informação 3,1 2,1 2,4 1,6 3,0 5,0 5,1 7,0 7,2 7,4 8,7 8,9
Instituições Financeiras 6,3 8,1 8,7 8,4 8,7 8,3 9,6 14,5 14,7 14,4 13,4 9,1
Outros Serviços 4,4 4,6 4,6 4,0 5,4 5,0 3,7 2,7 1,8 2,2 3,6 4,5
Aluguel de Imóveis 3,9 3,4 3,2 3,0 3,5 4,0 4,1 4,1 3,9 3,5 3,3 3,0
Administração Pública 2,2 3,0 3,4 3,3 3,1 2,6 2,3 2,4 1,7 1,8 2,0 2,3

Fonte: Contas nacionais, IBGE. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

ECONOMIA BRASILEIRA

157
Dentre os setores que cresceram acima do PIB no terceiro trimestre de 2008, destacam-se os
resultados das instituições financeiras (13,4%), do setor de serviços de informação (8,7%), do comércio
(8,7%) e da construção civil (9,2%). O expressivo aumento do crédito da economia alavancou diversos seg-
mentos do setor financeiro (financeiras, bancos comerciais e seguradoras), que passaram a operar com
maior escala e margem. A ampliação da base de computares na economia, pessoais e nas empresas, e os
novos serviços de transferência de dados on-line, bem como os serviços acoplados nos planos de telefonia
celular e na TV a cabo, foram os determinantes do excelente desempenho do segmento de informação. O
crescimento do comércio acima da média do PIB refletiu o dinamismo do consumo das famílias. E, por fim,
o “boom” do setor imobiliário, estimulado até agora pela crescente oferta de crédito e pela maior confiança
da população na situação econômica, somado aos investimentos em aumento da capacidade produtiva na
indústria e no comércio (shopping centers), dinamizaram a indústria da construção civil.
A despeito de a vulnerabilidade externa ser menor hoje em dia e a solvência do país não ser
questionada no curto prazo, após o início da crise financeira, em junho de 2007, antigas “mazelas” da
economia brasileira — redução do saldo comercial e aumento da volatilidade da taxa de câmbio — come-
çaram a se impor com mais intensidade no cenário doméstico, fato esse que coloca desafios à gestão
da política econômica doméstica.
Ao longo de 2007, e especialmente em 2008, o crescimento doméstico foi acompanhado pela de-
terioração do saldo das transações correntes. De um desempenho positivo na faixa de 1,5% do PIB entre
2004 e 2006, esse saldo tornou-se negativo em 2008 (-1,8% em percentual do PIB no acumulado até o
quarto trimestre). No curto prazo, tal característica complementa o financiamento do desenvolvimento
econômico, especialmente quando parte desse capital transforma-se em investimento produtivo, e não se
configura como um estrangulamento imediato às contas externas do país, mas se tal tendência for extra-
polada para um período mais largo de tempo, desequilíbrios maiores poderão impor restrições importantes
aos fundamentos macroeconômicos do país. Um fator que contrabalança esse potencial de desequilíbrio é
o acúmulo de reservas pelo país, que ultrapassou o montante de U$ 200 bilhões no final de 2008.
Os indicadores das contas nacionais para o setor externo (ver Gráfico 1) mostram que parte dessa
deterioração no saldo das transações correntes deveu-se ao menor dinamismo das exportações e ao
expressivo aumento das importações. A valorização da taxa de câmbio5 atua corroendo paulatinamente
a rentabilidade e a competitividade dos exportadores e estimula a estrutura produtiva a adquirir, cada vez
mais, bens importados. No acumulado em quatro trimestres até setembro de 2008, as vendas externas
cresceram apenas 2,8%, enquanto as aquisições de mercadorias no exterior alcançaram taxa de expan-
são de dois dígitos (22,8%).
Em termos de valor, o saldo da balança comercial caiu de um patamar de U$ 45,6 bilhões em
2006 para o montante de U$ 28,7 bilhões no acumulado em quatro trimestres até o terceiro trimestre
de 2008. Essa queda só não foi maior devido ao extraordinário aumento dos preços das commodities
observado nos últimos doze meses6 (especialmente petróleo e alimentos), o que compensou a redução
do quantum das exportações de bens manufaturados.

5 Nos primeiros sete meses de 2008, o real foi a moeda que mais se valorizou em relação ao dólar, no ranking dos países emer-
gentes. Para maiores detalhes, consultar o artigo “O mercado de câmbio em 2008”, neste volume.
6 O artigo “Inflação mundial e preços das commodities”, publicado neste volume, faz uma análise pormenorizada da dinâmica dos
preços das commodities até meados de agosto de 2008.

A CRISE GLOBAL E A ‘MORTE SÚBITA’ DO PIB BRASILEIRO NO 4º TRIMESTRE DE 2008

158
Para validar a hipótese de que a diminuição do saldo comercial será de tal intensidade que conta-
minará a taxa nominal de câmbio, é preciso ter uma noção mais precisa do desempenho dos preços das
commodities no mercado mundial e quais serão os efeitos específicos desse movimento sobre a balança
comercial brasileira.
Um estudo acerca desse tema, produzido por economistas do Bndes, avança na compreensão
destas questões (Rodrigues Júnior e Nascimento, 2008). Os autores ponderam que, para avaliar
corretamente o efeito da queda dos preços das commodities na balança comercial, não é correto negli-
genciar o peso dos produtos básicos — trigo, cobre, petróleo e gás natural — na pauta de importações do
Brasil (algo em torno de 15%). Ou seja, a diminuição da atividade econômica mundial irá afetar os preços
dos produtos básicos exportados pelo país (soja, minério de ferro, açúcar, suco de laranja, carne bovina,
álcool, café, milho etc.), o que fará reduzir o saldo comercial; porém, haverá também ganhos com a queda
nas cotações dos produtos básicos importados pelo Brasil.
A pesquisa construiu cenários para avaliar esses impactos na pauta comercial do país. No cenário
mais pessimista, assume que os preços das commodities retornarão aos níveis médios de 2004, ano que
antecedeu o movimento de alta dos produtos agrícolas e de certos metais. Foram calculados as perdas e os
ganhos, e obteve-se uma redução projetada da ordem de U$ 10,8 bilhões no saldo comercial brasileiro.
O estudo ressalta, também, que os ganhos de competitividade das empresas de determinados
setores são concretos e refletem a recente diversificação das exportações em um contexto de valorização
cambial, o que dá ao país um diferencial positivo no comércio internacional. Em suma, segundo o traba-
lho, a estrutura produtiva do país está em melhores condições de competir, em comparação com outros
países latino-americanos mais dependentes das exportações de produtos primários, em um ambiente
externo menos favorável.
De fato, além dessa relativa melhor inserção das empresas brasileiras de alguns setores no mer-
cado internacional, se olharmos para o passado recente da economia brasileira notaremos uma trajetória
com poucas ressalvas : (i) o mercado interno ganhou robustez com a ampliação do consumo e da partici-
pação do crédito na economia, em um contexto de formalização dos postos de trabalho e de crescimento
do rendimento dos ocupados nas principais regiões metropolitanas do país; (ii) a taxa de crescimento do
investimento produtivo foi 2,5 vezes superior à expansão do PIB; (iii) a atual recuperação da construção
civil repôs na ativa um setor que apresentava baixo dinamismo nos últimos anos; (iv) o investimento públi-
co em infraestrutura passou a ser considerado estratégico com a implementação do Plano de Aceleração
do Crescimento (PAC); (v) a expansão do endividamento das pessoas físicas e jurídicas não foi seguido,
até agora, por aumento significativo da inadimplência.
Ao longo desse recente ciclo da economia mundial, a elevação da inflação ganhou atenção dos
bancos centrais, inclusive no Brasil. A trajetória altista dos preços da commodities configurou-se, es-
pecialmente em 2007, como o problema a ser enfrentado. Esse movimento tornou-se explosivo com a
combinação de três fatores: (i) o desequilíbrio entre oferta e demanda mundiais de alimentos, petróleo e
commodities metálicas; (ii) a desvalorização do dólar, que forçou os produtores de commodities a aumen-
tar os seus preços; e (iii) as commodities que se tornaram um “ativo” pelo quais investidores passaram a
apostar recursos em busca de rentabilidade7.

7 Para uma avaliação do tema, veja o artigo “Inflação mundial e preços das commodities”, neste volume.

ECONOMIA BRASILEIRA

159
Os bancos centrais reagiram e usaram a mesma terapia, aumentaram as taxas de juros para re-
alinhar o ritmo de crescimento do produto às novas condições de oferta global de insumos. No Brasil, o
choque exógeno de elevação dos preços da commodities aumentou os índices do atacado e contaminou
a inflação ao consumidor: o IGP-DI e o IPCA cresceram para o patamar de, respectivamente, 11,9% e
6,3%, no acumulado em 12 meses até o terceiro trimestre de 2008. A reação da política monetária no
Brasil ocorreu em abril de 2008, quando o Banco Central começou a elevar a taxa Selic, que passou de
11,25% para 13,75% em setembro de 2008, patamar em que permaneceu até dezembro de 2008.
Em suma, nos momentos que antecederam a eclosão da crise financeira em meados de 2007, a
economia e o comércio mundiais passavam por um intenso ciclo de alta que gerava desequilíbrios nos
mercados reais: a elevação da inflação era um sintoma desse processo, e a valorização de ativos, espe-
cialmente no mercado imobiliário, ultrapassava limites prudenciais. Nesse contexto, as taxas de juros
foram elevadas, o que colocou os tomadores de dívidas em situação difícil. O fato é que a crise financeira
global pegou o Brasil no seu melhor momento econômico da última década e meia.

O fim do período de “exuberância irracional”


O ciclo econômico — que teve como pano de fundo a lógica da “exuberância irracional” — chegou
ao fim com as notícias de que o sistema bancário americano estava envolvido no mercado de hipotecas
de alto risco (subprime) e apresentava sinais de deterioração muito forte no curto prazo, e que os pro-
blemas não estavam restritos aos EUA. A partitr do terceiro trimestre de 2007, os resultados trimestrais
dos balanços patrimoniais das principais instituições financeiras nos EUA e na Europa apresentaram
bilionárias perdas com os títulos de dívidas e produtos estruturados lastreados em hipotecas subprime. A
inesperada falência do Lehman Brothers, em setembro de 2008, foi o evento que desencadeou o proces-
so de pânico no mercado financeiro internacional e elevou a crise ao nível máximo de estresse8.
Durante outubro de 2008, o mercado de crédito ficou praticamente paralisado e o Ted spread,
indicador de risco sistêmico, alcançou um patamar elevadíssimo9. As expectativas quanto à evolução da
economia real colapsaram em função da escassez quase absoluta do crédito e do seu custo proibitivo.
O resultado negativo do PIB dos países desenvolvidos nos dois últimos trimestres de 2008 expressou a
profundidade da crise (Gráfico 4): os países centrais entraram em recessão, e os países periféricos ou reduzirão
fortemente o seu crescimento (China) em 2009 ou estão entrando em recessão no primeiro trimestre do ano.
As autoridades econômicas no Brasil fizeram uma leitura benevolente da gravidade da situação eco-
nômica mundial. Partindo da hipótese de que a economia brasileira estava relativamente “blindada”, a
política monetária foi mantida preventivamente apertada até dezembro de 2008. Essa estratégia de po-
lítica econômica baseava-se na visão de que algumas características especiais evitariam o contágio mais
grave da crise. Ponderava-se que a economia brasileira resistiria devido: (i) ao elevado patamar de reservas
internacionais; (ii) à situação fiscal controlada vis-à-vis às crises anteriores; (iii) à obtenção do grau de inves-
timento de duas agências internacionais de risco (no final de abril e em maio de 2008); e (iv) ao padrão de
crescimento econômico centrado no mercado doméstico, menos dependente do comércio exterior.

8 Cf. o artigo “Panorama e perspectivas das avançadas: sob o signo da crise”, neste volume
9 Ted spread: diferença entre a taxa de juros dos depósitos interbancários de três meses em eurodólar e a taxa de juros de juros
de três meses do tesouro americano. Em meados de outubro, o indicador alcançou o patamar de 5,5 p.p.; no período pré-crise, ele
se situou na faixa de 1,5 p.p.

A CRISE GLOBAL E A ‘MORTE SÚBITA’ DO PIB BRASILEIRO NO 4º TRIMESTRE DE 2008

160
Gráfico 4. OCDE — Crescimento trimestral do PIB (variação% em relação ao período anterior, com
ajuste sazonal)

1,2

0,9
0,8 0,8
0,7 0,7
0,6 0,6
0,5
0,4 0,5
0,4
0,3
0,2 0,2
0,1 0,1

0,0 0,0
-0,1
-0,3
-0,3 -0,3 -0,3

-0,7

-1,6
-1,6
-1,8

-2,0 -2,0

T 3-2007 T 4-2007 T 1-2008 T 2-2008 T 3-2008 T 4-2008

E s tados Unidos Área do E uro G7 OC DE -T otal R eino Unido

FONTE: OCDE. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Guiado por essa concepção, o objetivo do Banco Central foi aproximar os índices de preços do centro
da meta ainda em 2008 e controlar a trajetória de aceleração do crescimento econômico pré-crise. A ma-
nutenção elevada da taxa de juros básica, enquanto os países centrais e os países asiáticos reduziram as
suas respectivas taxas, buscava, até agosto, neutralizar a explosão nas cotações das commodities e mitigar
o movimento interno de aceleração da demanda. Após setembro, a preocupação do Banco Central passou
a ser com os efeitos da desvalorização do real10 sobre as expectativas do mercado em relação à inflação.
A perspectiva concreta de ocorrer um processo mundial de deflação nos preços das commodities
no bojo da crise global — e, portanto, de menores pressões sobre a inflação doméstica — não foi suficiente
para sensibilizar a opinião dos gestores da política econômica no sentido de o Copom flexibilizar a política
monetária. Somente em janeiro de 2009, o Banco Central iniciou o movimento de redução da meta da
taxa de juros (Selic), quando os efeitos da crise já se faziam sentir com mais força na atividade econômi-
ca. Ou seja, foram necessários quatro meses para que as autoridades econômicas se convencessem de
que, nesta crise, diferentemente do passado, os efeitos deletérios do passthrough da desvalorização do
real sobre aos preços domésticos seriam bem menores.
A ironia desse contexto foi que o próprio efeito da crise na atividade econômica e nos preços das
commodities recolocou as expectativas do IPCA no centro da meta perseguida — e, mesmo que o Banco
Central tivesse reduzido um pouco mais cedo a taxa de juros, dificilmente isso impediria que o país so-
fresse os impactos da ruptura do sistema financeiro internacional.
O fato é que o desenrolar dos acontecimentos deixou claro que a avaliação da crise global foi no míni-
mo ingênua por parte do governo. Valeu a máxima: “quando não se sabe o que está acontecendo, o melhor
é deixar as coisas como estão”! As autoridades monetárias atacaram os problemas de iliquidez no mercado
financeiro provenientes da crise com medidas como a liberação do compulsório, a maior oferta de swaps cam-
biais no mercado futuro, a venda de dólar no “spot” e a concessão de linhas de crédito em moeda estrangeira,
mas deixaram à atividade econômica o legado de uma das maiores taxas de juros do planeta.
10 A desvalorização nominal do real pós-crise foi de 40,0%, entre os dias 1 de setembro e 31 de dezembro de 2008.

ECONOMIA BRASILEIRA

161
O Brasil não estava imune. Pelo menos dois canais diretos de contágio atuaram no início da crise,
no país, após setembro de 2008: (i) a retração da demanda externa; e (ii) a escassez de crédito no merca-
do financeiro internacional. No primeiro caso, a queda da demanda externa foi forte e abrupta e impactou
a balança comercial brasileira, o que consequentemente afetou a produção e o investimento da indústria
de transformação, da extrativa mineral e da agropecuária brasileira.
A movimentação de mercadorias no comércio mundial mostrou como a reversão do quadro foi
muito intensa (Tabela 3). Até o terceiro trimestre de 2008, o fluxo global de comércio (exportação + impor-
tação) crescia a taxas superiores a 20%, em relação ao mesmo período de 2007. A queda nos preços das
commodities e a retração das economias dos países centrais afetaram os fluxos de produtos: a queda no
último trimestre de 2008 foi mais aguda nos países avançados (-12,1%) — sendo que a queda na área do
Euro foi maior (-15,8%) — e menos intensa nos países emergentes (-3,9%) — mas, nesse grupo, a hetero-
geneidade foi grande, com maior retração na Europa Central e Oriental (-14,2%) do que na América Latina
(-2,2%) e na Ásia emergente (-2,9%). Nota-se que, em janeiro de 2009, segundo dados disponíveis no
FMI, houve acentuada piora no fluxo global de comércio na América Latina (-25,7%), na Ásia emergente
(-29,8%) e na Europa Central e Oriental (-34,4%), em relação ao mesmo período de 2008.

Tabela 3. Fluxo global de comércio (exportação + importação)


Taxa de crescimento em relação ao mesmo período do ano anterior
Comunidade Europa
Países Países América Ásia
Período Mundo Área do Euro dos Estados Centra e
Avançados Emergentes Latina emergente
independentes Oriental
2008 14,0 11,1 9,5 19,7 17,0 18,3 33,1 20,0
1º trimestre 22,1 19,9 19,5 25,8 21,3 25,4 46,4 34,4
2º trimestre 25,1 22,4 23,2 30,1 26,2 26,6 46,3 37,9
3º trimestre 21,4 17,3 14,3 30,1 25,2 26,7 50,8 28,7
4º trimestre -9,4 -12,1 -15,8 -3,9 -2,2 -2,9 -0,8 -14,2
jan/09 - - - - -25,7 -29,8 - -34,4

Fonte: FMI. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

No segundo canal de contágio da crise, a importância dos fluxos de recursos externos na com-
posição da oferta interna de crédito foi subestimada. A despeito de o sistema financeiro brasileiro
estar bastante sólido, especialmente devido ao fato de ter ficado de fora do processo exposição aos
ativos securitizados lastreados nas hipotecas subprime americanas, que rondou as principais praças
financeiras no mundo, o abrupto corte nas linhas externas gerou inúmeros problemas aos bancos e
às empresas no país. Os mercados de crédito internacionais são conectados, dificuldades na Europa
oriental, nos países bálticos ou nos grandes bancos americanos e europeus rebateram no Sistema
Financeiro Nacional (SFN).
Aqui no Brasil, os bancos de menor porte ficaram sem liquidez nas suas fontes de captação e no in-
terbancário, o que impactou negativamente o caixa dessas instituições. Os bancos líderes, sem saber ao
certo qual era situação dos bancos em dificuldade, passaram a atuar com maior precaução no refinancia-
mento das carteiras. Até agora, as medidas do governo — flexibilização do compulsório e vantagens para
aquisição de carteiras de empréstimos — não estimularam os bancos a ofertar crédito de forma mais
consistente ao mercado pelo menos no volume necessário para recompor os fluxos financeiros pré-crise.

A CRISE GLOBAL E A ‘MORTE SÚBITA’ DO PIB BRASILEIRO NO 4º TRIMESTRE DE 2008

162
Ao contrário, notou-se um processo de “empoçamento” nas tesourarias dos grandes bancos da liquidez
liberada pela redução do compulsório através das operações compromissadas11.
Além desses problemas localizados no sistema bancário brasileiro, as empresas também sofreram
os efeitos da crise. A apreciação do real até o momento de ruptura do sistema financeiro internacional
retirava competitividade das empresas exportadoras, que utilizavam operações de arbitragem financeira
com antecipações de contratos de câmbio e operações de hedge alavancadas para obterem uma com-
pensação pelo menor resultado em reais da atividade exportadora. Neste contexto, as firmas utilizaram
vários mecanismos para se defenderem da valorização do real e até arriscaram a sua saúde financeira
com apostas no mercado financeiro. Várias corporações realizaram operações nos mercados futuros de
arbitragem com câmbio e juros12.
Da noite para o dia, os fluxos financeiro e operacional das empresas foram afetados. O financia-
mento das exportações ficou estrangulado e as decisões de investimento sofreram revés. O custo do ca-
pital de giro aumentou exatamente no momento em que as empresas ampliaram os estoques no último
trimestre de 2008.
Além desses entraves à atividade industrial, a desvalorização do real após o aprofundamento da
crise gerou perdas expressivas do lado do serviço da dívida externa e, no caso das empresas que apos-
taram na arbitragem câmbio e juros, produziu elevados prejuízos. O único fato que poderia estimular a
indústria — qual seja, o aumento da competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional
devido à desvalorização do real — foi mitigado pela recessão mundial e pelas desvalorizações que ocor-
reram em vários países.
O ambiente de negócios deteriorou-se rapidamente. As mudanças nas condições de financiamen-
to, a forte desvalorização das ações das empresas cotadas na Bovespa e a queda da demanda externa
desmontaram as bases que deram sustentação ao ciclo de expansão dos últimos anos e afetaram nega-
tivamente as expectativas dos empresários.
O aumento das demissões acima do padrão sazonal do período e as férias coletivas nas grandes
e médias empresas, especialmente naquelas que dependiam do crédito para alavancar as suas vendas,
deram a tônica do ambiente econômico no final de 2008. A cada nova notícia sobre as dificuldades de
normalizar os fluxos financeiros no mercado internacional e a perspectiva de insolvência de importantes
bancos e seguradoras ao redor do mundo, tornava-se mais claro que a crise não seria de curta duração.
Dado esse quadro, a demanda interna no Brasil foi sendo afetada por diversos fatores, tais como:
(i) os problemas sofridos pelos bancos de menor porte e a baixa propensão dos bancos líderes em au-
mentar a oferta de crédito transmitiram ao mercado interno os problemas externos de escassez e maior
custo dos recursos financeiros direcionados ao financiamento da produção corrente, do investimento e
do consumo; (ii) os prejuízos das empresas que abusaram dos derivativos diminuíram a capacidade de
retomada do investimento no curto prazo; (iii) a manutenção da política monetária apertada até dezem-
bro atuou negativamente nas expectativas dos empresários e consumidores e poderá comprometer a

11 Para maiores detalhes sobre os mecanismos de transmissão da crise sobre o mercado de crédito, ver a nota técnica “O mercado
de crédito bancário em 2008”, disponível em http://debates.fundap.sp.gov.br/.
12 Várias empresas, além de fazerem o hedge das suas receitas em dólar com operações no mercado financeiro, avançaram na direção
de apostas mais arriscadas com derivativos alavancados em cima da expectativa de que a taxa de câmbio permaneceria apreciada ao
longo dos próximos anos. Dois casos exemplares foram o da Aracruz Celulose e o da Sadia, que reconheceram perdas bilionárias no
exercício de 2008, uma vez que o real sofreu forte depreciação após a eclosão da crise financeira a partir de setembro de 2008.

ECONOMIA BRASILEIRA

163
retomada mais rápida do crescimento; e (iv) as demissões ocorridas no último trimestre de 2008, espe-
cialmente na indústria, configuraram o circuito de desaceleração da atividade econômica.
Piores condições de crédito e redução da demanda externa afetaram o emprego e produziram
diminuição dos investimentos (menor aquisição de bens de capital e menor importação de máquinas e
equipamentos). Esses fatos sintetizaram o movimento de retração da atividade econômica, cujo último
elo a ser afetado foi o consumo doméstico, que perdeu fôlego a partir de outubro de 2008.
Até o terceiro trimestre de 2008, a renda nacional cresceu em um patamar elevado (6,8%, no
terceiro trimestre contra o mesmo trimestre de 2007, conforme pode sr visto no Gráfico 5). Do lado da
oferta, a expansão apresentava certo equilíbrio setorial; a indústria liderava com 7,1% de crescimento,
seguida dos segmentos da agropecuária (+6,4%) e dos serviços (+5,9%).

Gráfico 5. Variação trimestral real do PIB em relação ao mesmo trimestre do ano anterior (em %)
30,0

25,0
22,8

19,7
20,0

15,0

10,0
7,1 7,3 7,6
6,8 6,4 6,4
5,9 5,5
5,0 3,8
2,2 2,5 2,2 2,0
1,3

0,0

-2,1
-5,0

-7,0
-10,0
PIB a preços de Agropecuária Indústria Serviços Consumo das Consumo do Formação bruta de Exportações Importações (-)
mercado famílias governo capital fixo

jan-mar 2008 abr-jun 2008 jul-set 2008 out-dez 2008

Fonte: IBGE. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Do lado da demanda, o consumo das famílias e a formação bruta de capital fixo cresciam acima
da média do PIB (respectivamente 7,3% e 19,7%, na mesma base de comparação). As importações es-
timuladas pela valorização do real e pelo aumento do investimento e do consumo aumentavam numa
faixa superior a 20%. As exportações já sentiam as dificuldades do mercado mundial e apresentavam
expansão bem mais modesta (2,0%).
O resultado do PIB no último trimestre de 2008 refletiu os desdobramentos da crise no Brasil. Notou-
se uma inflexão do movimento de alta anterior, e a atividade industrial foi a “primeira vítima” da crise. A taxa
de expansão do quarto trimestre de 2008, em relação ao mesmo período do ano anterior, caiu para apenas
1,3%; a indústria e as exportações foram os segmentos mais afetados, com retrações de, respectivamente,
2,1% e 7,0%. A variável mais sensível ao ciclo econômico é o investimento. Nesse sentido, é preocupante a de-
saceleração da formação bruta de capital fixo, cuja taxa obtida no quarto trimestre (3,8%) ainda permaneceu
positiva, mas foi quatro vezes inferior ao crescimento observado nos trimestres anteriores. Nota-se que, além
disso, o indicador de preços relativos dos investimentos passou a se retrair no quarto trimestre de 2008 (ver
Gráfico 3), fato que desestimula as novas decisões dos empresários em ampliar o capital fixo das empresas.

A CRISE GLOBAL E A ‘MORTE SÚBITA’ DO PIB BRASILEIRO NO 4º TRIMESTRE DE 2008

164
Segundo as Contas Nacionais calculadas pelo IBGE, o peso da indústria no total do valor agregado
a preços básicos alcançou 27,9% em 2008, sendo 14,9% da indústria de transformação, 3,6% da extra-
tiva mineral, 5,1% da construção civil e 3,2% da produção e distribuição de energia elétrica, gás e água.
O segmento de serviços e a agropecuária contribuíram com, respectivamente, 65,8% e 6,7% do valor
adicionado nesse período.
A importância da indústria como indutora do crescimento é maior do que a sua participação no
valor global adicionado da economia. Nota-se elevada diversificação de sua estrutura setorial e forte in-
tegração com diversas cadeias produtivas. A indústria produz máquinas e insumos para a agropecuária
e demanda serviços especializados do setor terciário, além de pagar os melhores salários, que se trans-
formam em poder de compra para os demais segmentos da economia.
Nos períodos de crise econômica, particularmente nos casos em que o mercado de crédito é
afetado, o primeiro setor a sentir a retração é a atividade industrial. Até setembro de 2008, a indústria
acelerou a produção para sustentar as encomendas do comércio, dada a projeção de que os resultados
do Natal seriam pelo menos iguais aos observados em 2007. Porém, já se começavam a sentir os efeitos
do aumento da taxa de juros básica iniciado em abril do ano passado, na passagem do terceiro para o
quarto trimestre de 2008.
A queda da demanda externa impactou a confiança dos empresários e freou o ritmo de investi-
mento. As dificuldades de obtenção de crédito e os custos elevados — rolagem e dinheiro novo — para
financiar exportações, produção corrente e investimentos adicionaram pessimismo ao ambiente dos
negócios. A redução da demanda interna, especialmente de bens duráveis, completou o quadro de
forte aumento dos estoques, férias coletivas, contração da produção corrente (novembro e dezem-
bro) e colapso da confiança dos empresários. A Tabela 4 traz as variações do PIB na margem com
ajuste sazonal.

Tabela 4. Produto Interno Bruto trimestral — Brasil


Taxa de variação na margem - trimestre contra trimestre imediatamente anterior

Produto Interno Bruto 1 tri 07 2 tri 07 3 tri 07 4 tri 07 1 tri 08 2 tri 08 3 tri 08 4 tri 08

PIB a Preços de Mercado 1,7 1,4 1,2 1,8 1,6 1,6 1,7 -3,6

Agropecuária 1,5 -3,0 6,9 2,4 -1,3 3,0 1,3 -0,5


Indústria -1,1 2,6 1,0 1,4 2,4 -0,2 3,6 -7,4
Serviços 2,7 0,3 0,5 2,7 1,4 0,9 0,8 -0,4
Valor Adicionado 1,5 0,9 1,2 2,1 1,3 1,2 1,5 -2,7

Consumo das Famílias 2,5 1,0 0,9 2,7 1,5 0,7 2,1 -2,0
Consumo do Governo 2,5 1,4 -0,4 0,6 4,1 -0,2 1,6 0,5
Formação Bruta de Capital Fixo 3,6 2,6 5,3 3,8 2,8 3,5 8,4 -9,8
Exportações 1,4 -0,3 -0,3 6,1 -6,2 3,9 -1,4 -2,9
Importações 5,5 2,4 8,3 5,5 1,3 8,6 6,4 -8,2

Fonte: Contas nacionais, IBGE. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

ECONOMIA BRASILEIRA

165
A forte retração (-3,6%) no quatro trimestre de 2008, em relação ao trimestre imediatamente an-
terior, não deixa dúvida a cerca do contágio da crise na economia brasileira. As maiores quedas foram
observadas na formação bruta de capital (-9,8%), na importação (-8,2%) e na indústria (-7,4%). O consu-
mo das famílias e as exportações caíram menos (-2,0% e -2,9%, respectivamente). O único segmento da
demanda que apresentou aumento foi o governo (+0,5%)13.
Nos momentos que antecederam a crise, a economia brasileira tinha entrado em um ritmo forte de
crescimento centrado no mercado doméstico. A demanda interna acelerou a taxa de crescimento de 7,2%
no segundo trimestre para 9,2% no terceiro trimestre de 2008. O consumo das famílias contribuiu com 4,4
p.p., e a formação bruta de capital fixo com 3,6 p.p., para a expansão da demanda interna nesse trimestre,
enquanto o consumo do governo manteve sua contribuição ao crescimento na faixa 1,2 p.p. (Gráfico 6).

Gráfico 6. Contribuição ao crescimento interanual do PIB 2008 — Ótica da demanda (%)

9,2

7,7
7,2

4,4
3,9 3,6
3,6
3,2 3,0 2,9
2,9
2,6
2,3
1,3 1,2 1,2 1,2
0,8 0,9
0,7 0,7
0,3

-0,3
-0,9
-1,8
-2,6 -2,3 -2,6

Consumo das famílias Consumo do governo Formação bruta de Demanda Interna Exportações Importações (-) Demanda Externa
capital fixo

jan-mar 2008 abr-jun 2008 jul-set 2008 out-dez 2008

Fonte: Contas Nacionais, IBGE. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Uma questão levantada à época dizia respeito à contribuição negativa da demanda externa ao
crescimento (-2,6 p.p. no terceiro trimestre de 2008). O aumento das importações e a menor competiti-
vidade das exportações geravam uma perspectiva de menores superávits comerciais, o que poderia, a
médio prazo, dificultar a gestão da política econômica mediante pressões sobre a taxa de câmbio. Além
disso, toda a responsabilidade pelo crescimento recaía sobre o mercado doméstico, fato que poderia im-
por dificuldades ao ciclo expansivo, uma vez que o endividamento das famílias não é ilimitado e depende
do grau de inadimplência e da oferta de crédito direcionado ao consumo, e a elevação da capacidade
produtiva requer um ambiente de negócios favorável.
Sob esse ambiente, o contágio da crise global mudou os problemas a ser enfrentados. Agora, a ati-
vidade econômica precisa ser estimulada, o crédito está mais caro e escasso, o desemprego aumentou e

13 Esse resultado muito ruim na margem, acima do projetado pelo mercado, provocou uma discussão sobre o modo como o IBGE
faz o ajuste sazonal. Alguns analistas levantaram a hipótese de que a utilização do método utilizado (Arima X-12) estaria sendo
enviesada. O fato é que a série estatística do PIB tem elevada volatilidade na ponta — e o modelo definido na metodologia do PIB
trimestral aceita estatisticamente os outliers (pontos fora da curva).

A CRISE GLOBAL E A ‘MORTE SÚBITA’ DO PIB BRASILEIRO NO 4º TRIMESTRE DE 2008

166
a expectativa da inflação já convergiu para o centro da meta. No último trimestre de 2008, a contribuição
da demanda interna à taxa de crescimento caiu para 3,2%. A participação do governo no crescimento
permaneceu estável em 1,2 p.p. Já o consumo das famílias e a formação bruta de capital fixo passaram a
contribuir com, respectivamente, 1,3% e 0,7%, patamares muito inferiores aos observados ao longo dos
três primeiros trimestres de 2008.
O peso da demanda externa foi negativo em -1,8% no quarto trimestre de 2008 na contribuição
interanual ao crescimento. A queda mais pronunciada das importações em relação à retração verificada
nas exportações fez com que a demanda externa diminuísse em 0,8 p.p. a sua contribuição negativa na
expansão do PIB, em relação ao resultado obtido nos trimestres anteriores. No curto prazo, a redução
do ritmo de crescimento da demanda interna e o câmbio desvalorizado deverão manter reprimidas as
importações; as exportações dependerão exclusivamente do comportamento do mercado internacional
e deverão ficar pressionadas para baixo. Nesse contexto, o setor externo deverá manter a contribuição
negativa ao crescimento do PIB, provavelmente em uma magnitude menor daquela verificada em 2008,
caso venha a ocorrer um processo de substituição de importações ao longo de 2009.

Ranking de crescimento dos países emergentes


A despeito da trajetória exitosa do crescimento da economia brasileira nos últimos quatro anos, o
desempenho comparativo do Brasil não foi animador em relação aos países Bric e aos países da América
Latina14 (Gráficos 7 e 8).

Gráfico 7. PIB dos Bric — Taxa real média anual de crecimento por períodos

11,0

9,6
9,0 8,9 9,0

7,8
7,3 7,3
7,0 6,9 6,9 6,8
6,0
5,6
5,1
4,6 4,5

3,0
BRIC (média)

BRIC (média)
Índia

China

BRIC (média)
Índia

China

Índia

China
Rússia

Rússia

Rússia
Brasil

Brasil

Brasil
(excl.Brasil)

(excl.Brasil)

(excl.Brasil)
BRIC

BRIC

BRIC

2008 / 1995 2008 / 2004 2008 / 2007

Fontes: Cepal e FMI. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Nota: Dados de 2008 sujeitos a retificação.

Entre 1995 e 2008, o PIB da economia brasileira cresceu 3,0% em termos anuais, taxa inferior
ao desempenho dos países que compõem o conjunto dos países Bric e da média dos países da América

14 Os países da América Latina são: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Haiti,
Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

ECONOMIA BRASILEIRA

167
Latina. No primeiro caso, a média de expansão anual do PIB do conjunto de países Bric (exclusive Brasil)
alcançou a marca de 7,0%, um ponto percentual acima da média do conjunto completo dos países Bric.
Em relação aos países da América Latina, o conjunto sem o Brasil apresentou taxa média de crescimento
um pouco superior (+0,2 ponto percentual).

Gráfico 8. PIB da América Latina: taxa real média anual de crecimento real, por períodos

8,3 8,4

7,0

5,2 5,4
5,1
4,5 4,5 4,8
4,2 4,2
3,6 3,6 3,8
3,4 3,5
3,0 3,0 3,2 3,2

1,3
Venezuela

Venezuela

Venezuela
Argentina

Brasil

Argentina

Brasil
México

Argentina
(excl.Brasil)

Chile

Brasil
México
(excl.Brasil)

Chile

México
(excl.Brasil)

Chile
A. Latina

A. Latina

A. Latina
A. Latina

A. Latina

A. Latina
2008 / 1995 2008 / 2004 2008 / 2007

Fonte: Cepal. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Nota: Dados de 2008 sujeitos a retificação.

No ciclo mais recente de crescimento (2004 a 2008), a situação no Brasil no ranking não
melhorou: em relação ao conjunto dos países Bric, a média de expansão desses países sem o Brasil
foi 1,2 ponto percentual superior quando o cálculo também inclui o Brasil (9,0% contra 7,8%). Nesse
período, o desempenho da América Latina também progrediu, uma vez que a expansão média subiu
para o patamar de 5,4% nesses países; todavia, o crescimento anual do Brasil (4,5%) foi inferior aos
resultados obtidos pela Argentina (8,3%) e pela Venezuela (8,4%), mas superior aos resultados do
México (3,2%).
O acréscimo do PIB brasileiro entre 2007 e 2008 atingiu 5,1%, o que significou uma elevação
em relação à média do período entre 2004 e 2008, enquanto os demais países do Bric e os países
em destaque da América Latina apresentaram desaceleraram nas taxas de crescimento. A crise fi-
nanceira só impactou a atividade econômica no Brasil no último trimestre de 2008 e afetou menos
o resultado anual.
Contudo, isso foi insuficiente para melhorar a posição do país na comparação com o conjunto
dos países Bric. A China e a Índia, especialmente, apresentaram taxas de expansão bem superiores, de
respectivamente 9,0% e 7,3%, o que determinou que a média de expansão dos países Bric (exclusive o
Brasil) alcançasse 7,3%, 0,5 ponto percentual acima da média, incluindo o Brasil (6,8%). Já no confron-
to com os países da América Latina, a inclusão do resultado obtido pelo Brasil entre 2007 e 2008 no
cálculo acrescentou em 0,4 ponto percentual da média desse conjunto de países. Importantes países
dessa região apresentaram resultados piores, destacam-se o Chile, que cresceu 3,2%, e o México, cujo
incremento do PIB foi de apenas 1,3% no mesmo período.

A CRISE GLOBAL E A ‘MORTE SÚBITA’ DO PIB BRASILEIRO NO 4º TRIMESTRE DE 2008

168
Perspectivas
O exercício de olhar para frente também é importante. Nesse caso, cabe destacar que algumas
fragilidades da economia brasileira começam a surgir no horizonte e estão recolocadas, no curto prazo,
pelo agravamento da crise financeira global. Em primeiro lugar, duas debilidades estruturais podem gerar
dificuldades ao Brasil, que almeja alcançar um desenvolvimento mais sustentado.
A dependência de capitais externos voláteis e de Investimento Direto Externo (IDE) para financiar o
balanço de pagamentos retira graus de liberdade da política econômica em períodos de baixa liquidez no
mercado internacional e de retração da economia mundial. A posição de solvência do país, dados o eleva-
do nível de reservas internacionais e o grau de Investiment grade, mitiga essa deficiência no curto prazo,
mas, dependendo do aprofundamento da atual crise e do tempo de normalização do mercado financeiro
internacional, a redução de fluxo de capitais para o país imporá novos parâmetros para a taxa de câmbio
e, consequentemente, para a taxa de juros básica (Selic) da economia, dentro da lógica de curto prazo do
atual sistema de metas de inflação.
A segunda fragilidade são as deficiências na infraestrutura do Brasil. Investimentos em rodovias,
portos, aeroportos, ferrovias e o desempenho da matriz energética não podem sofrer descontinuidade
ao longo do ciclo econômico. Se as contas públicas padecerem com problemas pelo lado da arrecadação
tributária, em um contexto de menor crescimento econômico, os investimentos serão os primeiros itens
de despesa a sofrer cortes. A atual coordenação e o maior volume de recursos do BNDES na gestão do
funding de financiamento do investimento produtivo — e a configuração de novas políticas industriais
que estimulem e preservem alguns setores econômicos estratégicos para o país — são de fundamental
importância na construção de bases mais sólidas para o desenvolvimento sustentado.
O terceiro problema da economia brasileira é conjuntural, ao longo de 2008 o perfil do crescimento
econômico foi pautado pelo maior peso do mercado interno. Aparentemente este fator é positivo, porém
se toda a responsabilidade da expansão recair somente no desempenho do mercado interno, há limites
para a sua expansão. O endividamento das famílias não é infinito e o aumento da capacidade produtiva
depende de vários fatores para se efetivar. Além disso, a perda de rentabilidade das exportações e de
mercados externos, mesmo que em alguns setores tenha havido ganhos de competitividade, coloca pres-
são sobre a balança comercial e pode acarretar um saldo comercial decrescente, fato que compromete o
financiamento mais equilibrado do balanço de pagamentos.
Uma das características dessa crise é a dificuldade de avaliar quando será o “fundo do poço”. A
cada mês, novas notícias negativas contaminam os mercados; os governos lançam pacotes de incentivo e
de soluções alternativas para restabelecer a normalidade no sistema financeiro, mas não há garantia de
sucesso rápido, uma vez que é o setor privado que precisará se reciclar. Quando isso acontecer, os padrões
de avaliação de risco e de regulação do mercado financeiro provavelmente terão outra formatação e é difícil
prever qual será a intensidade dos efeitos dinâmicos da retomada do crédito sobre a atividade econômica.
Dado esse quadro de incerteza no ambiente internacional, quais são os fatores que poderão dina-
mizar e/ou bloquear a retomada do crescimento no Brasil no curto e médio prazos? Podemos levantar
algumas hipóteses.
A manutenção da trajetória de alta massa de rendimento será fundamental para estimular a re-
cuperação do mercado interno. A inflação em queda e o aumento do salário mínimo ajudam nesse mo-

ECONOMIA BRASILEIRA

169
mento, mas se a deterioração da ocupação (queda acelerada do emprego formal) não for contida no
curto prazo, a expansão da massa de rendimento poderá perder ímpeto. Os aumentos reais nos salários
obtidos no período de auge do crescimento (2007 e primeiro semestre de 2008) não devem se repetir em
2009, fato que pode ser um redutor adicional da renda disponível ao consumo.
Do lado da política econômica, há espaço para flexibilizar mais a política monetária, que está menos
condicionada à melhoria do cenário externo, no sentido de ser baixa a probabilidade de, no curto prazo,
ocorrer novas pressões sobre a taxa de câmbio e sobre a inflação. Todavia, a queda da Selic tem uma defa-
sagem para atingir as expectativas dos consumidores e dos empresários e depende da postura do BCB.
Outro fator que poderá estimular a economia é a implantação de uma política fiscal anticíclica. O
formato e a consistência dessa estratégia dependerão da diminuição da taxa básica de juros e do direciona-
mento dos recursos economizados para investimento em infraestrutura, via execução e ampliação do PAC. A
retração da receita tributária com o aprofundamento da crise dificulta o aumento rápido do gasto público e,
nesse caso, será importante reduzir o superávit primário para dar espaço ao crescimento da despesa públi-
ca. O governo federal divulgou a intenção de reduzir o aperto fiscal durante 2009; a ideia é diminuir a meta do
superávit primário. A injeção de dinheiro público na economia, segundo a proposta, tem caráter temporário,
limita-se a 2009 e é justificada como uma estratégia para minimizar os efeitos recessivos da crise global.
A demanda externa pode ajudar o desempenho da economia, caso o movimento de substituição
de bens importados por produção nacional venha a se acentuar com a desvalorização do real. Todavia,
a composição da pauta do comércio exterior (mais commodities e menos bens de maior valor agregado)
diminui os efeitos positivos das exportações na cadeia produtiva, especialmente na indústria. Esse fato,
aliado à retração do mercado mundial, poderá amortecer a melhoria da contribuição da demanda externa
ao crescimento do PIB.
Enfim, a retomada do fluxo de crédito e a redução do seu custo no Brasil para os patamares observa-
dos antes da crise serão fundamentais para alavancar a demanda doméstica. Nesse sentido, é premente a
resolução dos problemas de liquidez no mercado interbancário doméstico. As medidas adotadas até agora
não foram suficientes para normalizar as relações financeiras, o que dificulta a retomada da oferta de cré-
dito e prejudica as decisões de investimento e de consumo dos agentes econômicos. Todavia, o movimento
recente de aumento da captação dos bancos de menor porte e das instituições financeiras voltadas para
nichos do mercado pode ser um sinal de que o processo de empoçamento da liquidez está-se revertendo.
Do ponto de vista da perspectiva de retomada do crescimento, o resultado final desses fatores é
extremamente incerto. As projeções do mercado para o desempenho do PIB em 2009 deterioraram-se
rapidamente na passagem de 2008 para 2009. É claro que a freada da atividade econômica no quarto
trimestre de 2008 surpreendeu não só o governo mas também a maioria das consultorias. A inflexão
radical da atividade econômica, no final de 2008, reverteu os resultados dos modelos de projeção, que
na maioria das vezes são baseados em séries históricas.
Indicadores antecedentes já mostravam que a economia não estava mais em uma trajetória de
aceleração na passagem do terceiro para o quarto trimestre de 200815. Ou seja, antes de sair o resul-
tado do PIB do último trimestre de 2008, alguns resultados econômicos, especialmente de novembro e

15 O Grupo de Cconjuntura Fundap calcula e divulga indicadores antecedentes (ver divulgação no site: http://www.fundap.sp.gov.
br/). Este índice sinalizou que o ritmo de crescimento da atividade econômica (PIB e a produção industrial) entre o segundo e o
terceiro trimestres de 2008 tinha diminuído.

A CRISE GLOBAL E A ‘MORTE SÚBITA’ DO PIB BRASILEIRO NO 4º TRIMESTRE DE 2008

170
de dezembro, já sinalizavam que o cenário havia-se alterado radicalmente. Para o primeiro trimestre de
2009, o indicador antecedente da Fundap mostrou que há possibilidade de uma nova queda na atividade
econômica, sugerindo que os impactos da crise internacional ainda não se dissiparam no Brasil.
O fato é que a economia brasileira, que vinha crescendo a uma taxa anual acima de 6,0% no
terceiro trimestre de 2008, sofreu fortemente o efeito-contágio da crise, especialmente a indústria e o
investimento produtivo, e poderá encerrar o ano praticamente estagnada, com expansão próxima a zero.
Se o mercado interno mantiver uma trajetória mais sustentada de recuperação, o resultado do acumu-
lado em 2009 poderá até ser levemente positivo; caso contrário, é grande a probabilidade de o PIB ser
negativo, no final do ano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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dicionantes, características e limites. Política Econômica em Foco, Campinas: IE/UNICAMP, n. 7, p.
206-249, nov. 2005 /abr. 2006.

GREENSPANM, Alan. A era da turbulência (capítulo especial) — epílogo sobre a crise americana. [S.l.]:
Elsevier/Campus, 2008.

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KRUGMAN, Paul. A crise de 2008 e a economia da depressão. [S.l.]: Elsevier/Campus, 2009.

RIBEIRO, Fernando; PUGA, Fernando et al. Coeficientes de comércio exterior da indústria brasileira: 1996-
2007. Revista Brasileira de Comércio Exterior, Rio de Janeiro, n. 95, p. 4-26, abr./jun. 2008.

RODRIGUES JÚNIOR, Gilberto; NASCIMENTO, Marcelo Machado. Queda de preços das commodities: o
Brasil tem o que temer?. Visão do Desenvolvimento, Rio de Janeiro, BNDES, n. 55, set. 2008.

ECONOMIA BRASILEIRA

171
O desempenho
econômico-financeiro
das companhias abertas
entre 2002-2007 e
no ano de 2008

Júlio Gomes de Almeida


Claudio Jacob
Luis Fernando Novais

O
objetivo desta nota é pesquisar o comportamento dos indicadores econômico-financeiros das
grandes empresas de capital aberto, entre 2002 e 2008. Essas corporações respondem por
uma fatia considerável do investimento produtivo e do emprego de melhor qualidade; além disso,
suas atividades geram importantes encadeamentos no tecido industrial do país. Caso ocorram eventuais
dificuldades nessas companhias, uma parcela maior do setor privado pode ser atingida. Neste sentido,
é relevante avaliar os impactos da política econômica — juros e câmbio — sobre os seus resultados, es-
pecialmente a evolução da rentabilidade e das estruturas ativa e passiva, analisando suas reações. Par-
ticularmente, nos momentos de crise, o comportamento desse conjunto de firmas também pode afetar
indiretamente a gestão da política econômica.
A metodologia de levantamento das informações do conjunto de empresas do estudo e dos indica-
dores utilizados está compilada na próxima seção. A seção seguinte mostra o contexto macroeconômico
e do mercado de capitais que condicionou os resultados das empresas. A análise das principais ten-
dências dos indicadores econômico-financeiros para o período 2002 a 2007 está elaborada na terceira
seção. Por fim, as informações contábeis de um conjunto de empresas com dados para os anos de 2007
e 2008 estão tabuladas e são analisadas na última seção.

Composição do conjunto de empresas de capital aberto e metodologia


dos indicadores econômico-financeiros
O estudo utiliza como principal fonte de dados os Balanços Patrimoniais e as Demonstrações Finan-
ceiras de um conjunto de empresas de capital aberto, no Brasil. Essas informações são auditadas confor-

O DESEMPENHO ECONÔMICO-FINANCEIRO DAS COMPANHIAS ABERTAS ENTRE 2002-2007 E NO ANO DE 2008

172
me as regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Cabe observar que as empresas que compõem o
levantamento podem ser consideradas de grande porte. Foram compiladas 181 companhias abertas com
informações disponíveis para todos os anos do período (2002-2007), das quais 125 são do setor Indústria,
10 do Comércio e 46 de Serviços (ver composição setorial, elencada na Tabela A dos Anexos).
Na elaboração dos indicadores econômico-financeiros para o ano de 2008, optou-se em levantar
um novo conjunto de empresas de capital aberto que possibilitasse a comparação com 2007. O objetivo
foi aumentar o número de empresas pesquisadas. O levantamento, assim definido, envolveu 239 com-
panhias abertas com informações disponíveis para o período mencionado, das quais 149 são do setor
Indústria, 13 do Comércio e 77 de Serviços. Isso significou um aumento de 59 empresas em relação ao
conjunto estudado para o período 2002-2007 (ver composição setorial, na Tabela B dos Anexos; e lista
de empresas, no Anexo 2)1.
Nos dois conjuntos, as empresas pesquisadas foram classificadas em segmentos econômicos
com base em seus respectivos setores e foram agrupadas nas categorias tradables e non tradables —
isto é, se são produtoras de bens comercializáveis ou não comercializáveis (ver composição dos setores
na Tabela C dos Anexos). Para o primeiro conjunto de companhias, referente ao período 2002-2007, o
número de empresas classificadas foi de 114 na categoria comercializáveis e de 67 na categoria de não
comercializáveis; no segundo conjunto, o número de companhias classificadas nas duas categorias foi
de, respectivamente, 114 e 125 empresas.
Além dessas agregações, foram elaboradas mais duas classificações — indústria sem Petrobras
e Serviços sem energia elétrica —, com o intuito de separar a influência do porte dessas empresas na
análise dos macrossetores da indústria e dos serviços.
Os grupos econômicos são tratados pela empresa consolidadora das informações; portanto, as
controladas foram eliminadas da amostra para evitar a dupla contagem.
Os indicadores selecionados têm o propósito de verificar: (i) a estrutura de capitais; (ii) a situação finan-
ceira; (iii) o desempenho em termos de rentabilidade por segmento. Os indicadores selecionados foram:
1. Estrutura de Capitais: indica como os ativos são financiados, considerando: (i) Recursos Pró-
prios (Patrimônio Líquido e Participações Minoritárias); (ii) Recursos de Terceiros Onerosos
(bancos e outros títulos de dívida cuja remuneração esteja contratada como debêntures); e
(iii) Outras Fontes (fornecedores, encargos sociais e fiscais a pagar e outros);
2. Liquidez Corrente: indica a capacidade de solvência da empresa no curto prazo; é a razão
entre o Ativo Circulante e o Passivo Circulante;
3. Relação entre o Capital de Terceiros e o Capital Próprio: estabelece uma relação em percen-
tual entre quanto de Capital de Terceiros existe para cada unidade de Capital Próprio;
4. Relação entre o Endividamento Oneroso Líquido e os Recursos Próprios: é formado pelos
empréstimos e financiamentos e as debêntures menos as disponibilidades e as aplicações
financeiras sobre o volume de Recursos Próprios;
5. Participação dos Empréstimos de Curto Prazo no Total de Empréstimos: o propósito é de-
monstrar o grau de vulnerabilidade do passivo oneroso da base de empresas; quanto maior
for esse indicador, maior será a fragilidade do passivo oneroso;

1 Este trabalho é uma síntese da pesquisa sobre o desempenho das empresas não financeiras no Brasil, elaborada pelo Grupo
de Conjuntura da Fundap e coordenada pelo economista Júlio Gomes de Almeida (Fundap, 2008a e 2008b).

ECONOMIA BRASILEIRA

173
6. Rentabilidade sobre o Patrimônio Líquido: relaciona o lucro líquido e o PL;
7. Ebitda sobre a Receita Líquida: Ebitda refere-se ao lucro antes do imposto de renda, juros,
depreciação e amortização;
8. Lucro da Atividade sobre a Receita Líquida: lucro da atividade é o resultado operacional sem as des-
pesas financeiras líquidas; o propósito desse indicador é retratar a lucratividade pura do negócio.

O contexto macroeconômico entre 2002 e 2007


Para o desempenho das empresas, a magnitude e a orientação do crescimento econômico nos
últimos anos tiveram impactos relevantes. O crescimento “voltado para dentro”, dado o expressivo dina-
mismo do mercado consumidor, tendeu genericamente a beneficiar os segmentos empresariais de bens
não comercializáveis. Os indicadores macroeconômicos (Tabela 1) mostram aceleração do crescimento
do PIB entre 2006 e 2007 e manutenção da inflação medida pelo IPCA dentro da meta preestabelecida
pelo governo, apesar do crescimento em 20072.
As taxas de juros básicas, que apesar de apresentarem um movimento não tão uniforme quanto os
demais indicadores, têm demonstrado forte tendência de queda. Nesse contexto, a demanda interna, em
2007, contribuiu com 6,9 pontos percentuais da taxa global de expansão do PIB; a demanda externa pas-
sou a contribuir negativamente (-1,5 pontos percentuais), neste mesmo período, devido ao incremento
das importações acima do patamar das exportações. Esse dinamismo econômico, produzido em grande
parte em função da extraordinária evolução do crédito, impulsionou os negócios e gerou resultados posi-
tivos nos indicadores econômico-financeiros das empresas.

Tabela 1. Indicadores macroeconômicos


INDICADORES MACROECONÔMICOS — 2002-2007
2002 2003 2004 2005 2006 2007
Crescimento do PIB 2,7% 1,1% 5,7% 2,9% 3,7% 5,4%
IGP-M 25,3% 8,7% 12,4% 1,2% 3,8% 7,75%
IPCA 12,5% 9,0% 7,4% 5,6% 3,1% 4,46%
CDI (Certificato de Depósito Interbancário)* 19,0% 23,2% 16,2% 19,0% 15,2% 11,92%
TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo)* 9,9% 11,5% 9,8% 9,7% 7,8% 6,38%
Fontes: Banco Central, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístiva, Fundação Getúlio Vargas.
Nota: *Taxa média no ano

O ganho de participação e a maior expansão das operações de crédito com recursos livres, que
em 2007 alcançou o montante de R$ 661 bilhões de reais (32,8% de crescimento em relação a 2006;
Tabela 2), indicaram a disposição dos bancos em prover uma oferta de crédito mais elástica às pesso-
as físicas. Os empréstimos com recursos direcionados, cujas taxas são determinadas pelo Conselho
Monetário Nacional e cujo funding são os recursos de poupança compulsória (FAT e FGTS), apresen-
taram um desempenho inferior (expansão de 17% em 2007). Os financiamentos do BNDES atingiram
o valor de R$ 160 bilhões de reais neste período e deram sustentação ao investimento produtivo do
setor privado.

2 Para um detalhamento do desempenho da economia brasileira pré e pós-crise global, ver Novais (2009), neste volume.

O DESEMPENHO ECONÔMICO-FINANCEIRO DAS COMPANHIAS ABERTAS ENTRE 2002-2007 E NO ANO DE 2008

174
De forma geral, a demanda por crédito cresceu ao longo dos anos, e as taxas de juros, mesmo que
ainda elevadas, apresentaram tendência de queda, especialmente em 2007. Nota-se, também, aumento
nos prazos dos financiamentos concedidos as pessoas físicas e jurídicas.

Tabela 2. Operações de crédito no Brasil em milhões de reais e composição


OPERAÇÕES DE CRÉDITO, EM MILHÕES DE REAIS
2002- Var. 2007/
2002 2003 2004 2005 2006 2006* 2007 2006
Recursos Livres 240.209 255.642 317.917 403.707 498.331 20,01% 661.599 32,76%
Recursos Direcionados 144.187 162.617 182.005 203.316 234.258 12,90% 274.369 17,12%
BNDES 93.430 100.187 110.013 124.100 138.984 10,44% 159.974 15,10%
Total 384.396 418.259 499.922 607.023 732.589 17,50% 935.968 27,76%
Recursos Livres 62,49% 61,12% 63,59% 66,51% 68,02% 70,69%
Recursos Direcionados 37,51% 38,88% 36,41% 33,49% 31,98% 37,45%
BNDES 24,31% 23,95% 22,01% 20,44% 18,97% 21,84%
Fonte: Banco Central do Brasil.
Nota: (*) Crescimento anual médio ponderado.

Outro fator que influenciou os resultados das empresas não financeiras foi o movimento de valoriza-
ção cambial ocorrido após 2003. Em 2002, houve uma forte desvalorização do real (de 53,2% na variação
de final de período e de 24,6% na variação média do período), seguida de sucessivas valorizações em
todos os anos seguintes, consequência da redução do risco do país e da melhoria da balança de pagamen-
tos (Tabela 3). Em 2007, este quadro se aprofundou e impôs as empresas de setores de bens comercia-
lizáveis perdas, seja porque o dólar mais fraco reduziu os valores em reais das vendas dos exportadores
impondo menores lucros, seja pela maior concorrência das importações no mercado interno. Outro efeito,
agora positivo, da taxa de câmbio apreciada foi a redução do custo da dívida em moeda estrangeira, que
ajudou a diminuir contabilmente o fluxo de despesa financeira e aumentou o lucro do exercício.

Tabela 3. Evolução da taxa de câmbio1 — unidade U$ por R$


2002 2003 2004 2005 2006 2007
Início 2,31 3,52 2,89 2,67 2,34 2,13
Final 3,53 2,89 2,65 2,34 2,14 1,77
Médio 2,93 3,07 2,93 2,43 2,18 1,95
Variação (final de período) 52,3% -18,2% -8,1% -11,8% -8,7% -17,2%
Variação (média de período) 24,6% 4,8% -4,7% -16,8% -10,6% -10,5%
Fonte: Banco Central do Brasil.
Nota: (1) Taxa de câmbio — Livre —Dólar americano (compra).

Portanto, em 2007, dados o aumento da concorrência e a menor lucratividade da atividade ex-


portadora, muitas empresas operantes no país foram afetadas por uma taxa de câmbio mais valorizada.
Todavia, pelo menos três fatores compensaram esses impactos adversos. O primeiro deles foi o próprio
crescimento intenso do mercado interno. Os segmentos industriais com maior concorrência da impor-
tação conseguiram, neste contexto, obter escala suficiente para gerar vendas com custos de produção

ECONOMIA BRASILEIRA

175
decrescentes. Fato este que “acomodou” os efeitos da maior competitividade que a valorização cambial
conferiu aos bens importados.
O segundo fator, relacionado à atividade exportadora, tem a ver com os preços internacionais,
cujos níveis muito favoráveis, especialmente das commodities metálicas e do petróleo e, em menor esca-
la, dos produtos manufaturados, reduziram as perdas ou até compensaram os efeitos do câmbio sobre
as vendas e a lucratividade de empresas exportadoras.
O terceiro fator foi o incentivo às empresas exportadoras realizarem operações de arbitragem
financeira com antecipação de contratos de câmbio e operações de hedge alavancadas. Essa oportuni-
dade de ganhos financeiros deveu-se à elevada apreciação da taxa de câmbio do real em relação ao dólar
norte-americano e à vigência de taxas de juros interna ainda muito altas no país. No plano microeconô-
mico, isso significou, para as grandes empresas exportadoras (com grande presença nos grupamentos
Indústria com ou sem Petrobras e produtoras de bens comercializáveis), uma compensação pelo menor
resultado em reais da atividade exportadora.
As estratégias de financiamento das empresas foram ao mesmo tempo protagonistas e influencia-
das pelas mudanças ocorridas no cenário financeiro brasileiro com o renascimento do mercado de capi-
tais, cujo dinamismo intensificou-se a partir de 2006. Esse mercado, como fonte de financiamento para
as empresas brasileiras, estava inerte há mais de 20 anos, com poucas aberturas de capital e de ofertas
de companhias já listadas. A partir de 2004, iniciou-se uma trajetória de crescimento espetacular, com
sete aberturas de capital em 2004, nove em 2005, 26 em 2006 e 64 em 2007, colocando o país entre
os mercados de capitais mais dinâmicos do mundo (Tabela 4).

Tabela 4. Número de ofertas públicas de ações e recursos captados (em R$ bilhões)


Ofertas Públicas de Ações e Certificados de Depósito em Ações
2002 2003 2004 2005 2006 2007
Número de Aberturas de Capital 1 0 7 9 26 64
Número de Ofertas Públicas* 5 6 15 19 42 76
Recursos Captados (em bilhões de reais)
Aberturas de Capital 0,3 0 4,5 5,4 11,3 55,5
Ofertas de Companhias Listadas 5,8 2,7 4,3 8,5 19,1 14,5
Total 6,1 2,7 8,8 13,9 30,4 70,0
Fonte: Bovespa. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Nota: (*) Considera as ofertas públicas iniciais, ou aberturas de capital, e as de companhias já listadas.

Em 2006, os recursos captados pelas companhias que ingressaram no mercado de capitais soma-
dos aos captados pelas já negociadas em bolsa alcançaram mais de R$ 30 bilhões (R$ 13,9 bilhões em
2005) em operações primárias e secundárias, isto é, captação de recursos para a companhia e venda de
ações dos antigos sócios. Já em 2007, o valor chegou a R$ 70 bilhões. Grande parte das subscrições das
ofertas (dois terços em média) foi realizada por investidores institucionais estrangeiros.
Esse movimento do mercado de capitais brasileiro apresenta algumas características que
merecem destaque:
I. a estréia ou o ressurgimento, em bolsa de valores, de segmentos econômicos como: Agro-
negócio, Saúde, Concessões Rodoviárias, Cosméticos, Exploração de Imóveis, Construção e

O DESEMPENHO ECONÔMICO-FINANCEIRO DAS COMPANHIAS ABERTAS ENTRE 2002-2007 E NO ANO DE 2008

176
Incorporação Imobiliária, Tecnologia da Informação, Companhias de Seguros, Bancos de Pe-
queno e Médio Porte, dentre outros;
II. o ingresso de empresas com emissões de ações já existentes, isto é, ofertas secundárias, sem
captação de recursos para as empresas, como foi o caso da Natura, Grendene, Nossa Caixa,
Copasa e muitas outras empresas que fizeram ofertas mistas, dando saída para sócios e cap-
tando recursos para investimentos;
III. o desenvolvimento de um centro de liquidez regional no país, pois grandes ofertas de ações que
anteriormente necessariamente deveriam ser listadas em um centro financeiro mais maduro, como
Nova Iorque, foram listadas somente no Brasil, como é o caso da Redecard, cuja oferta superou R$
4,5 bilhões, da BM&F, que ultrapassou R$ 5,7 bilhões, e da Bovespa, que chegou a R$ 6,6 bilhões;
IV. o fortalecimento e a dinamização da indústria de private equity no Brasil, uma vez que esses
investidores financeiros puderam realizar a saída de seus investimentos por meio de ofertas
públicas de ações, estimulando a realização posterior de novos investimentos em compa-
nhias de capital fechado com vistas a futuras ofertas. São exemplos dessa modalidade as
empresas: Diagnósticos da América (Dasa), Odontoprev, Totvs Sistemas de Gestão, Datasul
Sistemas de Gestão, Localiza, Submarino e Lupatech; e
V. o ingresso de empresas ainda em fase de projetos de investimentos, isto é, sem atividade
operacional, e que praticamente foram constituídas com os recursos captados por meio da
oferta pública, como Brasilagro e MMX Mineração.
Em suma, o maior crescimento econômico, sua sustentação no mercado interno, o expressivo incen-
tivo dos setores de bens não comercializáveis, a prática de estratégias empresariais de defesa contra a valo-
rização cambial, o mercado externo favorável aos preços de exportação e a maior utilização do mercado de
capitais como fonte de financiamento são fatores que devem servir de referência na análise de um período
que se revelou muito favorável em termos de faturamento e lucro para as grandes empresas brasileiras.

Evolução dos indicadores econômico-financeiros das grandes empresas,


entre 2002 e 2007
O quadro geral das grandes empresas entre 2002 e 2007 foi de forte recuperação após os mo-
mentos de crise entre 2001 e 2002. A dimensão e a importância da evolução dos resultados básicos das
empresas podem ser observadas pelo volume financeiro e pela tendência das seguintes contas3:
• a Receita Líquida passou de R$ 326 bilhões para R$ 712,8 bilhões, entre 2002 e 2007, com um
crescimento médio anual de 17%4. Isso significou que, em 2007, a Receita Líquida desse conjun-
to de grandes empresas atingiu 27% do PIB. Em 2002, a relação havia sido de 22%. A despeito
de essa proporção estar um pouco superestimada, uma vez que a receita de uma empresa pode
ser a venda de outra, nota-se que aumentou, no período, a presença dessas companhias na
economia brasileira (ver Tabela 5);

3 Para uma análise da evolução dos indicadores econômico-financeiros das empresas de capital aberto no Brasil em um período
anterior (1995-2001) ver Jacob (2003).
4 As informações contábeis levantadas no trabalho não foram deflacionadas, ou seja, as taxas de crescimento mencionadas são
em termos nominais. A aplicação de um índice geral de preços como deflator nos dados setoriais não apresenta significado econô-
mico relevante e as tendências não se alteram.

ECONOMIA BRASILEIRA

177
• o Lucro Líquido apresentou um crescimento ainda maior, da ordem de 22% ao ano entre 2003
e 2007(o ano de 2002 não foi considerado porque alguns setores, especialmente as empre-
sas de energia elétrica, apresentaram prejuízo naquele ano). Em 2007, o Lucro Líquido gerado
atingiu o volume de R$ 87,6% bilhões (3,3% do PIB, ver Tabela 6);
• o Ebitda (lucro antes do imposto de renda, juros, depreciação e amortização) apresentou cres-
cimento semelhante ao da Receita Líquida (19%), de R$ 80,5 bilhões em 2002, para R$ 188
bilhões em 2007 (7,2% do PIB, ver Tabela 7);
• a Despesa Financeira Líquida teve forte redução ao longo o período: os efeitos da valo-
rização cambial incidente sobre o estoque da dívida em moeda estrangeira a partir de
2003, aliada à melhoria do desempenho das empresas e o consequente aumento da
disponibilidade de recursos para aplicações, além da própria redução das taxas de juros
dos financiamentos, fizeram com que os dispêndios caíssem de um patamar de R$ 38,7
bilhões de reais, em 2002, para a faixa de R$ 8,1 bilhões em 2007. Isso representou uma
retração anual de 32,7% (ver Tabela 8);
• a Rentabilidade sobre o Patrimônio (Lucro Líquido/Patrimônio Líquido) apresentou expressiva
melhora no processo de recuperação das grandes empresas de capital aberto. Entre 2002 e
2006, esta taxa passou de 0,56% para 15,74%, tendo alcançado 17,56% em 2005 e fechado
o ano de 2007 em 16,05% (ver Tabela 9);
• os Ativos Totais cresceram 11% a.a. no período e passaram de R$ 700 bilhões em 2002
para R$ 1,2 trilhão em 2007. Por trás dessa expansão, nota-se uma trajetória ascendente
dos Investimentos Societários, que aumentaram 23% a.a., reflexo em parte do dinamismo do
mercado de capitais. Além disso, o ciclo de investimento da economia brasileira após 2005
resultou no incremento do Imobilizado das grandes empresas, cuja alta ao ano foi da ordem
de 10 % a.a. (ver Tabelas 10, 11 e 12);
• a maior retenção dos lucros e o aumento do capital fizeram com que o Patrimônio Líquido — ou
seja, os recursos próprios — tivessem aumento expressivo para o conjunto das empresas, da
ordem de 15% ao ano entre 2002 e 2007 (ver Tabela 13);
• o esforço do crescimento não resultou em maior endividamento. O indicador de utilização de
recursos de terceiros sobre o capital próprio caiu de forma expressiva: de uma faixa de 1,74 em
2002 para o patamar de 1,22 em 2007 para o conjunto das empresas (ver Tabela 14). O perfil
do endividamento apresentou melhoria, uma vez que houve alongamento de prazos adequando
o financiamento à natureza de investimentos de médio e longo prazos. O endividamento total
cresceu 3% ao ano no período, sendo que a dívida de longo prazo aumentou 5% e o financiamen-
to de curto prazo caiu 5% em média por ano, no período (ver Tabelas 15, 16 e 17).

Rentabilidade
A Indústria apresentou a maior taxa de crescimento da Receita Líquida ao longo do período (20%
ao ano), o que significou um salto de R$ 195,4 bilhões para R$ 476,5 bilhões, entre 2002 e 2007. O cená-
rio de preços das commodities em ascensão no mercado mundial e a economia aquecida abriram espaço
para que a indústria ampliasse a utilização da capacidade instalada e aumentasse a escala de produção

O DESEMPENHO ECONÔMICO-FINANCEIRO DAS COMPANHIAS ABERTAS ENTRE 2002-2007 E NO ANO DE 2008

178
e o investimento produtivo, mesmo com a valorização do real, que impôs uma concorrência mais aperta-
da de importados no mercado doméstico. O subconjunto da indústria sem Petrobras manteve uma expan-
são anual da receita líquida de 19% praticamente equivalente ao desempenho do total da indústria. Em
2007, o Lucro Líquido do conjunto das empresas industriais alcançou o volume de 64,1 bilhões de reais.
Nota-se que a rentabilidade cresceu 19 % ao ano entre 2003 e 2007, exprimindo a melhoria significativa
da capacidade de gerar recursos das grandes empresas industriais (ver Tabela 5 e 6).

Tabela 5. Evolução da receita líquida em R$ bilhões — 2002/2007


Receita Líquida
Setores 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2002-2007*
TOTAL 326,8 405,0 485,0 550,6 614,9 712,8 17%
SERVIÇOS 114,5 133,7 153,1 168,8 190,2 203,7 12%
Serviços sem Energia 55,7 65,9 76,0 83,8 100,7 111,1 15%
INDÚSTRIA 195,4 251,9 309,2 356,6 396,7 476,5 20%
Indústria sem Petrobras 126,2 156,1 201,0 220,0 238,4 306,0 19%
COMÉRCIO 16,9 19,5 22,8 25,2 28,0 32,5 14%
Comercializáveis 193,4 250,0 306,9 353,4 392,6 471,0 19%
Não Comercializáveis 133,3 155,1 178,1 197,2 222,3 241,8 13%
Fonte: Demonstração de Resultados.
Nota: (*) Taxa anual de crescimento (geométrica).

Tabela 6. Evolução do lucro líquido em R$ bilhões — 2002/2007


Lucro Líquido
Setores 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2002-2007*
TOTAL 1,3 39,0 52,6 66,8 72,9 87,6 22%
SERVIÇOS (13,4) 6,2 9,8 14,8 16,3 22,3 38%
Serviços sem Energia (3,4) 2,9 4,7 6,3 7,6 9,6 35%
INDÚSTRIA 14,2 32,2 41,9 50,9 55,6 64,1 19%
Indústria sem Petrobras 6,1 14,4 24,1 27,2 29,7 42,6 31%
COMÉRCIO 0,5 0,6 0,9 1,0 0,9 1,2 18%
Comercializáveis 13,5 34,0 42,3 50,7 55,4 63,3 17%
Não Comercializáveis (12,3) 5,0 10,3 16,0 17,5 24,3 48%
Fonte: Demonstração de Resultados.
Nota: (*) Taxa anual de crescimento (geométrica).

O menor crescimento da Receita Líquida foi no setor de Serviços, com média anual de 12%, e dos
Serviços sem Energia, com 15%, entre 2002 e 2007; porém, os mesmos setores foram os que mais cres-
ceram em Lucro Líquido entre 2003 e 2007, com média anual de 38% e 35%, respectivamente. Essas
taxas mais elevadas ocorreram, além da maior geração de lucro, em função de uma base de comparação
baixa no início do período no segmento de serviços. O Comércio apresentou crescimento de 14% a.a. na
Receita Líquida entre 2002 e 2007 e de 18% a.a. no Lucro Líquido entre 2003 e 2007.
Em relação às companhias mais direcionadas ao mercado exterior, chamadas de “comercializá-
veis”, nota-se que, a despeito da perda de competitividade devido ao câmbio, o espetacular crescimento
do mercado mundial compensou a valorização do real e fez com que esse conjunto de empresas apresen-

ECONOMIA BRASILEIRA

179
tasse um incremento da Receita Líquida acima do subconjunto mais voltado ao mercado interno (produ-
toras de bens não comercializáveis), diferença da ordem de seis pontos percentuais (19% contra 13%). O
excepcional crescimento das vendas da Vale do Rio Doce e da Petrobras explicaram 54% da expansão da
Receita Líquida do conjunto de empresas classificadas como comercializáveis entre 2002 e 2007. Neste
contexto, o Ebitda (lucro operacional) do conjunto de comercializáveis cresceu 22% ao ano, enquanto que
as empresas de bens não comercializáveis essa expansão foi menor (14% a.a., ver Tabela 7).
Em relação à evolução do Lucro Líquido, o desempenho das empresas classificadas como não co-
mercializáveis foi superior vis-à-vis o comportamento do conjunto de comercializáveis, com crescimento
de 48% a.a., entre 2003 e 2007, o que demonstra a recuperação dos setores direcionados para o consu-
mo interno, comparada à expansão de 17% a.a. do segundo grupo. O efeito da forte valorização cambial
ocorrida no período deve ser levado em conta como um dos fatores que explicam essa diferença, além do
fortalecimento do consumo doméstico.
A taxa de câmbio do real em relação ao dólar norte-americano apresentou sucessivas quedas o que,
juntamente com a vigência de taxas de juros internas ainda muito elevadas, favoreceu a arbitragem financeira
por parte dos exportadores que, para isso, realizaram antecipação de contratos de câmbio. Isso ampliou ainda
mais a tendência de valorização do real, mas, no plano microeconômico referente ao grupo de grandes empre-
sas exportadoras (com grande presença nos grupamentos Indústria com ou sem Petrobras e produtoras de
bens comercializáveis), representou uma compensação pelo menor resultado em reais da atividade exporta-
dora, o que em parte propiciou o crescimento do lucro líquido das empresas exportadoras, embora abaixo da
expansão observada nas companhias mais voltadas para o mercado interno. Todavia, em termos absolutos, o
acréscimo no lucro líquido das exportadoras foi da ordem de R$ 29,3 bilhões entre 2003 e 2007, superior ao
aumento observado nas empresas de bens não comercializáveis (+ R$ 19,3 bilhões).
Em relação ao Ebitda, o conjunto de empresas industriais apresentou a maior expansão média
anual entre 2002 e 2007 (22%), demonstrando que houve excelente capacidade de cobrir os custos ope-
racionais e gerar lucros ao longo do período. Na sequência, as empresas comerciais também obtiveram
uma alta taxa de incremento (17% a.a.) do Ebitda, reflexo do maior giro das mercadorias em um contexto
de crescimento do consumo. Em uma faixa de aumento um pouco inferior, mas também expressiva, o
setor de serviços sofreu variação de 13% a.a., nesse indicador de lucratividade (Tabela 7).

Tabela 7. Evolução do Ebitda em R$ Bilhões — 2002/2007


Ebitda
Setores 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2002-2007*
TOTAL 80,5 116,3 142,6 157,1 173,3 188,4 19%
SERVIÇOS 33,0 45,8 48,0 48,6 56,1 61,4 13%
Serviços sem Energia 18,7 23,0 25,6 26,2 29,7 32,3 12%
INDÚSTRIA 45,9 68,7 92,2 105,6 114,0 123,5 22%
Indústria sem Petrobras 30,2 34,3 55,5 57,6 62,1 76,0 20%
COMÉRCIO 1,6 1,8 2,5 2,9 3,2 3,4 17%
Comercializáveis 45,7 70,1 92,2 105,2 113,5 122,6 22%
Não Comercializáveis 34,8 46,2 50,4 51,9 59,8 65,8 14%
Fonte: Demonstração de Resultados.
Nota: (*) Taxa anual de crescimento (geométrica).

O DESEMPENHO ECONÔMICO-FINANCEIRO DAS COMPANHIAS ABERTAS ENTRE 2002-2007 E NO ANO DE 2008

180
O ganho financeiro obtido pela valorização cambial reduziu contabilmente a dívida externa das
empresas e diminuiu o desembolso em reais dos encargos e juros desses empréstimos. Esse proces-
so foi mais expressivo na indústria. As despesas financeiras líquidas das empresas industriais caíram
em média, ao ano, 57,6%. Em 2002, essas companhias apresentaram um dispêndio financeiro de
R$ 15,4 bilhões para honrar suas dívidas; em cinco anos, esse gasto anual reduziu-se para R$ 500
milhões. Sem a Petrobras, a redução da despesa financeira líquida foi ainda mais intensa. Nota-se
que, em 2007, o balanço entre os pagamentos de juros e encargos dos empréstimos e as receitas
das aplicações financeiras resultou em ganhos líquidos — ou seja, na média do conjunto de indústrias
sem Petrobras, houve geração de Receita Financeira líquida da ordem de R$ 800 milhões de reais
(Tabela 8).
No setor de serviços, a diminuição da despesa financeira líquida também foi expressiva: queda
anual na faixa de 25%, sendo que os dispêndios passaram, de R$ 22 bilhões em 2002, para 7,2 R$
bilhões em 2007. O único setor no qual a despesa financeira líquida aumentou no período foi o comércio,
em função das suas próprias características. Esse segmento financia o giro das mercadorias e, dada a
expansão do consumo, o endividamento naturalmente aumentou (12,5% a.a.).

Tabela 8. Evolução da Despesa Financeira Líquida em R$ Bilhões — 2002/2007

Despesa Financeira Liquída


Setores 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2002-2007
TOTAL 38,7 23,3 25,6 19,7 18,3 8,1 -32,4
SERVIÇOS 22,7 15,5 13,0 9,7 10,4 7,2 -25,0
Serviços sem Energia 10,3 5,4 5,4 4,4 3,9 3,0 -26,5
INDÚSTRIA 15,4 7,4 11,9 9,2 7,2 0,5 -57,6
Indústria sem Petrobras 16,6 6,0 8,7 6,0 5,9 (0,8) -
COMÉRCIO 0,5 0,4 0,7 0,7 0,7 0,8 12,5
Comercializáveis 15,9 7,2 11,7 9,2 7,2 0,1 -71,8
Não Comercializáveis 22,8 16,2 13,9 10,5 11,1 8,0 -23,0
Fonte: Demonstração de Resultados.
Nota: (*) Taxa anual de crescimento (geométrica).

A rentabilidade do Patrimônio Líquido (LL/PL) que mais cresceu entre 2002 e 2007 foi a do con-
junto da indústria sem Petrobras: de uma lucratividade na faixa de 9,8% em 2002, os efeitos descritos
anteriormente, sobretudo a capacidade de gerar receitas acima dos custos operacionais e a redução da
despesa financeira líquida, adicionaram doze pontos percentuais na taxa de lucro sobre o Patrimônio Lí-
quido, que atingiu 21,8% em 2007. O comércio obteve, no período, incremento menor nesse indicador de
rentabilidade: foram acrescidos cinco pontos percentuais na taxa, que se elevou para 13,3% em 2007.
O setor de serviços sofreu elevado prejuízo em 2002, influenciado pelas empresas de energia
elétrica. Tomando o ano de 2003 como base de comparação, nota-se que também a rentabilidade das
empresas de serviços (com e sem as companhias de energia elétrica) acusou expansão ao longo do
período, mas o acréscimo foi inferior ao observado na indústria: da ordem de cinco pontos percentuais,
tendo a rentabilidade sobre o patrimônio líquido do setor alcançado, em 2007, 9,9% (Tabela 9).

ECONOMIA BRASILEIRA

181
Tabela 9. Evolução do indicador de rentabilidade — LL / PL em % — 2002/2007

Rentabilidade sobre o PL
Setores 2002 2003 2004 2005 2006 2007
TOTAL 0,56% 13,75% 16,05% 17,56% 15,74% 16,05%
SERVIÇOS -8,77% 3,92% 5,96% 8,43% 7,94% 9,86%
Serviços sem Energia -6,58% 5,66% 8,77% 11,25% 9,91% 10,67%
INDÚSTRIA 14,57% 26,05% 26,05% 25,75% 22,25% 20,75%
Indústria sem Petrobras 9,78% 19,66% 24,48% 23,12% 19,71% 21,79%
COMÉRCIO 7,92% 9,93% 13,65% 13,91% 10,56% 13,18%
Comercializáveis 14,28% 27,62% 26,24% 25,69% 22,58% 21,24%
Não Comercializáveis -7,60% 3,08% 6,19% 8,90% 8,15% 10,09%
Fonte: Demonstração de Resultados.
Nota: (*) Taxa anual de crescimento (geométrica).

Endividamento e Estrutura de Capitais


A situação patrimonial também mostrou evolução expressiva entre 2002 e 2007, o que pode ser
ilustrado pelo crescimento do Ativo Total, que passou de R$ 700 bilhões para R$ 1,2 trilhão, no perío-
do (crescimento de 11% a.a.). Por trás desse aumento do Ativo Total está a ampliação do Permanente,
equivalente a 12%a.a., dinamizado pelo crescimento dos Investimentos (23% a.a.) e do Imobilizado (10%
a.a.), conforme pode ser visto nas Tabelas 10, 11 e 11).
Outro ponto a ser destacado é que a imobilização de capital foi acompanhada de elevação do
patrimônio líquido e melhoria do perfil da dívida, indicadores de que ao longo do período as grandes
empresas brasileiras encontraram forma mais adequada de financiar as suas inversões de longo prazo,
principalmente no mercado de capitais e no alongamento dos empréstimos.

Tabela 10. Evolução do ativo total em R$ bilhões — 2002/2007

Ativo Total
Setores 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2002-2007*
TOTAL 700,1 762,0 830,8 916,8 1.075,9 1.177,5 11%
SERVIÇOS 374,1 377,9 390,7 406,4 443,4 463,7 4%
Serviços sem Energia 128,7 132,0 138,5 142,9 171,6 185,4 8%
INDÚSTRIA 309,9 367,5 421,2 489,3 607,8 685,9 17%
Indústria sem Petrobras 212,6 231,3 274,2 305,8 397,3 454,7 16%
COMÉRCIO 16,1 16,6 18,9 21,2 24,7 27,8 12%
Comercializáveis 303,8 362,9 416,5 483,3 598,9 673,3 17%
Não Comercializáveis 396,3 399,1 414,3 433,6 477,0 504,2 5%

Fonte: Balanço Patrimonial.


Nota: (*) Taxa anual de crescimento (geométrica).

O DESEMPENHO ECONÔMICO-FINANCEIRO DAS COMPANHIAS ABERTAS ENTRE 2002-2007 E NO ANO DE 2008

182
Tabela 11. Evolução do imobilizado em R$ bilhões — 2002/2007

Imobilizado
Setores 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2002-2007*
TOTAL 374,5 405,2 426,4 474,3 542,9 603,5 10%
SERVIÇOS 240,6 232,7 232,1 236,6 242,3 245,1 0%
Serviços sem Energia 85,2 80,8 79,4 80,5 84,2 85,9 0%
INDÚSTRIA 128,4 166,3 187,3 230,6 292,7 349,5 22%
Indústria sem Petrobras 87,6 101,5 110,6 125,1 177,4 209,5 19%
COMÉRCIO 5,5 6,1 7,0 7,1 7,9 9,0 10%
Comercializáveis 127,8 165,8 186,8 230,0 292,1 349,0 22%
Não Comercializáveis 246,8 239,4 239,6 244,3 250,8 254,5 1%
Fonte: Balanço Patrimonial.
Nota: (*) Taxa anual de crescimento (geométrica).

Tabela 12. Evolução dos investimentos em R$ bilhões — 2002/2007


Investimentos
Setores 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2002-2007*
TOTAL 21,4 24,5 38,9 41,7 49,4 60,2 23%
SERVIÇOS 10,0 11,6 13,0 15,1 17,9 20,7 16%
Serviços sem Energia 2,3 3,7 3,7 3,7 6,2 9,5 33%
INDÚSTRIA 11,1 12,6 25,6 26,2 31,5 39,4 29%
Indústria sem Petrobras 10,5 10,6 23,5 23,9 26,7 31,6 25%
COMÉRCIO 0,3 0,3 0,3 0,4 0,1 0,1 -17%
Comercializáveis 11,1 12,5 25,5 26,1 31,2 38,9 29%
Não Comercializáveis 10,3 12,0 13,4 15,6 18,2 21,3 16%
Fonte: Balanço Patrimonial.
Nota: (*) Taxa anual de crescimento (geométrica).

Tabela 13. Evolução do patrimônio líquido em R$ bilhões — 2002/2007

Patrimônio Líquido
Setores 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2002-2007
TOTAL 255,3 283,3 329,3 383,1 454,6 518,1 15%
SERVIÇOS 153,1 155,8 163,1 182,1 207,1 219,6 7%
Serviços sem Energia 52,3 50,5 52,3 59,0 75,9 81,6 9%
INDÚSTRIA 96,4 121,4 159,6 193,7 239,3 289,7 25%
Indústria sem Petrobras 62,0 72,0 97,3 114,9 141,7 175,9 23%
COMÉRCIO 5,8 6,1 6,5 7,3 8,2 8,8 9%
Comercializáveis 93,6 120,5 159,1 192,1 235,5 284,7 25%
Não Comercializáveis 161,6 162,8 170,2 190,9 219,0 233,4 8%
Fonte: Balanço Patrimonial.
Nota: (*) Taxa anual de crescimento (geométrica).

O financiamento desse crescimento deu-se, preponderantemente, com capital próprio, via integraliza-
ção de lucros acumulados ou aporte de capital por parte de acionistas; secundariamente, deveu-se a endi-

ECONOMIA BRASILEIRA

183
vidamento, fato que pode ser identificado pelo crescimento de ambos: o Patrimônio Líquido cresceu a uma
taxa média anual de 15%, entre 2002 e 2007, resultado da retenção de lucros e de aumentos de capital, en-
quanto o Endividamento Total expandiu-se a 3% a.a. no mesmo período. Além disso, outro fenômeno marcou
a situação financeira das empresas aqui estudadas — qual seja, o alongamento do prazo do endividamento,
o que significa, em termos gerais, a melhoria do perfil da dívida: o Endividamento de Longo Prazo cresceu a
uma taxa de 5% a.a. no período; o de Curto Prazo caiu a uma taxa de 4% a.a. (ver Tabelas 13, 15, 16 e 17).
Neste contexto, nota-se diminuição da relação entre o capital de terceiros e o capital próprio. O
segmento da indústria (com e sem Petrobras) apresentou as maiores reduções. Em 2002, esse indica-
dor apresentou patamar na faixa de 2,20 — ou seja, naquele ano, a utilização de capital de terceiros no
financiamento das operações das empresas industriais ultrapassou em 120% o capital próprio; em 2007,
a relação caiu para 1,30 no setor industrial (com Petrobras) e para 1,46 (sem Petrobras). No setor de
serviços, o indicador também se retraiu de um patamar de 1,44, em 2002, para 1,09, em 2007, quando
alcançou a menor relação dentre as aberturas do estudo (Tabela 14). Em função do aumento do endivi-
damento entre 2002 e 2007, especialmente o de curto prazo, houve, em Comércio, elevação da relação
entre o capital de terceiros e o capital próprio, que passou de 1,78 para 2,15 ao longo do período.

Tabela 14. Relação entre o capital de terceiros e o capital próprio — 2002/2007


Relação entre Capital de Terceiros e Capital Próprio
Setores 2002 2003 2004 2005 2006 2007
TOTAL 1,74 1,66 1,48 1,35 1,33 1,22
SERVIÇOS 1,44 1,43 1,39 1,23 1,15 1,09
Serviços sem Energia 1,45 1,62 1,64 1,42 1,25 1,17
INDÚSTRIA 2,21 1,93 1,56 1,43 1,45 1,30
Indústria sem Petrobras 2,37 2,07 1,69 1,51 1,64 1,46
COMÉRCIO 1,78 1,72 1,91 1,97 2,26 2,15
Comercializáveis 2,24 1,91 1,54 1,41 1,45 1,30
Não Comercializáveis 1,45 1,45 1,43 1,28 1,20 1,13
Fonte: Demonstração de Resultados.
Nota: (*) Taxa anual de crescimento (geométrica).

Tabela 15. Endividamento total em R$ bilhões — 2002/2007


Endividamento Total
Setores 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2002-2007*
TOTAL 253,3 260,5 245,5 245,5 300,0 292,4 3%
SERVIÇOS 127,3 124,1 119,8 105,9 113,0 110,2 -3%
Serviços sem Energia 47,7 45,8 43,5 37,9 45,6 47,3 0%
INDÚSTRIA 120,7 131,2 120,2 134,3 179,8 173,2 7%
Indústria sem Petrobras 89,9 89,0 83,0 89,3 135,7 134,9 8%
COMÉRCIO 5,4 5,2 5,5 5,3 7,2 9,0 11%
Comercializáveis 119,4 130,1 119,1 132,8 178,5 170,5 7%
Não Comercializáveis 134,0 130,3 126,4 112,8 121,5 121,9 -2%
Fonte: Demonstração de Resultados.
Nota: (*) Taxa anual de crescimento (geométrica).

O DESEMPENHO ECONÔMICO-FINANCEIRO DAS COMPANHIAS ABERTAS ENTRE 2002-2007 E NO ANO DE 2008

184
Tabela 16. Endividamento de longo prazo em R$ bilhões — 2002/2007
Endividamento de LP
Setores 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2002-2007
TOTAL 176,4 179,1 178,7 186,7 235,4 229,6 5%
SERVIÇOS 96,3 90,1 90,2 85,5 92,2 91,5 -1%
Serviços sem Energia 33,3 30,1 29,3 28,3 34,7 36,0 2%
INDÚSTRIA 77,0 87,1 85,3 97,5 139,5 133,6 12%
Indústria sem Petrobras 52,3 53,0 53,6 63,1 107,9 103,8 15%
COMÉRCIO 3,1 1,8 3,2 3,7 3,8 4,4 8%
Comercializáveis 76,2 86,5 84,7 96,6 138,7 131,4 12%
Não Comercializáveis 100,1 92,6 94,0 90,2 96,7 98,2 0%
Fonte: Demonstração de Resultados.
Nota: (*) Taxa anual de crescimento (geométrica).

Tabela 17. Endividamento de curto prazo em R$ bilhões — 2002/2007


Endividamento de CP
Setores 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2002-2007
TOTAL 77,0 81,4 66,8 58,8 64,5 62,8 -4%
SERVIÇOS 31,1 34,0 29,7 20,4 20,9 18,6 -10%
Serviços sem Energia 14,4 15,7 14,2 9,6 10,9 11,3 -5%
INDÚSTRIA 43,6 44,1 34,9 36,8 40,3 39,6 -2%
Indústria sem Petrobras 37,6 36,0 29,4 26,3 27,8 31,1 -4%
COMÉRCIO 2,3 3,3 2,2 1,6 3,4 4,6 15%
Comercializáveis 43,1 43,6 34,4 36,2 39,8 39,1 -2%
Não Comercializáveis 33,8 37,8 32,4 22,6 24,7 23,7 -7%
Fonte: Demonstração de Resultados.
Nota: (*) Taxa anual de crescimento (geométrica).

Quanto ao desempenho dos setores listados, entre 2002 e 2007, verificaram-se as seguintes ten-
dências em relação à evolução do Ativo Total, do Patrimônio Líquido, do Imobilizado, dos Investimentos e
do Endividamento de longo e de curto prazo (ver Tabelas 12, 13, 15, 16 e 17):
• Indústria: crescimento de 17% a.a. no Ativo Total e de 25% a.a. no Patrimônio Líquido (PL). O
Endividamento Total cresceu 7% a.a. A dívida melhorou o seu perfil com o decréscimo do Endi-
vidamento de Curto Prazo à taxa 2% a.a., enquanto o de Longo Prazo subiu a 12%.
• Indústria sem Petrobras: crescimento do Ativo Total na faixa de 16% a.a., do PL a 23% e do
Endividamento Total a 8% a.a. O Permanente cresceu à taxa de 21% a.a. (Imobilizado a 19%
a.a.e os Investimentos a 25% a.a.). O perfil do Endividamento melhorou consideravelmente,
com o de Longo Prazo crescendo a 15% a.a. e o de Curto Prazo caindo a 4% a.a.
• Comércio: o Ativo Total aumentou a 12% a.a., financiado pela expansão do PL, a 9% a.a. e do
Endividamento, a 11% a.a. O setor foi o único que apresentou crescimento do Endividamento
de Curto Prazo (15% a.a.), enquanto o de Longo Prazo cresceu a 8% a.a., piorando o perfil da
sua dívida. O Permanente do setor subiu a 9% a.a., com o Imobilizado alcançando 10% a.a.,
enquanto os Investimentos apresentaram queda da ordem de 17% a.a.

ECONOMIA BRASILEIRA

185
• Serviços sem Energia: o Ativo Total cresceu a 8% a.a., tendo como suporte o crescimento do
PL, 9% a.a., uma vez que o Endividamento Total ficou praticamente estável. O Permanente
aumentou a 3% a.a. com o Imobilizado estável e os Investimentos com alta expressiva de 33%
a.a. O perfil do Endividamento também apresentou melhora, com os Empréstimos de Curto
Prazo caindo a 5% a.a. e os de Longo Prazo subindo a 2% a.a.
• Serviços: o Ativo Total apresentou o menor crescimento dentre os setores analisados (4%
a.a.), praticamente financiado com recursos próprios, uma vez que o PL cresceu apenas
7% a.a. e os Empréstimos Totais caíram a 3% a.a. O Permanente apresentou expansão
de 2% a.a., praticamente dinamizado pelos Investimentos (16% a.a.), pois o Imobilizado
manteve o mesmo patamar no período. O perfil da dívida melhorou substancialmente, com
os Empréstimos de Curto Prazo caindo a 10% a.a. e os de Longo Prazo também caindo,
mas a 1% a.a.
Quanto aos outros conjuntos de empresas:
• Comercializáveis: O Ativo Total, reflexo do movimento da Indústria, cresceu a 17% a.a., acom-
panhado pelo crescimento do PL de 25% a.a. e dos Empréstimos Totais, de 7% a.a. O Perma-
nente cresceu a uma taxa de 24% a.a., determinado pelas expansões do Imobilizado (22%
a.a.) e dos Investimentos, (29% a.a.). O perfil da dívida melhorou, os Empréstimos de Curto
Prazo caíram à taxa de 2% a.a., enquanto a dívida de Longo Prazo subiu a 12% a.a.
• Não Comercializáveis: o Ativo Total cresceu menos (5% a.a.) em relação ao resultado das em-
presas mais voltadas para as exportações, influenciado pelo setor de serviços; o PL aumentou
a uma taxa de 8% a.a. e os Empréstimos Totais declinaram 2%a.a. Há uma sensível melhora
no perfil da dívida, com os Empréstimos de Curto Prazo caindo a 7% a.a. e o de longo prazo
permanecendo praticamente estável ao longo do período.

Desempenho das grandes empresas de capital aberto, em 2008


A economia brasileira sofreu o impacto da crise global através da abrupta queda da demanda
externa e da escassez de crédito no mercado financeiro internacional após a quebra do Lehman Brothers
em setembro de 2008. O PIB brasileiro que crescia a uma taxa de 6,8% no terceiro trimestre de 2008,
em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, passou a crescer apenas 1,3% nos últimos três meses
do ano. Na margem, a mudança de cenário econômico ficou patente, nota-se retração de 3,7% no quarto
trimestre de 2008, livre dos efeitos sazonais, em relação ao trimestre imediatamente anterior (Tabela
18). Nesta base de comparação, do lado da oferta, o PIB da indústria foi o mais prejudicado com queda
de 7,4% e, do lado da demanda, a formação bruta de capital fixo apresentou redução de 9,8% no último
trimestre de 2008.
A inflação foi impactada pelo movimento de intensa retração dos preços das commodities após
o aprofundamento da crise global. No final de 2008, os índices de preços (IGP-DI e IPCA) apresentaram
desaceleração em relação aos patamares pré-crise. O aumento da incerteza e a saída de capitais estran-
geiros do mercado financeiro doméstico, especialmente de ações, com o intuito de cobrir pesados preju-
ízos ocorridos no mercado financeiro internacional, pressionaram a taxa de câmbio, que se desvalorizou
31,9% no quatro trimestre de 2008.

O DESEMPENHO ECONÔMICO-FINANCEIRO DAS COMPANHIAS ABERTAS ENTRE 2002-2007 E NO ANO DE 2008

186
Tabela 18. Indicadores econômicos trimestrais — 2007 e 2008
PIB Crédito1 IGP-DI IPCA Taxa de Câmbio2
Período Trimestre/mesmo Trimestre/Trimes-
Pessoa Pessoa
Acumula- Acumula-
Final do Média do
trimestre do ano tre anterior (com do em 4 do em 4
Física Jurídica Período Período
anterior ajuste sazonal trimestres trimestres

1º Tri 2007 5,3 1,8 18,1 15,2 4,5 3,0 -5,6 -4,0
2º Tri 2007 5,8 1,4 18,3 13,9 4,0 3,7 -11,0 -9,3
3º Tri 2007 5,4 1,0 18,0 19,2 6,2 4,1 -15,4 -11,8
4º Tri 2007 6,1 1,7 19,9 24,7 7,9 4,5 -17,2 -17,0
1º Tri 2008 6,1 1,9 18,4 29,9 9,2 4,7 -14,7 -17,6
2º Tri 2008 6,2 1,6 14,1 34,1 14,0 6,1 -17,4 -16,4
3º Tri 2008 6,8 1,4 11,0 36,5 11,9 6,3 4,1 -13,0
4º Tri 2008 1,3 -3,7 7,1 30,4 9,1 5,9 31,4 27,6
Fonte: IBGE, Banco Central do Brasil, FGV.
Notas: (1) Variação do volume de crédito em relação ao mesmo trimestre do ano anterior deflacionado pela IPCA.
(2) Variação em relação do mesmo trimestre do ano anterior.

Nesse contexto, era de se esperar que o desempenho operacional das empresas sofresse o impac-
to da retração dos mercados consumidores interno e externo, no último trimestre de 2008, devido à crise
internacional. Além disso, estava sujeito, também, ao impacto negativo da queda de preços internacio-
nais, afetando sobremaneira o desempenho das empresas produtoras e exportadoras de commodities,
a despeito da forte desvalorização do real, no período. No entanto, esses fatores adversos verificados no
último trimestre de 2008 puderam ser diluídos em resultados operacionais extremamente favoráveis nos
três trimestres anteriores do ano, não sendo a causa do recuo do lucro líquido.
Os resultados do desempenho de 239 empresas não financeiras de grande porte, entre 2007 e
2008, mostram que o recuo do lucro líquido em 2008 foi construído não a partir da queda do desem-
penho operacional das companhias, mas por razões financeiras. Para o conjunto das empresas, o lucro
líquido caiu de R$ 90,3 bilhões para R$ 88,1 bilhões entre 2007 e 2008, uma queda de R$ 2,2 bilhões
(ou 2,5%), e o lucro da atividade cresceu em termos de valor R$ 34,5 bilhões, o que significou uma ex-
pansão de 24,6% no período (Tabela 19).

Tabela 19. Evolução do lucro líquido e da atividade, despesa financeira líquida — 2007 e 2008
Variação em valor (R$ milhões) e em %
Lucro Líquido Lucro da Atividade Despesa Financeira Líquida
Setores Variação Variação Variação
2007 2008 2007 2008 2007 2008
Valor % Valor % Valor %
TOTAL 90.348 88.116 -2.232 -2,5 140.578 175.139 34.560 24,6 8.592 51.625 43.034 500,9
SERVIÇOS 1.335 1.461 126 9,4 2.818 3.367 549 19,5 1.088 1.139 51 4,7
Serviços sem
65.153 63.964 -1.189 -1,8 97.544 125.060 27.516 28,2 348 38.129 37.781 10.849,8
Energia
INDÚSTRIA 43.648 30.616 -13.031 -29,9 60.833 76.354 15.521 25,5 -386 38.184 38.570 —
Indústria sem
23.861 22.692 -1.169 -4.9 40.216 46.712 6.496 16,2 7.155 12.357 5.203 72,7
Petrobras
COMÉRCIO 10.446 6.439 -4.007 -38,4 17.198 19.389 2.191 12,7 3.003 9.485 6.482 215,8
Comercializáveis 63.308 61.846 -1.462 -2,3 95.198 121.816 26.618 28,0 474 38.026 37.553 7.929,5
Não Comercia-
27.040 26.270 -770 -2,8 45.381 53.323 7.942 17,5 8.118 13.599 5.481 67,5
lizáveis
Fonte: Demonstração de Resultados.

ECONOMIA BRASILEIRA

187
A rentabilidade sobre o Patrimônio Líquido (PL), que chegou a 15,8% em 2007, recuou para 13,5%
em 2008, o que ainda pode ser considerada uma boa marca de rentabilidade. Cabe mencionar que as
empresas de Comércio mantiveram-se em crescimento em termos do valor do lucro líquido, que aumen-
tou 9,4%, e em termos de taxa de rentabilidade sobre o PL, que passou de 13,2% para 13,5% (Tabela 20).
Mas tanto esses resultados globais quanto o bom desempenho do Comércio escondem desempenhos
muito ruins para outros setores, como veremos nos itens sobre os segmentos Serviços e Indústria.

Tabela 20. Evolução da margem de lucro (LL/RL), da rentabilidade do PL (LL/PL) e da despesa


financeira líquida sobre a receita líquida — 2007 e 2008 (em %)

Rentabilidade Lucro da Atividade Despesa Financeira


Setores Margem sobre a RL
sobre o PL sobre a RL Líquida sobre a RL
2007 2008 2007 2008 2007 2008 2007 2008
TOTAL 11,9% 9,5% 15,8% 13,5% 18,5% 18,8% 1,1% 5,5%
SERVIÇOS 3,5% 3,1% 13,2% 13,5% 7,3% 7,2% 2,8% 2,4%
Serviços sem Energia 12,9% 10,1% 20,3% 16,1% 19,4% 19,8% 0,1% 6,0%
INDÚSTRIA 13,1% 7,4% 21,3% 12,3% 18,3% 18,4% -0,1% 9,2%
Indústria sem Petrobras 10,9% 8,9% 10,0% 9,2% 18,5% 18,4% 3,3% 4,9%
COMÉRCIO 8,4% 4,5% 10,9% 6,7% 13,9% 13,4% 2,4% 6,6%
Comercializáveis 12,9% 10,2% 21,1% 16,5% 19,5% 20,0% 0,1% 6,3%
Não Comercializáveis 10,0% 8,1% 10,0% 9,4% 16,8% 16,5% 3,0% 4,2%
Fonte: Balanço Patrimonial e Demonstração de Resultados.

Serviços
O setor de Serviços, especialmente sem considerar as empresas de energia, teve seu lucro líquido
reduzido de R$ 10,4 bilhões para R$ 6,4 bilhões, representando uma queda de 38,4%. Cerca de metade
dessa queda explica-se pelo desempenho muito negativo das empresas de Transporte Aéreo, vindo em
seguida as empresas dos setores de Telefonia, Saneamento e Logística. O financiamento predominante
das empresas desse segmento, no qual têm muito destaque os compromissos em moeda estrangeira,
responde como a principal causa da queda tão acentuada de rentabilidade.
A desvalorização da moeda incidiu sobre essas dívidas, causando grande aumento contábil (o
efeito sobre o caixa não é integral) das despesas financeiras líquidas. Como cabe notar, o lucro da
atividade para esse segmento — vale dizer, o lucro propriamente gerado pelas atividades operacio-
nais das empresas — não parou de aumentar: alcançou R$ 19,4 bilhões em 2008, aumentando R$
2,2 bilhões (ou o equivalente a 12,7%) com relação ao lucro da atividade correspondente a 2007. Ou
seja, um vultoso prejuízo financeiro — determinado pela incidência da desvalorização do real sobre as
dívidas em moeda estrangeira, características, em média, das empresas do setor —, e não redução
do lucro da atividade, foi a causa do declínio vigoroso da rentabilidade desse segmento. Sua taxa de
rentabilidade sobre o PL, que era de 10,9% em 2007, reduziu-se para 6,7% em 2008, mesmo tendo
sido praticamente mantida a relação Lucro da Atividade/Receita Líquida (13,9% em 2007 e 13.4% em
2008). Já a relação Despesas Financeiras Líquidas/RL, que era de 2,5% em 2007, passou para 6,6%
em 2008 (ver Tabela 20).

O DESEMPENHO ECONÔMICO-FINANCEIRO DAS COMPANHIAS ABERTAS ENTRE 2002-2007 E NO ANO DE 2008

188
Indústria
Outro segmento que notoriamente destoou da média global das empresas foi o de Indústria, espe-
cialmente se for considerada a Indústria sem Petrobras. Esse grupo apurou uma queda verdadeiramente
excepcional de seu Lucro Líquido: de R$ 43,6 bilhões em 2007 para R$ 30,6 bilhões em 2008, uma
contração de nada menos que R$ 13 bilhões (ou 29,9%). Isso se deu a despeito do vigoroso aumento
do lucro da atividade que, mesmo tendo sofrido os efeitos da crise internacional no trimestre final do
ano, pulou de R$ 60,8 bilhões para R$ 76,4 bilhões, ou 16,2%, entre 2007 e 2008. Foram as despesas
financeiras líquidas as causas de tão negativo resultado global do segmento. Essas passaram de um
valor negativo (representando Receita Financeira Líquida) de R$ 0,4 bilhão em 2007 para inacreditáveis
R$ 38,2 bilhões, em 2008.
É claro que as grandes empresas brasileiras do setor industrial também se municiam de recursos
em moeda estrangeira para o financiamento de suas atividades e investimentos, mas, segundo um le-
vantamento da Fundap com dados referentes a 2007, o percentual de fundos externos no financiamento
global dessas empresas era de aproximadamente 20%. Isso significa dizer que, provavelmente para esse
segmento, não se pode estender o mesmo argumento do padrão de financiamento como causa principal
de tão pronunciado desequilíbrio.
Em outras palavras, a queda do lucro do segmento, embora tenha-se dado em função também de
um vultoso prejuízo financeiro, não decorreu tanto (como no caso de Serviços) do efeito desvalorização
do real sobre as dívidas em moeda estrangeira. A esse fator que, todavia, em parte também contribuiu
para o resultado negativo juntou-se, no caso das empresas industriais (exclusive Petrobras), outro de
maior peso e determinação para explicar o recuo tão acentuado do lucro: o impacto da desvalorização
cambial sobre as apostas de valorização do real feitas pelas empresas em operações em mercados fu-
turos de câmbio. As empresas utilizaram vários mecanismos para se defender da valorização do real e
até arriscar a sua saúde financeira com apostas no mercado financeiro. Várias corporações realizaram
operações nos mercados futuros de arbitragem com câmbio e juros5.
Evidência de que o fator especulação com o valor da moeda foi destacadamente o mais re-
levante vem do fato de que apenas três setores da indústria explicam a queda do lucro líquido de
2007 para 2008. Precisamente para esses setores, foram amplamente divulgados a ocorrência de
problemas de empresas com prejuízos nos mercados de derivativos. No caso de Alimentos, Papel e
Celulose e Química, o lucro líquido caiu R$ 17 bilhões entre esses anos, a partir de aumento de R$
24 bilhões nas despesas financeiras líquidas. Como cabe recordar, para o conjunto das empresas
da Indústria Sem Petrobras, o lucro líquido caiu R$ 13 bilhões entre 2007 e 2008 e as despesas
financeiras líquidas aumentaram R$ 38 bilhões.
Com toda a segurança, é possível afirmar que, não tivessem se reveladas errôneas as apostas no
câmbio futuro feitas por empresas industriais brasileiras, as grandes empresas não financeiras do país te-
riam conseguido neutralizar os efeitos reais e financeiros da crise externa em 2008, de forma que em 2009
lograriam em seu conjunto ampliar e não reduzir (como de fato ocorreu) seus níveis e taxas de lucro.

5 Várias empresas, além de fazer o hedge das suas receitas em dólar com operações no mercado financeiro, avançaram na
direção de apostas mais arriscadas com derivativos alavancados em cima da expectativa de que a taxa de câmbio permaneceria
apreciada ao longo dos próximos anos. Caso exemplar foi o da Aracruz Celuloce, obrigada a reconhecer perdas bilionárias no exer-
cício de 2008, uma vez que o real sofreu forte depreciação no último trimestre de 2008.

ECONOMIA BRASILEIRA

189
Do ponto de vista da estrutura de ativos e passivos, o ano de 2008 marcou uma mudança na
estratégia das empresas, provavelmente influenciadas pelas alterações nas condições econômicas dada
a crise global. Cabe destacar, em primeiro lugar, a retração dos investimentos societários entre 2007 e
2008; nesse período, o conjunto de empresas reduziu em 38,9% essa forma de obter recursos para in-
vestimentos de mais longo prazo. Essa tendência foi regra para a maioria das desagregações: o conjunto
de Indústrias sem Petrobras apresentou a maior queda (-42,3%); o único setor no qual houve aumento
dos investimentos societários foi no Comércio, com expansão de 3,5%; mas, neste caso, o volume de
recursos é pequeno (Tabela 21).

Tabela 21. Evolução do ativo total, imobilizado, investimentos e patrimônio líquido — 2007 e 2008
(em R$ bilhões e %)
Ativo Total Imobilizado Investimentos Patrimônio Líquido.
Setores
2007 2008 Var 2007 2008 Var 2007 2008 Var 2007 2008 Var
TOTAL 1.269,5 1.572,7 23,9% 570,3 653,2 14,5% 65,6 40,1 -38,9% 622,7 745,0 19,6%
SERVIÇOS 32,0 36,0 12,5% 10,1 10,8 6,8% 0,1 0,1 3,5% 9,2 10,0 7,9%
Serviços sem Energia 745,8 972,0 30,3% 321,4 396,3 23,3% 43,2 25,5 -40,9% 357,6 449,7 25,8%
INDÚSTRIA 510,2 670,1 31,3% 205,2 248,8 21,2% 35,4 20,4 -42,3% 217,6 258,9 19,0%
Indústria sem Petrobras 491,6 564,7 14,9% 238,8 246,0 3,0% 22,3 14,4 -35,3% 255,9 285,3 11,5%
COMÉRCIO 207,2 252,1 21,7% 95,7 95,9 0,1% 10,9 6,3 -42,0% 94,0 110,4 17,5%
Comercializáveis 704,0 915,4 30,0% 300,3 373,8 24,5% 41,3 24,7 -40,1% 353,7 444,4 25,6%
Não Comercializáveis 565,5 657,3 16,2% 270,0 279,4 3,5% 24,4 15,4 -37,0% 269,0 300,6 11,8%

Fonte: Balanço Patrimonial.

O mercado de capitais mundial apresentou uma drástica reversão, a crise financeira global que se
manifestou nos EUA em meados de 2007, se espraiou pelos demais países desenvolvidos e emergentes ao
longo de 2008, e afetou a liquidez no mercado financeiro mundial. No Brasil, os impactos também foram
sentidos: dois terços do volume de recursos captados na Bolsa pelas empresas, até 2007, era de origem
estrangeira. Em 2008, as captações das empresas que entraram no mercado pela primeira vez reduziram-
se fortemente em 86,4%. De um patamar da ordem de R$ 55,5 bilhões, captados com novas aberturas em
2007, as empresas apresentaram somente sete ofertas de abertura de capital em 2008, o que gerou uma
captação de R$ 7,5 bilhões. A queda de volume no mercado de capitais no Brasil só não foi maior em 2008,
devido ao aumento da captação pelas companhias já negociadas em bolsa. Neste período, o volume de
recursos assim obtidos cresceu 84,8% em relação a 2007 e alcançou o montante de R$ 26,8 bilhões.
Ainda do lado do ativo, a compra de máquinas e equipamentos e a ampliação da capacidade
produtiva, pelas empresas, mantiveram-se ascendente até o terceiro trimestre de 2008; isso determi-
nou que a variação anual do imobilizado no balanço patrimonial do conjunto das companhias crescesse
14,5% em 2008. Esse movimento foi mais intenso na indústria, cuja taxa de variação entre 2007 e 2008
atingiu dois dígitos (23,3% no total e 21,2% no conjunto sem Petrobras). Até 2007, a evolução da lucrati-
vidade, a expansão do Patrimônio Líquido e o baixo crescimento do endividamento total indicavam que a
opção das empresas foi utilizar mais capital próprio para ampliar a base produtiva6.

6 Puga e Nascimento (2008) discutem as formas de financiamento das empresas no contexto da crise financeira internacional
com foco nos setores industrial e de infraestrutura.

O DESEMPENHO ECONÔMICO-FINANCEIRO DAS COMPANHIAS ABERTAS ENTRE 2002-2007 E NO ANO DE 2008

190
Em 2008, a situação financeira das empresas deteriorou-se com a desvalorização do real
e as perdas de capital vinculadas às operações especulativas de hedge cambial. Neste cenário, a
composição do passivo, ao final de 2008, indicava alteração na forma de as empresas brasileiras
se financiarem. A restrição financeira aguda, especialmente a partir de setembro de 2008, levou as
empresas a aumentar o seu grau de endividamento. Entre 2007 e 2008, os empréstimos totais do
conjunto de empresas cresceram 46,8%, atingindo o patamar de R$ 458,6 bilhões. Diferentemente
da trajetória anterior, quando as dívidas de curto prazo reduziram-se, entre 2002 e 2007, houve
agora ampliação dos empréstimos de longo prazo e forte elevação do financiamento de prazos
mais curtos (+47,1%), cujo estoque alcançou o volume de R$ 102,6 bilhões em dezembro de 2008
(Tabela 22).

Tabela 22. Evolução do endividamento total, de curto e de longo prazo — 2007 e 2008
(em R$ bilhões e %)
Setores Endividamento Total Endividamento de CP Endividamento de LP
2007 2008 Var 2007 2008 Var 2007 2008 Var
TOTAL 312,3 458,6 46,8% 69,8 102,6 47,1% 242,5 355,9 46,8%
SERVIÇOS 10,4 12,8 23,3% 5,5 5,1 -7,2% 4,9 7,7 57,7%
Serviços sem Energia 186,2 292,9 57,3% 44,7 67,2 50,3% 141,5 225,7 59,5%
INDÚSTRIA 147,9 229,6 55,2% 36,2 54,0 49,0% 111,7 175,6 57,2%
Indústria sem Petrobras 115,7 152,8 32,1% 19,5 30,3 54,9% 96,1 122,6 27,5%
COMÉRCIO 50,7 75,5 48,8% 12,1 18,6 52,9% 38,6 57,0 47,5%
Comercializáveis 178,7 278,4 55,8% 42,9 63,6 48,1% 135,8 214,8 58,2%
Não Comercializáveis 133,6 180,2 34,8% 26,9 39,1 45,4% 106,8 141,1 32,2%
Fonte: Balanço Patrimonial.

A despeito da maior utilização de recursos de terceiros na estrutura de capital, o patrimônio líquido


das empresas também apresentou expressiva alta em 2008, da ordem de 19,6%. A margem líquida de
lucro (LL/PL) das companhias sofreu revés, especialmente no último trimestre de 2008, mas ainda per-
maneceu positiva e próxima a 10% para o total das empresas no ano de 2008 como um todo; isto fez com
que a política de retenção de lucros fosse mantida, o que, somado aos aportes de capital de acionistas,
determinou o aumento do Patrimônio Líquido.
Vale salientar que não se pode concluir que essa nova composição da estrutura de capital
das empresas — mais dívida e menos captação de recursos em Bolsa — vá-se manter nos próximos
anos. Isso irá depender, dentre outras coisas, de como o Brasil sairá da crise global. Além disso,
também não é crível achar que essa mudança de perfil foi virtuosa no sentido de alavancar nova
imobilização de capital de longo prazo. Ao contrário, esse movimento na direção de ampliar o
endividamento, especialmente o de curto prazo, respondeu muito mais a um estresse financeiro
— advindo da desvalorização do real, do aumento dos custos e prazos dos financiamentos e das
perdas de capital em apostas especulativas no mercado financeiro — do que de novas decisões de
investimento produtivo.

ECONOMIA BRASILEIRA

191
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FUNDAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO. Análise patrimonial e financeira das grandes em-


presas brasileiras: 2002 — 2007. São Paulo: Fundap; Nobel Planejamento, 2008. (Projeto de pesquisa
análise econômico-financeira das companhias abertas). Mimeografado.

FUNDAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO. Análise patrimonial e financeira das grandes em-


presas brasileiras nos primeiros nove meses de 2008. São Paulo: Fundap; Nobel Planejamento, 2008.
(Projeto de pesquisa análise econômico-financeira das companhias abertas). Mimeografado.

JACOB, Cláudio. Crédito bancário no Brasil: uma interpretação heterodoxa. 2003. Tese (Doutorado) - Ins-
tituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.

NOVAIS, Luis F. A crise global e a "morte súbita" do PIB no quarto trimestre de 2008. In: Biasoto Junior,
G.; NOVAIS, L. F.; FREITAS, M. C. P. de (org.) Panorama da Economia Internacional e Brasileira: dinâmi-
ca e impactos da crise global. São Paulo: Fundap, 2009.

PUGA, Fernando P.; NASCIMENTO, Marcelo M. Como as empresas financiam investimentos em meio a
crise financeira internacional. Visão do Desenvolvimento, Rio de Janeiro, n. 58, dez. 2008.

O DESEMPENHO ECONÔMICO-FINANCEIRO DAS COMPANHIAS ABERTAS ENTRE 2002-2007 E NO ANO DE 2008

192
ANEXOS
Composição setorial do conjunto de empresas EM 2002-2007 e para o ano
de 2007/2008
Tabela A. Distribuição setorial das empresas de capital aberto consideradas no estudo (2002-2007)
INDÚSTRIA 125
Agronegócio 2 Material Aeronáutico 1
Alimentos 13 Material de Construção 3
Armas e Munições 1 Material de Transporte 9
Bebidas e Fumo 2 Metalurgia 15
Brinquedos e Lazer 4 Mineração 1
Calçados 2 Papel e Celulose 6
Construção Civil e Incorporação 9 Petróleo e Gás 1
Editora 1 Produtos de Higiene e Limpeza 1
Embalagens 3 Química 12
Equipamentos Elétricos 1 Siderurgia 6
Indústria Diversos 2 Têxtil, Couro e Vestuário 15
Madeira 2 Utilidades Domésticas 3
Máquinas e Equip. 10
SERVIÇOS 46
Comunicações 1 Saneamento 4
Concessões Rodovias 2 Tecnologia da Informação 1
Energia 21 Telefonia 9
Exploração de Imóveis 1 Transporte Aéreo 2
Logística 4
COMÉRCIO 10
Comércio de Medicamentos 2 Comércio Varejista 5
Comércio Diversos 1 Comércio Varejista de Gás 2

Tabela B. Distribuição setorial das empresas de capital aberto consideradas no estudo (2007-2008)
INDÚSTRIA 149
Agronegócio 4 Máquinas e Equip. 12
Alimentos 13 Material Aeronáutico 1
Armas e Munições 1 Material de Construção 2
Bebidas e Fumo 2 Material de Transporte 6
Bioenergia 3 Metalurgia 12
Brinquedos e Lazer 3 Mineração 1
Calçados 2 Papel e Celulose 6
Construção Civil e Incorporação 32 Petróleo e Gás 2
Editora 1 Produtos de Higiene e Limpeza 2
Embalagens 4 Química 11
Equipamentos Elétricos 1 Siderurgia 6
Indústria (Diversos) 3 Têxtil, Couro e Vestuário 16
Madeira 2 Utilidades Domésticas 1
continua

ECONOMIA BRASILEIRA

193
SERVIÇOS 77
Comunicações 1 Serviços Diversos 5
Concessões Rodoviárias 3 Tecnologia da Informação 3
Energia 26 Telefonia 9
Exploração de Imóveis 6 Transporte Aéreo 2
Logística 7
Saneamento 4
Saúde 4
COMÉRCIO 13
Comércio de Medicamentos 3 Comércio Varejista 7
Comércio Diversos 1 Comércio Varejista de Gás 2

Tabela C. Distribuição setorial das empresas de capital aberto — Comercializáveis e não comercializáveis
COMERCIALIZÁVEIS
Indústria Agronegócio Indústria Material Aeronáutico
Indústria Alimentos Indústria Material de Construção
Indústria Armas e Munições Indústria Material de Transporte
Indústria Bebidas e Fumo Indústria Metalurgia
Indústria Bioenergia Indústria Mineração
Indústria Brinquedos e Lazer Indústria Papel e Celulose
Indústria Calçados Indústria Petróleo e Gás
Indústria Embalagens Indústria Química
Indústria Equipamentos Elétricos Indústria Siderurgia
Indústria Indústria Diversos Indústria Têxtil, Couro e Vestuário
Indústria Madeira Indústria Utilidades Domésticas
Indústria Máquinas e Equipamentos
NÃO COMERCIALIZÁVEIS
Comércio Comércio de Medicamentos Serviços Exploração de Imóveis
Comércio Comércio Diversos Serviços Hotelaria
Comércio Comércio Varejista Serviços Logística
Comércio Comércio varejista de Gás Serviços Saneamento
Indústria Construção Civil e Incorporação Serviços Serviços Diversos
Indústria Editora Serviços Saúde
Indústria Produtos de Higiene e Limpeza Serviços Tecnologia da Informação
Serviços Comunicações Serviços Telefonia
Serviços Concessões Rodoviárias Serviços Transporte Aéreo
Serviços Energia

O DESEMPENHO ECONÔMICO-FINANCEIRO DAS COMPANHIAS ABERTAS ENTRE 2002-2007 E NO ANO DE 2008

194
Empresas por Segmento para o conjunto analisado em 2007 e 2008

SEGMENTO EMPRESA SEGMENTO EMPRESA


Agronegócio Rasip Agro Comunicação Net
Agronegócio Renar Concessão de Rodovias CCR Rodovias
Agronegócio São Martinho Concessão de Rodovias OHL Brasil
Agronegócio SLC Agricola Concessão de Rodovias Triunfo Part
Alimentos Cacique Construção Civil e Incorporação Abyara
Alimentos Excelsior Construção Civil e Incorporação Agra Incorp
Alimentos Iguaçu Café Construção Civil e Incorporação Br Brokers
Alimentos J B Duarte Construção Civil e Incorporação BR Malls Par
Alimentos JBS Construção Civil e Incorporação BR Properties
Alimentos Josapar Construção Civil e Incorporação Brascan Res
Alimentos M. Diasbranco Construção Civil e Incorporação CC De Imob
Alimentos Marfrig Construção Civil e Incorporação Company
Alimentos Minerva Construção Civil e Incorporação Correa Ribeiro
Alimentos Minupar Construção Civil e Incorporação CR2
Alimentos Oderich Construção Civil e Incorporação Cyrela Realty
Alimentos Perdição S/A Construção Civil e Incorporação Even
Alimentos Sadia S/A Construção Civil e Incorporação Eztec
Armas de Munição Forjas Taurus Construção Civil e Incorporação Gafisa
Bebidas e Fumo Ambev Construção Civil e Incorporação Habitasul
Bebidas e Fumo Souza Cruz Construção Civil e Incorporação Helbor
Bioenergia Ecodiesel Construção Civil e Incorporação Inpar S/A
Brinquedos e Lazer Bic Monark Construção Civil e Incorporação JHSF Part
Brinquedos e Lazer Estrela Construção Civil e Incorporação Klabinsegall
Brinquedos e Lazer Pq Hopi Hari Construção Civil e Incorporação Lopes Brasil
Calçados Alpargatas Construção Civil e Incorporação MRV
Calçados Grendene Construção Civil e Incorporação PDG Realt
Comércio de Medicamentos Dimed Construção Civil e Incorporação Rodobensimob
Comércio de Medicamentos Drogasil Construção Civil e Incorporação Rossi Resid
Comércio de Medicamentos Profarma Construção Civil e Incorporação Sergen
Comércio Diversos Minasmaquinas Construção Civil e Incorporação Sondotecnica
Comércio Varejista B2W Varejo Construção Civil e Incorporação Sultepa
Comércio Varejista Globex Construção Civil e Incorporação Tecnisa
Comércio Varejista Grazziotin Construção Civil e Incorporação Tecnosolo
Comércio Varejista Lojas Americanas Construção Civil e Incorporação Tekno
Comércio Varejista Lojas Renner Construção Civil e Incorporação Tenda
Comércio Varejista Marisa Construção Civil e Incorporação Trisul
Comércio Varejista Pão de Açúcar-CBD Editora Saraiva Livr
Comércio Varejista de Gás CEG Educação Estacio
Comércio Varejista de Gás Comgas Educação Kroton
continua

ECONOMIA BRASILEIRA

195
SEGMENTO EMPRESA SEGMENTO EMPRESA
Educação Seb Hotelaria SPTuris
Educação Anhanguera Indústria Diversa Hypermarcas
Embalagens Dixie Toga Indústria Diversa Magnesita
Embalagens Metal Iguacu Indústria Diversa Sansuy
Embalagens Petropar Logística ALL Amer Lat
Embalagens Providencia Logística Ban Armazens
Energia Aes Sul Logística Doc Imbituba
Energia Ampla Energ Logística LLX Log
Energia CEB Logística Log-In
Energia Celesc Logística Santos Brasil
Energia Cemar Logística Tegma
Energia Cemat Madeira Duratex
Energia Cemig Madeira Eucatex
Energia Cesp Madeira Satipel
Energia Coelba Máquinas e Equipamentos Bardella
Energia Coelce Máquinas e Equipamentos Bematech
Energia Copel Máquinas e Equipamentos Inds Romi
Energia Cosern Máquinas e Equipamentos Inepar
Energia CPFL Energia Máquinas e Equipamentos Itautec
Energia Elektro Máquinas e Equipamentos Kepler Weber
Energia Eletrobras Máquinas e Equipamentos Metalfrio
Energia Eletropaulo Máquinas e Equipamentos Positivo Inf
Energia EMAE Máquinas e Equipamentos Riosulense
Energia Energias BR Máquinas e Equipamentos Schulz
Energia Energisa Máquinas e Equipamentos Weg
Energia Equatorial Máquinas e Equipamentos Whirlpool
Energia Light S/A Material Aeronáutico Embraer
Energia MPX Energia Material de Construção Eternit
Energia Rede Energia Material de Construção Portobello
Energia Terna Part Material de Transporte Iochp-Maxion
Energia Tractebel Material de Transporte Marcopolo
Energia Tran Paulist Material de Transporte Metal Leve
Equipamentos Elétricos Trafo Material de Transporte Plascar Part
Exploração de Imóveis BrasilAgro Material de Transporte Randon Part
Exploração de Imóveis Cyre Com-ccp Material de Transporte Recrusul
Exploração de Imóveis Generalshopp Metalurgia ê Altona
Exploração de Imóveis Iguatemi Metalurgia êsba Met
Exploração de Imóveis Multiplan Metalurgia Confab
Exploração de Imóveis São Carlos Metalurgia Fibam
Hotelaria Othon Metalurgia Lupatech
Hotelaria Invest Tur Metalurgia Mangels Indl
continua

O DESEMPENHO ECONÔMICO-FINANCEIRO DAS COMPANHIAS ABERTAS ENTRE 2002-2007 E NO ANO DE 2008

196
SEGMENTO EMPRESA SEGMENTO EMPRESA
Metalurgia Met Duque Serviços Diversos DTCOM Direct
Metalurgia Metisa Serviços Diversos Localiza
Metalurgia Panatlantica Siderurgia ês Vill
Metalurgia Paranapanema Siderurgia Aliperti
Metalurgia Tupy Siderurgia Ferbasa
Metalurgia Wetzel S/A Siderurgia Gerdau Met
Mineração MMX Miner Siderurgia Sid Nacional
Mineração Vale R Doce Siderurgia Usiminas
Papel e Celulose Aracruz Tecnologia da Informação Ideiasnet
Papel e Celulose Celul Irani Tecnologia da Informação Totvs
Papel e Celulose Klabin S/A Tecnologia da Informação Uol
Papel e Celulose Melhor SP Telefonia Brasil T Par
Papel e Celulose Suzano Papel Telefonia Embratel Part
Papel e Celulose VCP Telefonia GVT Holding
Petróleo Ogx Petroleo Telefonia Tele Nort Cl
Petróleo Petrobras Telefonia Telemar
Produtos de Higiene e Limpeza Bombril Telefonia Telemig Part
Produtos de Higiene e Limpeza Natura Telefonia Telesp
Química Braskem Telefonia Tim Part S/A
Química Elekeiroz Telefonia Vivo
Química Fer Heringer Têxtil, Couro e Vestuário Buettner
Química Fosfertil Têxtil, Couro e Vestuário Cedro
Química M G Poliest Têxtil, Couro e Vestuário Cia Hering
Química Millennium Têxtil, Couro e Vestuário Cremer
Química Nutriplant Têxtil, Couro e Vestuário Dohler
Química Quattor Petr Têxtil, Couro e Vestuário Fab C Renaux
Química Ultrapar Têxtil, Couro e Vestuário Guararapes
Química Unipar Têxtil, Couro e Vestuário Ind. Cataguas
Química Yara Brasil Têxtil, Couro e Vestuário Karsten
Saneamento Casan Têxtil, Couro e Vestuário Le Lis Blanc
Saneamento Copasa Têxtil, Couro e Vestuário Marisol
Saneamento Sabesp Têxtil, Couro e Vestuário Pettenati
Saneamento Sanepar Têxtil, Couro e Vestuário Schlosser
Saúde Amil Têxtil, Couro e Vestuário Springs
Saúde Dasa Têxtil, Couro e Vestuário Tecel S Jose
Saúde Medial Saude Têxtil, Couro e Vestuário Teka
Saúde Odontoprev Transporte Aéreo Gol
Serviços Diversos Contax Transporte Aéreo TAM S/A
Serviços Diversos Abnote Utilidades Domésticas Nadir Figueiredo
Serviços Diversos CSU CardSystem

ECONOMIA BRASILEIRA

197
Os fluxos de capitais
para a economia brasileira
em 2007 e no primeiro
quadrimestre de 2008

Daniela Magalhães Prates

E
m 2007, os fluxos líquidos de capitais para a economia brasileira somaram US$ 88,4 bilhões, a maior
cifra registrada desde 1947, quando se inicia a série do balanço de pagamentos do Banco Central do
Brasil. O valor recorde de recursos externos em termos históricos — que certamente teria sido maior
caso a crise subprime não tivesse eclodido no final de julho — foi o principal determinante do superávit, igual-
mente recorde, do balanço de pagamentos brasileiro naquele mesmo ano, no valor de US$ 87,5 bilhões.
Esta nota técnica examina as principais características do boom de capitais estrangeiros para a
economia brasileira em 2007. Com esse propósito, apresenta-se, na próxima seção, um panorama geral
do desempenho do balanço de pagamentos e da conta financeira durante a fase de alta do ciclo recente
de liquidez internacional para os países em desenvolvimento (2003 a 2007), com ênfase no ano de 2007.
A segunda seção dedica-se à análise do desempenho das diversas modalidades de fluxos de capitais ao
longo de 2007, com o objetivo avaliar os impactos da crise subprime. Na terceira seção, seguem-se algu-
mas considerações sobre a situação de vulnerabilidade externa da economia brasileira no curto prazo.
Na última seção, apresenta-se uma análise dos fluxos de capitais no primeiro quadrimestre de 2008 e,
especialmente, em maio, após a obtenção do grau de investimento pela agência Standard & Poors.

Panorama geral e condicionantes do boom


No período 2003 a 2007, o cenário externo benigno no âmbito do comércio e das finanças inter-
nacionais contribuiu para a evolução favorável do balanço de pagamentos brasileiro, especialmente em
2006 e 2007 (Tabela 1). Todavia, as duas principais contas do balanço apresentaram um desempenho
diferenciado ao longo do quinquênio. O resultado das transações correntes tornou-se superavitário em

Os fluxos de capitais para a economia brasileira em 2007 e no primeiro quadrimestre de 2008

198
2003 (fato inédito desde 1992) — ancorado na obtenção de expressivos superávits comerciais — e teve
trajetória ascendente até 2005; em 2006, manteve-se praticamente estável (em torno de US$ 13,5 bi-
lhões) e em 2007 sofreu uma queda brusca, fechando esse ano em somente US$ 1,4 bilhão.

Tabela 1. Balanço de pagamentos (US$ milhões)


  2003 2004 2005 2006 2007
Transações correntes 4.177 11.679 13.985 13.643 1.461
Balança comercial (FOB) 24.794 33.641 44.703 46.457 40.028
Exportações 73.084 96.475 118.308 137.807 160.649
Importações -48.290 -62.835 -73.606 -91.351 -120.621
Serviços e rendas -23.483 -25.198 -34.276 -37.120 -42.597
Transferências unilaterais correntes 2.867 3.236 3.558 4.306 4.029
Conta capital e financeira 5.111 -7.523 -9.464 16.299 89.155
Conta capital 498 372 663 869 756
Conta financeira 4.613 -7.895 -10.127 15.430 88.399
Capitais voluntários -157 -3.532 13.144 15.430 88.399
Investimento direto 9.894 8.339 12.550 -9.380 27.518
Investimentos em carteira 5.308 -4.750 4.885 9.081 48.390
Derivativos -151 -677 -40 41 -710
Outros investimentos (voluntários) -15.207 -6.443 -4.250 15.688 13.201
Operações de Regularização (FMI) 4.769 -4.363 -23.271 0 0
Erros e omissões -793 -1.912 -201 628 -3.131
Resultado global do balanço 8.496 2.244 4.319 30.569 87.484
Resultado global exclusivo FMI 3.726 6.607 27.590 30.569 87.484
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

A conta capital e financeira1 teve performance ainda mais volátil: saldo positivo em 2003, déficits
nos dois anos subsequentes e superávits crescentes em 2006 e 2007. Os resultados deficitários no bi-
ênio 2005-2006, no entanto, devem ser analisados com cuidado, pois encobrem o comportamento de
dois tipos de fluxos de capitais: os capitais voluntários (entrada líquida de capitais estrangeiros e saída
líquida de capitais brasileiros para o exterior nas modalidades de investimento direto, investimento de
portfólio e outros investimentos) e as operações de regularização com o Fundo Monetário Internacional
(FMI). Na Tabela 1, esses fluxos foram desagregados, o que permite apreender o comportamento diferen-
ciado dessas duas modalidades de capitais externos registradas na conta financeira.
Um condicionante fundamental do desempenho da conta financeira no período em questão foi o
novo ciclo de liquidez internacional, que emerge em 2003. Esse ciclo transparece na evolução dos fluxos
líquidos de capitais privados (entrada menos saída) para os países em desenvolvimento (Gráfico 1), que
traçam um percurso crescente a partir de 2003, liderado pelos investimentos diretos estrangeiros e, em
seguida, pelos outros investimentos (que registram os empréstimos e depósitos bancários).

1 Enquanto a conta capital registra as transferências unilaterais relativas a compra/venda de patrimônio por residentes e não resi-
dentes, a conta financeira contabiliza os fluxos líquidos de capitais entre o país e o exterior. Ou seja, a conta financeira corresponde
à conta de capitais, na antiga metodologia do Balanço de Pagamentos.

ECONOMIA BRASILEIRA

199
Gráfico 1. Fluxos líquidos de capitais para os países em desenvolvimento

600
Novo ciclo
de liquidez
500

400

300

200

100

-100

-200
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006* 2007

IDE I Carteira Outros Investimentos Fluxos líquidos de capitais

Fonte: World Economic... (2008). Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

A modalidade de investimento de portfólio (emissões de títulos e ações) apresenta valores


negativos (2003, 2005 e 2006) ou relativamente pequenos (2004 e 2007). Isso porque, em função da
acumulação de reservas, os governos de alguns países em desenvolvimento tornaram-se importantes
aplicadores no mercado financeiro internacional e nos mercados financeiros dos países desenvolvidos,
o que resulta em saídas de capitais na modalidade de investimento de portfólio. Assim, para se avaliar a
disponibilidade de liquidez externa e o apetite dos investidores estrangeiros por títulos e ações emitidas
pelas economias “emergentes”, é necessário dimensionar os fluxos brutos de capitais.
As emissões brutas de ações e títulos, bem como a contratação de empréstimos bancários, pelos
residentes dos países em desenvolvimento, cresceram continuamente a partir de 2003, atingindo US$ 661
bilhões em 2007 (Gráfico 2). Pode-se afirmar que o ápice da fase de alta do ciclo recente de liquidez foi
atingido em 2007, a despeito da crise subprime. A euforia no primeiro semestre foi mais do que suficiente
para contrabalançar a desaceleração das emissões após a eclosão desta crise no final de julho.

Gráfico 2. Emissões brutas dos países em desenvolvimento


700

600

500
US$ bilhões

400

300

200

100

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Total 216,4 162,1 163,9 225,8 329,7 461,8 553,4 661,48
Títulos 80,5 89,0 65,0 100,5 135,6 186,6 179,9 207,9
Ações 41,8 11,2 16,4 27,7 45,8 85,5 121,4 170,4
Empréstimos 94,2 61,9 82,5 97,6 148,3 169,7 252,1 282,9

Fonte: Global Financial... (2008). Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Os fluxos de capitais para a economia brasileira em 2007 e no primeiro quadrimestre de 2008

200
O impacto das condições favoráveis de liquidez internacional sobre o desempenho da conta
financeira brasileira não foi imediato. Em 2003 e 2004, os fluxos líquidos de capitais voluntários
foram negativos. Todavia, essas condições aliviaram a restrição externa e permitiram o pagamento dos
compromissos com o FMI em 2004. Em 2005, esses fluxos já haviam apresentado resultado positivo,
ancorado não somente no ingresso de investimentos diretos, mas também nos investimentos de portfólio.
A conta capital e financeira foi negativa, em mais de US$ 9 bilhões, devido à quitação do empréstimo com
o FMI, realizado a partir de divisas adquiridas pela autoridade monetária no mercado de câmbio, o que
explica o menor resultado global do balanço de pagamentos.
Em 2006 e 2007, o desempenho da conta financeira foi condicionado, exclusivamente, pela dinâmica
dos fluxos de capitais voluntários. Mais especificamente, uma vez que, no caso do Brasil, a internacionalização
produtiva e financeira é assimétrica — os investimentos e empréstimos de residentes para o exterior ainda
têm uma pequena dimensão, enquanto os investimentos e empréstimos de não residentes são muito
elevados –, esse desempenho subordinou-se ao ingresso líquido de recursos externos no país.
O gráfico 3 mostra como esse ingresso tem um forte crescimento em 2006 e, especialmente,
em 2007, quando atinge US$ 114,6 bilhões (mais que o dobro do registrado no ano anterior), valor
igualmente recorde em termos históricos. Nesse último ano, como já foi mencionado, a fase de alta do
ciclo recente de liquidez também alcança o seu auge (ver Gráficos 1 e 2). Assim, apesar de ter-se acoplado
com um certo atraso nesse ciclo (no triênio 2003-2005, a entrada líquida de capitais foi pequena ou
negativa), em 2007 a economia brasileira aproveitou ao máximo o boom de capitais externos para os
países emergentes. Além das condições externas favoráveis, um conjunto de fatores internos estimulou
a entrada de capitais estrangeiros no país.

Gráfico 3. Ingresso líquido de recursos externos voluntários — Fluxos anuais


110.000

90.000

70.000
US$ milhões

50.000

30.000

10.000

-10.000

-30.000
2003 2004 2005 2006 2007
Invest. estrangeiro de portfolio 2.973 -3.996 6.655 9.076 48.104
Investimento direto externo 5.129 18.146 15.066 18.822 34.585
Outros investimentos estrang. 236 -8.721 -22.486 24.104 31.923
Ingresso líquido recursos externos 10.144 5.429 -764 52.001 114.612

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

A interação de fatores internos e externos condicionou a performance das três principais modali-
dades de fluxo de capitais. Na análise desses fluxos, vale lembrar a lógica diferenciada dos fluxos finan-
ceiros (investimento de portfólio e outros investimentos) em relação aos Investimentos Diretos Externos
(IDE), vinculados às perspectivas de crescimento econômico nos países de origem e de destino, bem
como às estratégias das Empresas Transnacionais (ET).

ECONOMIA BRASILEIRA

201
O crescimento dos fluxos de IDE para a economia brasileira após 2004, liderado pela modalida-
de Participação no Capital (que inclui construção de novas plantas e operações de fusão e aquisição),
insere-se em um movimento de retomada dos investimentos das ET para os países em desenvolvimento2
(ver Gráfico 1), estimulado pelo dinamismo econômico desses países e pela alta dos preços das com-
modities. No caso da economia brasileira, a conjunção desses dois fatores ocorreu somente em 2007 e
explica, em grande parte, a forte expansão dos fluxos de IDE naquele ano, que atingiu US$ 34,6 bilhões,
um crescimento de 83% em relação a 2006 (Gráfico 4).

Gráfico 4. Investimento estrangeiro direto — Fluxos anuais


35.000

31.000

27.000

23.000

19.000
US$ milhões

15.000

11.000

7.000

3.000

-1.000
2003 2004 2005 2006 2007
Empréstimo intercompanhia 823 -424 21 3.450 8.510
Participação no capital 9.320 18.570 15.045 15.373 26.074
Investimento estrangeiro direto 10.144 18.146 15.066 18.822 34.585

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Desse total, US$ 26 bilhões referem-se à modalidade “Participação no Capital” (alta de 69% no
mesmo período), dos quais 61,8% destinaram-se ao setor de serviços, 51,7% à indústria e 18,2% à agri-
cultura, pecuária e extrativa mineral, contra percentuais de 78,9%, 55,7% e 10% em 2006 (ver Tabela 2).
Ou seja, em 2007, na comparação com o ano anterior, a participação desse último setor, essencialmente
produtor de commodities, na absorção de IDE aumentou em mais de 8 pontos percentuais devido, prin-
cipalmente, aos investimentos na atividade de extração de minerais metálicos — que apresentou taxa de
crescimento excepcional (727%), associada, em parte, ao patamar inicial muito baixo.
O setor de serviços e a indústria, apesar de terem reduzido sua participação no total, continuaram
sendo os principais setores receptores de IDE e foram beneficiados por aportes significativos de capital pelos
grupos transnacionais (alta de 32,8% e 57,4%, respectivamente). Como os fluxos de IDE são pró-cíclicos, o
maior dinamismo do mercado interno, ancorado no crescimento da massa de rendimentos e na expansão do
crédito, estimulou esses aportes. No caso dos serviços, os setores em destaque foram aqueles especialmen-
te beneficiados pelo ciclo de crédito (comércio, serviços financeiros e atividades auxiliares e, em especial,
construção de edifícios). Já na indústria, as maiores taxas de crescimento foram registradas nos seguintes
setores: automobilístico, metalúrgico, produtos alimentícios e produtos de borracha e material plástico.
Assim como os fluxos de IDE, o ingresso líquido de capitais nas modalidades de “Investimentos de
Portfólio” e “Outros Investimentos” registrou forte crescimento em 2007 (ver Gráfico 3). No caso desses

2 Sobre esses investimentos, ver World Investiment Report (2005, 2006 e 2007).

Os fluxos de capitais para a economia brasileira em 2007 e no primeiro quadrimestre de 2008

202
Tabela 2. Ingressos de IDE na modalidade participações no capital — US$ milhões
Var. Var.
  2005 2006 06/05 2007 07/06
  Valor % Valor % % Valor % %
Total 15.045 100,0 15.373 100,0 2,2 26.074 100,0 69,6
Agricultura, pecuária e extrativismo mineral 2.194 14,6 1.538 10,0 -29,9 4.751 18,2 208,9
Agricultura, pecuária e serviços relacionados 210 1,4 176 1,1 -16,2 303 1,2 71,8
Extração de petróleo e serviços relacionados 897 6,0 734 4,8 -18,2 892 3,4 21,6
Extração de minerais metálicos 996 6,6 393 2,6 -60,5 3.249 12,5 727,0
Demais 55 0,4 21 0,1 -61,6 6 0,0 -71,0
Indústria 6.529 43,4 8.565 55,7 31,2 13.481 51,7 57,4
Veículos automotores, reboques, carrocerias 1.044 6,9 288 1,9 -72,4 861 3,3 199,3
Produtos químicos 764 5,1 1.127 7,3 47,6 1.378 5,3 22,3
Metalurgia 310 2,1 1.719 11,2 454,1 4.699 18,0 173,3
Equipamentos de informática, produtos ele-
trônicos e ópticos 396 2,6 325 2,1 -17,9 159 0,6 -51,1
Produtos alimentícios 2.075 13,8 738 4,8 -64,4 1.752 6,7 137,3
Celulose, papel e produtos do papel 167 1,1 1.619 10,5 871,6 477 1,8 -70,5
Máquinas e equipamentos 255 1,7 430 2,8 68,8 428 1,6 -0,3
Máquinas, aparelhos e materiais elétricos 164 1,1 206 1,3 25,8 385 1,5 86,6
Produtos de borracha e de material plástico 481 3,2 218 1,4 -54,6 494 1,9 126,2
Demais 874 5,8 1.894 12,3 116,8 2.848 10,9 50,3
Serviços 12.915 85,8 12.123 78,9 -6,1 16.103 61,8 32,8
Comércio [exceto veículos] 2.835 18,8 1.485 9,7 -47,6 2.759 10,6 85,8
Telecomunicações 3.958 26,3 1.215 7,9 -69,3 551 2,1 -54,6
Atividades de sedes e consultoria de empresas 912 6,1 1.067 6,9 17,0 1.607 6,2 50,6
Serviços financeiros e atividades auxiliares 1.294 8,6 2.992 19,5 131,3 4.524 17,3 51,2
Eletricidade, gás e outras utilidades 1.571 10,4 2.332 15,2 48,4 1.055 4,0 -54,7
Alojamento 128 0,8 350 2,3 173,3 108 0,4 -69,0
Construção de edifícios 203 1,4 321 2,1 57,7 1.240 4,8 286,4
Demais 2.014 13,4 2.361 15,4 17,2 4.258 16,3 80,4
Fonte: BCB. Nota para Imprensa do Setor Externo de jan./07 e jan./08. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Obs.: Metalurgia básica inclui siderurgia. Fabricação e montagem de veículos automotores inclui autopeças.

fluxos financeiros, alguns fatores internos também interagiram com as condições favoráveis vigentes no
mercado financeiro internacional até meados do ano e estimularam tanto as aplicações de não residentes
em títulos e ações emitidas por residentes no país ou no exterior (Gráfico 5), como a contratação de créditos
comerciais e empréstimos de curto prazo junto aos bancos no exterior (Gráfico 6). Dentre esses fatores,
destacam-se a combinação de preços-chave (taxa de juros em patamar ainda elevado e tendência de apre-
ciação cambial) e o boom de Ofertas Públicas Iniciais de Ações (IPO, na sigla em inglês) — os investidores
estrangeiros absorveram, em média, 70% das emissões primárias realizadas em 2007. Todavia, os dados
anuais encobrem a mudança na dinâmica desses fluxos após a eclosão da crise subprime. Assim, na pró-

ECONOMIA BRASILEIRA

203
xima seção, apresenta-se sua evolução mensal e avalia-se o impacto da crise sobre as duas modalidades
de fluxos financeiros.

Gráfico 5. Investimento estrangeiro de portfólio — Fluxos anuais

25.000
20.000
15.000
US$ milhões 10.000
5.000
0
-5.000
-10.000
-15.000
2003 2004 2005 2006 2007
Bônus soberanos emitidos no exterior 2319 -440 2207 -13223 -7880
Ações negociadas no exterior 878 845 1030 1857 1604
Títulos privados negociados no exterior -761 -6111 -3127 3450 5633
Ações negociadas no país 2094 1236 5421 5859 24613
Títulos negociados no país 272 101 689 11042 20482

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 6. Outros investimentos estrangeiros — Fluxos anuais


20.000

15.000

10.000
US$ milhões

5.000

-5.000

-10.000
2003 2004 2005 2006 2007
Crédito comercial 236 1181 3585 12789 17337
Crédito comercial - CP 1195 2568 4526 13630 17202
Emprést. e financ. - LP e CP -6194 -5927 -3351 9990 16131
Empréstimos e financ. - CP -1443 -1184 -1059 -516 15951
Moeda e depósito 625 517 567 1458 601

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

O impacto da crise subprime sobre os fluxos financeiros


A evolução do ingresso líquido de fluxos financeiros ao longo de 2007 mostra a existência de duas
fases bem distintas, delimitadas pela eclosão da crise subprime (Gráfico 7). No primeiro semestre (perí-
odo pré-crise), a trajetória desse ingresso foi ascendente, ancorada no forte crescimento dos investimen-
tos de portfólio e dos outros investimentos, revelando uma “euforia” característica dos momentos que

Os fluxos de capitais para a economia brasileira em 2007 e no primeiro quadrimestre de 2008

204
antecedem a eclosão das bolhas. No segundo semestre, essa trajetória mudou de direção e se tornou
cadente. A entrada líquida de fluxos financeiros atingiu o piso em setembro (somente US$ 994 milhões)
e se recuperou ligeiramente no último trimestre do ano.

Gráfico 7. Ingresso de fluxos financeiros — Fluxos mensais em 2007

16.000

11.000
US$ milhões

6.000

1.000

-4.000
jan-07 fev-07 mar-07 abr-07 mai-07 jun-07 jul-07 ago-07 set-07 out-07 nov-07 dez-07

Invest. estrangeiro de portfolio Outros investimentos estrangeiros Ingresso líquido recursos externos

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Tal como mostra o Gráfico 7, as duas modalidades de fluxos financeiros sofreram abalos com a
crise. Contudo, no caso dos investimentos de portfólio no país, o abalo foi mais suave devido ao desem-
penho, no país, dos investimentos em ações e títulos de renda fixa (Gráfico 8).

Gráfico 8. Investimento estrangeiro de portfólio — Fluxos mensais em 2007

9.000

7.000

5.000
US$ milhões

3.000

1.000

-1.000

-3.000
jan-07 fev-07 mar-07 abr-07 mai-07 jun-07 jul-07 ago-07 set-07 out-07 nov-07 dez-07
Ações no país 414 1.738 -556 2.557 1.630 455 6.289 -81 705 4.356 -393 7.498
Títulos de renda fixa no país 189 1.363 1.940 3.103 2.998 2.919 377 1.246 2.125 2.585 -103 1.739
Títulos de renda fixa no exterior 1.244 -107 1.841 -260 -17 1.382 757 406 -326 -916 -517 -2.083

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Os investimentos em ações registraram fluxos negativos somente em agosto e novembro — os dois


meses de maior stress no mercado financeiro internacional no segundo semestre de 2007 —, como refle-

ECONOMIA BRASILEIRA

205
xo da realização de lucros pelos fundos internacionais para cobrir perdas em outros mercados. Ademais,
após a crise, aumentaram, no país, os fluxos de ingresso e os de retorno das aplicações (Gráfico 9), o que
indica a simultaneidade de dois movimentos vinculados à crise: de um lado, a desmontagem de posições
para cobertura de prejuízos e, de outro, a busca por aplicações rentáveis diante da deflação dos preços
de diversas classes de ativos, nos países centrais. Essas aplicações destinaram-se, principalmente, às
ofertas públicas iniciais de ações da Bovespa e da BM&F, principais destinos das aplicações dos investi-
dores estrangeiros em outubro e novembro de 2007.

Gráfico 9. Investimento de portfólio em ações no país — Fluxos mensais em 2007


20.000

15.000

10.000

5.000
US$ milhões

-5.000

-10.000

-15.000

-20.000
jan-07 fev-07 mar-07 abr-07 mai-07 jun-07 jul-07 ago-07 set-07 out-07 nov-07 dez-07

Ações no país Ingresso Retorno

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

As aplicações em títulos de renda fixa foram negativas somente em novembro. No primeiro semes-
tre de 2007, essa modalidade de investimento de portfólio — que se tornou relevante somente em 2006,
após a concessão de incentivos tributários aos investidores estrangeiros3 (ver Gráfico 8) — manteve-se
atrativa devido ao elevado diferencial entre os juros internos e externos (medido aqui como a diferença
entre a Selic e a chamada Selic neutra de arbitragem — Fed Fund Rate somada ao Risco-Brasil) e à ten-
dência de apreciação do real (Gráficos 10 e 11).
No segundo semestre, esse diferencial continuou positivo, diante da manutenção da Selic no pata-
mar de 11,25% (a partir de setembro) num contexto de queda da Fed Fund Rate e de elevação tímida do
risco-Brasil. Somente em agosto, quando o Real depreciou 4% (pelo critério de final de período), a variação
cambial superou o diferencial de juros, tornando a rentabilidade dessas aplicações negativa (supondo ine-
xistência de cobertura de risco cambial). Nos dois meses seguintes, com a retomada da trajetória de apre-
ciação do real, essa rentabilidade voltou a aumentar, tendo alcançado seu pico em outubro (Gráfico 10).
A terceira modalidade de investimento de portfólio — as emissões líquidas de títulos de renda fixa
no exterior — passou a registrar fluxos negativos a partir de setembro (ver Gráfico 8), como reflexo do
aperto de liquidez no mercado internacional de capitais.
3 A MP 281, de 15/2/2006, isentou de Imposto de Renda as aplicações de investidores estrangeiros em títulos públicos e em fun-
dos de capital de risco, bem como de CPMF os investidores estrangeiros e nacionais nas emissões primárias de ações e no aumento
de capital de empresas (em 2003, o governo já tinha reduzido o IR incidente sobre as negociações dos investidores estrangeiros
nos mercados secundários de ações — de 25% para 15% — e as isentado de CPMF; as mesmas medidas foram estendidas poste-
riormente aos investidores nacionais).

Os fluxos de capitais para a economia brasileira em 2007 e no primeiro quadrimestre de 2008

206
Gráfico 10. Diferencial de juros e variação cambial

11% 11%
9%
9%
7%
5% 7%
3%
5%
1%
-1% 3%
-3%
1%
-5%
-7% -1%

jul/07

out/07
jun/07

set/07
jan/07

abr/07
fev/07

mai/07
mar/07

nov/07

dez/07
ago/07
Diferencial de juros
Variação cambial (final de período)
Diferencial de juros + variação cambial final de período (eixo direito)

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 11. Selic, Risco-país e Fed Fund Rate


14%

12%

10%

8%

6%

4%

2%

0%
jul/07

out/07
jun/07

set/07
jan/07

abr/07

mai/07
fev/07

mar/07

nov/07

dez/07
ago/07

Selic neutra de arbitragem (Fed Fund Rate+risco-Brasil) Selic Fed Fund Rate Risco Brasil

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Dados divulgados em abril de 2008 pelo Fundo Monetário Internacional mostram que esse aperto
também afetou as emissões realizadas pelos países emergentes, especialmente no mercado de títulos
(Gráfico 12). No caso dos outros investimentos estrangeiros, o diferencial entre a taxa Selic e a “Selic
neutra de arbitragem” (ver Gráficos 10 e 11) também estimulou a contratação de linhas de crédito de
curto prazo — seja pelos bancos, seja pelos exportadores — para realizar operações de arbitragem no
mercado financeiro interno4. Porém, com a deterioração das condições de liquidez no segundo semestre,
que também atingiu o mercado de crédito bancário (Gráfico 12), esses fluxos tornaram-se negativos,
exceto em novembro (Gráfico 13).

4 Foi exatamente para desestimular essas operações que o BCB anunciou, no dia 8 de junho de 2007, mudanças nas normas que
regem das operações dos bancos no mercado de câmbio, que entraram em vigor no dia 2 de julho.

ECONOMIA BRASILEIRA

207
Gráfico 12. Emissões brutas dos países em desenvolvimento — Dados trimestrais em US$ bilhões

200

150
US$ bilhões

100

50

0
1 trim. 2007 2 trim. 2007 3 trim. 2007 4 trim.2007
Emissões Totais 153 200 164 151
Empréstimos 59 65 99 60
Ações 25 55 38 59
Títulos 70 80 27 31

Fonte: Global Financial... (2008). Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 13. Outros investimentos estrangeiros — Fluxos mensais em 2007


10.000

8.000

6.000
US$ milhões

4.000

2.000

-2.000

-4.000
jan-07 fev-07 mar-07 abr-07 mai-07 jun-07 jul-07 ago-07 set-07 out-07 nov-07 dez-07
Crédito comercial CP 2.493 1.208 2.732 4.684 2.712 3.707 367 -94 -1.564 52 1.700 -619
Emprést. e financiamentos CP 2.961 4.050 4.612 2.424 9.438 -1.706 -1.958 -1.326 -472 -2.820 2.191 -3.624

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

A situação de vulnerabilidade externa


O boom de fluxos de capitais para a economia brasileira em 2007, que se concentrou no primeiro
semestre, contribuiu de forma decisiva para a abundância de moeda estrangeira no mercado de câmbio
e, assim, para a política de acumulação de reservas internacionais pelo Banco Central. No entanto, esse
boom também resultou no aumento do estoque de investimento estrangeiro de portfólio no país (em
ações e renda fixa), que representa um passivo externo de curto prazo do país (ao lado da dívida externa
de curto prazo e do principal vencível da dívida de médio e longo prazos).
Tal como mostra o Gráfico 14, em dezembro o passivo externo de curto prazo total superava em
cerca de US$ 73 bilhões as reservas internacionais. O fato de o país ter alcançado uma posição externa
líquida positiva — em fevereiro de 2007, as reservas superavam a dívida externa total em US$ 7 bilhões

Os fluxos de capitais para a economia brasileira em 2007 e no primeiro quadrimestre de 2008

208
— não significa que foi suprimida a vulnerabilidade externa da economia brasileira a uma reversão dos
fluxos de capitais. Os indicadores de liquidez externa, apresentados no Gráfico 14, procuram medir essa
vulnerabilidade no curto prazo.

Gráfico 14. Passivo externo e reservas totais

270
240
210

US$ bilhões 180


150
120
90
60
30
-
jan/07 fev/07 mar/07 abr/07 mai/07 jun/07 jul/07 ago/07 set/07 out/07 nov/07 dez/07
Passivo externo de CP 121.594 130.677 143.112 161.409 189.239 199.515 215.706 205.012 227.751 259.715 245.251 253.356
Reservas Totais 91.086 101.070 109.531 121.830 136.419 147.101 155.910 161.097 162.962 167.867 177.060 180.334
Estoque da Dívida de CP 16.951 23.234 28.086 37.439 38.985 45.905 46.688 43.837 42.768 41.610 40.919 39.245
Estoque do Investimento portfolio 104.642 107.443 115.026 123.971 150.254 153.610 169.018 161.175 184.983 218.106 204.333 214.111
Principal Vencível da Dívida de MP e LP 7.691 2.765 2.413 5.368 1.587 1.926 2.806 1.539 1.690 3.306 1.860 3.123

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

O indicador Standard & Poors, desenvolvido por essa agência de rating, considera no numerador
as necessidades brutas de financiamento externo (NBFE) — que equivalem à soma do saldo em transa-
ções correntes (se positivo, significa maior volume de divisas no curto prazo para fazer frente à saída de
capitais), com o principal vencível da dívida externa de médio e longo prazos nos próximos 12 meses e o
estoque da dívida de curto prazo. De acordo com esse indicador, em dezembro de 2007, as NBFE (US$
41,6 bilhões) representavam somente 20% das reservas internacionais. Ou seja, por esse critério, a situ-
ação de liquidez externa era então favorável.
Todavia, o indicador Standard & Poors subestima a vulnerabilidade externa do país no curto prazo,
pois não inclui o estoque de investimento estrangeiro de portfólio. O Indicador Amplo de Liquidez Externa
soma este estoque às NBFE e, dessa forma, constitui uma medida mais rigorosa da pressão potencial
sobre as reservas internacionais do país, no curto prazo. Segundo esse indicador, a soma superava as
reservas em 40%, no final de 2007 (Gráfico 15).
Um agravamento adicional da crise financeira internacional ao longo poderia induzir os investi-
dores estrangeiros a se desfazer de suas posições em ativos financeiros dos “mercados emergentes”
(dentre os quais, os brasileiros) e implicar redução das reservas internacionais e/ou depreciações cam-
biais. De acordo com o BIS, o aumento do stress nos mercados de crédito dos países desenvolvidos, nos
primeiros meses de 2008, resultou em elevação do risco-país e desvalorização das ações (BIS, 2008).
Ademais, em abril de 2008, o FMI previu uma retração significativa dos fluxos de capitais para os países
em desenvolvimento em 2008, que deveria somar US$ 330,7 bilhões, valor 54% inferior ao registrado em
2007 (GLOBAL FINANCIAL..., 2008).

ECONOMIA BRASILEIRA

209
Gráfico 15. Indicadores de liquidez externa

1,6

1,4

1,2

1,0

0,8

0,6

0,4

0,2

0,0

jul/07

out/07
jun/07

set/07
jan/07

abr/07

mai/07
fev/07

mar/07

nov/07

dez/07
ago/07
Indicador amplo de liquidez externa Indicador Standard & Poors

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Em momentos de elevada aversão aos riscos e incerteza, a lógica de manada predomina nos mer-
cados financeiros, e os investidores optam por liquidar posições mesmo incorrendo em perdas. Nesse
contexto, o aumento da taxa Selic (desde logo sinalizado pelo Copom) e, pour cause, do diferencial de
juros, mostrou-se insuficiente para manter a atratividade das aplicações brasileiras.

Os fluxos de capitais no primeiro quadrimestre de 2008


Em maio de 2008, o saldo do balanço de pagamentos teve uma pequena queda (–7,8%) em re-
lação a abril, em função da forte redução do saldo da conta financeira (–58%), já que o déficit das tran-
sações correntes foi expressivamente menor do que o registrado no mês anterior — US$ 649 milhões,
contra US$ 3,3 bilhões em abril (ver Tabela 3).
A redução do saldo da conta financeira em maio indicou que, ao menos num primeiro momento,
ao contrário do esperado por vários analistas, a obtenção do grau de investimento não resultou na in-
tensificação dos fluxos de capitais para o país. Todavia, a evolução desse saldo não constitui o indicador
mais adequado para avaliar os eventuais impactos da mudança da classificação de risco de crédito sobre
a capacidade de financiamento externo da economia brasileira. Isto porque, a conta financeira registra o
fluxo líquido de capitais, ou seja, os fluxos estrangeiros para o país menos os fluxos brasileiros para o ex-
terior. Para avaliar de forma mais precisa esses impactos, é necessário calcular a evolução do “ingresso
líquido de recursos externos”.
Tal como mostra o Gráfico 16, houve no mês de maio uma forte queda desse ingresso – de
US$ 12,5 bilhões para US$ 3,8 bilhões –, que foi mais expressiva (–69,7%) do que a registrada no
superávit da conta financeira. Ou seja, os dados líquidos subestimam a queda dos fluxos brutos de
capitais (a diferença é explicada pela entrada de recursos na modalidade “Outros Investimentos
Brasileiros”). A queda do ingresso líquido de recursos externos decorreu da retração das três moda-
lidades de fluxos de capitais estrangeiros: investimento estrangeiro direto, investimento estrangeiro
de portfólio e outros investimentos.

Os fluxos de capitais para a economia brasileira em 2007 e no primeiro quadrimestre de 2008

210
Tabela 3. Balanço de pagamentos — US$ milhões
  Mar./08 Abr./08 Maio/08 Jan.-Mai. 2007 Jan.-Mai. 2008
TRANSAÇÕES CORRENTES -4.429 -3.310 -649 1.897 -14.717
Balança comercial (FOB) 1.012 1.744 4.077 16.754 8.656
Exportação de bens 12.613 14.059 19.306 60.096 72.055
Importação de bens -11.601 -12.315 -15.229 -43.341 -63.398
Serviços e rendas -5.790 -5.331 -4.990 -16.509 -24.905
Transferências Unilaterais Correntes 349 276 264 1.651 1.532
CONTA CAPITAL E FINANCEIRA 5.830 8.679 3.689 50.203 32.979
Conta Capital (líquido) 68 64 89 397 318
Conta Financeira (líquido) 5.762 8.615 3.600 49.806 32.660
Investimento direto 1.151 2.228 -127 14.041 6.409
Investimento Brasileiro Direto -1.932 -1.644 -1.439 3.507 -7.575
Participação no capital -670 -900 -589 -3.674 -5.507
Empréstimo intercompanhia -1.262 -744 -850 7.181 -2.068
Investimento Estrangeiro Direto 3.083 3.872 1.313 10.534 13.984
Participação no capital 1.713 1.982 283 8.418 8.281
Empréstimo intercompanhia 1.370 1.890 1.030 2.116 5.703
Investimento em Carteira (líquido) 5.196 4.690 2.548 19.273 12.890
Outros Investimentos (líquido) -594 1.735 1.223 16.675 13.638
RESULTADO DO BALANÇO 1.341 4.373 4.030 50.865 16.620
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 16. Ingresso Líquido de Capitais Externos — Fluxos mensais de maio/07 a maio/08

20.000

17.000

14.000

11.000
US$ milhões

8.000

5.000

2.000

-1.000

-4.000
mai-07 jun-07 jul-07 ago-07 set-07 out-07 nov-07 dez-07 jan-08 fev-08 mar-08 abr-08 mai-08
IDE 497 10.318 3.613 1.979 1.537 3.188 2.530 886 4.826 890 3.083 3.872 1.313
Investimento estrang.de portfolio 4.791 4.786 7.637 1.602 2.490 6.036 -1.010 7.169 -1.769 2.617 5.349 4.408 2.273
Outros investimentos estrang. 12.803 1.549 -1.278 1.005 -1.546 -274 5.720 -3.197 5.738 4.026 3.437 4.209 195
Ingresso líquido recursos externos 18.091 16.654 9.973 4.587 2.481 8.950 7.240 4.858 8.795 7.532 11.869 12.489 3.781

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

ECONOMIA BRASILEIRA

211
Esse resultado não chamaria a atenção se a situação de stress no mercado financeiro interna-
cional, associada à crise subprime, tivesse se agravado em maio. Contudo, a trajetória de queda do
indicador de risco de crédito, o Ted Spread (Gráfico 17) sugere, inclusive, uma distensão das tensões
de liquidez ao longo daquele mês. Somente em junho, com a divulgação de novas perdas dos bancos e
a redução do rating de importantes seguradoras de títulos, essa situação voltou a se deteriorar, como
indica a alta do Ted Spread.

Gráfico 17. Ted Spread (em %)


2,25

2,00

1,75

1,50
%

1,25

1,00

0,75

0,50
17/1/08

25/1/08

10/2/08

18/2/08

26/2/08

13/3/08

21/3/08

29/3/08

14/4/08

22/4/08

30/4/08
1/1/08

9/1/08

16/5/08

24/5/08
2/2/08

17/6/08
5/3/08

6/4/08

8/5/08

1/6/08

9/6/08
Fonte: Federal Reserve (Fed). Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Nota: *Diferença entre a taxa de juros dos depósitos de três meses em eurodólar e a taxa de juros dos títulos do
tesouro americano de três meses no mercado secundário.

A análise da composição dos fluxos financeiros (Outros investimentos e Investimentos de portfólio),


cuja evolução seria mais influenciada pelo “grau de investimento”, sugere que a sua redução, em maio,
é reflexo, em parte, da própria performance favorável desses fluxos nos meses precedentes, a despeito
do contexto financeiro internacional adverso. No primeiro quadrimestre de 2008, alguns fatores internos
contribuíram para sustentar o ingresso de recursos externos.
No caso dos Outros investimentos estrangeiros, a entrada líquida de divisas entre janeiro e abril
explica-se, fundamentalmente, pelo crescimento das operações de crédito comercial – antecipação das
receitas em dólares pelos exportadores e financiamento de importações –, estimuladas pelo aumento do
diferencial entre os juros internos e externos, após as reduções sucessivas da taxa de juros básica nos
Estados Unidos (Gráfico 18). Em maio, essas operações tornaram-se negativas em função, exatamente,
do pagamento das amortizações dos empréstimos contraídos nos meses anteriores.
No âmbito dos investimentos de portfólio, entre janeiro e março, o diferencial de juros favorável
também atraiu fluxos de hot money para aplicações em títulos de renda fixa, ávidos por ganhos de curto
prazo para cobrir as perdas com as hipotecas subprime (Gráfico 19). A forte redução dessas aplicações
em abril e maio está certamente relacionada à incidência de IOF a partir de abril. Em abril e maio, pre-
dominaram os investimentos em ações, diante das oportunidades de lucro após a desvalorização do
Ibovespa, em março.

Os fluxos de capitais para a economia brasileira em 2007 e no primeiro quadrimestre de 2008

212
Gráfico 18. Outros investimentos estrangeiros — Fluxos mensais de maio/07 a maio/08
10.000

8.000

6.000
US$ milhões

4.000

2.000

-2.000

-4.000
mai/07 jun/07 jul/07 ago/07 set/07 out/07 nov/07 dez/07 jan/08 fev/08 mar/08 abr/08 mai/08

Crédito comercial- fornecedores CP Emprést. e financiam.demais setores CP


Emprést. e financiam. Demais setores LP

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 19. Investimento estrangeiro de portfólio — Fluxos mensais de maio/07 a maio/08


10.000

8.000

6.000
US$ milhões

4.000

2.000

-2.000

-4.000
mai-07 jun-07 jul-07 ago-07 set-07 out-07 nov-07 dez-07 jan-08 fev-08 mar-08 abr-08 mai-08
Renda fixa no país Ações no país Renda fixa no exterior

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Ademais, em maio, a emissão de títulos de renda fixa no exterior voltou a registrar ingresso líquido
de recursos, pela primeira vez desde agosto de 2007 – o que constitui mais um sintoma de alívio efêmero
das condições de liquidez nos mercado financeiro internacional.

Referências Bibliográficas

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Nota para imprensa do setor externo, jan. 2007 , jan. 2008.

BIS QUARTELY REVIEW. Basel: BIS, Mar. 2008.

GLOBAL FINANCIAL STABILITY REPORT. Washington, D.C.: IMF, Apr. 2008.

ECONOMIA BRASILEIRA

213
WORLD ECONOMIC OUTLOOK. Washington, D.C.: IMF, Apr. 2008.

WORLD INVESTIMENT REPORT. New York: UNCTAD, 2005-2007. Disponível em: <http://www.unctad.org.>

Os fluxos de capitais para a economia brasileira em 2007 e no primeiro quadrimestre de 2008

214
O mercado de crédito
no Brasil:
tendências recentes

Maria Cristina Penido de Freitas


Daniela Magalhães Prates

O
Brasil vivenciou, no período 2003-2007, a mais prolongada fase de expansão do crédito da sua
histórica recente. Nos primeiros cinco meses de 2008, essa fase, longe de perder fôlego, apre-
sentou novas tendências, reflexo, em parte, da sua própria trajetória anterior — com destaque
para o forte crescimento do crédito às famílias — e do contexto de maior dinamismo dos investimentos,
que estimulou a demanda de crédito pelas empresas.
Esta nota examina as tendências do mercado de crédito no Brasil no período 2003-2007 e nos
primeiros cinco meses de 2008. Com esse propósito, são analisados, na próxima seção, os determinan-
tes e as características do ciclo de crédito entre 2003 e 2007, destacando os segmentos e modalidades
que mais cresceram e a importância do crédito consignado em folha de pagamento, modalidade de em-
préstimo regulamentada em 2003. Na seção seguinte, examinam-se as características do mercado de
crédito de janeiro a maio de 2008, com ênfase no crédito a pessoas jurídicas nos segmentos de recursos
direcionados e recursos livres. Na última seção, são apresentadas breves considerações finais.

Determinantes e características do ciclo de crédito de 2003 a 20071


A fase expansiva do ciclo de crédito recente teve início em 2003, quando houve a combinação de
dois elementos: de um lado, a confirmação da garantia de que não haveria alteração na política econô-
mica do novo governo; de outro lado, a menor volatilidade macroeconômica, resultante da melhoria das
contas externas no contexto internacional vigente a partir de então, em termos tanto do comércio exterior
como das condições de liquidez para os países emergentes. Esse cenário de menor volatilidade macro-

1 Essa seção e a seguinte baseiam-se em (e atualizam) Freitas (2007).

ECONOMIA BRASILEIRA

215
econômica e de expectativas de redução nas taxas básicas de juros — e consequente diminuição dos
ganhos com as operações de tesouraria — induziu os bancos a redefinir suas estratégias operacionais,
priorizando a expansão do crédito.
Os bancos identificaram na ampliação do crédito a pessoas físicas um enorme potencial de
ganho, diante das expectativas otimistas quanto à recuperação do emprego e da renda sob o go-
verno Lula. Para as instituições financeiras, o crédito às famílias é muito mais fácil de ser avaliado
do que o crédito empresarial, que exige maior conhecimento dos negócios, análise financeira e
monitoramento das atividades das empresas. Ao mesmo tempo, como as taxas de juros pratica-
das no segmento de pessoas físicas são mais altas, as operações de crédito pessoal são também
muito rentáveis.
Desse modo, como mostram os Gráficos 1, 2 e 3, a expansão do crédito no período 2003-2007
deveu-se, fundamentalmente, ao financiamento do consumo das famílias. Com variação anual média de
43%, os empréstimos concedidos a pessoas físicas responderam por 38% do crescimento das operações
de crédito ao setor privado em 2004 e 2005.

Gráfico 1. Crédito total ao setor privado por setor de atividade: variação em doze meses (em %)

39,6
38,3

38,2
33,3

33,0
32,3
31,9
29,9

28,8
28,6
28,5
28,5
25,2

24,9

24,5
22,7

22,5
22,3

21,7
21,6

18,4

18,2
17,8

17,8

14,8
12,8
12,7

11,3

dez/05 dez/06 dez/07 mai/08


Rural Habitação Pessoas Físicas Comércio Total Indústria Outros serviços

Fonte: Banco Central do Brasil — Séries temporais. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Notas: (1) Refere-se às operações realizadas com pessoas físicas e cooperativas habitacionais. As operações desti-
nadas a empreendimentos imobiliários são classificadas no segmento indústria.
(2) Refere-se às operações contratadas com produtores rurais e demais pessoas físicas e jurídicas, em conformida-
de com as normas específicas do crédito rural.
(3) Exclui as operações realizadas com os setores rural e habitacional.

Ressalte-se, ainda, a extraordinária ampliação da concessão de crédito ao setor rural em 2003


(variação anual de 38,8%), em razão do dinamismo do agronegócio, estimulado pela elevação dos preços
internacionais das commodities agrícolas. Porém, em virtude de problemas climáticos em algumas regi-
ões, da baixa na cotação dessas commodities em 2004 e da valorização do real em relação ao dólar, o
ritmo de concessão de crédito a esse segmento reduziu-se consideravelmente a partir de 2005.
Puxada pela expansão do crédito a pessoas físicas, a ampliação do crédito ocorreu, sobretudo,
no segmento de recursos livres, que corresponde ao crédito que pode ser alocado a critério do agente

O mercado de crédito no Brasil: tendências recentes

216
Gráfico 2. Crédito total ao setor privado por setor de atividade: contribuição ao crescimento (em %)

48,9

38,6
37,0

33,4
26,2
24,2
20,1

19,8
18,7

17,5

17,1
13,2

10,9

10,2
9,4
9,2
9,1
7,0

5,8
5,7
5,2

5,0

4,5
3,1

dez/05 dez/06 dez/07 mai/08

Habitação Rural Comércio Outros serviços Indústria Pessoas Físicas

Fonte: Banco Central do Brasil — Séries temporais. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Notas: (1) Refere-se às operações realizadas com pessoas físicas e cooperativas habitacionais. As operações
destinadas a empreendimentos imobiliários são classificadas no segmento indústria.
(2) Refere-se às operações contratadas com produtores rurais e demais pessoas físicas e jurídicas em conformi-
dade com as normas específicas do crédito rural.
(3) Exclui as operações realizadas com os setores rural e habitacional.

Gráfico 3. Crédito ao setor privado por setor de atividade econômica em % do PIB1


35,0

30,0

25,0

20,0

15,0

10,0

5,0

0,0
dez-00

dez-01

dez-02

dez-03

dez-04

dez-05

dez-06
jun-00

dez-07
jun-01

jun-02

jun-03

jun-04

jun-05

jun-06

jun-07

Setor Industrial P. Físicas Outros Serviços Habitação Setor Rural Setor Comercial

Fonte: Banco Central do Brasil — Séries temporais. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Nota: (1). Estimativa do Banco Central para o PIB dos 12 últimos meses a preços do mês assinalado, a partir de
dados anuais do IBGE, com base no IGP-DI centrado.

ECONOMIA BRASILEIRA

217
financeiro com taxas livremente pactuadas entre as partes (Gráfico 4). O volume de crédito com recursos
livres cresceu a taxa média anual de 24,9% entre 2003 e 2007, enquanto as operações de crédito com
recursos direcionados, cujas taxas ativas são fixadas pelo Conselho Monetário Nacional, registrou varia-
ção média anual de 12,9%.

Gráfico 4. Evolução do crédito total, saldos em final de período (R$ bilhões correntes)

747
661

557
498
446
404
356
319
283 298
256 274
235 237 242 234 242
203 213
170 181 185
146 147 163
123
dez-02

dez-03

dez-04

dez-05

dez-06

dez-07
jun-02

jun-03

jun-04

jun-05

jun-06

jun-07

mai-08
Recursos Livres Recursos Direcionados

Fonte: Banco Central do Brasil — Séries temporais. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Nota: (1) Refere-se às operações realizadas com taxas de juros administradas.

O BCB classifica o crédito com recursos direcionados em cinco modalidades, quais sejam:
(i) BNDES direto, que se refere às operações de financiamento concedidas diretamente pelo BNDES;
(ii) BNDES repasses, que diz respeito às operações de financiamento com base em recursos da
instituição efetuadas por intermediários financeiros, inclusive repasses da Finame;
(iii) Rural, que inclui o crédito ao setor rural concedido por bancos, agências de fomento e coope-
rativas, exclusive operações de leasing, financiamentos diretos e repasses do BNDES;
(iv) Habitacional, que se refere às operações de financiamento imobiliário realizadas com pessoas
físicas e cooperativas habitacionais;
(v) Outros, que incluem financiamentos do Fundo Constitucional do Centro-oeste e créditos dos
bancos de desenvolvimento e agências de fomento, dentre outros.
As cinco modalidades de crédito dirigido expandiram os recursos concedidos apenas a partir
de 2005, mas os desempenhos relativos foram heterogêneos e as respectivas participações no total
permanecem bastante díspares (Gráficos 5, 6 e 7). O BNDES repasses assumiu a liderança em abril de
2007, quando ultrapassou o BNDES direto em volumes de recursos. A partir de então, essa modalida-
de cresceu ininterruptamente, impulsionada pela expansão dos investimentos, que se iniciou em 2005
e ganhou ímpeto em 2007 num contexto de maior crescimento do mercado interno.
Essa discrepância no ritmo de expansão do crédito direcionado vis-à-vis o crédito com recursos
livres pode ser explicada pelo caráter anticíclico desse último, no Brasil. Tendo como funding os recursos
de poupança compulsória (FAT e FGTS), fundos constitucionais e exigibilidade sobre depósitos à vista e

O mercado de crédito no Brasil: tendências recentes

218
de poupança, o crédito direcionado não concorre com o crédito livre. Em outras palavras, sua concessão
não aumenta tanto quanto o crédito com recursos livres nas etapas de expansão. Porém, em etapas
de contração dos financiamentos, ele sustenta, pelo menos para os setores mais sensíveis, um volume
mínimo de crédito.

Gráfico 5. Crédito direcionado: participação no total e volume em R$ milhões correntes


100%

80%

60%

40%

20%

0%
jun-02 dez-02 jun-03 dez-03 jun-04 dez-04 jun-05 dez-05 jun-06 dez-06 jun-07 dez-07 mai-08
Outros 3.313 3.297 3.404 4.186 4.565 5.386 5.810 5.896 5.905 6.420 6.809 7.336 7.690
Habitação 22.189 22.605 23.171 23.628 24.165 24.694 25.833 28.125 31.612 34.479 38.695 43.583 48.135
Rural 22.036 27.049 29.766 34.576 35.816 40.714 41.009 45.116 47.814 54.376 57.581 64.270 69.561
BNDES Direto 38.033 49.841 48.826 52.917 55.876 59.325 59.678 66.251 67.310 71.687 67.025 77.778 82.863
BNDES Repasse 37.139 43.590 41.549 47.265 49.747 50.688 52.719 57.854 60.168 67.296 72.394 82.196 89.609

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 6. Evolução do crédito direcionado, saldos em final de período (R$ bilhões correntes)
90

80

70

60

50

40

30

20
dez/05

dez/06

dez/07
jan/05

abr/05

jun/05
jul/05
ago/05
set/05
out/05
nov/05

jan/06

abr/06

jun/06
jul/06
ago/06
set/06
out/06
nov/06

jan/07

abr/07

jun/07
jul/07
ago/07
set/07
out/07
nov/07

jan/08

abr/08
fev/05

mai/05
mar/05

fev/06

mai/06
mar/06

fev/07

mai/07
mar/07

fev/08

mai/08
mar/08

BNDES Direto BNDES Repasse Rural Habitação

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

A recuperação do crédito no segmento de pessoas físicas iniciou-se antes dos primeiros sinais
de recuperação do poder de compra dos consumidores. A maior disposição de tomar crédito, mesmo
a taxas de juros ainda muito altas, refletiu, de um lado, expectativas favoráveis dos consumidores
em relação ao desempenho futuro da economia e, de outro, a necessidade de atualizar a compra de
bens duráveis.
Já em 2003, começou a elevar-se a participação do crédito a pessoas físicas no estoque total
das operações de crédito do sistema financeiro. Essa tendência foi reforçada com o aumento da massa

ECONOMIA BRASILEIRA

219
de rendimento a partir de 2004: o crédito a pessoas físicas atingiu R$ 318 bilhões em dezembro de
2007 (R$ 93 bilhões em junho de 2003). Tal como mostra o Gráfico 8, a participação dos empréstimos
a pessoas físicas no total aproximou-se do percentual correspondente aos empréstimos a pessoas
jurídicas, alcançando 48% contra 51% no total de crédito com recursos livres em junho de 2007, com
a diferença voltando a ampliar-se em dezembro de 2007.

Gráfico 7. Crédito com recursos direcionados: variação % em relação ao mesmo mês do ano anterior

27,3
26,5
26,4

24,0
22,6

22,1

21,9

21,9
20,5

18,2

17,5
16,3
15,3

14,3
14,1

14,1
13,9
12,4
11,7

10,8
9,5

8,9

8,5
8,2

dez/05 dez/06 dez/07 mai/08

Outros BNDES Direto Rural Total Habitação BNDES Repasse

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 8. Evolução do crédito com recursos livres, saldos em final de período (R$ bilhões correntes)
400 000

350 000

300 000

250 000

200 000

150 000

100 000

50 000

0
jun-02 dez-02 jun-03 dez-03 jun-04 dez-04 jun-05 dez-05 jun-06 dez-06 jun-07 dez-07

P. Física P. Jurídica

Fonte: Banco Central do Brasil — Séries temporais. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

O mercado de crédito no Brasil: tendências recentes

220
A expansão dos empréstimos com recursos livres a pessoas físicas esteve ancorada, desde o início
do ciclo, nas modalidades de crédito pessoal, aquisição de veículos e cartão de crédito (Gráfico 9). O cré-
dito pessoal, que inclui as operações com crédito consignado, contribuiu em média por quase metade do
crescimento dos empréstimos concedidos nesse segmento. Também exerceram grande influência na ex-
pansão do crédito as operações de aquisição de veículos, que oferece a garantia da alienação fiduciária.

Gráfico 9. Crédito com recursos livres para pessoas físicas: contribuição das principais modalidades ao
crescimento (em %)

51,4

47,8

44,9
43,9

43,5

40,7
39,6

37,3

37,2
36,4
34,9
32,1

30,1
28,2
22,5

12,1

7,7
7,5

7,3
7,2
6,9

5,9
5,6

3,5

3,5
2,8
2,8

2,5

2,2
2,1

1,5
0,7
-0,3
-1,2
-2,9

dez/03 dez/04 dez/05 dez/06 dez/07

Cheque especial Crédito pessoal1 Financiamento imobiliário Aquisição de veículos


Aquisição de bens Cartão de crédito Outros

Fonte: Banco Central do Brasil — Séries temporais. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Nota: (1) Inclui operações consignadas em folha de pagamento.

A disposição das famílias em ampliar o endividamento também foi estimulada pela estratégia das
grandes redes varejistas, logo imitada pelos bancos e suas financeiras, de alongamento dos prazos das
operações de crédito ao consumidor. Esse alongamento, ao reduzir significativamente os valores das
prestações, contribuiu para diminuir a inadimplência, sobretudo em um cenário de elevação do rendi-
mento da população e, em menor escala, de aumento do emprego. O prazo médio das operações com
pessoas físicas subiu de 308 dias em janeiro de 2004 para 439 dias em dezembro de 2007 (Gráfico 10).
Esse relativo alongamento dos prazos viabilizou a expansão do crédito mesmo em um cenário de taxas
médias de juros nominais (e reais) extremamente elevadas, embora em declínio desde 2005.

A importância do crédito consignado


A regulamentação do crédito consignado em folha de pagamento de trabalhadores ativos e inati-
vos, em dezembro de 2003, forneceu impulso adicional para a ampliação do crédito a pessoas físicas.
Introduzida no Brasil pela Medida Provisória 130, de 17/9/2003, posteriormente convertida na Lei n.
10.820, de 17/12/2003, a modalidade de empréstimos consignados em folha de pagamento cresceu

ECONOMIA BRASILEIRA

221
vertiginosamente, atingindo o volume de R$ 9,7 bilhões em dezembro de 2003. Desde então, o crédito
consignado ampliou continuamente sua participação no total do crédito pessoal, saltando de 35,5% em
2003 para 57,5% em dezembro de 2007 (Gráfico 11).

Gráfico 10. Operações de crédito com recursos livres para pessoas físicas: prazo (em dias corridos) e taxa
média de juros (em % a.a.)
100,0 500,0

90,0 450,0

80,0 400,0

70,0 350,0

60,0 300,0

50,0 250,0

40,0 200,0

30,0 150,0

20,0 100,0

10,0 50,0

0,0 0,0
dez/02

dez/03

dez/04

dez/05

dez/06

dez/07
set/02

set/03

set/04

set/05

set/06
jun/02

set/07
jun/03

jun/04

jun/05

jun/06

jun/07
mar/03

mar/04

mar/05

mar/06

mar/07
PF- Tx de Juros (%) PF-Prazo Médio (dias)

Fonte: Banco Central do Brasil — Séries temporais. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 11. Participação do crédito consignado1 no crédito pessoal (em %)


70,0

60,0

50,0

40,0

30,0

20,0

10,0

0,0
nov-04
dez-04
fev-04

abr-04
mar-04

mai-04

nov-05
dez-05
set-04
out-04
jan-04

fev-05

abr-05
mar-05

mai-05

nov-06
dez-06
jun-04
jul-04
ago-04

set-05
out-05

abr-06
jan-05

fev-06
mar-06

mai-06

nov-07
dez-07
jun-05
jul-05
ago-05

set-06
out-06
jan-06

fev-07

abr-07
mar-07

mai-07
jun-06
jul-06
ago-06

set-07
out-07
jan-07

jun-07
jul-07
ago-07

Fonte: Banco Central do Brasil — Nota para imprensa. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Nota: (1) O volume de crédito consignado é calculado pelo Banco Central com base nos dados do Sistema de In-
formações de Crédito (SCR) e da pesquisa com treze dos maiores bancos que operam com crédito pessoal. Inclui
empréstimos realizados pelas cooperativas de crédito.

O mercado de crédito no Brasil: tendências recentes

222
Essa modalidade contribuiu com 66,8% da expansão do crédito pessoal em 2004. Em 2006, essa
contribuição atingiu 81,6%. Em 2007, os empréstimos consignados responderam por 69,6% do incre-
mento do crédito pessoal (Gráfico 12).

Gráfico 12. Contribuição do crédito consignado1 ao crescimento do crédito pessoal — Variação em 12


meses (em %)

91,5

69,6
68,1

55,6

dez/04 dez/05 dez/06 dez/07

Fonte: Banco Central do Brasil — Nota para imprensa. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Nota: (1) O volume de crédito consignado é calculado pelo Banco Central com base nos dados do Sistema de In-
formações de Crédito (SCR) e da pesquisa com treze dos maiores bancos que operam com crédito pessoal. Inclui
empréstimos realizados pelas cooperativas de crédito.

Do ponto de vista das instituições bancárias, a modalidade do crédito consignado em folha


apresenta a vantagem do pagamento pontual e com garantia do serviço da dívida. Em contrapartida,
o tomador obtém crédito a taxas de juros muito mais baixas do que as regularmente praticadas no
segmento de crédito ao consumo. No Brasil, embora altas, as taxas de juros do consignado são muito
mais baixas do que as vigentes em outras modalidades de crédito à pessoas físicas (Gráfico 13). O
custo menor dessa modalidade de crédito permitiu às famílias ampliarem o consumo, bem como tro-
carem dívidas, utilizando os recursos para quitar financiamentos de custo mais elevado (como cartão
de crédito e cheque especial).

O mercado de crédito nos primeiros cinco meses de 2008


O volume total de crédito ofertado pelo sistema financeiro aos setores público e privado, com base
em recursos livres e direcionados, acelerou seu ritmo de expansão nos primeiros cinco meses de 2008,
quando cresceu a uma taxa média mensal de 30,1%, ante a taxa média mensal de 26% em 2007. Outro
indicador de aceleração constitui a taxa de crescimento em maio (segundo dado disponibilizado pelo
Banco Central do Brasil, BCB): em relação ao mesmo mês do ano anterior, o crédito cresceu 32,4%, ante
a taxa de 27,7% em dezembro de 2007.

ECONOMIA BRASILEIRA

223
Gráfico 13. Evolução das taxas de juros do crédito consignado (em % a.a.)
100,0

90,0

80,0

70,0

60,0

50,0

40,0

30,0

20,0

10,0

0,0
nov/04

nov/05

nov/06

nov/07
set/04

set/05

set/06

set/07
jul/04

jul/05
jan/04

jul/06
jan/05

jul/07
jan/06

jan/07
mar/04

mai/04

mar/05

mai/05

mar/06

mai/06

mar/07

mai/07
Consignado Outras Modalidades

Fonte: Banco Central do Brasil — Nota para imprensa. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Essa trajetória alçou o volume total de crédito ao patamar de R$ 1,04 trilhão, ou 36,5% do PIB em
maio, percentual quase equivalente ao valor recorde da série histórica do BCB (36,8% do PIB), registrado
em janeiro de 1995 (Gráficos 14). Contudo, como naquele momento o estoque de créditos irrecuperáveis
era significativo, é possível afirmar que o estoque de crédito efetivo em relação ao PIB já superava em
maio de 2008 o pico do ciclo de crédito que sucedeu o Plano Real.

Gráfico 14. Crédito total e ao setor privado em % do PIB


38
36,8 36,5
36 Ciclo de crédito recente
34
32
30
28
26
24
22
20
dez/96

dez/01
nov/94

dez/06
nov/99

nov/04
abr/95
set/95
fev/96

out/97

ago/98

abr/00
set/00
fev/01

out/02

ago/03

abr/05
set/05
fev/06

out/07
jun/94

jul/96

jan/99
jun/99

jul/01

jan/04
jun/04

jul/06
mai/97

mar/98

mai/02

mar/03

mai/07

mar/08

Crédito Total Crédito ao setor privado

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

O mercado de crédito no Brasil: tendências recentes

224
A fase ascendente do ciclo de crédito iniciado em janeiro de 2003 completou 65 meses no quinto
mês de 2008, consolidando-se como a mais prolongada da história recente da economia brasileira. A
fase de alta do ciclo do Plano Real abrangeu somente oito meses (ver Gráfico 14). Além da maior duração,
uma característica adicional dessa fase merece destaque. O crédito direcionou-se, de forma praticamen-
te exclusiva, ao setor privado: o estoque destinado a esse setor atingiu R$ 1.024 bilhões ou 35,9% do PIB,
enquanto o setor público absorveu residuais R$ 19,5 bilhões ou 0,6% do PIB — o que constitui reflexo,
sobretudo, das restrições ao financiamento dos governos estaduais, impostas pela Lei de Responsabili-
dade Fiscal de 2000).
Ao longo dos primeiros cinco meses de 2008, observou-se, no entanto, uma mudança de ten-
dência: as operações de crédito aos setores empresariais de Outros Serviços, Indústria e Comércio
ganharam impulso e registraram taxas de crescimento superiores a do segmento de pessoas físicas
(ver Gráfico 1). Mas, em termos de contribuição do crescimento, esse segmento manteve a lideran-
ça, diante da sustentação de um alto ritmo de expansão e da sua elevada participação no total (ver
Gráfico 2).
Na análise da composição do crédito total por origem de recursos, transparece uma caracte-
rística adicional do ciclo recente: a predominância das operações de crédito com recursos livres (ver
Gráficos 4 e 15), que atingiram R$ 747 bilhões ou 26,1% do PIB. O crédito direcionado, por sua vez,
somou R$ 298 bilhões ou 10,4% do PIB, percentual ainda inferior ao registrado em dezembro de
2002. Vale destacar que as operações com base em recursos direcionados iniciaram uma trajetória
de recuperação em dezembro de 2004, mesmo que em ritmo inferior ao registrado no segmento de
recursos livres.

Gráfico 15. Crédito total por origem de recursos. em % do PIB

10,4
10,3
9,7
9,9
9,5
9,4
9,0
11,2
11,7

8,4
8,5
8,0

8,9
9,3

8,8
8,7
8,3

26,1
24,9
22,3
21,0
19,8
18,7
17,2
16,3

16,3
16,2

15,6
15,2

14,7

14,6
14,3

14,3
13,8

Recursos Livres Recursos Direcionados

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Em 2008, houve uma aceleração da taxa de crescimento destas operações: tal como mostra o
Gráfico 16, em maio, ante o mesmo mês do ano anterior, essa taxa foi de 24%, uma alta de 6,5 p.p. em
relação à taxa registrada em dezembro (17,5%); já no segmento de recursos livres, a aceleração foi me-
nos intensa (+3,5 p.p., passando de 32,6% para 36,1%).

ECONOMIA BRASILEIRA

225
Gráfico 16. Crédito livre, direcionado e total: variação % em relação ao mesmo mês do ano anterior

36,1
32,6 32,4

27,8
26,7
23,4 24,0
21,5 20,7
17,5
15,3
12,4

dez/05 dez/06 dez/07 mai/08

Direcionado Total Livre

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

O panorama da evolução do crédito total nos cinco primeiros meses de 2008 indica dinami-
zação do crédito empresarial e menor heterogeneidade no desempenho dos segmentos de recursos
livres e direcionados. Na sequência, examina-se a evolução do crédito às pessoas jurídicas nesses
dois segmentos.

O crédito com recursos livres e direcionados a pessoas jurídicas


O BCB classifica o crédito com recursos livres para pessoas jurídicas em onze modalidades, sendo
que a última modalidade (Export notes) teve seu estoque zerado no início de 2007 (Quadro 1). Das dez
operações vigentes, as sete primeiras ancoram-se em recursos internos e as três últimas em recursos
externos. Não existem dados disponíveis do crédito com recursos livres por setor de atividade, o que im-
possibilita identificar sua distribuição entre as atividades de outros serviços, indústria, comércio e rural,
que integram o setor empresarial.

Quadro 1. Modalidades de crédito a pessoas jurídicas


MODALIDADE CARACTERÍSTICAS
Operações de crédito caracterizadas por ter prazo máximo de 29 dias e pro-
1. Hot money
cedimentos operacionais simplificados.
Adiantamento de recursos relativos a duplicatas em cobrança, as quais cons-
2. Desconto de duplicatas
tituem as próprias garantias da operação.
Semelhante à modalidade anterior, refere-se ao adiantamento de recursos
3. Desconto de promissórias relativos a notas promissórias, as quais constituem as próprias garantias da
operação.
Linhas de crédito caracterizadas por prazo superior a 30 dias, assinatura de
4. Capital de giro contrato específico e apresentação de garantias, destinando-se a financiar
atividades operacionais das empresas.
continua

O mercado de crédito no Brasil: tendências recentes

226
MODALIDADE CARACTERÍSTICAS
Crédito vinculado à conta bancária de pessoas jurídicas, em que determinado
5. Conta garantida limite de recursos é disponibilizado para utilização de acordo com a conveni-
ência do cliente.
Operações não vinculadas ao Sistema Financeiro de Habitação e destinadas
6. Financiamento imobiliário
a financiar aquisição, construção ou reforma de imóveis.
Operações tradicionais de financiamento destinadas, nas quais a concessão
7. Aquisição de bens  do crédito está vinculada à aquisição de determinado bem que quase sempre
constitui a garantia da operação.
Operação de financiamento de vendas baseada no princípio da cessão de
crédito, que permite a uma empresa vender seu produto a prazo e receber
8. Vendor o pagamento à vista. A empresa vendedora transfere seu crédito ao banco,
e esse, em troca de uma taxa de intermediação, paga o vendedor à vista e
financia o comprador.
9. Adiantamentos sobre Antecipação de recursos vinculados a contratos de exportação, com a finali-
contratos de câmbio (ACC) dade de financiar a produção das mercadorias a serem exportadas.
10. Repasses de recursos Transferência, para empresas localizadas no país, de recursos captados no
externos exterior por instituição financeira.
O estoque de operações dessa modalidade foi zerado em fevereiro de 2007.
Representavam contratos de cessão de crédito de exportação, nos quais o
exportador cede ao tomador (empresa ou banco), por meio de um título, os
11. Export notes direitos creditícios de uma operação a ser realizada no futuro, obtendo dessa
forma recursos para financiar a produção das mercadorias a serem expor-
tadas. Diferencia-se das operações de ACC por não apresentar prazo para
embarque de mercadoria;
Fonte: Banco Central do Brasil. Glossário da Nota para Imprensa de Política Monetária e Crédito.

No segmento do mercado de crédito ancorado com recursos livres, os primeiros cinco meses
de 2008 caracterizaram-se pelo maior dinamismo das operações com pessoas jurídicas, que pas-
saram a crescer a taxas superiores às registradas no segmento de pessoas físicas, invertendo a
tendência registrada até o final de 2007 (Gráficos 17 e 18).

Gráfico 17. Crédito com recursos livres: variação % ante o mesmo mês do ano anterior

39,8
37,7
36,1
33,4 32,6 31,8 32,1

26,7
24,8
23,4
22,2
18,2

dez/05 dez/06 dez/07 mai/08

P. Física Total P. Jurídica

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

ECONOMIA BRASILEIRA

227
Gráfico 18. Evolução do crédito com recursos livres, saldos em final de período (R$ bilhões correntes)

391
355
343
318
285
272
260
238
232
214
213
192

191
180
168

164
155
150

149
147

139
114
101
93
88

87
dez/02

dez/03

dez/04

dez/05

dez/06

dez/07
jun/02

jun/03

jun/04

jun/05

jun/06

jun/07

mai/08
P. Física P. Jurídica

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Em maio, ante o mesmo mês do ano anterior, o crédito às empresas cresceu 39,8% (atingindo R$
391 bilhões) e o crédito às famílias teve incremento de 32,1% (totalizando R$ 355 bilhões), com contri-
buições ao crescimento do total de 56,3% e 43,7%, respectivamente (Gráfico 19).

Gráfico 19. Crédito com recursos livres: contribuição ao crescimento (em %)

61,4
56,3
50,0 50,0 51,0
49,0
43,7
38,6

dez/05 dez/06 dez/07 mai/08

P. Jurídica P. Física

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

A despeito do número expressivo de modalidades de empréstimo com recursos livres para pesso-
as jurídicas, as operações concentram-se em poucas linhas de crédito (Tabela 1 e Gráfico 20), com desta-
que para o capital de giro, que respondia por 39% do total em maio de 2008 (R$ 126,5 bilhões), seguido
pela conta garantida (13,7% do total). Se desconsiderarmos a modalidade Outros, em terceiro e quarto
lugares encontram-se as linhas com funding externo (ACC, com 10,1% do total, e repasses externos com
8,4% do total). A evolução das quatro principais modalidades de crédito a partir de 2005 evidencia a pre-
ponderância da linha de capital de giro, que praticamente reina inconteste, apresentando uma trajetória
de crescimento contínua e a taxas crescentes (Gráfico 21).

O mercado de crédito no Brasil: tendências recentes

228
Tabela 1. Crédito a pessoas jurídicas com recursos livres — R$ milhões
Recursos internos Recursos externos
C apital C onta A quis. Descont. V endor Finan. Hot Descont. O utros A C C Repasses Finan. E xport
de giro garantida bens duplic. imob. money promiss. externos import. notes
dez/05 51.491 29.732 11.152 10.958 9.987 609 469 220 22.728 23.856 16.041 8.143 57
dez/06 67.814 32.855 13.491 12.012 10.374 734 355 160 27.229 25.211 19.048 8.346 1
dez/07 97.428 39.135 17.937 13.742 10.968 1.146 675 152 33.747 30.841 24.887 12.821 -
jan/08 103.522 39.179 16.477 12.606 10.059 1.168 354 139 33.413 30.040 27.272 12.679 -
fev/08 106.813 40.790 15.822 12.538 10.333 1.178 345 155 32.597 30.941 27.080 13.128 -
mar/08 109.803 41.476 15.811 12.724 10.447 1.249 412 147 34.839 32.119 31.367 14.928 -
abr/08 117.388 43.157 15.792 12.939 9.833 1.246 366 167 35.277 32.122 28.799 15.582 -
mai08 126.560 44.365 15.899 13.299 9.634 1.188 388 197 36.116 32.776 27.075 16.376 -

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 20. Crédito com recursos livres às pessoas jurídicas: participação no total
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
dez/05

dez/06

dez/07

fev/08

abr/08
jan/08

mar/08

mai08
Capital de giro Conta garantida Aquis. bens Descont. duplic. Vendor
Finan. imob. Hot money Descont. promiss. Outros ACC
Repasses externos Finan. import. Export notes

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 21. Crédito com recursos livres a pessoas jurídicas: variação % ante o mesmo mês do ano anterior

77,6
73,1

56,2
53,6

42,6 43,7
35,7 36,7
31,7 30,7
28,0 27,6
22,3 23,5
18,5 20,4 18,7 19,1
17,0
13,7
10,5
5,7
2,5

-0,7 -0,7
-4,8

-27,3

dez/05 dez/06 dez/07 mai/08

ACC Desconto de promissórias Conta garantida


Financiamento imobiliário Repasses externos Financiamento de importações
Capital de giro

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

ECONOMIA BRASILEIRA

229
Em maio de 2008, o estoque de capital de giro era mais de 70% superior ao registrado no mesmo mês
de 2007, e sua contribuição ao total do crescimento do crédito com recursos livres às pessoas jurídicas ficou em
torno de 60%. A modalidade de financiamento às importações também registrou taxa semelhante de expansão
(impulsionada pela taxa de câmbio favorável e pelo dinamismo do mercado interno), mas, dada a pequena parti-
cipação no total, contribuiu pouco para esse crescimento, assim como as demais modalidades (Gráfico 22).

Gráfico 22. Crédito com recursos livres a pessoas jurídicas: contribuição ao crescimento (em %)
59,6

50,7

45,0
41,2

29,8

17,0

9,3 9,7 9,5 10,3


8,5 8,5 8,9 7,8
6,8 7,5
4,2 4,3
0,6

dez/05 dez/06 dez/07 maio/08

ACC Financiamento de importações Repasses externos Conta garantida Capital de giro

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

A dinamização do crédito empresarial nos primeiros cinco meses de 2008, ancorada nas linhas de
capital de giro, foi impulsionada pelo patamar mais elevado de crescimento da economia brasileira, que esti-
mulou decisões de produção corrente e de ampliação da capacidade produtiva. Outros fatores conjunturais,
todavia, podem ter impulsionado a demanda por empréstimos bancários internos por parte das empresas,
dentre os quais as condições adversas vigentes no mercado financeiro internacional, bem como o desaque-
cimento do mercado de capitais doméstico2 (ambos reflexos da crise financeira internacional, originada no
segmento de hipotecas de alto risco do mercado imobiliário norte-americano, em julho de 2007).
Embora, tradicionalmente, no Brasil, o sistema bancário privado não oferte linhas de crédito de
longo prazo adequadas para o financiamento de investimentos em capital fixo, o crédito de curto e médio
prazos com base em recursos livres parece ter viabilizado não somente as compras de matérias-primas
e o financiamento de vendas, mas também o financiamento de inversões mais “leves”, como certos tipos
de máquinas, equipamentos e instalações (Travaglini, 2008), num contexto de excesso de procura
pelos recursos do BNDES e de escassez de fontes alternativas de financiamento privadas, seja no mer-
cado interno, seja no externo. De acordo com informações coletadas por Travaglini em departamentos de
crédito corporativo de bancos privados, a demanda de crédito no período em tela estava mais aquecida
no segmento de médias empresas, com acesso ainda mais restritivo a essas fontes, dos setores de agro-
negócio, imobiliário, autopeças e embalagens.

2 Entre janeiro e maio de 2008, foram captados R$ 5,2 bilhões mediante emissões primárias de ações, metade do valor regis-
trado no mesmo período de 2007 (R$ 10,4), de acordo com dados da Comissão de Valores Mobiliários. Ver o artigo O Mercado
Brasileiro de Capitais no Período 2003-2008: evolução e tendências, incluído nesta coletânea.

O mercado de crédito no Brasil: tendências recentes

230
As condições de prazo e custo do crédito com recursos livres para pessoas jurídicas melhoraram
entre 2005 e 2007, com a queda da taxa de juros média do patamar de 32% a.a. para 23% a.a. e a am-
pliação dos prazos médios de 180 para 300 dias corridos (Gráfico 23).

Gráfico 23. Operações de crédito com recursos livres para pessoas jurídicas: prazo (em dias corridos) e
taxas médias de juros (em % a.a.)

38 300

35 260
Taxa de juros

32
220

Prazo
29
180
26

140
23

20 100
dez-05

dez-06

dez-07
nov-05
fev-05

abr-05

nov-06
ago-05
set-05
out-05

fev-06

abr-06

nov-07
ago-06
set-06
out-06
jan-05

fev-07

abr-07
jun-05
jul-05

ago-07
set-07
out-07
jan-06

fev-08

abr-08
jun-06
jul-06
mar-05

jan-07
mai-05

jun-07
jul-07
mar-06

jan-08
mai-06

mar-07

mai-07

mar-08

mai-08
PJ-Taxa de juros PJ-Prazo médio

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

A partir de janeiro de 2008, porém, esse movimento favorável foi interrompido, em parte devido ao
aumento das incertezas no cenário internacional e à perspectiva de um novo ciclo de alta da meta da taxa
Selic, que se concretizou somente em abril, mas exerceu pressão altista sobre as taxas de captação a partir
de fevereiro, devido ao seu efeito sobre a taxa do swap DI de 360 dias (uma espécie de piso para o custo do
crédito privado). Ademais, o custo do crédito também sofreu o impacto do aumento da alíquota do IOF em ja-
neiro (em resposta à extinção da CPMF) e do recolhimento compulsório sobre os depósitos das empresas de
leasing a partir de fevereiro que exerceram pressão altista sobre o spread e a taxa de captação (Gráfico 24).

Gráfico 24. Operações de crédito com recursos livres para pessoas jurídicas: taxas médias de juros e
spread (em % a.a.)

35,0

32,5

30,0

27,5

25,0

22,5

20,0

17,5

15,0

12,5

10,0
dez-05

dez-06

dez-07
nov-05

nov-06

nov-07
fev-05

abr-05

set-05
ago-05

out-05

fev-06

abr-06

set-06

fev-07
ago-06

out-06

abr-07

set-07
ago-07

out-07

fev-08

abr-08
jan-05

jun-05
jul-05

jan-06

jun-06
jul-06

jan-07

jun-07
jul-07

jan-08
mar-05

mai-05

mar-06

mai-06

mar-07

mai-07

mar-08

mai-08

Tx de Aplicação Tx de Captação Spread

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

ECONOMIA BRASILEIRA

231
Todavia, a evolução das condições de custo e de prazo do crédito empresarial em termos médio
obscurece algumas características da sua principal modalidade. Como mostra o Gráfico 25, a taxa de ju-
ros prefixada da linha de capital de giro atingiu 31,3% em maio de 2008, percentual inferior à taxa média
das operações prefixadas (39,3% a.a.) — que supera a taxa de juros média do segmento de pessoas jurí-
dicas (26,9% em maio último — ver Gráfico 23), devido ao menor patamar das taxas de juros pós-fixadas3
e, em menor medida, flutuantes4 (Gráfico 26). As condições das linhas de capital de giro também eram
mais favoráveis que a média do segmento prefixado em termos de prazo e de inadimplência (cujo baixo
patamar está associado à exigência de garantias para a efetivação dos contratos — ver Quadro 1).

Gráfico 25. Operações de crédito com recursos livres para pessoas jurídicas: taxas de juros prefixadas

70,0

60,0

50,0

40,0

30,0

20,0

10,0
jan/05

jan/06

jan/07

jan/08
mar/05

jul/05
mai/05

mar/06

jul/06
mai/06

mar/07

jul/07
mai/07

mar/08

mai/08
set/05

nov/05

set/06

nov/06

set/07

nov/07
Capital de giro Conta garantida Aquisição de bens Média

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 26. Operações de crédito com recursos livres para pessoas jurídicas: taxas de juros
50,0

45,0

40,0 36,9

35,0

30,0

25,0
20,2
20,0
18,1
15,0

10,0
dez/05

dez/06

dez/07
nov/05

nov/06

nov/07
fev/05

abr/05

ago/05
set/05
out/05

fev/06

abr/06

ago/06
set/06
out/06

fev/07

abr/07

ago/07
set/07
out/07

fev/08

abr/08
jan/05

jun/05
jul/05

jan/06

jun/06
jul/06

jan/07

jun/07
jul/07

jan/08
mar/05

mai/05

mar/06

mai/06

mar/07

mai/07

mar/08

mai/08

Prefixada Pós-fixada Flutuante

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

3 A taxa média pós-fixada refere-se às operações referenciadas em variação cambial (ACC e Repasses externos), formada pela
média das taxas pactuadas no momento da concessão do crédito, acrescida da variação cambial anualizada apurada entre o dólar
médio à vista e a cotação média do contrato futuro de dólar comercial na BM&F, referente ao prazo médio de cada modalidade.
4 As operações com taxas flutuantes são corrigidas com base em taxa diárias (por exemplo, taxas Selic e DI).

O mercado de crédito no Brasil: tendências recentes

232
Enquanto a inadimplência mantinha sua trajetória de queda em 2008 (Gráfico 28), as condições
de custo e prazo das operações de capital de giro se deterioravam, acompanhando a tendência geral do
segmento de recursos livres para pessoas jurídicas: a taxa de juros prefixada elevou-se em 3,4 p.p. entre
dezembro de 2007 e maio de 2008, e o prazo médio, após atingir o pico de 487 dias em janeiro, diminuiu
para 438 dias nesse último (Gráficos 26 e 27).

Gráfico 27. Operações de crédito com recursos livres para PJ: prazo em dias corridos
500

450

400

350

300

250

200

150

100

50

0
dez/05

dez/06

dez/07
nov/05

nov/06

nov/07
fev/05

abr/05

ago/05
set/05
out/05

fev/06

abr/06

ago/06
set/06
out/06

fev/07

abr/07

ago/07
set/07
out/07

fev/08

abr/08
jan/05

jun/05
jul/05

jan/06

jun/06
jul/06

jan/07

jun/07
jul/07

jan/08
mar/05

mai/05

mar/06

mai/06

mar/07

mai/07

mar/08

mai/08
Desconto de duplicatas Capital de giro Conta garantida
ACC Total pessoa jurídica Aquisição de bens

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 28. Operações de crédito com recursos livres para PJ: inadimplência (em % a.a.)
7,0

6,0

5,0

4,0

3,0

2,0

1,0

0,0
dez/05

dez/06

dez/07
nov/05

nov/06

nov/07
fev/05

ago/05
abr/05

set/05
out/05

fev/06

ago/06
abr/06

set/06
out/06

fev/07

ago/07
abr/07

set/07
out/07

fev/08
jan/05

abr/08
jun/05
jul/05

jan/06

jun/06
jul/06

jan/07

jun/07
jul/07

jan/08
mar/05

mai/05

mar/06

mai/06

mar/07

mai/07

mar/08

mai/08

Desconto de duplicata Capital de giro Conta garantida


ACC Repasses externos Total

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura da Fundap.

No que se refere ao crédito com recursos direcionados, destaca-se, nos primeiros cinco meses de
2008, a expansão dos financiamentos do BNDES, seja na modalidade direta, seja na modalidade repas-
ses. A modalidade BNDES repasse — que, como já mencionado, assumiu a liderança em abril de 2007,
quando ultrapassou o BNDES direto em volumes de recursos — atingiu a taxa recorde de crescimento
em maio de 2008 (27,3%), impulsionada pela forte expansão dos investimentos a partir de 2007 num
contexto de maior crescimento do mercado interno (ver Gráficos 5, 6 e 7). Informações adicionais obtidas
no site do BNDES mostram a predominância em 2008 dos repasses Finame (voltados para a aquisição

ECONOMIA BRASILEIRA

233
de máquinas e equipamentos) e das operações de BNDES automático e cartão BNDES — que se caracte-
rizam pela agilidade em razão da menor burocracia envolvida.

Considerações finais
A forte e contínua expansão do mercado de crédito desde 2003, sob a liderança do crédito ao con-
sumo até 2007 e do crédito empresarial em 2008, resultou na forte elevação do estoque de empréstimos
do sistema financeiro brasileiro em relação ao PIB.
O aprofundamento do mercado de crédito no Brasil, todavia, permanece distante do observado nas
economias avançadas e mesmo em algumas economias periféricas com grau semelhante de desenvol-
vimento, que apresentam elevadas relações crédito bancário/PIB — por exemplo, Chile (82%), Tailândia
(88%), Coreia (102%) e Malásia (108%). Ademais, o custo do crédito no Brasil permanece extremamente
alto. Mesmo nas operações de baixo risco, como o crédito consignado em folha de pagamento e de aqui-
sição de veículos, as taxas de juros (e os prêmios de risco) ainda estão em patamares inexplicavelmente
muito elevados.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

FREitas, Maria Cristina P. de. Evolução e determinantes do crédito bancário no período 2001-2006.
Relatório 2 do Subprojeto VIII “Crédito Bancário no Brasil: evolução e transformações institucionais”.
Campinas : IE/Unicamp, 2007. (Pesquisa BNDES, Cecon — IE / Unicamp).

Travaglini, Fernando. Dispara o crédito para empresas. Valor Econômico, São Paulo, 7 jul. 2008.

O mercado de crédito no Brasil: tendências recentes

234
O mercado brasileiro
de capitais
no período 2003-2008:
evolução e tendências

Maria Cristina Penido de Freitas

A
pós ter apresentado grande dinamismo no triênio 2005-2007, o mercado de capitais foi o primeiro
segmento da economia brasileira a registrar os efeitos da crise financeira internacional, que se
aprofundou em 2008, em particular a partir do mês de setembro, com a falência do banco de
investimento americano Lehman Brothers.
Os impactos fizeram-se sentir não apenas na Bovespa, cuja dinâmica é bastante influenciada
pelos humores dos investidores estrangeiros, mas também no mercado primário de títulos de dívida
privada, notadamente com a redução da emissão de debêntures e o crescimento da emissão de
títulos a curto prazo, como as notas promissórias, fonte alternativa de captação de recursos pelas
empresas em face da contração do crédito bancário, desencadeada pela preferência pela liquidez
e absoluta aversão ao risco por parte dos bancos, ante a emergência de perdas das empresas com
derivativos de câmbio.
O propósito dessa nota é analisar os desenvolvimentos recentemente registrados no mercado
de capitais no Brasil, com ênfase em seus determinantes, alterações estruturais e perspectivas. Com
esse intuito, examina-se, na próxima seção, a expansão recente no mercado primário de capital, locus
da captação direta de recursos de terceiros pelas empresas mediante a emissão de títulos de dívida
(debêntures, notas promissórias etc.) e/ou de títulos representativos de propriedade (ações). Na seção
seguinte, avalia-se o papel dos investidores estrangeiros na aquisição de ofertas primárias e secundá-
rias de ações. A terceira seção examina a evolução do mercado primário de capitais brasileiro ao longo
de 2008. A penúltima seção analisa, em perspectiva comparada, os impactos da crise internacional no
mercado acionário. Na última seção, a título de considerações finais, tecem-se algumas considerações
sobre as perspectivas para o ano de 2009.

ECONOMIA BRASILEIRA

235
Desenvolvimentos no mercado primário de capital no Brasil, no período
2003-2007
O mercado de capital registrou, no período 2005-2007, forte expansão da captação de recursos
pelas empresas brasileiras, via emissão de debêntures, de ações, de fundos de investimento em direitos
creditórios (FIDC)1 e outros instrumentos financeiros, como o fundo de investimento em participação
(FIP)2. O volume total captado nesse mercado saltou de R$10 bilhões em 2003 para R$ 61 bilhões em
2005, dos quais: R$ 41,5 bilhões correspondiam a operações de emissão de debêntures; R$ 8,6 bilhões,
à constituição de FIDC; e R$ 4,3 bilhões em ações (Gráfico 1).

Gráfico 1. Evolução da captação de recursos no mercado primário de capitais, 2002-2007 (R$ bilhões correntes)
124

120

108

100

80

69
R$ bilhões

62
60

47
42
40
33

24
22
20
14 13
10 10 9 10
5 4 5 4 5
2 1 2
0 0
0
2003 2004 2005 2006 2007

Acões Debêntures Quotas de FDIC/FIC-FDIC Quotas de Fundo de Investimento em Participações Captação Total1

Fonte: CVM – Novo Informativo Mensal. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Nota: (1) Inclui volume total de recursos captados em todas as dez modalidades de valores mobiliários regulamen-
tadas pela CVM: ações, debêntures, notas promissórias, fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC),
fundos de investimento imobiliário (FII), certificados de recebíveis imobiliários (CRI), certificados de investimento
audiovisual, título de investimento coletivo, fundos de investimento em participações (FIP), fundos mútuos de inves-
timento em empresas emergentes (FMIEE).

Esse extraordinário aumento na emissão de debêntures (332% em relação a 2004) deve, contudo,
ser interpretado com cautela e não como sinal inequívoco de pujança do mercado de capitais. Quase dois
terços dessas emissões foram realizadas pelas empresas de leasing que pertencem aos grandes con-
glomerados financeiros. Para escapar do recolhimento de depósitos compulsórios e contribuições para
o fundo garantidor de crédito (FGC), que incidem sobre os recursos captados via certificado de depósito
bancário (CDB), os bancos utilizam suas empresas de leasing para captar recursos via emissão de de-
bêntures (Cintra, 2006; Sant’Anna, 2007). Por essa razão, diversos analistas consideram que essas
debêntures emitidas pelas empresas de leasing não constituem operação típica de mercado de capital,
sendo na realidade uma captação bancária disfarçada (Santos, 2007; Lopes 2007).

1 Também conhecidos como fundos de recebíveis, os FIDC foram regulamentados em dezembro de 2001 (Instrução CVM n. 361),
porém, só em 2005 é que se consolidaram como fonte de captação de recursos.
2 Os FIP foram regulamentados em julho de 2003 (CVM n. 391).

O mercado brasileiro de capitais no período 2003-2008: evolução e tendências

236
Em 2006, a captação de recursos no mercado primário atingiu R$ 107 bilhões. Ao lado do forte
dinamismo dos mercados de debêntures e FIDC, a emissão de ações ganhou importância como meca-
nismo de financiamento das empresas, atingindo R$ 14,4 bilhões, o que corresponde a um incremento
da ordem de 225% em relação ao ano anterior.
Em 2007, o volume de recursos captados no mercado de capitais totalizava R$ 124 bilhões. Desse
total, R$ 46,5 bilhões correspondiam a debêntures, que registraram queda de 334,5% em relação ao ano
anterior, devido ao “comportamento menos agressivo das empresas de leasing, cuja captação foi de R$
33 bilhões, ante R$ 49 bilhões em 2006” (BOLETIM TÉCNICO..., 2008 : 2). Por sua vez, as emissões pri-
márias inicial (que correspondem à abertura de capital) e secundária de ações alcançaram novo recorde,
totalizando R$ 33,1 bilhões. Os fundos de investimento em participação também registraram forte cresci-
mento em 2007, mobilizando recursos da ordem de R$ 22,3 bilhões (contra R$ 4,8 bilhões em 2006).
O maior dinamismo do mercado de capitais traduziu igualmente o aumento do número de compa-
nhias abertas, que havia declinado de 754 em 2002 para 621 em 2005. Após um discreto incremento em
2006, houve um salto em 2007, totalizando 682 em dezembro (Gráfico 2). Cabe ressaltar que o número de
companhias abertas ainda se encontra muito distante do patamar recorde de 1.034 verificado em setem-
bro de 1998 na série histórica divulgada no informativo mensal da CVM, com início em janeiro de 1995.

Gráfico 2. Evolução no número de companhias abertas, 2002-2007 (posição em final de período)

800
754

700 677 682

625 621 625

600

500
nº de companhias

400

300

200

100

0
2002 2003 2004 2005 2006 2007

Fonte: CVM – Novo Informativo Mensal. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Vários fatores explicativos estão na origem do notável dinamismo do mercado de capitais brasi-
leiro no triênio 2005-2007. Como primeiro fator, mencione-se o cenário internacional favorável que pre-
valeceu até meados de 2007 e, em particular, o ciclo de liquidez para os países periféricos, iniciado em
2003, mas que beneficiou o Brasil sobretudo a partir de 2005, traduzindo-se na ampliação do fluxo de
investimentos estrangeiros de portfólio. De acordo com os dados da CVM, o valor da carteira de investi-
mentos estrangeiros no mercado de capitais brasileiros saltou de US$ 29 bilhões em dezembro de 2004
para US$ 53 bilhões em dezembro de 2005, alcançando US$ 102 bilhões em dezembro de 2006. Em
dezembro de 2007, o valor da carteira mais do que dobrou em comparação com o mesmo mês de 2006,
atingindo US$ 214 bilhões (Gráfico 3).

ECONOMIA BRASILEIRA

237
Gráfico 3. Evolução do valor dos investimentos estrangeiros de portfólio, jan./03-dez./07 (US$ bilhões correntes)
250

200

150
US$ bilhões

100

50

0
dez/03

dez/04

dez/05
nov/03

dez/06
nov/04

dez/07
nov/05
fev/03

nov/06
abr/03

ago/03
set/03
out/03

fev/04

nov/07
abr/04

ago/04
set/04
out/04

fev/05

abr/05

ago/05
set/05
out/05

fev/06
jan/03

abr/06

ago/06
jun/03

set/06
out/06

fev/07
jul/03

jan/04

abr/07

ago/07
jun/04

set/07
out/07
jul/04

jan/05

jun/05
jul/05

jan/06

jun/06
mar/03

mai/03

jul/06

jan/07

jun/07
mar/04

mai/04

jul/07
mar/05

mai/05

mar/06

mai/06

mar/07

mai/07
Fonte: CVM — Novo Informativo Mensal. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Além disso, apreciação do real decorrente do afluxo crescente de capital externo aumentou a atra-
tividade das ações e títulos negociados no mercado de capital brasileiro. Como assinala, corretamente,
Biancareli (2007:51), com a apreciação cambial, “o ganho projetado é duplo, já que, além do crescimento
no preço comum em qualquer ciclo de alta de ativos, o movimento da taxa de câmbio acrescenta uma valo-
rização adicional em dólares”. Esse resultado favorável aos investidores estrangeiros pode ser comprovado
pelos dados do Gráfico 4, que mostra que a variação na capitalização da Bovespa entre novembro de 2006
e novembro de 2007 mensurada em dólar (103%) foi muito superior à variação em real (66,3%).

Gráfico 4. Variação na capitalização das bolsas de valores em % (novembro de 2007/novembro de 2006)


400%
375%
350%
325%
300%
275%
250%
225%
200%
175%
150%
125%
100%
75%
50%
25%
0%
-25%
Nova Iorque

Xangai
Nasdaq

Suíça

México

Tel-Aviv
Euronext1

Hong Kong
Santiago
Tóquio

Londres

Buenos Aires

Taiwan

Varsóvia

Cingapura
Malásia

Coréia

São Paulo
Tailândia

Alemanha

Istambul

Bombaim

Shenzhen

Em US$ Em Moeda Doméstica

Fonte: World Federation of Exchanges (htpp://www.wfe.org) . Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Nota: (1) Euronext reúne as bolsas de Paris, Amsterdã, Bruxelas e Lisboa.

O mercado brasileiro de capitais no período 2003-2008: evolução e tendências

238
Como segundo fator, ressalte-se a melhoria do quadro macroeconômico geral da economia bra-
sileira, com a consolidação da estabilidade da moeda e, em particular, dos preços-chave da economia
(câmbio e juros) e a retomada do crescimento econômico. Esse ambiente macroeconômico interno mais
estável, com perspectivas (confirmadas) de maior crescimento e expectativas de obtenção próxima de
grau de investimento junto às agências internacionais de classificação de risco, foi essencial para o re-
lativo aprofundamento do mercado de capitais. Por um lado, estimulou a demanda por títulos e ações
pelos investidores financeiros particularmente sensíveis à incerteza e à volatilidade dos preços-chave
macroeconômicos e, por outro, favoreceu a decisão de produzir e investir das empresas.
Nesse cenário de condições externas extremamente favoráveis, dada a maior estabilidade ma-
croeconômica interna, a progressiva redução da taxa básica de juros, a partir de setembro de 2005,
constituiu, também, importante fator explicativo do dinamismo do mercado de capitais em 2007. A
queda na taxa Selic e a menor rentabilidade dos títulos públicos e dos fundos de investimento refe-
renciados aos títulos públicos contribuíram para que os investidores brasileiros, acostumados a alto
retorno e máxima liquidez, começassem a aceitar incorrer em risco nas aplicações no mercado de
capitais em troca de retornos maiores. Ao mesmo tempo, a trajetória descendente da taxa de juros
favoreceu a ampliação da produção e da demanda interna, estimulando os investimentos produtivos
e a busca de financiamento pelas empresas.
O terceiro fator, cabe salientar, refere-se às mudanças regulatórias que permitiram a criação e/
ou o aperfeiçoamento de instrumentos de securitização de dívida (como o FDIC e CRI, Certificados de
Recebíveis Imobiliários3) e o aperfeiçoamento na infraestrutura do mercado de capital brasileiro. Além do
efetivo progresso na adoção de padrões avançados de negociação, compensação, liquidação e custódia
de títulos e valores mobiliários, uma mudança estrutural importante foi a criação de um novo segmento
de listagem de companhias abertas na Bovespa, o chamado Novo Mercado, no qual vigoram rígidas
exigências relativas à transparência das informações para os investidores, às práticas contábeis e à
proteção aos direito dos acionistas minoritários. A adesão voluntária das empresas a esse segmento
que só permite a emissão de ações ordinárias (com direito a voto) contribuiu para fortalecer a confiança
dos investidores, criando assim um círculo virtuoso de maior demanda pelas emissões iniciais nesse
segmento e de estímulo para a abertura de capital de novos ingressantes no mercado acionário, como
será visto na seguir.

A Bovespa e a importância dos investidores estrangeiros


A importância do ciclo internacional de liquidez como um dos principais determinantes do dina-
mismo atual do mercado de capital brasileiro torna-se ainda mais evidente no mercado acionário. A par-
ticipação dos investidores estrangeiros na Bovespa passou de 22,3% em dezembro de 2002 para 33,2%
em dezembro de 2005, alcançando 35,2% em dezembro de 2007 (Gráfico 5).
A presença cada vez maior de investidores estrangeiros na Bovespa está estreitamente associada
aos sucessivos recordes de valorização das ações, de volumes negociados e da capitalização total das
empresas listadas em bolsa (Gráfico 6). Todos esses elementos constituem incentivos ao lançamento
de ações por empresas já listadas e à abertura de capital (oferta inicial). Ao mesmo tempo em que, do

3 Os Certificados de Recebíveis Imobiliários foram regulamentados em dezembro de 2005 (Instrução CVM nº 414).

ECONOMIA BRASILEIRA

239
lado da demanda, contribuíram para atrair investidores individuais e fundos mútuos de investimento em
ações, que vêm oferecendo maior retorno que os fundos referenciados aos títulos públicos.

Gráfico 5. Participação % dos investidores na Bovespa no total de compra e venda, 2002-2007


40,0

35,2
35,0 34,1
% 33,4 33,2

29,9
30,0
27,6
26,527,0
25,3 25,0
24,2 24,5
25,0 23,7 23,9
23,0
22,3
21,4 21,7

20,0

15,2 15,5
15,0 14,4
12,6 12,6

9,8
10,0

4,8
5,0
2,8 2,4
2,1 2,2
1,1

0,0
2002 2003 2004 2005 2006 2007

Pessoas Físicas Fundos de Pensão e de Seguridade Fundos Mútuos Investidores Estrangeiros Instituições Financeiras

Fonte: Bovespa, Informe Técnico Mensal (http://www.bovespa.com.br/Principal.asp).


Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 6. Evolução da capitalização das companhias abertas listadas na Bovespa dez./02 a dez./07 (em
R$ bilhões correntes)
3.000

2.500

2.000
R$ bilhões

1.500

1.000

500

-
dez/02

dez/03

dez/04

dez/05

dez/06

dez/07
fev/03

abr/03

ago/03

out/03

fev/04

abr/04

ago/04

out/04

fev/05

abr/05

ago/05

out/05

fev/06

abr/06

ago/06

out/06

fev/07

abr/07

ago/07

out/07
jun/03

jun/04

jun/05

jun/06

jun/07

Capitalização Total Capitalização das Empresas Estatais

Fonte: CVM – Novo Informativo Mensal. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

O número de emissões no mercado primário de ações ― que, após atingir o recorde de 31 emis-
sões em 1995, declinou progressivamente desde 1997, reduzindo-se a apenas 4 em 2002 ― voltou a
crescer sobretudo a partir de 2004, quando ocorreram nove emissões, das quais sete foram ofertas

O mercado brasileiro de capitais no período 2003-2008: evolução e tendências

240
públicas iniciais (IPO, na sigla em inglês). Em 2007, de acordo com os dados da Bovespa, o número de
emissões primárias e secundárias atingiu o número recorde de 76 emissões, representando um volume
total de recursos da ordem de R$ 69,5 bilhões.
A incorporação de novos participantes no mercado acionário avançou em ritmo acelerado: 11 em-
presas abriram o capital em 2005; em 2006, foram 30; em 2007 foram realizadas 64 IPO (Gráfico 7). O vo-
lume captado nos IPO saltou de R$ 4,4 bilhões em 2004 para R$ 55,8 bilhões em 2007, com participação
crescente dos investidores estrangeiros na aquisição das emissões das novas entrantes: de 82% em 2007
(contra 70% em 2004).

Gráfico 7. Evolução no número de Ofertas Públicas Iniciais (IPO) e no volume de recursos captados, 2004-2007*
60 70

60
50

50
40

40
R$ Bilhões

Nº de IPO
30

30

20
20

10
10

- 0
2004 2005 2006 2007

Volume Captado Volume Investidores Estrangeiros Nº de IPOs

Fonte: Bovespa ― Empresas ― IPO Recentes (http://www.bovespa.com.br/Principal.asp). Elaboração: Grupo de Conjuntura.


Nota: (*) Dados preliminares para 2007. Inclui IPO realizados até o dia 19 de dezembro.

Os estrangeiros também são os principais adquirentes das emissões primária e secundária das
empresas listadas. Em 2007, doze empresas captaram recursos na Bovespa. A participação dos inves-
tidores estrangeiros nessas operações superou 60% em oito desses lançamentos, chegando a 88% no
caso da Embraer e 93% da Gafisa, empresa líder do setor imobiliário que, tendo aberto capital em feve-
reiro de 2006, realizou nova captação de R$1 bilhão em março de 2006.
A grande maioria das ofertas iniciais deu-se sob a forma de emissões no segmento de listagem no
Novo Mercado, o qual oferece maior proteção ao direito dos acionistas. As primeiras aberturas de capital
foram realizadas por empresas líderes em seus mercados (por exemplo: Natura, Gol, Grandene, TAM, CPFL).
Em 2007, ingressaram no mercado acionário empresas menores dos setores do agronegócio, tecnologia de
informação e imobiliário, bem como bancos de médio e pequeno portes. Mencione-se, igualmente, a aber-
tura de capital da própria Bovespa e da BMF, que negocia com contratos futuros e derivativos.
Com o boom dos IPO em 2007, o número de empresas listadas na Bovespa passou de 347 em
novembro de 2006 para 404 em novembro de 2007, o que representa um incremento de 16,7%. A des-
peito de a Bovespa ser a maior bolsa de valores latino-americana em termos de empresas com ações
negociadas, seu tamanho é bem inferior ao de bolsas de valores de países com grau semelhante de de-

ECONOMIA BRASILEIRA

241
senvolvimento (Gráfico 8). Segundo os dados da Federação Mundial das Bolsas de Valores (WFE, na sigla
em inglês), em novembro de 2007: a bolsa da Tailândia contava com 522 empresas; a de Taiwan, com
695; a da Malásia, com 988; a Bolsa de Bombaim, com 4.879 empresas listadas, é a maior do mundo
segundo esse critério, superando as de Londres, Tóquio e Nova Iorque.

Gráfico 8. Número de empresas listadas em bolsas de valores (Posição em novembro de 2007)

5.250
5.000
4.750
4.500
4.250
4.000
3.750
3.500
3.250
3.000
2.750
2.500
2.250
2.000
1.750
1.500
1.250
1.000
750
500
250
0
Xangai
Tel-Aviv
Varsóvia

México

Suíça

Hong Kong
Santiago

Nova Iorque
Cingapura
Buenos Aires

Euronext1

Nasdaq
São Paulo

Taiwan
Istambul

Malásia

Coréia

Tóquio

Londres
Tailândia

Alemanha

Bombaim
Shenzhen

Fonte: World Federation of Exchanges (htpp://www.wfe.org) . Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Nota: (1) Euronext reúne as Bolsas de Paris, Amsterdã, Bruxelas e Lisboa.

O mesmo acontece em relação à capitalização total do mercado acionário brasileiro. Segundo da-
dos do Banco Mundial, o valor de mercado das empresas listadas na Bovespa saltou de 36% do PIB em
2001 para 45,7% do PIB em 2005, 56% em 2006 e para 79% do PIB em 2007, enquanto o valor total
negociado ampliou de 17,5% do PIB para 44,5% entre 2005-2007. Não obstante o aumento no volume e
no valor dos negócios, a capitalização do mercado acionário brasileiro ainda é incipiente, mesmo quando
comparado com o de países de grau de desenvolvimento semelhante ao do Brasil (Gráfico 9).
Além da conjuntura global excepcionalmente favorável, os movimentos do mercado acionário em
2006 e 2007 foram profundamente influenciados pela perspectiva de obtenção do investment grade, a
exemplo do que ocorreu no México e outros países em desenvolvimento. Na avaliação de profissionais do
mercado de capitais, a forte valorização das ações seria um reflexo da antecipação dos investidores ante
a obtenção próxima do grau de investimento.
Porém, em decorrência dos impactos da crise financeira norte-americana nos mercados globais, o
total de ofertas públicas iniciais de ações no mundo caiu 9% no segundo semestre de 2007 em relação
ao primeiro, enquanto as emissões de lotes adicionais de ações (chamados follow-on) caíram 17,4%.
Por essa razão, alguns analistas de bancos estrangeiros ressaltavam, no início de 2008, que o número
recorde de IPOs realizados na Bovespa em 2007, e que colocaram a bolsa brasileira no quarto lugar no
ranking mundial elaborado pela Thomson Financial, não deve se repetir (Lucchesi, 2008).

O mercado brasileiro de capitais no período 2003-2008: evolução e tendências

242
Gráfico 9. Países selecionados: capitalização do mercado doméstico de capitais em % do PIB (posição em
dezembro de 2007)

550%

500%

450%

400%

350%

300%

250%

200%

150%

100%

50%

0%

Áf rica do Sul
Polônia

Rússia

Índia
Argentina

Coréia

Cingapura
Indonésia

Malásia
Tailândia

Peru

Brasil
México

Chile

Canadá
China
Turquia

Espanha

Estados Unidos

Autrália
França
Alemanha

Suíça
Japão

Hong Kong
Taiwan
Israel

Reino Unido
Mercado Acionário Mercado de Títulos Privados 1
Fonte: World Bank. Elaboração: Grupo de Conjuntura - Fundap.

Fonte: World Bank (2008). Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Nota: (1) Títulos privados de dívida de longo prazo.

Como será visto a seguir, o agravamento da crise financeira global atingiu em cheio o mercado
de capitais brasileiro e, sobretudo, o mercado acionário, particularmente sujeito às oscilações do ciclo
internacional de liquidez e aos humores dos investidores estrangeiros.

A evolução do mercado primário de capitais em 2008


Após apresentar grande dinamismo no triênio 2005-2007, o mercado primário de capitais desace-
lerou em 2008. À exceção de notas promissórias, houve queda no número de emissão de todos os demais
instrumentos, com consequente redução no volume de recursos captados (Tabela 1). Em relação a 2007, o
volume total de recursos captados no mercado de capitais registrou variação nominal de –4%, declinando
do nível de recorde de R$ 124 bilhões para R$ 119 bilhões no acumulado até novembro de 20084. As que-
das mais expressivas ocorreram na captação via debêntures (–20%) e nas quotas de fundos de investimen-
to em participação (18%)5. Em contraste, o volume de recursos captados via emissão de notas promissó-
rias, título de dívida de curto prazo semelhante ao commercial paper, usado para financiamento de capital
de giro, cresceu 107% até novembro, saltando de R$ 9,7 bilhões em 2007 para R$ 20,2 bilhões.
A importância das notas promissórias, como fonte alternativa ao crédito bancário, aumentou, so-
bretudo a partir de abril, quando o Banco Central iniciou um novo ciclo de elevação da meta da taxa

4 Esse valor inclui recursos captados por outros instrumentos financeiros, além dos apresentados na Tabela 1, tal como Quotas de
Fundos de Investimento Imobiliário, Certificados de Recebíveis Imobilizados, Certificado de Audiovisual, Títulos de Investimento Coleti-
vo. Esses instrumentos respondem em conjunto por menos de 2% do total captado via emissão no mercado primário de capital.
5 De acordo com a Instrução CVM nº 391, de 16/7/2003, os fundos de investimentos em participação são constituídos sob a
forma de condomínio fechado, com prazo de duração e estratégia de saída definidos. Esses fundos podem adquirir participação
acionária em empresas fechadas ou de capital aberto (fundos de governança), com direito a participar do processo de tomada
de decisão da companhia investida, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão, notadamente
mediante a indicação de membros do Conselho de Administração.

ECONOMIA BRASILEIRA

243
Selic, que passou de 11,25% para 11,75%, atingindo 13,75% ao ano em outubro e permanecendo nesse
patamar até o final de 2008. Entre abril e agosto, as empresas captaram, mediante dezoito emissões
de notas promissórias, cerca de R$ 11,1 bilhões. Ante a contração do crédito por parte dos bancos, as
empresas fizeram uso de notas promissórias para captar R$ 4,2 bilhões.

Tabela 1. Emissões no mercado primário por tipo de instrumento


QUOTAS DE
FUNDOS DE
NOTAS QUOTAS DE FIDC
AÇÕES1 DEBÊNTURES INVESTIMENTO TOTAL
PROMISSÓRIAS / FIC – FIDC2
INSTRU- EM PARTICIPA-
MENTO/ ÇÕES
DATA
Nº de Capta- Nº de Capta- Nº de Capta- Nº de Capta- Nº de Capta- Nº de Captação
Emis- ção (R$ Emis- ção (R$ Emis- ção (R$ Emis- ção (R$ Emis- ção (R$ Emis- (R$ mi-
sões milhões) sões milhões) sões milhões) sões milhões) sões milhões) sões lhões)

2006 29 14.223 47 69.464 17 5.279 63 12.777 22 4.776 178


106.519
2007 59 33.136 43 46.534 20 9.726 65 9.962 77 22.264 264
121.622
2008
Jan. 0 0 6 16.570 1 430 2 110 5 1.300 14 18.410
Fev. 1 21 5 15.673 2 1.330 4 219 3 555 15 17.798
Mar. 0 0 0 0 2 360 7 1.018 6 3.824 15 5.202
Abr. 4 5.275 3 350 4 4.070 5 1.075 6 1.651 22 12.421
Mai. 0 0 0 0 7 26 2 101 3 512 12 639
Jun. 2 6.970 2 480 2 1.150 9 2.445 8 3.056 23 14.101
Jul. 1 19.434 7 3.824 4 2.275 6 743 5 337 23 26.613
Ago. 0 0 0 0 1 3.600 5 1.756 8 2.368 14 7.724
Set. 0 0 0 0 1 50 8 1.353 3 700 12 2.103
Out. 1 448 2 561 4 1.190 6 331 8 3.417 21 5.947
Nov. 0 0 0 0 4 3.090 4 367 4 633 12 4.090
Acumulado
9 32.148 25 37.459 32 20.170 58 9.515 59 18.353 183 117.645
no ano

Fonte: CVM. Informativo CVM nov. 2008. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Notas: (1) Inclui emissão em ofertas públicas iniciais. (2) Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios.

No que se refere à redução nas emissões de debêntures, muito contribuiu a introdução, pelo Con-
selho Monetário Nacional, no final de janeiro de 2008, de um recolhimento compulsório gradual de 5%,
previsto para atingir 25% em março de 2009, sobre os depósitos bancários das empresas de leasing.
Essa medida foi adotada com o objetivo de frear a concessão de crédito bancário, principalmente para
pessoas físicas (que vinha crescendo a uma taxa superior a 20% ao ano) e, assim, desestimular a de-
manda interna e evitar pressões inflacionárias. Isto porque, para escapar do recolhimento de depósitos
compulsórios e contribuições para o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) que incidem sobre os recursos
captados via certificado de depósito bancário (CDB), os bancos utilizaram intensamente suas empresas
de leasing para captar recursos via emissão de debêntures no período 2005-2007.

O mercado brasileiro de capitais no período 2003-2008: evolução e tendências

244
A crise de confiança no sistema bancário das economias avançadas e a consequente contração de li-
quidez no mercado financeiro internacional repercutiram fortemente no mercado de debêntures, uma vez que
as empresas tiveram que competir pela captação de recursos domésticos com os bancos que elevaram as
taxas de juros dos certificados de depósito (CDB). No segundo semestre, com o agravamento da crise e a res-
trição do crédito doméstico, desencadeada pela preferência pela liquidez e absoluta aversão ao risco por parte
dos bancos ante a emergência de perdas das empresas com derivativos de câmbio, apenas duas emissões
foram realizadas: a da Sabesp e da Duke Energy, ambas no mês de outubro6. Para captar R$ 220 milhões, a
Sabesp ofereceu a maior remuneração já vista nesse mercado: 120% do CDI (Silva Jr. e Traveglini, 2008).
No mercado acionário, o número de emissões diminuiu consideravelmente, caindo de 59 em
2007 para apenas nove em 2008 (variação de –84%). Porém, a queda no volume de recursos capta-
dos foi de apenas 3%, em razão da bem-sucedida abertura de capital da empresa de petróleo OGX em
junho e da emissão adicional (follow on) realizada pela Companhia Vale do Rio Doce, no mês de julho
(Gráfico 10), que se beneficiaram das expectativas dos investidores de alta lucratividade em decor-
rência da forte elevação das cotações internacionais das commodities primárias ao longo do primeiro
semestre de 2008.

Gráfico 10. Evolução da captação na Bovespa (R$ bilhões)

70,1

55,6
R$ Bilhões

33,2
30,4

25,7

15,4 15,1 14,5

7,5

2006 2007 2008*


Fonte: BM&FBovespa. Elaboração Grupo de Conjuntura da Fundap. IPO Follow on Total * Acumulado no ano até novembro.

Fonte: BM&F Bovespa. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

O aprofundamento da crise financeira nas economias avançadas afetou diretamente a abertura


de capital das empresas brasileiras. O movimento de deflação dos ativos financeiros nas economias
centrais ocasionou forte perda patrimonial dos investidores. Para compensar as perdas incorridas em
seus países de origem, a exemplo do que se verificou em outros países em desenvolvimento, os inves-
tidores estrangeiros realizaram lucros e saíram da Bovespa, o que redundou em queda dos preços das

6 Segundo a Andima (BOLETIM TÉCNICO..., 2008), foram realizadas, no bimestre setembro-outubro, outras quatro emissões de
debêntures não registradas na CVM, com volume total captado de R$ 750 milhões.

ECONOMIA BRASILEIRA

245
ações e maior volatilidade no mercado. Em consequência, o número de oferta pública inicial (IPO) de-
sabou para quatro em 2008 (64 em 2007), e o volume de recursos captados pelos novos ingressantes
no mercado acionário primário declinou de R$ 55,6 bilhões para apenas R$ 7,5 bilhões.
Com o bom desempenho do mercado acionário em 2007 e a expectativa de obtenção do grau
de investimento pelo Brasil em 2008 (que efetivamente ocorreu no final do mês de abril 7, quando a
Standard & Poor’s elevou o rating do país de BB+ para BBB–, o primeiro da escala da agência para
o grau de investimento recomendado ― não especulativo ―, seguido pela Fitch Ratings no dia 29 de
maio),­várias empresas deram entrada, na Comissão de Valores Mobiliários, na documentação para
abrir capital. Porém, em razão do agravamento da crise financeira nos Estados Unidos e na Europa
em 2008, apenas quatro empresas mantiveram seus planos: Nutriplant, Hypermarcas, Le Lis Blanc
e OGX Petróleo e Gás Participações (Tabela 2). De propriedade do empresário Eike Batista, a OGX
realizou, no dia 13 de junho, a maior oferta pública inicial da história da Bovespa, ao captar R$ 6,7
bilhões, superando a da Bovespa Holding – que havia levantado R$ 6,6 bilhões em novembro de
2007 (OGX..., 2008)8.

Tabela 2. IPO realizados em 2008

Segmento de Volume em Número de


Data Empresa
Listagem R$ milhões Investidores
Fevereiro Nutriplant Bovespa Mais* 21 2
Abril Hypermarcas Novo Mercado 612 13.008
Abril Le Lis Blanc Novo Mercado 150 273
Junho OGX Petróleo Novo Mercado 6.712 1.377

Fonte: BM&F Bovespa. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Nota: (*) Bovespa Mais é um segmento de listagem no âmbito do mercado de balcão, organizado e administrado pela
Bovespa. A emissão da Nutriplant, empresa de fertilizante, inaugurou esse segmento no dia 13 de fevereiro.

A obtenção do investiment grade gerou forte otimismo no mercado acionário brasileiro, que regis-
trou expressiva valorização, com o Ibovespa ultrapassando o patamar de 70 mil pontos em reais e 40
mil em dólar (Gráfico 11). Contudo, foi breve a euforia associada ao grau de investimento e às emissões
bem-sucedidas da OGX e da Vale. Com a queda nos preços das principais commodities a partir de agosto
e com o agravamento da crise financeira internacional, a Bovespa não conseguiu sustentar o dinamismo:
o Ibovespa9 recuou para 36 mil pontos em reais no mês novembro (16 mil pontos em dólar), seu nível
mais baixo desde agosto de 2006.
O menor dinamismo e a forte volatilidade da Bovespa, associados à saída de investidores estran-
geiros do mercado acionário, afetaram os planos de abertura de capital de 46 companhias. Desse total,

7 Em 2008, a Moody’s, terceira das três principais agências internacionais de rating, não concedeu grau de investimento ao Bra-
sil. Na escala dessa agência, o Brasil permaneceu com nota “Ba1, o último degrau antes de chegar ao grau de investimento”.
8 Ao contrário das outras três empresas que estrearam com queda na Bovespa, as ações da OGX valorizaram 18% no seu primeiro dia,
gerando forte otimismo dos analistas e investidores. Contudo, a euforia suscitada pelo IPO bem-sucedido da OGX foi bastante efêmera.
Com a queda vertiginosa do preço do petróleo no mercado internacional, as ações da OGX desabaram. Até o início de novembro, as ações
dessa empresa já haviam caído 81% comparativamente ao valor da sua estreia na Bovespa em 13 de junho (Junior, 2008).
9 Criado em 1968, o Ibovespa é o índice de uma carteira teórica de ações, que inclui, atualmente, os papéis de 59 empresas mais
negociados no mercado acionário brasileiro.

O mercado brasileiro de capitais no período 2003-2008: evolução e tendências

246
dezenove já tinham obtido autorização da CVM para realizar oferta pública inicial em 2008. Como a ma-
nutenção do registro de companhia aberta é onerosa, quatro empresas ­(Infinity-Bioenergia, Imcopa, MB
Engenharia e T4F) efetuaram o cancelamento do registro junto à CVM (Valenti, 2008).

Gráfico 11. Evolução do Ibovespa (número de pontos)

80.000

70.000

60.000

Brasil obtém
50.000 Investment grade
Nº Pontos

40.000

30.000

20.000

10.000

-
fev/07

fev/08
out/06

out/07

out/08
jul/07

jul/08
abr/07

abr/08
nov/06

dez/06

nov/07

dez/07

nov/08
jan/07

jun/07

set/07

jan/08

jun/08

set/08
ago/07

ago/08
mar/07

mar/08
mai/07

mai/08
IBOVESPA R$ IBOVESPA US$

Fonte: Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap

A elevação da meta da taxa Selic, a partir de abril, representou um desestímulo adicional à abertura
de capitais. O aumento da meta da taxa básica de juros tornou o mercado de títulos da dívida pública federal
mais atrativo aos investidores que buscam maior remuneração e menor risco, ocasionando um movimento
de recomposição das carteiras de aplicações, com os investidores estrangeiros liquidando posições na
bolsa e adquirindo títulos públicos federais. Comprova essa troca de posição o fato de que os investimentos
estrangeiros de portfólio mantiveram-se em trajetória de expansão até o mês de junho. De acordo com os
dados da CVM, o valor da carteira dos investimentos estrangeiros no mercado de capitais brasileiro passou
de US$ 214 bilhões em dezembro de 2007 para US$ 260 bilhões em junho. Porém, a participação dos in-
vestimentos em ações no total declinou de 77,4% para 74,6%, enquanto a parcela de investimento em ren-
da fixa subiu de 19% para 22,6% no mesmo período, estimulado pelo aumento do diferencial de juros10.
Com o aprofundamento da crise internacional no segundo semestre ― e, sobretudo, após a falên-
cia do Lehman Brothers em meados de setembro ―, os ingressos líquidos de investimento estrangeiro de
portfólio no mercado de capitais brasileiro também se tornaram negativos. Contudo, enquanto a saída
líquida dos investimentos de portfólio foi de apenas US$ 1 bilhão até novembro de 2008 (contra entrada
líquida de US$ 34 bilhões em 2007), a saída líquida de recursos de investidores estrangeiros no mercado
acionário brasileiro atingiu US$ 13 bilhões (Gráfico 12), confirmando a maior dependência desse merca-
do à liquidez internacional.

10 Enquanto os principais bancos centrais das economias avançadas realizavam cortes sucessivos nas metas das taxas básicas
de juros, o Banco Central do Brasil elevava a meta da taxa Selic, ampliando o diferencial dos juros domésticos em relação aos
juros internacionais.

ECONOMIA BRASILEIRA

247
Gráfico 12. Evolução do fluxo líquido de investimento estrangeiro no mercado de capitais
45.000

35.000

25.000
US$ milhões

15.000

5.000

-5.000

-15.000
Dec-06 Dec-07 Acum. Jan-nov/08

Investidores estrangeiros em Bolsa Investimento de portf ólio estrangeiro (liq.)

Fonte: Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap


Nota: Valores acumulados no ano

OS efeitoS do aprofundamento da crise financeira sobre o mercado


acionário brasileiro
Na sequência da falência do Lehman Brother, intensificou-se o movimento de saída dos inves-
tidores estrangeiros da Bovespa, o que se traduziu em forte queda dos preços das ações. Refletindo
esse recuo, o Ibovespa caiu 55,8 mil pontos em agosto para 49,5 mil pontos em setembro, despen-
cando para 37,2 mil pontos em outubro (Gráfico 11). Mesmo as duas principais estrelas do Ibovespa
―­Petrobrás e Vale do Rio Doce ―­sofreram os impactos da deflação de ativos que atingiu os mercados
financeiros globais e da reversão da alta dos preços das commodities, em agosto. De acordo com
informações divulgadas na imprensa, o valor de mercado dessas duas empresas registrava redução
de R$ 381,7 bilhões no dia 24 de novembro, em comparação com o valor registrado em fins de 2007
(Loturco, 2008). Das 59 empresas que compõem a cesta de ações do Ibovespa, apenas dez não
acumulavam perdas no ano.
A Bovespa registrou, igualmente, queda nos volumes diários de negócios, em particular com ações
das empresas que abriram capital nos últimos quatro anos. De acordo com levantamento realizado pelo
jornal Valor Econômico, no início de dezembro, ações de 31 empresas estavam sem liquidez. Além da
baixa liquidez dos papéis, as empresas recém-chegadas viram o preço de suas ações despencar, o que
motivou o lançamento de programas de recompra (Ragazzi, 2008).
A abrupta desvalorização do real em relação ao dólar, com variação da taxa de câmbio em 22,7%
entre 15 de setembro e 15 de outubro, também contribuiu para a fuga dos investidores estrangeiros
do mercado acionário. Em movimento inverso ao observado nos ciclos de alta dos ativos, quando a
apreciação cambial representou um ganho adicional para os investidores estrangeiros, em momentos
de deflação, a desvalorização do câmbio representou perda adicional em dólares.

O mercado brasileiro de capitais no período 2003-2008: evolução e tendências

248
Nesse contexto, houve uma importante alteração na composição dos investidores na Bovespa.
Entre 2006 e 2007, no auge do ciclo de liquidez internacional, os investidores internacionais dominavam
a Bovespa, respondendo por mais de 35% do mercado. Com o agravamento da crise ao longo de 2008, a
participação desses investidores caiu para 33,5% em novembro, mas permaneceu expressiva. Também
liquidaram posições no mercado acionário os investidores institucionais nacionais (fundos de pensão,
fundos mútuos de investimento e seguradoras) e as instituições financeiras, com consequente redução
de participação na Bovespa (Gráfico 13). As pessoas físicas, por sua vez, atraídas pela expressiva valori-
zação das ações em 2007 e no primeiro semestre de 2008, aumentaram sua participação de 21,7% em
dezembro de 2007 para 34% em novembro de 2008.

Gráfico 13. Evolução da participação dos investidores na Bovespa (em %)

35,2
34,1 34,0 33,5

29,9
27,4

23,9 23,8
% 21,7

12,6
9,8

5,4

dez/06 dez/07 nov/08

Pessoas Físicas Investidores Institucionais1 Investidores Estrangeiros Instituições Financeiras

Fonte: Bovespa. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap


Nota: (1) Inclui fundos de pensão, seguradoras e fundos mútuos de investimento.

À semelhança do que ocorreu em vários países periféricos e nas economias avançadas, cujas mo-
edas se desvalorizaram em relação ao dólar, a variação no valor de mercado das empresas listadas na
Bovespa foi mais expressiva em dólar (–55,9%) do que em real (–43,2%), ambas em relação a novembro
de 2007 (Gráfico 14).
Entre os meses de agosto e novembro de 2008, de acordo com os dados da Federação Mundial de
Bolsas de Valores (WFE, na sigla em inglês), o mercado acionário mundial encolheu 36,3%, com o valor
de mercado das ações negociadas declinando de US$ 49 trilhões para US$ 31,2 trilhões. Em compara-
ção com as principais bolsas de valores do mundo (Gráfico 15), a Bovespa foi a que registrou a mais forte
retração no valor de mercado em dólar nesse período: –51,4% (–23,1% da Bolsa de Tóquio e –32,4% da
Bolsa de Nova Iorque).
Mesmo com a queda no preço das ações e a forte e abrupta depreciação do real, a Bovespa mantém-
se entre as maiores bolsas de valores do mundo. Como a retração no mercado indiano foi mais severa em
2008, a Bovespa subiu para a 13ª posição no ranking mundial de capitalização de mercado (Gráfico 16).

ECONOMIA BRASILEIRA

249
Gráfico 14. Países selecionados: variação do valor do mercado acionário doméstico
(nov. 2008/nov. 2007)

0%

-10%

-20%

-30%

-40%
-40,9%
-43,2% -43,7%
-50%

-55,9% -55,9%
-60%

-64,7% -65,1%
-70%

Varsóvia
Euronext1

Istambul

Bombaim
Coréia
Londres

Cingapura
Malásia

Nasdaq

Alemanha
Suíça

Tailândia

Xangai
México
Nova Iorque
Santiago
Buenos Aires

Hong Kong
Tóquio

Taiwan

São Paulo
Tel-Aviv

Shenzhen

Em US$ Em Moeda Doméstica

Fonte: World Federation of Exchanges (WFE). Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap


Nota: 1. Euronext reúne as Bolsas de Paris, Amsterdã, Bruxelas e Lisboa.

Gráfico 15. Bolsas de valores selecionadas: variação do valor de mercado em US$

-55,9%
BM&FBOVESPA
-51,4%

-54,7%
Euronext1
-40,7%

-52,1%
Londres
-38,1%

-43,4%
Nasdaq
-37,7%

-54,1%
Hong Kong
-36,3%

-40,9%
Nova Iorque
-32,4%

-36,3%
Toquio
-23,1%

Variação nov08/nov07 Varição nov/ago

Fonte: World Federation of Exchanges (WFE). Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Nota: Euronext reúne as Bolsas de Paris, Amsterdã, Bruxelas e Lisboa.

O mercado brasileiro de capitais no período 2003-2008: evolução e tendências

250
Gráfico 16. Países selecionados: valor do mercado acionário doméstico em novembro de 2008

10.000

9.000

8.000

7.000

6.000
US$ Bilhões

5.000

4.000

3.000

2.000

1.000

Bombaim
Varsóvia

Malásia

Austrália

Suíça

Xangai
México
Santiago

Nova Iorque
Hong Kong

Euronext1

Tóquio
Istambul

Coréia

BME - Espanha
Cingapura

São Paulo
Tel-Aviv

Londres

Nasdaq
Alemanha
Tailândia

TSX - Canadá
Buenos Aires

Taiwan
Shenzhen

Fonte: World Federation of Exchanges (WFE). Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap


Nota: Euronext reúne as Bolsas de Paris, Amsterdã, Bruxelas e Lisboa.

Considerações finais
A evolução do mercado de capitais brasileiro e, em particular, do mercado acionário, ao longo
de 2008, mostra que, não obstante o grande dinamismo registrado no triênio 2005-2007, esse mer-
cado ainda não se consolidou como fonte alternativa efetiva de financiamento para as empresas. A
oferta de recursos nesse mercado permanece extremamente vulnerável às oscilações do ciclo inter-
nacional de liquidez e aos humores dos investidores estrangeiros, que se traduz em forte volatilidade
das cotações.
Os efeitos da deflação dos ativos em decorrência da crise financeira e da profunda recessão
nas economias avançadas já começaram a se fazer sentir nas economias periféricas, como a brasi-
leira e as asiáticas (China e Índia). Um contexto de deterioração das expectativas, de fraco desem-
penho econômico e de incerteza associada à volatilidade do câmbio não favorece o dinamismo do
mercado de capitais. Em 2009, não deverá ocorrer substancial alteração nesse cenário, sobretudo
porque as diversas iniciativas do governo para abrandar os efeitos da crise sobre o nível de atividade
não parecem ser suficientes para evitar a desaceleração da economia brasileira. Portanto, é muito
pouco provável que as empresas busquem captar recursos no mercado de capitais e, em particular,
no mercado acionário, que deve permanecer com alta volatilidade associada a movimentos de rea-
lização de lucros.
Os dados de comparação internacional indicam, igualmente, que há ainda um longo caminho
a ser percorrido pelo mercado de capital brasileiro, em particular o acionário, para sua consolidação
como fonte efetiva de financiamento para as empresas.

ECONOMIA BRASILEIRA

251
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O mercado brasileiro de capitais no período 2003-2008: evolução e tendências

252
O COMÉRCIO EXTERIOR
BRASILEIRO EM 2007

Daniela Magalhães Prates

o
s principais resultados do comércio exterior brasileiro em 2007, tema desta nota, são tratados
com ênfase na evolução dos preços e das quantidades exportadas e importadas1. Com esse in-
tuito, apresenta-se, na primeira seção, um panorama geral do comércio exterior brasileiro, desta-
cando seus principais condicionantes. Na segunda seção, detalha-se o desempenho das exportações por
classe de produtos; e, na terceira seção, o desempenho das importações por categoria de uso. Seguem-
se, então, algumas considerações finais.

O Comércio Exterior em 2007: um panorama geral


Em 2007, o comércio exterior brasileiro foi superavitário em US$ 40 bilhões, como resultado do total
das exportações e das importações de, respectivamente, US$ 161 bilhões e US$ 121 bilhões. Enquanto os
valores das vendas e das compras externas atingiam recordes históricos, o saldo, apesar de ainda elevado,
retraiu-se em 13% em relação a 2006. Esse constituiu o primeiro recuo desde 2002, quando a balança
comercial brasileira tornou-se novamente superavitária, após ter acumulado déficits sucessivos, entre 1995
e 2001, decorrentes da combinação de uma taxa de câmbio apreciada com o aprofundamento da abertura
comercial, dois pilares do Plano Real. Os superávits acumulados a partir de então resultaram de três fato-
res: (i) dos estímulos das desvalorizações cambiais (em 1999, 2001 e 2002); (ii) do crescimento do comér-
cio mundial após 2003; e (iii) do baixo crescimento econômico doméstico (exceto em 2004 e 2007).
O recuo do saldo, em 2007, decorreu do maior dinamismo das compras externas vis-à-vis as ven-
das externas. A diferença entre as taxas de crescimento das importações e das exportações, a favor das

1 Neste artigo, foram utilizadas informações disponíveis até 21 de fevereiro de 2008.

ECONOMIA BRASILEIRA

253
primeiras, que já havia sido registrada em 2006, ampliou-se em 2007. Se, em 2006, as importações ha-
viam crescido 24% e as exportações, 16%, em 2007 as exportações mantiveram praticamente a mesma
taxa de expansão, enquanto as compras externas aumentaram 32% (Gráficos 1 e 2).

Gráfico 1. Valor das exportações, importações e do Gráfico 2. Taxa de crescimento das exportações,
saldo comercial importações e do saldo comercial

180 45
161 32 30 36 33 32
160 35
137 24
140 23
118 121 25 17 17
16
120
96 91 15

em %
US$ bilhões

100 3
74 5
80 63
60 45 46 -5
34 40
40 -15
-13
20 -25
0
2004 2005 2006 2007
2004 2005 2006 2007

Exportação Importação Saldo Exportação Importação Saldo

Fonte: MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap Fonte: MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap

É importante examinar tanto os determinantes do maior dinamismo importador como a manuten-


ção de uma taxa ainda elevada de crescimento das exportações, a despeito da continuidade do processo
de apreciação cambial (Gráfico 3). A forte expansão das importações está associada a essa apreciação,
que torna mais baratos os produtos importados em relação aos produzidos internamente, assim como ao
maior crescimento econômico em 2007.

Gráfico 3. Taxa de câmbio nominal e real


95

90

85

80
J ulho 2004 = 100

75

70

65

60

55
fev/05

fev/06

fev/07
nov/05

nov/06

nov/07
s et/05

s et/06

s et/07
mar/05

mar/06

mar/07
jan/05

abr/05
mai/05

jan/06

abr/06
mai/06

jan/07

abr/07
mai/07
dez/05

dez/06

dez/07
jul/05

jul/06
jun/05

jul/07
jun/06

jun/07
ago/05

ago/06

ago/07
out/05

out/06

out/07

Taxa de c âmbio multilateral Taxa de c âmbio real E UA Taxa de c âmbio nominal

Fonte: Banco Central do Brasil e Funcex. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

O Gráfico 4 mostra que esse crescimento ancorou-se, sobretudo, na expansão da demanda priva-
da (consumo das famílias e investimento), o que resultou no aumento generalizado das importações (ver
terceira seção).

O COMÉRCIO EXTERIOR BRASILEIRO EM 2007

254
Gráfico 4. PIB – Componentes da demanda: variação acumulada no ano
25

19,8
20
18,4

15,3
15
13,3
12,6
em %

9,8
10 9,1 9,3
8,5

6,9
5,7 6,0
5,5 5,2 5,2 5,0
4,5
5 4,0 3,8 4,1
3,6
3,2
2,3 2,6

0
PIB pm Consumo das Consumo do Formação bruta de Exportação Importação
famílias governo capital

IV.2004 IV.2005 IV.2006 III.2007

Fonte: IBGE. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Por sua vez, a expansão de 17% das exportações entre 2006 e 2007, em um contexto de taxa de
câmbio real apreciada e maior dinamismo do mercado interno, foi propiciada pela evolução favorável do
comércio mundial em termos de quantidade e, sobretudo, de preço. Como mostram os Gráficos 5 e 6,
houve uma desaceleração da taxa de crescimento do volume desse comércio em relação aos três anos
anteriores (provavelmente como reflexo da desaceleração da economia norte-americana), mas a taxa ain-
da se manteve elevada (6,6%, segundo estimativa do FMI), enquanto as cotações das commodities per-
sistiram em sua trajetória altista, como revela a evolução do índice Commodity Research Bureau (CRB),
que acompanha o preço das 19 principais commodities negociadas no mercado internacional. Ou seja,
o choque externo benigno no âmbito do comércio mundial, que beneficiou as vendas externas brasileiras
desde 2003, continuou vigorando em 2007.

Gráfico 5. Taxa de crescimento do volume Gráfico 6. Índice de Preços das Commodities


do comércio mundial

500
12,0
10,8 450

400
10,0 9,2
350
jan/01=100

8,0 7,5 300


6,6 250
em %

6,0 200

150

4,0 100
nov/05

nov/06

nov/07
jul/05

jul/06

jul/07
jan/05

mai/05

jan/06

mai/06

jan/07
set/05

mai/07
set/06
mar/05

set/07
mar/06

mar/07

2,0
Comodities metálicas Matérias-primas industriais
Grãos e óleos vegetais Índice de alimentos
0,0
Petróleo Índice Reuters- CRB
2004 2005 2006 2007*

Fonte: FMI. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap. Fonte: Commodity Research Bureau.
Nota: * Previsão. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

ECONOMIA BRASILEIRA

255
Tal como está detalhado na seção seguinte, a alta dos preços das principais commodities exporta-
das pelo Brasil (minério de ferro e soja, por exemplo), que resultou em expressiva melhora dos termos de
troca do país (Gráfico 7), constitui um dos fatores explicativos da relação sui generis entre exportações e
taxa de câmbio real no biênio 2006-2007.

Gráfico 7. Índice de Termos de Troca


103

101

99

97
jul1995=100

95

93

91

89

87

85
jul/04

jul/05

jul/06

jul/07
jan/07
jan/04

jan/05

jan/06

set/07
mai/04

set/04

mai/05

set/05

mai/06

set/06

mai/07
mar/07
mar/04

mar/05

mar/06
nov/04

nov/05

nov/06
Fonte: Funcex. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

As exportações por classe de produto


A análise da pauta de exportação por classe de produto contribui para elucidar os determinantes da tra-
jetória das vendas externas em 2007, revelando a influência das duas dimensões do choque externo benigno
nesta trajetória (alta dos preços das commodities e demanda externa pujante, sobretudo da China). Em 2007,
como já foi destacado, as exportações registraram, novamente, taxa de crescimento expressiva (ver Gráficos 2
e 8), a despeito do processo de forte apreciação do real e de maior crescimento do mercado interno.
Assim como em 2006, esse desempenho ancorou-se, principalmente, na variação dos preços,
que atingiu 10,5%, ante a taxa de somente 5,5% de crescimento do quantum. Isso significa que as varia-
ções dos preços e do quantum contribuíram com 66% e 33%, respectivamente, para o crescimento das
exportações (Gráficos 8 e 9). Como destaca o IEDI (2008), há uma diferença marcante entre os biênios
2006/2007 e 2004/2005. Os preços aumentaram em percentuais praticamente idênticos nos dois pe-
ríodos, mas o desempenho do quantum foi bastante distinto. Como em 2004 e em 2005 o patamar da
taxa de câmbio era mais favorável ao exportador, as variações de volume foram igualmente mais expres-
sivas do que as variações de preços, sobretudo no setor manufatureiro. Em 2004, a variação do volume
de vendas para o exterior chegou a 19,2%, sendo que a taxa alcançou 26,1% no setor manufatureiro.
A maior contribuição dos preços à performance das exportações em 2007 foi observada nas três
classes de produtos. No caso dos básicos, as contribuições das variações de preço e quantum à expan-
são de 28% do valor exportado foram de, respectivamente, 52% e 42%.
A maior taxa de crescimento do quantum – de 11,8%, contra o percentual de 6,1% em 2006 –
decorreu do aumento das quantidades exportadas de minério de ferro (+11,1%) e de óleos brutos de

O COMÉRCIO EXTERIOR BRASILEIRO EM 2007

256
Gráfico 8. Valor, Preço e Quantum das Exportações por Classe de Produto
35

30

25

20
em %

15

10

0
Valor Preço Quantum Valor Preço Quantum Valor Preço Quantum Valor Preço Quantum
Total Básicos Semi-manufaturados Manufaturados
2004 32,0 10,9 19,1 34,7 18,9 13,3 22,7 14,5 7,2 33,5 6,0 26,1
2005 21,1 12,1 9,4 24,9 13,7 7,1 22,1 11,8 6,3 20,2 11,0 10,8
2006 16,2 12,5 3,3 16,0 9,4 6,1 22,3 18,1 3,5 14,7 12,4 2,2
2007 16,9 10,5 5,5 28,1 14,5 11,8 11,7 10,9 0,7 12,3 8,4 3,2

Fonte: Funcex. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Gráfico 9. Contribuições das Variações de Preço e Quantum ao Crescimento das Exportações


100

92
93
88

90
79

78
80 75

68
70
64
63

63
62

60

60
54
53

52
em %

48

47
50
42
41

38

40
34

33
33
33

32
29

28
27

26
26

30

20 18

10
6

0
Preço Quantum Preço Quantum Preço Quantum Preço Quantum
Total Básicos Semi-manufaturados Manufaturados

2004 2005 2006 2007

Fonte: Funcex. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

petróleo (+14,5%) – os dois principais produtos básicos exportados pelo Brasil, responsáveis por 20,5% e
17,3% da pauta desses bens, seguidos pela soja (participação de 13%) –, bem como de carne de frango,
carne bovina, fumo e milho (cujas quantidades exportadas cresceram 177%, devido à queda da safra em
2006). Todavia, o desempenho dos preços dos básicos foi ainda mais favorável (+14,5% ante a variação
de 9,4% em 2006) – graças, sobretudo, à alta das cotações da soja (24,6%), de óleos brutos de petróleo
(+12,8%) e do minério de ferro (6,2%). Conjuntamente, esses três produtos (minério de ferro, óleos brutos
de petróleo e soja) respondiam por 55% da pauta de produtos básicos.
No caso dos semimanufaturados, a contribuição dos preços para o crescimento do valor exportado
atingiu, em 2007, 93%, impulsionada pela persistência da trajetória ascendente dos preços dos produtos de-
rivados de commodities, como pastas químicas de madeira (+15,4%), produtos semimanufaturados de ferro e
aço (+15,6%), couros e peles (+22,7%), ferro fundido em bruto e ferro “spiegel” (+19,7%), ferro-ligas (+79,1%)

ECONOMIA BRASILEIRA

257
e óleo de soja em bruto (45,3%). Conjuntamente, esses bens respondem por 70% da pauta dessa classe de
produtos. Já a variação do quantum foi praticamente nula, o que explica a sua contribuição de somente 6%
ao crescimento de 11,7% das exportações desses bens. A significativa discrepância entre as taxas de cresci-
mento do quantum exportado de básicos (11,8%) e semimanufaturados (0,7%) revela que a demanda externa
pelas commodities exportadas pelo Brasil (concentrada na China) tem-se direcionado para produtos brutos
(como minério de ferro, óleos brutos de petróleo e soja em grão), que não passam por nenhum processo de
beneficiamento e, assim, têm baixíssimo valor agregado. Dentre os principais produtos semimanufaturados
exportados pelo país, mencionados acima, somente dois (pastas químicas de madeira e óleo de soja em bru-
to) tiveram aumento das quantidades exportadas (de, respectivamente, +5,3% e +1,5%).
Resta esclarecer o desempenho das exportações de manufaturados, as quais, mesmo sendo mais
sensíveis à evolução do câmbio real e à taxa de crescimento econômico interna, mantiveram um ritmo
de expansão relativamente elevado (+12,3%), associado, principalmente, ao crescimento dos preços
(+8,4%) e, em menor medida, do quantum (+3,2%). Enquanto o crescimento pouco expressivo do quan-
tum reflete, exatamente, os condicionantes internos desfavoráveis ao crescimento das vendas externas
(câmbio apreciado e demanda doméstica aquecida), a evolução favorável dos preços dessa classe de
produto decorre, em parte, da inclusão, na categoria de manufaturados, de alguns produtos que são com-
modities e cujos preços também se elevaram, dentre os quais: laminados planos de ferro e aço (+25,6%),
óleos combustíveis (+18,2%), gasolina (+11,7%) e suco de laranja congelado (+47,3%).
A mudança da composição da pauta de bens manufaturados estrito senso (ou seja, produtos ge-
nuinamente industrializados), entre 2006 e 2007, também contribuiu para explicar essa evolução. Por
um lado, elevou-se nesse período a participação de aviões, o produto de maior preço médio dessa pauta.
Por outro lado, também cresceu a participação de alguns produtos cujos preços médios aumentaram no
biênio, tais como motores, geradores, transformadores elétricos e suas partes (+14,6%), tratores (8,3%).
A alta desses preços deve estar associada à estratégia adotada pelas empresas desses setores, que re-
ajustarem seus preços no mercado externo, procurando compensar ou atenuar a perda de rentabilidade
decorrente da evolução adversa da taxa de câmbio. O fato de as exportações desses bens, de maior valor
agregado e conteúdo tecnológico, direcionarem-se, principalmente, para os países da América Latina
certamente contribuiu para o êxito da estratégia, dado o maior poder de formar preços dos produtores
brasileiros nesses mercados (vis-a-vis ao mercado norte-americano), num contexto de aceleração do
crescimento econômico (associado à conjuntura de alta de preços das commodities, que beneficiou os
países da região, sobretudo Chile, Peru e Venezuela).

Importações por Categoria de Uso


A análise mais detalhada das importações será feita a partir de sua classificação por categoria
de uso. Essa abertura permite apreender de forma mais precisa as relações entre o desempenho das
compras externas e seus principais determinantes – quais sejam, a trajetória da taxa de câmbio e o cres-
cimento econômico doméstico (ver primeira seção).
Ao contrário das exportações, o forte crescimento do valor das importações (32%), em 2007, de-
correu, sobretudo, da expansão das quantidades, que atingiu 22%, ante a variação de 8,2% dos preços
(Gráfico 10). As contribuições das variações do quantum e dos preços para esse crescimento foram de,

O COMÉRCIO EXTERIOR BRASILEIRO EM 2007

258
respectivamente, 68,8% e 25,8%. Vale destacar que, somente em 2004, a taxa de crescimento do quan-
tum importado aproximou-se desse percentual (18,3%). Naquele ano, o PIB cresceu a uma taxa superior
(5,7%) à nossa estimativa para 2007 (5,2%).

Gráfico 10. Valor, preço e quantum das importações por categoria de uso
80

70

60

50
em %

40

30

20

10

0
Valor Preço Quant. Valor Preço Quant. Valor Preço Quant. Valor Preço Quant. Valor Preço Quant. Valor Preço Quant.
Total Bens de Capital Bens Intermed. BC Duraveis BC Ñ-Duráveis Combustíveis
2004 30,1 9,9 18,3 7,5 -2,4 10,3 32,2 9,0 21,2 23,2 -3,9 27,9 15,0 6,8 7,8 54,2 30,6 17,8
2005 17,2 11,2 5,4 29,0 5,8 21,6 13,7 7,4 5,9 38,2 1,9 35,7 19,7 9,2 9,5 18,3 35,1 -12,7
2006 24,3 6,9 16,1 25,0 0,8 24,0 19,7 3,3 15,7 82,8 5,4 73,5 28,9 13,0 14,1 30,4 24,4 4,7
2007 32,0 8,2 22,0 35,9 2,9 32,1 29,8 8,5 19,6 51,2 0,4 50,6 31,0 14,9 14,1 32,8 11,0 19,9

Fonte: Funcex. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Três fatores explicam a maior taxa de expansão do quantum em 2007, apesar do crescimento
econômico menos intenso em relação ao de 2004. O primeiro foi o patamar mais apreciado da taxa de
câmbio (ver Gráfico 3). O segundo, a composição do crescimento. O terceiro foi o maior crescimento do
mercado interno. Enquanto, em 2004, a expansão do PIB ancorou-se no dinamismo das exportações (ver
Gráfico 4), em 2007 a expansão esteve vinculada ao crescimento do consumo e do investimento domés-
tico (como já destacado na primeira seção), que tem vazado para o exterior na forma de importações de
bens de consumo, sobretudo duráveis, e de bens de capital, como detalhado a seguir.
A combinação “câmbio apreciado–crescimento do mercado interno” resultou num aumento ex-
pressivo do coeficiente de penetração das importações, que consiste na relação entre o valor das impor-
tações e o consumo aparente (produção mais exportação menos importação). Segundo estimativas da
LCA Consultores (LCA, 2008), esse coeficiente, calculado a preços constantes de 2004, atingiu cerca de
20% no terceiro trimestre de 2007, ante o percentual de 15,5% no último trimestre de 20042. Do total de
21 setores abrangidos, somente quatro registraram queda do coeficiente em questão3.
A análise desagregada das importações por categorias de uso sanciona as conclusões do estudo da LCA.
O crescimento generalizado das compras externas entre essas categorias, ancorado, principalmente, no aumen-
to do quantum, revela que as compras externas tiveram papel fundamental na oferta doméstica de bens, em
2007. Somente no caso de bens de consumo não duráveis, a variação de preços foi mais expressiva e equivalen-
te àquela do quantum (14,9% e 14,1%), o que resultou em contribuições semelhantes ao crescimento do valor
(de 47,9% e 45,4%, respectivamente; Gráfico 11). Esse aumento dos preços dos bens não duráveis decorreu,
sobretudo, da alta dos preços dos alimentos – que respondem por 26% do total das importações desses bens.

2 O cálculo a preços constantes é mais rigoroso, pois elimina as mudanças de preços e da taxa de câmbio ocorridas desde 2004.
3 As atividades industriais abrangidas pelo estudo representam 90% do total do valor da produção industrial.

ECONOMIA BRASILEIRA

259
Gráfico 11. Contribuições das variações de preço e quantum ao crescimento das importações
178

128

78
em %

28

-22

-72
Preço Quantum Preço Quantum Preço Quantum Preço Quantum Preço Quantum Preço Quantum
Total Bens de Capital Bens intermediários BC Duraveis BC Não Duraveis Combustíveis
2004 33,1 60,7 -32,4 137,8 28,1 65,7 -16,6 120,4 45,4 51,9 56,4 32,8
2005 65,2 31,2 20,1 74,6 54,0 43,3 5,0 93,4 46,8 48,2 192,2 -69,3
2006 28,3 66,5 3,2 96,2 16,8 79,5 6,5 88,8 45,0 48,7 80,4 15,5
2007 25,8 68,8 8,0 89,3 28,6 66,0 0,8 98,8 47,9 45,4 33,5 60,6

Fonte: Funcex. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Nas demais categorias de uso, a variação do quantum foi bem mais expressiva: em ordem decres-
cente, +50,1% em bens de consumo duráveis, +32,1% em bens de capital; +19,9% em combustíveis; e
+19,6% em bens intermediários. Com isso, as contribuições dessa variação, para o crescimento do valor,
foram de, respectivamente: +98,8%, +89,3%, +60,6% e +66% (ver Gráficos 10 e 11). No caso dessas ca-
tegorias de uso, o crescimento mais expressivo dos preços foi registrado em combustíveis (+11%), devido
à alta dos preços do petróleo no mercado internacional (ver Gráfico 6).
Antes de finalizar esta seção, é importante destacar que, a despeito do boom de importações de bens
de consumo duráveis (sobretudo de automóveis, cuja contribuição ao crescimento das compras externas des-
ses bens foi de 61%), sua contribuição ao crescimento das importações em 2007 foi de somente 5,8% (Gráfico
12). Isto porque a participação desses bens na pauta importadora ainda é pequena (4,1% em 2007).
A decomposição do crescimento das importações entre as categorias de uso mostra que 55% da expan-
são do valor, em 2007, é explicada pelas compras externas de bens intermediários e 15,2% pelas importações
de bens de capital. Ou seja, cerca de 70% dessa expansão decorreu da aquisição de insumos e máquinas e
equipamentos pela indústria e agropecuária. Se, no curto prazo, esse é um cenário favorável – pois a aquisição
desses bens no exterior, além de aliviar a pressão sobre a oferta doméstica e, assim, sobre a inflação, permite
a modernização do parque industrial –, no médio e longo prazos pode resultar no encolhimento da cadeia
produtiva doméstica e na consolidação de um elevado coeficiente de penetração das importações.

Considerações Finais
Em 21 de fevereiro de 2008, o Banco Central do Brasil (BCB) divulgou uma informação de fun-
damental importância para a análise do setor externo do país: a mudança inédita – para a economia
brasileira – de sua posição externa de devedora para credora líquida. Segundo estimativas do BCB, em
janeiro, os ativos brasileiros no exterior (constituídos fundamentalmente pelas reservas internacionais)
superaram a dívida externa total em US$ 7 bilhões. O principal determinante dessa inversão virtuosa
de sinal na nossa posição externa líquida foram os resultados positivos nas transações correntes re-

O COMÉRCIO EXTERIOR BRASILEIRO EM 2007

260
Gráfico 12. Participação no total e contribuição ao crescimento das importações em 2007

60 58,4
55,3

50

40

30

20 16,9 17,3
15,2
14,0

10 6,6 6,5 5,8


4,1

0
Bens intermadiários Combustível Bens de capital Bens de consumo não- Bens de consumo duráveis
duráveis

Participação Contribuição

Fonte: MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

gistrados nos últimos cinco anos, viabilizados, por sua vez, pelos sucessivos e crescentes (até 2006)
superávits na balança comercial.
É preciso, todavia, avaliar de forma cautelosa essa surpreendente situação externa – que, segundo
a imprensa e alguns analistas, permitirá ao Brasil alcançar a tão esperada classificação “grau de inves-
timento”. Por um lado, esse cálculo subestima o passivo externo do país, pois não considera o estoque
de investimento estrangeiro de portfólio no mercado financeiro doméstico, aplicado em ações e títulos
públicos de renda fixa, que atingiu US$ 214 bilhões em dezembro de 2007. Por outro lado, a condição
sine qua non para a sua sustentabilidade é a manutenção de superávits na balança comercial, num pa-
tamar suficiente para financiar as remessas de serviços e rendas (que também traçaram uma trajetória
altista nos últimos anos em função do aumento dos estoques de investimentos estrangeiros no país,
seja direto, seja de portfólio) e, assim, evitar o retorno dos déficits em transações correntes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRADESCO. Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos. Commodities agrícolas. Destaque Diá-


rio, 17 jan. 2008.

BRADESCO. Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos. Impacto do aumento do preço do miné-


rio de ferro sobre a inflação e o saldo comercial. Destaque Diário, 19 fev. 2008.

IEDI — INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Comércio exterior: preço e quan-
tum na dinâmica das exportações brasileiras. Análise IEDI, São Paulo, 6 fev. 2008. Disponível em: <
http://www.iedi.org.br>

LCA Consultores. Forte aumento da penetração das importações deve ter continuidade. Análise LCA, São
Paulo, 21 fev. 2008.

ECONOMIA BRASILEIRA

261
O desempenho do
comércio exterior brasileiro
por intensidade tecnológica,
entre 2000 e 2008

Emerson Marçal
Luis Fernando Novais

E
sta nota técnica analisa o desempenho comercial brasileiro por conteúdo tecnológico no período
de 1990 a 2007, com ênfase na presente década (2000-2007). Os argumentos estão organizados
da seguinte forma: na próxima seção, apresenta-se a metodologia utilizada e, nas duas seções se-
guintes, analisam-se as tendências do mercado mundial no período de 1990 a 2007 e a evolução do co-
mércio brasileiro até setembro de 2008. A quarta seção é dedicada ao padrão de comércio brasileiro com
os três principais parceiros comerciais brasileiros (Estados Unidos, China e Argentina) e ao desempenho
comercial brasileiro por produtos. Na penúltima seção, faz-se uma breve análise do comércio brasileiro
em 2008, com os dados disponíveis (até setembro) a partir do sistema Alice do MDIC. As conclusões do
trabalho são apresentadas na última seção.

Metodologia do trabalho
Os dados para o cálculo dos fluxos comerciais foram coletados na base de dados da Unctad (http://
comtrade.un.org/). As informações estão disponíveis para todos os países relevantes, cobrindo praticamen-
te a totalidade do comércio mundial, sendo disponibilizados nas seguintes classificações: (a) SITC, Standard
International Trade Classification (Rev. 1, 2 e 3); (b) HS, Harmonized System (HS, 1998, 2002 e 2007); e
(c) BEC, Broad Economic Categories, em um alto nível de desagregação. Vale notar que a classificação HS
é plenamente compatível com a NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul), ao nível de seis dígitos. Além
disto, há tradutores que permitem a conversão dos dados de uma para outra classificação.
A classificação utilizada nesse trabalho baseia-se nos dados de comércio classificados segundo a SITC
Rev. 3 no nível de três dígitos. A classificação dos produtos por conteúdo tecnológico foi inicialmente proposta

O desempenho do comércio exterior brasileiro por intensidade tecnológica, entre 2000 e 2008

262
pela Unctad (1996) e reformulada pelo Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia — IE-Unicamp — NEIT
(http://www.eco.unicamp.br/pesquisa/NEIT/), com a criação de uma categoria adicional à proposta pelo es-
tudo original (Petróleo e Outros Insumos Energéticos). Os produtos são classificados segundo seu grau de in-
tensidade tecnológica: (a) Commodities Primárias; (b) Intensivas em Trabalho e Recursos Naturais; (c) Baixa
Intensidade; (d) Média Intensidade; (f) Alta Intensidade; (g) Petróleo e Outros Insumos Energéticos; e (h) Não
Classificados.
A literatura sobre os padrões do comércio internacional é vasta e envolve diferentes tipos de
classificações: Mayer (2002) procura identificar setores dinâmicos no comércio internacional; Jaffee
e Gordon (1993) identificam setores com alto desempenho exportador na margem; Pavitt (1984) de-
tecta setores intensivos em tecnologia; Leamer (1984) investiga os determinantes do comércio; Unido
(1988) explora a capacidade de nações em desenvolvimento na produção de bens de capital; Forstner
e Balance (1990) investigam os determinantes do comércio global; Wood (1994) debruça-se sobre
a relação entre comércio e distribuição de renda e emprego; Wood e Berge (1997) e Mayer e Wood
(2001) explicam o desempenho diferente dos exportadores nos países em desenvolvimento; Marsili
(2001) identifica setores com vantagem comparativa dinâmica; Choudhri e Hakura (2000) identificam
setores com alto crescimento da produtividade; Oecd (1992 e 1994) e Hatzichronoglou (1997) iden-
tificam setores de alta tecnologia para impulsionar o desenvolvimento, enquanto Lall (2000), setores
com potencial vantagem comparativa dinâmica.

Análise da evolução do comércio global


O comércio mundial teve um bom desempenho nos anos 1990, apresentando taxas de crescimen-
to próximas a dois dígitos. A Tabela 1 mostra os valores nominais do comércio internacional em dólares
desde 1990 até 2007, a sua composição por intensidade tecnológica e as taxas médias de crescimento.
O desempenho foi melhor na primeira metade da década, com taxas em torno a 10% a.a. Na segunda
metade dos anos 90, o comércio evoluiu de forma um pouco mais lenta, num ritmo próximo a 9%. No
período 2000-2005, a performance do comércio mundial foi ainda mais vigorosa, com taxas médias de
13,5%; todavia, esse ímpeto perdeu fôlego entre os anos de 2005 e 2007 (taxas médias de 9,5% a.a.).
Os produtos intensivos em trabalho e as commodities primárias perderam participação relativa
no total do comércio mundial, mas os bens intensivos em tecnologia ganharam peso. No caso das
commodities primárias, a participação passou de 20% do total, em 1990, para 11%, em 2007; a dos
produtos intensivos em trabalho, de 17,1% para 11%, no mesmo período. Já a proporção dos produtos
de alta intensidade tecnológica na pauta do comércio mundial subiu de 16% para 21%, nos últimos
dezessete anos.
Embora tenham perdido participação relativa na pauta mundial numa perspectiva de mais longo
prazo, no período entre 2005 e 2007, os produtos primários cresceram acima da média mundial (11,8%
contra 9,5%). Contudo, esse maior dinamismo parece ser mais um fenômeno conjuntural — associado ao
aumento da demanda por parte da China e da Índia impulsionado pelas elevadas taxas de crescimento
— do que uma nova tendência de estrutural.
Em contrapartida, os produtos de alta intensidade tecnológica, cujo desempenho ficou acima da
média nos quinquênios 1990 a 1995 e 1995 a 2000, registraram forte desaceleração da sua taxa média

ECONOMIA BRASILEIRA

263
Tabela 1. Exportações totais mundiais e por conteúdo tecnológico.
Classificação Commodities Intensivas Baixa Média Alta Não Petróleo e Total
Primárias em Intensidade Intensidade Intensidade classificados Outros
Trabalho e Insumos
Recursos Energéticos
Naturais
Período Volume em milhões de Dólares
1990 434,651 387,218 150,444 638,966 368,384 56,625 209,224 2,245,512
1995 666,889 606,119 250,222 1,011,528 683,244 78,295 329,090 3,625,386
2000 727,451 699,546 276,447 1,419,133 1,337,381 337,189 758,816 5,555,961
2001 719,172 697,489 272,204 1,464,234 1,282,304 318,280 706,688 5,460,371
2002 704,727 946,482 321,979 2,017,562 1,596,922 311,120 615,884 6,514,676
2003 817,272 1,061,221 387,943 2,337,580 1,845,003 360,954 784,751 7,594,723
2004 1,002,749 1,206,194 520,067 2,813, 499 2,240,764 409,395 1,045,965 9,238,633
2005 1,112,232 1,302,412 600,446 3,124,080 2,494,994 462,044 1,444,588 10,540,796
2006 1,336,773 1,399,967 691,259 3,511,821 2,805,952 606,751 1,772,769 12,125,292
2007 1,389,709 1,479,377 775,497 3,941,828 2,731,073 1,423,080 904,737 12,645,302
Período % no total das categorias
1990 19.4% 17.2% 6.7% 28.5% 16.4% 2.5% 9.3% 100.0%
1995 18.4% 16.7% 6.9% 27.9% 18.8% 2.2% 9.1% 100.0%
2000 13.1% 12.6% 5.0% 25.5% 24.1% 6.1% 13.7% 100.0%
2001 13.2% 12.8% 5.0% 26.8% 23.5% 5.8% 12.9% 100.0%
2002 10.8% 14.5% 4.9% 31.0% 24.5% 4.8% 9.5% 100.0%
2003 10.8% 14.0% 5.1% 30.8% 24.3% 4.8% 10.3% 100.0%
2004 10.9% 13.1% 5.6% 30.5% 24.3% 4.4% 11.3% 100.0%
2005 10.6% 12.4% 5.7% 29.6% 23.7% 4.4% 13.7% 100.0%
2006 11.0% 11.5% 5.7% 29.0% 23.1% 5.0% 14.6% 100.0%
2007 11.0% 11.7% 6.1% 31.2% 21.6% 11.3% 7.2% 100.0%
Período Taxa de Crescimento Médio Anual
1995-1990 8.9% 9.4% 10.7% 9.6% 13.2% 6.7% 9.5% 10.1%
2000-1995 1.8% 2.9% 2.0% 7.0% 14.4% 33.9% 18.2% 8.9%
2005-2000 8.9% 13.2% 16.8% 17.1% 13.3% 6.5% 13.7% 13.7%
2007-2005 11.8% 6.6% 13.6% 12.3% 4.6% 75.5% -20.9% 9.5%
Fonte: UNCTAD — Comtrade. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

de crescimento entre 2005 e 2007. Nesse período, as exportações de alta tecnologia cresceram 4,6% em
média ao ano, enquanto a expansão da média global foi de 9,5% a.a.1

Análise da evolução do comércio exterior do Brasil: 2000 A 2007


A taxa de média de crescimento das exportações brasileiras entre 2000 e 2007 foi de 16,5%, per-
centual superior à média mundial nesse período. Com isso, a participação do comércio exterior brasileiro no
total mundial elevou-se de forma ininterrupta. Embora ainda esteja abaixo do pico do final dos anos 1980
(próximo a 1,5% do total), essa participação atingiu 1,16% em 2007 (Gráfico 1). Além do seu maior dinamis-
mo, observa-se uma diversificação da pauta exportadora, com a perda de participação de parceiros tradicio-
nais, com destaque para os EUA, e aumento da participação dos países emergentes, como a China.
A Tabela 2 permite avaliar a composição da pauta de exportação por intensidade tecnológica.
Destacam-se três tendências no período entre 2000 e 2007: (i) as commodities primárias ganharam par-
ticipação relativa na pauta comercial brasileira, reflexo da sua taxa de crescimento superior à média do

1 Cabe destacar que o item ‘produtos não classificados’ apresentou excepcional desempenho no período 2005-2007, uma expansão
média anual de 75,5% entre os anos de 2005 e 2007. O crescimento deve-se basicamente ao item 931 — Transações Especiais.

O desempenho do comércio exterior brasileiro por intensidade tecnológica, entre 2000 e 2008

264
Gráfico 1. Participação das exportações brasileiras no total das exportações mundiais
1.50%

1.40%

1.30%
% percentual do total

1.20%

1.10%

1.00%

0.90%

0.80%
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Fonte: UNCTAD — Comtrade. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Tabela 2. Exportações totais brasileiras e por conteúdo tecnológico


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 20,434,829,678 7,166,269,573 4,412,529,230 12,746,644,377 7,739,984,202 1,710,300,046 908,356,846 55,118,913,952
2001 22,948,004,390 7,210,539,193 3,951,935,622 12,512,497,948 7,781,184,006 1,789,945,755 2,092,485,877 58,286,592,791
2002 24,066,130,571 7,110,487,957 4,589,347,591 12,820,927,004 7,068,735,172 1,831,808,853 2,951,212,727 60,438,649,875
2003 29,945,407,448 8,579,611,392 5,975,469,521 16,536,981,015 6,529,071,284 1,840,496,492 3,796,184,694 73,203,221,846
2004 38,902,087,721 10,737,920,244 8,418,215,681 23,708,439,158 8,241,317,225 2,247,377,137 4,421,889,204 96,677,246,370
2005 46,146,503,531 11,347,364,039 10,720,822,270 29,533,768,363 10,628,063,771 3,051,766,889 7,100,399,255 118,528,688,118
2006 54,539,157,661 12,272,379,513 11,287,689,007 33,649,577,306 11,695,517,424 3,771,598,143 10,590,271,290 137,806,190,344
2007 66,087,612,670 13,220,275,768 12,357,849,794 37,776,837,447 13,133,804,706 4,775,581,174 13,296,908,169 160,648,869,728
Participação no total
Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 37.1% 13.0% 8.0% 23.1% 14.0% 3.1% 1.6% 100%
2001 39.4% 12.4% 6.8% 21.5% 13.3% 3.1% 3.6% 100%
2002 39.8% 11.8% 7.6% 21.2% 11.7% 3.0% 4.9% 100%
2003 40.9% 11.7% 8.2% 22.6% 8.9% 2.5% 5.2% 100%
2004 40.2% 11.1% 8.7% 24.5% 8.5% 2.3% 4.6% 100%
2005 38.9% 9.6% 9.0% 24.9% 9.0% 2.6% 6.0% 100%
2006 39.6% 8.9% 8.2% 24.4% 8.5% 2.7% 7.7% 100%
2007 41.1% 8.2% 7.7% 23.5% 8.2% 3.0% 8.3% 100%

Taxa de Crescimento Médio -2007-2000


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2007 18.26% 9.14% 15.85% 16.79% 7.85% 15.80% 46.72% 16.51%

Contribuição ao Crescimento
2001 79.3% 1.4% -14.5% -7.4% 1.3% 2.5% 37.4% 100.0%
2002 52.0% -4.6% 29.6% 14.3% -33.1% 1.9% 39.9% 100.0%
2003 46.1% 11.5% 10.9% 29.1% -4.2% 0.1% 6.6% 100.0%
2004 38.2% 9.2% 10.4% 30.6% 7.3% 1.7% 2.7% 100.0%
2005 33.2% 2.8% 10.5% 26.7% 10.9% 3.7% 12.3% 100.0%
2006 43.5% 4.8% 2.9% 21.4% 5.5% 3.7% 18.1% 100.0%
2007 50.6% 4.1% 4.7% 18.1% 6.3% 4.4% 11.8% 100.0%
2000-2007 43.3% 5.7% 7.5% 23.7% 5.1% 2.9% 11.7% 100.0%
Crescimento médio no período
2000-2005 17.7% 9.6% 19.4% 18.3% 6.5% 12.3% 50.9% 16.5%
2000-2007 18.3% 9.1% 15.8% 16.8% 7.8% 15.8% 46.7% 16.5%
2005-2007 19.7% 7.9% 7.4% 13.1% 11.2% 25.1% 36.8% 16.4%

Fonte: UNCTAD — Comtrade. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

ECONOMIA BRASILEIRA

265
país no período; a contribuição dessa categoria de bens para o crescimento do total das exportações foi
em média de cerca de 43,3% nestes anos; (ii) os produtos de média intensidade tecnológica também tive-
ram um bom desempenho, com taxas de crescimento elevadas acima de dois dígitos e com participação
média no crescimento total de cerca de 23% ao longo do período; (iii) as demais categorias — intensivas
em trabalho e recursos naturais, baixa e alta tecnologia — tiveram desempenho bem mais modesto, com
taxas médias de expansão cadentes e na faixa de um dígito.
Cabe destacar que, apesar de o desempenho dos produtos de alta tecnologia ter melhorado nos
anos 2005-2007, em relação ao período anterior, a taxa de crescimento média (de 11,2%) permaneceu
inferior à média do total (16,4%). Assim, a categoria continuou perdendo participação na pauta de expor-
tação: em 2007, os bens de alta tecnologia representaram 8,2% das exportações brasileiras, o menor
patamar observado desde o ano 2000. Nota-se que, em relação à composição por intensidade tecno-
lógica do comércio mundial, o padrão brasileiro é muito inferior: na média do comércio internacional, a
participação desses produtos é superior a dois dígitos; no Brasil, além de ser cadente, o peso dos bens
mais sofisticados na pauta foi inferior a 10% nos últimos cinco anos.
O agregado de produtos primários foi o único, com exceção do Petróleo e outros insumos energé-
ticos, que apresentou, entre 2005 e 2007, ganho de participação na pauta de exportações do Brasil e
que contribuiu de forma mais relevante para o crescimento das exportações: em 2007, a expansão dos
produtos primários respondeu por 50,6% do acréscimo das vendas externas do país.
O desempenho global favorável das exportações brasileiras impactadas pelo crescimento do co-
mércio mundial permitiu um aumento expressivo da sua participação no total do PIB. Em 1995, essa
relação foi de 6% e dobrou para 12% em 2007 (Gráfico 2), segundo dados do MDIC. Parte desta elevação,
contudo, decorreu da variação da taxa de câmbio no período, que afeta o valor do PIB em dólares.

Gráfico 2. Participação das exportações como porcentagem do PIB


16.0

14.0

12.0

10.0
% do total do PIB

8.0

6.0

4.0

2.0

0.0
1950 1953 1956 1959 1962 1965 1968 1971 1974 1977 1980 1983 1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007

Fonte: MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

O desempenho do comércio exterior brasileiro por intensidade tecnológica, entre 2000 e 2008

266
No período 2000 a 2004, houve forte depreciação da moeda, o que contribuiu para a redução
do PIB brasileiro e para o aumento da participação das exportações no PIB, tudo o mais constante.
No período 2005-2007, quando o real se apreciou, o PIB em dólares aumentou expressivamente e
aquela participação diminuiu. De qualquer forma, vale ressaltar que essa relação está próxima de
pico histórico em 50 anos. Caso se mantenha a forte desvalorização do real, observada na passa-
gem do segundo para o terceiro trimestre de 2008, a relação exportações sobre o PIB deverá sofrer
expressiva redução.
Esse aumento vigoroso das exportações brasileiras ancorou-se, principalmente, no desempenho
da categoria commodities primárias, cuja participação na pauta brasileira salta de 37% do total em 2000
para 41% em 2007. Cabe notar que, simultaneamente, há uma redução da participação dos bens de alta
intensidade tecnológica na pauta (Tabela 2, Gráfico 3 e Gráfico 4).

Gráfico 3. Composição do comércio exterior brasileiro em 2000

Petróleo e Outros Insumos


Não Energéticos
Classificados 2%
3%

Alta Intensidade
14%

Commodities Primárias
37%

Média Intensidade
23%

Intensivas em Trabalho e
Recursos Naturais
13%
Baixa Intensidade
8%

Fonte: MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

As importações brasileiras apresentaram crescimento expressivo no período de 2000 a 2007


(11,6% a.a.). Em termos de composição, não há grandes novidades quando se comparam as pautas do
ano inicial (2000) e do ano final (2007) (Tabela 3).
A principal mudança foi o aumento da participação dos produtos de baixa intensidade tecnológica,
que subiu de 2,7% para 4,1%, nesse período. Todavia, o segmento mais importante é o de média inten-
sidade, que explicou 40% do crescimento, associado, sobretudo, ao crescimento das compras externas
da China.
Por fim, vale ressaltar a forte aceleração da taxa de crescimento das importações no período
de 2005 a 2007, associada, basicamente, a três fatores: o maior dinamismo da atividade econô-
mica doméstica, o aumento dos preços em dólares das importações e a forte apreciação da moeda
brasileira.

ECONOMIA BRASILEIRA

267
Gráfico 4. Composição do comércio exterior brasileiro em 2007

Não Classificados
3% Petróleo e Outros
Insumos
Energéticos
8%

Alta Intensidade
8%

Commodities Primárias
41%

Média Intensidade
24%

Intensivas em
Trabalho e
Recursos
Naturais
Baixa Intensidade 8%
8%

Fonte: MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Tabela 3. Composição das importações brasileiras


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 5,933,108,335 3,187,262,918 1,497,848,898 20,043,985,822 16,457,439,143 441,219,515 8,289,681,770 55,850,546,401
2001 5,041,166,679 2,893,452,191 1,660,998,292 21,785,097,585 16,066,875,524 428,307,728 7,725,858,873 55,601,756,872
2002 4,763,411,016 2,355,265,953 1,410,740,265 18,407,366,774 12,966,206,292 358,225,847 6,981,437,946 47,242,654,093
2003 5,352,318,897 2,332,362,575 1,423,534,981 18,140,633,843 13,286,665,005 329,903,050 7,460,231,310 48,325,649,661
2004 5,966,555,806 3,117,748,023 1,922,876,260 22,254,480,591 17,724,042,858 401,474,643 11,448,435,355 62,835,613,536
2005 6,452,107,036 3,651,691,053 2,577,414,931 26,480,476,756 20,479,445,010 494,399,976 13,464,840,702 73,600,375,464
2006 9,181,305,074 4,885,260,487 3,516,068,196 31,252,912,959 24,761,856,112 603,929,020 17,141,451,700 91,342,783,548
2007 12,004,383,575 6,584,948,026 4,928,897,482 43,116,555,735 30,836,386,486 830,055,204 22,319,644,666 120,620,871,174

Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total


Primárias Trabalho e Recursos
Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 10.6% 5.7% 2.7% 35.9% 29.5% 0.8% 14.8% 100%
2001 9.1% 5.2% 3.0% 39.2% 28.9% 0.8% 13.9% 100%
2002 10.1% 5.0% 3.0% 39.0% 27.4% 0.8% 14.8% 100%
2003 11.1% 4.8% 2.9% 37.5% 27.5% 0.7% 15.4% 100%
2004 9.5% 5.0% 3.1% 35.4% 28.2% 0.6% 18.2% 100%
2005 8.8% 5.0% 3.5% 36.0% 27.8% 0.7% 18.3% 100%
2006 10.1% 5.3% 3.8% 34.2% 27.1% 0.7% 18.8% 100%
2007 10.0% 5.5% 4.1% 35.7% 25.6% 0.7% 18.5% 100%

Taxa de Crescimento Médio -2007-2000


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2007 10.59% 10.92% 18.55% 11.56% 9.38% 9.45% 15.20% 11.63%

Contribuição ao Crescimento
2001 358.5% 118.1% -65.6% -699.8% 157.0% 5.2% 226.6% 100.0%
2002 3.3% 6.4% 3.0% 40.4% 37.1% 0.8% 8.9% 100.0%
2003 54.4% -2.1% 1.2% -24.6% 29.6% -2.6% 44.2% 100.0%
2004 4.2% 5.4% 3.4% 28.4% 30.6% 0.5% 27.5% 100.0%
2005 4.5% 5.0% 6.1% 39.3% 25.6% 0.9% 18.7% 100.0%
2006 15.4% 7.0% 5.3% 26.9% 24.1% 0.6% 20.7% 100.0%
2007 9.6% 5.8% 4.8% 40.5% 20.7% 0.8% 17.7% 100.0%
2000-2007 9.4% 5.2% 5.3% 35.6% 22.2% 0.6% 21.7% 100.0%
Crescimento médio no período
2000-2005 1.7% 2.8% 11.5% 5.7% 4.5% 2.3% 10.2% 5.7%
2000-2007 10.6% 10.9% 18.5% 11.6% 9.4% 9.4% 15.2% 11.6%
2005-2007 36.4% 34.3% 38.3% 27.6% 22.7% 29.6% 28.7% 28.0%

Fonte: MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

O desempenho do comércio exterior brasileiro por intensidade tecnológica, entre 2000 e 2008

268
Na análise dos resultados do saldo comercial por intensidade tecnológica, há uma pequena dife-
rença entre os dados do Comtrade e os do MDIC. Enquanto, na segunda fonte, os dados são calculados
FOB (free on board), os dados do Comtrade são FOB para exportações e CIF (cum insurance and freight)
para as importações. Embora essa diferença deva ser registrada, há apenas uma alteração marginal nos
resultados da análise.
Além do saldo bruto, também foi calculada a contribuição ao crescimento do saldo comercial. O
indicador mostra se o setor está contribuindo para aumentar ou para diminuir o saldo comercial. Caso o
resultado global do saldo seja positivo — se um setor apresenta superávit comercial —, este setor pode
estar abaixo da média, contribuindo para reduzir o resultado global. A ideia desse indicador é ressaltar
quais itens explicam a melhora do saldo comercial no período.
Alguns fatos podem ser ressaltados na análise dos valores brutos do saldo comercial brasileiro. O
saldo de bens de alta intensidade tecnológica permaneceu estagnado, mostrando uma pequena queda
quando se comparam os dados de 2000 com 2007 (Tabela 4). O saldo comercial dos demais itens me-
lhorou significativamente.

Tabela 4. Composição do saldo comercial brasileiro

Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total


Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 14,501,721,343 3,979,006,655 2,914,680,332 -7,297,341,445 -8,717,454,941 1,269,080,531 -7,381,324,924 -731,632,449
2001 17,906,837,711 4,317,087,002 2,290,937,330 -9,272,599,637 -8,285,691,518 1,361,638,027 -5,633,372,996 2,684,835,919
2002 19,302,719,555 4,755,222,004 3,178,607,326 -5,586,439,770 -5,897,471,120 1,473,583,006 -4,030,225,219 13,195,995,782
2003 24,593,088,551 6,247,248,817 4,551,934,540 -1,603,652,828 -6,757,593,721 1,510,593,442 -3,664,046,616 24,877,572,185
2004 32,935,531,915 7,620,172,221 6,495,339,421 1,453,958,567 -9,482,725,633 1,845,902,494 -7,026,546,151 33,841,632,834
2005 39,694,396,495 7,695,672,986 8,143,407,339 3,053,291,607 -9,851,381,239 2,557,366,913 -6,364,441,447 44,928,312,654
2006 45,357,852,587 7,387,119,026 7,771,620,811 2,396,664,347 -13,066,338,688 3,167,669,123 -6,551,180,410 46,463,406,796
2007 54,083,229,095 6,635,327,742 7,428,952,312 -5,339,718,288 -17,702,581,780 3,945,525,970 -9,022,736,497 40,027,998,554
% no total do saldo
Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 -1982.1% -543.9% -398.4% 997.4% 1191.5% -173.5% 1008.9% 100%
2001 667.0% 160.8% 85.3% -345.4% -308.6% 50.7% -209.8% 100%
2002 146.3% 36.0% 24.1% -42.3% -44.7% 11.2% -30.5% 100%
2003 98.9% 25.1% 18.3% -6.4% -27.2% 6.1% -14.7% 100%
2004 97.3% 22.5% 19.2% 4.3% -28.0% 5.5% -20.8% 100%
2005 88.4% 17.1% 18.1% 6.8% -21.9% 5.7% -14.2% 100%
2006 97.6% 15.9% 16.7% 5.2% -28.1% 6.8% -14.1% 100%
2007 135.1% 16.6% 18.6% -13.3% -44.2% 9.9% -22.5% 100%

Taxa de Crescimento Médio -2007-2000


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2007 20.69% 7.58% 14.30% -4.36% 10.65% 17.59% 2.91% -277.13%

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

A análise da contribuição ao saldo mostra que as commodities primárias são os bens que sus-
tentaram o saldo comercial nos patamares atuais. Os itens intensivos em trabalho e de baixa tecnologia
foram neutros em termos de saldo, e os produtos de média e alta tecnologias e o petróleo e insumos
energéticos contribuíram para reduzir o nível de saldo comercial. Esse é um padrão que se repetiu em
todos os anos do período de 2000 a 2007 (Tabela 5).

ECONOMIA BRASILEIRA

269
Tabela 5. Contribuição ao saldo comercial
Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos
Naturais Energéticos
2000 26.4% 7.3% 5.3% -12.8% -15.4% 2.3% -13.2% 0.0%
2001 30.3% 7.2% 3.8% -17.7% -15.5% 2.3% -10.3% 0.0%
2002 29.3% 6.7% 4.5% -17.5% -15.5% 2.2% -9.7% 0.0%
2003 28.6% 6.6% 5.0% -14.3% -17.8% 1.8% -9.8% 0.0%
2004 29.4% 5.9% 5.4% -10.4% -18.8% 1.6% -13.0% 0.0%
2005 28.5% 4.4% 5.2% -10.5% -17.8% 1.8% -11.6% 0.0%
2006 28.3% 3.4% 4.2% -9.4% -17.9% 2.0% -10.6% 0.0%
2007 30.6% 2.7% 3.5% -12.0% -17.0% 2.2% -10.0% 0.0%

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

No período de 2000 a 2007, o país obteve saldo comercial em produtos primários, intensivos em
trabalho e de baixa intensidade tecnológica (Tabela 4). Nas demais categorias, houve déficit. Na categoria
de média intensidade, houve períodos de déficit e outros de superávit. Já os produtos de alta intensidade
registraram déficit crescente em todos os anos.

Comércio exterior brasileiro com parceiros selecionados:

Exportações Brasileiras: Parceiros Comerciais Selecionados

Exportações Brasileiras: EUA


As exportações brasileiras para o mercado americano apresentaram, entre 2000 e 2007, cres-
cimento abaixo da média brasileira (9,54% contra 16,51%). Ao longo do período, o mercado americano
absorveu quantidades declinantes de produtos brasileiros, e a média de expansão das exportações de-
sacelerou, entre 2005 e 2007, para de 5,4% a.a. (Tabela 6).
No caso dos produtos primários, o ritmo de expansão das vendas externas para o mercado ame-
ricano, apesar de positivo, ficou abaixo da média brasileira, e sua participação no total deste destino
manteve-se relativamente constante. Já a performance das exportações de produtos de alta intensidade
tecnológica direcionados para esse mercado foi muito fraca, o que explica o declínio contínuo da sua
participação no total (de 23% em 2000 para 11,3% em 2007).
Vale notar também que as exportações de alta intensidade tecnológica para os EUA recuaram em
termos absolutos (de cerca de 3,1 bilhões em 2000 para 2,87 bilhões em 2007), o que pode ser reflexo
de um problema de competitividade mais grave dos produtos brasileiros, já que os Estados Unidos é um
grande país consumidor dos produtos de alta tecnologia. Seguindo nessa linha de raciocínio, esse proble-
ma pode ter induzido a diversificação das exportações brasileiras em direção a outros mercados.
Em termos de contribuição ao crescimento das exportações, o item produtos primários apresentou
valor superior à participação desse item no total do comércio americano no início do período (2000). Isso
indica que houve um aumento contínuo da participação dos produtos constituintes desse item na pauta
de exportação para os EUA. Em 2007, os itens de alta intensidade tecnológica tiveram um ganho impor-
tante, enquanto os setores intensivos em trabalho, baixa e média intensidades tecnológicas apresen-
taram contribuição negativa ao crescimento (Tabela 6).

O desempenho do comércio exterior brasileiro por intensidade tecnológica, entre 2000 e 2008

270
Tabela 6. Composição das exportações brasileiras: EUA
Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 2,475,823,696 2,282,068,398 1,420,337,956 3,165,924,963 3,074,435,162 442,126,804 529,171,600 13,389,888,579
2001 2,091,999,130 2,467,334,233 1,312,167,813 3,105,803,674 4,044,636,711 347,479,832 1,028,808,690 14,398,230,083
2002 2,378,090,847 2,890,652,939 1,369,866,362 3,620,327,232 4,035,076,926 381,100,171 884,200,714 15,559,315,191
2003 2,914,047,844 3,250,221,149 1,323,854,074 4,073,657,896 3,383,013,033 376,654,235 1,615,732,554 16,937,180,785
2004 3,715,738,249 4,082,172,054 2,618,398,584 4,690,839,523 3,443,665,192 505,342,871 1,347,009,507 20,403,165,980
2005 4,140,551,583 4,109,001,483 3,214,633,286 5,912,647,797 3,585,280,801 543,003,020 1,304,974,547 22,810,092,517
2006 4,630,604,106 4,038,436,844 3,257,534,380 7,222,631,726 2,488,425,757 795,116,573 2,341,668,096 24,774,417,482
2007 4,794,426,065 3,535,626,688 3,140,981,990 6,316,715,288 2,870,323,940 1,003,539,143 3,673,903,376 25,335,516,490

Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total


Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 18.5% 17.0% 10.6% 23.6% 23.0% 3.3% 4.0% 100%
2001 14.5% 17.1% 9.1% 21.6% 28.1% 2.4% 7.1% 100%
2002 15.3% 18.6% 8.8% 23.3% 25.9% 2.4% 5.7% 100%
2003 17.2% 19.2% 7.8% 24.1% 20.0% 2.2% 9.5% 100%
2004 18.2% 20.0% 12.8% 23.0% 16.9% 2.5% 6.6% 100%
2005 18.2% 18.0% 14.1% 25.9% 15.7% 2.4% 5.7% 100%
2006 18.7% 16.3% 13.1% 29.2% 10.0% 3.2% 9.5% 100%
2007 18.9% 14.0% 12.4% 24.9% 11.3% 4.0% 14.5% 100%

Taxa de Crescimento Médio -2007-2000


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2007 9.90% 6.45% 12.01% 10.37% -0.98% 12.42% 31.89% 9.54%

Contribuição ao Crescimento
2001 -38.1% 18.4% -10.7% -6.0% 96.2% -9.4% 49.6% 100.0%
2002 24.6% 36.5% 5.0% 44.3% -0.8% 2.9% -12.5% 100.0%
2003 38.9% 26.1% -3.3% 32.9% -47.3% -0.3% 53.1% 100.0%
2004 23.1% 24.0% 37.3% 17.8% 1.7% 3.7% -7.8% 100.0%
2005 17.6% 1.1% 24.8% 50.8% 5.9% 1.6% -1.7% 100.0%
2006 24.9% -3.6% 2.2% 66.7% -55.8% 12.8% 52.8% 100.0%
2007 29.2% -89.6% -20.8% -161.5% 68.1% 37.1% 237.4% 100.0%
2000-2007 19.4% 10.5% 14.4% 26.4% -1.7% 4.7% 26.3% 100.0%
Crescimento médio no período
2000-2005 10.8% 12.5% 17.7% 13.3% 3.1% 4.2% 19.8% 11.2%
2000-2007 9.9% 6.5% 12.0% 10.4% -1.0% 12.4% 31.9% 9.5%
2005-2007 7.6% -7.2% -1.2% 3.4% -10.5% 35.9% 67.8% 5.4%

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Exportações Brasileiras: China


O crescimento das exportações brasileiras para a China no período de 2000 a 2007 foi muito
expressivo, apresentando taxa média anual de 38,8% (Tabela 7). Essas exportações saltaram de um
patamar muito baixo (US$ 1 bilhão em 2000) para US$ 10 bilhões, em 2007. Grande parte das exporta-
ções brasileiras para a China concentrou-se em commodities primárias. Os demais itens mostraram uma
participação muito pequena, sendo as exportações de alta tecnologia praticamente nulas (de, aproxima-
damente, 2% do total, em 2007).
Nota-se, portanto, que é elevado o grau de concentração das exportações brasileiras para a
China: o peso das commodities primárias no total do comércio com esse país oscilou na faixa supe-
rior a 70% do total entre 2000 e 2007, e a sua contribuição média à expansão alcançou a média de
77% ao longo do período.
A ascensão relativa da China como destino das exportações brasileiras e o declínio americano
indicam uma alteração da pauta na direção dos produtos primários em detrimento dos produtos de
alta tecnologia.

ECONOMIA BRASILEIRA

271
Tabela 7. Composição de das exportações brasileiras: China
Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 814,201,689 43,053,750 39,037,930 78,865,950 73,531,428 463,842 36,147,008 1,085,301,597
2001 1,332,857,240 84,448,623 61,929,221 256,330,380 125,835,885 852,632 39,868,222 1,902,122,203
2002 1,880,420,427 132,081,912 154,371,391 292,631,378 47,776,386 13,657,861 39,316 2,520,978,671
2003 2,964,608,899 192,354,923 773,089,586 490,185,237 88,058,934 1,153,384 23,912,199 4,533,363,162
2004 4,014,518,988 249,469,012 433,371,043 408,292,430 113,223,729 3,395,563 219,474,957 5,441,745,722
2005 4,825,284,627 295,461,611 564,391,715 429,124,474 158,195,957 4,464,739 558,073,857 6,834,996,980
2006 6,203,189,904 433,603,702 205,304,429 549,536,443 168,122,697 6,665,266 835,946,386 8,402,368,827
2007 8,262,251,866 550,139,185 354,533,406 502,568,858 227,578,567 11,563,877 840,178,033 10,748,813,792

Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total


Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 75.0% 4.0% 3.6% 7.3% 6.8% 0.0% 3.3% 100%
2001 70.1% 4.4% 3.3% 13.5% 6.6% 0.0% 2.1% 100%
2002 74.6% 5.2% 6.1% 11.6% 1.9% 0.5% 0.0% 100%
2003 65.4% 4.2% 17.1% 10.8% 1.9% 0.0% 0.5% 100%
2004 73.8% 4.6% 8.0% 7.5% 2.1% 0.1% 4.0% 100%
2005 70.6% 4.3% 8.3% 6.3% 2.3% 0.1% 8.2% 100%
2006 73.8% 5.2% 2.4% 6.5% 2.0% 0.1% 9.9% 100%
2007 76.9% 5.1% 3.3% 4.7% 2.1% 0.1% 7.8% 100%

Taxa de Crescimento Médio -2007-2000


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2007 39.24% 43.90% 37.05% 30.29% 17.52% 58.32% 56.74% 38.76%

Contribuição ao Crescimento
2001 63.5% 5.1% 2.8% 21.7% 6.4% 0.0% 0.5% 100.0%
2002 88.5% 7.7% 14.9% 5.9% -12.6% 2.1% -6.4% 100.0%
2003 53.9% 3.0% 30.7% 9.8% 2.0% -0.6% 1.2% 100.0%
2004 115.6% 6.3% -37.4% -9.0% 2.8% 0.2% 21.5% 100.0%
2005 58.2% 3.3% 9.4% 1.5% 3.2% 0.1% 24.3% 100.0%
2006 87.9% 8.8% -22.9% 7.7% 0.6% 0.1% 17.7% 100.0%
2007 87.8% 5.0% 6.4% -2.0% 2.5% 0.2% 0.2% 100.0%
2000-2007 77.1% 5.2% 3.3% 4.4% 1.6% 0.1% 8.3% 100.0%
Crescimento médio no período
2000-2005 42.7% 47.0% 70.6% 40.3% 16.6% 57.3% 72.9% 44.5%
2000-2007 39.2% 43.9% 37.1% 30.3% 17.5% 58.3% 56.7% 38.8%
2005-2007 30.9% 36.5% -20.7% 8.2% 19.9% 60.9% 22.7% 25.4%

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Exportações Brasileiras: Argentina


O padrão das exportações brasileiras para a Argentina destoa daquele observado para os EUA
e a China, bem como para o conjunto das exportações brasileiras. Grande parte dessas exportações
é de bens intensivos em tecnologia e sua taxa de crescimento é ligeiramente inferior à média das
exportações globais do país. Mas a taxa da categoria de alta tecnologia é ligeiramente superior à
média.
A participação das commodities primárias no total das exportações brasileiras para a Argentina é
relativamente pequena, dado que a estrutura produtiva desse parceiro também é permeada pelo agrone-
gócio, o que reduz a demanda de produtos primários brasileiros.
A Argentina apresenta elevada competitividade nos setores de trigo e carnes. A integração prefe-
rencial com esse parceiro potencializa a competitividade brasileira em itens de alta tecnologia no bojo
dos acordos comerciais do Mercosul. A categoria que tem o maior peso e a maior contribuição ao cres-
cimento é a de média intensidade. Fato que comprova que os produtos dessa categoria estão ganhando
participação no comércio bilateral (Tabela 8).

O desempenho do comércio exterior brasileiro por intensidade tecnológica, entre 2000 e 2008

272
Tabela 8. Composição de das exportações brasileiras: Argentina
Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 719,777,626 1,050,688,599 417,015,974 2,805,172,755 1,153,068,047 36,348,624 55,612,748 6,237,684,373
2001 633,676,303 944,201,722 397,138,880 2,123,949,436 754,264,259 36,760,016 119,819,608 5,009,810,224
2002 406,897,798 286,136,074 163,746,754 1,004,184,516 434,492,222 20,185,233 30,865,677 2,346,508,274
2003 578,473,898 609,500,251 283,201,959 2,341,491,039 711,346,418 25,248,222 20,505,867 4,569,767,654
2004 710,249,264 817, 033,905 544,225,682 4,112,923,557 1,109,722,395 31,371,907 65,440,684 7,390,967,394
2005 878,219,356 969,225,923 710,650,665 5,451,085,420 1,693,780,423 41,453,698 185,737,451 9,930,152,936
2006 1,063,600,326 1,125,063,995 778,172,241 6,443,007,337 1,907,885,086 43,462,844 378,400,110 11,739,591,939
2007 1,249,128,509 1,337,438,342 1,087,468,371 7,963,568,394 2,120,386,103 69,268,746 589,687,123 14,416,945,588

Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total


Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 11.5% 16.8% 6.7% 45.0% 18.5% 0.6% 0.9% 100%
2001 12.6% 18.8% 7.9% 42.4% 15.1% 0.7% 2.4% 100%
2002 17.3% 12.2% 7.0% 42.8% 18.5% 0.9% 1.3% 100%
2003 12.7% 13.3% 6.2% 51.2% 15.6% 0.6% 0.4% 100%
2004 9.6% 11.1% 7.4% 55.6% 15.0% 0.4% 0.9% 100%
2005 8.8% 9.8% 7.2% 54.9% 17.1% 0.4% 1.9% 100%
2006 9.1% 9.6% 6.6% 54.9% 16.3% 0.4% 3.2% 100%
2007 8.7% 9.3% 7.5% 55.2% 14.7% 0.5% 4.1% 100%

Taxa de Crescimento Médio -2007-2000


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2007 8.19% 3.51% 14.67% 16.07% 9.09% 9.65% 40.12% 12.71%

Contribuição ao Crescimento
2001 7.0% 8.7% 1.6% 55.5% 32.5% 0.0% -5.2% 100.0%
2002 8.5% 24.7% 8.8% 42.0% 12.0% 0.6% 3.3% 100.0%
2003 7.7% 14.5% 5.4% 60.2% 12.5% 0.2% -0.5% 100.0%
2004 4.7% 7.4% 9.3% 62.8% 14.1% 0.2% 1.6% 100.0%
2005 6.6% 6.0% 6.6% 52.7% 23.0% 0.4% 4.7% 100.0%
2006 10.2% 8.6% 3.7% 54.8% 11.8% 0.1% 10.6% 100.0%
2007 6.9% 7.9% 11.6% 56.8% 7.9% 1.0% 7.9% 100.0%
2000-2007 6.5% 3.5% 8.2% 63.1% 11.8% 0.4% 6.5% 100.0%
Crescimento médio no período
2000-2005 4.1% -1.6% 11.3% 14.2% 8.0% 2.7% 27.3% 9.7%
2000-2007 8.2% 3.5% 14.7% 16.1% 9.1% 9.6% 40.1% 12.7%
2005-2007 19.3% 17.5% 23.7% 20.9% 11.9% 29.3% 78.2% 20.5%

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Importações Brasileiras: Parceiros selecionados

Importações Brasileiras: EUA


As importações brasileiras provenientes dos EUA se concentram, essencialmente, em bens de mé-
dia e alta intensidade tecnológica, enquanto as demais categorias de produtos têm participações pouco
relevantes. A taxa de crescimento das importações frente a este parceiro situou-se abaixo da média entre
2000 e 2007, mesmo padrão observado no caso das exportações, o que confirma uma tendência de
perda de importância relativa desse país como parceiro comercial brasileiro (Tabela 9).
Depois de uma retração verificada entre 2000 e 2005, as importações provenientes dos Estados
Unidos voltaram a crescer, mas a uma taxa inferior à verificada para o total das compras externas no
período de 2005 a 2007.

Importações Brasileiras: China


As importações brasileiras provenientes da China vêm crescendo de forma acelerada desde 2000,
a taxas médias de 39% a.a. — bem superiores às registradas para o total. O volume dessas importações
foi multiplicado por 12 em apenas sete anos (Tabela 10). Em relação à sua composição, predominam

ECONOMIA BRASILEIRA

273
bens de média e alta intensidade tecnológica, sendo o volume de importações de commodities primárias
praticamente nulo (cerca de US$ 211 milhões de um total de US$ 12,6 bilhões em 2007). A contribuição
ao crescimento mostra que o padrão de crescimento das importações manteve-se relativamente inalte-
rado no período em questão.

Tabela 9. Composição de das Importações brasileiras — EUA


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 500,991,530 529,764,507 352,121,249 5,087,798,069 6,083,735,911 122,516,050 360,452,555 13,037,379,871
2001 467,882,903 433,768,634 368,064,473 5,791,213,210 5,471,139,464 114,629,749 404,070,285 13,050,768,718
2002 478,718,910 314,322,171 264,590,271 5,062,804,259 3,860,772,198 97,695,683 361,412,726 10,440,316,218
2003 518,142,748 297,388,601 284,123,579 4,568,535,972 3,669,666,151 91,612,893 302,498,249 9,731,968,193
2004 496,664,557 377,999,016 402,956,819 5,136,488,193 4,527,195,812 110,096,399 487,290,357 11,538,691,153
2005 420,257,343 407,270,545 464,163,441 5,706,889,669 4,751,320,947 135,911,915 968,966,086 12,854,779,946
2006 462,378,795 512,316,351 553,374,325 6,549,077,725 5,448,201,969 150,560,951 1,180,579,308 14,856,489,424
2007 667,987,291 650,944,718 808,826,929 8,136,784,050 6,697,643,441 192,777,178 1,734,876,630 18,889,840,237

Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total


Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 3.8% 4.1% 2.7% 39.0% 46.7% 0.9% 2.8% 100%
2001 3.6% 3.3% 2.8% 44.4% 41.9% 0.9% 3.1% 100%
2002 4.6% 3.0% 2.5% 48.5% 37.0% 0.9% 3.5% 100%
2003 5.3% 3.1% 2.9% 46.9% 37.7% 0.9% 3.1% 100%
2004 4.3% 3.3% 3.5% 44.5% 39.2% 1.0% 4.2% 100%
2005 3.3% 3.2% 3.6% 44.4% 37.0% 1.1% 7.5% 100%
2006 3.1% 3.4% 3.7% 44.1% 36.7% 1.0% 7.9% 100%
2007 3.5% 3.4% 4.3% 43.1% 35.5% 1.0% 9.2% 100%

Taxa de Crescimento Médio -2007-2000


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2007 4.20% 2.99% 12.61% 6.94% 1.38% 6.69% 25.17% 5.44%

Contribuição ao Crescimento
2001 -247.3% -717.0% 119.1% 5253.7% -4575.4% -58.9% 325.8% 100.0%
2002 -0.4% 4.6% 4.0% 27.9% 61.7% 0.6% 1.6% 100.0%
2003 -5.6% 2.4% -2.8% 69.8% 27.0% 0.9% 8.3% 100.0%
2004 -1.2% 4.5% 6.6% 31.4% 47.5% 1.0% 10.2% 100.0%
2005 -5.8% 2.2% 4.7% 43.3% 17.0% 2.0% 36.6% 100.0%
2006 2.1% 5.2% 4.5% 42.1% 34.8% 0.7% 10.6% 100.0%
2007 5.1% 3.4% 6.3% 39.4% 31.0% 1.0% 13.7% 100.0%
2000-2007 2.9% 2.1% 7.8% 52.1% 10.5% 1.2% 23.5% 100.0%
Crescimento médio no período
2000-2005 -3.5% -5.1% 5.7% 2.3% -4.8% 2.1% 21.9% -0.3%
2000-2007 4.2% 3.0% 12.6% 6.9% 1.4% 6.7% 25.2% 5.4%
2005-2007 26.1% 26.4% 32.0% 19.4% 18.7% 19.1% 33.8% 21.2%

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Importações Brasileiras: Argentina.


As importações oriundas da Argentina têm um padrão diferente daquele observado nos principais
parceiros comerciais, concentrando-se em commodities primárias (na casa de 30% do total), apesar da
tendência de redução relativa dessa participação (30,6% em 2000 para 27,2% em 2007). Esse perfil
resulta, dentre outros fatores, da alta competitividade do parceiro em bens primários e da facilidade de
acesso, via Mercosul, ao mercado brasileiro (Tabela 11).

O desempenho do comércio exterior brasileiro por intensidade tecnológica, entre 2000 e 2008

274
Tabela 10. Composição das Importações brasileiras — China
Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 40,549,492 174,052,066 45,773,657 308,980,234 558,738,601 19,243,869 74,760,398 1,222,098,317
2001 38,662,240 203,159,040 45,276,964 402,273,389 485,006,374 27,853,169 126,158,135 1,328,389,311
2002 45,667,211 203,872,228 48,466,964 366,314,566 637,882,837 26,183,646 225,606,188 1,553,993,640
2003 45,349,894 270,125,871 55,968,386 502,878,174 937,452,049 27,768,381 308,256,249 2,147,799,004
2004 63,992,752 461,962,040 111,663,091 967,525,665 1,697,989,726 42,039,343 365,304,536 3,710,477,153
2005 108,502,636 694,128,493 189,013,600 1,412,885,282 2,709,258,252 54,833,569 185,897,326 5,354,519,158
2006 149,289,466 1,077,314,751 367,538,174 2,330,251,301 3,847,743,513 81,690,251 135,515,601 7,989,343,057
2007 211,042,294 1,811,647,569 838,530,450 4,056,645,930 5,323,858,042 133,797,171 242,233,059 12,617,754,515

Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total


Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 3.3% 14.2% 3.7% 25.3% 45.7% 1.6% 6.1% 100%
2001 2.9% 15.3% 3.4% 30.3% 36.5% 2.1% 9.5% 100%
2002 2.9% 13.1% 3.1% 23.6% 41.0% 1.7% 14.5% 100%
2003 2.1% 12.6% 2.6% 23.4% 43.6% 1.3% 14.4% 100%
2004 1.7% 12.5% 3.0% 26.1% 45.8% 1.1% 9.8% 100%
2005 2.0% 13.0% 3.5% 26.4% 50.6% 1.0% 3.5% 100%
2006 1.9% 13.5% 4.6% 29.2% 48.2% 1.0% 1.7% 100%
2007 1.7% 14.4% 6.6% 32.2% 42.2% 1.1% 1.9% 100%

Taxa de Crescimento Médio -2007-2000


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2007 26.57% 39.75% 51.50% 44.46% 37.99% 31.92% 18.29% 39.59%

Contribuição ao Crescimento
2001 -1.8% 27.4% -0.5% 87.8% -69.4% 8.1% 48.4% 100.0%
2002 3.1% 0.3% 1.4% -15.9% 67.8% -0.7% 44.1% 100.0%
2003 -0.1% 11.2% 1.3% 23.0% 50.4% 0.3% 13.9% 100.0%
2004 1.2% 12.3% 3.6% 29.7% 48.7% 0.9% 3.7% 100.0%
2005 2.7% 14.1% 4.7% 27.1% 61.5% 0.8% -10.9% 100.0%
2006 1.5% 14.5% 6.8% 34.8% 43.2% 1.0% -1.9% 100.0%
2007 1.3% 15.9% 10.2% 37.3% 31.9% 1.1% 2.3% 100.0%
2000-2007 1.5% 14.4% 7.0% 32.9% 41.8% 1.0% 1.5% 100.0%
Crescimento médio no período
2000-2005 21.8% 31.9% 32.8% 35.5% 37.1% 23.3% 20.0% 34.4%
2000-2007 26.6% 39.7% 51.5% 44.5% 38.0% 31.9% 18.3% 39.6%
2005-2007 39.5% 61.6% 110.6% 69.4% 40.2% 56.2% 14.2% 53.5%

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Saldo Comercial Brasileiro: Parceiros Selecionados

Saldo Comercial Brasileiro: EUA


A análise do saldo comercial brasileiro por conteúdo tecnológico para os Estados Unidos mostra
concentração em produtos primários, intensivos em trabalho e de baixa tecnologia. Esses itens foram
superavitários ao longo do período. Até 2005, o Brasil obteve superávit crescente com os EUA, especial-
mente devido ao desempenho dos produtos intensivos em trabalho e recursos naturais; em 2006, houve
estabilidade no saldo comercial global; em 2007, houve queda desse indicador. O país tem déficit nos
itens de alta e média intensidades tecnológicas. No período 2000-2002, houve uma reversão do déficit
em alta tecnologia, que caiu de US$ 3 bilhões aproximadamente, em 2000, para pouco mais de 170
milhões em 2002. A partir de então, o déficit cresceu de forma acentuada e atingiu US$ 3,8 bilhões em
2007. Esse comportamento pode ser explicado pelo comportamento das importações, que caíram entre
2000 e 2002 e voltaram a apresentar tendência de recuperação até 2007. A valorização do real após
2004 foi um dos determinantes desse movimento ascendente das importações.

ECONOMIA BRASILEIRA

275
Tabela 11. Composição das Importações brasileiras — Argentina.
Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 2,092,429,063 381,657,757 100,577,017 2,362,962,622 372,011,050 32,283,049 1,501,311,061 6,843,231,619
2001 1,741,863,796 331,511,120 125,458,217 2,498,199,244 390,732,226 22,406,650 1,096,366,210 6,206,537,463
2002 1,538,999,757 232,779,843 118,754,139 1,665,041,998 317,961,352 12,293,416 857,954,611 4,743,785,116
2003 1,597,589,794 229,239,361 111,828,749 1,490,654,612 379,753,031 8,032,671 855,512,305 4,672,610,523
2004 1,569,020,115 314,560,305 98,627,228 1,982,830,615 518,523,862 9,442,496 1,076,807,331 5,569,811,952
2005 1,544,032,146 326,801,853 129,586,574 2,686,236,394 523,665,790 18,206,871 1,012,580,401 6,241,110,029
2006 2,155,858,036 393,998,327 130,759,071 3,440,285,355 603,147,066 21,190,978 1,308,409,313 8,053,648,146
2007 2,828,115,375 450,277,657 153,269,175 4,596,697,347 733,546,859 17,127,371 1,630,963,576 10,409,997,360

Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total


Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 30.6% 5.6% 1.5% 34.5% 5.4% 0.5% 21.9% 100%
2001 28.1% 5.3% 2.0% 40.3% 6.3% 0.4% 17.7% 100%
2002 32.4% 4.9% 2.5% 35.1% 6.7% 0.3% 18.1% 100%
2003 34.2% 4.9% 2.4% 31.9% 8.1% 0.2% 18.3% 100%
2004 28.2% 5.6% 1.8% 35.6% 9.3% 0.2% 19.3% 100%
2005 24.7% 5.2% 2.1% 43.0% 8.4% 0.3% 16.2% 100%
2006 26.8% 4.9% 1.6% 42.7% 7.5% 0.3% 16.2% 100%
2007 27.2% 4.3% 1.5% 44.2% 7.0% 0.2% 15.7% 100%

Taxa de Crescimento Médio -2007-2000


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2007 4.40% 2.39% 6.20% 9.97% 10.19% -8.66% 1.19% 6.18%

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Tabela 12. Saldo Comercial Brasileiro: EUA


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 1,974,832,166 1,752,303,891 1,068,216,707 -1,921,873,106 -3,009,300,749 319,610,754 168,719,045 352,508,708
2001 1,624,116,227 2,033,565,599 944,103,340 -2,685,409,536 -1,426,502,753 232,850,083 624,738,405 1,347,461,365
2002 1,899,371,937 2,576,330,768 1,105,276,091 -1,442,477,027 174,304,728 283,404,488 522,787,988 5,118,998,973
2003 2,395,905,096 2,952,832,548 1,039,730,495 -494,878,076 -286,653,118 285,041,342 1,313,234,305 7,205,212,592
2004 3,219,073,692 3,704,173,038 2,215,441,765 -445,648,670 -1,083,530,620 395,246,472 859,719,150 8,864,474,827
2005 3,720,294,240 3,701,730,938 2,750,469,845 205,758,128 -1,166,040,146 407,091,105 336,008,461 9,955,312,571
2006 4,168,225,311 3,526,120,493 2,704,160,055 673,554,001 -2,959,776,212 644,555,622 1,161,088,788 9,917,928,058
2007 4,126,438,774 2,884,681,970 2,332,155,061 -1,820,068,762 -3,827,319,501 810,761,965 1,939,026,746 6,445,676,253

Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total


Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 560.2% 497.1% 303.0% -545.2% -853.7% 90.7% 47.9% 100%
2001 120.5% 150.9% 70.1% -199.3% -105.9% 17.3% 46.4% 100%
2002 37.1% 50.3% 21.6% -28.2% 3.4% 5.5% 10.2% 100%
2003 33.3% 41.0% 14.4% -6.9% -4.0% 4.0% 18.2% 100%
2004 36.3% 41.8% 25.0% -5.0% -12.2% 4.5% 9.7% 100%
2005 37.4% 37.2% 27.6% 2.1% -11.7% 4.1% 3.4% 100%
2006 42.0% 35.6% 27.3% 6.8% -29.8% 6.5% 11.7% 100%
2007 64.0% 44.8% 36.2% -28.2% -59.4% 12.6% 30.1% 100%

Taxa de Crescimento Médio -2007-2000


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2007 11.10% 7.38% 11.80% -0.77% 3.49% 14.22% 41.74% 51.46%

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

O desempenho do comércio exterior brasileiro por intensidade tecnológica, entre 2000 e 2008

276
Saldo Comercial Brasileiro: China
A análise do saldo comercial com a China mostra que a posição superavitária que prevaleceu até
2006 era mantida basicamente em função do superávit em commodities primárias e em produtos de
baixa intensidade tecnológica. Em 2007, o expressivo aumento das importações de bens de média e alta
tecnologias reverteu a posição superavitária com a China. O déficit comercial em 2007 só não foi maior
graças ao desempenho das exportações de commodities primárias, que compensaram parte das impor-
tações da China de bens de maior valor agregado (Tabela 13).
Cabe destacar que o maior déficit (de U$ 5,0 bilhões) ocorreu no segmento de alta tecnologia e,
como esta tendência de deterioração do saldo comercial nestes produtos é crescente desde 2000, o
perfil do comércio exterior entre Brasil e China tem mostrado piora do ponto de vista da competitividade
dos produtos brasileiros de maior valor agregado no mercado chinês.

Tabela 13. Composição do Saldo Comercial brasileiro com a China


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 773,652,197 -130,998,316 -6,735,727 -230,114,284 -485,207,173 -18,780,027 -38,613,390 -136,796,720
2001 1,294,195,000 -118,710,417 16,652,257 -145,943,009 -359,170,489 -27,000,537 -86,289,913 573,732,892
2002 1,834,753,216 -71,790,316 105,904,427 -73,683,188 -590,106,451 -12,525,785 -225,566,872 966,985,031
2003 2,919,259,005 -77,770,948 717,121,200 -12,692,937 -849,393,115 -26,614,997 -284,344,050 2,385,564,158
2004 3,950,526,236 -212,493,028 321,707,952 -559,233,235 -1,584,765,997 -38,643,780 -145,829,579 1,731,268,569
2005 4,716,781,991 -398,666,882 375,378,115 -983,760,808 -2,551,062,295 -50,368,830 372,176,531 1,480,477,822
2006 6,053,900,438 -643,711,049 -162,233,745 -1,780,714,858 -3,679,620,816 -75,024,985 700,430,785 413,025,770
2007 8,051,209,572 -1,261,508,384 -483,997,044 -3,554,077,072 -5,096,279,475 -122,233,294 597,944,974 -1,868,940,723

Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total


Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 -565.5% 95.8% 4.9% 168.2% 354.7% 13.7% 28.2% 100%
2001 225.6% -20.7% 2.9% -25.4% -62.6% -4.7% -15.0% 100%
2002 189.7% -7.4% 11.0% -7.6% -61.0% -1.3% -23.3% 100%
2003 122.4% -3.3% 30.1% -0.5% -35.6% -1.1% -11.9% 100%
2004 228.2% -12.3% 18.6% -32.3% -91.5% -2.2% -8.4% 100%
2005 318.6% -26.9% 25.4% -66.4% -172.3% -3.4% 25.1% 100%
2006 1465.7% -155.9% -39.3% -431.1% -890.9% -18.2% 169.6% 100%
2007 -430.8% 67.5% 25.9% 190.2% 272.7% 6.5% -32.0% 100%

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Saldo Comercial Brasileiro: Argentina


A análise do saldo comercial com a Argentina a partir de 2004 mostra que o comércio entre os
dois países é basicamente superavitário para o Brasil. A dimensão do superávit só não é maior devido ao
elevado saldo positivo que esse parceiro registra na categoria de commodities primárias (Tabela 14) —
situação oposta à prevalecente no comércio Brasil-China. Nas demais categorias, a posição brasileira é
altamente superavitária, em particular nas de média intensidade tecnológica.

Classificação por dinamismo na pauta do mercado mundial


Nesta seção, avaliam-se quais foram os principais produtos que ganharam ou perderam participa-
ção no comércio mundial, com base na seguinte tipologia: (i) se o produto ganhou participação na pauta

ECONOMIA BRASILEIRA

277
mundial e o país ganhou participação de mercado nesse item, o setor é classificado como ‘Oportunidade
Aproveitada’; caso o produto em questão tenha ganhado participação no mercado mundial e o país perdi-
do participação no mercado mundial no produto em questão, o setor é então classificado como ‘Oportu-
nidade Perdida’; se o produto em questão está perdendo participação no mercado mundial e o país está
ganhando participação nesse mercado, o produto é então classificado como ‘Produto em Declínio’; e (iv),
por fim, no caso em que o produto está perdendo participação na pauta mundial e o país está perdendo
mercado nesse produto, o produto é classificado como ‘Produto em Retrocesso’.

Tabela 14. Composição do Saldo Comercial brasileiro com a Argentina


Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total
Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 -1,372,651,437 669,030,842 316,438,957 442,210,133 781,056,997 4,065,575 -1,445,698,313 -605,547,246
2001 -1,108,187,493 612,690,602 271,680,663 -374,249,808 363,532,033 14,353,366 -976,546,602 -1,196,727,239
2002 -1,132,101,959 53,356,231 44,992,615 -660,857,482 116,530,870 7,891,817 -827,088,934 -2,397,276,842
2003 -1,019,115,896 380,260,890 171,373,210 850,836,427 331,593,387 17,215,551 -835,006,438 -102,842,869
2004 -858,770,851 502,473,600 445,598,454 2,130,092,942 591,198,533 21,929,411 -1,011,366,647 1,821,155,442
2005 -665,812,790 642,424,070 581,064,091 2,764,849,026 1,170,114,633 23,246,827 -826,842,950 3,689,042,907
2006 -1,092,257,710 731,065,668 647,413,170 3,002,721,982 1,304,738,020 22,271,866 -930,009,203 3,685,943,793
2007 -1,578,986,866 887,160,685 934,199,196 3,366,871,047 1,386,839,244 52,141,375 -1,041,276,453 4,006,948,228

Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e Outros Total


Primárias Trabalho e Recursos Intensidade Intensidade Intensidade classificados Insumos Energéticos
Naturais
2000 226.7% -110.5% -52.3% -73.0% -129.0% -0.7% 238.7% 100%
2001 92.6% -51.2% -22.7% 31.3% -30.4% -1.2% 81.6% 100%
2002 47.2% -2.2% -1.9% 27.6% -4.9% -0.3% 34.5% 100%
2003 990.9% -369.7% -166.6% -827.3% -322.4% -16.7% 811.9% 100%
2004 -47.2% 27.6% 24.5% 117.0% 32.5% 1.2% -55.5% 100%
2005 -18.0% 17.4% 15.8% 74.9% 31.7% 0.6% -22.4% 100%
2006 -29.6% 19.8% 17.6% 81.5% 35.4% 0.6% -25.2% 100%
2007 -39.4% 22.1% 23.3% 84.0% 34.6% 1.3% -26.0% 100%

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

O comércio brasileiro apresentou vários produtos que podem ser classificados como ‘oportuni-
dades perdidas’ (Tabela 15). Alguns destaques são itens do complexo aéreo e os produtos siderúrgicos,
nos quais o país possui vantagem comparativa mas perdeu participação no mercado mundial no período
2000-2007.
Em termos de “oportunidades aproveitadas”, muitas delas se concentram em setores primários,
intensivos em trabalho, baixa e média intensidade tecnológica. Os produtos de destaque são os agrícolas,
como soja e café, dentre outros. No caso dos produtos pecuários, a participação do Brasil no mercado
mundial avançou expressivamente, atingindo a casa de dois dígitos para alguns itens (Tabela 16), tornan-
do o país um ator importante neste setor. Esse talvez seja o grande destaque do comércio brasileiro no
período 2000-2007. O Brasil conseguiu dobrar sua participação no mercado mundial em produtos como
carnes num período relativamente curto.
Dos setores em Declínio, ou seja, que estão perdendo participação no mercado mundial, os maiores
destaques da pauta brasileira são o tabaco e açúcar, itens nos quais o país tem, tradicionalmente, vantagem
comparativa. (Tabela 17). Além destes, vale mencionar igualmente alumínio, algodão, tratores agrícolas e
maquinaria agrícola em geral. Nesses casos, o país ganhou competitividade e ampliou sua participação nos
respectivos mercados, mas estes itens não foram dinâmicos no comércio mundial no período.

O desempenho do comércio exterior brasileiro por intensidade tecnológica, entre 2000 e 2008

278
Tabela 15. Oportunidades perdidas: 2000-2007 — Participação no mercado mundial
Descrição Produto 2000 2007
281 Minério / concentrado de ferro 32.23% 25.96%
059 Fruta e sucos não fermentados e sem preservantes 28.77% 25.35%
081 Alimentos para animais, exceto cereais em grãos 12.09% 9.54%
672 Ferro, aço - forma primária 23.38% 7.35%
075 Temperos 7.21% 5.10%
792 Equipamentos para aviação e foguetes 12.16% 4.46%
248 Dormentes de madeira 4.89% 3.99%
612 Velos curtidos, preparados 10.72% 3.61%
635 Papel e papelão 6.61% 3.18%
625 Artigos de borracha nea 5.71% 3.17%
634 Manufaturados de madeira nea 6.47% 2.95%
284 Niquel e concentrados 2.90% 2.83%
851 Sapatos, tenis, etc 9.86% 2.80%
062 Doces não achocolatados 5.05% 2.68%
072 Cacau 2.58% 2.45%
713 Máquinas de combustão interna 6.56% 2.37%
232 Borracha sintética, reciclada 2.59% 2.27%
782 Veículos para transporte especiais 3.99% 2.20%
791 Veículos para transporte ferroviários 2.20% 1.96%
675 Tiras, arcos de ferro, aço 2.52% 1.82%
748 Transmissão, partes 3.67% 1.68%
742 Bombas para líquidos, etc. 3.35% 1.67%
511 Álcoois, fenóis e derivados nea 3.03% 1.60%
516 Outros produtos químicos orgânicos 3.17% 1.55%
514 Compostos de nitrogênio 1.81% 1.54%
592 Insulina 2.31% 1.45%
652 Tecidos de fibra artificial 1.95% 1.42%
098 Produtos comestíveis, preparados nea 5.41% 1.40%
663 Manufaturados minerais nea 2.05% 1.23%
658 Outros texteis nea 3.94% 1.22%
693 Fios metálicos não elétricos 1.40% 1.15%
692 Containeres de ferro para transporte ou estocagem 1.22% 1.15%
679 Tubos, válvulas, etc. de ferro / aço 1.31% 1.11%
621 Pneus, válvulas, bandas de rodagem, etc. de borracha 1.49% 1.11%
657 Artigos têxteis elaborados 1.63% 1.08%
746 Máquinas de rolamentos 1.27% 1.00%
725 Maquinaria de indústria de papel 2.21% 0.99%
575 Outros plásticos 1.04% 0.95%
287 Minério / concentrado de metal básico nea 0.86% 0.85%
699 Manufaturados de metal básico nea 1.36% 0.80%
582 Plásticos em geral 0.79% 0.74%
531 Materiais sintéticos orgânicos para coloração 1.36% 0.74%
664 Vidro 1.78% 0.68%
812 Tubulações para saneamento, aquecimento 0.69% 0.67%
764 Equipamentos de telecomunicações 4.22% 0.66%
895 Suplementos para escritório 2.00% 0.61%
651 Tecidos de algodão 1.14% 0.58%
573 Polimeros em geral 0.62% 0.53%
048 Farinha / amido de cereais, etc. 0.67% 0.45%
245 Lenha, carvão de madeira 1.10% 0.44%
598 Produtos químicos diversos nea 0.80% 0.42%
872 Instrumentos para uso médico e veterinário 0.70% 0.33%
122 Tabaco manufaturado 1.02% 0.33%
515 Compostos organo-inorgânicos 0.47% 0.32%
749 Acessório de máquinaria não elétrica 0.98% 0.31%
666 Cerâmica 1.05% 0.29%
034 Peixe fresco, resfriado, congelado 0.43% 0.28%
874 Instu=rumentos de análise, checagem e controle 0.66% 0.27%
772 Aparelhos de comando elétricos 0.89% 0.26%
542 Medicamentos (incluindo veterinários) 1.04% 0.24%
844 roupa feminina feitos a mão 0.72% 0.21%
659 Pisos, pavimentos, etc. 0.29% 0.20%
056 Legumes / verduras em conserva, processados 0.35% 0.19%
892 Impressos 0.26% 0.19%
288 Sucata de metal não ferroso nea 0.47% 0.18%
111 Bebidas não - alcoólicas nea 1.84% 0.16%
667 Fragmentos de pedras preciosas e semipreciosas 0.33% 0.15%
035 Peixe salgado, seco, defumado 0.13% 0.09%
848 Acessórios de roupa sem produtos texteis 0.11% 0.07%
752 Aparelhos eletronicos de processamento de dados para máquinas 0.71% 0.07%
774 Equipamento médico e radiológico 0.21% 0.06%
894 Brinquedos, carrinhos de bebê e bens esportivos 0.25% 0.06%
046 Farinha / farelo de trigo 0.08% 0.05%
846 Acessórios de roupa 0.20% 0.05%
841 roupa masculina não feitos a mão 0.15% 0.05%
247 Outros blocos de madeira bruta 0.40% 0.03%
871 Instrumentos óticos 0.15% 0.02%
269 Resíduos de fábricas têxteis 0.02% 0.02%
525 Materiais radioativos 0.01% 0.01%
881 Equipamento fotográfico 0.05% 0.01%
244 Cortiça natural, crua e industrializada 0.01% 0.00%

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

ECONOMIA BRASILEIRA

279
Tabela 16. Oportunidades aproveitadas 2000-2007 — Participação no mercado mundial

Código Descrição 2000 2007


222 Sementes para óleo, etc. - óleo soft 22.26% 26.63%
071 Café / substitutos do café 20.18% 23.57%
011 Carne de vaca fresca, resfriada, congelada 4.03% 16.97%
016 Carne processada, conserva 0.37% 16.41%
012 Carne seca, salgada, defumada para consumo humano 7.65% 14.68%
017 Carne processada, conserva, nea 8.87% 14.53%
611 Couro 10.82% 10.97%
421 Óleos não voláteis não soft 8.14% 10.38%
251 Pasta e resíduos de papel 8.86% 10.06%
283 Minério / concentrado de urânio, tório 0.00% 6.27%
512 Álcoois, fenóis e derivados nea 2.01% 5.11%
265 Fibra vegetal, exceto algodão e juta 2.29% 4.79%
661 Argila / material refratário 3.58% 4.55%
273 Pedra, areia, cascalho 1.53% 2.63%
683 Níquel 2.49% 2.54%
811 Prédios pré-fabricados 0.51% 2.32%
676 Barras, hastes, etc. de ferro, aço 1.69% 2.29%
001 Animais vivos para alimentação, exceto divisão 03 0.08% 2.25%
686 Zinco 0.79% 2.09%
613 Matérias de borracha 1.07% 1.99%
674 Cilindro de ferro chapeado 1.70% 1.73%
793 Navios e outras estruturas 0.10% 1.63%
786 Trailers 0.98% 1.17%
718 Outras máquinas de geração de energia 0.74% 1.17%
022 Leite e creme de leite, exceto manteiga e queijo 0.20% 1.09%
751 Aparelhos para escritório 0.27% 1.03%
712 Turbinas a vapor 0.46% 0.98%
728 Maquinaria de indústrias especiais nea 0.65% 0.87%
411 Óleos vegetais não voláteis, soft 0.39% 0.84%
058 Frutas em conserva, processadas 0.72% 0.78%
292 Matérias vegetais brutas nea 0.59% 0.70%
042 Arroz 0.31% 0.55%
523 Ácidos inorgânicos 0.39% 0.52%
268 Lã (exc. alta qualid.), pelagem animal 0.27% 0.47%
261 Seda 0.18% 0.43%
344 Gases de petróleo e outros hidrocarbonetos nea 0.08% 0.26%
023 Manteiga e queijo 0.01% 0.21%
282 Sucata de ferro e aço 0.05% 0.17%
054 Legumes / verduras frescos, resfriados congelados 0.12% 0.15%
041 Trigo etc. em grãos 0.00% 0.15%
633 Folhas, compensados, etc. de madeira 0.14% 0.14%
681 Prata, platina, etc. 0.06% 0.14%
685 Chumbo 0.01% 0.13%
272 Fertilizantes brutos 0.04% 0.08%
277 Abrasivos naturais nea 0.03% 0.06%
231 Borracha sintética, industrializada, etc. 0.01% 0.03%
212 Velos crus 0.02% 0.03%
274 Súlfur, perita bruta 0.01% 0.01%
883 Filmes de cinema revelados 0.00% 0.01%
325 Coque e aglomerados 0.00% 0.01%
351 Equipamento elétrico 0.00% 0.00%

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

O desempenho do comércio exterior brasileiro por intensidade tecnológica, entre 2000 e 2008

280
Tabela 17. Setores em declínio: 2000-2007 — Participação no mercado mundial
Código Descrição 2000 2007
121 Tabaco, cru e industrializado 18.40% 28.62%
061 Açúcar / melaço / mel 16.55% 25.81%
044 Milho, exceto milho doce 0.13% 14.08%
285 Alumínio e concentrados 6.25% 12.21%
291 Matérias animais brutas nea 2.87% 5.19%
263 Algodão 0.54% 4.76%
722 Tratores agrícolas 2.08% 4.37%
721 Maquinaria agrícola, exceto tratores 2.13% 2.95%
047 Farelos, farinha de outro cereal 1.52% 2.84%
045 Cereais nea em grãos 0.02% 2.30%
025 Ovos / aves, frescos, conserva, albumina (clara de ovo) 1.48% 2.30%
267 Outras fibras artificiais 1.42% 1.91%
289 Metais preciosos 0.41% 1.87%
057 Frutas / castanhas frescas, secas 1.71% 1.72%
682 Cobre, exceto cimento de cobre 0.63% 1.64%
641 Papéis, cartões cortados e artigos 1.19% 1.47%
333 Gasolina pesada / óleos betuminosos 0.14% 1.11%
745 Maquinaria, ferramentas, não elétricas nea 0.92% 0.95%
727 Maquinaria de indústria alimentícia 0.86% 0.95%
562 Fertilizantes que não 272 0.59% 0.83%
266 Fibras sintéticas para fiar 0.28% 0.79%
597 Lubrificantes 0.50% 0.65%
656 Tecidos e produtos têxteis especiais 0.49% 0.50%
572 Outros polímeros na forma bruta 0.34% 0.36%
653 Outros tecidos feitos a mão 0.19% 0.24%
223 Sementes para óleo - óleo não soft 0.13% 0.16%
024 Queijo e coalho 0.09% 0.16%
211 Couros / peles crus, exceto velos 0.07% 0.16%
896 Obras de arte 0.01% 0.07%
342 Propano e butano 0.01% 0.02%
322 Briquete, coque, semi-coque 0.00% 0.01%
264 Juta, outras fibras têxteis 0.00% 0.01%

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Na pauta do Brasil, destacam-se, na classificação “produtos em retrocesso, os motores para veícu-


los, alguns produtos a base de aço, armas de fogo e munição. Nesses mercados, que tiveram desempe-
nho desfavorável no mercado mundia,l o país perdeu participação relativa (Tabela 18).

Índice de Vantagem Comparativa Revelada


Com o objetivo de aprofundar o entendimento da competitividade das exportações, foi cal-
culado o índice de vantagem comparativa revelada (VCR), proposto por Ballassa (1965). O índice
consiste na razão entre a participação do produto i na pauta do país e a participação do produto na
pauta internacional. Se o índice for maior que 1, o país possui vantagem comparativa revelada no
produto; vice-versa, se o índice for menor que 1, o país não possui vantagem comparativa revelada
no produto. Caso o logaritmo do índice esteja sendo analisado, a interpretação é direta: valores po-
sitivos representam vantagem comparativa; valores negativos representam ausência de vantagem
comparativa.

ECONOMIA BRASILEIRA

281
695 Ferramentas manuais / de máquinas 1.28% 0.99%
554 Sabão, produtos de limpeza, etc. preparados 1.60% 0.98%
781 Partes e acessórios de veículos a motor nea 1.99% 0.97%
629 Outros artigos de borracha 2.25% 0.95%
678 Tubos e válvulas de ferro / aço; fios de aço, etc. 1.21% 0.95%
821 Móveis 2.41% 0.94%
581 tubos, encanamentos 1.55% 0.91%
513 Ácidos carboxílicos e derivados 1.31% 0.90%
773 Equipamentos de distribuição elétrico 1.70% 0.87%
771 maquinaria elétrica 2.17% 0.84%
785 Motocicletas 1.29% 0.84%

Tabela 18. Setores em retrocesso: 2000-2007 — Participação no mercado mundial 553


036
Perfume e comésticos
Moluscos, crustáceos, etc., frescos, congelados
1.23%
1.38%
0.80%
0.79%
665 Artigos de vidro 0.97% 0.76%
775 Equipamento elétrico e não elétrico para residências 1.36% 0.69%
593 Explosivos e produtos pirotécnicos 1.01% 0.67%
Produto Descrição 2000 2007
533 Pigmentos, tintas, verniz 1.02% 0.65%
671 Barras de ferro, ligas de ferro, etc. 11.98% 10.89%
747 Válvulas de controle termostático 0.78% 0.64%
783 Veículos de passeio nea 5.13% 4.65%
689 Diversos metais básicos não-ferrosos 1.15% 0.62%
684 Alumínio 5.25% 3.68%
642 Papel cortado sob medida 3.37% 0.61%
532 Outros pigmentos nea 5.33% 3.43%
741 Equipamento de aquecimento e resfriamento 1.36% 0.60%
278 Outros minerais brutos 3.43% 3.22%
882 Equipamento fotográfico e cinematográfico 2.25% 0.59%
246 Polpa de madeira, cavacos, resíduos de madeira 3.49% 3.14%
897 Ouro, prata e jóias 0.79% 0.56%
891 Armas de fogo bélicas, munição 3.24% 2.83%
778 Maquinaria elétrica 1.54% 0.54%
571 Polímeros de etileno na forma bruta 3.59% 2.80%
574 Resinas na forma bruta 1.38% 0.53%
662 Cal, cimento, material de construção 3.83% 2.70%
694 Pregos, porcas, etc. de aço, cobre 0.79% 0.51%
723 Equipamento de engenharia civil, etc. 3.16% 2.69%
335 Outros produtos de petróleio residuais 1.32% 0.51%
524 Outros produtos químicos inorgânicos 3.88% 2.55%
899 Outros produto não classificados 1.37% 0.45%
431 Óleo animal e vegetais 5.37% 2.53%
541 Outros produtos farmaceuticos que não 542 0.98% 0.44%
716 Usina elétrica de rotação e partes 3.42% 2.45%
733 Máquians-ferramenta para trabalhar metal 2.00% 0.42%
687 Estanho 3.21% 2.45%
691 Estruturas de ferro, aço, alumínio 0.68% 0.39%
696 Cutelaria 5.63% 2.08%
655 Rendas, fitas, tules, etc. 0.96% 0.39%
591 Pesticidas e desinfetantes 2.64% 2.06%
677 Materiais para ferrovias de ferro / aço 0.58% 0.38%
784 Acessorios para veículos nea em 722, 781, 782 e 783 4.06% 1.86%
744 Equipamento mecânico manual 0.56% 0.35%
971 Ouro não monetário 3.94% 1.64%
724 Maquinaria têxtil / de couro 0.65% 0.34%
743 Ventoinhas, filtros, bombas de gasolina 4.42% 1.64%
583 Plásticos de dimensão de superio a 1mm 0.42% 0.32%
522 Produtos químicos inorgânicos 2.55% 1.61%
893 Artigos plásticos 0.73% 0.32%
673 Chapas de ferro, aço, etc. 2.07% 1.60%
731 Máquinas-ferramenta para remover metal 0.59% 0.29%
873 Filmes de cinema revelados 3.74% 1.51%
762 Rádio e receptores 3.98% 0.26%
711 Caldeiras a vapor e complementos 1.97% 1.25%
714 Máquinas não elétricas nea 0.83% 0.23%
334 Produtos residuais do petróleo 1.53% 1.24%
735 Máquians-ferramenta nea 0.57% 0.23%
551 Sabão, produtos de limpeza, etc. preparados 2.33% 1.24%
037 Peixes etc., processados, conserva, nea 0.21% 0.18%
697 Equipamento doméstico de metal básico 3.10% 1.16%
726 Maquinaria de indústria gráfica 0.22% 0.15%
074 Chá e mate 2.35% 1.13%
654 Outros tecidos 0.24% 0.15%
091 Margarina e gordura vegetal 1.57% 1.07%
761 Televisão e afins 1.37% 0.14%
737 Maquinaria para metal nea 1.04% 1.04%
884 Bens óticos 1.73% 0.14%
073 Chocolate / preparados de cacau 1.58% 1.03%
579 Plásticos 0.29% 0.14%
695 Ferramentas manuais / de máquinas 1.28% 0.99%
112 Bebidas alcoólicas 0.33% 0.13%
554 Sabão, produtos de limpeza, etc. preparados 1.60% 0.98%
845 Outros artigos texteis nea 0.41% 0.12%
781 Partes e acessórios de veículos a motor nea 1.99% 0.97%
843 roupa masculina feitos a mão 1.08% 0.12%
629 Outros artigos de borracha 2.25% 0.95%
813 Tubulações para saneamento, aquecimento nea 0.11% 0.08%
678 Tubos e válvulas de ferro / aço; fios de aço, etc. 1.21% 0.95%
842 roupa feminina não feitos a mão 0.16% 0.08%
821 Móveis 2.41% 0.94%
422 Óleos vegetais / animais processados etc. 0.81% 0.07%
581 tubos, encanamentos 1.55% 0.91%
898 Instrumentos musicais 0.22% 0.07%
513 Ácidos carboxílicos e derivados 1.31% 0.90%
831 Bens de viagem, malas, etc 0.11% 0.06%
773 Equipamentos de distribuição elétrico 1.70% 0.87%
759 Partes e acessórios não classificados de 751-752 0.48% 0.04%
771 maquinaria elétrica 2.17% 0.84%
776 Transitores e circuitos elétricos 0.89% 0.03%
785 Motocicletas 1.29% 0.84%
885 Relógios 0.03% 0.01%
553 Perfume e comésticos 1.23% 0.80%
763 Aparelhos de sons 0.16% 0.01%
036 Moluscos, crustáceos, etc., frescos, congelados 1.38% 0.79%
321 Carvão mineral, lignite, turfa 0.00% 0.00%
665 Artigos de vidro 0.97% 0.76%
043 Cevada em grãos 0.00% 0.00%
775 Equipamento elétrico e não elétrico para residências 1.36% 0.69%
343 Gas natural 0.00% 0.00%
593 Explosivos e produtos pirotécnicos 1.01% 0.67%
533 Pigmentos, tintas, verniz 1.02% 0.65%
747 Válvulas de controle termostático 0.78% 0.64%
689 Diversos metais básicos não-ferrosos 1.15% 0.62%
642 Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Papel cortado sob medida 3.37% 0.61%
741 Equipamento de aquecimento e resfriamento 1.36% 0.60%
882 Equipamento fotográfico e cinematográfico 2.25% 0.59%
897
778
O Gráfico 5 mostra o cruzamento dos índices de vantagem comparativa revelada em escala
Ouro, prata e jóias
Maquinaria elétrica
0.79%
1.54%
0.56%
0.54%
574 Resinas na forma bruta 1.38% 0.53%
logarítmica.
694 Pregos, porcas, etc. de aço, cobre 0.79% 0.51%
335 Outros produtos de petróleio residuais 1.32% 0.51%
899 Outros produto não classificados 1.37% 0.45%
541
733 Gráfico 5. Comparativo da vantagem comparativa revelada entre 2000 e 2007 (Escala Logaritmica)
Outros produtos farmaceuticos que não 542
Máquians-ferramenta para trabalhar metal
0.98%
2.00%
0.44%
0.42%
691 Estruturas de ferro, aço, alumínio 0.68% 0.39%
655 Rendas, fitas, tules, etc. 0.96% 0.39%
677 Materiais para ferrovias de ferro / aço 0.58% 0.38%
6
744 Equipamento mecânico manual 0.56% 0.35%
724 Maquinaria têxtil / de couro 0.65% 0.34%
583 Plásticos de dimensão de superio a 1mm 0.42% 0.32% 4
893 Artigos plásticos 0.73% 0.32%
731 Máquinas-ferramenta para remover metal 0.59% 0.29%
2
762 Rádio e receptores 3.98% 0.26%
714 Máquinas não elétricas nea 0.83% 0.23%
735 Máquians-ferramenta nea 0.57% 0.23% 0
037
-14 Peixes
-12 etc., processados,-10 conserva, nea -8 0.21% 0.18%
-6 -4 -2 0 2 4
726 Maquinaria de indústria gráfica 0.22% 0.15%
-2
654 Outros tecidos 0.24% 0.15%
VCR 2007

761 Televisão e afins 1.37% 0.14%


884 Bens óticos 1.73% 0.14% -4
579 Plásticos 0.29% 0.14%
112 Bebidas alcoólicas 0.33% 0.13%
845 Outros artigos texteis nea 0.41% 0.12% -6

843 roupa masculina feitos a mão 1.08% 0.12%


813 Tubulações para saneamento, aquecimento nea 0.11% 0.08% -8
842 roupa feminina não feitos a mão 0.16% 0.08%
422 Óleos vegetais / animais processados etc. 0.81% 0.07%
898 Instrumentos musicais 0.22% 0.07% -10
831 Bens de viagem, malas, etc 0.11% 0.06%
759 Partes e acessórios não classificados de 751-752 0.48% 0.04%
-12
776 Transitores e circuitos elétricos 0.89% 0.03% VCR 2000
885 Relógios 0.03% 0.01%
Série1 Polinômio (Série1)
763 Aparelhos de sons 0.16% 0.01%
321 Carvão mineral, lignite, turfa 0.00% 0.00%
043 Cevada em grãos 0.00% 0.00%
343
Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.
Gas natural 0.00% 0.00%

O desempenho do comércio exterior brasileiro por intensidade tecnológica, entre 2000 e 2008

282
No eixo das abscissas está a participação de mercado em 2000; no eixo da coordenadas está a
participação de mercado em 2007. Pontos no quadrante positivo indicam que o produto era competitivo
em 2000 e em 2007 (VCR alto). No quadrante negativo, estão os produtos nos quais o país não tinha
vantagem comparativa revelada em 2000 e manteve esse padrão em 2007.
Como era de se esperar, existe uma associação claramente positiva entre a posição ocupada pelo
produto em 2000 e 2007. Grande parte dos produtos que tinham vantagem comparativa em 2000 man-
teve essa posição em 2007. Houve melhoria de competitividade entre 2000 e 2007, segundo o indicador
de VCR, em produtos como milho, algodão e alguns equipamentos para telecomunicações. Houve perda
de competitividade brasileira em produtos óticos, bebidas não alcoólicas e alguns bens a base de aço,
hidrocarbonetos, têxteis, chá e mate (Tabela 19).

Tabela 19. Setores que mudaram de status no que tange ao VCR


Produto Descrição 2000 2007
044 Milho, exceto milho doce 0.104194 4.90989
263 Algodão 0.409265 1.68994
025 Ovos / aves, frescos, conserva, albumina (clara de ovo) 0.952892 1.075655
679 Tubos, válvulas, etc. de ferro / aço 0.855829 1.058608
073 Chocolate / preparados de cacau 0.927891 1.035177
711 Caldeiras a vapor e complementos 0.674255 1.027538
764 Equipamentos de telecomunicações 0.629376 1.02576
074 Chá e mate 1.087105 0.994219
663 Manufaturados minerais nea 1.163733 0.957877
664 Vidro 1.259822 0.928427
673 Chapas de ferro, aço, etc. 1.408036 0.918646
675 Tiras, arcos de ferro, aço 1.130844 0.849265
511 Hidrocarbonetos nea 1.43027 0.825442
657 Artigos têxteis elaborados 1.320236 0.819308
775 Equipamento elétrico e não elétrico para residências 1.046195 0.787178
762 Rádio e receptores 1.232075 0.779087
111 Bebidas não - alcoólicas nea 1.05947 0.746323
683 Níquel 1.015551 0.683274

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

A Tabela 20 mostra os produtos com vantagem comparativa evidente. Os principais são: aço, soja,
tabaco, café, carnes em geral, couros, sapatos, açúcar, alumínio, borracha, equipamentos para avião,
dentre outros. Desses, apenas os equipamentos para avião estão entre os produtos com maior complexi-
dade tecnológica na classificação proposta pela UNCTAD.

Evolução da balança comercial do Brasil por intensidade tecnológica


EM 2008 (acumulado até setembro)
Nesta seção, faz-se uma análise do comércio brasileiro com base nos dados disponíveis para
2008 (janeiro a setembro). Como os dados do Comtrade fornecem informações apenas para 2007, foi
utilizada a base de dados do MDIC. Cada um dos 4.821 produtos classificados na NCM (Nomenclatura
Comum do Mercosul) foi encaixado na classificação do NEITT-UNCTAD. Existe uma diferença no que tange
aos dados das importações. Como já mencionado, no caso brasileiro, o sistema Alice divulga dados FOB,
enquanto os dados das importações divulgados pelo Comtrade são CIF. Os dados de exportação do siste-

ECONOMIA BRASILEIRA

283
Tabela 20. Setores com alto VCR em 2007
Produto Descrição 2000 2007
281 Minério / concentrado de ferro 18.82900023 17.38324
061 Açúcar / melaço / mel 10.25904401 14.84678
222 Sementes para óleo, etc. - óleo soft 11.82187654 12.50325
672 Ferro, aço - forma primária 15.07960025 12.37631
059 Fruta e sucos não fermentados e sem preservantes 13.68937457 11.38568
071 Café / substitutos do café 10.91060799 10.5414
121 Tabaco, cru e industrializado 9.355733046 9.492621
012 Carne seca, salgada, defumada para consumo humano 5.738180319 8.673348
081 Alimentos para animais, exceto cereais em grãos 6.634162682 7.145959
671 Barras de ferro, ligas de ferro, etc. 6.849783922 6.659944
851 Sapatos, tenis, etc 6.347868373 5.65282
421 Óleos não voláteis não soft 4.285300262 5.535778
611 Couro 5.75274803 5.501494
011 Carne de vaca fresca, resfriada, congelada 3.468944559 5.35492
017 Carne processada, conserva, nea 5.614804961 4.96502
792 Equipamentos para aviação e foguetes 5.30341657 4.922143
044 Milho, exceto milho doce 0.104193744 4.90989
634 Manufaturados de madeira nea 5.682478236 4.704119
251 Pasta e resíduos de papel 5.036281706 4.578594
612 Velos curtidos, preparados 3.38235267 3.985962
248 Dormentes de madeira 3.347380112 3.653685
662 Cal, cimento, material de construção 4.493505001 3.590086
285 Alumínio e concentrados 4.181813627 3.551161
625 Artigos de borracha nea 4.103716403 3.21511
291 Matérias animais brutas nea 3.174494617 3.0189
891 Armas de fogo bélicas, munição 4.161504905 2.990966
075 Temperos 2.699131286 2.930303
713 Máquinas de combustão interna 3.324696071 2.758403
062 Doces não achocolatados 2.283175597 2.646415
635 Papel e papelão 2.33212702 2.55893
098 Produtos comestíveis, preparados nea 3.676664673 2.41948
532 Outros pigmentos nea 2. 699459417 2.398176
696 Cutelaria 2.539189111 2.228828
431 Óleo animal e vegetais 2.529533712 2.086548
723 Equipamento de engenharia civil, etc. 2.320649138 2.076051
725 Maquinaria de indústria de papel 2.446414632 1.993761
278 Outros minerais brutos 2.250711368 1.974836
783 Veículos de passeio nea 1.873370736 1.925368
522 Produtos químicos inorgânicos 2.501198287 1.918855
684 Alumínio 2.552237745 1.896866
721 Maquinaria agrícola, exceto tratores 1.756590007 1.896649
246 Polpa de madeira, cavacos, resíduos de madeira 2.048207788 1.868374
661 Argila / material refratário 2.043957261 1.855532
873 Filmes de cinema revelados 2.368912623 1.854404
284 Niquel e concentrados 1.88477477 1.746409
687 Estanho 2.094516165 1.731698
743 Ventoinhas, filtros, bombas de gasolina 2.31056691 1.711238
263 Algodão 0.409265137 1.68994
697 Equipamento doméstico de metal básico 1.591960737 1.625234
512 Álcoois, fenóis e derivados nea 1.71750539 1.621409
784 Acessorios para veículos nea em 722, 781, 782 e 783 1.928966899 1.616057
716 Usina elétrica de rotação e partes 1.651071666 1.615595
722 Tratores agrícolas 1.118182622 1.49421
265 Fibra vegetal, exceto algodão e juta 1.259916897 1.441028
742 Bombas para líquidos, etc. 2.16044456 1.416333
652 Tecidos de fibra artificial 1.108760724 1.412591
072 Cacau 1.679579782 1.353595
733 Máquians-ferramenta para trabalhar metal 1.387541797 1.335235
748 Transmissão, partes 1.792466897 1.333313
642 Papel cortado sob medida 1.424078034 1.299114
524 Outros produtos químicos inorgânicos 1.326046743 1.29667
232 Borracha sintética, reciclada 1.380385672 1.264832
658 Outros texteis nea 1.410071994 1.258801
571 Polímeros de etileno na forma bruta 1.675515142 1.210147
591 Pesticidas e desinfetantes 1.363848375 1.206963
516 Outros produtos químicos orgânicos 1.463763364 1.162016
971 Ouro não monetário 1.284274558 1.105021
592 Insulina 1.113559893 1.09422
882 Equipamento fotográfico e cinematográfico 1.296457387 1.087804
676 Barras, hastes, etc. de ferro, aço 1.151471227 1.080514

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

O desempenho do comércio exterior brasileiro por intensidade tecnológica, entre 2000 e 2008

284
ma Alice e Comtrade são plenamente compatíveis. Nos dados de importação, há uma pequena diferença
que, nesse nível de agregação, pode ser considerada desprezível2.
Em termos de composição do resultado comercial, o acumulado de janeiro a setembro de 2008
indica que não há nenhuma alteração relevante no padrão descrito nas seções anteriores. As tendências
apenas foram reforçadas. O saldo em produtos primários no acumulado até setembro de 2008 elevou-
se — em função, sobretudo, da alta dos preços desses produtos até meados do corrente ano — e, simul-
taneamente, o déficit em produtos de alta tecnologia e de média tecnologia intensificou-se (Tabela 21).
Assim, o saldo comercial brasileiro continua ancorado nas commodities primárias, o que revela sua alta
vulnerabilidade a quaisquer mudanças nesses mercados.

Tabela 21. Resultado por conteúdo tecnológico — Acumulado até setembro de 2008
Período Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Intensidade Não Petróleo e Total
Primárias Trabalho e Intensidade Intensidade classificados Outros Insumos
Recursos Energéticos
Naturais
Acumulado até Exportações em dólares correntes
set-2007 48,174,007,376 9,794,326,226 9,075,689,606 27,488,475,864 8,942,169,931 1,016,230,026 8,913,221,090 113,404,120,119
set-2008 65,404,174,361 9,981,471,479 12,593,703,695 32,497,326,146 10,914,848,226 1,249,037,659 14,198,744,989 146,839,306,555
Acumulado até Importações em dólares correntes
set-2007 7,231,636,164 3,287,719,144 3,392,231,308 30,567,453,213 19,451,933,774 439,050,786 13,619,778,616 70,758,166,841
set-2008 11,049,969,615 6,294,894,316 5,318,163,971 50,816,774,967 26,970,168,840 721,782,538 23,326,959,324 124,498,713,571
Acumulado até Saldo em dólares correntes
set-2007 40,942,371,212 6,506,607,082 5,683,458,298 (3,078,977,349) (10,509,763,843) 577,179,240 (4,706,557,526) 42,645,953,278
set-2008 54,354,204,746 3,686,577,163 7,275,539,724 (18,319,448,821) (16,055,320,614) 527,255,121 (9,128,214,335) 22,340,592,984

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Esse movimento foi reflexo do aumento da demanda por matérias-primas de países emergentes, espe-
cialmente da China, cujo principal efeito no comércio mundial foi o extraordinário aumento nos preço das com-
modities. Vale lembrar que a transformação da crise financeira atual em crise da economia real deverá afetar
duplamente as vendas de produtos primários pelo Brasil: tanto em função da deflação dos preços em curso
desde meados de 2008, como devido à retração da demanda internacional por esses produtos. Esse processo
ficou mais evidente após outubro de 2008, quando a perspectiva de aprofundamento da recessão nos países
desenvolvidos e de desaceleração mais acentuada das economias emergentes tornou-se mais crível.
A análise da Tabela 22 mostra que dentre os principais destinos das exportações brasileiras, os
produtos primários desempenham um grande papel em termos de volume. A diversificação do comércio
brasileiro não implicou um ganho relativo de produtos de maior intensidade tecnológica. Os maiores par-
ceiros comerciais brasileiros continuam sendo Estados Unidos, Argentina e China. Como já discutido nos
itens anteriores, o padrão de comércio brasileiro com cada um desses países é bastante diferenciado.

Conclusões
O trabalho analisou o padrão do comércio exterior brasileiro a partir da classificação por con-
teúdo tecnológico proposta pela UNCTAD e aprimorada pelo NEIT. Esse comércio apresentou taxas de
crescimento expressivas no período 2000-2007; contudo, a pauta continuou concentrada em produtos
de baixo conteúdo tecnológico e em commodities primárias. O saldo comercial brasileiro permaneceu
altamente dependente do comportamento de tais bens no comércio mundial.

2 Os dados para 2007 foram calculados para as duas bases de dados e os resultados são praticamente idênticos. Não foram
reportados para poupar espaço.

ECONOMIA BRASILEIRA

285
Tabela 22. Resultado por conteúdo tecnológico — Acumulado até setembro de 2008 —
Principais Parceiros
Descrição do País Total Commodities Intensivas em Baixa Média Alta Não Petróleo e
Primárias Trabalho e Intensidade Intensidade Intensidade classificados Outros
Recursos Insumos
Naturais Energéticos
ESTADOS UNIDOS 21,330,276,052 3,560,487,760 2,046,842,558 2,570,336,013 5,882,053,672 2,507,326,413 590,703,815 4,121,574,634
ARGENTINA 13,784,277,497 1,247,326,195 1,145,927,829 1,224,039,388 7,781,076,766 1,714,411,694 36,153,635 623,586,401
CHINA 13,712,429,910 10,894,590,023 388,329,889 428,267,068 371,504,003 359,365,583 1,017,379 1,251,689,931
PAISES BAIXOS (HOLANDA) 8,083,554,092 5,255,922,424 225,811,147 757,169,473 824,852,151 230,996,111 2,068,042 783,583,856
ALEMANHA 6,626,740,047 3,622,420,652 321,185,558 230,562,101 1,896,331,484 299,279,843 101,082,107 123,019,671
JAPAO 4,457,148,152 3,755,693,113 76,319,119 318,620,850 219,600,699 79,326,018 4,501,780 42,586
RUSSIA, FEDERACAO DA 3,853,262,357 3,427,485,775 47,272,032 42,554,840 287,271,899 42,491,006 916,563 96
ITALIA 3,740,342,613 2,280,070,686 663,190,501 200,590,922 473,507,392 82,646,372 4,037,343 29,607,799
VENEZUELA 3,681,024,900 1,463,105,396 408,307,673 162,607,217 1,071,692,104 539,722,797 19,469,660 1,254,197
CHILE 3,545,288,944 204,779,342 289,032,562 425,883,810 1,226,174,646 335,140,508 9,868,383 1,050,541,000
BELGICA 3,424,184,035 2,436,583,132 157,514,728 123,285,621 484,069,174 175,928,223 16,403,751 21,125,164
MEXICO 3,257,670,399 268,840,411 246,038,715 438,072,417 1,999,157,445 276,378,632 21,053,792 457,075
FRANCA 3,166,483,642 2,063,148,053 210,063,014 52,411,112 398,535,281 236,552,008 8,245,941 184,704,359
ESPANHA 3,155,148,342 2,043,336,955 194,902,968 382,069,276 212,016,429 120,166,422 13,181,504 184,932,247
REINO UNIDO 2,771,633,725 1,295,555,595 488,841,854 49,753,395 339,861,068 265,088,290 252,027,941 73,544,826
COREIA, REPUBLICA DA (SUL) 2,199,713,074 1,311,360,270 39,013,004 729,645,593 94,794,371 21,927,213 1,766,868 108,251
SANTA LUCIA 2,130,081,321 885,248 1,562,833 45,207 101,110 9,538 22,793 2,127,454,592
PARAGUAI 1,901,252,071 174,334,403 226,849,447 147,813,818 1,048,536,674 114,982,343 15,499,359 166,251,728
ARABIA SAUDITA 1,865,222,129 1,520,313,523 36,628,394 123,992,780 116,677,847 66,147,022 1,386,080 133
COLOMBIA 1,771,225,595 202,714,679 194,849,394 328,001,387 577,487,094 443,865,470 19,307,763 2,434,907
PERU 1,727,962,107 76,660,653 114,879,757 271,139,532 698,804,807 230,242,887 12,354,664 317,917,169
PORTUGAL 1,384,106,870 487,616,232 94,157,637 78,058,977 114,192,571 38,445,586 13,813,218 536,651,815
HONG KONG 1,378,206,379 1,047,767,395 214,043,563 10,380,097 36,025,761 65,841,690 435,590 3,000
CANADA 1,348,368,993 700,482,088 123,053,016 72,839,504 300,495,738 138,286,823 6,792,743 3,346,664
AFRICA DO SUL 1,344,529,452 403,021,493 90,418,887 35,315,390 740,233,838 44,140,208 24,682,271 4,839,275
NIGERIA 1,309,330,149 319,970,221 26,450,556 31,833,290 113,186,654 76,435,865 822,107 739,317,052
ANGOLA 1,285,488,125 300,901,716 140,786,452 221,028,351 508,416,500 32,430,578 4,369,840 71,524,777
URUGUAI 1,273,982,742 177,095,319 140,494,650 80,123,933 522,432,666 125,816,369 6,116,394 218,837,660
TAIWAN (FORMOSA) 1,197,051,693 330,186,241 27,967,057 685,422,136 19,092,278 133,683,779 442,385 -
TAILANDIA 1,176,681,864 660,646,079 22,264,004 427,561,038 50,412,758 14,374,799 836,136 134,060
CINGAPURA 1,137,200,297 337,171,923 42,854,546 108,494,581 70,595,394 35,104,535 1,204,784 541,282,451
AUSTRALIA 1,011,328,437 283,283,701 49,626,221 110,565,273 196,712,091 366,540,500 2,593,506 35,161
SUICA 986,008,694 735,364,599 19,817,362 33,134,478 50,146,844 140,343,013 5,748,055 16,613
EGITO 955,765,275 758,972,882 36,262,069 23,253,769 121,608,089 9,794,973 448,574 4,487,955
EMIRADOS ARABES UNIDOS 942,996,068 526,972,696 44,180,592 127,840,687 179,951,072 62,356,352 1,033,075 42,075
INDONESIA 880,084,419 435,329,319 63,381,279 242,196,212 98,081,380 40,540,273 32,029 4,846
BOLIVIA 834,340,697 78,418,788 119,372,647 206,939,843 285,688,869 83,531,019 6,642,232 50,541,625
INDIA 811,901,800 478,154,677 27,745,365 59,771,429 193,174,099 46,396,369 1,049,499 3,861,152
IRA, REPUBLICA ISLAMICA DO 756,060,817 624,223,527 14,278,138 13,323,845 70,069,771 33,082,800 913,252 1,180
TURQUIA 662,337,359 381,662,755 44,328,255 35,531,341 155,739,670 32,894,794 1,226,904 9,333,604
NORUEGA 618,994,148 490,435,618 24,386,271 6,756,837 82,586,898 11,140,253 58,290 525,248
EQUADOR 614,135,628 19,269,886 83,656,934 91,891,760 250,663,561 159,136,330 5,049,642 934,228
TRINIDAD E TOBAGO 597,206,143 353,913,691 40,382,187 14,333,714 88,189,326 2,410,835 344,176 97,466,560
MALASIA 587,575,154 444,027,186 11,476,591 65,760,435 55,596,820 9,821,585 649,539 -
ANTILHAS HOLANDESAS 516,560,920 21,742,612 6,883,349 992,092 16,086,800 19,294,505 74,186 451,481,257
SUECIA 512,248,050 196,117,323 22,373,160 10,780,626 187,963,858 40,134,877 327,207 54,048,483
COVEITE 492,247,370 267,969,702 7,965,572 208,202,803 7,601,299 329,750 62,950 -
COSTA RICA 451,920,279 60,040,525 50,964,471 27,256,234 187,476,526 91,276,131 4,515,085 29,777,937
FILIPINAS 424,246,198 312,165,093 14,760,182 62,021,873 15,911,584 17,710,942 117,221 35,330
ARGELIA 418,115,693 353,120,780 8,797,726 8,949,319 42,860,675 3,966,281 35,430 1,472
CUBA 380,903,093 251,404,406 43,075,601 10,793,601 61,587,022 12,424,528 538,197 19,829
UCRANIA 367,461,993 279,576,569 11,836,462 14,060,203 54,161,516 3,980,287 11,891 3,102,972
MARROCOS 345,032,222 273,380,852 4,845,961 368,760 63,157,582 2,377,189 100,586 172,622
FINLANDIA 337,339,620 216,122,769 14,931,160 4,219,054 38,688,057 62,320,716 43,992 -
ROMENIA 335,417,408 292,053,586 6,079,689 487,982 32,746,486 2,872,725 535,641 -
ISRAEL 325,464,757 250,095,137 17,961,019 1,276,490 15,564,212 16,774,059 3,255,741 20,027,878
REPUBLICA DOMINICANA 297,680,422 41,777,907 68,317,998 66,852,031 77,376,724 39,464,541 3,433,081 242,669
BAHREIN 279,110,902 269,853,212 3,563,001 473,174 2,136,842 80,614 27,379 2,968,430
CAYMAN, ILHAS 277,640,601 33,108,212 7,931,071 171,981 2,004,616 182,593,320 510,883 50,864,781
VIETNA 275,650,887 153,063,196 82,473,707 15,476,223 21,011,497 3,457,008 61,886 -
LIBIA 265,140,427 244,379,385 3,940,355 5,232,448 10,884,052 691,519 10,573 -
POLONIA 265,000,500 103,796,585 36,191,020 8,843,894 107,304,320 8,145,430 168,677 1,422
GRECIA 255,733,570 204,014,470 21,133,382 2,433,759 21,790,154 3,080,941 249,853 9,000
GANA 255,201,884 134,650,954 6,405,502 23,676,258 23,186,540 13,919,982 145,032 53,217,395
DINAMARCA 254,338,197 117,111,963 19,182,298 647,203 14,491,802 39,660,049 60,464 61,571,002
PANAMA 252,642,348 23,803,231 45,106,358 17,807,993 69,325,813 89,704,691 3,959,919 156,607
IRLANDA 241,038,990 136,228,049 27,089,526 1,736,189 10,766,844 64,858,230 166,102 -
JAMAICA 235,645,773 15,321,206 26,074,801 13,375,319 169,889,923 10,165,020 788,705 21,600
JORDANIA 233,180,214 163,801,965 4,501,724 562,634 6,876,901 57,112,337 227,938 -
CATAR 232,566,712 201,825,059 4,441,761 658,818 25,501,190 113,642 19,967 -
PAQUISTAO 219,047,428 170,087,355 6,315,955 416,066 37,155,637 4,862,000 81,412 -
SIRIA, REPUBLICA ARABE DA 213,025,069 195,016,787 2,928,808 944,374 10,044,420 3,775,722 256,554 -
LIBANO 211,460,881 191,272,701 11,895,160 1,192,466 3,660,670 1,511,872 441,153 9,196
ESLOVENIA 197,749,263 180,294,409 1,330,041 448,225 12,211,512 3,399,597 19,552 -
GUATEMALA 193,439,810 30,836,471 26,040,204 25,436,635 72,609,467 32,617,204 3,137,333 1,794,168
CHIPRE 193,374,050 89,474,233 3,803,936 217,901 1,757,629 346,733 153,390 97,182,115
EL SALVADOR 192,155,405 24,322,413 13,470,951 2,228,286 142,918,286 6,215,387 1,618,219 22,248
AUSTRIA 184,392,997 81,971,853 6,029,745 53,598,514 37,691,907 4,332,050 151,341 -
PORTO RICO 175,902,469 33,416,650 54,404,038 4,171,435 21,830,270 36,972,336 1,931,243 23,126,318
CROACIA 162,410,791 154,893,218 3,939,952 749,186 1,296,051 1,380,268 51,066 -

Fonte: UNCTAD — Comtrade; MDIC. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

O desempenho do comércio exterior brasileiro por intensidade tecnológica, entre 2000 e 2008

286
Entre 2000 e 2007, o Brasil perdeu participação no mercado americano, o que, em princípio, po-
deria ser visto como uma mudança positiva, uma vez que diminui a dependência do país em relação a
um destino específico. Todavia, essa trajetória parece estar associada ao desempenho desfavorável do
comércio exterior em produtos de maior complexidade tecnológica. A perda de importância desse mer-
cado ocorreu simultaneamente à ascensão chinesa, que pode ser explicada pela demanda líquida por
produtos menos sofisticados (basicamente primários).
Dos produtos nos quais o país possui claramente vantagem comparativa revelada, apenas aqueles
ligados ao complexo aéreo podem ser listados como de maior intensidade tecnológica. Os demais são
produtos de baixa complexidade. A lista de produtos que apresentam vantagem comparativa revelada
permaneceu relativamente inalterada entre 2000 e 2007. Como os totais mundiais por produto não
estavam disponíveis na data de conclusão deste estudo, não foi portanto possível estender essa análise
para 2008.
A evolução do comércio brasileiro de 2000 a 2007 mostra que o Brasil melhorou sua posição em
setores nos quais, tradicionalmente, possui vantagem comparativa revelada, reflexo da sua competitivi-
dade. O desempenho brasileiro em produtos de maior intensidade tecnológica deixou a desejar, tendo o
país perdido espaço no dinâmico mercado americano, o que pode ser reflexo da perda de competitividade
de tais produtos ao longo do período analisado.
A estrela ascendente no comércio brasileiro é a China, mas o Brasil neste caso tem-se limitado a
fornecer, basicamente, produtos primários. Seja pelo estágio atual de desenvolvimento desse parceiro,
seja pela competitividade da China, é pequeno o patamar de exportações brasileiras de produtos de
maior intensidade tecnológica para esse mercado.
Como tendência do comércio em 2008, observa-se um aumento do déficit comercial brasileiro nos
itens de média e alta intensidades tecnológicas. Caso os produtos primários não tivessem aumentado seu
saldo de forma expressiva, a deterioração do saldo comercial seria ainda maior do que a verificada até este
momento (setembro de 2008).

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O desempenho do comércio exterior brasileiro por intensidade tecnológica, entre 2000 e 2008

288
ESTIMANDO A
TAXA DE CÂMBIO REAL
DE EQUILÍBRIO PARA A
ECONOMIA BRASILEIRA

Emerson Marçal

U
ma economia estará em equilíbrio macroeconômico sustentável se puder manter, simultaneamen-
te, contas externas em equilíbrio, inflação estável, crescimento econômico e economia a pleno
emprego. O manejo das políticas macroeconômicas ― tais como as políticas fiscal, monetária,
cambial e de renda ― pode auxiliar no alcance desses objetivos.
No que tange ao regime cambial, duas opções extremas são possíveis: câmbio fixo e câmbio flexível. No
primeiro caso, o governo compromete-se a manter determinada cotação ante alguma moeda estrangeira. No
regime de câmbio flexível puro, a cotação da moeda do país ante as demais moedas é determinada pela oferta
e demanda no mercado de divisas. A economia brasileira opera em regime de câmbio flexível com flutuação
suja, em que a autoridade monetária intervém direta e indiretamente no mercado de câmbio sem, no entanto,
se comprometer com alguma cotação específica. Nesse contexto, a cotação da moeda nacional ante as dos de-
mais países pode permanecer distante de um valor que garanta o equilíbrio externo durante alguns períodos.
Vários analistas procuraram determinar a taxa de câmbio de equilíbrio, que consiste em um valor desejável
para a taxa de câmbio observada. Este trabalho investiga qual é a taxa de câmbio real que mantém em equilíbrio
o passivo externo líquido da economia. Essa informação revela-se de grande relevância, seja para os formulado-
res de política econômica seja para o setor privado, no planejamento de decisões de produção e investimento.

Literatura sobre Taxa de Câmbio Real


A doutrina clássica e mais antiga para a determinação da taxa de câmbio real é a Paridade do Poder
de Compra (PPC). Recentemente, uma série de estudos confirma a validade da PPC para os bens transacio-
náveis, embora o ajustamento se dê de forma bem lenta (Froot e Rogoff, 1995).

ECONOMIA BRASILEIRA

289
Uma série de estudos procura estimar a taxa de câmbio real de equilíbrio. Alguns exemplos são
dados por Goldfajn e Valdes (1999), Edwards (2000), Devarajan, Lewis e Robinson (1993), Williamson
(1994), MacDonald (1999), Chand (2005), Égert, Lahrèche-Révil e Lommatzsch (2004), e Nilsson (2004).
No caso brasileiro, destacam-se oss trabalhos de Badani e Hidalgo (2005) e de Marçal (2007).
Em paralelo à discussão empírica de como estimar a taxa de câmbio real de equilíbrio, há uma dis-
cussão teórica referente às variáveis que determinam os fundamentos de longo prazo subjacentes a essa
taxa. Uma discussão inicial é feita por Williamson (1994); segundo ele, a taxa de câmbio de equilíbrio é
aquela que permite ao país manter um determinado déficit ou superávit desejado (visto como sustentável)
nas contas externas. Essa abordagem apresenta, todavia, duas deficiências: (i) envolve um alto grau de ar-
bitrariedade devido aos critérios subjetivos na escolha da meta de superávit externo; (ii) considera somente
os fluxos de balanço de pagamentos, não inserindo na análise os estoques de ativos e passivos externos.
Faruqee (1995), por sua vez, procura incorporar questões relacionadas à evolução desses esto-
ques e constrói um modelo que permite a interação de fluxos e estoques. O autor mostra que deve existir
uma relação estável entre a taxa de câmbio real e a posição externa de passivos líquida entre residentes
e não residentes. O modelo é estendido por Alberola, Cervero, Lopez e Ubide (1999). Essa é a abordagem
utilizada neste trabalho.

Lista de Fundamentos
Apresentam-se, a seguir, os principais fundamentos econômicos que condicionam a evolução da
taxa de câmbio real de acordo com a literatura especializada.

Termos de Troca
Esta variável é listada na maioria dos estudos que procuram estimar uma taxa de câmbio real de equi-
líbrio. Termos de troca mais favoráveis resultam numa melhor situação em transações correntes e, com isso,
possibilitam a vigência de uma taxa de câmbio real mais apreciada, sem acúmulo de desequilíbrio externo.

Passivo Externo Líquido (PEL)


Esta variável é ressaltada como importante pela abordagem de Faruqee (1995). O autor chama
a atenção para o papel que os estoques exercem sobre a taxa de câmbio. Uma trajetória de acúmulo de
passivos líquidos crescentes no exterior pelos residentes não pode ser sustentada com estabilidade da
taxa de câmbio real. À medida que essa se desvaloriza, uma série de incentivos econômicos induz os
agentes a reduzirem seus gastos no exterior, o que leva à interrupção dessa trajetória. Logo, existe uma
relação entre a taxa de câmbio real e a posição externa líquida do país.

Diferencial de Produtividade entre Bens Transacionáveis e Não Transacionáveis


O diferencial de produtividade entre o setor que produz bens transacionáveis (que podem ser co-
mercializados entre os países) e os bens não transacionáveis tende também a afetar a taxa de câmbio
real. Os primeiros trabalhos que ressaltaram a importante distinção entre bens transacionáveis e não
transacionáveis foram os de Balassa (1964) e de Samuelson (1964).

ESTIMANDO A TAXA DE CÂMBIO REAL DE EQUILÍBRIO PARA A ECONOMIA BRASILEIRA

290
Paridade Descoberta das Taxas de Juros
Essa variável está associada à possibilidade de arbitrar aplicações de recursos em ativos denomi-
nados em moedas distintas. Com ampla mobilidade de capitais, tais oportunidades, descontado o nível
de risco nas operações, devem ser bem pequenas. Um alto retorno em moeda estrangeira dos ativos
denominados em reais constitui uma indicação de que a moeda está desalinhada e que ajustes no futuro
deverão ocorrer.

Taxa de Câmbio Real


Com já foi mencionado, a definição de taxa de câmbio real utilizada no trabalho segue a aborda-
gem de fluxo e estoques de Faruqee (1995). Utilizam-se os índices de preços ao consumidor dos parceiros
comerciais e o IPCA brasileiro para a construção do índice de câmbio real. O trabalho aqui desenvolvido
é muito similar ao de Nilsson (2004), que utiliza uma abordagem e metodologia parecida para estimar a
taxa de câmbio real para a Suécia.

Fundamentos versus Taxa de Câmbio Real Observada


O Gráfico 1 mostra a evolução da taxa de câmbio real e a linha de fundamentos estimada,
utilizando todas as variáveis listadas na seção anterior1. No período pós-plano Real (1994 a 1999),
prevaleceu uma valorização da taxa de câmbio real que foi corrigida com a desvalorização de janeiro
de 1999. Entre esse mês e meados de 2005, a taxa de câmbio real permaneceu sistematicamente
acima do equilíbrio. Desde então, a taxa vem permanecendo (em maior ou menor grau) abaixo dos
fundamentos, ou seja, apreciada.

Gráfico 1. Evolução da taxa de câmbio real versus fundamento externo


200

180

160
Base dez.2007 = 100

140

120

100

80

60

Câmbio Real Fundamento Estimado

Fonte: Grupo de Conjuntura Fundap.

1 Uma descrição mais detalhada e técnica da estimação da relação de fundamentos é feita no Apêndice, ao final deste artigo.

ECONOMIA BRASILEIRA

291
No Gráfico 2, as mesmas variáveis são apresentadas para o período relativo ao governo Lula.

Gráfico 2. Evolução da taxa de câmbio real no governo Lula


190

180

170

160

150
Base dez.2007 = 100

140

130

120

110

100

90

Câmbio Real Fundamento Estimado

Fonte: Grupo de Conjuntura Fundap.

O Gráfico 3 apresenta duas estimativas de desalinhamento cambial2 ― (a) decomposição de Gon-


zalo e Granger (1995) e (b) decomposição via simulação dos fundamentos ―, feitas para o modelo esti-
mado, sem restrição alguma sobre o espaço de parâmetros (modelo 1) e para o modelo estimado com
restrições testadas sobre espaço de parâmetros (modelo 2).

Gráfico 3. estimativas de desalinhamento cambial


30%

20%

10%
Percentual de Desalinhamento

0%

-10%

-20%

-30%
2004-1 2004-2 2004-3 2004-4 2005-1 2005-2 2005-3 2005-4 2006-1 2006-2 2006-3 2006-4 2007-1 2007-2 2007-3 2007-4 2008-1

Gonzalo e Granger - modelo 01 Johansen - modelo 01 Gonzalo e Granger - modelo 02 Johansen - modelo 02

Fonte: Grupo de Conjuntura Fundap.

2 Ver, no Apêndice, uma discussão das diversas metodologias para o cálculo do desalinhamento.

ESTIMANDO A TAXA DE CÂMBIO REAL DE EQUILÍBRIO PARA A ECONOMIA BRASILEIRA

292
Os valores estimados para o primeiro trimestre de 2008 variam de 13% a 16%, dependendo do
critério utilizado (Tabela 1). A taxa de câmbio real está abaixo do valor de equilíbrio desde meados de
2005. Ao longo de 2006, esse desequilíbrio estava sendo corrigido devido, em grande parte, aos ganhos
de termos de troca ocorridos no período. Em 2007, o desequilíbrio volta a aumentar por conta de uma
valorização da taxa de câmbio real que não foi acompanhada de melhoria dos fundamentos. A ampliação
do desalinhamento coincide com a diminuição do ritmo de queda da meta da taxa de juros básica brasi-
leira, que passou a não acompanhar a queda do risco-país.

Tabela 1. Valores estimados do desalinhamento cambial

modelo 01 2004-1 2004-2 2004-3 2004-4 2005-1 2005-2 2005-3 2005-4


Gonzalo e Granger 13,7% 23,5% 12,9% 7,3% 2,9% -2,1% -5,7% -2,5%
Simulação 12,5% 16,7% 24,2% 11,5% 2,6% -9,6% -8,9% -14,8%

2006-1 2006-2 2006-3 2006-4 2007-1 2007-2 2007-3 2007-4 2008-1


Gonzalo e Granger -11,1% -5,1% -1,4% -1,4% -7,3% -12,4% -16,1% -15,3% -16,1%
Simulação -15,3% -17,0% -9,9% -4,2% -4,8% -14,2% -20,8% -27,8% -19,0%

modelo 02 2004-1 2004-2 2004-3 2004-4 2005-1 2005-2 2005-3 2005-4


Gonzalo e Granger 12,0% 18,4% 10,2% 3,9% 0,2% -4,2% -6,6% -6,0%
Johansen 13,0% 17,2% 16,6% 7,4% -1,8% -10,0% -9,4% -14,5%

2006-1 2006-2 2006-3 2006-4 2007-1 2007-2 2007-3 2007-4 2008-1


Gonzalo e Granger -11,1% -7,0% -3,8% -3,8% -8,1% -12,5% -16,2% -16,8% -17,2%
Simulação -13,4% -12,1% -9,5% -5,1% -5,7% -14,1% -18,7% -23,5% -18,7%

Fonte: Grupo de Conjuntura Fundap.

Valores Nocionais para Relação Real por Dólar e Real por Euro
Com base no desalinhamento estimado, procurou-se calcular a taxa de câmbio nominal equivalen-
te. Dado que, no modelo, trabalha-se com a taxa de câmbio real ante uma cesta de moedas, os valores
obtidos para a cotação em relação a um país devem ser vistos como indicativos e com validade apenas
para o período em questão, uma vez que as cotações das moedas entre os diversos países variam ao
longo do tempo.
Estima-se que uma taxa de câmbio real por dólar na casa de 2,10 seria uma taxa de câmbio neu-
tra, que não provocaria desequilíbrio externo importante nos próximos anos3. Tal cotação relativamente
baixa deve-se ao fato de o dólar ter-se desvalorizado em relação a um grande número de moedas e não
pode ser comparada diretamente com valores no passado recente, quando o dólar estava valorizado
(Gráfico 4 e Tabela 2).

3 Esse valor para a cotação real por dólar deve ser visto com restrição, uma vez que o modelo não calcula o grau de desalinha-
mento ante a moeda americana, e sim em relação a uma cesta de moedas. Caso a moeda americana esteja valorizada ante os
parceiros relevantes aos americanos, o valor aqui calculado está superestimado, uma vez que o modelo estima apenas o grau de
desalinhamento da moeda brasileira em relação aos parceiros brasileiros. Para que o desalinhamento entre as moedas possa ser
calculado de forma mais precisa, é necessário que o mesmo estudo aqui feito seja reproduzido para todos os parceiros comerciais
do Brasil.

ECONOMIA BRASILEIRA

293
Gráfico 4. Taxa de câmbio real dólar e taxa de fundamentos

3,10

2,90
Real por dólar - média trimestral de fim de- período

2,70

2,50

2,30
2,16

2,15
2,10 2,11
2,08

1,90

1,75
1,70
2004-1 2004-2 2004-3 2004-4 2005-1 2005-2 2005-3 2005-4 2006-1 2006-2 2006-3 2006-4 2007-1 2007-2 2007-3 2007-4 2008-1

Cotação corrente gonzalo e granger - modelo 01 simulação - modelo 01


gonzalo e granger - modelo 02 Simulação - modelo 02

Fonte: Grupo de Conjuntura Fundap

Tabela 2. Valores das cotações real dólar ajustada pelo desalinhamento

Real por Dólar 2004-1 2004-2 2004-3 2004-4 2005-1 2005-2 2005-3 2005-4
Cotação corrente 2,92 3,06 2,94 2,75 2,63 2,43 2,32 2,27
Modelo 01
Gonzalo e Granger 2,61 2,58 2,67 2,64 2,62 2,54 2,49 2,41
Johansen 2,58 2,61 2,52 2,56 2,68 2,70 2,57 2,65
Modelo 02
Gonzalo e Granger 2,57 2,48 2,60 2,56 2,55 2,48 2,46 2,32
Johansen 2,59 2,62 2,37 2,46 2,56 2,68 2,55 2,66

Real por Dólar 2006-1 2006-2 2006-3 2006-4 2007-1 2007-2 2007-3 2007-4 2008-1
Cotação corrente 2,17 2,18 2,16 2,15 2,10 1,96 1,89 1,77 1,75
Modelo 01
Gonzalo e Granger 2,45 2,35 2,25 2,23 2,28 2,24 2,26 2,12 2,11
Johansen 2,51 2,48 2,39 2,26 2,22 2,29 2,33 2,31 2,15
Modelo 02
Gonzalo e Granger 2,44 2,30 2,19 2,18 2,26 2,24 2,26 2,08 2,08
Johansen 2,57 2,63 2,40 2,24 2,20 2,29 2,39 2,44 2,16

Fonte: Grupo de Conjuntura Fundap.

Quando o mesmo exercício é feito com a cotação do real em relação ao euro, o que se observa é
uma cotação nominal ascendente que varia entre R$ 3,00 e R$ 3,13 a depender do critério (Gráfico 5 e
Tabela 3).

ESTIMANDO A TAXA DE CÂMBIO REAL DE EQUILÍBRIO PARA A ECONOMIA BRASILEIRA

294
Gráfico 5. Taxa de câmbio euro dólar e taxa de fundamentos

3,90

3,70
Real por Euro - média trimestral de fim de período

3,50

3,30 3,32
3,31
3,23
3,18
3,10

2,90

2,70
2,62

2,50
2004-1 2004-3 2005-1 2005-3 2006-1 2006-3 2007-1 2007-3 2008-4

Cotação corrente Gonzalo e Granger - modelo 01 Simulação - modelo 01


gonzalo e granger - modelo 02 simulação - modelo 02

Fonte: Grupo de Conjuntura Fundap

Tabela 3. Valores das cotações real euro ajustadas pelo desalinhamento


Real por Euro 2004-1 2004-2 2004-3 2004-4 2005-1 2005-2 2005-3 2005-4
Cotação corrente 3,61 3,71 3,58 3,63 3,45 3,02 2,83 2,69
Modelo 01
Gonzalo e Granger 3,20 3,06 3,19 3,39 3,35 3,09 3,00 2,76
Johansen 3,22 3,21 2,94 3,27 3,36 3,36 3,12 3,20
Modelo 02
Gonzalo e Granger 3,24 3,17 3,26 3,49 3,44 3,16 3,04 2,87
Johansen 3,21 3,20 3,11 3,39 3,52 3,38 3,14 3,19

2006-1 2006-2 2006-3 2006-4 2007-1 2007-2 2007-3 2007-4 2008-4


Cotação corrente 2,62 2,78 2,76 2,80 2,76 2,65 2,62 2,62 2,62
Modelo 01
Gonzalo e Granger 2,97 2,99 2,87 2,91 3,01 3,06 3,18 3,22 3,23
Johansen 3,06 3,19 3,06 2,95 2,93 3,13 3,31 3,58 3,31
Modelo 02
Gonzalo e Granger 2,97 2,93 2,80 2,84 2,98 3,06 3,18 3,14 3,18
Johansen 3,14 3,41 3,08 2,92 2,90 3,13 3,42 3,89 3,32

Fonte: Grupo de Conjuntura Fundap

O Tamanho e a Duração do Desalinhamento Importam?


Um ponto a ser ressaltado nas estimativas aqui feitas da relação existente entre passivo externo
líquido e taxa de câmbio real é que não só o tamanho do desalinhamento mas também a sua duração
importam para determinar qual será a taxa de câmbio real de equilíbrio. Quanto mais tempo durar o de-

ECONOMIA BRASILEIRA

295
salinhamento negativo (apreciação cambial) ― cujos principais efeitos são a deterioração das transações
correntes e o acúmulo crescente de passivos externos em termos líquidos ―, maior será a intensidade do
ajuste na taxa de câmbio real para gerar uma nova situação de equilíbrio.

Perspectiva para o Futuro: a melhoria de fundamentos se esgotou?


A melhoria dos fundamentos da economia brasileira, a partir de 2003, deve-se a dois principais
fatores: (a) a uma expressiva melhoria do passivo externo líquido, fruto do forte desalinhamento positivo
que se iniciou com a desvalorização em janeiro de 1999 e perdurou até meados de 2005, (Gráfico 6) e
(b) a uma melhoria dos termos de troca, que contribuiu de forma decisiva para a obtenção de superávits
na balança comercial brasileira.

Gráfico 6. Passivo externo líquido


70%

60%

50%

40%
Percentual do PIB

30%

20%

10%

0%

Fonte: Grupo de Conjuntura Fundap

O passivo externo líquido, após apresentar melhoria acentuada ao longo do período 2003 a 2006,
vem mantendo trajetória de estabilidade. Em 2008, duas forças contrárias agem sobre o passivo externo
líquido. A primeira diz respeito ao resultado dos fluxos. A economia brasileira já opera com déficit em tran-
sações correntes, fato que implicará a acumulação de passivos externos de forma líquida. No entanto, a
recente promoção dos títulos do governo brasileiro ao grau de investimento poderá gerar uma apreciação
nominal permanente da taxa de câmbio do real ante seus parceiros, o que permitirá ao país manter uma
posição líquida externa mais negativa em termos absolutos, sem que o indicador PEL-PIB piore por conta do
aumento do PIB brasileiro em moeda estrangeira. Não é possível avaliar qual efeito será preponderante.
No que tange aos termos de troca, a série se aproxima do pico histórico em trinta anos (Gráfico
7). Dadas as incertezas presentes na economia mundial no futuro próximo, não parece prudente apostar
numa melhoria adicional dos termos de troca da economia brasileira e, logo pelo lado comercial, poderão
ocorrer pressões que aumentem a posição deficitária em transações correntes da economia brasileira.

ESTIMANDO A TAXA DE CÂMBIO REAL DE EQUILÍBRIO PARA A ECONOMIA BRASILEIRA

296
Gráfico 7. Termos de troca
120

110

100
Base = 1.o trimestre de 2008

90

80

70

60
1978 1981 1984 1987 1990 1993 1996 1999 2002 2005 2008

Termos de Troca Base

Fonte: Funcex. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap

O grau de deterioração das contas externas do Brasil dependerá de uma série de fatores, dentre
os quais o desempenho do comércio mundial, especialmente o comportamento dos preços das commo-
dities. Há relativo consenso de que está em curso uma trajetória diferenciada da economia internacional
com certo descolamento das economias emergentes, especialmente da China, em relação à desacelera-
ção já em curso na economia americana. Nesse contexto, a demanda mundial por commodities manter-
se-ia em um patamar alto. Esse cenário de desaceleração suave da economia global e manutenção do
dinamismo no mercado de commodities deve exigir uma alteração mais suave na taxa de câmbio real
para corrigir o atual desalinhamento cambial.
Contudo, uma reversão abrupta dos fundamentos só deverá ocorrer em um cenário de grande
crise externa e desaceleração global forte, que ainda é o menos provável. Nesse caso, o desalinhamento
cambial tenderá a aumentar, exigindo ajustes mais fortes.
De qualquer forma, uma desvalorização da taxa de câmbio real no intervalo de 13% a 16% no
período de um ano, tomando como referência as informações até o primeiro trimestre de 2008, deve ter
alguma repercussão inflacionária. No atual contexto em que a inflação brasileira vem-se acelerando, um
ajuste cambial pode retirar graus de liberdade adicionais da política econômica.

Conclusões
A análise realizada indica que o real está valorizado em relação ao valor da taxa de câmbio real
efetiva ou multilateral de equilíbrio (que considera, no seu cálculo, a evolução da inflação nos princi-
pais parceiros comerciais do país), estimado a partir de um conjunto de fundamentos da economia
brasileira. A valorização tornou-se mais intensa ao longo de 2007, embora tenha-se iniciado em mea-
dos de 2005.

ECONOMIA BRASILEIRA

297
Estimou-se que, no primeiro trimestre de 2008, a taxa de câmbio estava de 16% a 19% abaixo do
valor estimado a partir dos fundamentos. Isso corresponde a uma cotação próxima de R$ 2,10 por dólar
e R$ 3,20 por euro.
Contudo, uma parte relevante da valorização da moeda brasileira, em 2007-2008, pode ser
explicada pela melhoria dos fundamentos da economia brasileira, especialmente os ganhos nos
termos de troca e a queda do passivo externo líquido. Há alguns sinais de que essa trajetória virtuo-
sa talvez tenha-se esgotado ― em especial, a economia brasileira começou a operar em 2008 com
déficits em transações correntes. Embora sejam financiáveis e moderados no futuro próximo, esses
déficits podem, num prazo mais longo, estancar a melhoria de fundamentos recentes e exigir ajustes
da taxa de câmbio.

Apêndice Metodológico

Breve Descrição do Modelo Econométrico


A abordagem econométrica utiliza o instrumental ‘econométrica de cointegração’ desenvolvido
inicialmente no trabalho clássico de Engle e Granger (1987). Os testes de cointegração foram inicialmen-
te generalizados nos trabalhos clássicos de Johansen & Juselius ― Johansen (1988), Johansen (1990),
Johansen (1995), Johansen e Juselius (1992). Uma grande revisão da literatura de cointegração até me-
ados dos anos 90 é feita por Maddala e Kim (1998). No início dos anos 2000, vem sendo feita uma série
de aperfeiçoamentos que permitem a introdução de modelos com vários regimes (quebra estrutural). Os
trabalhos de Hansen (2000; 2002; 2003) se destacam. O artigo utilizou esses avanços recentes.
O modelo estimado é dado pela equação:

∆2 X t = Γ1, m ∆2 X t + ... + Γk − 2, m ∆2 X t − k − 2 + Γ ∆X t −1 + α β' X t −1 + ε t


na qual Єt é um vetor de variáveis aleatórias com média zero e matriz de variância-covariância constante
e m denota os diferentes regimes. Já a variável X contém a séries de câmbio real mais os fundamentos
listados na segunda seção.
O modelo acima restringe a quebra estrutural à dinâmica de curto prazo. Isso garante que os
testes do traço e máximo autovalor desenvolvidos por Johansen (1995) possam ser aplicados com pe-
quenas alterações.
A estimação da equação 1 é feita utilizando o método da regressão de posto reduzido generalizado
na forma proposta por Hansen (2000)4.

Decomposição entre Componentes Transitórios e Permanentes


Uma série de decomposição foi proposta para separar um processo em componentes transitórios
e permanentes. Em geral, a decomposição tem a forma a seguir:

X t = β ⊥ ( c ' β ⊥ ) −1 c ' X t + c ⊥ ( β ' c ⊥ ) − 1 β ' X t

4 Uma discussão mais detalhada da técnica de estimação foge ao escopo desta nota técnica. Leitores interessados podem con-
sultar as referências sugeridas ou questionar o autor pelo e-mail: efmarcal@terra.com.br .

ESTIMANDO A TAXA DE CÂMBIO REAL DE EQUILÍBRIO PARA A ECONOMIA BRASILEIRA

298
As decomposições variam de acordo com a escolha do vetor c. Uma condição para a existência da
decomposição é a que matriz (β'c1) tenha posto completo. Nem sempre isso está assegurado.
Gonzalo e Granger (1995) propuseram c = α1. Essa representação sempre existe para o caso de um VAR
de ordem 1. Johansen (1995) propõe c = α1Γ. Essa decomposição sempre existe desde que no sistema haja
variáveis cuja ordem de integração é no máximo 1. Kaza propõe c = β1. Outra possibilidade consiste em gerar
previsões a partir do VEC estimado para cada um dos pontos. Os valores para os quais as séries convergirem
são denominados de fundamentos5. Nesse caso, trabalha-se com as decomposições de Gonzalo e Granger
(1995) e com a simulação do modelo para geração de previsões como estimativa dos fundamentos.

Apresentação da Relação Estimada


Como relação de longo prazo entre a taxa de câmbio real e os fundamentos, obteve-se que para
cada alteração permanente de 1% no PEL há a necessidade de aumentar, em cerca de 1,03%, a taxa
de câmbio real de forma permanente. Já um ganho permanente de termos de troca de 1% gera uma
apreciação real de 0,49%. Um crescimento de 1% da produtividade do setor de transacionáveis vis-a-vis
o de não transacionáveis exige uma depreciação real de 0,51%. Os valores dos parâmetros têm todos os
sinais teóricos esperados e são muito similares aos obtidos por Nilsson (2004) para a economia sueca,
com algumas qualificações (Tabela 3).

Tabela 3. Relações estimadas para os fundamentos


Variável-Equação CR PEL TOT TNT UIP Intercepto D-Planos D-Pós-Real
Modelo - Brasil
Relação 1
Ajustamento -0,0830 0,0000 0 0 -0,3978
Vetor 0 0 0 0 1 -3,73% 0,00% 0,00%

Relação 2
Ajustamento -0,1136 -0,0946 0 0,1391 1,5719
Vetor 1 -1,0357 0,4938 -0,5141 0 -4,07 -0,23 -0,23

Modelo - Suécia - Nilsson (2004)


Relação 2
Ajustamento -0,1906 -0,1732 -0,0295 0,0589
Vetor 1 -0,1034 0,6516 -0,4591 0 -5,51 0,00 0,00

Fonte: Grupo de Conjuntura Fundap

Como era de se esperar, o efeito que o PEL gera sobre a taxa de câmbio real é mais alto (cerca de
três vezes maior) para o Brasil do que para a Suécia, uma vez que é bem mais difícil para a economia
brasileira conviver com desequilíbrios externos por longos períodos sem que o ajustamento se imponha
via movimentos abruptos da taxa de câmbio.
Relação 1:
crt = 2,9362 + 1,0357 * pelt − 0,4938 * tt t + 0,5141 * tnt t + ε 1t

na qual cr representa a taxa de câmbio real; pel, o passivo externo líquido; tt, os termos de troca; e tnt,
o diferencial de produtividade entre o setor de bens transacionáveis e não transacionáveis. As variáveis
denotadas por letras minúsculas constituem o logaritmo neperiano das variáveis originais.

5 Nesse caso, os componentes deterministas do modelo como constante e tendência devem restringir-se ao espaço de cointegração.

ECONOMIA BRASILEIRA

299
A segunda relação mostra que o prêmio médio exigido em dólares nas operações feitas no Brasil
é de cerca de 3,73% ao ano.
Relação 2: ptjd t = 3,73% + ε 2t

na qual ptjd representa a paridade das taxas de juros descoberta ex-post.


O efeito que um desalinhamento cambial gera é também similar ao obtido por Nilsson (2004).
Um desalinhamento negativo ― câmbio real abaixo dos fundamentos ― faz com que o passivo externo
líquido cresça ampliando inicialmente o desequilíbrio. Entretanto, em um momento seguinte, o desa-
linhamento desencadeia uma depreciação da taxa de câmbio real que freará o aumento do passivo
externo líquido. Como o modelo estimado é estável, o segundo efeito domina o primeiro no longo prazo,
fazendo com que o passivo externo líquido se estabilize.

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ECONOMIA BRASILEIRA

301
O mercado de câmbio
em 2008

Daniela Magalhães Prates

A
o longo dos primeiros sete meses de 2008, o real manteve trajetória de apreciação, ocupando, mais
uma vez, a primeira posição no ranking das moedas emergentes que mais se valorizaram em relação
ao dólar. Considerando as cotações de final de período (entre dezembro de 2007 e julho de 2008),
o real sofreu apreciação de 11% em relação à moeda americana, sendo seguido pelo peso mexicano (8%), o
renminbi chinês (6,4%), o rublo russo (4,9%), o peso argentino (3,4%), a rúpia indonesiana (-3,2%), o ringitt ma-
laio (1,6%) e a nova lira da Turquia (0,6%). Já as moedas da Coreia do Sul, Chile, Índia e Tailândia depreciaram-
se em relação ao dólar americano. Na comparação com o euro, a apreciação foi de 5,9% no mesmo período,
o que constitui mais uma indicação de que a valorização da moeda brasileira não foi reflexo, meramente, da
depreciação da moeda-chave no mercado internacional, como alguns analistas argumentaram.
Esta nota técnica examina os fatores condicionantes dessa trajetória, a despeito da reversão das con-
dições favoráveis de liquidez externa, associada à crise financeira internacional. Parte-se da hipótese de que,
no caso da economia brasileira, que possui elevado grau de abertura financeira e mercados de derivativos
líquidos e profundos, a taxa de câmbio nominal (real/US$) é determinada pela interação das transações cam-
biais nos mercados à vista e futuro de câmbio. Com este propósito, a próxima seção apresenta a dinâmica
do mercado de câmbio à vista, procurando desagregar as transações privadas das intervenções oficiais. Na
seção seguinte, analisa-se o mercado futuro de câmbio. Seguem-se algumas considerações finais.

O mercado de câmbio à vista


Essa seção pretende avaliar os impactos das operações comerciais e financeiras dos agentes pri-
vados sobre o fluxo efetivo de divisas, bem como a sua interação com as intervenções do Banco Central

O MERCADO DE CÂMBIO EM 2008

302
do Brasil (BCB) e do Tesouro Nacional no mercado de câmbio à vista, uma vez que essa interação consti-
tui um dos determinantes da trajetória da taxa de câmbio nominal.
Três principais grupos de agentes atuam nesse mercado, que se tornou unificado em março de
2006, com a fusão dos segmentos comercial e turismo (criados em 1989). O primeiro grupo é formado
pelos bancos que possuem carteira de câmbio e por demais instituições (corretoras, distribuidoras e
agências de turismo) autorizadas a operar divisas com clientes, que constituem os intermediários das
transações cambiais. O segundo grupo é constituído dos clientes que transmitem aos bancos (e demais
instituições intermediárias) as ordens de compra e venda de divisas, envolvendo o setor privado não
financeiro (exportadores e importadores, empresas que contratam empréstimos externos), o setor finan-
ceiro não autorizado a operar nesse mercado (como gestores de fundos), os investidores estrangeiros e
o setor público (Tesouro Nacional, governos subnacionais e empresas públicas). Finalmente, o BCB que
regulamenta, registra e fiscaliza as operações. Ademais, no âmbito do regime de flutuação suja vigente
no Brasil desde janeiro de 1999, a autoridade monetária também intervém no mercado de câmbio, tendo
intensificado sua atuação como compradora de moeda estrangeira, a partir de 2005.
A interação desses agentes ocorre em dois segmentos do mercado de câmbio à vista. No segmen-
to primário, são realizadas as operações entre os bancos e seus clientes, que determinam o fluxo líquido
de divisas. Contudo, esse fluxo e o saldo do balanço de pagamentos não coincidem devido às diferentes
formas de contabilização: enquanto as operações cambiais são registradas no momento da contratação
(daí a denominação “câmbio contratado”), que precede a liquidação em dois dias úteis, o balanço conta-
biliza as transações efetivamente liquidadas (as diferenças entre as operações contratadas e liquidadas
surgem, em geral, devido a cancelamentos de transações por uma das partes).
Se no segmento primário do mercado de câmbio à vista surge a variável central para a determina-
ção da taxa de câmbio, o fluxo de ordens dos clientes, as negociações mais relevantes para a formação
dessa taxa ocorrem no segmento secundário ou interbancário, no qual os bancos realizam o ajuste de
suas posições de câmbio. Os bancos constituem os principais intermediários das operações realizadas
no segmento primário e também os market makers, garantindo liquidez para o conjunto dos agentes.
Para exercer essas funções, absorvendo o excesso de divisas e suprindo a demanda ante uma insufi-
ciência de moeda estrangeira, essas instituições precisam manter a posição de câmbio, que é afetada
passivamente por todas as operações de compra e venda no segmento primário. Além das transações
no segmento primário, a posição cambial dos bancos sofre influência das ordens de compra e venda de
moeda estrangeira pelo BCB (realizadas por meio dos bancos dealers) que, por sua vez, não têm impacto
nos fluxos do mercado primário, mas somente na posição cambial (Equação 1).

Equação 1
∆PC = operações no mercado primário + intervenções do BC + ajustes
onde:
PC = posição de câmbio
Ajustes = toda a variação de posição que não é explicada nem pelo fluxo, nem pelas ações do BC, em geral
decorrente da não liquidação de uma operação contratada. Por exemplo, o cancelamento de uma exporta-
ção contratada, que não afeta o fluxo que já foi registrado, mas a posição cambial dos bancos.

Um banco pode, individualmente, recorrer ao mercado interbancário para neutralizar uma mudan-
ça indesejada de sua posição de câmbio, mas essa estratégia não é possível para o sistema bancário

ECONOMIA BRASILEIRA

303
como um todo (pois as transações nesse mercado são um jogo de soma zero). Numa situação de conver-
gência de opiniões, o mecanismo de ajuste no interbancário, em um regime de câmbio flutuante, será a
variação do preço (ou seja, a taxa de câmbio), que pode ocorrer independentemente do fluxo de câmbio
no mercado primário naquele momento.
A posição de câmbio dos bancos pode ser nivelada/fechada (contratos de compra equivalente aos
de venda; ou seja, posição credora equivalente à devedora) ou aberta, na qual o saldo das operações de
câmbio não é nulo. Nesse último caso, os bancos podem carregar seja uma posição vendida (devedora
em moeda estrangeira, resultado de vendas superiores às aquisições), seja uma posição comprada (cre-
dora em moeda estrangeira). Se os bancos estão com uma posição vendida, eles se beneficiarão de uma
apreciação da moeda doméstica (já que a moeda estrangeira, na qual ele é devedor, se depreciou); em
contrapartida, se eles “comprados”, lucrarão se a moeda doméstica depreciar e se a estrangeira (na qual
é credor) apreciar. Ou seja, em ambas as pontas da posição aberta, os bancos incorrem em risco cambial,
que consiste no risco de perda de capital decorrente das variações futuras da taxa de câmbio. Todavia,
como ressaltado na próxima seção, esse risco é, em geral, coberto por posições opostas no mercado de
derivativos de câmbio.
As estatísticas do mercado de câmbio à vista disponibilizadas pelo BCB não permitem, contudo,
dimensionar o saldo líquido de divisas gerado pelas transações privadas (comerciais e financeiras), in-
formação necessária para que se avalie a pressão em prol da apreciação cambial nesse mercado. Isso
porque essas estatísticas incluem as transações de compra e venda de divisas pelo Tesouro Nacional,
realizadas por intermédio do Banco do Brasil. Os dados do balanço de pagamentos convencional (que
se referem às transações cambiais efetivamente liquidadas) também não permitem a desagregação
das operações privadas e oficiais, pois incluem as compras/vendas de divisas pelo BCB e pelo Tesouro,
seja nas transações correntes, seja na conta financeira. Isso quer dizer que o superávit de US$ 21,6
bilhões registrado de janeiro a julho de 2008 (Gráfico 1) constitui a soma do saldo líquido das tran-
sações cambiais privadas1 e oficiais. Já o “Balanço de Pagamentos — Mercado” exclui as transações
realizadas pelo BCB, mas inclui as compras/vendas de divisas pelo Tesouro no segmento primário do
mercado de câmbio à vista.
Para desagregar as operações privadas (comerciais e financeiras) e as intervenções oficiais (BCB
e Tesouro), foi necessário estimar as intervenções do Tesouro em mercado a partir das informações dis-
poníveis no demonstrativo das reservas internacionais. Com esse procedimento, obteve-se a Tabela 1,
que apresenta os ingressos líquidos de recursos na conta de transações correntes e na conta financeira
decorrentes de transações privadas, e o saldo líquido das compras e vendas de moeda estrangeira pelo
BCB e pelo Tesouro Nacional. O hiato financeiro corresponde à soma do saldo de transações correntes e
da conta financeira, que deve equivaler necessariamente à soma (com sinal contrário) das intervenções
do BCB com a variação dos ativos dos bancos no exterior2. O hiato financeiro recalculado constitui, por
sua vez, o saldo de recursos efetivamente gerado pelas transações privadas, excluindo também as com-
pras líquidas do Tesouro.

1 Essas transações podem incluir operações de governos subnacionais e empresas estatais, que também são clientes dos bancos
no segmento primário de câmbio. Como seu volume é bastante reduzido no contexto atual, optou-se pelo adjetivo “privado”.
2 Num regime de flutuação pura, o hiato financeiro corresponde à variação desses ativos, também com sinal contrário, dado o
método das partidas dobradas.

O MERCADO DE CÂMBIO EM 2008

304
Gráfico 1. Balanço de pagamentos convencional: principais contas
88,2 87,5
90

70

US$ bilhões 50 44,6

30
21,6

10
1,7

-10

-19,5
-30
Transações correntes Conta Financeira Resultado do Balanço

2007 2008 jan-jul

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.

Tabela 1. Balanço de pagamentos privado


2007 2007 2008
  2006 2007 jan.-jun. jul.-dez. jan.-jul.
a. Transações correntes mercado (a.1 + a.2) 10,6 -4,6 0,6 -5,2 -16,4
a.1. Transações correntes privadas 8,9 0,3 2,4 -2,2 -18,7
a.2. Intervenções do Tesouro(1) 1,7 -4,9 -1,8 -3,0 -2,4
b. Conta financeira mercado (b.1 + b.2) 21,9 93,9 67,1 26,8 35,3
b.1. Conta financeira privada 38,7 112,3 73,0 39,3 38,3
Investimento estrangeiro direto 18,8 34,6 20,9 13,7 19,9
Investimento estrangeiro de portfólio 14,7 39,8 15,8 24,0 17,0
Empréstimos médio e longo prazos 20,9 -0,7 -4,3 3,5 4,8
Crédito comercial 11,9 35,8 39,1 -3,3 12,8
Investimentos brasileiros no exterior -34,5 -5,4 -5,8 0,4 -14,3
Demais (2)
6,9 8,3 7,3 1,0 -2,0
b.2. Intervenções do Tesouro -14,0 -9,1 -5,9 -3,2 -2,8
c. Hiato financeiro (c.1 + c.2) 36 89,3 66,9 22,4 11,5
c.1. Intervenções do Banco Central(1) -34,3 -78,6 -57,0 -21,6 -16,9
c.2. Bancos: variação de ativos no exterior(1) -1,7 -10,7 -10,0 -0,7 5,4
d. Hiato financeiro recalculado (c + d.1) 48,4 103,3 74,6 28,7 17,7
d.1. Intervenções do Tesouro -12,3 -14,0 -7,7 -6,3 -6,2

Fonte: Banco Central do Brasil (Quadros 1, 3 e 4 da Nota para Imprensa do Setor Externo). Elaboração própria. As
compras/vendas de divisas pelo Tesouro, no mercado primário de câmbio, foram estimadas a partir das informa-
ções sobre as compras oficiais de divisas e as liquidações do Tesouro referentes ao serviço da dívida soberana,
disponíveis no Demonstrativo de Reservas Internacionais, com a colaboração de Thiago Said Vieira (Assessor Pleno
do Departamento Econômico do Bacen — Divisão de Balanço de Pagamentos).
Notas: (1) Sinal negativo significa aquisição de divisas. (2) Conta capital, títulos de curto prazo, derivativos, moedas
e depósitos, erros e omissões.

Os dados da Tabela 1 mostram que nos primeiros setes meses de 2008, houve um ingresso líquido
de divisas (equivalente ao hiato financeiro recalculado) de US$ 17,7 bilhões, gerados, exclusivamente pe-

ECONOMIA BRASILEIRA

305
los fluxos de capitais, já que as transações correntes foram deficitárias em US$ 18,7 bilhões. O superávit
de US$ 38,3 bilhões na conta financeira foi resultado do desempenho positivo de três modalidades de
recursos externos: investimento direto (estimulados pelo maior crescimento econômico), investimentos de
portfólio e créditos comerciais. A sustentação dessas duas últimas modalidades, num ambiente financeiro
internacional desfavorável, foi estimulada pela elevação do diferencial entre os juros externo e interno,
associada tanto à alta da taxa Selic, a partir de abril, como à evolução do risco-Brasil que, apesar de ter
apresentado alta volatilidade, registrou queda entre março e maio e, no final de julho, estava num patamar
inferior ao do início do ano. Essa elevação ocorreu mesmo se adotarmos como benchmark no cálculo desse
diferencial a média da taxa Libor de 3 meses em dólar, libra e euro — que reflete de forma mais efetiva a
evolução do custo do crédito no mercado financeiro (que persistiu num patamar elevado, em função do es-
tresse de liquidez no interbancário) do que a Fed Fund Rate, que teve várias reduções no período — e mais
do que compensou a alíquota de 1,5% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que passou a incidir
sobre as aplicações externas em títulos públicos de renda fixa, a partir de abril (Gráficos 2 e 3).

Gráfico 2. Evolução do Risco-Brasil


310
290
270
250
Em pontos básicos

230
210
190
170
150
130
110
jul-07
jul-07

jul-08
jul-08
out-07
jun-07
jun-07

jun-08
jun-08
jan-07
jan-07

abr-07
abr-07

jan-08
jan-08

abr-08
abr-08
set-07
set-07
mai-07
mai-07

mai-08
mai-08
fev-07
fev-07
mar-07
mar-07

fev-08
fev-08
mar-08
mar-08
nov-07
nov-07
dez-07
dez-07
ago-07
ago-07

Fonte: Bloomberg. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap

Gráfico 3 . Evolução da Selic e do custo de captação externa

13%

11%

9%

7%

5%

3%
jul/08
jul/07

out/07

jun/08
jun/07

jan/08
jan/07

mai/08
mai/07

set/07

fev/08

abr/08
fev/07

abr/07

mar/08
mar/07

nov/07

dez/07
ago/07

Selic - Meta Fed Fund Rate + Risco-Brasil Libor 3 meses + Risco-Brasil

Fonte: Banco Central do Brasil, Federal Reserve e Bloomberg. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap

O MERCADO DE CÂMBIO EM 2008

306
O excesso de moeda estrangeira proveniente das transações financeiras privadas foi adqui-
rido pelo Tesouro (US$ 6,2 bilhões) e, principalmente, pelo BCB, o qual absorveu não somente a
totalidade do hiato financeiro (US$ 11,5 bilhões), mas também US$ 5,4 bilhões dos bancos. Desde
julho de 2007, quando eclodiu a crise subprime, os bancos inverteram sua posição de câmbio no
mercado à vista, que passou de vendida para comprada (Gráfico 4) — ou seja, deixaram de apostar
na apreciação do real diante da mudança no cenário financeiro internacional. Contudo, em 2008,
os bancos optam, na maior parte do período (com exceção do primeiro trimestre), por reduzir sua
posição comprada (Gráficos 4 e 5), vendendo dívidas no mercado interbancário para o BCB, o que
resultou na variação negativa de seus ativos em moeda estrangeira. Em contrapartida, em 2006 e
2007, eles compraram uma pequena parte do hiato financeiro, o que se refletiu no aumento da sua
posição vendida e de seus ativos no exterior (ver Tabela 1).

Gráfico 4. Posições dos bancos no mercado de câmbio à vista

15.000

11.000

7.000
US$ milhões

3.000

-1.000

-5.000

-9.000

-13.000

-17.000
jul/07

jul/08
jun/07

out/07

jun/08
jan/07

jan/08
abr/07

abr/08
set/07
mai/07

mai/08
fev/07

fev/08
mar/07

mar/08
nov/07

dez/07
ago/07

Comprada Vendida

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap

Gráfico 5. Fluxo cambial, intervenções do BCB e variações das posições dos bancos

15.000

12.000

9.000

6.000
US$ milhões

3.000

-3.000

-6.000

-9.000
jul/07

out/07

jul/08
jun/07

jun/08
jan/07

jan/08
set/07
abr/07

mai/07

abr/08

mai/08
fev/07

fev/08
mar/07

mar/08
nov/07
ago/07

dez/07

Intervenções BCB Saldo líq. fluxo cambial Variação posição dos bancos

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap

ECONOMIA BRASILEIRA

307
As informações apresentadas nesta seção revelam que, at[e julho de 2008, as transações cambiais
de natureza financeira continuaram exercendo pressão em prol da apreciação do real, mas em intensida-
de menor do que no mesmo período em 2007, quando foi registrado um boom de fluxos de capitais para
o país e as transações correntes ainda eram superavitárias. Elas, porém, revelam que toda a “sobra” de
moeda estrangeira no mercado de câmbio continuou sendo absorvida pelo Tesouro e, principalmente, pelo
BCB, assim como em 2007. Teoricamente, essa pressão poderia não se ter concretizado, pois o excesso de
oferta vis-à-vis à demanda privada de divisas foi adquirido pelo setor público. Então, o que explicaria essa
apreciação, a despeito das intervenções frequentes e expressivas do BCB no mercado de câmbio?
A resposta para essa pergunta parece estar tanto na estratégia de intervenção do BCB no mercado
de câmbio à vista, como na dinâmica do mercado de derivativos de câmbio, analisada na próxima seção.
Defende-se a hipótese de que as intervenções do BCB na ponta compradora do mercado de câmbio vi-
sam a acumular reservas e, assim, a constituir um colchão de liquidez em moeda estrangeira, bem como
reduzir a volatilidade cambial, sem procurar influenciar a tendência de apreciação do real.
O BCB persegue uma estratégia, previamente anunciada aos seus dealers, de atuar no final do dia
— quando os bancos já realizaram entre si os ajustes da suas posições cambiais no segmento interban-
cário —, absorvendo as “sobras” de dólares aos preços vigentes, sem procurar influenciar as cotações.
Como destaca Archer (2005), é exatamente essa a estratégia recomendada quando a autoridade mone-
tária não pretende influenciar o patamar de taxa de câmbio. Ou seja, esse patamar não constituiu uma
meta da gestão cambial no Brasil, o que é coerente com o modelo teórico do regime de meta de inflação.
Todavia, em alguns países que adotam esse regime, os bancos centrais, na prática, não negligenciam a
trajetória da taxa de câmbio, dada a sua importância para a manutenção da competitividade externa3.

O mercado futuro de câmbio


Além do segmento à vista, analisado na seção precedente, o mercado de câmbio brasileiro possui
igualmente o segmento de liquidação diferida, conhecido como mercado de derivativos de câmbio4. O
Brasil possui o mercado organizado de derivativos de câmbio — os contratos padronizados de câmbio
futuro e opções negociados na Bolsa de Mercadoria e Futuros (BM&F) — mais líquido e profundo dos
países emergentes.
É possível identificar três mudanças regulatórias que ampliaram o grau de abertura financeira da
economia brasileira e, com isso, impulsionaram o desenvolvimento desse mercado após a adoção do
câmbio flutuante em 1999, ampliando significativamente o número e o volume de contratos negociados
e, assim, a sua influência na formação da taxa de câmbio do real. Em primeiro lugar, em 2000, a Reso-
lução n. 2.689 autorizou a participação dos investidores estrangeiros na BM&F, sem quaisquer limites (e
flexibilizou as aplicações desses investidores estrangeiros nos mercados de ações e títulos de renda fixa).
Em segundo lugar, a Resolução n. 3.452 de 26 de abril de 2007 do Conselho Monetário Nacional (CMN)
alterou a regulamentação dos fundos de investimento em geral e dos fundos multimercado, permitindo
a aplicação de até 10% e 20%, respectivamente, de suas carteiras em ativos no exterior. Em terceiro

3 A esse respeito, ver Archer (2005).


4 Derivativo é um contrato definido entre duas partes, no qual se definem pagamentos futuros baseados no comportamento dos
preços de um ativo de mercado — ou seja, derivativo é um contrato cujo valor deriva de outro ativo.

O MERCADO DE CÂMBIO EM 2008

308
lugar, mediante a Resolução n. 3.456 de 30 de maio de 2007, o CMN aprovou a nova regra de aplicação
dos recursos administrados pelos fundos de pensão, que foram autorizados a: (i) aplicar, até o limite de
3% dos recursos em fundos multimercado, que podem incluir estratégias com alavancagem, aluguel de
títulos e aplicação no exterior nos termos da CVM; (ii) aplicar até o limite de 10% em cotas de fundos de
investimento classificados como fundos de dívida externa; (iii) realizar operações em mercados de deriva-
tivos com a finalidade de aumentar a eficiência da carteira de investimentos.
Vale destacar que também são negociados derivativos vinculados à taxa de câmbio do real em
mercados de balcão, onde são realizadas operações feitas sob medida pelos bancos, de acordo com
demandas específicas dos seus clientes. Além dos swaps negociados no mercado doméstico (registrados
na Câmara de Custódia e Liquidação, Cetip), os investidores têm acesso no exterior aos non deliverable
forwards (NDF) vinculados à taxa de câmbio do real. O NDF é conceitualmente similar a uma simples ope-
ração de câmbio a termo em que as partes concordam com um montante principal, uma data e uma taxa
de câmbio futura. A diferença é que não há transferência física do principal no vencimento. A liquidação
financeira reflete a diferença entre a taxa de câmbio inicial e a constatada na data do vencimento e é feita
em dólar ou em outra divisa plenamente conversível.
Em países, como o Brasil, onde o mercado organizado de derivativos de câmbio é desenvolvido
e aberto aos investidores estrangeiros — e, adicionalmente, o elevado grau de abertura financeira cria
“vasos comunicantes” entre esse mercado e o mercado de NDF —, a sua dinâmica exerce influência fun-
damental na evolução da taxa de câmbio nominal. As operações de arbitragem no tempo constituem o
mecanismo fundamental de transmissão entre a taxa de câmbio à vista e a taxa do mercado futuro, que
depende da sua cotação à vista e do diferencial entre os juros das duas divisas no período de tempo con-
siderado (que é em geral positivo no caso da economia brasileira, sendo assim denominado de “prêmio”).
Mediante essas operações, os bancos e gestores de fundos procuram obter lucro a partir de diferenças
de curtíssimo prazo nas cotações das moedas e nas respectivas taxas de juros.
Três situações são possíveis: (1) a taxa de câmbio futura equivale à taxa à vista mais o prêmio nor-
mal; (2) a taxa futura carrega um prêmio efetivo superior à taxa à vista acrescida do diferencial de juros,
induzindo os agentes a comprar o ativo no mercado à vista (onde está mais barato) e vendê-lo no futuro
(onde está mais caro) para lucrar com a diferença de cotação (ou com uma taxa de aplicação embutida
mais elevada); (3) a taxa futura embute um prêmio efetivo inferior à taxa à vista acrescida do diferencial
de juros, criando uma oportunidade de arbitragem inversa à situação 2: os agentes vendem o ativo (que
possuem ou tomam emprestado) no mercado à vista, onde ele está mais caro, e o adquirem no mercado
futuro, onde ele está mais barato, usufruindo a diferença de cotação (ou uma taxa de captação mais
barata). Contudo, prêmios superiores ou inferiores ao prêmio normal (situações 2 e 3, respectivamente)
somente vigoram durante períodos muito curtos de tempo, pois as operações de arbitragem entre os
dois segmentos conduzem à convergência para um prêmio “normal” (equivalente ao diferencial de juros)
entre as cotações dos mercados à vista e futuro, tornando-as intrinsecamente vinculadas (Gráfico 6).
No primeiro semestre de 2007, uma conjunção de fatores — a sustentação de um diferencial
positivo entre os juros externos e internos (ver Gráfico 3), num contexto de queda do risco-país (ver
Gráfico 2) e de liquidez internacional ainda favorável, a expectativa de obtenção do grau de inves-
timento e a alta dos preços das commodities — contribuiu para que se mantivessem as apostas de
apreciação do real pelos investidores não residentes, que ampliaram sua posições líquidas vendidas

ECONOMIA BRASILEIRA

309
em dólar (a moeda que se desvalorizava) na BM&F, as quais atingiram o volume recorde de US$ 200
bilhões em meados de maio (Gráfico 7). Essas posições, por sua vez, pressionaram para baixo o pre-
ço do dólar no mercado futuro, abrindo espaço para a operação de arbitragem descrita na situação
3: como a taxa à vista acrescida do diferencial de juros tornou-se superior à taxa futura, tornou-se
vantajoso vender dólar à vista e comprar na BM&F, movimento que conduziu à convergência entre
as duas cotações e, assim, à transmissão da apreciação do real no mercado futuro para a cotação
à vista.

Gráfico 6. Taxas de câmbio à vista e futura

2,15

2,05

1,95

1,85

1,75

1,65

1,55
23/4/2007

15/5/2007
26/5/2007

17/6/2007
28/6/2007

16/10/2007
27/10/2007
20/7/2007
31/7/2007

18/11/2007
11/8/2007

29/11/2007
4/5/2007

22/8/2007

10/12/2007
21/12/2007
13/9/2007

02/01/2008
6/6/2007

24/9/2007

18/01/2008
5/10/2007

07/02/2008
22/02/2008
9/7/2007

10/03/2008
7/11/2007

27/03/2008
11/04/2008
29/04/2008
15/05/2008
2/9/2007

02/06/2008
17/06/2008
02/07/2008
Futuro A vista

Fonte: Banco Central do Brasil e BM&F. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap

Gráfico 7. Posições líquidas dos investidores no mercado futuro de US$

400.000

300.000

200.000
US$ milhões

100.000

-100.000

-200.000

-300.000
15/01/2007

15/02/2007

15/03/2007

15/10/2007

16/11/2007

14/12/2007
16/4/2007

15/5/2007

15/6/2007

16/7/2007

15/8/2007

14/9/2007

15/1/2008

14/2/2008

14/3/2008

15/4/2008

15/5/2008

16/6/2008

15/7/2008

4/8/2008

Bancos Investidor institucional nacional Investidor não-residente

Fonte: BM&F. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap

A posição dos bancos — na maioria das vezes na ponta contrária dos investidores estrangeiros
— constitui reflexo tanto das operações de arbitragem no tempo, descritas anteriormente, como das
operações de hedge que buscam cobrir as posições abertas no mercado de câmbio à vista (já que
essas instituições estão sujeitas a limites prudenciais) e, em menor medida, as operações no mercado

O MERCADO DE CÂMBIO EM 2008

310
de NDF5. De forma geral, quando estão vendidos no mercado à vista, os bancos estão comprados, em
termos líquidos, na BM&F e vice-versa (ver Gráficos 4 e 7). Também chama a atenção, no Gráfico 7, o au-
mento das posições dos investidores institucionais nacionais a partir de maio de 2007, o que reflete, pos-
sivelmente, as mudanças na regulamentação dos fundos de investimento e de pensão, mencionadas no
início dessa seção. As operações dos bancos no mercado de derivativos de câmbio, bem como o aumento
dos volumes negociados por esses fundos, revelaram-se fundamentais para garantir a divergências de
opiniões e, assim, ampliar a liquidez das transações no mercado futuro de câmbio da BM&F.
As operações de swaps reversos pela autoridade monetária também contribuíram para garan-
tir essa divergência e, assim, tornar efetivas as apostas dos investidores estrangeiros e institucionais
nacionais a favor da apreciação do real até meados de 2007 (Tabela 2). Esses instrumentos equiva-
lem à compra de dólar no futuro e à venda de contratos de DI — ou seja, são exatamente o reverso
dos swaps ofertados nos momentos de depreciação do real, quando os investidores demandavam
dólares em troca de reais. Com os swaps reversos, a autoridade monetária posicionou-se na ponta
oposta aos investidores estrangeiros nos contratos de câmbio da BM&F, formando posições compra-
das em dólares, que geraram um custo fiscal elevado para o BCB (decorrente tanto da taxa de juros
DI, como da depreciação do dólar do período).

Tabela 2. Operações de swaps do BCB

Estoque de contratos(1) Proteção Exposição Resultado do


Vendidos Comprados em DI(2) em dólar(3) BCB(4)

2002 dez. 705.013 85.375 91.098 -91.098 -884


2003 dez. 628.886 31.550 82.278 -82.278 1.656
2004 dez. 305.040 - 38.343 -38.343 1.598
2005 dez. 32.313 164.394 -14.845 14.845 41
2006 dez. 3.350 260.374 -26.217 26.217 -520
2007 dez. 3.350 463.050 -39.608 39.608 -89
2008 mai 3.350 468.950 -36.364 36.364 -1.292
2008 jun 3.350 470.950 -35.767 35.767 -1.033
2008 jul 1.550 454.510 -34.246 34.246 -1.025
Fonte: BCB, Notas para Imprensa, Política Fiscal.
Notas: (1) Operações realizadas por leilões no mercado aberto e registradas na BM&F. O total do estoque de con-
tratos em final de período está referenciado a contratos de US$ 50.000,00 (o valor dos contratos no vencimento é:
swap cambial com ajuste diário = US$ 50.000,00; swap cambial sem ajuste = US$ 1.000,00; swap cambial com
ajuste diário = US$ 1.000,00).
(2) Valor de referência da posição credora assumida pelo BCB, equivalente ao somatório do valor atual do contrato
em dólar, descontado pela taxa de ajuste, multiplicado pela quantidade de contratos colocados e convertido pelo
dólar do dia de referência de cada período.
(3) Valor de referência da posição devedora assumida pelo BCB, equivalente ao somatório do valor atual do contra-
to em dólar, descontado pela taxa de ajuste, multiplicado pela quantidade de contratos colocados e convertido pelo
dólar do dia de referência de cada período.
(4) Resultado acumulado no mês, pelo critério de competência.

5 Em geral, nesse mercado o banco vende um NDF vinculado à taxa de câmbio do real para o investidor estrangeiro, ficando, as-
sim, com uma posição passiva em reais e uma ativa em dólar. Para neutralizar o risco cambial dessa posição, o banco realiza uma
operação contrária na BM&F, formando uma posição vendida em dólares (ou seja, comprada em reais).

ECONOMIA BRASILEIRA

311
Após a eclosão da crise subprime, em julho de 2007, todavia, observa-se uma importante mudan-
ça nas posições líquidas dos três principais tipos de investidores no mercado futuro de câmbio da BM&F.
Até maio de 2008, os investidores estrangeiros posicionaram-se, predominantemente, na ponta compra-
da desse mercado, o que reflete a reversão das apostas na apreciação do real, certamente associada ao
novo contexto financeiro internacional, marcado pela maior aversão aos riscos.
Somente nos meses de junho e julho de 2008, eles voltaram a formar posições vendidas, que
geram lucros com a apreciação do real. Essa mudança deve ter sido induzida tanto pelo aumento do
diferencial de juros (ver Gráfico 3), como pela concessão do “grau de investimento” (pela Standard & Po-
ors, no final de abril, e pela Moodys, em maio) e pelo boom de preços das commodities, que atingiu seu
ápice no final do primeiro semestre (e também contribuiu para ampliar o otimismo em relação à moeda
brasileira, dada a crescente “commoditização” da pauta de exportação brasileira).
Como os mercados de derivativos são mercados de soma zero, as mudanças nas posições
líquidas dos investidores estrangeiros somente foram possíveis porque outros investidores assu-
miram apostas contrárias. Em 2008, os investidores institucionais nacionais formaram posições
semelhantes aos investidores estrangeiros (compradas até maio e vendidas em junho e julho), en-
quanto os bancos assumiram posições vendidas, como contrapartida de suas posições compradas
no mercado à vista (ver Gráficos 2 e 7).

Considerações finais
A trajetória de apreciação do real no período considerado, assim como nos anos precedentes, foi
reflexo da interação das dinâmicas dos mercados de câmbio à vista e futuro. Todavia, a influência de
cada um desses mercados nessa trajetória parece não ter sido a mesma ao longo dos primeiros setes
meses do corrente ano.
Na seção anterior, destacou-se que, somente nos meses de junho e julho de 2008, os investido-
res estrangeiros exerceram pressões em prol da apreciação do real no mercado futuro, mesmo que em
intensidade menor do que aquela observada no primeiro semestre de 2007, quando as posições vendi-
das líquidas atingiram o recorde de US$ 200 bilhões no mês de maio. Nos meses anteriores, os únicos
agentes que se posicionaram na ponta vendida do mercado futuro de câmbio foram os bancos. Como
essas instituições são sujeitas a regras prudenciais, suas operações na BM&F refletem, em grande parte,
operações de arbitragem no tempo ou a busca de hedge de suas posições abertas no mercado à vista
e, por isso, tendem a ser menos agressivas do que as realizadas pelos hedge funds estrangeiros, fundos
de investimento que realizam operações genuinamente especulativas, mantendo posições abertas no
mercado futuro, sem contrapartida de uma posição contrária no mercado à vista.
Assim, pode-se levantar a hipótese de que, de janeiro a maio, a pressão em prol da apreciação
do real proveniente das negociações no mercado de câmbio futuro da BM&F foi menos significativa
(relativamente à observada no primeiro semestre de 2007 e nos meses de junho e julho de 2008)
e, assim, o superávit de moeda estrangeira no mercado de câmbio à vista gerado pelos fluxos de
capitais foi o principal determinante dessa trajetória num contexto em que a autoridade monetária
adota uma estratégia de intervenção cambial neutra — ou seja, que procura não exercer influência
sobre a cotação da taxa de câmbio.

O MERCADO DE CÂMBIO EM 2008

312
REFERÊNCIA bIBLIOGRÁFICA

ARCHER, David. Foreign exchange market intervention: methods and tactics. In: ________. Foreign ex-
change market intervention in emerging markets: motives, techniques and implications. Basle: Bank
of International Settlement, 2005. (BIS Papers, n. 24).

ECONOMIA BRASILEIRA

313
Por que não
Investimento Público com
Gestão Privada?

José Roberto Afonso


Geraldo Biasoto Jr.

A
crise internacional abriu uma forte discussão sobre os desafios e oportunidades que se colocam à
economia brasileira1. Diversos analistas advogam que a economia brasileira tem grandes chances
de sair da crise na frente e abrindo um novo ciclo de expansão. Carece de mínima base teórica
julgar que, apenas porque a economia crescia aceleradamente até o terceiro trimestre de 2008, se possa
esperar uma trajetória de recuperação rápida. Ao contrário, cabe apreciar os elementos que fizeram com
que a economia brasileira tenha acompanhado atrasada o forte crescimento da economia mundial e os
fatores objetivos que produzem as trajetórias de expansão.
Avaliar as razões desse comportamento impõe identificar os mecanismos que aceleram o ritmo de
produção numa economia como a brasileira. É a expansão da indústria, e dos segmentos a ela ligados,
que exerce papel crucial para a conformação de uma trajetória de crescimento de maior fôlego. São as
decisões de investir em novos produtos, novos processos e nova capacidade produtiva que dão a dinâ-
mica do processo de crescimento. Essas decisões geralmente respondem a impulsos de mercados em
crescimento, sendo retroalimentados pela própria expansão.
Esse impulso poderia ser proveniente de dois segmentos distintos. O primeiro poderia ser o
crescimento dos mercados externos (a expansão das exportações), cuja importância tem sido ex-
pressiva nos últimos anos. Alternativamente, a expansão do mercado interno de consumo tem expe-
rimentado um comportamento muito menos auspicioso, mas poderia ser uma forma interessante de
impulsionar o crescimento. Conquanto não reste dúvida de que os dois fatores sejam mobilizadores
1 Este trabalho é um desdobramento de pesquisa inicialmente realizada para o Banco Mundial (abril de 2005), que resultou em
publicações no Nepp/Unicamp, Ipea, Cebrap e BNDES, bem assim participações em seminários na Cepal e na Universidade Federal
de Viçosa. Os autores agradecem o apoio à pesquisa, críticas e sugestões de Ricardo Figueiró, Erika Araújo, Beatriz Meirelles, Kleber
Castro e Ana Carolina Freire. Como de praxe, as opiniões aqui expressas são de exclusiva responsabilidade dos autores.

Por que não Investimento Público com Gestão Privada?

314
da expansão do produto, outros elementos são necessários para que se estabeleça uma trajetória
de crescimento sustentado.
A compreensão da decisão de investimento é a chave de todo esse processo (ver Keynes, 1983).
E, pelo menos na situação atual, não é a baixa poupança que explica as limitações postas ao investimen-
to. É incontestável que as empresas têm recursos financeiros próprios para investir. Mesmo que não os
tivessem, projetos lucrativos encontrariam recursos relativamente baratos, seja no mercado de capitais,
seja por meio de captações externas, seja em instituições oficiais de crédito. É evidente que uma taxa de
juros tão singular como a brasileira é um enorme elemento impeditivo, mas tentaremos trabalhar com a
hipótese de queda ao longo dos próximos meses.
A decisão de investir envolve uma série de condicionantes para a sua realização. Em primeiro
lugar, o empreendedor avalia as receitas derivadas do investimento num horizonte de pelo menos cinco
anos. Evidentemente, as condições da própria economia são fundamentais para que o investidor consiga
formular hipóteses minimamente confiáveis sobre suas receitas futuras. Do lado dos custos de produção,
ocorre o mesmo. Itens fundamentais na estrutura de custos, como energia, água e transportes, pesam
muito na definição da rentabilidade dos investimentos e, portanto, da sua viabilidade. Logicamente, essa
decisão pertence ao mundo das mercadorias em geral, mas guarda enorme relação com o âmbito das
finanças. Importam as condições esperadas de evolução da posse de ativos financeiros, o que pode ser
sintetizado pela taxa de juros (ver Keynes, 1983: capítulo 17; Minsky, 1986: 178-196). Importam, tam-
bém, as expectativas sobre a evolução do câmbio, tanto por conta do efeito sobre custos e preços em
mercados externos, como por razões financeiras. As expectativas sobre o câmbio aumentam as incerte-
zas que pairam sobre o processo de investimento em proporções ainda maiores do que as enfocadas por
Keynes e Minsky nos trabalhos citados.
O objetivo da reflexão proposta neste texto não é discutir todos os elementos que influenciam a de-
cisão privada de investir, mas sugerir uma questão concreta: qual a importância do investimento público,
especialmente em infraestrutura, para a tomada dessas decisões?2 Os últimos anos foram caracteriza-
dos pela forte expansão do setor privado sobre os monopólios naturais e investimentos de grande escala.
No caso brasileiro, isso ocorreu apenas em pequena medida, muito inferior ao que seria necessário para
contornar os graves problemas que o país enfrenta. A problemática tratada nesta contribuição ao debate
sobre a infraestrutura e o investimento público é a da reconstrução de formas econômicas e jurídico-
administrativas que consigam dar encaminhamento ao maior entrave que a economia brasileira enfrenta
para recuperar sua capacidade de crescer de maneira sustentada.
A solução para o problema da infraestrutura não é trivial, e existe um consenso de que dela depen-
de o ritmo de crescimento brasileiro nos próximos anos3. Uma minoria dos participantes no debate sobre

2 A título de provocação, vale relembrar a tese da “socialização dos investimentos” defendida por Keynes (1983: 256)
no polêmico capítulo 24 de sua Teoria Geral, que ele dedicou para discorrer sobre a filosofia social a que poderia levar seu
livro: “O Estado deverá exercer uma influência orientadora sobre a propensão a consumir, em parte através de seu sistema
de tributação, em parte por meio da fixação da taxa de juros e, em parte, talvez, recorrendo a outras medidas... Eu entendo,
portanto, que uma socialização algo ampla dos investimentos será o único meio de assegurar uma situação aproximada de
pleno emprego, embora isso não implique a necessidade de excluir ajustes e fórmulas de toda a espécie que permitam ao
Estado cooperar com a iniciativa privada. Mas, fora disso, não se vê nenhuma razão evidente que justifique um Socialismo do
Estado abrangendo a maior parte da vida econômica da nação. Não é a propriedade dos meios de produção que convém ao
Estado assumir.”
3 Dentre os inúmeros trabalhos que apontam as necessidades crescentes e volumosas de investimentos em infraestrutura para
ultrapassar os gargalos do crescimento no Brasil, menciona-se CNI (2005), ABDIB (2006), FGV/Fiesp (2006).

ECONOMIA BRASILEIRA

315
o crescimento econômico considera que o investimento em infraestrutura será naturalmente viabilizado
após a expansão da economia. No entanto, essa tese ainda não encontra demonstração na realidade.
Outra parcela de debatedores, mais numerosa, acredita que o estímulo e a elevação do investimento
privado seriam suficientes para suprir a lacuna aberta pela baixa inversão pública. Novamente, o questio-
namento é mais que devido. Se esse preceito pode ser aplicado a regiões mais desenvolvidas e a setores
que já têm um mercado cativo e sólido, não se pode dizer o mesmo de investimentos em regiões menos
desenvolvidas e em setores de maior risco.
Não há dúvida de que o financiamento em mercado de capitais é uma alternativa a ser construída,
mas há um longo caminho a percorrer. O mercado de capitais brasileiro está em franco crescimento e
em processo de sofisticação, mas ainda não dispõe da maturidade dos mercados dos países centrais
para gerar, por exemplo, estruturas acessíveis para a securitização de recebíveis de uma forma ampla.
Vale notar que o desenvolvimento de papéis e instrumentos ainda não se completou. Além disso, não
há como negar que as ações do Estado ainda inspiram desconfiança nos meios empresariais e entre os
investidores. As regras do jogo ainda parecem voláteis demais, seja na política macro (juros e câmbio,
por exemplo), seja na política específica para os setores em que a presença do setor privado efetivou-se.
Pior, não há cálculo econômico que se sustente diante da volatilidade das regras do jogo nas transições
de governo.
É forçoso admitir que o tempo institucional e o tempo econômico encontram grave assincronia. As
condições institucionais carecem de maior solidez dos marcos regulatórios, justamente para garantir o
ambiente econômico para o cálculo dos riscos do investimento privado nas áreas tradicionalmente reser-
vadas ao Estado. Ao mesmo tempo, a incapacidade estatal de incrementar a oferta nesses segmentos
ameaça a economia com gargalos que estancam o crescimento antes mesmo que ele tome impulso.
Ainda que no Brasil essa questão se apresente de forma dramática, é um erro supor que não seja
aplicável a outras economias. Mesmo que o debate sobre a articulação das políticas macroeconômicas
tenha logrado grandes avanços nos últimos anos, o campo da política fiscal ainda reclama maiores re-
flexões. Não é por acaso que a discussão acerca do espaço fiscal relevante para a condução de políticas
macro ganhou destaque na literatura internacional mais recente. Infelizmente, essa discussão ainda é
praticamente ignorada na literatura nacional4.
A emergência das crises fiscais em diversos países, ainda na década de 1980, fez surgir, entre o
mercado e os analistas de políticas econômicas, indicadores de resultado das contas públicas especial-
mente vinculadas ao seu financiamento. É importante notar que essa foi uma saída natural, posto que a
principal questão que afetava a credibilidade das políticas econômicas era justamente a gestão da dívida
pública em relação a aplicadores em títulos e detentores de posições de elevada liquidez, configurando
uma situação em que o financiamento ao setor público passava a ser condicionado por fluxos de capital de
volatilidade cada vez mais acentuada. Ao mesmo tempo, a eficiência das ações públicas, sobretudo como
intervenção direta no domínio da produção, passou a enfrentar um questionamento sem precedentes.
Na atual configuração da economia brasileira, o desafio que surge é o de dar conta do reordena-
mento de espaços entre ações públicas e privadas, preservando o equilíbrio fiscal, mas logrando atingir
um patamar mais elevado de investimentos públicos, enquanto as condições institucionais não ganham

4 Menciona-se que Assmann (2006) é dos raros trabalhos a propor alternativas especificamente para a elevação dos investimen-
tos públicos, com objetivos e meios muito próximos aos defendidos neste trabalho.

Por que não Investimento Público com Gestão Privada?

316
os contornos necessários à plena atuação dos capitais privados. Logicamente, essa realidade deriva da
especificidade histórica de desenvolvimento do capitalismo brasileiro e das formas de estruturação do
setor público e das relações entre este e o aparelho econômico.
Se foi logrado sucesso na estabilização, a era do Real coincidiu com a obtenção de taxas de inves-
timentos nacionais bastante reduzidas. Após os 18,3% do PIB de 1995, a taxa sempre ficou abaixo desse
patamar: em 2005, fechou em 16,3% do produto5, quando apurada a preços correntes. Esse quadro é
ainda pior quando a mesma taxa é apurada a preços do ano anterior: desde 1998, a taxa de investimento
nacional sequer chega perto da casa de 17% do PIB. Um fato importante e que sempre mereceu pouca
atenção das autoridades brasileiras: o aumento do custo de investimento tem superado, e muito, o in-
cremento do custo de vida no pós-real; entre 1998 e 2005, a variação do deflator implícito do PIB foi de
83,2%, enquanto o mesmo índice da Formação Bruta de Capital Fixo (FBKF) cresceu 112,5%6.
Nesse contexto de baixo crescimento, merece destaque o papel do setor público. Entre 1995 e
2003, a FBKF do setor decresceu de 4,3% para 2,7% do PIB (Tabela 1). Não apenas caíram os gastos
das empresas estatais, como também encolheram as inversões diretas das três esferas de governo. Na
composição da FBKF nacional, também foi identificado um recuo da relevância relativa do setor público,
porque suas inversões diminuíram mais do que as do setor privado (queda de 14% para 12,6% do PIB no
mesmo período), de modo que aquele setor, que gerava 23% do que se investia no país em 1995, chegou
a menos de 18% em 20037. Assim, o Brasil tornou-se um caso particular (para não dizer exótico) entre as
economias emergentes: é difícil explicar como o setor público pode investir tão pouco se arrecada tantos
tributos e se aumenta o gasto corrente sem parar.

Tabela 1. Evolução dos resultados fiscais e das despesas com juros e investimentos fixos do setor público:
1995/2003 (em % do PIB)
Variáveis Fiscais 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Resultados:
Primário 0,33% -0,09% -0,90% 0,01% 2,92% 3,24% 3,34% 3,54% 3,89%
Nominal (ou global) -6,63% -5,45% -5,63% -6,96% -5,29% -3,37% -3,30% -4,18% -4,65%
Despesas Selecionadas:
Juros Nominais 6,96% 5,35% 4,73% 6,97% 8,20% 6,61% 6,64% 7,72% 8,54%
Investimentos Fixos, 4,35% 4,25% 4,16% 4,09% 2,76% 2,71% 3,21% 3,47% 2,71%
dos quais: em infraestrutura 2,45% 2,63% 2,52% 2,03% 1,29% 1,12% 1,27% 1,29% 1,02%

Fontes primárias: IBGE, Bacen e Dest. Elaboração: Grupo de Conjuntura Fundap.


Notas: Setor público compreende administrações públicas mais empresas estatais, nas três esferas de governo.
Resultados auferidos pelas necessidades de financiamento do setor público (NFSP), segundo Bacen.
Investimentos fixos: extraídos das contas nacionais (antiga série) e estimados para empresas estatais (com
base no IBGE e Dest), sendo infraestrutura as aplicações realizadas em transportes, energia, comunicações e
saneamento.

5 Com a nova série das contas nacionais, o país piorou ainda mais sua colocação no ranking mundial de taxa de investimento
nacional em 2005 (16,3% do PIB): caiu para a 85ª posição entre 100 países em desenvolvimento pesquisados pelo World Bank
(2006); pela antiga série, estava na 57ª posição.
6 Santos e Pires (2007: 18-19) realizaram uma série de testes econométricos, já considerando a nova série de contas nacionais,
e concluem: “[...] encontraram-se fortes evidências de que aumentos em todos os componentes da carga tributária estão (forte)
positivamente correlacionados com o encarecimento dos bens de capital vis-a-vis os demais bens da economia...”.
7 A trajetória do investimento do setor público apresenta um cenário ainda mais negativo quando consideradas apenas as aplica-
ções realizadas em infraestrutura (o conjunto formado por ações de transportes, energia, comunicações e saneamento). O investi-
mento fixo do setor (ou seja, mesmo computadas grandes empresas estatais) em infraestrutura, que já era baixo em 1995 (apenas
2,4% do PIB), diminuiu em quase 60% até 2003, quando mal superou a casa de 1% do PIB.

ECONOMIA BRASILEIRA

317
É importante observar que o processo de privatização explica boa parte do recuo das taxas de
investimento das empresas estatais. Por outro lado, fica claro que, ao menos da ótica macroeconômi-
ca, o espaço não foi ocupado por aumento do investimento do setor privado como um todo (embora
em alguns segmentos, como telecomunicações, tenha ocorrido tal substituição). De qualquer forma,
não custa recordar que continuam sob responsabilidade estatal, ainda que parcialmente, importantes
setores, como o elétrico e o de transportes, além do saneamento. Portanto, as taxas de investimento
público recentes podem ser qualificadas como excessivamente baixas, como indica outra evidência
eloquente extraída da nova série de contas nacionais: em 2003, as famílias investiram no país o equi-
valente a 4,2% do PIB, isto é, um montante superior em 57% a tudo o que foi investido pelo setor públi-
co no mesmo ano (mesmo somadas as aplicações das três esferas de governo e de todas as estatais,
incluindo os grupos Petrobras e Eletrobrás).
Quando o governo federal reconheceu o baixo investimento público como um problema para a
macroeconomia, a partir de 2003, as primeiras reações foram uma aposta em duas alternativas, na
sequência. Inicialmente, as parcerias público-privadas (PPP) foram guindadas à posição de grande
destaque na viabilização dos investimentos em infraestrutura. Ao ficar claro que as parcerias não se-
riam a panaceia para solucionar os gargalos de investimentos do país8, o governo federal optou por
nova estratégia: elaborar uma lista de projetos-piloto (PPI) em infraestrutura, tendo em vista o retor-
no futuro esperado dessas intervenções, e facultar a sua exclusão dos respectivos investimentos da
meta de déficit — inclusive, inicialmente, mediante acordo e acompanhamento do Fundo Monetário.
A magnitude do gasto agregado, entretanto, é muito pequena diante da demanda e do tamanho da
economia — sem contar que nem todos os projetos listados correspondem a investimentos clássicos
em infraestrutura (como é caso da modernização dos órgãos responsáveis pela cobrança dos tri-
butos federais classificados como PPI). Mesmo considerados prioritários, tais projetos continuaram
sendo alvo de contingenciamentos e atrasos na contratação e nos pagamentos das compras, obras
e serviços contratados.
Somente nos primeiros dias de 2007, a política macroeconômica passou a reconhecer a neces-
sidade de elevar os investimentos, públicos e privados, como requisito para acelerar o crescimento do
Brasil. Na ocasião, foi formulado o Programa de Aceleração do Crescimento 2007-2010, conhecido como
PAC9. Na prática, limita-se a ampliar as deduções de investimentos não computados no cumprimento
da meta de superávit primário. É muito mais um rol de obras (especialmente de infraestrutura) tratadas
como prioritárias e não representa nenhuma mudança estrutural de vulto, muito menos uma reflexão
ou revisão do arcabouço conceitual que disciplina a política e as práticas fiscais no país. Ainda que boa
parte das intenções se transformem em investimentos efetivos, o primeiro balanço oficial das ações do
PAC10 traça cenário no qual os projetos de investimentos públicos considerados prioritários (PPI) devem
equivaler a tão somente 0,45% do PIB ao ano, entre 2007/2010.
Análises mostram que, no primeiro semestre de 2007, a execução das 427 ações no âmbito do
orçamento federal contempladas pelo PAC apresenta baixo desempenho: do total de dotações autoriza-
das — em torno de R$ 7,5 bilhões —, passada metade do ano, 39% tinham sido empenhadas e apenas

8 Para uma avaliação crítica das parcerias e das experiências internacionais, ver IMF (2004b).
9 Ver http://www.planalto.gov.br/relatorio_pac_internet_10_05.zip
10 Programa disponível em: http://www.fazenda.gov.br/portugues/releases/2007/r220107-PAC-integra.pdf

Por que não Investimento Público com Gestão Privada?

318
14% foram efetivamente pagas (incluídos restos a pagar dos anos anteriores), sendo que em 122 ações
sequer foi assumido algum compromisso11.

Os números do investimento público


Os números do investimento das três esferas de governo, tomando apenas as administrações
diretas, não indicam nenhum comportamento importante para o investimento nos últimos treze anos.
Em poucos anos da série, a barreira de 2% do PIB foi superada (Tabela 2). Conquanto uma espécie de
cíclico político do investimento tenha nítida manifestação, o revezamento entre os níveis de governo
acaba fazendo com que o conjunto do investimento apresente grande dificuldade para romper essa
barreira. Os dados também mostram que os municípios são, consistentemente, os maiores promotores
do investimento.

Tabela 2. Estimativa de investimentos governamentais — Administração pública — 1995 a 2008


Ano União Estados Municípios FBCF Adm Pub (APU) APU/PIB
1995 2.709.859 3.707.464 8.068.828 14.486.151 2,05%
1996 2.991.000 5.723.528 9.642.758 18.357.286 2,18%
1997 3.699.688 7.818.576 6.471.915 17.990.179 1,92%
1998 4.146.793 11.417.937 8.006.823 23.571.553 2,41%
1999 2.856.692 6.622.040 7.073.417 16.552.149 1,55%
2000 2.781.176 8.866.384 8.616.461 20.264.021 1,72%
2001 5.397.732 10.885.484 8.242.107 24.525.323 1,88%
2002 6.590.302 12.242.936 14.084.581 32.917.818 2,23%
2003 3.270.412 10.345.749 12.646.498 26.262.659 1,54%
2004 4.054.817 12.163.061 15.555.690 31.773.569 1,64%
2005 7.004.709 15.217.801 13.437.688 35.660.198 1,66%
2006 8.934.963 18.470.141 19.429.075 46.834.179 1,98%
2007 11.564.255 15.446.976 21.786.478 48.797.709 1,88%
2008 14.010.310 24.030.289 29.248.665 67.289.264 2,33%

Fonte: Gobetti (2009)

A Tabela 3 mostra que, quando são agregados os dados das empresas estatais, os resultados não
são substantivamente alterados. Apenas no período final, sob o comando do investimento da Petrobras,
os investimentos das estatais romperam de forma expressiva a marca de 1% do PIB.
Numa comparação internacional, parece ser inegável que o volume de gastos públicos com inves-
timento é muito mais inferior no Brasil do que em países enquadrados na categoria de países emergen-
tes. Em 2007, na média, o investimento foi de 7,64% do PIB, quando medidos apenas os investimentos
realizados pelas administrações públicas. A marca brasileira foi tão somente a penúltima, com apenas
1,69% do PIB (Gráfico 1).

11 Segundo levantamento especial da ONG Contas Abertas compreendendo a parte mensurável do PAC contemplada no Siafi: “De
um total de 427 ações, no valor global autorizado de R$ 7.535.427.878,00, foram empenhados até 3/7/2007, R$ 2.956.707.308,39
(39,24% do total autorizado). Foram pagos efetivamente R$ 1.040.173.158,74 (13,80% do total autorizado), incluindo os restos a
pagar pagos. Esses dados ainda não incluíam as ações incluídas na MP 381, que acrescentou R$ 6.334.721.758,00 ao PPI e ao
PAC. Algumas análises na execução do PAC, antes do incremento, podem ser interessantes: (1) do total autorizado, 122 ações não
saíram do papel e apresentaram execução zero, em empenhos, pagamentos ou restos a pagar pagos; o total autorizado que não
saiu do papel atinge a R$ 1.848.719.799,00, ou seja, 24,53%; (2) a Pasta que mais executou foi a do Ministério dos Transportes,
empenhando 83,1% do valor global empenhado e pagando 76% do valor total pago, incluindo os restos a pagar pagos”.

ECONOMIA BRASILEIRA

319
Tabela 3. Estimativa de investimentos governamentais — Administração pública e estatais
1995 a 2008

Ano FBCF Adm Pub (APU) Estatais DEST FBCF Setor Público (SPU) SPU/PIB
1995 14.486.151 11.445.831 25.931.982 3,67%
1996 18.357.286 12.337.862 30.695.148 3,64%
1997 17.990.179 14.174.918 32.165.097 3,42%
1998 23.571.553 13.123.550 36.695.103 3,75%
1999 16.552.149 8.365.763 24.917.912 2,34%
2000 20.264.021 9.282.655 29.546.676 2,51%
2001 24.525.323 11.212.134 35.737.457 2,74%
2002 32.917.818 16.590.867 49.508.685 3,35%
2003 26.262.659 18.665.321 44.927.980 2,64%
2004 31.773.569 19.694.656 51.468.224 2,65%
2005 35.660.198 21.827.232 57.487.429 2,68%
2006 46.834.179 23.371.251 70.205.430 2,96%
2007 48.797.709 29.124.793 77.922.502 3,00%
2008 67.289.264 42.637.053 109.926.317 3,80%

Fonte: Gobetti (2009)

Gráfico 1. Formação bruta de capital fixo em percentual do PIB — 2007


Indonésia
MÉDIA
República Islâmica do Irã

República Checa
Emirados Árabes Unidos

Índia

República Dominicana
México

Turquia
Arábia Saudita

Argentina
Paraguai
Rússia

Brasil
Colômbia

Turcomenistão
Bolívia

Bulgária
Venezuela, Rep. Bol.

Chile
Peru
Nigéria

Tailândia

África do Sul
Equador
Qatar
R.P. China : Mainland

Malásia

Uruguai

Fonte: IMF

Portanto, vale ressaltar que — por qualquer ótica e comparação que se faça com países de
grau de desenvolvimento semelhante, a atual proporção da formação bruta de capital fixo, ante o
PIB, realizada pelos governos brasileiros, fica bastante aquém do verificado em nosso passado e em
outros países.

Por que não Investimento Público com Gestão Privada?

320
Críticas aos Indicadores Clássicos
Nesse contexto, o longo processo de ajuste fiscal resultou em drástica redução do investimento
público. Privatização e parcerias foram e são importantes, mas não são panaceias. Em verdade, há um
longo caminho a percorrer até que seus resultados ganhem escala. Há um razoável consenso de que o
Estado brasileiro gasta muito e mal e de que é preciso cortar custeio e juros para elevar os investimentos.
Falta desatar esse nó. Ainda que as questões sejam complexas, o debate nacional continua girando em
torno de soluções simplistas e pontuais — como desvincular o orçamento, zerar o déficit nominal, criar
meta para gasto corrente.
Nos últimos anos, importantes mudanças institucionais afetaram o desenho das finanças públicas
no Brasil, entre as quais: a desestatização; a reformulação do processo orçamentário, eliminando opera-
ções extrafiscais; a consolidação e o refinanciamento das dívidas subnacionais com o governo federal; a
implantação de um eficaz sistema de controle e restrição ao endividamento público; e a criação da LRF.
Esse processo todo foi e continua sendo ignorado na formulação e na aplicação dos indicadores fiscais
mais utilizados no país, a DSLP e a NFSP, apurados para todo o setor público12.
É bom situar que a mensuração de déficits nos países latino-americanos assumiu um perfil mais
abrangente do que o verificado em outras situações regionais13. A questão não é meramente contábil. O
motor que levou a mensuração das contas públicas latino-americanas a ter essa forma mais abrangente
tem duas explicações que se confundem com o próprio estilo de desenvolvimento desses países e sua
realidade financeira.
A primeira explicação decorre de forma direta da hipertrofia do Estado, característica dessas eco-
nomias. Como o Estado desdobrou-se em diversas formas institucionais, desde a empresa até os fundos
parafiscais, passando pelas operações de crédito diretamente realizadas pelas autoridades monetárias,
de fato não haveria sentido em avaliar as contas públicas sem abarcar todas essas dimensões.
A segunda explicação refere-se ao caráter financeiro da crise que se abateu sobre o Estado. Não se
tratava, evidentemente, de uma questão de eficiência econômica ou de descompasso entre os agregados
macroeconômicos. Os anos de crise realçaram as dificuldades das moedas nacionais de manter mínimas
condições de estabilidade diante do poder de arbitragem dos capitais constitutivos dos grandes fluxos
internacionais e da magnitude dos desequilíbrios acumulados. É importante frisar: a recomposição da
credibilidade na gestão da política econômica passava, necessariamente, por uma avaliação da capaci-
dade financeira de sustentação das contas públicas. Isso só poderia ser feito tomando-se o conjunto do

12 É ilustrativa a crítica e a citação realizada pelo jornalista Luiz Nassif, em sua newsletter eletrônica de 9/5/2007: “Outra ex-
crescência, estimulada pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) foi tratar a dívida pública como um todo. Há uma conta geral de
Necessidade de Financiamento do Setor Público. Nessa conta entram estados com as contas em ordem e estados com as contas
esfrangalhadas; estatais superavitárias e estatais com prejuízo; investimentos públicos a fundo perdido, e investimentos com retor-
no garantido. Não há a menor diferenciação entre eles. O que importa é a conta final. ... É isso o que está por trás dessa dificuldade
de onze estados em conseguir ampliar seu limite de endividamento. ... consegui falar com o secretário do Tesouro Tarcísio Godoy.
Ele argumentou que o Tesouro não está autorizando a ampliação dos limites de endividamento dos estados mais equilibrados,
porque poderá afetar a capacidade de tomar financiamento da União. Por que isso? Porque não se analisa cada ente por si, mas
a soma final, os grandes agregados. Se um estado toma um financiamento, a conta aumenta e a União tem que contrabalançar
reduzindo o seu. Repare que isso ocorre independentemente do Estado ter capacidade de pagamento ou não...”
13 Apenas 15% dos países da OCDE têm, nas estatísticas fiscais publicadas nos informes do Fundo Monetário Internacional, um
conceito abrangente de setor público não financeiro. Na maioria dos países, a informação fornecida diz respeito às administrações
públicas, em seus diversos níveis. No entanto, os informes sobre a América Latina contêm, em mais de 80% dos países, a informa-
ção sobre as contas do setor público não financeiro, incluindo, portanto, empresas em todos os níveis de governo e todas as formas
de fundos públicos.

ECONOMIA BRASILEIRA

321
Estado, em todas as suas instâncias (tanto fiscais como financeiras). A explosão do Estado em diversas
entidades, dotadas de maior ou menor autonomia, e a crise de credibilidade, por parte dos financiado-
res, na capacidade de sustentação financeira explicam, portanto, a profunda adequação de um conceito
como as NFSP à mensuração das condições fiscais. Sua força residiu justamente na abrangência e na
avaliação financeira proporcionada ao mercado.
O conceito de necessidades de financiamento (NFSP) deriva diretamente da crise financeira do
Estado. Por isso, sua principal aplicabilidade deve ser justamente nos eventos dessa natureza. Nesse
aspecto, pouco importa se o ajuste for realizado no campo das despesas financeiras ou no campo relativo
às despesas de custeio ou capital.
O que está em questão, nesse âmbito da política econômica, é a capacidade do Estado de ad-
ministrar seu endividamento e seus graus de liberdade para executar políticas monetárias e cambiais
lastreadas pelas contas públicas. Fora do período de crise, a mera avaliação dos números do déficit e do
superávit primário passa a ser questionada do ponto de vista de sua sustentabilidade intertemporal. Num
prazo mais longo, logicamente, os agentes econômicos não podem atentar apenas para a capacidade da
administração pública de reduzir despesas. Está em jogo o complexo conjunto de demandas que o apa-
relho econômico coloca ao Estado, bem como as tensões sociais que se apresentam em todo o processo
de escolha sobre gastos e pressão tributária.
A discussão da abrangência do setor público não é menos relevante nessa abordagem da questão
fiscal. A decomposição do gasto público entre empresas estatais e administração pública tradicional
determina perfis completamente distintos para a dinâmica do gasto público durante o ciclo econômico.
Evidentemente, quanto mais forte a necessidade de participação direta do Estado no suprimento de bens
e serviços e na construção da infraestrutura, maiores serão os riscos de entraves para a realização dos
necessários investimentos públicos.
Neste ponto, é interessante passar ao questionamento de algumas inter-relações das políticas
monetária e fiscal, em termos conceituais. Nos momentos de crise, é natural que todas as atenções
se voltem para o mercado financeiro, colocando as políticas de controle monetário e taxas de juros no
centro do processo decisório. Se já era assim quando a mobilidade de capitais era menor, nos tempos
da globalização, com as políticas de livre flutuação cambial, as taxas de juros tendem a se tornar o prin-
cipal instrumento sob o arbítrio direto das autoridades econômicas. Essa é uma realidade das crises no
formato moderno: a supremacia da política monetária sobre os demais elementos da política econômica.
O problema é que as economias acabaram executando políticas econômicas em situações de crises pro-
longadas. A capacidade de arbitragem dos agentes, tanto no movimento de suas aplicações dentro dos
mercados como entre espaços cambiais de países distintos, promoveu a continuidade dos padrões de
enfrentamento das crises para um horizonte de longo prazo.
A grande questão é que essa realidade é altamente perversa para a política fiscal. A necessidade de
geração de superávits primários acabou submetendo todos os movimentos da política fiscal às necessida-
des da política monetária e da gestão da dívida pública. As políticas tributárias foram severamente limitadas
(ao objetivo de aumentar a carga tributária a qualquer custo), como também foi reduzida a capacidade do
Estado de intervir diretamente na demanda agregada (ao menos nas economias emergentes).
Nesse contexto, o manejo da taxa de juros tende a monopolizar as atenções da política econômica
e a condicionar cada vez mais os demais instrumentos dessa política macro. O receituário para enfrentar

Por que não Investimento Público com Gestão Privada?

322
as crises financeiras mais imediatas, na prática, acabou ganhando status de políticas de longo prazo.
Entretanto, fora do curto prazo, não é sustentável que países emergentes, em especial os de grande
mercado interno, mantenham posições fiscais completamente determinadas pelo desenho das políticas
financeiras e de combate à inflação.
É preciso buscar alternativas. Os elementos postos nas diversas posições em debate acerca das
relações entre o ajuste fiscal e o investimento público permitem que sejam delineadas novas alternativas
para o caso brasileiro. O objetivo dessas alternativas é dar conta de várias preocupações anteriormente
arroladas e, ao mesmo tempo, impedir que as flexibilizações abram espaço para a fragilização do ajuste
fiscal.
Especificamente à respeito do tratamento dispensado às empresas estatais no Brasil, vale desta-
car que a legislação já diferencia claramente as que dependem do controlador para funcionar e as que se
autofinanciam. A LRF dispensou à empresa estatal classificada como dependente exatamente o mesmo
tratamento dado à administração pública direta (como também a autarquias e fundações). A empresa
pode até ser constituída pelas regras do direito privado, mas, como depende economicamente do contro-
lador para sobreviver, passa a estar sujeita às mesmas restrições e limites a ele aplicadas — como o limite
de gastos com pessoal e de dívida, assim como a observância de metas anuais de resultado. Do ponto de
vista macroeconômico, porém, é irrelevante o peso das estatais classificadas como dependentes.
Uma proposta simples seria estender a mesma regra da LRF para o controle das NFSP e DLSP. As
empresas que não fossem classificadas legalmente como estatais dependentes seriam excluídas daque-
le controle. É antecipada a resistência a essa proposta, porque as empresas estatais há algum tempo
apresentam tendência superavitária, a ponto de registrarem saldo credor na apuração da dívida líquida
do setor público. O desempenho das estatais é ditado basicamente por dois grandes grupos: a Petrobras
e a Eletrobrás. Como essas empresas têm acumulado elevadas e crescentes disponibilidades financei-
ras, a simples exclusão das empresas estatais significaria elevação da dívida líquida do setor público e
redução do superávit primário anual.
Essa proposta passa necessariamente pelo problema da mensuração da NFSP/DLSP. Na prática,
abater da dívida mobiliária em mercado a parcela dos títulos na carteira das empresas estatais em nada
garante aos tomadores dos papéis que a dívida será honrada porque, por direito, todos os detentores de
títulos merecem o mesmo tratamento. O Tesouro Nacional não pode resgatar um título em poder de uma
empresa privada e deixar de fazer o mesmo, com o mesmo papel, em poder de uma empresa por ele
controlada. Portanto, a DLSP não é um conceito de solvência; no máximo, é um indicador financeiro, que
avalia a captação de recursos no setor privado. Essas questões sinalizam que caberia um debate mais
profundo sobre a estratégia fiscal, os conceitos e a forma de mensuração utilizados no levantamento da
NFSP e da DLSP.
A dívida assumida pelos Tesouros (o montante devido pelas administrações diretas em âmbito fe-
deral, estadual e municipal) é, portanto, muito maior do que a do setor público consolidado (que considera
também a administração indireta, inclusive empresas, e desconta as disponibilidades financeiras e os cré-
ditos contra o setor privado). Do mesmo modo, o superávit gerado pelo conjunto de governos é inferior ao do
setor público e a dívida é maior. Em outras palavras, se as empresas estatais fossem excluídas da apuração
dos resultados (NFSP) e das dívidas (DLSP), o quadro fiscal pioraria: o superávit primário seria menor, o
déficit nominal e a dívida líquida seriam maiores, quando computadas apenas administrações públicas.

ECONOMIA BRASILEIRA

323
As críticas à proposta de excepcionalizar as empresas estatais recorrem mais a forma do que
ao mérito: alegam que é impossível “separar o joio do trigo”, entre estatais produtivas e dependentes,
como se não houvesse recursos na contabilidade pública e mesmo privada, bem assim no mercado de
capitais14. Se isso pode ser aplicado a outras economias emergentes, com uma organização empresarial
e um mercado financeiro incipientes, não é o caso brasileiro. Isso para não falar na experiência já acumu-
lada, desde que implantada a discriminação entre orçamentos fiscal e das estatais, inovação oriunda da
Constituição de 1988 e consolidada pela LRF de 2000.
É importante destacar que até o Fundo Monetário aceitou e respaldou a tese, quando, em 2002,
aceitou, para efeito de programa de stand by, a proposta do governo brasileiro para reduzir a meta do
superávit primário em montante igual à despesa com investimento da Petrobras. Curiosamente, após a
excepcionalidade anunciada em 2002, o assunto não voltou a merecer registro público das autoridades
econômicas federais. Enquanto o caso é ignorado no Brasil, é citado positivamente em documento do
Fundo como um caso exitoso de espaço aberto para a retomada dos investimentos15.
Outro ponto relevante a ser destacado neste debate é a questão da vinculação de recursos, que
tradicionalmente é usada para financiar despesas de capital. No Brasil, a vinculação constitucional mais
importante para investimentos envolve a contribuição destinada a financiar o Fundo de Amparo ao Tra-
balhador (FAT), que custeia os benefícios do seguro-desemprego. Exige-se que 40% da receita corrente
forme uma espécie de poupança, aplicada no banco federal de desenvolvimento — o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) —, para financiar projetos de investimentos, constituindo
sua principal fonte de recursos.
A movimentação do FAT tem basicamente dois efeitos na contabilidade fiscal do setor público. Pri-
meiro, os recursos repassados ao BNDES (por ser instituição financeira, é excluído do setor público) têm
efeito superavitário. Esse só é anulado se o BNDES empresta tais recursos a empresas públicas. E, mesmo
quando o faz, apenas é anulado aquele efeito, mas jamais gera aumento das NFSP. Segundo, o estoque
de créditos emprestados pelo FAT ao BNDES reduz a dívida bruta do governo e, de novo, se não forem
repassados ao setor público, no conjunto, é reduzida a dívida no conceito líquido. Neste sentido, a aplica-
ção da sistemática desvinculação (20%) da receita federal (a chamada DRU) sobre a arrecadação do PIS/
Pasep tem um efeito fiscal exatamente inverso e perverso, do ponto de vista de sua justificativa ou lógica:
os 20% do PIS/Pasep que deixam de ser destinados ao BNDES ou aos depósitos especiais e passam a ser
alocados para outras dotações no orçamento fiscal significam um esforço menor de superávit primário do
mesmo montante (a menos que os recursos sejam alocados para o pagamento dos juros da dívida).

14 Ver, por exemplo, Easterly, Irwin e Servén (2007).


15 Segundo o IMF (2004a): “In the case of Brazil, the decision was made under the 2002–05 Stand-By Arrangement to include an
adjustor to the primary surplus performance criterion to allow higher-than-programmed investment spending by Petrobrás, because
it was deemed to be a commercially run public enterprise. In making such an assessment, Petrobrás met the following criteria: it
earned an average rate of return and had a debt/equity ratio (adjusted for country risk) comparable to those of its international
competitors; it had a diversified ownership structure, with the government’s share amounting to one-third of the company; it met
international accounting standards, was subject to external audits, and had its shares listed on a major international exchange;
it was not subsidized; and it was subject to the same regulatory and tax environment as private sector firms. However, there were
criteria that Petrobrás did not meet: it did not have an independent board of directors (5 of the 9 directors are appointed by the go-
vernment); there was not fully independent decision-making with respect to investment and pay policies (while in practice this was
the case, legally the government had oversight in these areas); and there was some guaranteed borrowing (one World Bank loan
was guaranteed by the government as required under the loan terms). The judgment was made by staff that there were adequate
safeguards to minimize any risks linked to these arrangements.”

Por que não Investimento Público com Gestão Privada?

324
Essas discussões suscitam outra questão: a abrangência das dívidas públicas mensuradas que
atenda às formulações teóricas em torno da sustentabilidade da dívida e da definição do nível adequado
de seu tamanho em relação ao produto nacional.
É possível antecipar algumas questões que poderiam marcar um debate de maior fôlego em torno
da forma como é caracterizada a dívida pública no Brasil, para melhor avaliar esse instrumento na formu-
lação e na execução das políticas fiscais. A análise da evolução da relação dívida/PIB no Brasil deveria
ser mais cuidadosa perante o fato de que a DLSP é um conceito demasiado complexo, repleto de relações
intrassetor público e seletivo nas relações com o setor privado.
É sempre importante ter presente que, nesse contexto, o tamanho da dívida líquida pouco tem
a ver com a dimensão da dívida mobiliária em poder do público e que a evolução das duas dívidas não
aponta, necessariamente, para a mesma direção. Se muitos dizem que a dívida do setor público brasi-
leiro é elevada, a maioria ignora que são igualmente volumosas as parcelas envolvidas na sua apuração
— não só no cômputo da dívida bruta (passivo), como também das deduções (ativos) realizadas para se
chegar ao saldo líquido, valores muito expressivos são contabilizados.
Alguns traços marcantes da composição do tradicional indicador da dívida divulgado pelo Bacen
são eloquentes: ao final de dezembro de 2008, o estoque da dívida mobiliária interna em mercado equi-
valia a 52,8% do PIB, superando em quase 11% do PIB a dívida líquida de todo o setor público. Esse gran-
de diferencial é explicado: pela enorme dimensão que assumiu o estoque de ativos do Tesouro Nacional
na forma de créditos concedidos ou refinanciados para governos estaduais e municipais e empresas
estatais (perto de 13,5% do PIB); pelo também volumoso saldo de disponibilidades financeiras (8,6% do
PIB); e pelo importante estoque de créditos acumulados pelos fundos, como FAT e fundos regionais (5,2%
do PIB, todos índices do final de dezembro de 2008)16.
A literatura internacional que levou à concepção teórica sobre a sustentabilidade da dívida, ao que
tudo indica, sempre associou tal passivo governamental ao estoque de títulos emitidos pelo poder públi-
co e colocados em mercado — seja porque essa é a forma típica de financiamento do déficit orçamentário
nos países mais desenvolvidos, seja porque é a forma mais próxima da moeda. A adaptação do conceito
de DLSP ora adotado obscurece ainda mais a questão do padrão de financiamento do poder público no
Brasil e em economias emergentes, encobrindo a forte deformação que costuma marcar suas estruturas.
As dívidas bancárias ou contratuais não têm grande relação com os supostos teóricos que baseiam a
utilização da relação dívida/PIB, especialmente porque envolvem as posições firmadas no longo prazo,
que não podem ser revertidas por opção unilateral.
Outro problema na aplicação do conceito da DLSP no Brasil diz respeito à incorporação instan-
tânea dos movimentos cambiais à variação dos estoques, em especial da dívida externa (contratual e
mobiliária) contraída com agentes financiadores do exterior. A racionalidade da pressão sobre portfolios
tem sentido na relação com os financiadores internos da dívida pública. Quando os financiadores são
organismos internacionais e aplicadores em bônus internacionais de longo prazo, desaparece aquela
racionalidade, dado que se rompe o vínculo entre financiadores do poder público e gestão da liquidez

16 Também deveria despertar atenção o descasamento dos prazos de vencimentos entre passivos e ativos: o prazo médio dos
títulos emitidos pelo Tesouro Nacional, em dezembro de 2006, era de 31 meses; do outro lado, constam refinanciamentos conce-
didos pelo mesmo Tesouro a outros governos e empresas estatais contratados com um prazo inicial de 360 meses, com opção de
prorrogação por mais 120 meses.

ECONOMIA BRASILEIRA

325
interna, próprio da abordagem teórica que fundamenta o monitoramento da relação entre dívida e PIB.
Não se sustenta a ideia de que haja algum efeito de pressão financeira sobre os credores externos se
a evolução da dívida brasileira é apenas mais um ativo entre centenas de outros no mercado financeiro
internacional. Rigorosamente, a não ser no que tange à dívida mobiliária interna dolarizada, na qual o
agente credor interno percebe seu patrimônio valorizado, não há justificativa teórica para incorporar os
movimentos cambiais à evolução da dívida líquida.
Nunca é demais registrar a diferença da razão dívida/PIB entre os conceitos bruto e líquido (o
primeiro também é formalmente divulgado pelo Bacen, mas, novamente, é raro alguém atentar para tais
informações). Quando avaliadas apenas as administrações diretas (excluídas empresas estatais), como
é orientado pela LRF, o governo geral consolidado acusava uma dívida bruta de 58,6% do PIB, ao final
de 2008. Como as deduções das disponibilidades financeiras e dos créditos dos governos equivaliam
a 17,0% do PIB na mesma data, a razão do governo geral diminuía para 41,6% do PIB. Se computadas
também as empresas estatais (com posição líquida credora de 2,5% do PIB) e a dívida do BC, o mesmo
indicador para o setor público caía para 36,0% do PIB — finalmente, o número mais noticiado e analisa-
do. É curioso que a mensuração da dívida pública pelo conceito líquido não pode necessariamente ser
atribuído aos organismos internacionais17.
A mudança da racionalidade que cerca os indicadores fiscais poderia começar pela utilização
e aplicação de outros indicadores. Seriam indicadores complementares e não substitutivos. Ou seja,
caberia continuar levantando e divulgando os índices tradicionais da NFSP e da DSLP, até para evitar
dúvidas junto aos agentes financeiros de que haveria intenção de manipular ou esconder os resultados.
Obviamente, cada um poderia ficar livre para adotar e acompanhar o índice que mais lhe interessasse.
Isto também reforça a importância de justificar muito bem os indicadores alternativos e dotar da maior
qualidade possível seu levantamento. Um deles pode ser a poupança corrente nas contas públicas18, que
era um conceito muito utilizado no passado distante, quando a contabilidade nacional tinha um papel de
destaque na análise econômica, em que se mergulhava no detalhamento de suas contas, e a análise não
era resumida ou limitada, como atualmente, ao mero acompanhamento dos grandes agregados que com-
põem a divulgação do PIB trimestral. Com a melhoria no padrão da contabilidade pública e a estabilidade
de preços, é possível também recorrer a indicadores sobre a posição patrimonial completa — alguns cha-
mam de riqueza ou patrimônio líquido, a semelhança de índices que balizam as empresas privadas19.

17 Hemming e Ter-Minassian (2004: 31), quando respondem a críticos dos métodos de mensuração adotados pelo Fundo Mone-
tário, concluem o seguinte: “The IMF has chosen to focus on the overall fiscal balance and gross public debt because of these two
indicators’ well established links with short-term macroeconomic stability and longer-term public debt sustainability. It is for this
reason that these indicators are used not only by the IMF but also by other international organizations, financial markets, and most
ministries of finance and central banks worldwide”.
18 Ver Silva e Cândido (2007), que também defendem uma revisão no uso dos indicadores fiscais e sugerem a adoção da poupança
corrente, no lugar do resultado primário, como principal indicador para se acompanhar o comportamento dos fluxos fiscais no Brasil.
19 Vale reproduzir a tese defendida por Easterley, Irwin e Serven (2007): “The limitations of these ´selective´ approaches that
exempt certain investments suggest that it important to consider more-fundamental changes. The first step is for governments to
develop indicators of net worth to supplement traditional fiscal indicators. Later, they may wish to develop new fiscal targets of fiscal
rules than make use of the indicators. None of this implies, of course, that governments should ignore short-term cash deficits or
debt. Monitoring short-term cash flows is crucial for assessing liquidity, and monitoring debt is crucial for assessing vulnerability to
shocks...” (p.18) “... the ideal set of fiscal indicators would : reveal short-term cash flows to indicate the government´s liquidity (and
the extent of any fiscal stimulus); measure net worth to indicate the government´s solvency; incorporate uncertainty in measures of
net worth and other variables; limit self-serving forecasts and asset value manipulation“ (p.19).

Por que não Investimento Público com Gestão Privada?

326
Proposta de Novo Arranjo Institucional: Propriedade Estatal Associada
A Gestão Privada
Não há dúvida de que o país vive um enorme descompasso entre a dinâmica das forças de merca-
do e o ritmo de avanço institucional. Isso atinge de maneira dramática o investimento em infraestrutura.
O reordenamento da distribuição de responsabilidades entre o setor público e o privado tem-se caracte-
rizado pela lentidão, enquanto as parcerias têm sofrido com dificuldades de implementação em todas as
frentes, notadamente a ambiental e a jurídica.
Esse quadro torna cada vez mais necessário pensar em alternativas, mais ousadas e ambiciosas,
para enfrentar uma questão tão grave como o reduzido investimento público no Brasil. Na tentativa de
contornar as restrições legais e os entraves burocráticos ao endividamento e ao investimento de empre-
sas estatais, é possível que algumas soluções pontuais já tenham sido implantadas na linha aqui defen-
dida — como no caso de algumas operações estruturadas montadas com o BNDES20.
As alternativas até aqui utilizadas têm dimensão ou tempo de maturação excessivamente restritas
para garantir uma mudança qualitativa que altere as expectativas empresariais com respeito à garantia
de infraestrutura econômica para o consumo da economia em crescimento. Os processos de concessão
tiveram seu papel, de grande importância, mas a implementação das PPP esbarra em uma série de obs-
táculos. Em verdade, não há como supor que, pelo menos no futuro próximo, esse formato institucional
possa garantir parte substantiva das necessidades de infraestrutura que se fazem prementes.
Ao mesmo tempo, permanece em vigor todo o aparato de controle das contas públicas para efeito de
cumprimento das metas fiscais. A tentativa de estabelecer o conceito de PPI, com o qual os investimentos
com taxa de retorno positiva teriam seu financiamento deduzido das necessidades de financiamento do se-
tor público não financeiro, foi implementada, mas resultou em pouco efeito prático. Em verdade, os agentes
econômicos entendem o PPI como mera concessão que resulta em redução do superávit primário.
Esses movimentos acabam por pintar um cenário em que a capacidade de o Estado utilizar recur-
sos de impostos ou de financiamento para realizar investimentos não foi recuperada. Ou seja, pelo lado
do investimento, nada mudou em duas décadas de gestão fiscal. Por outro lado, os caminhos para que
o investimento ganhe graus de liberdade em relação às contas fiscais, com maior participação privada,
também não lograram um equacionamento minimamente efetivo.
Essa situação de impasse somente tem condições de ganhar encaminhamento diante da neces-
sidade de aumentar a taxa de FBKF e eliminar gargalos setoriais com a formulação de novas estratégias
para a realização desses investimentos. Em verdade, cumpre eliminar o maniqueísmo da oposição entre o
público e o privado. É necessário gerar formas de investimento público adequadas aos novos mecanismos

20 Um caso exatamente na direção da proposta desenvolvida a seguir foi a estruturação financeira do projeto relativo ao gasoduto
Sudeste-Nordeste (Gasene). Os ativos e as receitas foram segregados em uma sociedade de propósito específico (SPE), controlada
(indiretamente) por um banco privado (através de trust constituído no exterior), que, por sua vez, tinha sido contratado pela Petro-
bras para coordenar a estruturação financeira da operação. Essa estatal não participa diretamente do investimento, mas tem um
papel fundamental desde a concepção do projeto, verificação da demanda e elaboração do estudo de viabilidade, passando pelo
projeto básico, licenciamento ambiental e pela aprovação dos contratos de fornecimento e construção firmados pela SPE, como
ainda responde pela supervisão geral da execução do mesmo projeto, pela garantia financeira para o bom andamento do empreen-
dimento e pela garantia de pagamento, caso haja inadimplemento. Note-se que duas operações de financiamento já foram fecha-
das com o BNDES, no montante global de R$ 1,36 bilhão, segundo a Petrobras. Menciona-se, por último, outra operação estrutura
realizada junto ao BNDES pela empresa de propósito específica controlada pelo Estado de São Paulo, para reunir muitos de seus
ativos operacionais (CPA).

ECONOMIA BRASILEIRA

327
financeiros e às lógicas privadas de gestão. Isto, sem perder credibilidade em relação ao realismo fiscal e à
tendência de que o investimento privado ocupe espaços cada vez maiores dentro do investimento global.
Uma estratégia inovadora poderia buscar a elevação de investimentos, sem prejuízo da preservação
do equilíbrio fiscal, com uma condução pública, mas com a chancela do mercado. Esse princípio já foi ado-
tado em algumas soluções, em diferentes países, ainda que em torno de soluções localizadas ou projetos
específicos21. No caso de grandes projetos de infraestrutura, um arranjo institucional próximo ao proposto
aqui é o do sistema ferroviário alemão, que, depois da gestão compartilhada, acaba de ser privatizado22.
A proposta consiste em identificar cerca de vinte ou trinta projetos fundamentais para o desenvol-
vimento do país, de difícil equacionamento na forma de PPP e que pudessem ser organizados sob a forma
legal de empresas de propósito específico23. Isto é, ainda que instituídas e reguladas pelo poder público,
deveriam ser geridas de forma profissionalizada, pela ótica privada.
A proposição é abrir espaços para projetos avaliados como economicamente viáveis em relação a
suas taxas internas de retorno. Do mesmo modo, projetos com taxa interna de retorno inferior, mas que te-
nham relevância para a economia e, assim, apresentem impactos econômicos indiretos positivos, poderiam
ter apoio para a realização. Esses projetos deveriam ter o novo desenho como base, tanto na formulação
como na execução, desenvolvendo ações gerencialmente eficientes e financiáveis pelo mercado.
Caberia selecionar, inicialmente, um número limitado de projetos prioritários, pinçados de dentro
dos orçamentos, e montar, em cada caso, estruturas próprias de gestão profissionalizada, guiadas por
metas e cronogramas, dotadas de independência dos preceitos normais do serviço público, mas solida-
mente monitoradas por instâncias de controle. Vale enfatizar a necessidade de perseguir uma estrutura
efetivamente distinta da normalidade administrativa do Estado.
O ponto diferencial não deveria ser dado pela estrutura governamental, mas sim pela lógica de
mercado. Para tanto, o financiamento dos projetos deveria contar com recursos específicos, captados
diretamente no mercado financeiro. Essa estratégia contemplaria levantar recursos como operações de
crédito em bancos e fundos de investimento e também mediante a emissão de títulos contra recebíveis.
Logicamente, o ponto crucial seria a estrutura jurídica armada para dar segurança aos aplicadores quan-
to à condução profissionalizada da gestão.
Devem ser identificados quatro diferentes tipos de projetos de investimentos, dotados de trata-
mentos distintos para a mensuração do déficit:

21 Algumas experiências bem-sucedidas em países ricos e emergentes ajudaram a inspirar a modelagem aqui proposta. A título de ilus-
tração, vale verificar como importantes investimentos foram realizados, com base no inter-relacionamento do poder público e da iniciativa
privada, para a construção e operação dos grandes projetos do Parque das Nações em Lisboa e da Federation Square em Melbourne (ver
apresentações realizadas no Foro de Cidades de Alicante, em março de 2007, e disponíveis em: http://www.suma.es/foros/index.php ).
22 Joachim Knopp, do Ildes, destaca que a rede ferroviária alemã era controlada por empresa com 100% de capital público mas
com gestão já privada. Em meados de 2007, foi anunciada a abertura de capital e prevista a transferência total, por 15 anos, para o
setor privado. A experiência alemã com ferrovias é considerada mais bem-sucedida do que a privatização promovida na Inglaterra e
tem sido objeto de intenso debate; sem contar que o país adota uma só agência para regular os serviços de eletricidade, telecomu-
nicações, correios, gás e, agora, ferrovias, chamada Agencia Federal de Redes (http://www.bundesnetzagentur.de/enid/2.html).
23 A título de curiosidade, menciona-se que documento recentemente publicado pelo World Bank — ver Easterly, Irwin e Serven
(2007) — chega a anunciar a proposta aqui desenvolvida: private financing of public investment projects (ver pp. 15-17). A análise,
porém, é voltada para experiências latinas em torno das tradicionais PPP e acaba na crítica aos perigos de riscos fiscais. Os autores
até levantam a possibilidade mas desdenham da opção: “On the whole, private financing has not come to play the dominant role in
the provision of infrastructure services in Latin America and elsewhere that many observers expected. It may sometimes improve
efficiency, and it may sometimes allow governments to sidestep the problems created by traditional fiscal targets, but in sectors
such as roads and water it plays a very small role in total investment — something unlikely to change in the near team”.

Por que não Investimento Público com Gestão Privada?

328
• tipo 1: projeto cuja geração de recursos garante Taxa Interna de Retorno (TIR) adequada,
diante das condições de mercado;
• tipo 2: projeto que tem TIR adequada quando considerada a vida do empreendimento, mas
com incertezas em seu desenvolvimento inicial que fazem com que os primeiros anos sejam
de TIR muito baixa ou negativa;
• tipo 3: projeto que tem TIR consistentemente inferior à taxa de mercado, mas produz econo-
mias externas que o tornam de interesse público;
• tipo 4: projeto em que a TIR nunca atingirá as taxas de mercado, mas de elevado interesse
social e no qual a gestão privada é importante.
Há diferentes formas e necessidade de intervenção para cada um dos tipos de projeto acima
elencados. Os projetos do tipo 1 precisam apenas de formas adequadas de articulação para sua
realização. Já os projetos dos tipos 2 e 3 dependem de articulação e credibilidade da política fiscal
(orçamentária) para que os capitais privados sejam acionados. Já os projetos do tipo 4 estão condicio-
nados a formas de comprometimento de recursos no longo prazo e interesses de naturezas distintas
dos agentes privados.
A nova formatação institucional estaria baseada na montagem de uma SPE (sociedades de propó-
sito específico) para cada um dos projetos de investimento. Essa SPE seria de capital majoritariamente
público, mas sua gestão seria de caráter privado e estrita autonomia para a realização de seus fins. A
diretoria se guiaria por um contrato de gestão com a área governamental, em que estariam previstos os
compromissos com a condução da empresa à realização de sua finalidade.
Os recursos financeiros para o investimento seriam fruto da emissão de papéis em mercado ou da
captação de crédito junto ao sistema financeiro, em operações estritamente de mercado. Essa é a chave
de todo o processo: o crivo dos aplicadores é a maior garantia de que os investimentos têm possibilidade
de gerar retornos satisfatórios, diante da realidade do mercado financeiro.
Evidentemente, a construção da credibilidade é essencial nesse processo. Por isso, o novo sistema
teria que ser dotado de forte estrutura de governança corporativa, com salvaguardas legais para os gesto-
res dos projetos. Não custa recordar que a Constituição já prevê que lei regule a autonomia de empresas
estatais, desde que associada à adoção de contrato de gestão, o que coincide com a tese ora defendida,
de modo que a regulamentação de tal dispositivo poderia oferecer a segurança jurídica e econômica a
ser demandada pelos parceiros privados de cada projeto24. Ao mesmo tempo, os investidores privados
deveriam ter a garantia da permanência dos termos contratuais amparados por um sistema de seguros,
especialmente para a fase não operacional.
A relação entre essa nova forma de empreendimento estatal e a política fiscal deve trazer novos
contornos para aferição das contas públicas, sem abalar os ganhos conseguidos com todo o avanço em
torno da redução do déficit público e da institucionalização de mecanismos como a LRF. O financiamento

24 Interessa reproduzir o dispositivo inserido no art. 37 da Constituição em 1998, pela emenda da reforma administrativa (EC n. 19),
que ainda não foi objeto de regulamentação e nem sua proposição inicial: “§ 8. A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos
órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores
e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre:
I — o prazo de duração do contrato;
II — os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes;
III — a remuneração do pessoal”.

ECONOMIA BRASILEIRA

329
dos projetos não poderia ser computado como déficit, dado que está submetido a análises de desempe-
nho e retorno econômico financeiro positivos, chancelados pelo próprio mercado. Esses investimentos e
seus financiamentos não seriam computados no NFSP.
Nos casos em que há subsídio público para que os projetos atinjam níveis de TIR requeridos para
a viabilidade de financiamento em mercado, o montante anual desse subsídio passa a ser considerado
necessidade de financiamento e fica incorporado ao déficit a cada ano.
Como um dos objetivos dessa proposta é melhorar e consolidar boas práticas gerenciais, os des-
vios verificados nos resultados, ante os parâmetros previamente aprovados para os projetos, teriam que
ser tratados como aumento dos gastos públicos, passando a aumentar o déficit público. Ao mesmo tem-
po, os aplicadores deveriam ter recomposta suas posições ante as expectativas iniciais.
As principais formas de ajuste seriam:
• desvios da TIR em projetos do Tipo 1: contabilização como déficit, em caso de recorrência,
mediante avaliações anuais;
• desvios da TIR em projetos do Tipo 2: contabilização imediata como déficit; capitalização em
R$, a depender do desvio de rota;
• desvios da TIR em projetos do Tipo 3: contabilização imediata como déficit; capitalização em
R$ e auditoria de gestão;
• desvios da TIR em projetos do Tipo 4: contabilização imediata e reorganização administrativa.
Alguns elementos tornam essa proposta extremamente atrativa ante as formas simples de conces-
são ou às parcerias público-privadas. Do ponto de vista da viabilização do empreendimento, a redução
dos riscos de implantação é altamente interessante por conta das dificuldades em montar estruturas de
segurança para essa fase. Os prazos de obtenção de licenças, especialmente ambientais, têm deterio-
rado as condições de cálculo dos riscos dessa fase, o que poderia ser mitigado com a responsabilização
direta do governo ante os aplicadores. Outro elemento importante é a possibilidade de se prescindir de
mecanismos que ainda geram grandes incertezas, como o fundo garantidor.
No que concerne ao setor público, a proposta pode render ganhos na eficiência da ação esta-
tal e prevenir a formação dos famosos esqueletos. A incorporação dos desvios de execução ante o
planejamento inicial colabora para incrementar a eficiência da máquina pública. A avaliação cons-
tante dos projetos para efeito de incorporação de deficiências às contas fiscais impede que a deterio-
ração de suas condições patrimoniais se eternizem até as operações de salvamento. Configuram-se,
assim, possibilidades de transferência de formas da gestão privada ao setor público, inclusive na
área social.
Não resta dúvida, porém, de que é no mercado financeiro que podem ser identificadas as carac-
terísticas mais interessantes do modelo proposto. Inicia-se o redesenho do mercado de crédito ao setor
público, abrindo espaços de aplicação para capitais internos e externos atualmente vinculados a títulos
públicos. Ao mesmo tempo, a experimentação e o desenvolvimento de instrumentos financeiros privados
em ambiente de investimento público podem render o amadurecimento da nova institucionalidade que
dá seus primeiros passos. Exemplo importante, a montagem de estruturas de seguro compatíveis com as
necessidades de empreendimentos de vulto.
O financiamento pelo mercado poderia melhorar a qualidade de muitos projetos de investimento.
Tal formatação não exigiria um sistema de securitização tão complexo quanto o que é necessário para

Por que não Investimento Público com Gestão Privada?

330
as PPP. A salvaguarda para as contas públicas se daria pela punição aos projetos mal executados. Em
caso de descompasso entre a trajetória financeira inicialmente desenhada e a realizada, o diferencial
seria computado como novo déficit público. Mas isso não daria aos investidores qualquer direito de res-
sarcimento, justamente para garantir as melhores decisões de investir e o monitoramento das condições
gerenciais da empresa.
Três precondições deveriam ser atendidas: desenvolvimento de uma avaliação econômica detalha-
da do empreendimento, com auditoria externa; constituição de diretoria profissional, sem interferência
política e com ativa participação dos investidores; e estruturação do financiamento da empresa realizado
em mercado, com agentes privados.
A expectativa é que tal proposição trouxesse importantes benefícios para a economia na-
cional. Economizaria tempo na viabilização de projetos essenciais. Iniciaria a remontagem de uma
estrutura de financiamento ao setor público, fugindo da concentração do endividamento na dívida
mobiliária. Permitiria que o mercado financeiro desenvolvesse práticas e instrumentos compatíveis
com o financiamento de operações de porte que, posteriormente, poderiam ser diretamente realiza-
das pelo setor privado.
As maiores vantagens do sistema proposto, em relação aos outros métodos de proteção ao inves-
timento, em contextos de restrição fiscal, seriam:
• que deixam de existir os grandes problemas de classificação como os encontrados na sepa-
ração entre o balanço de gastos correntes e o de despesas de capital, dado que o crivo do
mercado evitará qualquer má avaliação quanto às características do empreendimento;
• que não se colocam as dificuldades com que os analistas se defrontam na aferição do déficit
estrutural, especialmente em economias nas quais os ciclos não têm uma definição muito
clara; e
• que permanece intacto todo o esforço institucional para garantir um novo marco legal para a
gestão fiscal.
A modelagem proposta pode ser considerada superior ao modelo dos PPI, que seleciona um rol de
investimentos e simplesmente deduz o valor correspondente do déficit público. Em primeiro lugar, porque
os analistas de mercado têm tratado esse mecanismo como uma forma de maquiagem contábil ou fiscal
— para não dizer embuste. Em segundo, porque o PPI realmente não reflete qualquer conceito ou formato
novo que melhore a eficiência, a gestão ou a solvência do setor público. Ao contrário, o PPI mais parece
uma lista de projetos escolhida por importância política.
Importa comparar o desenho aqui proposto com a modelagem das PPP. Elas não são excludentes,
uma vez que parcerias comandadas pelo setor privado já podem ser realizadas. O grande diferencial
é que as PPP acessam recursos de um fundo que poderá se tornar um grande esqueleto, enquanto a
proposta em pauta liquida seus desvios, diante do planejamento inicial, a cada ano, produzindo o déficit
correspondente no próprio ano. Dessa forma, estaria preservado o critério de apropriação dos prejuízos
de forma a não afetar gerações futuras.
Tomada do ponto de vista mais geral, a formatação proposta visa a romper a oposição entre as
ações públicas e o setor privado, gerando unidades produtivas de perfil de funcionamento privado ain-
da que sob propriedade estatal. Sem dúvida, a dimensão dos problemas da economia brasileira com
a infraestrutura.

ECONOMIA BRASILEIRA

331
Conclusões
O crescimento é o maior desafio da economia brasileira na segunda metade desta década. Qual o
diagnóstico básico do problema? O crescimento é resultado de um conjunto de fatores, dentre os quais
podemos identificar dois como os mais relevantes no horizonte imediato: a adequação das políticas de
juros e câmbio e o formato da presença do Estado na economia.
Embora haja enorme evidência de que os dois principais preços da economia (juros e câmbio) es-
tejam fora de lugar, não foi esse o objetivo da presente discussão. Partiu-se do suposto de que as grandes
variáveis macroeconômicas deverão se ajustar para permitir avanços na discussão sobre as formas de
romper a enorme armadilha fiscal em que o país acabou preso. A política fiscal tornou-se completamente
passiva e acabou sobrecarregada pela necessidade de dar conta de um ônus financeiro relativo às crises
monetárias e à dificuldade de controle dos fluxos de capital. As soluções de política sustentaram-se na
produção de superávits primários, viabilizados por novas elevações da carga tributária, convivendo com a
inconsequente ampliação dos gastos correntes, relegando o investimento público a níveis insignificantes.
No campo da avaliação das condições do Estado de adotar políticas que dêem conta das necessi-
dades de incremento da infraestrutura, é inegável que a atual estruturação da política fiscal é altamente
restritiva. Diversos conceitos e formas de medida das contas fiscais apresentam um viés contrário aos
gastos em investimento.
As duas tentativas de incentivar investimentos públicos e envolver recursos privados nas áreas em
que tradicionalmente o setor público é supridor não tiveram o desempenho inicialmente esperado. De
um lado, o PPI, redução do déficit limitada a projetos com piso de retorno aceitável, não teve condução
expressiva e sempre foi percebido pelo mercado como mero falseamento das contas fiscais. De outro, a
PPP, dadas as dificuldades envolvidas na formatação do project finance, deverá ser um instrumento em
construção por período apreciável de tempo.
A busca por um espaço no orçamento público para aumentar as despesas com investimento (prin-
cipalmente em infraestrutura) vem ganhando cada vez mais importância nas discussões internacionais25
e já desperta atenção da política econômica brasileira, mas isso não foi suficiente para resultar em me-
didas de caráter estrutural.
Em princípio, há uma grande aposta é que, mantida ao menos o patamar de carga tributária,
a redução da taxa básica de juros e a esperada diminuição das despesas públicas com tais encargos
levaria a aumentar a chamada poupança corrente do governo federal (fora os efeitos benéficos da ace-
leração da economia) e, com isso, seria aberto o espaço para financiamento de um volume maior de
investimentos públicos federais, especialmente em infraestrutura. O problema é que não há qualquer
garantia de que o espaço fiscal aberto seja destinado a investimentos; muito pelo contrário, uma série
de decisões federais (aumento real do salário mínimo e de benefícios assistenciais até os aumentos
de salários, abertura de novos órgãos e criação de novos cargos) resultou em trajetória crescente dos
gastos com pessoal e custeio, nos próximos meses e anos. Poder-se-ia recorrer a vinculações, para re-
direcionar a sobra fiscal às despesas de capital; porém, o passado recente mostra que, mesmo quando
criadas e cobradas contribuições econômicas e taxas para financiar investimentos, elas se tornaram
insuficientes — quando não inexistentes.

25 Ver IMF (2004a), Martner e Tromben (2005) e Easterly, Irwin e Serven (2007).

Por que não Investimento Público com Gestão Privada?

332
O grande desafio que se coloca nesse momento para a formulação das políticas é a proposição de
formas de investimento em infraestrutura, pela ação do Estado, sem que os ganhos derivados da respon-
sabilidade fiscal sejam postos em risco. Para isso, aqui se traz a proposta de desenhar um novo formato
de bloco de investimentos, caracterizado pela formação de uma empresa controlada pelo Estado, mas
de fim específico. Uma empresa de gestão privada, sob diretrizes governamentais. O investimento reali-
zado não seria contabilizado como déficit público, justamente porque a realização passaria pelo crivo do
mercado, como seu financiador. Quaisquer insuficiências de fundos ou deficiências inesperadas de taxa
de retorno deveriam ser imediatamente assumidas como ônus governamental e contabilizadas na NFSP,
como déficit público.
As vantagens dessa estratégia vão além de apressar investimentos inadiáveis. Pois, ao mesmo
tempo, assume novos contornos a recomposição do padrão de financiamento público, e as próprias for-
mas privadas de estruturação de financiamentos vão ganhando densidade e preparando o setor privado
para uma presença mais forte na capacidade de ofertar infraestrutura.
A falta de recursos disponíveis tampouco pode ser considerada a causa principal do baixo inves-
timento privado: a solução passa mais pela compreensão da decisão de investir tomada pelos agentes
econômicos. Muitas empresas têm recursos suficientes para investir ou possuem meios relativamente
baratos de levantá-los, seja no mercado de capitais interno (inclusive junto a investidores institucionais,
como os fundos de pensão), seja no BNDES (apesar da taxa de juros ainda desfavorável), e mesmo junto
a investidores estrangeiros. Isso pode ser exemplificado com um número surpreendente (relativamente à
história brasileira): o montante de emissões primárias registradas junto às autoridades monetárias (CVM)
em 2006 foi de R$ 110,2 bilhões, equivalente a 4,7% do PIB, o que significa mais que o dobro do total
desembolsado pelo BNDES no mesmo ano (R$ 51,3 bilhões ou 2,2% do PIB); aliás, este último já foi su-
perado só pela emissão primária de debêntures (R$ 69,5 bilhões em 2006)26. Isto para não falar que no
mercado financeiro internacional existem bancos especializados em financiar projetos de investimentos
em serviços públicos, com ativos portentosos, uma alavancagem impressionante e um excelente rating,
e cada vez mais interessados em participar ativamente no mercado de crédito brasileiro27.
O problema envolve muito mais as condições sob as quais os investidores formulam as hipóte-
ses sobre suas receitas futuras. Além das incertezas sobre a condução da política macroeconômica, da
trajetória dos preços, dos juros, entre outros, alguns custos (como os de energia e transporte) afetam
significativamente a curva de custos das empresas. A possibilidade de um novo apagão e a deterioração
do sistema rodoviário brasileiro são apenas alguns fatores que desincentivam o investimento privado no
Brasil — isso sem mencionar os notórios problemas de regulação.
Essa reflexão tem por objetivo questionar mais uma vez a forma como se busca o equilíbrio fiscal
no país. Não se deseja abandonar o princípio, mas se busca mostrar que não há dúvida de que a teoria
corrente está ainda muito longe de ter algum tipo de visão completa e abrangente sobre o debate. Mais
que tudo, não há como negligenciar um elemento de importância absoluta: a natureza financeira da par-

26 Ver Sant’Anna (2007).


27 É o caso de dois grandes bancos europeus — o DEPFA e o Dexia, ambos hoje de controle privado mas originalmente criados como ins-
tituições estatais (alemã e franco-belga, respectivamente) e que cresceram e foram privatizados sustentados no financiamento justamente
a governos locais e a projetos de investimentos em infraestrutura, ainda que resultantes de concessões ou parcerias. No caso do Dexia, ao
final de 2006, para um patrimônio de apenas 14,1 bilhões de euros, acumulava empréstimos em operações de longo prazo de 241 bilhões
e um balanço de 509 bilhões, tudo em euros, ao mesmo tempo em que ostentava um dos melhores rating do setor bancário europeu.

ECONOMIA BRASILEIRA

333
ticipação do Estado na economia transforma a questão fiscal, emprestando-lhe uma dimensão que passa
a abarcar o crédito e as formas de manutenção de ativos e de riqueza.
A resolução das questões fiscais não se esgota na diferença entre impostos e despesas reais, e
sim alcança os domínios da utilização de títulos da dívida pública como moeda e forma de manutenção
de capital. Nesse contexto, o próprio investimento público deve ser entendido de outra forma, e não como
mero tipo de gasto. A rearticulação das formas de financiamento e a reestruturação da gestão de serviços
básicos de infraestrutura constituem passos cruciais para mudar a economia brasileira.

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