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ISBN: 978-989-51-5797-6
Depósito Legal n.º 399229/15
Minha mãe me disse certa vez ter ouvido que o livro se escreve sozinho e que nós
somos meras ferramentas utilizadas por ele para que isso seja possível.
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PRÓLOGO
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Monte Negro – Cem anos atrás
Todos os anjos eram irmãos, porém, ao
nascimento de mil deles, dois eram criados como
irmãos de espírito.
Haziel batalhava ao lado de sua irmã de espírito
Hariel e alguns anjos irmãos, contra uma centena de
inimigos demoníacos. Estes eram compostos por
pele rochosa, que cintilava em escarlate.
Rachaduras, por seus corpos, irradiavam pequenas
auroras douradas. Cada criatura tinhacerca de dois
metros e meio de altura. Os chifres grandes, negros e
razoavelmente contorcidos saíam da parte da frente
das cabeças lisas. Os monstros se excediam de
sobrancelhas, evidenciando os olhos negros. Das
bocas, desprendiam-se presas como as dos
hipopótamos, mas as de algumas criaturas jaziam
quebradas. Os corpos eram fortes como de touros,
musculosos. Sem vestes, dava para ver que não
possuíam distinção de sexo. As pernas eram fortes e
terminavam com pés de cavalos fornidos. As mãos
tinham dedos com garras enormes, pretas, foscas e
robustas.
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As montanhas, ao redor dos guerreiros, eram
agigantadas e difundiam suas cores em tons de
marrom. O céu estava quase escuro, mas sua cor
ainda corria em degradês avermelhados.
Em menor quantidade, os anjos estavam em
desvantagem. A maioria lutava com as asas
expostas, plainando no ar para se nivelar à altura das
criaturas. Cada celeste enfrentava duas criaturas,
alguns enfrentavam três.
Haziel, um dos mais poderosos anjos guerreiros,
enfrentava três criaturas com suas asas desabrigadas.
A disputa estava acirrada. Uma criatura investiu,
com sua lança, contra o anjo. Uma tentativa
frustrada pela espada do guerreiro, que com um
movimento circular, segurando a empunhadura com
as duas mãos, arremessou longe a arma do monstro.
Em seguida,afundou sua espada na cabeça da
criatura, abrindo um rombo. O corpo do demônio
caiu no chão e uma explosão irradiadora aconteceu,
formando uma redoma de energia, que alcançou
cerca de dez metros de diâmetro.
Girando seu corpo e dando uma cambalhota para
trás, Haziel acertou o queixo do outro demônio com
o pé. O pescoço da besta quebrou com um barulho
horrível. Assim, a segunda criatura fora abatida,
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explodindo em seguida. Com voracidade, voou para
cima da terceira criatura, que não teve tempo de
reagir. O celeste transpassou seu coração. Moveu a
lâmina da espada para baixo, rasgando a carne e
cortando o monstro em dois. As entranhas se
expuseram e o corpo caiu, como uma massa de carne
escaldante, para assim explodir.
Haziel era uma exceção, pois os anjos estavam
sendo abatidos a dezenas. O campo de batalha estava
repleto de cadáveres de celestes e demônios,
pedaços de corpos e armaduras. Bolos de carne
reluzentes, armas angelicais e infernais estavam
jogadasaos montes. Hariel chegou, voando com
extrema velocidade e deu uma rajada nas asas,
freando ao lado de Haziel.
– Haziel! – gritou a loura. – Mais um monte de
criaturas está vindo do sul, só que duas vezes
maiores. Tem dez dos nossos tomando a linha de
frente. Barrattiel está lá!
O anjo olhou espantado. Além da insuperável
Hariel, que era sua irmã de espírito, tinha também
Barrattiel e Daniel como seus parceiros mais
antigos. Porém, o celeste mais íntimo de sua vida,
depois de Hariel, era Barrattiel, a quem ele ensinou
praticamente tudo. Sem tempo para reflexão, apenas
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impulsionado pelo seu lado guerreiro, ainda mais
quando se tratava de seu mais íntimo irmão, o
celeste investiu nas asas, explodindo o ar em volta e
seguiu em direção sul. Sua metade espiritual esticou
o braço, gritando para que não fosse,
tentandoalcança-lo, mas fora interrompida por
Daniel, um anjo guerreiro de força estupenda. Ele a
segurou com os dois braços em volta do corpo
enquanto ela se debatia.
– Não! Me solta, Daniel, me solta! – Hariel se
debatia com todas as forças, mas não conseguia se
largar da pegada.
– Não, Hariel. Se você for, teremos um
problema a mais! – O celeste berrava a seus ouvidos.
– Estamos falando de Haziel, Daniel. Me solta!
Eu tenho que ir! Me solta, me solta! – Hariel soltou
um grito tão agudo, que ecoou nas montanhas
avermelhadas, reluzentes, à sua volta.
Daniel fora o anjo mais íntimo de Hariel desde a
sua criação. Vendo o desespero da moça, murmurou
em seu ouvido.
– Hariel, escuta! – Mas Hariel não parava de se
debater. Então o anjo falou mais alto: – Escuta!
A moça parou de se mexer e se aquietou. Daniel
prosseguiu:
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– Eu vou e trago Haziel de volta! – Maneirou
sua pegada e se virou, olhando nos olhos azuis da
moça.
– Não, aí eu perco vocês dois! – Hariel gritou,
franzindo o rosto.
– Eu prometo que o trago de volta, mas fique
aqui!– pediu o anjo, rodando seu corpo cento e
oitenta graus no ar, seguindo na mesma direção de
Haziel.
Chegando ao local, o que Daniel avistou foi
terrível. Corpos de anjos estavam destroçados no
chão. Alguns perambulavam com as asas quebradas,
rodeados com ferimentos tão profundos que não
tinham chance de recuperação, sendo esmagados
com facilidade. Demônios também foram tombados,
mas poucos.
Daniel reparou no centro do abate e viu quando
dois anjos lutavam ferozmente. Suas asas estavam
expostas, ajudando-os em suas manobras no ar. As
vinte bestas que os rodeavam deixavam-nos sem
chance de vencer. Haziel e Barrattiel lutavam
bravamente pelas suas vidas contra demônios
enormes. Eram parecidos com os anteriores, só que
mais robustos e maiores. Daniel retirou sua espada
da bainha e seguiu para a batalha. Chegando de
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surpresa, conseguiu derrubar dois monstros de uma
só vez com um movimento circular de espada,
decapitando suas cabeças. Em seguida, esmurrou
mais um deles tão forte na face, que o demônio
tombou com um buraco no crânio. Barrattiel o olhou
com gratidão e se prostraram juntos para a batalha.
O restante das criaturas deu um passo para trás.
Agora eram dezessete demônios contra três
anjos. Mas a força dos infernais ainda era superior.
Os três celestes estavam colados uns de costas para
os outros, formando um triângulo. As asas quase se
engalfinhavam. Seguravam as empunhaduras das
espadas com força. Estavam encurralados, sem
saída. Em volta deles, havia muitas criaturas com
mais desete metros de altura cada uma. Os seres
encabeçavam o teto rochoso com seus chifres
enormes, desprendendo pedras que caíam como
granizos gigantes.
O primeiro ataque, após a chegada de Daniel,
partiu da maior criatura da pequena horda
demoníaca. Fora em direção a Barrattiel, que não
teve outra opção, a não ser contra-atacar com um
chute lateral. Mas fora impedido pelo chifre da besta
poderosa, que com seu ataque frontal o arremessou
contra o teto, esmagando-o contra as rochas. O
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chifre da besta o esfregava na cobertura arrancando
pedaços enormes das rochas, que caíam como
melancias, estourando ao encontrar o solo. Haziel
tentou ajudar o amigo, voando com toda ferocidade
para cima da criatura, mas fora impedido por um
forte soco de outro demônio e arremessado contra
outra criatura. A força do impacto abriu uma brecha
no círculo infernal, jogando o corpo do anjo e o do
demônioa mais de duzentos metros contra rochas
pontiagudas, destruindo-as, explodindo-as em todas
as direções.
A velocidade estupenda de Daniel o
impulsionou à fresta demoníaca, indo ao encontro de
Haziel, que estava desnorteado pela pancada contra
a montanha rubra. Muito velozmente, os demônios
seguiramatrás dele com seus passos largos, mas o
anjo, mais ágil, chegava para aparar seu amigoe
irmão de espírito de sua amiga mais próxima.
Pousou o voo muito velozmente. Em seguida,
ergueu uma enorme rocha, com mais de dez metros,
que se dispunha sobre Haziel. Arremessou-a alguns
metros para a lateral e puxou o braço do celeste
louro, amparando-o. De imediato, investiu nas asas,
mas ao se desprender do solo, fora agarrado por uma
enorme mão forrada por unhas enormes. Um
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demônio agarrou sua perna, puxando-o para baixo.
As forças se contrapunham, até que Daniel, com
uma mão, retirou a espada do cinto e com uma
investida, arrancou dois dedos da criatura, que
puxou o braço de volta, soltando um alto uivo. Com
uma rajada das asas, chegou ao local onde estava
Barrattiel. O celeste sangrava muito, jogado no chão.
Muitos cortesenvolviam seu grande corpo. Então
colocou Haziel no chão para ajeitar os dois anjos e
colocar um em cada ombro.
Subitamente Haziel despertou. Com os olhos um
tanto embaçados, reparou enquanto Daniel colocava
Barrattiel em seu ombro direito. O corpulento anjo
sangrava aos montes, desacordado. A visão de
Haziel se cristalizou e olhando em outra direção,
avistou os gigantes demônios se aproximando
rapidamente.
– Daniel! – berrou Haziel enquanto se levantava.
– Saia daqui.
Daniel olhou para trás, surpreso, ao ver Haziel
em pé, disposto, encarando a horda que se
aproximava. Haziel voltou seu olhar para Daniel e
repetiu:
– Saia daqui! Leve Barrattiel, que precisa de
ajuda. Rápido!
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O louro fitou novamente a horda, que já estava
a cerca de cinquenta metrosde distância.
– Estou bem! Vou segurá-los.
Os olhos azuis do anjo se douraram ao lampejo
de sua áurea magníficaao explodi-la. A energia
irradiava muita luz, tomando como forma uma linda
tocha reluzente, que alcançava quase os limites do
teto. Cintilava em raios dourados, amarelos e
alaranjados. Daniel olhou para o anjo, analisou
rapidamente sua vontade. Sabendo que não poderia
fazer nada sobre a decisão de Haziel, balançou a
cabeça em forma de positivo. Então alçou voo,
aparando Barrattiel, que ainda estava desacordado.
Daniel conhecia Haziel muito bem e sabia que
não adiantaria perder nem ao menos um segundo
para tentar fazê-lo mudar de ideia. Independente do
que estivesse passando em sua mente, sua opinião
era forte e nunca mudava qualquer decisão tomada.
Então Daniel apenas aceitou e seguiu adiante.
Haziel explodiu o ar em volta de seu corpo, ao
investir em suas branquíssimas asas. Seguiu em
velocidade descomunal para cima da massa
demoníaca escarlate. Seu corpo cortou o ar como um
míssil. Na colisão com os grandes corpos, derrubou
quase todas as criaturas, como pinos de boliche. Seu
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corpo rolou por cima dos demônios, mas com a
força dos impactos, sua asa direita quebrou, dando-
lhe uma extrema dor latejante. O anjo soltou um
berro e tentou colocar as asas na carne, mas apenas a
esquerda entrou. A direita, por estar com fratura
exposta, ficou para fora. No centro do abate, os
infernais se erguiam do chão e o encurralavam um a
um.
Olhando de cima, enquanto se afastava aos
poucos, Daniel seguia em frente observando Haziel
desaparecendo meio aos odiosos infernais. Olhou
para Barrattiel em seus braços e depois para frente,
acometendoas asas ferozmente, partindo em direção
à saída.
As rochas caíam do teto aos montes. Lava
derretida escorria pelas laterais em rios, dançando
em explosões desordenadas. Desviando-se de cada
elemento, Daniel observou uma luz brilhante a
alguns quilômetros de distância. Então intensificou
suas rajadas, ganhando mais velocidade. Uma pedra
enorme se desprendeu do teto e iria acertá-los se não
fosse por sua velocidade. Ele desferiu um poderoso
soco direto contra a rocha, desintegrando-a
totalmente.
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Aproximando-se da passagem reluzente, foram
sugados e cuspidos no ar, em outro lugar, por uma
brecha que se abrira no espaço. O pequeno batalhão
angélico os aguardava, plainando a dez quilômetros
acima do solo. Estavam na Terra. O país era Irlanda.
Abaixo, o que se via, até onde os olhos alcançavam,
era uma imensidão de verde em várias tonalidades,
com grandes terrenos divididos. Uma grande ilha
rodeada por águas escuras.
A atenção de Hariel se voltou primeiro para os
dois que atravessavam a abertura. Depois para onde
se abrira a passagem, na esperança de ver seu irmão
de espírito atravessá-la. Aguardou alguns segundos
que pareceram horas. Na demora, voou
desesperadamente em direção a Daniel, indagando:
– Onde está ele? Onde está Haziel, Daniel? – O
olhar da mulher anjo expelia desespero. Os dedos
entrelaçados na frente do queixo. Os lábios tremiam.
Daniel apenas cerrou os olhos, abaixando a
cabeça. Hariel, percebendo o sinal, deu um longo
grito agudo, estridente. Colocou as mãos na frente
do rosto em forma de concha e sentiu, naquele
momento, sucumbir uma parte de si.
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Haziel acordara em um lugar escuro, onde a
única luz que brilhava vinha da parte externa,
transpassando a pequena abertura na parede uns
cinco metros acima. Pouco iluminava o ambiente,
em tons avermelhados. O anjo escutava gritos de
horror que chegavam por todos os lados, abafados.
Ouvindo um barulho de correntes, imediatamente
levantou-se e tentou dar um passo, mas percebeu que
seus dois pés estavam presos. Com toda força,
tentou estourar o objeto que prendia seus membros,
mas o material entrelaçado nem ao menos rangia.
O anjo estava cansado, fraco, com lesões no
corpo. Seu traje fora arrancado. Tinha apenas um
tecido velho envolvendo a região da pélvis. Escutou
um barulho de fechadura se abrindo e levantou-se
rapidamente. No salão, uma criatura horrenda
adentrou-se. Segurava uma tocha. O fogo pulsava,
deixando aparente sua maléfica feição. Tinha cabeça
de falcão e dos olhos saltavam pequenas labaredas.
O corpo era humano, mas as unhas eram maiores do
que o normal, negras. Vestia-se com uma espécie de
roupão marrom. As vestes caíam até os calcanhares
e deixavam os pés com formato de patas de lobo,
aparentes.
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– Haziel, Haziel! – disse a criatura calmamente,
negativando a cabeça, com um sorriso sarcástico.
O anjo guerreiro logo reconheceu o ser maligno.
Era um antigo serafim, que na época negra caiu ao
submundo, junto com o restante.
– Pruflas! – murmurou o anjo com os olhos
semicerrados.
O demônio abriu um leve sorriso sarcástico para
Haziel, falando em seguida:
–Calma, Haziel. Não seja ríspido!
O anjo tinha um olhar desconfiado, fechado.
– O que você quer, Pruflas? Porque você não
acaba logo com isso?
As labaredas nos olhos do demônio se
apagaram, deixando aparente sua esclera
completamente branca. Os olhos incharam,
avermelhando-se de raiva. Seu rosto mostrou as
veias pela pele despenada. Soltou uma curta
gargalhada, cuspiu no chão e disse:
– Acabar logo com isso?
O fogo da tocha ganhou corpo e brilho, o
demônio deu um passo rápido à frente.
– Você sabe o que vocês me fizeram passar na
queda?
Haziel apenas o encarava.
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– Você lembra o que fizeram para merecer isso?
– indagou o anjo.
– Isso para mim é irrelevante. Vou deixa-lo
descansar hoje, mas amanhã começaremos as
brincadeiras.
O demônio se virou, sorrindo, e acenou,
olhando com o canto do olho, seguindo até a porta.
O anjo observou a luz se afastando, enquanto
seu fogo cintilante, com suas centelhas, iluminava o
demônio. Pruflas atravessou a porta. Ao fechar e
trancar a fechadura, o escuro prevaleceu novamente,
deixando o celeste sozinho naquele devasto
universo, rodeado por tijolos.
Ao passar de dez minutos, a porta foi aberta
novamente e dois demônios entraram. Um segurava
uma tocha. Este tinha pele escamosa como dos
Varanus komodoensis, mais conhecidos como
dragões de komodo. Tinha o corpo comprido,
atingindo boa estatura e era dotado de grande
musculatura. O outro era menor, flácido. A cara era
de tartaruga, e apesar de ser um infernal, seus olhos
eram amigáveis. Dispunha de uma pequena
corcunda, talvez pelo fato de estar segurando um baú
com mais de um metro de comprimento, de
aparência pesada. Ao se aproximarem do celeste, o
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cara de tartaruga depositou a caixa no chão
encarando-o.
– Está com fome, celeste?
O demônio gordo abriu a tampa do baú e
retirouum pedaço de carne podre de dentro,
oferecendo-o para o anjo.
Nesse momento, vermes caíram no chão aos
montes, misturando-se aos dedos do anjo.
Haziel fez cara de nojo.
– É verdade, eu me esqueci de que vocês não
comem.
O infernal enfiou a carne na boca e arrancou um
belo pedaço. Com a língua, colocou para dentro da
boca alguns vermes que tinham ficado nos lábios.
Então acrescentou:
– Brincadeira! Queria deixar as coisas apenas
mais divertidas.
O demônio sorriu e olhou para o grandalhão
mudo ao seu lado, que retribuiu o olhar soltando
uma gargalhada curta, rouca.
Haziel balançava a cabeça em negativação.
Tinha um sorriso provocante repuxando os lábios. O
cara de tartaruga olhou novamente para ele, abaixou-
se, enfiando a mão na caixa aberta. De lá, retirou um
porrete forrado com pregos.
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– Isso aqui, celeste. Isso aqui! – O demônio
segurava o objeto e não tirava seus olhos dos pregos.
– Isso aqui é o que vai me agradar com a música que
vai sair da sua boca, quando for penetrado por esses
pregos.
O cara de tartaruga deu dois passos em direção a
Haziel já preparando a pancada. Parou, levou uma
mão ao queixo, depois levantou o dedo indicador
para o alto.
– Melhor!
O demônio se virou para o demônio mais
robusto e entregando-lhe o bastão, disse:
– É com você, Socran. Arrepia ele!
O demônio segurou o bastão rindo, abobalhado.
Seu olhar odioso voltou-se para o anjo.
Aproximando-se, levantou o objeto e lhe desferiu
um golpe nas costelas, perfurando os músculos,
quebrando ossos.
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PARTE PRIMEIRA.
O REFÚGIO
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CAPÍTULO 01
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Aeroporto Internacional de Guarulhos– 13
horas
O casal seguia até o local onde fariam o check–
in com suas bagagens em mãos. A fila era curta.
Após cinco minutos, já faziam a pesagem das malas.
Uma delas ultrapassou o limite de quilogramas.
Como sempre desesperada, Sun arregalou os olhos.
– E agora?
–Calma, Sun. Vamos comprar outra mala, menor
– disse Aron.
– Vocês podem aguardar ali ao lado, por favor?
– disse a profissional do check–in, educadamente.
– É claro! – respondeu Aron.
Ela agradeceu, com um sorriso. O casal se
afastou alguns metros.
– Fique aqui, que eu vou conseguir uma mala. –
Aron apontou o chão.
Sun balançou a cabeça positivamente. O homem
se retirou e retornou após apenas cinco minutos. Nas
mãos, tinha uma mala mais parecida com um trapo.
– O que é isso? – ela indagou surpresa.
– Foi o melhor que consegui! – Aron deu de
ombros – Na loja, estavam muito caras– disse,
fitando a mochila verde e azul, suja.– Comprei essa
aqui de um carregador, rapidinho.
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– Quanto você gastou? – Sun indagou, com as
mãos na cintura.
– Cinquenta reais – Aron falou, um tanto
hesitante.
– Cinquenta reais, por isso? – Ela apontou a
mala. – Ai Aron, só você mesmo. Vamos vai, já
perdemos muito tempo.
Eles transferiram o máximo de bagagem que
julgaram ser possível para a nova–velha mochila.
Quando Aron puxou o zíper, com sua delicadeza,
estourou o lacre.
– Que merda! – praguejou ele.
Em seguida, utilizou as alças da mochila como
cordas. Deu algumas voltas, e no final, prendeu com
um forte nó. Estava horrível.
– Melhor do que nada! –disse ele, olhando para
Sun, sorridente. Depois levou a mala às costas,
segurando-a por uma ponta da alça.
Passaram novamente pela pesagem. Dessa vez
deu certo. Despacharam a mala maior e ficaram com
as pequenas em mãos. Seguiram para a entrega das
passagens, adentrando-se no local de averiguação de
bagagens. Sun se preocupou, pois tinha colocado
produtos líquidos que excediam o limite do conteúdo
permitido, mas rapidamente se tranquilizou, quando
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tudo correu normalmente. Pegaram as bagagens e
correram para o portão de embarque.
Faltando alguns minutos ainda para a primeira
chamada, Aron quis ir a uma das livrarias do
aeroporto. Lá, ele comprou um dos best-sellers
atuais, uma obra de Eduardo Spohr, o qual queria ler
há quase um mês. Saindo da livraria, pegou o livro
nas mãos e deslizou os dedos sobre a capa dura da
edição especial.
Aguardaram até a hora em que foram chamados.
Eles foram um dos primeiros a embarcar. As
poltronas azuis pareciam estreitas, pouco
confortáveis. Sentaram-se e admiraram as telas de
LCD presas nas cadeiras da frente.
– HAHA, temfilme! – disse Aron, em tom alto,
apontando a tela, feliz.
– Psiu! Fala baixo! – disse Sun.
O avião não demorou a lotar. As aeromoças
lacraram a porta e seguiram para a sua sala privada.
O comandante falou em português, depois em inglês
para que todos fechassem os cintos. Em seguida, a
aeronave começou a se movimentar. Aron olhou
para Sun um tanto empolgado. Segurou forte sua
mão e disse:
– Vamos nessa, amor!
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Ela o olhou, sorridente, admirando a criança em
seus olhos.
O avião fez algumas curvas até cair na rua
principal. As turbinas foram acionadas com um
barulho grandioso. Nesse momento, o coração de
Aron acelerou e ele forçou as costas no assento.
Com um impulso, a nave começou a se mover e foi
ganhando velocidade rapidamente. Após alguns
segundos, já estava a mais de duzentos e cinquenta
quilômetros por hora – mostrado na tela de LCD.
Com mais um solavanco, a aeronave se desprendeu
do chão, fazendo com que o homem sentisse um
arrepio que percorreu completamente seu corpo.
Começou na região do abdômen e rapidamente já
formigava em sua cabeça.
– Puta que pariu! Isso aqui é muito bom! – disse
Aron.
– Eu não disse? Sabia que você ia gostar!
Para Sun, foi uma longa viagem de seis horas,
em que ela quase não conseguiu pregar os olhos. O
frio do ar condicionado foi pior do que ela havia
previsto. Aron colocou um filme, mas conseguiu vê-
lo por apenas uma hora. O resto da viagem dormiu,
quase babando, no colo de sua esposa.
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No trecho, atravessaram uma grande parte de
terra firme, até que em certo momento, a mulher
olhou abaixo e só viu água. Depois de poucas horas,
olhou no relógio de bordo. Lá, marcava apenas uma
centena de quilômetros para chegarem ao país do
Panamá, onde fariam a transferência para o voo que
ia à Cancun.
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Rapidamente os demônios chegavam e em dez
metros o arrematariam. Súbito, uma rajada dourada
explodiu a horda como um míssil, desintegrando
metade deles instantaneamente. Outros foram
arremessados longe, mas três delesconseguiram
escapar.
Enquanto caía, acompanhando a queda dos
humanos com suas asas abertas, Caliel reparou na
mulher anjo loura, posicionando-se para sua feroz
investida contra os demônios. Ela retirou sua espada
e com um movimento extraordinariamente rápido,
decepou a cabeça dos três restantes, guardando sua
espada em seguida. Os outros que se aproximavam
mudaram a direção e fugiram como covardes.
Em um piscar de olhos, ela já se posicionava ao
lado de Caliel, descendo como uma águia.
– Tudo bem, Caliel? – berrou ela.
– Você chegou exatamente na hora – respondeu
Caliel. – Obrigado, Hariel! Está tudo sob controle.
Ela meneou a cabeça. Em seguida, lampejou
seus olhos azuis, guardou sua espada e explodiu o ar,
seguindo em outra direção. Caliel voltou sua atenção
aos humanos e reparou o solo se aproximando
rapidamente. Ambos jaziam desacordados, talvez
pelo pânico excessivo.
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Os primeiros destroços já atingiam o mar,
levantando a água com pequenas explosões. Alguns
corpos mortos acertaram a água com um pequeno
estrondo abafado. Pelos ainda vivos, ele não podia
fazer nada, pois tinha que voltar a sua atenção ao seu
guardado e esposa.
Com a força do pensamento, Caliel os envolveu
em uma esfera dourada. Desafiando todas as leis da
física, os corpos foram freando aos poucos e logo já
flutuavam no ar. Com um movimento da mão, Caliel
os direcionou para outro lado, acompanhando-os.
Procurou algum lugar apropriado e avistou uma ilha
nas redondezas. Guiou-os até lá e fez com que
descessem, tocando o solo levemente.
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Ele acordou com um berro, rolando e se
levantando desesperado, ofegante. Olhando abaixo,
viu Sun ainda deitada, encarando-o.
– Como chegamos aqui? – ele indagou com os
olhos esbugalhados.
– Não sei! – Ela mostrou as palmas das mãos.
Refletindo um pouco, ele disse:
– A última coisa que lembro é de uma explosão
no avião. Em seguida, o estouro de nossos cintos.
Depois de mais nada.
– Como estamos vivos?
– Não tenho a mínima ideia!
A lua levava grande luminosidade ao lugar,
então a escuridão não era extrema. Aron ajudou Sun
a se levantar e espreitou mata adentro, semicerrando
os olhos. Dava-se para ver a silhueta das árvores,
frente ao grande céu estrelado. O casal resolveu ficar
exatamente ondeestava, pois era um local aberto,
dando para espreitar qualquer movimento à
distância.
Aninharam-se juntos, colados em uma rocha que
se erguia do chão. Os dois ficaram ali aguardando a
madrugada passar. Sun chegou a cochilar algumas
vezes, mas Aron não pregou os olhos. Ao longe, o
homem podia escutar o que pareciam ser explosões,
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mas imaginou que fossem ondas se
chocandovorazmente contra as pedras.
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Em dois minutos, a chama já ardia bravamente.
Aron recolheu alguns troncos mais robustos,
envolvendo-os em volta da fogueira.
– Agora temos fogo! – Aron disse, sorridente,
enquanto fitava a fogueira, com ar de satisfação.
Ele se sentou, recostando-se na rocha, pedindo
para que Sun se sentasse ao seu lado. Sun se
recolheu em seus braços. Os dois ficaram à beira da
fogueira, admirando-a cerca de meia hora. Enfim
adormeceram.
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apagados há cem anos, brilharam com um brilho que
só o amor verdadeiro é capaz.
– Meu irmão!?! Não é possível!
– Nós todos sabemos o quanto ele é teimoso e
poderoso. Para mim, não chega a ser tão difícil
acreditar que ele ainda esteja vivo – afirmou Caliel.
Ainda comovida com a notícia de que seu irmão
de espírito ainda poderia estar vivo, Hariel olhou
para Caliel, dizendo:
– Eu tenho que ir!
– Para onde?
Alçando voo, ela berrou:
– Eu não sei ainda! Avisarei você.
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Quando aterrissou no solo, próximo ao casal,
muito velozmente, Hariel chegou e pousou ao seu
lado.
– Está acontecendo. Estourou a guerra! – disse a
loura, angustiada.
– Eu percebi! O que está sendo feito?
– Grandes legiões de guardadores se deslocaram
do Sexto Céu e nesse exato momento estão se
espalhando pelo planeta.
– Perfeito, conduzirei esse humano à
sobrevivência. Creio que este seja o local mais
seguro no momento.
Ela meneou a cabeça com seus olhos
resplandecentes, azuis. Em seguida, disse, esticando
o braço, segurando a mão de Caliel.
– Eu precisarei de você e tem que ser agora,
meio a essa confusão.
– Para o quê? – ele perguntou, surpreso.
– Vou resgatar meu irmão do inferno!
Caliel esbugalhou os olhos, puxando a mão de
volta.
– Hariel! Veja bem. Creio que você não esteja
raciocinando direito.
Ela esperou um pouco para falar, depois soltou:
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– Estou o suficiente para saber que posso trazê-
lo de volta.
O ruivo franziu a testa, respirando fundo.
Encarou a loura, revirou os olhos e indagou:
– Como você quer fazer isso?
Ela o olhou, sorridente.
– Eu conto com a sua capacidade de esconder
sua energia.
– Você quer que eu vá lá? – ele perguntou,
colocando uma mão na cintura, apontando algum
lugar no horizonte.
– Creio que nenhum anjo da sua casta consiga
concluir essa missão. Penso apenas em você.
Caliel apenas a encarou e aguardou que ela
prosseguisse:
– Eu tenho um plano infalível – disse ela.
59
Caliel se mantinha em espreita para qualquer
situação. Aquilo começava realmente a ficar
perigoso. Ele teria que investir todo o seu poder na
proteção daqueles humanos.
60
A mãe estava sentada no sofá. Acontecia um dia
tenebroso, deprimente, clima pesado. As nuvens
ocupavam uma grande parte do céu ofuscando a luz
do sol. A guerra, alastrada pelo mundo, ainda não
tinha chegado naquela região do país. Apesar de
que, em certos lugares, como em Brasília e Rio de
Janeiro, o holocausto já tinha tomado conta.
Súbito, as luzes se apagaram. Escutava-se um
forte zunido pela cidade. No início era agudo. Aos
poucos, foi transformando-se em grave, para depois
cessar. Um dos jovens, o mais velho, saiu do quarto
e foi olhar os disjuntores.
– Será que caiu, mãe?
– Acho que não, filho. Os outros apartamentos
também apagaram– respondeu ela, apontando os
vizinhos do apartamento da frente.
O outro filho se manteve no quarto. Deve ter
adormecido enquanto assistia a um filme. Fato
ocorrente em sua vida desde sempre.
Aquele momento durou apenas alguns poucos
minutos. Repentinamente, ao mesmo tempo, mãe e
filho despencaram no chão, desacordados. Após um
minuto, começaram a voltar, mexendo
primeiramente os dedos das mãos. Aos poucos se
colocaram em pé, observando em volta, como se não
61
reconhecessem o lugar. Tinham um olhar sinistro,
como se tivessem esquecido a vida que existira ali.
Um fato completamente grotesco foi que seus olhos
já não eram mais brancos, cristalinos. Agora eram
negros, foscos. Pareciam torrados por uma poderosa
chama que queimou apenas aquela região.
Começaram a perambular pelo apartamento, até
se cruzarem e baterem os ombros. Mas tudo
aconteceu como se nem tivessem percebido. O
jovem deu com o rosto no vidro da sacada e voltou
como um carrinho de bate-bate. Com a mãe
aconteceu o mesmo, mas ela bateu na madeira em
volta da mesa de jantar.
62
que ele passava mais tempo em seus devaneios do
que pensando em coisas sérias.
Caliel voltava, andando ao lado do humano e
dessa vez não parecia afetado por cansaço. Olhando
para cima, reparou em Hariel chegando, traçando um
voo calmo. Ela pousou ao seu lado, caminhando
junto a ele.
– Aconteceu a pior coisa que poderia ter
acontecido! – ela disse.
O ruivo parou os passos por um momento.
Hariel acrescentou.
–Dessa vez o inferno conseguiu. Eles
planejaram. Nós nem imaginávamos! Tudo
aconteceu muito rápido.
– Hariel! Tenha calma, explique-me isso melhor
– disse Caliel, franzindo as sobrancelhas.
A moça bufou, hesitante.
– Eles fizeram alguma coisa. Quem não está
morrendo na guerra, está sendo dominado.
– Dominado?
– Sim! Os infernais invadiram os espíritos
humanos e não podemos fazer nada quanto a isso.
Caliel semicerrou os olhos, respirou fundo e
esperou um pouco para perguntar.
– Você está me dizendo q...
63
– Exato! – ela o interrompeu. – Depois de todo
esse tempo, eles, de alguma forma, conseguiram a
mesma proeza.
– Não é possível! – exclamou o ruivo, fitando o
chão.– Existe algum plano?
– Ainda não, estamos estudando as
possibilidades.
Sem avisar, naquele momento despencou uma
chuva torrencial. Os anjos ficaram ali, observando a
água que não podia atingi-los em sua realidade.
71
chão. Os ossos se reduziram a minúsculos pedaços
de cálcio.
De costas para Caliel, encarando a gosma com
olhar odioso, Haziel tinha seus pés descalços no
chão. Suas asas brancas estavam à mostra. A áurea
brilhava magnificamente. Seus punhos estavam
fechados, mostrando as veias desfilando pelos
braços. Virou-se para o ruivo, dizendo:
– Vamos! – Jogou a cabeça para o lado,
informando a direção.
Caliel sorriu e contestou:
– É por ali, Haziel! – apontando para a direção
oposta a que Haziel apontava.
O anjo de cabelos dourados ainda estava
atordoado mentalmente pelo sacrifício dos cem anos.
Queria apenas deixar aquele lugar, enfrentar os
infernais e ganhar a guerra eterna – como era
conhecida – de uma vez por todas.
Haziel viu uma espada de chumbo meio ao
emaranhado de entranhas e a pegou limpando-a no
saiote, para depois colocar na cintura. Os anjos
alçaram voo e seguiramadiante pelo corredor, que ao
seu final, possuía uma notável brecha quadrada que
dava acesso à parte externa da torre. O anjo
guerreiro assumiu a posição da frente e os dois
72
percorreram velozmente pela longa e larga
passagem.
Atravessaram o primeiro cruzamento e
prosseguiram. Quando se aproximaram da segunda
via que cruzava o corredor, uma robusta criatura se
apresentou em suas frentes, batendo os pés,
tremeleando o chão. Possuía um enorme machado
com o comprimento da metade de seu tamanho. O
monstro tinha um corpo com cerca de três metros de
altura. Era desprovido de cabelos. Sua cabeça era
pequena em comparação ao seu tamanho. A cor da
pele era amarelada, rochosa, com estrias profundas e
negras que se mapeavam por cada centímetro
quadrado de seu corpo robusto. Os braços pareciam
troncos de árvore de tão fortes. Não tinha nariz e as
sobrancelhas eram saltadas, terminando em um olhar
negro, sem esclera. As vestes eram claras,
formando-se em um vestido que cobria o peito
direito, mas que expunha o esquerdo juntamente
com o ombro. O cinto fechava no lugar certo e nos
pés calçava sandálias de couro.
Haziel não hesitou, pelo contrário, prosseguiu
com mais vontade. Abriu uma boa distância entre ele
e Caliel, para assim marretar a criatura com seu
ombro. O peito da besta fora esmagado fazendo um
73
barulho abafado. O som foi parecido ao de um ovo
se partindo. A força do impacto jogou-a contra a
abertura na parede, estourando toda a estrutura de
pedra com seu grande corpo. O moribundo infernal
caiu nas profundezas externas da torre,
desaparecendo na brisa negra que acompanhava suas
paredes. Os anjos voaram pela abertura, expelindo
seus corpos no espaço sombrio do inferno.
Explodiram o restante das rochas que ainda se
desprendiam da parede destruída pelo corpo do
gigante. Nada podia pará-los. Estavam
determinados. Os olhos de Haziel pulsavam como
nunca, vendo aquela possibilidade de escape. Seguia
na direção em que Caliel vinha instruindo, logo
atrás.
– Haziel, oeste em setenta graus, oeste em
setenta graus! – Caliel berrava deixando aparente
suas veias do pescoço.
O louro seguia na frente, rajando suas asas
ferozmente. Ao olhar para trás, percebeu que Caliel
não o acompanhava com a mesma competência,
abrindo um espaço de quinhentos metros entre eles.
Haziel freou e parou no ar, virando seu corpo,
aguardando, enquanto o ruivo se aproximava
rapidamente. Faltando cem metros para o encontro
74
dos anjos, uma rajada vermelha, em forma de
cometa, chocou-se contra Caliel, bravamente.
Arremessou-o a centenas de metros contra rochas
que estouraram ao se chocarem com seu corpo.
–NÃO! – gritou Haziel.
Com um corpo rubro, musculoso e coberto por
rajadas negras, Pruflas estava abaixo de Haziel cerca
de vinte metros, flutuando com suas asas de fogo
imponentes. O duque tinha no rosto um sorriso
sarcástico. As labaredas em seus olhos pulsavam.
Estava totalmente disposto a impedir a escapada do
celeste. Era o rei de Monte Negro. Apenas ele
detinha poder o suficiente para duelar contra um
anjo com aquele poder.
– Você acha que vai ser tão fácil assim sair
daqui, Haziel? – perguntou Pruflas, contendo as
chamas dos olhos.
– Eu nunca achei que seria! – Haziel cerrou os
punhos. – Mas uma coisa eu prometo! – O celeste
fez uma breve pausa.– Farei o possível para passar
por cima de quem se colocar na minha frente.
As veias dos antebraços do anjo saltaram. Seus
bíceps incharam, expondo duas veias robustas
centrais. Gritou bravamente, explodindo sua áurea
75
dourada. Investiu nas asas e avançou contra a fera
que o aguardava, sorrindo.
Pruflas também rajou suas fogosas asas,
seguindo no contra-ataque. O impacto dos corpos,
quando se encontraram, provocou uma grande
explosão. Relâmpagos dourados foram cuspidos da
bola de energia que envolvia os dois combatentes.
Estavam com as mãos entrelaçadas, disputando
força. Pequenos, mas potentes raios se manifestavam
de seus membros colados. A cada segundo, as
pequenas estrias de energia que envolviam seus
membros aumentavam, até que formaram uma
pequena esfera dourada.
As células que compunham a pequena esfera de
energia reluzente se agitaram. Em seguida, um
estouro formidável. Uma onda de choque, com
tamanho poder, irradiou daquele ponto. Assim,
estourou completamente a parede de luz mais fraca
que envolvia os corpos dos guerreiros. Os dois
foram arremessados a centenas de metros para lados
opostos, destruindo tudo que encontravam pelo
caminho: rochas, estalactites gigantescas que
surgiam das nuvens, montanhas. O impacto sobre o
corpo dos guerreiros foi forte. Não controlaram sua
fúria, depositando-a totalmente em suas investidas.
76
Os dois lutadores ficaram poucos segundos
atordoados. Logo se recuperaram do choque. A
centenas de metros de distância um do outro,
estouraram suas áureas. Uma era vermelha, a outra
loura. Investiram em suas asas e seguiram para a
peleja, para assim rapidamente abaterem seus
corpos. O anjo avançou com uma joelhada direta
inclinando o peito para trás, dando mais
profundidade ao golpe. Mas o diabo era tão rápido
quanto ele edesviou-se da investida. Haziel passou
direto pelo demônio e abriu suas asas, freando,
cambalhotando no ar. Também girou seu corpo
dentro da cambalhota, virando-o de frente para
Pruflas.
O anjo tinha as sobrancelhas franzidas. O olhar
era sério, temeroso. Levou a mão à cintura. Do
saiote, tirou a espada que pegou dos soldados
anteriormente. Posicionou-a àfrente, segurando a
empunhadura com as duas mãos. Pruflas ainda tinha
no rosto um sorriso sarcástico. Subitamente, soltou
uma baixa gargalhada interna, mas que ressoou para
fora. Levou sua mão demoníaca à frente do corpo,
remexeu suas grandes unhas negras e avançou para
cima do anjo.
77
O monstro seguiu de encontro ao herói, rajando
suas asas de fogo. Ao se aproximar, seu corpo se
afunilou até as pontas dos dedos e começou a girar
em torno de si, cortando o vento como um míssil.
Pruflas tinha se tornado um redemoinho escaldante
que deixava para trás um grande rabo dourado.
Investindo de cima para baixo, Haziel arrematou a
arma contra o corpo do demônio impedido seu
ataque. Mas ao se chocar com o turbilhão de fogo, a
espada de chumbo foi arremessada a dezenas de
metros, penetrando e tremeleando em uma rocha,
que explodiu algumas pequenas pedras, com o
impacto.
A investida contra o demônio não fora fatal, ou
sequer deixara algum corte na carne. Isso devido à
rotação de seu corpo que o protegeu. Mas o impacto
da arma atribuído pelos músculos do anjo serviu
para tonteá-lo. Haziel aproveitou e voou em direção
a Pruflas, preparando um soco voraz. Enquanto ele
ainda se aproximava, o demônio voltou a si e
conseguiu cruzar os braços na frente do rosto, onde
seria atingido diretamente. O murro veio com uma
potência tão poderosa que ao encontrar os
antebraços do duque, criou uma onda de choque
dourada, arremessando o demônio contra uma
78
montanha. O monte marrom imediatamente
tremeleou e despencou, soterrando-o.
Haziel estava parado cem metros acima,
plainando no ar, assistindo ao sepultamento de
Pruflas. Por um momento, tudo ficou calmo. O anjo
considerou sua a vitória. De repente, as pedras
começaram a trepidar na região devastada. Iniciou-
se uma espécie de avalanche interna, onde todos os
fragmentos de rocha afundavam no centro do monte
destruído, meio a um redemoinho. Tudo começou a
brilhar em um tom avermelhado e os corpos
terrestres começaram a se fundir. Enquanto
derretiam, transmutavam-se em uma massa
escaldante.
No meio, quando a rocha acabava de se
liquefazer, uma silhueta escarlate surgia, na medida
em que a maré ardente descia. Era Pruflas. Irradiava
de seu corpo uma energia vermelha de aparência
poderosa. A luz cintilava em volta dele em uma fina
camada translúcida, criando uma pequena
tempestade energética dentro de si.
A luz vermelha pulsava, premeditando uma
eminente explosão. Os punhos do duque estavam
fechados, os braços esticados. As unhas passavam da
altura dos pulsos. Os músculos estavam inchados e
79
rígidos. O olhar era sério, odioso. A energia em
volta de seu corpo ardeu, ganhando brilho e explodiu
em uma tocha gigante, cintilante. O infernal partiu
para cima do anjo com toda voracidade possível em
seu coração maligno, expelindo lava derretida aos
metros, quando decolou.
Pruflas preparou um soco feroz e quando
arremetido, foi malogrado pelo contra-ataque de
Haziel, que girou seu antebraço para fora, fazendo
um movimento arqueado com o braço. Tudo que se
passou a seguir durou cerca de cinco segundos.
Diante da investida do herói, o demônio perdeu
o foco de seu soco direto, mas conseguiu retroagir a
mão direita a tempo de preparar um murro em forma
de gancho com o outro braço, acometendo-o.
Esquivando-se para trás do murro do monstro, o anjo
aproveitou a inclinação de seu próprio corpo quando
jogou seu pescoço para trás, para assim subir com
um poderoso chute, que acertaria o queixo da besta.
Mas Pruflas era rápido e amparou o golpe de Haziel
com os dois antebraços juntos, recebendo a
caneladaque estremeceu seus músculos. A força do
demônio era grande, arremessando as pernas do
celeste para baixo com um solavanco. A impressão
de Haziel era de como se ele tivesse batido em um
80
tronco inquebrável, de baixo para cima. O corpo do
anjo daria uma volta de 360 graus, se não fosse pela
investida nas asas, que impulsionou seu corpo para
trás, dando-lhe uma distância de dois metros do
duque. Com uma poderosa rajada de suas
branquíssimas asas, o anjo louro avançou muito
rapidamente contra o corpo de Pruflas, que dessa vez
não teve tempo de reagir com tanta destreza. As
mãos de Haziel brilharam como fogo para então ele
seguir com uma sessão de socos. Usando da mesma
técnica utilizada pelo anjo anteriormente, o demônio
girou seu braço para fora em movimento arqueado,
expulsando um dos socos do herói, que perdeu a
desenvoltura. A mão direita da besta brilhou mais
que a áurea em volta de seu corpo, contra-atacando e
arremetendo um gancho no abdômen do anjo. Haziel
fora jogado às alturas, parando apenas quando
encontrou o teto, penetrando seu corpo alguns
metros na rocha. As pedras explodiram com o
impacto e caíram em uma chuva de detritos, que
arrebentava ao encontrar o solo.
Pruflas esperava que Haziel despencasse junto
com as pedras no impacto, mas quando percebeu que
o anjo demorava a cair, já era tarde. Um vulto louro
saiu da abertura e se prostrou na sua frente em um
81
piscar de olhos. Haziel acertou um soco cruzado
direito no queixo do duque, que não teve
escapatória. Segurando seu ombro, desferiu-lhe um
gancho com o outro braço, também no queixo. O
corpo da besta subira com a pancada, mas
rapidamente fora marretado para baixo pelas mãos
entrelaçadas do anjo. A áurea do anjo guerreiro
estourou formidavelmente e ele desceu com
voracidade, encontrando o corpo da criatura
atordoada, ainda despencando no ar. Haziel iniciou
uma sessão de poderosos murros contra ele e seguiu
assim até seus corpos se chocarem no chão.
Continuou com sua investida distribuindo socos
atrás de socos, abrindo uma cratera no solo, que ia
afundando no decorrer de sua investida. As rochas
iam sendo cuspidas pela abertura no chão, na medida
em que a terra cedia. Enfim, o anjo parou. Pruflas
estava massacrado, seu rosto desfigurado. O sangue
escorria em abundância. O corpo tremia em
espasmos. A massa cefálica se liquefez e escorria
pela abertura que antes era o nariz. Os espasmos do
demônio duraram cerca de um minuto e meio, até
que ele morreu.
Após contemplar a morte do demônio, Haziel
investiu em suas asas, partindo na direção onde jazia
82
Caliel. Avistando a espada de chumbo, que nesse
momento já tinha despencado, ele a pegou e
prosseguiu. A cidade de Monte Negro, que era
comandada pelo espírito maligno de Pruflas, sentira
a dissipação de sua energia e começara a entrar em
colapso, aumentando bruscamente sua temperatura.
As paredes começaram a derreter, descendo em uma
massa reluzente escaldante. Então Haziel apertou a
velocidade do voo.
Chegando ao lugar, o anjo observou de cima e
rapidamente identificou o local onde Caliel tinha
caído. Uma selva de pedras se dispunha sobre o
corpo do ruivo. Haziel desceu em rasante e penetrou
no meio das rochas como um alfinete em um isopor.
De lá, saiu carregando Caliel em seu ombro,
explodindo as rochas em todas as direções. O louro
voava em velocidade descomunal. Sua áurea
brilhava, deixando uma calda resplandecente no ar.
Desviava dos pedregulhos que se desprendiam do
teto com rapidez, fazendo manobras magníficas.
Seguia na mesma direção, antes dita pelo protetor
dos humanos. Avistou um ponto brilhante e colocou
toda a sua potência no voo, seguindo na sua direção.
Quando chegou, penetrou na passagem e foi
cuspido no ar quilômetros acima do solo. O que o
83
anjo observou abaixo foi terrível. Uma enorme ilha
devastada em todos os pontos. O sinal de vida já não
existia mais.
84
CAPÍTULO 03
Irlanda
Haziel observou e com sua visão
astronomicamente mais apurada que a dos humanos,
avistou a muitos quilômetros, um castelo que se
mantinha ainda ereto. O anjo desceu em direção ao
solo, amparando Caliel nos braços. A uns vinte
metros do chão, plainou o voo fitando o mundo
abaixo. Gados mortos em estado de putrefação
estavam em toda parte. Áreas destruídas por fogo
inundavam o campo de visão do anjo, misturando-se
com poucas áreas ainda preservadas. Casas em
ruínas, humanos com aparência doentia
perambulavam sem rumo. Mas o que mais o
assombrou foi ver centenas de cadáveres humanos,
fustigados.
Ao se aproximar, o anjo logo reconheceu o
castelo Cashel. A estrutura fora construída sobre o
rochedo de Cashel. A torre redonda estava
perfeitamente preservada, elevando-se a quase trinta
metros de altura. A sua entrada era a três metros e
meio do solo. A Catedral apresentava planta
85
cruciforme, tendo uma torre central e terminando a
Oeste em um vasto castelo residencial. O edifício
incluía, na arcada exterior, um telhado com barra em
relevo, um tímpano esculpido sobre ambas as portas
de entrada, a magnífica porta Norte e o arco da
Capela-mor.
Aproximando-se, Haziel atravessou por uma
janela comprida e entrou em uma sala grande,
batendo suas asas calmamente. De cima, viu o que
parecia ser o único objeto no recinto. Abaixo de seus
olhos, tinha uma mesa de pedra sob um lençol sem
detalhes, branco. Dois cintos de couro marrom o
prendiam na rocha. Uma cruz estava tombada sobre
o móvel. O anjo desceu e pousou, prendendo suas
asas na carne. Colocou Caliel, que ainda estava
desacordado, no chão e andou até uma porta que
dava em um cômodo completamente escuro.
Espreitou, semicerrando os olhos, tentando enxergar
algo no breu, mas rapidamente deu meia volta,
aproximando-se de Caliel novamente. Fitou o anjo
no chão e olhando para trás, reparou novamente na
mesa com o lençol.
Cansado do saiote velho, sujo, Haziel se
aproximou do móvel e soltou os dois cintos de
couro, jogando-os no chão. Olhou a cruz,
86
observando o molde do Filho do Senhor e a ergueu
com cuidado, colocando-a em uma posição segura.
Retirou a espada de bronze da cintura e a depositou
no solo. Tirou a saia, arremessando-a longe e pegou
o lençol. Rasgando o tecido cautelosamente,
transformou-o em uma espécie de vestido que caiu
perfeitamente em seu corpo. Envolveu os dois cintos
em volta da cintura e colocou a arma entre seu corpo
e o couro. Satisfeito, locomoveu-se até Caliel.
Arrastou-o até a parede e acostou sua cabeça em um
pedaço de lençol enrolado que sobrou da roupa
forjada. Sentou-se ao seu lado, encostando-se na
parede. Passou a mão na cabeça, jogando a franja
loura para trás. Fitou Caliel e olhou para frente, um
tanto sem propósito. A espada o estava
incomodando um pouco, então a retirou e a colocou
ao lado.
Fechando as pálpebras, Haziel começou a
refletir sobre a luta com Pruflas. Foi aí que percebeu
a energia perdida no combate. Aos poucos, foi
entrando em estado de relaxamento, para assim
recuperar toda a força esvaída.
Ao se passar em torno de quatro horas, Haziel
fora interrompido de seu momento transitivo com
um leve chacoalhão. Rapidamente se levantou em
87
posição de defensiva e percebeu Caliel ainda
sentado, com a mão apoiada no chão. Um leve
sorriso se desenhava em seu rosto e balançava a
cabeça de um lado para outro, rindo um pouco, após
o susto do louro.
– Calma. Calma. Sou eu, Haziel!
– Eu sei! – O anjo guerreiro franziu as
sobrancelhas.
– É! Eu percebi! – Caliel soltou mais uma
risada.– Gostei da roupa nova!
Haziel também abriu um sorriso e começou a rir,
dispensando toda a tensão das últimas horas. Por um
momento, esquecera tudo que viu ao chegar à terra.
Subitamente parou de rir e indagou:
– O que aconteceu nesse tempo em que fiquei
ausente?
– Você viu, né? – Caliel tinha o olhar triste.
Haziel assentiu. O ruivo olhou para a janela.
Dava-se para avistar alguns borrões dos brilhos
vindos das estrelas, ofuscados pela atmosfera densa.
– O inferno conseguiu! – disse o ruivo, olhando
afora.
– Não é possível! – Haziel olhou espantado para
Caliel, que voltou seu olhar a ele.
88
– Sim, é possível! Eles conseguiram destruir
“quase” completamente a humanidade.
Haziel tentou falar algo, mas suas cordas vocais
não soaram. O anjo estava estupefato com a notícia.
Olhou com olhos apavorados e boca aberta para
Caliel. Depois indagou:
– Baal derrotou os arcanjos? – Haziel colocou a
mão na cabeça, fazendo seus fios capilares
escorrerem entre seus dedos. – Não é possível!
Como estão as coisas no céu? – Ele encarou Caliel
com o olhar ainda mais espantado.
–Calma, Haziel! Não foi como está pensando. –
O anjo ruivo tinha a voz jovial, calma.
– Então como foi? – Haziel respirou fundo.
– Baal enganou os arcanjos.
Haziel franziu as sobrancelhas mexendo os
lábios sem soltar nenhum ruído. Tudo mudara
completamente em apenas cem anos, depois de
tantos milênios de batalhas sangrentas e rios de
sangue. – Enganou os arcanjos? – pensou Haziel.
– Como ele enganou os arcanjos?
Caliel olhou com reprovação para o nada e
depois para Haziel, semicerrando os olhos.
Levantou-se e se prostrou na frente do celeste.
89
– Ele forjou um acordo de paz para com a
humanidade, em que não os incomodaria mais. Em
troca, quis o livramento para transitar no mundo
terrestre pelo lado espiritual. Isso valia apenas para
demônios de castas mais altas. – O ruivo fez uma
pausa.
– Continue, por favor! – disse Haziel, não
acreditando no que estava ouvindo. – Conte-me
tudo!
Caliel assentiu com a cabeça e prosseguiu:
– Os arcanjos discutiram a possibilidade
algumas vezes. Sabiam que se os infernais parassem
de atacar a humanidade, tudo entraria em seus eixos,
aos poucos. Depois de uma semana, por algum
motivo, aceitaram o pedido.
– Depois de tudo que ele fez? – Haziel
reprovava a ideia.
– Eu também pensei nisso, Haziel! Mas pense
bem. Eles são divindades forjadas da própria luz do
Pai. O seu maior feitio é o perdão. – Caliel mordeu
os lábios e arqueou as sobrancelhas, mostrando as
palmas das mãos.
Haziel deu de ombros.
– Certo! Mas e aí?
90
– E aí que ele conseguiu exatamente o que
queria. – Caliel começou a andar pela sala de um
lado para o outro. – Com isso, toda a atenção que os
arcanjos voltavam a ele, quase desapareceu. Depois
disso, de alguma maneira, Baal conseguiu manipular
as almas humanas, depositando em cada espírito
uma célula demoníaca.
– Célula demoníaca! De novo? – indagou
Haziel.
– Essa é nova, né? – ironizou Caliel. – Com a
perda de fé da humanidade, uma brecha se formou
nas almas a partir dessa célula. Então foi depositado
um tipo de vírus demoníaco. Uma espécie de câncer
que tomou conta da alma humana. Foi assim que ele
conseguiu deteriorar a humanidade em um século,
com apenas três guerras, sendo que a última foi a
devastadora.
– Tiveram três guerras enquanto eu estive no...
Inferno? – Nesse momento, Haziel fitou o chão,
triste.
– Sim, três guerras que envolveram muitos
países. A primeira foi menor. Mas a tecnologia
cresceu e na segunda tiveram muito mais baixas. A
terceira guerra foi devastadora e só não acabou com
o planeta completamente, porque ela própria acabou
91
com os humanos antes disso acontecer.
Inacreditavelmente, a guerra durou apenas uma
semana e meia. O resto quem fez foi o inferno.
– Eu não entendi uma coisa: ele depositou a
célula antes ou depois da guerra? – perguntou
Haziel.
Caliel parou de andar e se sentou no degrau que
dava na mesa de pedra.
– Antes e depois! – Caliel fez uma pausa. – Eu
não tenho certeza, mas creio que ele tenha
manipulado alguns líderes para que essas guerras
estourassem. Depois de ter conseguido liquidar tudo,
utilizando as próprias mãos humanas, mostrou a cara
novamente e conquistou o que restava da
humanidade.
– O que o Céu fez sobre isso? – indagou Haziel.
– Até agora não foi feito nada. Mas soubemos de
um boato em que um anjo completaria um
centenário no inferno. Soubemos imediatamente que
se tratava de você. Ao mesmo tempo, foi descoberto
que dentre todos os humanos infectados, um deles
não pôde ser dominado.
– Porque apenas um? – Haziel estreitou os olhos.
– Você vai se surpreender com essa! – Sorriu
Caliel. – Porque esse ser é o único herdeiro de Adão
92
ainda vivo e só ele tem a alma completa. Por pura
coincidência, ele é o meu guardado.
– E isso quer dizer que...
Caliel falou, completando a frase de Haziel:
– Isso quer dizer que ele é a cura para a
humanidade. Apenas ele tem o poder da abertura dos
portais que guardam a luz divina.
– Que ligação isso tudo tem comigo? – Haziel
mostrou as palmas.
– Ligação mesmo nenhuma, mas a oportunidade
apareceu e depois de sabermos de você, foi enviada
uma missão para resgatá-lo.
– Entendi, mas porque enviaram você para me
resgatar e não um guerreiro?
– Porque Hariel achou melhor um guardador do
que um guerreiro, pelo controle da energia.
– O que Hariel tem aver com isso? – indagou o
louro.
– Se não fosse ela, não teríamos conseguido! –
O ruivo levantou o dedo. – Só uma pergunta. Como
a gente chegou aqui? – Caliel olhou em volta,
apontando para baixo.
– Eu derrotei Pruflas! – Haziel cerrou o punho
direito, fechando os olhos.
93
– Ótimo! – Caliel abriu um sorriso com o canto
direito da boca. –Agora eu queria lhe pedir um
favor.
– Pode dizer, Caliel – disse Haziel, sorridente.
– O inferno já sabe sobre o humano. Sendo
assim, o perigo aumentou. – Caliel deu um risinho.–
Todos nós sabemos que vocês, os guerreiros de Deus
são muito poderosos. – Ele encarou Haziel com seus
olhos azuis cintilantes. – Você é o melhor anjo para
proteger Aron nesse momento!
– É o nome dele? – Haziel perguntou
rapidamente, antes que Caliel continuasse.
– Sim! – o ruivo respondeu.
–Onde ele está? – indagou Haziel já explodindo
as asas.
– Atualmente ele está em uma ilha, perdido. Eu
vou te dar as coordenadas.
Caliel apertou um pequeno botão em seu cinto.
Um compartimento se abriu e uma pequena esfera
de luz reluzente flutuou de lá, pousando na palma de
sua mão. Os dois anjos observaram a minúscula
esfera aumentar seu brilho, fazendo-os semicerrar os
olhos. A bola de luz cresceu, formando-se
rapidamente em um mapa translúcido, onde as linhas
dos desenhos eram douradas, evidentes, como se
94
tivessem sido escritas por alguma caneta de luz, em
plástico transparente.
– Você reconhece esse local? – Caliel apontou
um ponto no mapa e olhou para Haziel.
– Creio que sim! – O anjo balançou a cabeça,
atento às linhas brilhantes. Depois fitou os olhos de
Caliel. – É uma ilha próxima à costa do Panamá?
– Sim, ele está lá, Haziel! – O sorriso de Caliel
se intensificou.
– Pode deixar comigo agora, Caliel. – O
guerreiro tinha postura imponente, enquanto fitava o
luar ofuscado – Obrigado por tudo. Cumprirei com
as minhas promessas e utilizarei até minha última
gota de sangue para protege-lo! – Inclinou a cabeça
para frente, olhando a última vez para Caliel e
investiu nas asas, transpassando pela janela com
velocidade estupenda.
Caliel observava o anjo se afastando
rapidamente com sorriso no rosto e brilho no olhar.
Fora coberto por um sentimento de tarefa cumprida.
95
CAPÍTULO 04
96
olhos quando o viu. Nesse momento, esmurrava um
grande demônio na face.
– O que faz aqui, Hekamiah?
– Eu vim te ajudar!
– Cadê o humano? – berrou Haziel.
Nesse momento, uma onda elétrica percorreu a
espinha de Hekamiah e ele mergulhou na direção do
humano. Quando se aproximou, dando para enxergar
o casal, a ansiedade tomou conta de sua mente. Dois
diabretes estavam de cócoras sobre a rocha. Nas
mãos, cada um segurava uma navalha prateada. Ele
sabia o que poderia acontecer exatamente naquele
momento. Sem que ao menos Aron percebesse, sua
carótida seria cortada e ele morreria rapidamente de
hemorragia interna, sem sequer imaginar o que
acontecera.
Quando os pequenos demônios ameaçaram se
movimentar, o anjo soltou um berro que ecoou quase
por toda a ilha. Isso fez com que os demônios o
olhassem assustados. O tempo que ganhou foi
precioso, pois conseguiu chegar a tempo. Mirando o
corpo dos infernais com seu corpo, explodiu-os ao
chocar-se com eles, transformando-os em pó
instantaneamente.
97
O choque foi tão poderoso, que nessa hora, os
humanos, juntamente com sua barraca, foram
arremessados aos metros por uma súbita ventania.
– Sun? – Aron se levantou engatinhando até sua
esposa – Você está bem?
A mulher acordava um tanto desnorteada. Um
fio de sangue escorria por sua testa, saindo do meio
dos cabelos. Muito preocupado, imediatamente o
homem remexeu os fios. Mas se tranquilizou quando
viu apenas um arranhão, um pouquinho profundo.
– Ai! – A mulher colocou a mão na cabeça – O
que aconteceu?
– Não imagino! – respondeu Aron.
No mundo espiritual, Haziel caiu no solo como
um cometa, abrindo uma grande cratera. Hekamiah
pulou para trás e logo se aproximou. Haziel se
levantava com ódio na face, fitando o céu. Olhando
também para cima, Hekamiah percebeu uma
pequena horda, a apenas duzentos metros deles,
descendo vorazmente. Eram grandes, fortes e
seguravam enormes porretes enferrujados.
Repentinamente, Haziel açoitou as asas,
explodindo toda a terra deteriorada à volta, seguindo
na direção dos infernais. Como uma bola de boliche,
chocou-se contra eles, criando uma grande esfera
98
dourada expansiva. O som do estouro tão próximo
foi grandioso. Em um movimento espetacular,
Hekamiah se prostrou na frente dos humanos com
suas asas abertas, utilizando-as como escudo,
impedindo que fossem atingidos por outra onda de
ar.
Em volta do casal, detritos da barraca, grama e
terra explodiram como se alguém tivesse pisado em
uma mina. Aron se jogou em cima de sua esposa em
uma reação espontânea.
– O que está acontecendo? – berrou Sun,
desesperada.
Em volta dos humanos e Hekamiah, Haziel
percebeu que uma horda demoníaca se formava. Já
havia aproximadamente cem demônios e
continuavam chegando como formigas ferozes.
Haziel desceu em rasante, pousando ao lado do outro
celeste. Os dois se prostraram, um ao lado do outro,
afim do grande combate que se sucederia. Hekamiah
retirou sua espada da bainha e Haziel fechou os
punhos.
Percebendo a atrocidade dos demônios, Haziel
não esperou. Subitamente explodiu para cima deles,
iniciando um combate voraz. Com uma investida,
99
desintegrou mais de vinte deles, derrubando em
efeito dominó mais de cinquenta.
Hekamiah se mantinha em guarda,
movimentando sua espada, protegendo os humanos,
na ideia de não deixar nenhuma das bestas se
aproximar. Duas delas saíram do meio da horda e
atacaram, segurando lanças enferrujadas. Mas o anjo
cortou o ar com sua lâmina, até atingir um deles no
meio do corpo, dividindo-o em dois. Imediatamente,
o outro parou e retornou para o meio dos outros
demônios.
Os humanos se mantinham abraçados no meio
daquele ataque, que para eles era incompreensível. A
sensação era de estarem no meio das trevas, mas não
podiam ver nada. Apenas seus corações saltitavam
ferozmente, impedindo-os de reagir. A chuva
despencava em um dilúvio, fustigando-os ao
máximo.
Haziel lutava vorazmente. Esmurrava muitos
demônios com velocidade, eliminando-os um a um.
Hekamiah se mantinha em guarda rodeando os
humanos, não deixando que ninguém se
aproximasse.
Hekamiah pareceu ver tudo em câmera lenta,
quando notou um raio se formando. A explosão de
100
energia desceu como uma lança automática.
Atingiria os humanos em cheio, se não fosse por ele
que, abrindo suas asas, pulou em cima deles. A
descarga de energia rasgou as duas realidades no
meio, abatendo-se contra Hekamiah. Suas moléculas
se agitaram e em frações de milésimos de segundo,
até os humanos sentiram um pouco do impacto,
caindo desacordados imediatamente. O anjo
despencou, batendo seu corpo contra a água que
subia dentre a grama.
Haziel viu aquilo acontecer completamente
espantado. Os dois humanos caídos de um lado,
Hekamiah do outro. Teve que tomar uma atitude
imediata, batendo as asas com toda a sua velocidade
a fim de resgatá-los, pousando junto a eles. Todos os
demônios que arrematavam seus corpos contra os
humanos, pararam diante da imponência do celeste.
Naquele momento, a sua mente entrou em uma
confusão. Sabia que poderia resgatar dois deles, mas
teria que deixar um. Sem tempo para raciocinar,
materializou-se no mundo carnal, agarrou Aron com
um braço e segurou Hekamiah com o outro pela sua
própria realidade. Em seguida, tentou pegar a
humana pelo braço, mas sua mão agarrou apenas o
tecido de sua blusa, que não aguentou, rasgando-se.
101
Erguendo voo em uma explosão súbita, ele
desapareceu meio a chuva torrencial e aguardou a
duzentos metros acima. Olhando no meio da horda
demoníaca, ele percebeu meia dúzia de demônios se
materializando no mundo carnal. Em seguida,
ergueram o corpo desacordado da mestiça, olhando
para cima, encarando-o com sorriso demoníaco.
102
CAPÍTULO 05
Local desconhecido
De alguma forma, finalmente Aron conseguiu
chegar à terra firme. Despertou na areia da praia,
enquanto o mar lambia seu corpo. Nesse momento,
gritou o nome da esposa. Ainda estirado, levantou a
cabeça e olhou para os lados, mas não avistou nada
familiar. O desespero assolou-se. As ondas do mar
chegavam até a areia, mas a cor da água estava
diferente, talvez um pouco sem cor, na verdade. O
homem se pôs em pé e espalmou a roupa em trapos.
Andando pela praia, reparou que o sol estava
ofuscado e o céu acinzentado. Como se aproximasse
de uma tempestade, mas sem relâmpagos, raios ou
vento.
Nada daquilo parecia com a ilha. E Sun? Cadê
Sun? –perguntava-se Aron. Depois de cinco minutos
perambulando pela imensidão desértica, o humano
avistou um homem andando a uns quatrocentos
metros. Parecia desolado. Sem pestanejar, Aron
colocou as duas mãos em volta da boca e começou a
103
gritar:
– Ei, amigo!
Imediatamente a pessoa olhou para trás, contraiu
os ombros e começou a correr em sua direção, com
vontade. Aron se sentia completamente fraco por
causa da desidratação. Mas a ajuda veio rápido,
fácil. Até demais. Apesar do desespero e ansiedade
sentidos por não imaginar onde Sun se metera, ou
melhor, onde ele se metera, ele ainda tinha forças
para prosseguir. Quanto mais o homem que corria se
aproximava, mais aparente ficava o algo estranho
que Aron tinha notado em seu rosto.
Os quase vinte metros de distância deram uma
visão nítida a Aron e o que viu foi assustador. O
homem tinha olhos negros, parecidos com duas
bolas de carvão. A baba negra escorria da boca,
sujando suas vestes esfarrapadas. O tom da pele
estava estranho, pálido, acinzentado.
Apavorado, Aron começou a correr na direção
contrária. Mas o homem era incrivelmente veloz,
alcançando-o rapidamente. Logo a criatura pulou
para cima dele, derrubando-o. Tentava de qualquer
maneira mordê-lo, arrancar um pedaço. Mais parecia
com a boca de um lobo, de tantas vezes que abria e
104
fechava as mandíbulas com violência. Seus dedos
estavam encravados na carne de Aron.
Lutando para se defender com todas as forças,
Aron colocava o antebraço no pescoço do ser, mas
esse humano, louco, só queria uma coisa: arrancar-
lhe um pedaço. Que merda é essa? Onde está Sun? –
pensava o humano, enquanto se defendia.
Segurando-o pelo pescoço, Aron olhou para o
lado e notou um belo tronco trazido pelo mar.
Imediatamente o pegou com o braço livre e o
colocou no pescoço da criatura, empurrando-o para
trás com as duas mãos, fazendo com que ele caísse
para o lado. Levantou-se rapidamente e ficou de
frente para o louco, segurando o pau como um taco
de baseball. O homem se levantou jácorrendo para
cima dele. Súbito, Aron o acertou com muita força,
na cabeça. O sangue começou a sair, sem parar, com
seu corpo caído na areia. Totalmente desesperado, o
herói largou o pau, ajoelhou-se ao lado do homem e
colocou as mãos sobre seus próprios olhos. Mas ele
não tinha muito tempo. Quando olhou à frente, um
bando de humanos atormentados corria em sua
direção. Ele criou forças e começou a correr em
outro sentido.
105
CAPÍTULO 06
Local desconhecido
Aron corria desesperadamente daquele bando de
loucos. Viu que na avenida da praia alguns carros se
amontoavam. Então correu naquela direção, usando
todo o ar possível ainda em seus pulmões. O homem
transpassou a divisória da areia para a avenida com
um salto, passando por cima dos bancos de
alvenaria. Aproveitou para dar uma espiada à volta,
esperançoso para ver sua esposa. Logo chegou aos
automóveis e começou a serpentear entre eles. À
frente, viu uma picape erguida por outro carro.
Jogou-se em baixo do motor e ficou ali agachado,
ofegante, atento. Por um descuido, bateu a cabeça
em alguma parte, embaixo do motor. Uma peça se
desprendeu e subitamente foi lavado por óleo.
Olíquido estava frio.
Imóvel, Aron não pensava em nada, a não ser no
rosto de sua amada emitindo um belo sorriso. O
bando se aproximava, com seus lapsos horripilantes.
Enquanto isso, o humano respirava com muita
calma, tentando fazer o menor barulho possível.
106
Então viu quando a trupe passou, observando suas
pisadas firmes no chão. Conseguia enxerga-los
apenas até um pouco acima dos joelhos. Ficou ali
por alguns minutos, ansioso, espreitando por todos
os lados.
Saindo de baixo do carro, reparou quando o
grupo se afastava. Sem chamar atenção, ainda
abaixado, deu a volta no automóvel e seguiu para o
lado oposto ao grupo. O homem se recompôs do
pavor e seguiu por uma rua que saía da avenida
principal da praia. Dezenas de carros abandonados
se distribuíam pela comprida rua. A grande maioria
tinha os vidros embaçados ou quebrados.
Aron se aproximou de um carro vermelho um
pouco mais conservado que os outros. Passou sua
camisa em círculos no vidro para limpar a poeira
superficial, deixando-o quase cristalino. As duas
mãos sobre o vidro tamparam o reflexo do sol.
Aproximou o rosto para poder enxergar a parte
interna. Mas nesse momento, quando conseguiu
enxergar melhor, assustou-se e deu alguns passos
descoordenados para trás, batendo as costas em
outro carro. Aproximou-se novamente e olhou com
mais atenção. Dentro do veículo, tinha uma mulher
morta. Em seus braços, segurava o corpo de um
107
bebê. Enojado, Aron se inclinou e vomitou um
líquido verde. Recompôs-se e continuou andando.
Ao passar por um monte de carros, Aron viu um
montante de corpos. Centenas deles jogados como
lixo pelos próximos quinhentos metros. Ainda
estavam conservados. Se não fosse pela tonalidade
da pele, não pareceriam mortos.
O humano andava pela estrada cautelosamente.
Nenhum ruído podia ser ouvido, nem do homem,
nem da natureza. Até os insetos pareciam ter se
calado. A área, em volta das ruas, onde era para se
erguer muita grama verde, fora tomada por uma
vegetação escura, morta. Os amplos sítios que
seguiam por toda a vista não demonstravam nenhum
sinal de vida. A cerca de madeira que separava a
avenida da natureza, em alguns pontos, estava
destruída, em outros, escurecida.
Mais adiante, quando já não existia mais a cerca
de madeira, o humano avistou troncos de árvores
deitados no chão, separando os terrenos. Passando
na frente de um dos terrenos e observando bem,
Aron avistou um galpão um tanto grande, a cerca de
trezentos metros da avenida. O homem pulou um
dos troncos, seguindo terreno adentro.
Andando com passos rápidos, seguia
108
diretamente para o galpão onde poderia conseguir
alguma ajuda. Aumentou um pouco o ritmo,
iniciando um trote. Mas logo tropeçou em algo e
rolou por cima da vegetação morta, levantando
pequenas folhas secas que giravam com seu corpo.
Caindo sentado, o homem olhou para trás, deu um
grito e se levantou muito rápido quando percebeu
que tinha tropeçado em uma perna humana. Nesse
momento, em sua mente, passou uma imagem de
Sun, essa que preferiu afastar. A perna no chão
estava cortada na altura da coxa, ou melhor, pelo
estrago, com os músculos e artérias saltando,
destroçados, aquele membro fora arrancado de
alguma maneira e deixado ali para apodrecer.
Com o estômago embrulhado, o homem seguiu
para o seu destino e logo chegou à porta grande,
metálica, que separava o exterior do interior do
galpão. A cor alaranjada estava ofuscada pela
ferrugem. Mapas de metal marrom, descascando,
desenhavam-se por todo o portão, dando um aspecto
de fragilidade. Aron não se intimidou pelo tamanho
do acesso e o empurrou com uma mão. O peso da
porta não era compatível com o seu tamanho, talvez
pelo excesso de desgaste.
109
Com a necessidade de encontrar alguém, Aron
entrou no galpão sem hesitar. Mas preferiu evitar
fazer barulho até seus olhos se acostumarem com a
escuridão. Aos poucos, silhuetas cúbicas começaram
a se formar. Estavam empilhadas uma sobre a outra,
até Aron perceber que eram caixas. Andou até os
objetos e colocou a mão, sentindo o frio do metal
liso. Retrocedeu alguns passos e abriu a porta cerca
de dois centímetros, deixando um pouco de luz
entrar. Aproximou-se das caixas novamente e
abraçou a que estava em cima de todas. Retirou-a do
lugar e colocou-a rapidamente no chão, quasea
soltando. Esticou o corpo com a mão direita nas
costas e o inclinou um pouco para trás, alongando-o.
Ao abrir a tampa da caixa sem lacre, Aron se
deparou com dezenas de latas de atum. Só nesse
momento, o homem percebeu a fome esmagadora
que estava. Seu estômago respondeu contorcendo-se
com um forte ronco. Enfiou a mão direita na caixa,
pegou uma lata, abriu-a e começou a comer,
utilizando dois dedos como talheres. Nessa hora,
lembrou-se de um acontecimento na sua vida que o
fez rir.
** *
110
Uma vez, ele e Sun, logo no começo do
relacionamento, resolveram se meter em uma dessas
festas rave. Lá, encontraram amigos e conheceram
outros que se tornaram amigos. A festa durou quase
vinte e quatro horas no total. Não para o casal, pois
na vigésima hora já se despediam dos antigos e
novos amigos.
Completamente bêbados, andavam tropicando,
divertindo-se muito com a sensação deixada pela
festa. Passaram pela portaria e seguiram para o
estacionamento. Era um espaço aberto, lamacento
por causa da garoa da noite. Perambularam,
divertidos, cerca de vinte minutos. Aquele lugar
podia ter milhares de carros. Na situação dos dois,
seria impossível achá-lo. Teimoso, Aron persistiu e
depois de apenas cinco minutos, apertando o botão
do controle da porta, incansavelmente, escutou um
pi–pi. Locomoveu-se até o local e quando avistou o
automóvel, olhou sorridente para a mestiça logo
atrás dele.
Aquele problema foi pequeno, comparando-se
ao que veio a seguir. Perderam-se nas estreitas ruas
de terra que uma hora ou outra desembocariam na
rodovia. Aquilo percorreu quase por três horas, até
111
que o homem resolveu parar. Passaram a madrugada
inteira em claro até o sol raiar. Depois prosseguiram.
Durante todo aquele período, o que mais escutou da
boca de sua esposa, que na época era apenas sua
namorada, foi:
– Estou com fome! Estou com fome!
***
118
CAPÍTULO 07
120
O homem, assustado, fechou a porta do carro,
rodou a manivela do vidro, vedando o vão e abaixou
os pinos da porta. Então viu tentáculos que
começaram a crescer da energia, tomando
rapidamente a forma de um corpo reluzente em tons
roxos. A luz foi se dissipando aos poucos e o que
ficou no lugar foi uma figura de homem, que com
calma, olhou fixamente nos olhos de Aron. Suas
asas negras eram como de um corvo. Seu corpo era
forte como de um lutador peso pesado, coberto por
uma armadura negra, que ficava sobre um tecido
escuro colado ao corpo. Seus olhos eram negros.
Não existia a esclera branca. Oscabelos louros
despontavam seus cachos, caindo até as
sobrancelhas. A pele era dourada como se tomasse
sol regularmente.
121
CAPÍTULO 08
124
O anjo branco tirou uma espada chumbo do
cinto. Sua empunhadura tinha uns trinta centímetros
e parecia do mesmo material da parte do corte, só
que fosco. Ele segurou o coposda espada com as
duas mãos. Levantou os braços, virando a ponta da
espada para baixo e a fincou no coração da criatura.
A lâmina ultrapassou a linha das costas do
demônio, encontrando o solo. A criatura contraiu os
músculos das pernas, braços, costas e abdômen,
formando uma ponte com o corpo. Quando retirada a
espada, o sangue negro jorrou pelo furo, em litros. A
pele foi perdendo a tonalidade, empalidecendo-se.
Os olhos negros se tornaram cinzas, até que
perderam totalmente a cor. O infernal desfaleceu e
seu sangue escuro desenhou algo abstrato no chão,
acompanhando a linha das pedras. O corpo foi
envolvido por uma energia ora negra, ora roxa,
trevosa. O corpo ficou completamente negro, quase
como se tostado, mas a camada exterior da pele e
vestes era uniforme, lisas como de uma estátua.
Decompondo-se, o corpo se fez cinzas. A energia
flutuante se moldou em uma esfera negra que
exalava escuridão tenebrosa. Em seguida,
comprimiu-se quase ao tamanho de uma bola de
gude e explodiu. Seu raio de choque foi tão forte que
125
virou carros, arremessou pedras e pequenas rochas,
como tiros, parando seu avanço apenas após os
duzentos metros de raio.
O humano estava agachado com as mãos sobre a
cabeça. Só não fora atingido por destroços, porque
subitamente o anjo se prostrou em sua frente. Estava
posicionado como um escudo, com suas asas
abertas, envolvendo-o. Fora atingido por vários
destroços, mas nenhum arranhão marcou seu corpo,
que parecia forte como titânio. Abrindo os olhos,
Aron notou o corpo do anjo inclinado. As pontas de
suas asas fincavam o chão como navalhas, abrindo
dois buracos, formando um arco por cima de Aron.
– Você está bem? – indagou o celeste.
Ainda agachado, com as mãos na cabeça, Aron
olhou para cima, apavorado, com os olhos
arregalados. De sua boca, saíam apenas meias
palavras enquanto gaguejava. Enfim, soltou uma
palavra.
– Sim! – ainda em choque, terminou a frase –
Sim! Estou bem!
Era visível sua perturbação. A criatura radiante
puxou suas asas e as enfiou na carne. Os buracos na
pele, por onde saíam suas asas, regeneraram-se, não
sobrando sequer uma cicatriz. O processo durou
126
apenas um segundo ou dois. Estendendo a mão
direita, oferecendo ajuda para Aron se levantar, o
anjo disse:
– Venha comigo!
Aron lhe entregou a sua, dando impulso para se
levantar.
O humano pôs-se em pé, encarando-o. Aqueles
minutos vindouros foram de pura agonia, mas foram
substituídos por certo alívio após a boa ação do
celeste.
– Quem é você, ou melhor, o que é você? O que
foi tudo isso? O que era aquela criatura?
Sem fazer suspense, o anjo respondeu:
– Meu nome é Haziel e eu sou um anjo. Mas
calma! Vou lhe explicar tudo mais tarde. Venha
comigo agora, pois há outros como Zeqiel atrás de
você.
Aron, apreensivo, arqueou as sobrancelhas e ao
perguntar algo, interrompendo-o, o ser magnífico o
colocou nos braços com muita facilidade. Era como
se estivesse carregando uma criança. Explodiu suas
asas da carne e as abriu, exalando do corpo uma aura
admirável.
Com apenas uma investida em suas asas
branquíssimas, os dois foram lançados a centenas de
127
metros de altura. A velocidade era assombrosa para
Aron, que nunca tinha presenciado algo tão
espetacular. A cada batida das sagradas asas, os dois
eram lançados mais longe e a velocidade se
multiplicava. Era impossível algum tipo de diálogo.
Mantiveram uma direção de mais ou menos setenta
graus, até que em poucos segundos, o que
conseguiam enxergar eram as casas menores do que
em maquetes, pareciam mais pontos no mapa.
Transpassavam as nuvens em rajadas. O vento
fustigante não maltratava Aron. Estavam protegidos
por uma espécie de energia celestial estupenda. Era
dourada e brilhava radiantemente. Em certo
momento, a luz fora tomada pela mesma tonalidade
da cor da parte externa da película. Subiam como
um cometa, deixando um rastro vermelho,
despontando vigor no céu.
Súbito, houve uma explosão magnífica de
tentáculos dourados, quando a velocidade aumentou
bruscamente, de uma hora para outra. As cores
ficavam alternando seus tons com velocidade
admirável. Por fim, atravessaram todas as camadas
da atmosfera terrestre rapidamente, explodindo a
barreira da termosfera, encontrando o espaço sideral.
128
Avançando mais alguns quilômetros, houve uma
pausa repentina. Oanjo se dirigiu ao humano
estupefato.
– Esse é o seu planeta, Aron. Estamos em um
lugar onde podemos desfrutar da sua mais pura
beleza.
Aron olhou nos olhos de Haziel e indagou:
–O que são esses pontos escuros? –apontou
diretamente para a maior mancha à vista. Pegava um
grande terreno da América do Norte.
O anjo fez uma pausa e fitou o planeta com seus
olhos azuis, franzindo as sobrancelhas.
– Isso, Aron. – Haziel fez mais uma pausa. –
Isso foi a guerra.
– Guerra? – o humano indagou espantado,
lembrando-se nitidamente do que pareciam ser
mísseis passando sobre a ilha.
Aron esbugalhou os olhos e seu estômago
revirou. Um formigamento intenso forrou sua
cabeça. A pele começou a transpirar e a respiração a
ofegar. Sun! – pensou o humano.
– A Sun! – o homem falou alto e olhou para
Haziel.
Haziel o olhou com compaixão, os olhos baixos.
129
– Está tudo sob controle. Fique calmo! – O
celeste aumentou a vontade de sua áurea
intensificando o brilho.
Nesse momento, Aron expeliu o ar em seu
pulmão, soltou as pálpebras, repuxou levemente os
cantos da boca e seus músculos relaxaram. Tinha
levado uma forte descarga de energia divina.
O guerreiro, satisfeito, mergulhou, amparando
Aron em direção à atmosfera. Dessa vez, a
velocidade aumentava assombrosamente. A energia
confundia seus tons dourados com rajadas azuis.
Espantado e admirado ao mesmo tempo, Aron
percebeu uma distorção na imagem à vista, difusa
pela velocidade exercida. O túnel que se formava em
volta dos dois, na descida, tinha tom escuro. Rajadas
douradas e azuis em abundância formavam linhas
tênues que seguiam os dois corpos em mergulho. A
velocidade era irreconhecível. Mas tudo durou
apenas alguns poucos segundos. Então foram
cuspidos pelas nuvens no céu entre duas montanhas.
A menor possuía, no mínimo, alguns milhares de
metros de altura. Sua largura era desconhecível pelo
fato de que não dava para se enxergar abaixo. As
montanhas, com cores enegrecidas, despontavam-se
das nuvens, afunilando-se do começo ao fim,
130
terminando em uma ponta uniforme, com cerca de
duzentos metros quadrados. O chão era plano e tinha
uma estrutura erguida no centro. Tinha o tamanho de
uma casa relativamente grande, mas era rochosa e
seguia aterrando-se na montanha, formada pelo
mesmo material rochoso.
Os dois avançaram para a abertura da espécie de
gruta e entraram ainda plainando no ar. A velocidade
agora era pequena e dava-se para observar tudo com
clareza. Chegaram à entrada e avançaram por uma
enorme porta, que dava em um galpão com as
paredes disformes. Estavam mais claras, iluminadas
por tochas já acesas.
131
PARTE SEGUNDA.
A LEGIÃO
132
CAPÍTULO 09
136
Haziel depositou a folha de couro na mesa e
disse, olhando para a abertura, que dava no salão
principal, ainda com as mãos para trás:
– Há cerca de 150 mil anos, Deus criou o
primeiro ser humano semelhante a ele, esse que fora
batizado com o nome de Adão. Ele foi um humano
de grande valor nas lutas contra as trevas que se
estabeleceram na época.
– As trevas que você quer dizer é o inferno? –
indagou Aron, atento à história, enquanto seus olhos
tremeleavam.
– Sim! – disse o anjo. – Baal, para ser mais
exato!
Aron franziu as sobrancelhas.
– Calma, que eu chegarei lá! Alguns outros, do
sexo masculino e feminino, já existiam na época, em
volta do globo. Mas os únicos possuidores de uma
alma de alta magnitude, que o Pai moldou com toda
sabedoria, durante milênios, depositando todo seu
suor e amor, foi o povo de Adão. Uma evolução dos
seres antecedentes. Os outros possuíam uma brecha
na alma que poderia ser invadida por forças ocultas
de qualquer tipo: espirituais ou demoníacas. – Haziel
deu uma pausa.
137
– Certo! – Aron assentiu com a cabeça,
formalizando seu entendimento.
– Lúcifer, o arcanjo precursor da luz, estava
tentado e enciumado com essa criação do Pai.–
Haziel balançou a cabeça com gesto de negativação.
– Infelizmente, outros celestes também se sentiram
da mesma forma. Mas diferente do arcanjo, eles se
revoltaram.
– O que eles fizeram? – Aron apressou-se a
perguntar.
– Lúcifer era um arcanjo e tinha poder
grandioso. Mas todos nós sabemos que nunca faria
mal a seus irmãos, ou a alguma criação do Pai.
Aron, ansioso, gesticulou para que Haziel
prosseguisse, para saber mais rapidamente sobre a
história. Haziel sorriu e quase soltou uma risada,
mas prosseguiu:
– Triste, sentindo-se excluído, Lúcifer se
recusou a viver em benefício dessa raça. Ele a
considerava inferior. Todos, hoje em dia, pensam
que ele foi arremessado ao abismo, mas não foi
exatamente assim que aconteceu. Ele propriamente
se isolou no submundo e acabou sendo seguido por
outros anjos. A partir daí, estes anjos, exceto
Lúcifer, começaram a agir contra a humanidade.
138
Eles descobriram uma forma de entender a alma de
alguns dos povos criados por Deus e se apossaram
de seus espíritos. O resultado foi catastrófico.
Tinham apenas poucos milhões de humanos e
humanos menos evoluídos de espírito habitando a
terra. Os povoados eram divididos em subespécies.
O anjo andava pela sala de um lado para outro,
com as mãos para trás, a postura vistosa. Não
pausava, nem gaguejava uma só palavra. Sua
entonação de voz era robusta. Ressentia as paredes
com seus graves evidentes. Enquanto prosseguia
com seus ensinamentos, Aron não tirava seus olhos
dele por nenhum segundo, nem ao menos para
piscar.
Súbito, Aron fez com a cabeça sinais de
negativos curtos, rápidos, baixando o queixo e
fechando os olhos – como se tivesse tido um
flashback. Então interrompeu Haziel, perguntando:
– Como eram esses seres humanos menos
evoluídos?
O celeste parou, fechou os olhos e pendeu a
cabeça para baixo.
– A rebelião ou a guerra, como podia ser
chamada também, revolucionou completamente a
direção da humanidade. Alguns eram movidos
139
apenas pelo extinto de guerra e dominação, outros
pelo extinto de sobrevivência. Não possuíam a
sabedoria na alma e isso os levava a travarem
grandes batalhas, cada vez extinguindo mais seus
povos. Alguns povos mais inteligentes, moldados a
partir do barro, eram dotados de grandes poderes.
Foram justamente esses povos que sobraram quase
no final da guerra.
Aron estava muito atento, mas lutava contra o
sono. Tinha seu cotovelo apoiado no joelho que se
dobrava em cima da outra coxa. Subitamente, seus
olhos se fecharam e seu cotovelo escorregou. Seu
queixo veio abaixo, desequilibrando-o, mas logo se
recompôs. Haziel fez uma pausa e perguntou:
– Tudo bem, humano?
– Sim, sim! Pode prosseguir, por favor – Aron
fez gesto com as mãos para que o anjo desse
andamento.
– Pois bem! – Haziel cerrou os olhos e logo os
abriu, continuando – Adão, que era o mais velho e
líder de seu povoado, tinha o pergaminho. Junto com
ele, ou melhor, junto com o seu espírito, podia abrir
passagens celestiais. Era a única chave que dava
acesso a tais portais naquela época. Então ele
conseguia ligação direta com entidades magníficas,
140
assim vencendo a guerra e aniquilando os povos
menos evoluídos de espírito. – Haziel fez uma
pausa.
– Continue, por favor! – disse Aron. – Espere! –
O humano levou o dedo indicador aos lábios
olhando para cima, depois olhou para Haziel e
indagou: – Você está querendo me dizer que Adão
não foi o primeiro?
– Não é isso! – O anjo balançou a cabeça. – Ele
foi sim o primeiro, mas dentro dos que nasceram a
partir do espírito santo.
– Mas e os outros? – Aron levou a mão à frente.
– Mas porque ele eliminou os outros então? –
Ohumano levantou o tom de voz.
– Aí é que aconteceu o verdadeiro problema!
Alguns dos povos viviam como animais, como te
disse. Esses foram aniquilados em poucas dezenas
de anos, pois sempre atacavam sem estratégia
nenhuma. O problema verdadeiro se iniciou quando
o inferno percebeu a pequena brecha nas almas dos
povos feitos de barro, mas que não eram moldados a
partir do espírito do Pai. Com isso, eles
simplesmente conseguiram possuir os povoados sem
serem os de Adão, completamente, levando a
humanidade a sua guerra mais sangrenta na
141
“Primeira Era”– como ficou conhecida aquela
época.
– Então, como Adão fez para livrá-los do mal?
– Eu não entendi a sua pergunta! – O anjo
estreitou os olhos.
– Porque o povo de Adão não foi atingido pelo
inferno? – perguntou Aron, um tanto efusivo.
– Ah, entendi! – Haziel sorriu e colocou a mão
na cintura. – A casta de Adão tinha o espírito
perfeito, não era dotada da brecha, então não foi
possível penetrá-la.
–Tá bom, mas como Adão conseguiu derrotar o
inferno?
– Era aí que eu queria chegar. – Haziel se
direcionou novamente ao pergaminho e o segurou
mostrando-o para Aron. – Adão tinha um elemento
na alma, que junto com esse pergaminho, ele
adquiriu o direito da concepção celestial.
– Concepção celestial? – Aron fez uma careta
engraçada, mas indescritível.
Haziel deu uma pequena gargalhada, colocou a
mão à frente do corpo e prosseguiu.
– Concepção celestial era ter o direito de ajuda
angélica nas rebeliões humanas.
142
– Por que ele recebeu esse direito se Deus criou
todo mundo igual?
– Você gosta de perguntar hein, Aron! – Haziel
falou um pouco ríspido, depois sorriu quebrando o
gelo.
Aron sorriu, olhou para cima, envergonhado e
coçou a cabeça.
– Deus criou todos, mas quando o inferno
conseguiu se apossar da subespécie, o criador teve
que tomar essa decisão difícil para que a raça
humana tomasse a direção que foi criada pra tomar,
e não ser massacrada pelos demônios, que naquela
época eram anjos que tinham acabado de cair,
confusos. Sobraram alguns humanos moldados do
barro, que com o tempo se proliferaram aos montes.
O povo de Adão, também moldado do barro, mas
também com o espírito moldado a partir do Espírito
Santo, também se proliferou por todos os lados do
globo.
– Essa é a explicação para tantos bandidos e
pessoas más na rua? Estes não têm o espírito
moldado a partir do espírito santo?
– Você entende rápido! – afirmou Haziel.
– Certo, entendi tudo até aí! Mas e eu nessa
história. O que eu tenho aver com isso? – Aron se
143
levantou e mostrou as palmas das mãos.
– Você, meu caro humano... – Haziel fez uma
pausa, semicerrou os olhos e sorriu, abrindo-os em
seguida. – Você é a chave disso tudo que está
acontecendo no mundo, agora!
Aron arregalou ainda mais os olhos e engasgou
com a própria saliva, tossindo algumas vezes com as
mãos na barriga. Jogou-se, sentado no mesmo lugar
onde estava, deu uma pausa para uma longa
respiração e perguntou:
– Por que eu?
O anjo melindrou-se com uma longa respiração
e proferiu:
– Você é o único herdeiro de Adão ainda vivo!
– Você não pode estar falando sério. – O
humano estava indignado com a informação. –Mas
por quê?
– Por que o quê? – indagou Haziel.
– Por que eu estou no meio disso tudo? Por que
vocês têm que me proteger? Porque o cara está atrás
de mim? – Os olhos do humano se arregalavam cada
vez mais. Então ele se levantou e começou a puxar
os próprios cabelos, repetindo as mesmas perguntas.
– Por que... Por que... Por que...?
– Aron?... Aron? – Haziel aumentou o tom de
144
voz. – ARON?
O humano se aquietou e olhou para o anjo diante
de sua voz imponente que estremeceu as paredes.
– Desculpe! – disse Aron, assentando-se
novamente.
Haziel assentiu com a cabeça e disse:
– Não tem problema, mas quero que saiba que
você pode ficar calmo. – O anjo sorriu. – Você é a
prioridade celestial atual e sua sobrevivência é a
chave para a salvação da humanidade.
– Chave? – Inquieto, Aron se levantou
novamente.
– Sim! – Haziel esticou o braço, colocando-o no
ombro do humano. – Seu espírito é a chave e só um
elemento nele pode curar a humanidade.
– Que elemento é esse? – indagou Aron. –
Porque só sobrei eu?
– O inferno foi astuto e seu plano inicial, pelo
que vimos, foi acabar com todos providos da célula
azul, primeiramente– disse Haziel, retirando seu
braço, dando meia volta e se afastando alguns
passos.
– A célula azul? O que é isso?
– Esse foi um elemento especial que o Pai
utilizou na construção dessa espécie. O único que
145
hoje é dotado dessa energia especial é você.
– Mas não existe mais dessa energia em outro
lugar? – Aron perguntou um tanto preocupado.
– Não exatamente!
– Vocês não podem falar com Deus?
Haziel se virou para o humano, parecendo
assustado com a pergunta.
– Não é assim que as coisas funcionam! – disse
o anjo, rapidamente.
– Como assim?
Haziel olhou para Aron com olhar um tanto
inferior.
– Essa é uma história para outro momento.
Agora você precisa descansar! Está com fome?
Não foi preciso de resposta diante da cara que o
humano fez.
– Vou trazer algumas coisas para você. Espere
um pouco.
O celeste saiu pela porta de entrada por alguns
minutos. Mas logo voltou com uma bandeja com
frutas e água. Na bandeja, que parecia uma espécie
de folha dura de árvore, com um tom de marrom
envelhecido, dispunham-se frutas, como banana,
maçã, caqui e manga.
146
O humano, que já não tinha uma boa refeição há
muitos dias, estava faminto. Seu estômago parecia
querer se rasgar por dentro. Olhou para a bandeja se
aproximando, com os alimentos e quando o anjo a
colocou em cima da mesa, Aron se levantou e atacou
a refeição. Enquanto mordia um caqui, com a outra
mão já pegava uma maçã, mordendo-a em seguida.
Amparou a vasilha e se esbaldou com água. Uma
cachoeira deslizava pelo seu peito, encharcando suas
vestes até encontrar a calça.
O anjo olhou, sorridente. Com um tom de voz
gracioso disse:
– Vá com calma, Aron. Assim você vai se
engasgar!
Aron olhou o anjo com gratidão, mastigando e
continuou a devorar sua comida.
– Eu vou tentar contato com outros celestes.
Com certeza, muitos não sabem do nosso paradeiro.
Estarei na sala aqui ao lado se precisar de mim. –
Haziel apontou para a saída.
Aron balançou a cabeça positivamente e se
direcionou novamente para as frutas. O anjo saía
pela porta que dava no salão principal, quando...
148
CAPÍTULO 10
151
Abaixando e se esquivando do ataque de espada
do monstro, o celeste mudou sua arma de mão,
segurando-a firmemente com a mão esquerda.
Rodando a lâmina, juntamente com o seu corpo, em
torno de noventa graus, decapitou a criatura. A
cabeça rolou e parou quando encontrou a parede,
explodindo em uma nuvem negra junto ao corpo.
Em um movimento circular com as mãos, o anjo
virou a espada na direção vertical atingindo o peito
da outra besta, transpassando seu coração.
Com um joelho no chão e o outro flexionado, o
anjo retirou a espada do diabo que já entrava em
estado de decomposição. O corpo da besta explodiu
e se dissipou no ar.
Com um pulo, Haziel chegou até o buraco aberto
pelo corpo da criatura e enfiou a cabeça para fora,
observando o externo. Diante de seus olhos, em
torno de quarenta metros abaixo, por uma passarela
que ligava algumas montanhas, havia um pequeno
exército com mais de cem demônios. Uma massa
escura, que desordenada, aproximava-se do recinto
onde o anjo se encontrava com o humano. O solo era
esburacado e algumas pequenas rochas se erguiam
do chão. Demônios caíam tropeçando em pedras e
152
buracos, mas o pelotão não freava, avançando com
vontade.
O celestial preferiu se prevenir a esperar. Olhou
para Aron e pediu para que ele aguardasse.
– Aonde você vai? – O humano se levantou e
correu até o anjo.
Haziel apenas o fitou e colocou seus braços para
fora da rachadura na parede, puxando a rocha,
repelindo seu corpo no ar.
Aron correu até o vão. Olhando diretamente para
o corpo do anjo despencando, viu quando suas
magníficas asas brancas explodiram a carne. Uma
única investida lhe deu velocidade incrível para o
rasante premeditado. Ele mergulhou novamente, só
que mais rápido, recolhendo suas asas como uma
águia. Chegando a alguns metros da tropa, abriu-as
novamente, colocando-lhe em direção horizontal.
Segurando a empunhadura da espada com as
duas mãos, Haziel mirou a cabeça da primeira
criatura, que o olhava com os olhos vermelhos e
arregalados diante de sua avidez. A primeira cabeça
ainda estava se desprendendo do corpo, enquanto
outras dez criaturas eram destroçadas pela poderosa
espada do celeste. O anjo ainda plainava no ar em
linha reta, destruindo qualquer ser maligno em sua
153
frente. Manuseava sua espada como um samurai,
sobrenatural. Deixou mais de quarenta cadáveres
mutilados, que aos poucos iam explodindo e
desaparecendo.
Enquanto isso, a retaguarda, um pouco mais
distante, era composta por guerreiros mais robustos.
Feras que despontavam presas enormes das bocas,
mais precisamente dois caninos que se ligavam a
uma serra de dentes pontiagudos. Tinham mais de
três metros de altura, chifres grandes e couro forte
revestindo o corpo. Quase cinquentabestas
compunham a parte traseira da horda demoníaca,
esta que se aproximava da fortaleza do anjo como
uma manada de rinocerontes pronta para destruir
tudo pelo seu caminho.
Sem tempo para frear, em função de sua
velocidade, Haziel topou de frente com a primeira
criatura gigantesca. A força do impacto estremeceu
o horizonte, derrubando mais de vinte demônios de
uma só vez como pinos de boliche. Os monstros que
ficaram em pé se puseram em volta do anjo que
ainda se levantava. Também atordoado pelo impacto
contra os grandes corpos, não tendo muitas chances
contra tantos daqueles, o guerreiro divino se
levantou rapidamente, esticou as asas e investiu.
154
Uma rajada foi o suficiente para levá-lo até a
rachadura em apenas dois segundos.
Aron o observava pelo lado esquerdo da abertura
na rocha. Segurava a parede com as duas mãos e
tinha só um pedaço da cabeça à vista. Quando
Haziel chegou, passou pelo buraco e pelo humano,
que se assustou e caiu para trás. O anjo pousou,
agarrou-o com um braço e o colocou embaixo da
axila direita, como se estivesse segurando um objeto
comprido. Pulou pelo buraco e investiu nas asas com
ferocidade, impulsionando seus corpos para o céu. A
imensidão azul escura trovejava e figurava formas
abstratas com manchas negras desenhadas pelas
nuvens.
A rapidez dos corpos era de tamanha grandeza,
que quando transpassavam as nuvens, afastavam-nas
para o lado, formando vapores desarmônicos, que
depois se configuravam, formando um funil de ar em
volta deles.
Voaram na direção de quarenta e cinco graus por
vinte segundos. Depois o anjo se endireitou na
vertical, diminuindo levemente a velocidade.
– Segure firme! – disse Haziel.
O humano o encarou, assustado. Deu tempo
apenas de ver o anjo batendo suas asas tão forte que
155
seus corpos foram arremessados frontalmente com
velocidade estupenda. O funil apareceu novamente
em volta dos dois, mas começou a tomar a forma de
um cogumelo apontado para frente, enquanto a
velocidade aumentava. De repente, o humano
escutou uma explosão. Foi exatamente no momento
em que o ar se intensificou, sendo possível enxergá-
lo como uma parede translúcida que os
acompanhava.
Voaram assim cerca de trinta minutos, até que o
anjo reparou algo estranho na cara do humano. Logo
ele avistou uma ilha no mar e seguiram em direção a
ela.
Haziel pousou com flexibilidade, depositando
Aron no chão. O humano deu alguns passos rápidos
como se perdesse o equilíbrio, mas conseguiu frear
antes de cair. Ele olhou para o anjo, colocando as
mãos na cintura. Tinha no rosto um sorriso largo que
deixava aparentes todos os dentes da frente, mas as
sobrancelhas estavam franzidas. O suor escorria pela
face. Sua camisa estava escurecida pelo excesso de
suor. Inesperadamente Aron levou as mãos à barriga.
O vômito jorrou no chão, expondo tudo que havia
ingerido algumas horas atrás. O anjo deu um pulo,
conseguindo não ser atingido pela massa. Após o
156
término, o humano prostrou a mão direita na perna,
ainda segurando o estômago com a esquerda. Deu
uma longa respirada. O celeste apenas observava a
reação da criatura carnal.
– Vamos! Não temos tempo a perder – disse
Haziel, sem dar tempo para Aron se recompor
direito.
O humano levantou a cabeça e encarou o anjo,
ofegando.
– Sério?
O guerreiro deu um sorriso e com um solavanco,
seguido de muita destreza, jogou o plebeu em seus
braços, erguendo voo em seguida.
157
CAPÍTULO 11
162
O segundo comandante o olhou com
desaprovação, enquanto plainava, rajando suas asas
com leveza no ar. Depois olhou para Haziel e
indagou:
– Você sabe sobre a vitória deles? – Yesalel
apontou a cabeça para qualquer lado.
– Sim! – Haziel respondeu, fechando os olhos.
– Então. Nós vamos reverter o jogo! – Yesalel
apontou seu dedo para Aron, olhando-o fixamente. –
Com a sua ajuda!
– De novo essa história? – falou Aron,
remexendo os olhos.
Yesalel franziu as sobrancelhas com o olhar
semicerrado.
– Eu já expliquei algumas coisas para ele,
Yesalel! – disse Haziel.
– Ótimo. Já estamos muito tempo aqui. Temos
que ir! Atualizaremo-nos em um lugar seguro. –
Yesalel encolheu as asas, olhando para Haziel.
Haziel também encolheu as asas e os dois
desceram em rasante. Aron arregalou os olhos e
pensou – lá vamos nós de novo. – Yesalel foi à
frente. Perderam altitude rapidamente e abriram as
asas quando estavam já abaixo das nuvens.
Plainavam no ar com velocidade cautelosa. O mapa,
163
abaixo, confundia-se em cinza com manchas negras,
derivadas das explosões da guerra. O verde fora
devastado por completo e o céu era cinzento devido
à poeira expelida na atmosfera. Depois de um
tempo, os celestes encolheram suas asas novamente
e desceram em direção ao solo.
– Estamos chegando! – gritou Yesalel, olhando
para trás.
– Aonde? – perguntou Haziel, berrando, com
suas veias saltando no pescoço.
– Em águas vermelhas. Nós estamos no Brasil!
O humano, que apenas assistia a paisagem, teve
um flash repentino.
– Minha esposa, minha esposa! Como pude
esquecer? – Seus olhos se encheram de lágrimas e
escorreram pelo seu rosto.
– Fique tranquilo, Aron. Nós vamos resgatá-la! –
disse Haziel, olhando-o com comiseração.
Aron arregalou seus olhos e indagou:
– Como assim? Vamos resgatá-la? – indagou,
colocando suas mãos na cabeça.
Haziel respirou intensamente, percebendo as
palavras mal colocadas, na hora errada.
– Como assim? Vamos resgatá-la? – Aron
perguntou de novo – hein, Haziel? Como assim?
164
– Fique calmo, Aron! Eu vou te contar.
– Está tudo bem aí? – gritou Yesalel.
– Está tudo bem, não é nada! – Haziel retrucou.
– Como assim, não é nada? – Aron olhava
fixamente nos olhos de Haziel quase o enforcando,
enquanto segurava em seu pescoço. De repente,
berrou com as veias saltadas na testa: – Você acaba
de falar que vamos ter que resgatar minha esposa e
diz que não é nada? Me larga! – Aron soltou o
pescoço do anjo e começou a lhe dar trancos
tentando se desprender. – Me larga!
– Pare, Aron! Você vai cair – disse Haziel, sério.
– Não quero saber! Me larga, me larga! – O
humano se debatia.
– Para, Aron! – Haziel apertou Aron com mais
força. O humano soltou um berro abafado:
– Socorro, socorro! Ele está me esmagando.
Socorro!
Aron se debatia com mais força, na medida em
que o aperto se fortalecia. Haziel jamais deixaria o
homem cair. Então tinha que segurá-lo com força
diante daquela situação. Yesalel percebeu o que
acontecia e se aproximou dos dois, colocando a mão
na testa de Aron, que adormeceu no mesmo
momento.
165
Os três se aproximaram de um conjunto de casas
em ruínas. O espaço da pequena cidade era bem
grande, mas estava totalmente devastado. As
moradas não possuíam mais tetos. As que ainda se
conservavam em pé tinham suas paredes enodoadas
e esfumaçadas. Estavam quase totalmente
enegrecidas.
Sobrevoando a cidadela, Haziel observava a
destruição. Yesalel sobrevoava alguns metros à
frente. Passados alguns quilômetros de terrenos
escuros, o anjo de cabelos louros avistou uma massa
clara de celestes a algumas centenas de metros à
frente. O batalhão estava em um terreno aberto em
meio à natureza destruída. Estavam todos
materializados no mundo carnal.
Quando ganharam mais terreno, Haziel reparou
em uma mulher anjo com vestido branco, cabelos
longos e dourados. Estava instruindo um comboio de
outros anjos. A atenção dos celestes se prendia
totalmente na loura, que gesticulava com leveza,
diante de um quadro feito de luz dourada. As bordas
da lousa eram mais grossas. Onde ia a escrita
também era dourado, mas de um dourado
translúcido, forrado com letras douradas.
166
Os três aterrissaram, com os anjos
imediatamente prendendo suas asas na carne.
Yesalel seguiu na frente a dois metros de Haziel que
apanhava o humano adormecido nos braços. A
atenção da loura então se voltou aos recém-
chegados, que se aproximavam com rapidez nos
passos, em sua direção. Súbito, levou um susto e
seus olhos azuis lampejaram quando avistou Haziel
aparecendo no seu campo de visão, na medida em
que Yesalel se aproximava abrindo espaço.
Haziel abriu um belo sorriso quando viu Hariel
parada, olhando para ele daquela maneira. Os
cabelos louros da mulher, quase ondulados,
balançavam ao vento. Seu vestido curto e branco
como algodão repetia a mesma ação em função de
seu leve tecido. Emocionada, ela tinha as mãos nas
bochechas em forma de concha, então correu em
direção ao anjo. Haziel deu alguns passos mais
rápidos e entregou o humano entorpecido a Yesalel,
que o amparou em seus braços. O anjo louro foi em
direção à moça celestial, também emocionado.
Quando se prostraram, um na frente do outro, ele
olhava para baixo e ela para cima, os dois olhos
azuis se entreolhavam fixamente.
– Não acredito... Haziel? – A mulher passou a
167
mão no rosto do irmão enquanto seus olhos
lacrimejavam.
– Sim, irmã! – O anjo tinha um sorriso
emocionado no rosto, até que uma lágrima escorreu
de seu olho esquerdo.
A celeste deu um pulo e agarrou o pescoço de
seu irmão de espírito com um abraço esmagador. Ele
a envolveu em seus braços pela sua cintura,
apertando-a com sutileza. Ela inclinou a cabeça para
trás olhando em seus olhos, sorrindo muito
alegremente. Então sussurrou:
– Eu sabia que Caliel conseguiria – dando uma
longa respiração.
O guerreiro esboçou um sorriso vibrante e
envolveu sua mão esquerda em volta da cabeça da
loura, puxando-a para seu ombro. Com a outra ainda
a segurava pela cintura.
Ambos foram criados juntos há cerca de cinco
bilhões de anos. Um embrião fora separado em dois
para formar essa irmandade. O sentimento era
diferente dos sentidos pelos humanos e longe de ser
compreendido por qualquer ser de carne e osso. Esse
evento era exclusivo da casta dos guerreiros de Deus
que a cada mil, dois formavam essa ligação.
168
Haziel pousou Hariel no chão. A mulher saiu do
transe, balançou a cabeça algumas vezes em formas
negativas e perguntou com um tom de voz agudo.
– Por quais coisas você passou nesse tempo,
meu querido irmão?
– Por coisas horríveis, minha querida irmã! –
Haziel franziu as sobrancelhas, olhando o horizonte.
O coração de Hariel, nesse momento, palpitou
mais forte.
– Conte-me. Por favor! – disse ela.
Haziel contou tudo para a irmã, enquanto
caminhavam pelas finas ruas do bairro. Yesalel os
encontrou depois de cinco minutos e também quis
ouvir a história. Ainda carregava Aron nos braços
desacordado. Entregou-o a Haziel e caminhou junto
a eles.
Yesalel era um dos anjos mais poderosos da
casta dos guerreiros de Deus. Se não fosse por ele,
nas primeiras guerras contra o inferno, o céu não
teria levado a vitória.
169
CAPÍTULO 12
(150.000 a.C.)
171
A força da explosão desintegrou toda criatura
maligna naquela parte do campo agigantado de
batalha. Os celestes que previram a investida, no
momento certo, saltaram para longe. Outros voaram,
assim conseguindo fugir da onda explosiva.
A mais ou menos quinhentos metros de
distância, Haziel tinha seus olhos arregalados
segurando sua espada com as duas mãos. Em uma
investida, bateu as asas e pousou ao lado de Yesalel,
que exalava cansaço pela força bruta utilizada.
O quer foi isso, comandante? – indagou Haziel!
O anjo de olhos verdesainda estava abaixado a
fim de recuperar as forças. Tinha uma mão posta no
chão e a outra no joelho. Levantou a cabeça e falou
com respiração ofegante.
– Uma poderosa técnica, Haziel.
– Que poder grandioso! – Haziel sorriu
vislumbrado.
Yesalel sorriu com o canto da boca.
– O poder real é muito maior do que esse!
Haziel estreitou os olhos, reflexivo. O
comandante acrescentou:
– Temos que acabar com essa guerra de uma vez
por todas! – Yesalel se levantou com olhos cerrados
172
e depois olhou para Haziel. – Aprimoraremos sua
técnica mais tarde.
Haziel, que muito respeitava seu comandante,
apenas introduziu a espada na bainha pendurada em
seu cinto, assentiu com a cabeça e ficou em
prontidão apenas aguardando ordens. Aquela era
uma das primeiras batalhas participadas por Haziel e
por outros milhões de anjos. Antes da queda dos
rebelados, a paz podia ser vista como um ser físico
nos sete céus. A rebelião levou a sua deterioração e
morte.
Yesalel se levantou e olhou para o Sul, onde a
batalha ainda continuava. Virou seu corpo naquela
direção, apresentando suas asas brancas ao batalhão
atrás dele. Os celestes que assistiram a investida do
comandante também explodiram as asas. A legião
composta por mais de dez mil anjos levantou voo.
Com manobras espetaculares, entraram em formação
de ofensiva triangular. Vorazes, atravessaram os
quilômetros até a outra parteaté encontrarem os
guerreiros infernais duelando contra milhares de
outros guerreiros de Deus. Yesalel retirou sua
espada dourada ainda guardada na bainha e levantou
sua lâmina. Todos os anjos, na retaguarda, repetiram
o movimento. Repentinos rasantes angelicais
173
exuberantes começaram a descer dos céus,
encontrando as bestas no solo com suas espadas em
punho, destroçando-as com facilidade.
Pousando meio ao holocausto, os dez mil
guerreiros alados deram força àqueles celestes que já
dominavam a situação. Rapidamente acabaram
completamente com o exército infernal. Por fim,
sobrou apenas uma massa negra e vermelha no chão.
Era formada por pedaços de corpos e sangue
demoníacos.
Yesalel subiu em uma pedra com sua postura
imponente, fitando o horizonte catastrófico à sua
frente. O pelotão angélico o observava e todos
estavam atentos ao segundo comandante. Ele então
levantou sua espada, clamando:
– Pelo povo de Adão! – o segundo comandante
louvava aos céus com a lâmina apontada para cima.
Os guerreiros celestes também ergueram suas
armas e repetiram a ação. O barulho era
ensurdecedor. As rochas vibravam diante daquele
coro de guerreiros vitoriosos.
174
CAPÍTULO 13
***
177
dizer, tirando suas dúvidas com perguntas
congestionadas:
– Você é meu anjo da guarda, então?
Caliel olhou para frente e confirmou:
– Desde sempre, Aron! – Seus olhos azuis
lampejaram nesse momento, enquanto fitava os
olhos do humano.
– Por que eu nunca te vi, ou te senti?
– Veja bem! – Caliel parou os passos. Tendo a
mesma altura de Aron, nivelou seu olhar com o dele.
Com as mãos para trás, prosseguiu: – Como há
regras na Terra, impostas pelos próprios humanos,
no Céu também há. Uma situação normal, dentro de
qualquer padrão organizado. – O anjo deu uma
pausa, o suficiente para Aron perguntar:
– Que regras? – Aron pendeu a cabeça um pouco
para o lado arqueando uma sobrancelha.
– Não podemos nos materializar na frente dos
humanos, apenas em situações absurdas, sem saída.
– Como estou vendo vários de vocês agora? –
Aron apontou a volta com a cabeça.
– Esse momento que a terra está passando é
extremo. Estou falando de casos mais simples, casos
que colocariam a vida do guardado – Calielapontou
rapidamente para Aron – em risco.
– Estou entendendo – afirmou Aron.
– Como é bom te ver bem! – Caliel abriu um
sorriso com os cantos da boca e acenou com a
178
cabeça para o lado para que eles prosseguissem
andando.
Os dois continuaram andando por entre os
corredores de corpos angelicais de todos os
tamanhos e raças. Alguns tinham suas asas expostas,
enquanto sentados na grama que naquela região
estava verde. Conversavam, gargalhavam como
pessoas normais e interagiam entre si, com diálogos
que pareciam cotidianos. Alguns olhavam para
Caliel e o cumprimentavam.
Um anjo muito musculoso, com cerca de dois
metros de altura, aproximou-se dos dois. Aron
observou suas vestes claras que deixavam apenas um
peito desnudo. Seu cinto robusto, dourado levava um
compartimento atrás, onde sua gigantesca espada
ficava presa.
– Caliel! É verdade?
– Sim, Barrattiel! – O anjo sorriu e arqueou as
sobrancelhas arregalando os olhos. – Haziel voltou!
Barrattiel respirou fundo, abrindo a boca, para
depois soltar um berro, fechando os punhos na frente
do corpo. Colocou as mãos na cabeça careca,
olhando para baixo. Olhou para Caliel com um
sorriso que só faltava estourar seus músculos do
rosto e indagou:
– Onde ele está?
Caliel apontou na direção em que Haziel seguiu,
com os olhos brilhando e repuxando os lábios diante
da felicidade do gigante.
179
– Obrigado, Caliel! – Barrattiel meneou a cabeça
e se virou para partir, parou e se virou novamente,
olhando para Aron. – Olá, humano, seja bem-vindo!
– O anjo segurou a mão de Aron com as suas duas,
inclinou a cabeça e sem dar tempo para ele
responder,virou-se, para logo sair correndo atrás de
Haziel.
– Quem é ele? – Aron olhava para Caliel,
apontando para Barrattiel, que já desaparecia de
vista.
– Esse é Barrattiel, o anjo para quem Haziel
ensinou tudo – uma breve pausa do ruivo –, na
linguagem humana, vamos dizer que ele seja seu
mehor amigo.
– Anjos também tem melhores amigos?
Caliel bufou com o nariz curtamente, soltando
um pequeno som junto. Abriu o sorrisoe levando as
mãos para trás do corpo novamente, disse:
– Somos mais parecidos com vocês, humanos,
do que você imagina!
Aron olhou satisfeito para o anjo, que olhou para
cima, dizendo:
– O Pai criou todos à sua semelhança. Apenas
acrescentou em suas crias modificações, que no final
das contas, acrescentariam na evolução precisa da
humanidade – Caliel falava seriamente.
– Como assim? – indagou Aron.
Caliel mostrou o dedo indicador e disse:
180
– Vou citar um exemplo prático, esse que
acabou levando ao declínio celestial!
Aron andava e ficava virando a cabeça para o
lado de vez em quando, atento a Caliel.
– Quando o Pai nos criou, já estava pensando no
futuro. Fomos feitos para ajudar na evolução da
humanidade, e como isso era vontade Dele, fizemos
com prazer e estamos aqui lutando por vocês. –
Caliel sorriu e olhou com seus olhos azuis e
penetrantes para Aron.
– Certo! – O humano balançou a cabeça.
– Mas nem todos aceitaram isso muito bem, por
puro ciúme do Pai. Você concorda comigo que esse
é um sentimento cotidiano, humano?
Aron interrompeu Caliel.
– Posso fazer uma pergunta? – O humano
mostrou dois dedos.
– É claro!
– Em quê nos diferimos então? Eu não entendi!
– Aron deu de ombros, mostrando as palmas.
– Você sempre foi apressado. Eu vou chegar lá!
– Caliel riu. – A nossa consciência é parecida com a
de vocês, porém temos a adoração pelo Pai em
abundância. Isso pelo fato de estarmos tão próximos
a Ele, sempre. Acabamos absorvendo toda a sua
energia divina que é exalada como um mar vibrante
de amor. Isso nos faz querer viver por Ele. Sua
vontade é nossa vontade! Outro fato que nos difere é
a pujança depositada em nosso espírito. Nós, anjos,
181
fomos criados mais fortes, justamente para auxiliar
na proteção de vocês. – O celeste pendeu a cabeça
para baixo fechando os olhos. –Uma coisa que
ninguém imaginava é que teríamos que usar essas
habilidades contra nossos próprios irmãos.
– Lúcifer, né?
– Não exatamente. Mas sim. – O ruivo hesitou
um pouco. – É essa a história que vocês ouviram.
Aron parou, franzindo as sobrancelhas. Esticou
as costas, cruzando os dedos e levando-os acima da
cabeça. Em seguida, disse:
– Minhas costas estão doendo!
Caliel sorriu e colocou a mão na face de Aron.
Seu membro brilhou em violeta e ele o retirou
rapidamente.
– Está melhor? – indagou o anjo.
Aron arregalou os olhos, rodou os braços para
trás, depois para frente, alongou as costas para os
dois lados, repuxou os lábios para baixo, surpreso e
disse:
– Cacete! ops... Desculpe! – disse, sussurrando,
com vergonha.
– Não tem problema! – Caliel sorriu.
– Mas obrigado! Realmente melhorou! – Aron
falou, satisfeito.
– Quer se sentar um pouco? – Caliel apontou
para a grama verde.
– Sim, obrigado! – Aron nem esperou e já se
sentou, cruzando as pernas sujas.
182
O anjo mostrou as palmas arqueando as
sobrancelhas, jogou a mão para trás e se sentou na
frente de Aron da mesma maneira.
–Tá bom, eu já entendi tudo até aqui! Mas e
Haziel, porque ele me salvou e não você?
Caliel semicerrou os olhos, dizendo em seguida:
– Essa é uma história que podemos deixar para
depois – deu um sorrisinho.
O humano também sorriu. Rapidamente o ruivo
mudou de assunto.
Haziel já te explicou sobre sua alma?
– O lance da energia azul, né?
– Isso! Exatamente por esse motivo você é a
maior prioridade do Céu hoje, para restaurar a
humanidade.
– E que eu sou herdeiro de Adão, que posso
abrir os portais e blá, blá, blá...
Caliel soltou uma risada e assentiu com a
cabeça.
***
184
CAPÍTULO 14
***
187
Caliel olhava, enquanto o humano esboçava sua
angústia. Queria acabar com aquilo, mas respeitava a
opinião dele.
– Aron! – quase um grito do ruivo.
O humano olhou para Caliel com os olhos
inchados.
– Você tem certeza disso? – indagou Caliel.
O humano assentiu com as lágrimas caindo
como cachoeiras.
– Venha aqui! – O anjo esticou os braços para
ajudar o humano a se levantar.
– Pode deixar! – Aron se levantou, sem tocar na
mão de seu guardador. – Obrigado! – Espalmou os
joelhos.
– Você precisa descansar! – Caliel o olhava com
olhar melindroso. – Você tem certeza que não quer
que eu acabe com essa dor?
– Tenho!
– Eu só preciso descansar mesmo! – O sorriso de
Aron se escondia embaixo de uma tonelada de
sentimentos obscuros.
Os dois caminharam até uma casa com algumas
paredes destruídas e quando chegaram à porta,
Caliel disse:
– Você pode descansar aqui!
Aron espreitou dentro da residência.
– Tudo bem! – Deu um passo em direção à
porta.
– Você não quer comer nada? – indagou Caliel.
188
Aron apenas levantou o braço movimentando a
mão negativamente e entrou na casa. Caliel ficou do
lado de fora e pediu para que dois anjos guerreiros
ficassem de prontidão na porta. Imediatamente, os
dois anjos aceitaram e o fizeram.
Ao se adentrar na casa, o humano reparou em
uma sala pequena, ruinosa. Possuía um buraco no
teto com mais ou menos dois metros de raio. As
paredes eram brancas e tinha uma cama com pernas
presas com cordas e vigas de madeira. O móvel
estava no meio da sala, coberto com um robusto
lençol branco. Um tecido, que fora enrolado para
servir de travesseiro, estava no lugar onde iria a
cabeça do humano. Um monte se erguia no meio da
cama formando uma pequena pilha de roupas. O
chão era de piso frio, com muitas partes
estilhaçadas. Vislumbrando o pequeno ambiente,
Aron só conseguia pensar em Sun. Sentou-se na
beira da cama e colocou a mão na cabeça, em
reflexão.
***
***
192
Manteve-se naquela posição com pensamentos
distantes durante alguns minutos, até que um
barulho estranho o despertou. Ainda com os dedos
entrelaçados, abriu os olhos e levantou a cabeça.
Olhando com o canto dos olhos, atento à sua
audição, percebeu que o barulho era externo. Antes
como ruídos, o fragor ia aumentando e se
aproximando. Rapidamente, Aron se levantou e
correu até aporta, prostrou suas mãos nas laterais e
colocou a cabeça para fora. O que viu foi
aterrorizante. Uma leva de possuídos estava
rodeando a igreja, não deixando abertura para o
humano passar. Chegavam aos montes, assim
reforçando a parede de corpos. Ameaçavam avançar,
mas no mesmo momento freavam e voltavam. A
impressão era de estarem aguardando a ordem do
ataque. Aron sentiu um calafrio forte no corpo e uma
onda elétrica percorrendo sua espinha.
193
CAPÍTULO 15
198
– Haziel, essa espada foi forjada para ti,
utilizando uma célula da Força de Deus posta em
minha áurea. – O arcanjo falava com a voz de sua
própria garganta.
– Por que eu?
Gabriel arqueou as sobrancelhas douradas
sorrindo.
– Simples! Agora precisamos também de ti, um
dos anjos mais poderosos, completamente equipado.
Precisamos do brilho da tua luz. Tu sabes do que
falo. – O arcanjo inclinou a cabeça para baixo
penetrando o olhar nos olhos do anjo.
Com as duas palmas esticadas à frente do corpo,
o arcanjo materializou uma bainha prateada e um
cinto de couro com detalhes prateados, entregando-
os ao guerreiro. Haziel apanhou os objetos.
Admirado pela beleza das peças, ficou segurando-as
e olhando para Gabriel sem dizer nada. O arcanjo
fez menção para que ele vestisse o cinto. Haziel o
fez, circulando por sua cintura o pedaço de couro.
Após lacrar o feixe, depositou a espada na bainha,
por fim fazendo um clique.
Haziel nunca precisava fazer perguntas, pois o
arcanjo parecia saber todas as respostas, mesmo
antes das questões se formarem na sua cabeça e mais
uma vez o informou:
– O humano está em uma capela cristã,
localizada no centro da cidade de Águas Vermelhas.
199
O anjo entendeu o que era para ser entendido e
meneou a cabeça em respeito à divindade. O arcanjo
sorriu, abriu os braços, esticando suas asas e
inclinou o queixo para os céus, cerrando os olhos.
Naquele lugar, o céu era relativo. Gabriel
desapareceu na branquidão com um feixe de luz.
Nesse momento, Haziel olhou seus antebraços à
frente do corpo e os notou desaparecendo, sendo
totalmente tomados por uma névoa quase liquefeita,
clara.
Haziel, repentinamente, retornou ao local de
onde estava partindo para salvar o humano,
exatamente no mesmo milésimo de segundo. Em
benefício de já ter investido nas asas anteriormente,
quando retornou à sua realidade, subitamente foi
lançado aos céus. Ao seu lado direito, subia Hariel
em velocidade descomunal. Haziel tateou a cintura e
percebeu a presença da arma. Hariel também
reparou na peça e arregalou os olhos.
***
***
***
204
PARTE TERCEIRA.
REVELAÇÕES
205
CAPÍTULO 16
208
mas aos poucos seu cérebro foi se organizando na
medida em que o “tempo” passava.
Tempo? – pensou a criatura. – O que é o tempo?
Subitamente a voz ecoou novamente.
– O tempo começa a existir agora, meu filho!
Meu filho? – Lúcifer pensou novamente. – O
que é meu filho?
– És tu, o portador da luz, a primeira na devasta
escuridão. – A voz ecoava na cabeça do ser. – Teu
nome será Lúcifer! – disse a voz, imponente.
Nome? – O homem, que fora nomeado de
Lúcifer, parecia um bebê com corpo adulto e
capacidade de raciocínio avançada. – O que é nome?
– Sua mente tentava compreender os fatos. – O que é
existir? O que é Lúcifer? O que é o...
– Tudo andará de acordo com o teu tempo, meu
filho!
Na negridão, uma luz branca encheu a visão à
frente de Lúcifer. Ondas e tentáculos claros
cintilavam na borda da energia branca esfumaçada.
Estava comovido com a exuberância de um
sentimento que inundou seu coração - Coração? –
pensou Lúcifer. O amor pulsava em seu peito. –
Peito? – Lágrimas desciam como cachoeiras diante
209
daquela sensação maravilhosa. O arcanjo levou a
mão ao rosto e tateou a pele dourada, úmida.
– Meu primogênito! – A voz soou emocionada.
Lúcifer ergueu os olhos para a névoa clara e
enfim indagou com sua própria voz.
– O que eu sou?
– Tu és meu filho! – disse a voz.
– Quem és tu? – Lúcifer indagou, ainda mais
confuso.
– O que tu és? Tu sabes a resposta, meu filho!
Houve uma pausa de muitos segundos. O
arcanjo aguardou atento e respeitoso. Nesse
momento, seu corpo já não girava
desordenadamente. Sua postura majestosa não era
mais de alguém perdido.
– Deus! – disse Lúcifer olhando as mãos, depois
para a névoa. – Eu sei teu nome. – O arcanjo
arregalou os olhos e depois de uma pequena pausa
reflexiva, exclamou: – Tu és meu Pai, Yahweh, o
Deus todo poderoso, o Onipotente, a Existência! –
Na imensa escuridão, o arcanjo meneou a cabeça,
mantendo-a baixa.
– Olha para mim, meu filho! – disse Deus. – Tu
estás certo e citou algo muito importante sobre a
210
existência... Sim, este sou eu! Tu sempre viveste em
mim. Agora eu também vivo em ti.
Os olhos do arcanjo enxergavam apenas uma
névoa branca, mas seu coração podia enxergar e
compartilhar do mesmo ambiente que o coração do
Pai. A presença do amor, naquele lugar, era de
tamanha grandeza que o sentimento chegava a se
tornar sólido. Sentindo-se completamente amado,
após o completo entendimento sobre o momento de
louvor entre pai e filho, Lúcifer meneou novamente
a cabeça.
– Meu Pai! – uma breve pausa – Obrigado por
isso. Obrigado por deixar-me compartilhar dessa
alegria.
A partir desse momento, a primeira existência
material foi criada e assim o tempo começou a ser
contado.
Durante séculos, Pai e filho conviveram juntos
na devasta escuridão e Lúcifer pôde absorver Dele
toda a sabedoria daquele universo escuro. Após a
passagem do oitavo século, Deus percebeu a
maravilha de sua criação já crescida e totalmente
dotada de astúcia, tendo a brilhante ideia de dar a ele
um irmão.
211
– Lúcifer! – a voz majestosa ecoava pela
escuridão até chegar aos ouvidos do arcanjo
dourado.
Olá, meu Pai. Como posso lhe ser útil? –
indagou o portador da luz em pensamentos.
– Meu filho! – uma breve pausa – Hoje,
presentear-te-ei com um irmão!
– Irmão? – O arcanjo franziu as sobrancelhas. –
O que é um irmão, meu Pai?
– Olhe para ti, Lúcifer!
Lúcifer desfilou o olhar por seu corpo até focar
os pés. Então Deus acrescentou.
– Tu podes ver a magnitude de tua perfeição?
O arcanjo esboçou um olhar de confusão,
contraindo os lábios. Após a demonstração de
dúvida de Lúcifer, Deus prosseguiu:
– Tu terás um companheiro igual a ti para
compartilhar de tuas ideias.
– Companheiro?
– Sim! A criação dele partirá de ti, ou seja, de
uma célula tua.
Lúcifer sorriu e arqueou as sobrancelhas.
– Desculpe, meu Pai, mas ainda não consigo
compreender o que é um companheiro!
212
– Por favor, meu filho! Preciso que estiques a
palma de tua mão.
Sem hesitar, Lúcifer o fez, fitando sua própria
mão à frente do corpo. Nela, não existiam linhas de
marcação. Da pele dourada e lisa, um embrião
luminoso floresceu e flutuou acima da mão do
arcanjo. O brilho se distanciou de Lúcifer e em
milésimos de segundos parou a uma grande
distância. A partir desse momento, Lúcifer assistiu a
exatamente todos os processos que ele próprio
passou até ser criado.
Toda a energia se dissipou. No lugar ficou a
imagem de uma criatura semelhante ao próprio
Lúcifer. Apenas algumas coisas eram
dessemelhantes. Os olhos, em vez de azuis, eram
verdes e brilhavam como duas esmeraldas. Os
cabelos dourados, em vez de compridos, eram curtos
e caíam apenas até a altura da testa. Os traços, em
vez de leves, eram fortes e no maxilar tinha
músculos fortes. O corpo era identicamente forte e
comprido. As asas apareceram e brilharam na
mesma intensidade das de Lúcifer.
Os dois arcanjos trocaram olhares e os dois
sorrisos foram esboçados. Mas o segundo, em
seguida, franziu as sobrancelhas e quase teve a
213
mesma reação de Lúcifer em sua criação. Mas logo
o Pai interferiu, explicando coisas ao segundo e
tentando fazê-lo entender.
– Teu nome será Miguel...
A partir daquele momento, foi construída uma
verdadeira relação maravilhosa entre irmãos, Pai e
filhos.
A evolução de suas criações juntas foi tão
perfeita que Deus resolveu entregar mais quatro
irmãos para Lúcifer e Miguel. Já que preferiu criá-
los utilizando a célula dos próprios arcanjos,
trabalhou em duas sessões. Na primeira leva, foram
criados Gabriel e Rafael, na segunda Jeremiel e
Uriel.
A irmandade florescia e um tipo novo de
existência progredia. A afinidade dos seis era bela e
verdadeira. O amor entre eles era demasiado e puro.
Vendo a alegria de suas crianças brincando e criando
os únicos brilhos na devasta escuridão, o Pai se
sentiu satisfeito e naquele momento, determinou
dentro de seu coração que suas vidas seriam
maravilhosas.
214
CAPÍTULO 17
217
perdendo os sentidos. Seus olhos se reviraram e seu
corpo despencou na areia fofa.
***
221
Prosseguiram até se encontrarem no meio de um
campo de combate. Guerreiros treinavam e lutavam
entre si. A voracidade das pelejas era de tamanha
grandeza que algumas fatalidades chegavam a
acontecer. Daniel reparou em suas armas; a maioria
utilizava espadas. Alguns usavam lanças, ou mesmo
lutavam sem armas, utilizando apenas a força do
corpo. As armas usadas nos treinos não continham
pontas e eram totalmente esculpidas em madeira.
Alguns lutadores paravam os combates para
observarem o anjo, que ao passar, por algum motivo,
chamava a atenção de todos. Tinha postura
diferenciada e beleza estupenda. Era robusto e
impunha respeito com sua majestade. Tinha
músculos fortes e definidos. Com 1,87m de altura,
não era tão alto, mas impunha respeito. As
sobrancelhas eram grossas, ajudando-o a formar o
olhar sério. Tinha pupilas grandes no meio da íris
cor de mel que reluzia um brilho próprio, sutil.
Os três homens chegaram a um ponto do campo
aberto. Lá, encontrava-se também um antigo
guerreiro que acabara de chegar e ainda se
familiarizava com o local. Aparentava estar na casa
dos cinquenta anos. Sua cabeça era pelada, mas no
rosto tinha um cheio cavanhaque branco. Os olhos
222
eram puxados e fechados, mas dava-se para ver que
a cor era esverdeada. Usava um tipo de roupão
batido de cor creme, que era preso por uma faixa de
cor caramelo. A peça fechava-se na altura da cintura,
deixando um V no peito descoberto. A calça era
larga e escura. Nos pés, tinha sapatilhas pretas. Não
era alto e nem forte, tinha aparência frágil e no rosto
esboçava um sorriso amistoso.
Quando os homens se aproximaram, o ancião se
virou para eles, colocou as mãos para trás
calmamente e encarou o rei. Daniel semicerrou os
olhos, fitando diretamente os globos verdes do
asiático. O homem também olhou em seus olhos, de
relance, nesse momento. Foi rápido, mas o suficiente
para que Daniel entrasse em seus devaneios,
remexendo em memórias antigas.
O rei se aproximou de Ninurta ao ponto de
invadir seu espaço pessoal, pedindo que abaixasse.
Em seu ouvido, cochichou algumas coisas. Ninurta
direcionou o olhar para Daniel e o asiático. O rei
virou-se também, encarando os dois e seguiu em
direção a um altar que ficava no centro do campo. O
general o acompanhou. Subiram alguns degraus até
ficarem no topo do elevado, a cerca de quatro metros
de altura. Repentinamente, o rei esfregou seu cajado
223
dourado contra quatro barras ocas de metal. O
barulho pôde ser ouvido ao longe. Imediatamente,
no campo de treino, foi cessado o som das pelejas.
Gritos de garra pararam e os guerreiros se
aquietaram.
Daniel estava inquieto. Não precisava passar por
aquilo. Mas desde sempre existiram cinco regras que
jamais poderiam ser quebradas.
224
–Meus caros guerreiros! – berrava Eannatum.
– Eu sei quanto se dedicam em treinos para
conquistarmos tudo que viemos conquistando
ultimamente. – Pela primeira vez o rei sorriu,
mostrando os dentes. Depois continuou, após uma
breve pausa. –Tenho todos vocês como meus filhos
e lhes agradeço tudo que têm feito por nosso
povo. Hoje – abrindo os braços, deixando o cetro
totalmente aparente, o rei abriu a boca, emitindo um
grandioso riso. Após alguns segundos, acrescentou –
,hoje lhes entregarei um presente!
Ninurta desceu os degraus do altar e seguiu na
direção do asiático e de Daniel, que estavam a cerca
de dois metros de distância um do outro. Os
soldados do rei iam abrindo passagem para o gigante
general passar e meneavam a cabeça em toda a sua
trajetória.
–Hoje, em nosso reino, fomos presenteados
com dois grandes guerreiros. – O rei apontou a
cabeça de falcão dourada na direção do anjo e do
asiático, dizendo: – E eles se enfrentarão entre si,
sendo que – Eannatum levantou o dedo indicador
aos céus com a outra mão – Apenas um
sobreviverá!
225
Daniel e o asiático se entreolharam e voltaram
suas atenções ao rei, sem questionar.
Daniel levaria aquilo tudo até onde desse, por
fim escaparia sem deixar vestígios celestiais. Tinha
acabado de voltar de um combate brutal e ainda se
recuperava. Teria que passar por aquelas situações
até o limite.
– Vamos! – Ninurta indicava com o queixo para
que os dois guerreiros andassem.
Novamente os dois se entreolharam e Daniel,
nesse momento, arqueou as sobrancelhas diante do
sorriso do asiático. Os olhos do senhor de meia
idade brilharam seus verdes repentinamente. O anjo
guerreiro quase caiu ao tropeçar no próprio pé. A
partir desse momento, não conseguiu mais tirar os
olhos do homem que o encarava de vez em quando.
No rosto, tinha um sorriso passivo enquanto andava.
Os dois caminhavam com Ninurta, atrás,
indicando a direção. Chegaram a uma arena
quadrada com arquibancadas. Nos quatro lados,
tinham portões grandes, fechados com grades
robustas, escuras. Daniel e o asiático iam à frente,
Ninurta atrás e a multidão de guerreiros na
retaguarda.
226
De uma hora para outra, o rei apareceu em um
altar encimado por um obelisco com cerca de oito
metros de altura. No topo do monumento, tinham
largas janelas que pegavam quase toda a parede. As
aberturas só se dividiam por quatro colunas que se
erguiam nos cantos, para levantarem seu telhado de
ouro. Eannatum adentrou-se em uma porta lateral do
obelisco e desapareceu na penumbra do recinto.
Chegando ao centro do campo de luta, Ninurta
ordenou que todos parassem. Do muro de guerreiros,
escalou dez soldados. Posicionou cinco ao lado de
Daniel, cinco ao lado do asiático e pediu para que os
escoltassem até as celas, até chegar o momento da
luta. Sem hesitar, os soldados o fizeram e com um
pouco de brutalidade viraram Daniel para que
seguisse em frente. O celeste não gostou e em seus
primeiros passos, subitamente, soltou uma leve
cotovelada no soldado que o escoltava ao seu lado
direito e continuou andando. O soldado caiu se
esgoelando para tentar puxar o ar. Ninurta não
acreditou no que viu e ordenou que mais cinco
soldados levassem Daniel, assim totalizando nove de
pé. Daniel permitiu que o levassem e seguiu para
dentro da cela. O asiático também se adentrou no
outro lado da arena.
227
***
228
– Você vai lutar com aquele homem baixinho,
né? – A voz soava inocente.
– Creio que sim! – disse o celeste fitando o chão,
pensativo.
– Você é forte, né? – indagou o menino.
– Por que você quer saber? – perguntou Daniel,
um tanto desinteressado.
O menino deu uma longa respiração olhando
para baixo.
– Eu só queria saber quando chegaria alguém
muito forte para nos salvar.
– Do que você está falando?
Agora o menino tinha a atenção total do anjo.
Mas um barulho se sucedeu. O garoto tremeu. Olhou
para os dois lados e disse:
– Tem gente por aqui. Tenho que ir! – E
desapareceu da mesma forma que apareceu.
***
229
***
***
234
CAPÍTULO 18
235
pelos das costas arrepiaram e o estômago se
comprimiu.
– Não acredito! – Seus pensamentos sombrios
foram deixados de lado e então ele correu e abraçou
Haziel. De olhos fechados disse:
– Eu achei que você estava m...
Haziel o interrompeu.
– Não, Daniel! – O louro lampejou os olhos,
sorridente. – Eu escapei – Franziu as sobrancelhas
nesse momento.
Hariel assistia ao reencontro com seus olhos
azuis pulsantes. Lágrimas inundaram seu globo
ocular quando notou a enxurrada cristalina descendo
pelo rosto de Daniel.
Haziel e Daniel se distanciaram cerca de
cinquenta centímetros.
– Escapou de onde, Haziel? – Daniel semicerrou
os olhos, esperando pela resposta que julgava já
saber.
Haziel abaixou a cabeça fitando o solo,
enraivecendo a feição.
237
Inesperadamente, uma figura brotou no céu,
descendo um tanto desordenada. Suas asas
repentinamente se entrelaçaram e seu corpo
despencou. Se não fosse a destreza de Daniel, que
pulou e o agarrou no ar, o anjo teria se espatifado no
chão. As asas estavam quebradas e hematomas
rodeavam-se por seu corpo. Os cabelos castanhos
estavam molhados e a pele clara mais rosada do que
o normal.
– Malahel! O que foi isso? – indagou Hariel,
enquanto corria até o celeste.
Daniel o colocou no chão, segurando sua cabeça
com cuidado. Todos se abaixaram em volta de seu
corpo. Sua respiração estava ofegante. Um esguicho
de sangue voou pela boca quando ele tossiu.
– Coloquem-no de lado! – disse Hariel.
Os dois homens anjo viraram o corpo do celeste.
Haziel indagou:
– Quem fez isso com você? – O anjo louro tinha
seus olhos esbugalhados.
– Os infernais! Uma tropa gigantesca está
chegando do Norte. Fui pego desprevenido. –
Malahel esgoelou com algumas tosses.
Haziel e Daniel se entreolharam espantados e se
levantaram. Hariel ficou abaixada amparando o anjo.
238
– Hariel? – chamou Haziel, explodindo suas
asas.
A loura o olhou com o canto do olho, fitando sua
postura monumental.
– Pode ir, irmão. Eu resolvo isso aqui! – Hariel
olhou para Daniel e disse: – Vá com ele!
O anjo, com olhos de fogo, meneou a cabeça e
explodiu as asas, olhando para Haziel.
– Vamos rápido! – Haziel olhou rapidamente
para sua irmã e depois para cima.
Subitamente os celestes alçaram voo,
explodindo o ar em todas as direções diante da
investida em suas asas.
– Para quem eu posso te levar de sua casta? –
Hariel tinha o olhar preocupado e a voz esganiçada.
– Caliel! Me leve para Caliel. – O anjo deixou a
cabeça cair de lado, fechou os olhos e apagou.
Hariel se levantou, explodiu as asas e o colocou
em seu ombro. Em seguida alçou voo.
239
CAPÍTULO 19
***
246
– É agora, irmão! – Mazarak esfregou uma
palma contra a outra.
Daniel achou graça e balançou a cabeça em
negativas, rindo.
– Você não mudou nada! – afirmou Daniel.
Daniel viu quando Mazarak correu na direção
oposta a ele. Sua velocidade era grande, não total,
mas grande. Ia bater seu corpo contra a multidão de
guerreiros. Mas não foi o que aconteceu. Na
proximidade máxima dos soldados, o anjo rolou seu
corpo no chão fazendo com que os guerreiros
tropicassem. Os que não tropeçaram em seu corpo,
tropeçaram nos próprios guerreiros já tombados.
O restante dos guerreiros perdeu a concentração.
Foi aí que Daniel investiu em sua força sobre-
humana e pulou por cima dos guerreiros. O anjo caiu
na frente deles abrindo uma cratera no chão com um
soco voraz. Dezenas de homens foram arremessados
em todas as direções.
Mazarak se levantou do rolamento e investiu em
murros, nocauteando mais de cinco adversários por
segundo.
***
247
Eannatum borbulhava de raiva e batia
repetidamente o cetro contra o chão.
Ninurta assistia a peleja concentrado, coçando o
cavanhaque. Nunca tinha visto tamanha pujança
dentre homens normais. Estudava seus movimentos
de luta com um olho semicerrado e o outro tinha a
sobrancelha quase arqueada. Com um olho, fitou o
rei e reparou em sua feição explosiva de raiva.
Eannatum esticou o cetro para ele e apontou na
direção dos guerreiros. Ninurta meneou a cabeça.
***
248
Daniel e Mazarak, prostrou-se no meio dos dois e
apontando para Daniel, disse:
– Vou esmagar você! – Depois apontou para
Mazarak. – E você! Como insetos! – Deu um soco
no próprio punho. – Darei-lhes o prazer de ter seus
nomes escritos em meu pergaminho. – uma breve
pausa – Inseto um e inseto dois. Ótimo!
Ninurta cerrou os punhos, flexionou o braço,
depois as pernas. Bateu o pé direito no chão
trepidando de leve aquela parte da arena. Os celestes
se entreolharam. Eannatum sorriu tenebrosamente. A
plateia foi a delírio.
O general saiu em disparada como um touro
para cima de Daniel, que ficou parado apenas
aguardando a colisão dos corpos. Mazarak cruzou os
braços e levou a mão à barba afagando seus pelos
brancos. A plateia silenciou-se nesse momento. O
ombro do gigante encontrou o peito do anjo. O
resultado do ataque não aconteceu como previsto
pelo anjo moreno. A força inserida na investida, para
um ser humano, foi completamente fora das
proporções naturais. O anjo fora arremessado a cerca
de trinta metros de distância. Mas antes de cair no
chão, equilibrou-se, virando o corpo no ar, caindo
com os dois pés e uma mão no chão, arrastando seus
249
membros na terra, cerca de cinco metros, antes de
conseguir frear. No mesmo momento, levantou a
cabeça encarando Ninurta, contraindo os lábios, de
raiva.
O alvoroço na plateia, nessa hora, intensificou-
se.
Repentinamente, Daniel se levantou disparando
contra Ninurta. Mazarak, nesse momento, riu
internamente. Ao se aproximar do grande homem, os
olhos de Daniel brilharam e ele investiu um soco
direto no peito do General, que cruzou os braços
como um escudo, recebendo a pancada. Diante da
força do celeste, nada pôde ser feito e seu corpo foi
arremessado contra o aço que formava a redoma.
Bateu fortemente de costas no metal e caiu no chão.
Logo no início da batalha, já deu para perceber
que aquele ambiente era pequeno para uma luta
daquele tamanho.
Era claro que um humano normal pereceria com
tal investida, mas não Ninurta. Estirado no solo, seu
corpo tremeu. Ele flexionou os braços, inclinando-os
em seguida, no mesmo momento em que flexionava
também os joelhos. Levantou-se, apenas um tanto
atordoado. Tinha os punhos cerrados e o corpo
tremia de adrenalina.
250
Eannatum, que não acreditava no que via, nesse
momento comemorou. A plateia não acreditou.
Todos estavam sentados e a maior parte tinha a boca
aberta. Um homem moreno, de cabelos
encaracolados, levantou-se e começou a gritar,
dando socos no alto.
– Ninurta... Ninurta... Ninurta!
Uma mulher se levantou e repetiu a ação. Depois
mais um homem. Logo, metade do estádio já
clamava por seu general. Os celestes olharam em
volta reprovando o comportamento alheio.
O general soltou um berro de partida,
enraivecido e percorreu metade da arena na direção
de Daniel. Dava-se para ver os músculos de seus
gigantes braços inchados. Veias saltavam na testa e
o rosto estava em fúria como um vulcão em erupção.
Mordia os dentes quase ao ponto de estourá-los.
Dessa vez a reação do celeste foi diferente.
Quando Ninurta investiu um poderoso soco que
acertaria seu rosto, repentinamente saiu de lado,
segurou o braço do general, rodou-o no alto e o
atirou na mesma direção de onde veio. O corpo do
gigante bateu no chão e quicou a cerca de vinte
metros de distância. O estádio inteiro se calou e suas
251
esperanças de vitória do general começavam a
desvanecer.
Novamente Ninurta se levantou e se posicionou
para um novo ataque. Daniel balançou a cabeça em
negativas e disse:
– Pare com isso! Eu não quero lhe ferir.
– Escute o que ele está falando! – Mazarak
berrou, depois gargalhou, cruzando os braços.
– Você... não... vai... me... ferir! – disse Ninurta
pausadamente. – Eu vou lhe ferir! – Disparou
novamente na direção do celeste.
– Que seja então! – exclamou Daniel, fechando
as pernas e cerrando os punhos na frente do corpo.
O povo inteiro estava boquiaberto, calado.
Dessa vez o celeste não foi cauteloso em sua
pujança e quando o gigante se aproximou, com
velocidade descomunal, arremeteu um soco voraz
contra seu abdômen. O general arregalou os olhos,
suas pupilas se contraíram e ele cuspiu sangue. Seu
corpo foi arremessado novamente contra o aço da
redoma, só que bateu com o dobro da força anterior.
Assim Ninurta caiu desacordado.
Daniel olhou o corpo do homem de longe e
depois se virou para o rei fazendo um gesto com os
braços.
252
– E agora, como vai ser? – Daniel queria
arrebentar tudo e sair logo dali, mas precisava seguir
regras e já tinha demonstrado muita coisa.
Eannatum mostrou os dentes com um sorriso
maligno.
– Vai ser assim... – disse o rei sorridente,
colocando seu cetro para fora da abertura do
obelisco. – Soltarei-os, após passarem por Ninurta.
O celeste uniu as sobrancelhas e depois as
ergueu. Soltando uma leve risada, disse:
– Então já estamos indo. – Sorriu para
Eannatum. – Obrigado pela sua hospedagem e
conforto!
Daniel ia se virando quando os olhos do falcão
do cetro do rei brilharam como duas estrelas rubras.
Ele parou e voltou sua atenção para a peça de ouro.
Nesse momento, o estádio soltou um ruído de
espanto. Daniel se virou novamente para o outro
lado, encontrando o general em seu campo de visão.
Estava acordado e dessa vez se levantava com mais
imponência. Quase não parecia ter sofrido as duas
pancadas brutais. Ficou em pé, fitando Daniel com
olhar sério. Cerrou os punhos e olhou para o rei
esboçando um sorriso malicioso.
253
De súbito, os músculos do gigante começaram a
inchar – uma façanha que parecia impossível. Sua
pele foi se avermelhando e suas veias saltaram tão
gordas, que se assemelhavam a canos. O corpo do
homem, que já era enorme, começou a esticar
juntamente com seus músculos, proporcionalmente.
No momento em que crescia, sua tonalidade voltava
à cor normal. Por fim, parou de crescer quando
alcançou o vigésimo metro.
Dando dois passos à frente, fazendo o chão
tremer, o gigantesco Ninurta apontou para os
celestes, perplexos, que assistiam ao inimaginável.
Então disse:
– Eu falei que esmagaria vocês como insetos!
254
CAPÍTULO 20
***
259
A humana, que tinha se recostado no canto
novamente, reparou em Belial entrando na cela com
sua mão reluzente. Em sua retaguarda, outra criatura
horrorosa se aproximava. Tinha uma casca negra e
escamosa no lugar da pele. Os olhos eram como de
répteis com a pupila rasgando o raio inteiro da íris.
Tinha aparência humanoide e corpo forte. Nos dedos
dos pés e das mãos tinha fortes garras de cor clara. A
boca era grande, com dentes triangulares amarelos.
A cabeça era lisa com escamas escuras. A postura
era horrorosa. Talvez um pouco corcunda, mas
imponente e tenebrosa.
Ao ver o demônio reptiliano se aproximar de seu
corpo, Sun tremelicou por completo ofegando sua
respiração. Seu coração pareceu querer estourar o
peito. Nesse momento, não se conteve e soltou um
grito de espanto. Subitamente o novo demônio a
agarrou pelo braço. De forma brutal, arrastou seu
corpo pelo chão.
O demônio a levantou com extrema facilidade e
prendeu seus braços em uma corda que Belial
entregou a ele. Pegou a outra ponta da corda e jogou
por cima de um cano robusto, escuro, que
transpassava a sala. Puxou o cabo, erguendo o corpo
da mulher que ficara sem o toque do solo nos pés.
260
Nos tornozelos, prendeu correntes prateadas que
desciam até o chão. Com um pequeno gancho, o
demônio ligou a corrente a um recipiente preto
parecido com uma caixa, que estava chumbada no
solo. Distanciando-se e abrindo espaço para Belial
passar, o demônio disse com sua voz aterrorizante:
– Ela é toda sua! – uma pequena pausa – Por
enquanto! – então gargalhou.
– Obrigado, Leviatã! – Belial passou pelo
demônio e se aproximou da mulher erguida no alto.
Apesar de ser um duque do inferno, Belial era
contido de certa educação e postura.
Com sua unha, o oitavo duque do inferno fez um
grande corte que ia de ponta a ponta na sola do pé
direito da mulher. Ela deu um berro estridente que
ecoou dentre os recintos. O sangue jorrou enchendo
alguns milímetros do jarro instantaneamente. Então
sua unha brilhou e ele fechou a cicatriz derretendo a
carne da moça. Sun berrou novamente e mordeu os
dentes, fechando os olhos. O demônio não fechou o
corte todo, deixando uma pequena fissura aberta,
gotejante de sangue. Depois olhou para Leviatã e se
afastou de costas.
261
O demônio reptiliano se aproximou, afagou as
próprias mãos, lambeu os lábios, esticou o punho e
disse:
– Pode fazer! – Esticou o braço em cima do
recipiente.
Belial também fez uma “pequena” fissura no
antebraço do demônio, deixando cair apenas
algumas gotas de um sangue quase negro,
misturando-se com o sangue da humana. As gotas
pingavam como minúsculos pedaços de ônix,
resplandecendo diante da luminosidade vinda da
mão do oitavo.
Enquanto o sangue gotejava, Belial conjurava
algumas palavras em murmúrios. Tinha as mãos
entrelaçadas na frente do rosto, sendo que os dois
indicadores estavam apontados para cima. Os olhos
estavam fechados e sua concentração o deixava
alheio àquele lugar. O oitavo então parou a
conjuração e girou a mão apontando os indicadores
para baixo, depois para Leviatã, abrindo os olhos em
seguida – agora completamente rubros.
Leviatã encarou Belial e sorriu com o canto da
boca. Repentinamente sentiu um impacto no
estômago, fazendo-o esboçar uma cara de espanto.
Mais um e esse lhe pareceu um chute de dentro para
262
fora. Seus olhos se arregalaram e ele colocou a mão
sobre a barriga.
– Olha, essa doeu! – Leviatã massageou seus
músculos abdominais.
Sua pele começou a esticar na região do
abdômen, fazendo-o gritar de dor.
– Pare! Pare com isso, Belial! – o demônio
berrava. – Isso tá doendo muito!
A pele continuava se alargando, formando-se
uma montanha escamosa e verde na barriga do
duque.
Belial não saía de seu transe e continuava
apontando para Leviatã.
– Pare! Pare! Pare por favor! – um berro do
demônio réptil. Dessa vez saiu esganiçado, quando
as costelas se quebraram. – Pare, Belial! Eu suplico!
Um rasgo apareceu no meio da barriga de
Leviatã e foi se abrindo até chegar às regiões de sua
clavícula e pélvis.
– Por quê? – foi o último sussurro de Leviatã.
Seu corpo, quase dividido em dois, despencou
no chão. Caiu como uma massa podre de carne. Os
órgãos se espalharam pelo recinto e o sangue escuro
formava uma grande mancha no chão, na medida em
que escorria.
263
Súbito, algo se mexeu naquele alvoroço de
restos. Uma criatura humanoide, de aparência
sensível, inclinou-se, abrindo seus olhos brancos,
com lindas íris escuras.
Belial saiu de seu transe e se aproximou do
humanoide. Nesse momento ele vislumbrou a exata
cópia de Sun.
– E aí, Leviatã? Tudo em ordem? – Belial emitiu
um sorriso negro.
– Eu não sabia que essa merda iria doer tanto. –
Leviatã bufou.
– Agora podemos acabar com isso de uma vez
por todas! – Uma breve pausa e Belial repuxou os
cantos da boca semicerrando os olhos. – “Certo,
Sun?” – Os dois demônios gargalharam longamente.
Belial acrescentou, apontando para a mestiça: – Com
esse corte no pé que não se curará, ela durará em
média um dia. Se ela morrer antes de você completar
a missão, sua forma voltará ao normal
instantaneamente. – Belial arqueou uma sobrancelha
para Leviatã, que retribuiu com atenção, penetrando
seu olhar quase sem vida. – Você não pode jamais
deixar que descubram, ou que desconfiem de você.
Caso isso aconteça, a magia também cessará.
264
– Pode deixar comigo, mago! – forma como se
referiam a Belial no inferno.
Leviatã encenou uma reverência muito mal
encenada e gargalhou saindo pela porta, afastando-se
com seu corpo nu.
Nesse momento, os olhos da verdadeira Sun se
embaçaram e de repente tudo ficou preto. Então ela
apagou, caindo com a cabeça para frente.
265
CAPÍTULO 21
***
269
CAPÍTULO 22
271
o gigante general, o anjo percebeu suas veias
pulsando com mais força.
–Tudo bem, Mazarak? – Daniel indagou,
enquanto derrapava e já segurava os braços do
irmão.
O anjo asiático balançou a cabeça para um lado
e para o outro algumas vezes. Deu alguns tapas no
próprio rosto. Revirando os olhos, olhando para o
chão, tentando focar a visão, disse:
–Tá tudo bem! Esse cara é duro na qued... Olhe
ele aí! – Mazarak gritou olhando para trás de Daniel,
já se movimentando para o lado.
Com puro reflexo, o asiático deu um salto para
frente, conseguindo fugir. Mas Daniel foi pego pela
gigante mão do general. Ele o esmagava com os seus
dedos. Era difícil de o celeste respirar. De súbito,
Mazarak serpenteou pela arena. Fingiu que pularia
contra o corpo do gigante, mas em vez disso, mudou
a estratégia e continuou correndo em direção ao
meio de suas pernas. Repentinamente, fora acertado
por um chute ainda mais forte do que o soco
anterior. Seu corpo bateu contra o teto da redoma e
despencou, chocando-se contra o chão, quicando
uma vez.
– Não! – Daniel gritou com sua voz esganiçada.
272
O anjo tentava forçar a mão do gigante, mas sem
explodir sua áurea não conseguiria atingir a força
necessária para isso. O general começou a apertar
ainda mais, até que seus ossos deram alguns estalos.
Daniel gritou de dor. Foi aí que percebeu que
poderia estar correndo sérios riscos. Fitou a plateia à
sua volta gritando. Alguns pediam por clemência,
outros pediam por execução. O suor do anjo
escorria. Seu irmão jazia no chão desacordado,
talvez morto.
Os olhos do gigante homem expeliam raiva.
Fazia agora exatamente o que tinha dito. Esmagaria
aquele ser como um inseto.
A respiração do anjo começou a falhar e sua
cabeça a formigar. A borda de seu campo de visão
começara a se desfocar. Já não ouvia mais os
clamores da plateia. Podia escutar apenas o
batimento de seu coração perdendo força. O rosto de
Ninurta estava vermelho de tanta força que fazia
com a mão, mas nesse momento ele já era apenas
um borrão na visão do celeste. Eu não esperava por
isso – foi o último pensamento de Daniel antes de
ele apagar e ser engolido por um clarão repentino.
***
273
De um momento para o outro, Daniel fora
transportado para um lugar onde a impressão era de
estar nadando no leite. Mas podia respirar
normalmente. Flutuando no ar, imagens repetidas
começaram a passar diante de seus olhos. Momentos
em que passou com Hariel. Ao lado de Mazarak em
sua verdadeira forma. Com Haziel, Barrattiel e os
outros. Esses curtos momentos se repetiam em um
turbilhão de imagens. As cenas estavam tão rápidas
que inundaram por completo sua visão. Súbito, sua
consciência voltou e ele se viu novamente nas mãos
do gigante. Mas dessa vez tinha trazido consigo o
amor da irmandade. Jamais se daria por vencido e
jamais deixaria todos que amava para trás.
***
275
– Como não pode? Já era para você estar se
recuperando.
– Já acabou a melação dos dois? –Ninurta gritou
do meio da arena.
Daniel fechou os olhos em uma longa piscada e
inclinou o pescoço. Nesse momento, viu uma coisa
terrível ao se deparar com uma pequena porta de
grades à sua frente. Não foi possível conter as
lágrimas. Seus olhos começaram a brilhar,
cristalinos. Depois se encheram com a cor do fogo
que pulsava em sua íris. Seu cenho também se
franziu.
***
***
***
280
Ninurta nunca tinha perdido um combate, mas
também nunca tinha se deparado com alguém tão
poderoso. Não queria perder sua onipotência, então
também iniciou a sua trajetória até Daniel. A
diferença de tamanhos era tremenda, mas a
majestade do anjo o agigantava diante de sua
postura.
Todos no estádio assistiam àquele que prometia
ser o maior combate visto por eles. A ansiedade
quase os matava de empolgação. Alguns roíam as
unhas e suas pernas tremiam. Nenhum sequer
gritava ou virava para o lado para conversar. A
atenção era completa.
Os dois guerreiros se aproximavam com todas as
suas voracidades. O rosto inchado e vermelho de
cólera de Ninurta brilhava pelo suor. Daniel corria
concentrado como um touro prestes a derrotar sua
presa. Quando os corpos se chocaram, todo elemento
existente para criar qualquer campo energético,
naquela região, fora abalado. A onda de choque foi
varrida do centro do combate até atingir a
arquibancada. Muitos humanos foram jogados a
alguns metros de distância quando golpeados pelo
ar. Alguns se machucaram, mas nada de grave
aconteceu. No estádio, o corpo de Ninurta estava
281
estancado no aço da redoma. Seu corpo afundou no
metal alguns metros, deformando toda a estrutura. O
gigante tinha a língua de fora e soltava alguns
murmúrios esganiçados. Sangue escorria de seus
olhos, boca, nariz e orelhas. Os ossos dos braços e
pernas estavam quebrados, em algumas partes do
corpo estavam expostos. A agonia do gigante durou
apenas alguns segundos e ele virou os olhos
baixando a cabeça.
Ninurta nunca tinha perdido um combate, mas
morreu em sua primeira queda.
282
CAPÍTULO 23
285
***
287
– É isso aí! Aqui não tem pra ninguém, seus
chifrudos. – Barrattiel socava o próprio peito. Pode
vir todo mundo. – Nos seus duzentos e cinquenta
milhões de anos de vida, Barrattiel já tinha tido
muitos contatos humanos. Muitas vezes tinha
reações semelhantes a eles.
Chamando a atenção para si, o anjo fora cercado
por dezenas de demônios que cresciam sua massa a
cada segundo. Ele olhou para a direita e reparou em
Haziel lutando ferozmente a quase dez metros dele.
Empolgou-se ao ver seu irmão e instrutor ali,
lutando ao seu lado novamente. Então levantou a
mão gritando e acenando:
– Ei, Haziel! – Abanava o braço com
entusiasmo. – Haziel?
Haziel percebeu um movimento diferente com o
canto do olho. Olhou avistando Barrattiel gritando e
pulando muito efusivo, tentando chamar sua
atenção. O que ele tá fazendo? – pensou Haziel.
Perdendo toda a sua concentração acenando para
Haziel, repentinamente dezenas de demônios
pularam em cima de Barrattiel e ele não teve como
escapar. Cada fração de segundo era o suficiente
para a montanha de corpos de infernais ganhar
volume. O celeste era forte, mas com tantos
288
demoníacos fazendo força contrária, ia se afogando
no mar de espíritos malignos.
Haziel reparou que Barrattiel não surgia do
alvoroço. Logo largou sua parte do campo e se
moveu na direção dele. Na trajetória, guardou sua
espada na bainha e penetrou no amontoado de
demônios. Repentinamente, a montanha brilhou
dentre os corpos amontoados e os infernais foram
arremessados a vários metros, enquanto Haziel
explodia sua magnífica áurea dourada.
– Obrigado, irmão! – disse Barrattiel,
levantando-se e ajeitando as asas.
– Guarde as asas. Vai facilitar o combate. –
Haziel se virou para combater os infernais, que já
corriam na sua direção.
– Pode deixar! – o gigante falou e depois as
guardou, preparando-se para o abate.
De súbito, um clarão muito forte estourou nas
nuvens simultaneamente com um forte barulho.
Algo descia na força de um meteoro deixando um
rastro no ar. Rapidamente, aproximou-se do solo. O
campo de batalha parou e todos voltaram a atenção
para o corpo cadente. Um alvoroço começou e o
foco da batalha foi perdido. Os demônios
começaram a correr para todos os lados. Os anjos
289
estreitaram os olhos e colocaram os antebraços na
frente do rosto a fim de tampar o clarão. Nesse
momento, houve um impacto e instantaneamente
uma grande esfera de energia explodiu como uma
bomba nuclear. O raio do impacto varreu
completamente o campo de batalha, acabando
completamente com a legião angélica.
Nada sobrou no lugar. A vegetação, que já não
era muita, foi desintegrada completamente. Podiam-
se ver corpos amontados aos montes. A maioria era
de demônios que dominavam, em número, o lugar
do combate. Anjos estavam completamente
carbonizados, caídos. Nas asas não tinham mais
penas. Alguns celestes ainda tinham duas massas de
carne no formato de asas grudadas nas costas.
Do meio da cratera formada pelo impacto, uma
figura angelical estava ajoelhada com uma mão
fechada, tocando o solo. Este ser se levantou com as
sobrancelhas franzidas. O olhar era de raiva, mas na
boca o sorriso quase se esboçava. Os cabelos eram
louros e caíam sobre os ombros, bem desfiados. A
franja repicada quase lhe cobria os olhos. A pele era
clara e o corpo atlético. De vestes, utilizava apenas
uma calça larga, branca. Os pés estavam descalços.
Das costas, erguiam-se duas asas branquíssimas. Ao
290
olhar era nitidamente um anjo, se não fosse por duas
diferenças. Os olhos da criatura eram completamente
rubros, com um pequeno ponto negro no meio,
figurando a pupila e a energia exalada, em vez de
dourada, era escarlate, tenebrosa.
– Que ridículo, esperava por mais ação! –
sussurrou a criatura para si mesma.
Uma voz surgiu alguns metros nas costas da
criatura.
– Ridículo é vocês matarem até os seus para
conseguirem o que querem.
O ser de cabelos louros se virou e avistou
Yesalel andando na sua direção, mancando. Metade
do corpo do anjo estava carbonizado. Nessa metade
não tinha mais o braço e nem a asa. Andava
utilizando a perna boa, enquanto a outra era
arrastada.
– Yesalel! – A criatura abriu o sorriso. – Vejo
que está machucado. Desculpe por isso. – Coçando a
cabeça, indagou: – Você por um acaso sabe onde
está o humano? – Soltou uma piscadela. – Um velho
favor para um velho amigo! – O ser mostrou os
dentes.
– Independente de qualquer coisa, faremos tudo
que for possível para deixarmos ele longe de vocês.
291
– Yesalel estava com dor, mas fazia o possível para
não demonstrar. – Vou lutar e dar até a minha última
gota de sangue para protegê-lo! – O celeste apontou
para o horizonte. – Volte para o seu submundo,
Astaroth. É lá que você merece viver, junto com
todos os seus irmãos traidores.
– Vejo que não tem muitas gotas de sangue,
então... – uma leve risada – Você acha que é ruim
viver onde vivemos? – Astaroth falou rindo um
pouco mais. – Você não sabe de nada!
– O que eu sei é que sirvo ao Pai e nunca
deixarei de servi-lo! – Yesalel falava com muita
imponência.
– Isso mesmo! – disse Astaroth, fazendo gesto
de desprezo. – Sirva mesmo ao “Pai” – fez sinal de
aspas com as mãos. – Que trocou todos nós por esses
vermes que habitam esse planeta.
Yesalel abriu a boca para falar algo, mas o caído
o interrompeu:
– Bom! Já que você não pode me ajudar em
merda nenhuma, eu vou achar aquele verme sozinho.
– Astaroth se moveu na direção de Yesalel.
– Eu não vou deixá-lo passar! – disse o segundo,
fechando o punho que lhe restava.
– Eu não esperava que você fosse deixar.
292
Quando o demônio se aproximou de Yesalel,
que tentou acertá-lo com um soco, rapidamente ele
se moveu para a esquerda, segurando o braço do
anjo com um reflexo incrível. Com um movimento,
arrancou-o e o jogou longe. Yesalel soltou um berro
e caiu de joelhos. Astaroth soltou uma curta
gargalhada e disse:
– E agora? – O anjo caído olhou para baixo,
arregalando os olhos para o segundo comandante. –
Menos sangue ainda – uma piscadela.
Yesalel ainda não tinha se dado por vencido.
Utilizando um joelho no chão, rodou o corpo,
tentando acertar Astaroth com uma rasteira. O
demônio pulou apenas um metro para trás
tranquilamente. Depois se moveu contra Yesalel.
Segurou o cabelo que lhe restava, com muita
agressividade e aproximou seu rosto do dele, do
modo em que as respirações se confundiam.
– Agora, meu irmão! – Astaroth tremia o braço,
enquanto segurava os cabelos do segundo
comandante. – Eu vou acabar com o seu sofrimento!
Com um movimento brusco, o demônio jogou
Yesalel, que era quase só um toco, no chão e
materializou uma espada cor de chumbo em sua
mão.
293
– Você tem alguma coisa a dizer? – indagou o
caído.
– Vocês nunca conseguirão! – O anjo fechou
ainda mais a cara. – Nunca me chame de irmão!
– Você não acha que isso é um pouco de
hipocrisia? – O demônio girou o dedo mostrando o
campo de batalha para o anjo. – Acho que já
conseguimos! Quanto a te chamar de irmão,
realmente não será mais necessário. – Em seguida,
girou a lâmina de sua espada e desceu de encontro
ao pescoço do anjo. Instantaneamente, sua cabeça
fora decepada, fazendo com que o sangue jorrasse
aos litros.
Yesalel estava morto!
294
CAPÍTULO 24
296
anjo do meu sonho. É engraçado eu sonhar com ele
sem ao menos conhecê-lo.
– Tudo bem! – sussurrou o humano.
Olhando o horizonte, Aron percebeu tudo muito
calmo. O vento não soprava. O sol continuava
ardendo. Nesse momento, ele olhou para o lado e viu
Yesalel sentado atrás de uma mesa de pedra, em
uma garagem. Aron se aproximou e entrou no
recinto. Yesalel olhou para ele e disse:
– Aron! – O anjo se levantou esboçando um
grande sorriso. – Está precisando de algo?
O humano olhou para o segundo por alguns
segundos, mudo. Depois falou:
– Não! – balançou a cabeça. – Na verdade sim!
Eu tive um sonho estranho. – Franziu as
sobrancelhas.
– Sonho? Que maravilha! É bom sonhar.
No olhar, Aron tinha confusão.
– Está tudo bem, Aron? – indagou Yesalel.
– Eu não gostei do sonho! – O humano suspirou
fundo.
– Conte-me então, por favor! Ajudarei no que
for possível. Sente-se! – O anjo fez sinal para que
Aron se sentasse.
297
O humano afastou o móvel quadrúpede e sentou-
se com as mãos cruzadas. Yesalel se sentou na
poltrona atrás da mesa.
– Eu sonhei que você morria – prosseguiu Aron.
O anjo engoliu a seco e disse:
– Tudo bem. Foi só um sonho. Não se preocupe
com isso! – Yesalel olhou com os cantos da boca
quase puxados. Seus olhos brilharam o verde e ele
acrescentou: – Como pode ver, estou bem aqui! –
mostrou o corpo com as mãos.
– Na verdade, todos morriam, não só você! – O
humano olhou para o lado. – Foi horrível!
– Todos estão bem! – Yesalel apontava para o
lado de fora. – Como você pode ver!
– Eu sei! Eu sei! – O humano se levantou
rapidamente e virou-se para o lado de fora fitando o
externo. – Mas é que...
Nesse momento, Yesalel chegou ao seu lado e o
abraçou por cima do ombro.
– Fique tranquilo, Aron! – O segundo
comandante falava com a voz calma. – Não
acontecerá nada com ninguém. Isso eu posso lhe
garantir! – Então soltou o humano.
Aron contraiu os lábios e colocou as mãos na
cintura, dizendo:
298
– Tudo bem! – uma pequena pausa – Foi mesmo
somente um sonho! – Virou a cabeça para o
segundo. – Obrigado pelo seu tempo, Yesalel!
– Por nada, Aron! – disse Yesalel, colocando a
mão no ombro do humano. – Sempre que precisar...
O humano meneou a cabeça e saiu da garagem.
Depois de andar cerca de dois minutos, subitamente
dois anjos rasgaram o ar a algumas dezenas de
metros acima de sua cabeça. Fizeram a volta e
vieram em sua direção. Quando se aproximaram,
Aron percebeu que eram Haziel e Daniel. Quando
chegaram, os celestes reduziram a velocidade e
passaram por Aron sem ao menos percebê-lo.
Aterrissaram e continuaram andando com passos
rápidos. Pararam e perguntaram algo para dois anjos.
Estes apontaram em uma direção. Então Haziel e
Daniel saíram em disparada. Aron tentou alcançá-
los, mas não conseguiu.
Após correr cerca de quarenta segundos sem
parar, o humano percebeu um alvoroço entre os
anjos. Desse alvoroço, Haziel e Daniel alçaram voo,
seguidos por mais dois celestes. Yesalel saiu da
multidão de anjos junto com outro anjo e veio na
direção de Aron, correndo rápido. Enquanto se
299
aproximava, dizia para o outro celeste que o
acompanhava:
– Rápido! – O segundo comandante apontou
para Aron. – Leve-o para Israel.
Levar-me para Israel? – pensou Aron. – Tá tudo
acontecendo! Era tudo real!
– Quando o anjo já amparava Aron, ele o parou
colocando as mãos em seu peitoral, gritando:
– Espere... Yesalel?
O celeste se inclinou deixando Aron em paz e
olhou para Yesalel, que já voltava.
– O que foi, Aron? Está tudo bem?
– Está tudo acontecendo, Yesalel! Tudo!
– Tudo o quê, Aron?
– Como no meu sonho! – O humano bateu nas
coxas com os olhos esbugalhados. – Tudo isso aqui
aconteceu no meu sonho!
Yesalel entortou a boca e deu uma pausa
encarando Aron, depois olhou para o outro celeste,
dizendo:
– Hekamiah, leve-o! Rápido!
Hekamiah?
Nesse momento o anjo alçou voo, levando Aron
junto.
300
– Yesalel? Não... – gritava Aron esticando os
braços. – Você não está entendendo!
– Hekamiah, seu nome é Hekamiah, né? – o
humano perguntava, ofegante.
O celeste olhou para ele com seus olhos
penetrantes de cor violeta. Antes de ele responder,
Aron acrescentou:
– Yesalel não acreditou em mim. Todos vão
morrer!
O anjo franziu suas sobrancelhas escuras.
– Do que você está falando, humano?
– Não tenho tempo para explicar. Precisamos
voltar. Por favor! Dê meia volta.
– Eu não posso desobedecer a uma ordem direta.
– Hekamiah voltou a olhar para frente, concentrado
no voo.
– Ai, meu Deus! – Aron arranhou o rosto com as
cabeças dos dedos, puxando toda a pele para baixo.
– Se você não voltar, todos vão morrer! Aron
berrava. – Você está me entendendo direito? – o
humano perguntava com o rosto vermelho, além das
marcas dos dedos.
– Estou te entendendo perfeitamente. Mas acho
que Yesalel sabe o que faz! – O celeste apontou com
a cabeça. – Olhe, já estamos chegando!
301
Aron olhou para onde o anjo apontava e reparou
em uma casa grande nos limites da cidade. A única
em pé naquela região. Era muito ampla, com cerca
de três andares. As paredes eram pintadas de
amarelo mostarda. No quintal de grama verde, tinha
uma piscina com água cristalina. – Algo diferente
para aquela atual condição mundial.
Na trajetória, Aron não viu nenhum humano
possuído. Provavelmente, todos naquela cidade
foram extintos com a investida de Haziel – pensou
ele.
Eles se aproximaram da residência e Hekamiah
pousou, já colocando Aron de imediato no chão. O
anjo deu uma volta na piscina e pediu para que o
humano o seguisse. Pararam na frente de uma porta
de madeira com janelas de vidro separadas por
grades também de madeira. Adentraram-se na casa e
se depararam com uma linda sala decorada. Tinha
luz amarelada. O ambiente era aconchegante. O piso
era de tacos caramelados. Um tapete bege e macio
ficava no centro, contornado por dois grandes sofás
brancos. Pendendo do centro do teto, um robusto
lustre de cristal cintilava.
Hekamiah colocou a mão na frente de Aron e
pediu que ele esperasse. Os dois ficaram no centro
302
da sala, em pé. Aron tentou perguntar algo, mas
Hekamiah o calou colocando o indicador sobre os
lábios. Súbito, passos calmos vindos de outro
cômodo. Um anjo, com postura majestosa,
atravessou a porta, dizendo:
– Olá, Hekamiah! Eu esperava por vocês.
Hekamiah meneou a cabeça e se ajoelhou. Aron
preferiu copiá-lo. O anjo em pé esboçou um sorriso.
– Não precisa disso, meus caros! – O anjo
vistoso meneou a cabeça e com a mão pediu que se
levantassem.
Aron reparou bem no anjo, achando-o um pouco
diferente dos outros. Tinha os cabelos azulados e
olhos grandes, amarelos. Tinha um corpo com quase
dois metros de altura, mas magro. A pele era branca,
quase pálida. As feições do rosto muito delicadas lhe
davam uma aparência um tanto frágil. Na testa,
levava um tipo de coroa dourada, cuja ponta descia
entre os dois olhos. No centro da peça, brilhava uma
pedra no mesmo tom dos olhos do celeste. No corpo,
tinha um lindo vestido branco caindo até os pés
descalços. Mesmo dentro de casa, suas lustrosas asas
branquíssimas estavam expostas.
Ansioso como sempre, Aron não aguardou e
logo deu um passo à frente, dizendo:
303
– Olá! – O humano olhou para os lados
gaguejando um pouco. – Eu tenho uma coisa
importante para falar!
Hekamiah deu um passo à frente, interrompendo
Aron.
– Desculpe pela petulância, meu senhor! Ele não
tem nada de importante para dizer.
– Por favor, Hekamiah! Pode me tratar pelo meu
próprio nome, que é – o anjo imponente olhou
sorridente para Aron e disse – Israel! Por favor,
chame-me de Israel.
O humano meneou a cabeça e Israel
acrescentou, voltando seu olhar para Hekamiah.
– Deixe-o falar, Hekamiah. Tudo o que sai de
nossa boca, independente se são palavras confusas
ou não, sempre tem importância de alguma maneira.
Hekamiah meneou a cabeça e deu um passo para
trás. Israel pediu para que Aron prosseguisse.
– Obrigado! – o humano assentiu. – Eu tive um
sonho! – disse, fitando diretamente os olhos de
Israel.
– Prossiga, por favor!
– Eu tive um sonho em que todos morriam!
– Certo! Porque você acha importante me dizer
isso? – indagou Israel.
304
– Tem uma horda demoníaca chegando! –
prosseguiu Aron.
– Eu sei da horda! – disse Israel sorridente. – Os
anjos guerreiros darão conta. Pode se tranquilizar
quanto a isso, Aron.
O humano arqueou as sobrancelhas. Israel olhou
para Hekamiah.
– Pode ir, Hekamiah. Deixe-o aqui comigo e vá
ajudar os outros.
Hekamiah meneou a cabeça e já ia saindo
quando Aron gritou:
– Não! – O humano bateu nas próprias coxas,
um tanto nervoso. – Ninguém acredita em mim!
Ninguém entende!
Os dois celestes o olharam com os olhos
arregalados.
– Vocês não entendem! – Aron olhou bravo para
Israel e depois para Hekamiah. – Esse ataque deles é
só uma distração!
– Porque você acha isso? – indagou Israel.
– Porque desde que acordei, tudo está
acontecendo como no meu sonho! – Aron conduzia
suas palavras rapidamente. - Eu sonhei com o ataque
demoníaco antes de saber dele. Após isso, tudo se
desenrolou como era para ser. Quando Yesalel pediu
305
para que Hekamiah me trouxesse aqui, eu tive a
certeza, porque foi exatamente assim que aconteceu
no meu sonho.
Os anjos olharam desconfiados e em seguida
Israel indagou:
– E como foi isso? – O celeste já começava a
mudar sua feição para preocupada, assim como
Hekamiah.
– Os anjos estavam combatendo os infernais e
levavam vantagem. Mas inesperadamente um anjo
desceu do céu como um meteoro e quando se chocou
com o solo, matou todos.
– Como era esse anjo? – indagou Israel,
franzindo as sobrancelhas, espantado.
– Ele era louro e forte. Parecia muito mal
também! – Aron puxou os cantos da boca para baixo
arregalando os olhos. – Seu nome era... – dava
estalos com os dedos como se quisesse lembrar-se
de algo. – Lembrei! Astaroth, esse era seu nome.
– Astaroth! Alguém já lhe falou esse nome
alguma vez? – Israel tinha os olhos arregalados.
– Não! – disse o humano, balançando a cabeça.
– Bom, Aron, ele não é um anjo! – Israel deu
uma pequena pausa. – Ele é um demônio; um
príncipe do inferno. Extraordinariamente forte! – O
306
anjo suspirou. – Sua informação foi muito valiosa.
Obrigado por isso!
Israel ficou mudo durante alguns segundos
fitando o chão, depois olhou para Hekamiah e disse,
apontando o chão:
– Fique aqui com Aron! – Israel tinha os olhos
arregalados. – Tenho que resolver umas coisas.
O celeste cerrou os olhos e inclinou a cabeça
para cima. Na altura da cintura, as palmas das mãos
foram apontadas também para cima.
Repentinamente uma energia dourada, maravilhosa,
envolveu-o por completo. Parecia sair do chão e
continuava para o teto, como uma cachoeira
luminosa que em vez de cair, subia. Súbito, Israel
desapareceu e a luz se dissipou.
Aron olhou com olhos esbugalhados para
Hekamiah e indagou:
– Ele vai nos ajudar?
Hekamiak abriu um grande sorriso. Balançando
a cabeça em positivo, disse:
– Pode ter certeza disso!
307
CAPÍTULO 25
***
311
Daniel o segurou pela mão e puxou seu corpo.
Os dois se levantaram e Mazarak fez uma careta,
colocando a mão nas costas.
– O que você teve que fazer exatamente? –
indagou Daniel.
– Eu simplesmente transferi a essência do meu
espírito para esse corpo humano. – Mazarak passou
as mãos sobre o corpo. – Ele me concedeu a
permissão. Serei eternamente grato a ele. Se não
fosse por ele – o anjo bateu no próprio peito – Eu
não estaria aqui, estaria com os caídos!
– Tem alguma forma de revertermos isso?
– Sim, uma forma!
– Qual? – indagou Daniel.
– Precisamos da ajuda de algum dos arcanjos!
312
CAPÍTULO 26
314
– Se me permite, Princesa! – Israel gesticulou,
com a mão, na frente da mulher anjo.
Ela assentiu com a cabeça, sorridente. Aron
tinha os olhos esbugalhados. Hekamiah mantinha
sua postura guerreira. Dando um passo à frente,
Israel falou:
– Aron, essa é Auriel, a princesa dos tronos.
– Princesa? – o humano falou tossindo. –
Também existe princesa no céu?
– É claro, Aron! – Israel disse, um tanto
engraçado. – Como em todo lugar, existe uma
hierarquia a ser seguida.
O humano revirou os olhos e soltou:
– Claro! Como aqui na terra, certo? Desculpe! É
tudo muito novo para mim. – O humano se pôs a rir
de si próprio.
– Eu entendo! – Movendo de um lado para o
outro o dedo indicador, Israel prosseguiu: – Mas a
hierarquia no Céu, em muitos casos, é
completamente diferente da adotada pelos humanos.
– Como isso? – indagou Aron, confuso.
– Por favor, Israel. Deixe-me explicar! – A
princesa dos tronos deu um passo à frente. – Aron,
meu garoto! – A mulher sorriu. – a Hierarquia não
foi criada para ser seguida da forma que é. A
315
autoridade é utilizada de forma errônea pela
humanidade, “vamos dizer assim”. Quando a ponta
da hierarquia de algum reino, governo ou de outras
situações age da forma não adequada, muitas vezes
isso leva os humanos a travarem guerras ferozes. –
A princesa rodeou o dedo, mostrando o mundo. – A
forma adequada de utilizá-la é apenas pela
simplicidade de sua organização. Se assim fosse,
todos viveriam em harmonia. – A mulher abaixou
um pouco a cabeça, sorrindo. – Entendeu?
– Acho que sim. – Aron coçou a cabeça,
franzindo as sobrancelhas.
– Explicar-te-ei melhor mais tarde! – A princesa
dos tronos se aproximou do humano ao ponto em
que ele quase se inclinou para trás. – Assim que
vencermos essa batalha!
Auriel se aproximou de Israel meneando a
cabeça. Imediatamente ele se dirigiu ao anjo
guerreiro na sala.
– Hekamiah!
– Sim, Israel! – O anjo deu um passo à frente.
– Por favor, escolte a princesa até o campo de
batalha e a proteja com o seu espírito. Quando os
nossos outros irmãos estiverem chegando, você
saberá.
316
– Pode contar comigo! – O guerreiro fitou a
princesa e esperou que ela se aproximasse.
– Vamos, Hekamiah? – Auriel indagou, com seu
jeito delicado, abaixando levemente a cabeça.
O celeste indicou, respeitoso, para que ela fosse
à frente. Ela assentiu. Tocando o solo levemente
com seus pés descalços, Auriel saiu da sala pela
porta principal. À beira da piscina, ela balançou suas
belíssimas asas e seu corpo se ergueu no ar com a
mesma destreza de como se estivesse na água.
Hekamiah seguiu a moça e pairou ao seu lado
indicando a direção. Repentinamente, os dois
celestes desapareceram na imensidão acinzentada.
– E agora? – indagou Aron, olhando para Israel.
O anjo fitava, sorridente, o local onde os anjos
sumiram no céu e respondeu:
– Agora nós esperamos!
317
CAPÍTULO 27
322
CAPÍTULO 28
323
o maior holocausto já passado pelos humanos, o
dilúvio.
Daniel e Mazarak conversavam sobre algum
determinado assunto, até que foram surpreendidos.
– Olhem vocês aí! – O homem estava
extremamente sorridente. – Os meus guerreiros
favoritos!
Os anjos menearam as cabeças, também
sorridentes.
– Olá, meu rei! – respondeu Daniel.
Mazarak se conduziu igualmente.
Com sua majestade excessiva para um homem
na casa dos quarenta anos, o rei trajava um lindo
roupão vermelho, que deixava seu peitoral com
músculos levemente delineados, à mostra. Mas o que
dava mais beleza àquelas vestes eram seus detalhes
de ouro em abundância. Exatamente o mesmo ouro
que ia nas argolas em volta de seus bíceps desnudos.
Outras menores rodeavam os pulsos. Um exagerado
colar de ouro pegava quase toda a região do
pescoço. Apesar da barba cheia, negra, os traços do
rosto chegavam a ser delicados. O brilho reluzente
de sua coroa e brincos dourados, quando refletiam a
luz solar, chegavam a incomodar.
324
Ao lado e um passo atrás do rei, um homem com
o dobro de músculos de Daniel e um tanto mais alto
estava em prontidão. Mebaragesi arqueou uma
sobrancelha, inclinou o corpo um pouco para frente,
apontou o polegar para trás e disse:
– Vocês sabem que eu descobri porque
Uragamesh não sorri? – Ele colocou uma mão ao
lado da boca e encenou um sussurro. – Ele riu tanto
quando era criança que ficou bobo e não sabe mais
quando rir. Esses dias ele estava chorando porque
cinco mulheres o queriam ao mesmo tempo. –
Imediatamente o rei começou a gargalhar da própria
piada.
Os anjos também iniciaram risadas forçadas. O
grandalhão resmungou, mas não falou nada. O rei se
virou e olhou para ele franzindo as sobrancelhas. No
rosto, tinha um sorriso profundo, como de alguém
que acabara de se afundar em lágrimas criadas por
risos extremos.
– Calma Uraga! É apenas uma brincadeira. – O
rei soltou mais algumas curtas risadas e virou-se
novamente para os celestes. – Foi muito bom
encontrá-los! – O homem meneou um pouco a
cabeça e em seguida, já se virando para ir embora,
325
parou no meio do giro e indagou: – Vocês vão hoje
ao jantar cerimonial?
Os celestes confirmaram presença e ele se virou
totalmente. Acenando com a mão, falou um pouco
mais alto:
– Espero vocês lá!
– Eu gosto dele! – Mazarak disse a Daniel,
apontando com a cabeça para o rei que se afastava.
Daniel apenas encarou o irmão, ignorando seu
comentário. Após uma breve pausa, disse:
– O sol está se pondo. – O anjo fitou o astro. –
Vamos nos arrumar.
Mazarak meneou a cabeça e eles se viraram,
adentrando-se na grande estrutura em que
Mebaragesi entrou. Percorreram um alto e largo
corredor até chegarem a uma escada. Puseram-se a
subi-la e ao final, depararam-se com outro corredor,
que no fim tinha uma grande porta arqueada. Os dois
se aproximaram e Daniel empurrou uma das metades
da porta, abrindo-a. Ao entrarem no aposento, os
dois seguiram até seus dormitórios, que se dividiam
por um grande tecido de aparência pesada, vermelho
e com detalhes dourados.
– Pode ir se lavar primeiro, irmão! – disse
Daniel.
326
Mazarak meneou a cabeça e entrou no banheiro.
Uma grande banheira esculpida na pedra clara já
estava cheia com água cristalina. O celeste se despiu
rapidamente soltando apenas um lacre do tecido de
sua veste e logo ingressou na água.
Daniel separava as roupas que usariam naquela
noite. Tratava dos tecidos com gentileza esticando-
os sutilmente sobre a cama. Os dois roupões eram
longos. Um tinha a cor verde vibrante e o outro era
branco. Cada um deles tinha um tecido que ia até a
cintura, combinando perfeitamente com a veste. Ao
lado do verde corria um menor tecido vermelho. Ao
lado do branco tinha um amarelo, com alguns traços
verticais mais claros.
O anjo asiático saiu do banho enrolado em uma
espécie de toalha e falou para Daniel seguir em
frente. O anjo assentiu com a cabeça e seguiu para o
banheiro. No meio do caminho, tirou as roupas e as
deixou jogadas na frente da porta, entrando
completamente nu no aposento. Mazarak olhou com
reprovação e se aproximou recolhendo a pequena
trouxa de roupas do chão. Em seguida, empilhou-as
em um canto. Fitou as vestes limpas, perfeitamente
separadas em cima da cama do irmão e balançou a
cabeça em negativas. De nenhuma maneira
327
conseguia entender a personalidade oscilante de
Daniel.
* * *
329
– Podem ir, meninas – apontou o rei com a
cabeça, sem deixar cair os cantos da boca.
As mulheres assentiram e se deslocaram para
fora do grupo. Menos a mulher de quarenta anos,
que quando dava seu calmo passo à parte externa
daquele pequeno círculo de pessoas, foi pega por um
braço.
– Espere! – disse Mazarak, sorrindo com os
olhos.
Todos olharam surpresos, principalmente
Daniel.
– Eu vou aceitar a minha companhia! – O anjo
meneou a cabeça ao rei.
Daniel não acreditou e chegou a questionar
dentro da própria cabeça a personalidade que o
irmão tinha adquirido naquele cento e cinquenta mil
anos dentre os humanos.
330
CAPÍTULO 29
337
Súbito, o celeste reparou em uma grande
mancha escura a algumas centenas de metros, mas
que se aproximava rapidamente. Quando a mancha
já serpenteava pelas proximidades, Barrattiel
identificou o que seria uma enorme criatura, muito
maior do que qualquer uma que já tinha visto. Uma
tensão sombria tomou conta do ambiente dentre as
menores criaturas. Então começaram a nadar em
direção oposta, a toda velocidade.
Barrattiel não gostou da interrupção da
apresentação teatral dos animais e sentiu o mais
próximo que poderia sentir da raiva daquela gigante
criatura que espantara os seres menores. O anjo
investiu nas asas e foi observar mais de perto.
Plainou alguns segundos poucos metros acima da
água. Nadando em círculos, abaixo dele, a mancha
escura deslizava como uma cobra sob a água do mar.
De repente, uma enorme boca vasou a água indo de
encontro ao anjo. Ele não se esquivou e deixou que o
monstro fechasse a boca sobre ele.
Enquanto o corpo da besta subia, após seu
grande impulso da água, Barrattiel segurava sua
boca aberta, posicionando os membros entre seus
dentes. Seu corpo não deixava que ela fechasse a
boca, funcionando como uma alavanca. Quando o
338
corpo escamoso do monstro começou a despencar,
indo novamente de encontro ao mar, Barrattiel bateu
suas asas e foi impulsionado para trás,
desprendendo-se da pegada das grandes mandíbulas.
Então mergulhou em direção à criatura. Antes de ela
tocar a água, o anjo agarrou seu rabo e a trouxe
novamente para cima. Começou a girar o gigante
corpo do monstro inúmeras vezes. Após alguns
instantes, arremessou o corpo monstruoso ao longe,
enterrando-o completamente no mar. O impacto fez
com que a água subisse na forma de um cogumelo.
A criatura se pôs a fugir. O anjo observou com
satisfação.
A comemoração interna de Barrattiel fora
interrompida quando ele avistou, muito longe, uma
massa negra subindo na direção das nuvens.
Explodiu o vento e saiu naquela direção como um
míssil. Utilizando toda a potência de suas asas,
aproximou-se da terra firme daquela região em cerca
de cinco minutos. Reparou em muitos fragmentos
escaldantes que caíam do céu como pequenos
cometas após sucessivas explosões do agigantado
vulcão. Naquele momento, os animais corriam
desesperados, todos na mesma direção. Os mais
lentos eram abatidos pelo fogo.
339
Repentinamente, na região que contornava o
vulcão, em determinados locais, a terra começou a
brilhar. A fumaça surgiu desses pontos. Então
estouros também se iniciaram cuspindo lava. De
uma hora para outra, o grande vulcão se tornou um
gigante corpo escaldante que vomitava lava por
todos os seus orifícios. As grandes criaturas que
tinham conseguido escapar da primeira investida
natural, tornaram-se pequenas na escala daquela
magnitude, e naquele momento, todas pereceram.
342
Sem precisar de oxigênio ou de alimentos
orgânicos, Barrattiel assistiu à acometida natural
terrestre durante dias, plainando no espaço sideral. A
visão do planeta já não era mais cristalina em função
da névoa escura que o cobria. Completamente
perdido em seus próprios devaneios, o anjo não
sabia como proceder. Súbito, a apenas uma centena
de metros, uma luz dourada apareceu e clarificou-se
diante de seus olhos. Um anjo se materializou e
voou em sua direção. Na aproximação, Barrattiel
reparou em suas asas branquíssimas. Os cabelos
dourados do celeste balançavam na medida em que
seu próprio cosmo dançava por seu corpo. Os olhos
azuis brilhavam em uma luz própria.
– Olá, Barrattiel! – disse o celeste de cabelos
dourados, sorridente.
– Quem é você? – indagou o gigante.
O anjo de cabelos louros cerrou os olhos, abriu-
os e disse calmamente:
– Meu nome é Haziel – uma breve pausa –.
Você já teve sua tarefa cumprida. Essa era, neste
planeta, acabou. Nós dois juntos ajudaremos na
construção de uma NOVA ERA.
343
CAPÍTULO 30
347
O anjo ruivo seguiu para o outro lado da redoma
e ficou ali, observando o grande combate que se
sucederia.
348
CAPÍTULO 31
* * *
349
– Você é uma bela mulher! – disse Mazarak,
completamente hipnotizado, contemplando os olhos
levemente puxados da mulher.
Ela sorriu, olhou para baixo com as bochechas
avermelhadas e agradeceu.
– É sério! – disse o anjo asiático esboçando um
grandioso sorriso. – Como é o seu nome?
Os olhos da mulher brilharam quando ela disse:
– Aniel!
A testa de Mazarak se franziu e ele exclamou:
– Esse não é um nome comum para essa região!
– Sim, eu sei! – respondeu ela. – Quando eu era
mais nova, minha mãe me disse que a história por
trás desse nome é grande.
O anjo arqueou as sobrancelhas e soltou:
– A história que eu sei sobre esse nome também
é muito grande.
– O que você sabe sobre esse nome? – indagou a
mulher, colocando-se em sua frente, sorrindo.
– Não é nada! – Mazarak fechou os olhos,
abaixando a cabeça, rindo.
– Conte-me! – A mulher entrelaçou as mãos na
frente do rosto e seus olhos brilharam diante da luz
do luar. – Por favor!
350
– Não é uma história verdadeira! – disse o anjo,
enquanto mexia em uma folha do jardim que
contornava o corredor.
– Mesmo assim, eu quero saber!
– Tudo bem! – Essa é a história do anjo Aniel.
– Anjo? – indagou a linda mulher, um tanto
impressionada.
– Sim! – O celeste riu. – Anjo! Eu disse que não
era verdadeira. – Uma breve pausa. –Tá vendo?! É
uma história besta! Deixa pra lá.
– Não, agora eu estou curiosa! Conte-me. Por
favor, por favor! – A mulher segurou o braço
desnudo do anjo e nesse momento arregalou os
olhos. Rapidamente olhou para baixo e depois fixou
o olhar em seu olho novamente. – Antes me diga seu
nome!
O anjo sorriu.
– Mazarak!
– Mazarak? Que nome forte! – afirmou ela.
– Obrigado! – Ele meneou a cabeça.
– Agora me conta a história! – Ela tinha o braço
preso ao do anjo.
–Tá bom. Eu contarei!
O celeste deu uma longa respiração e começou a
andar novamente. A mulher andava ao seu lado.
351
– Há muito tempo, um valente guerreiro
angélico, chamado Aniel, foi o responsável pela
descoberta da traição no Céu.
– Traição no Céu? – indagou a mulher.
– Sim, é apenas uma história! – O anjo deu um
risinho.
Ela abriu um sorriso cativante. O celeste
prosseguiu:
– Como eu dizia, a traição foi descoberta por ele.
Os revolucionários conseguiram um grande grupo de
anjos, manifestando uma guerra feroz que se
sucederia no Céu. Isso só pôde ser impedido pelo
fato de Aniel ter descoberto a tempo.
– Olha, olha! – Ela aplaudiu. – Viu? Uma grande
história!
– É igual a da sua mãe? – indagou Mazarak.
Ela baixou a cabeça e cerrou os olhos.
– Não sei!
– Como você não sabe?
– Não deu tempo de ela me contar!
O celeste engoliu a seco.
– Eu lamento por escutar isso!
– Não tem problema! – A mulher levantou a
cabeça, sorrindo. – Já faz muito tempo! – Aniel
parou e se colocou na frente do anjo novamente em
352
um impulso. – Chega de histórias tristes! Quer dar
uma volta na beira do rio?
– É claro! – O celeste meneou a cabeça.
* * *
355
CAPÍTULO 32
359
O celeste estava visivelmente irritado. Respirou
fundo, também desprendeu sua arma utilizando o
dedão, quando um clique se sucedeu. Ele puxou a
espada e a posicionou para o combate.
O anjo e o demônio voaram um de encontro ao
outro. Bariel tinha sua lâmina apontada para frente,
lampejando seu dourado, indo até o infernal.
Astaroth levantou sua lâmina acima da cabeça, na
esperança de acertá-la na parte superior do corpo do
primeiro comandante.
Os dois lutadores rasgavam o ar com suas asas.
Um dos dois cairia diante de alguma das investidas.
Bariel respirava fundo e tinha seu olhar concentrado.
Astaroth tinha ódio no rosto e suas veias saltavam
por todo o corpo. O impacto dos corpos se sucederia
naquele momento. Súbito, ambos trombaram com
muita violência contra um campo magnético
invisível, sendo jogados para trás fortemente.
Um tanto desnorteados, os combatentes levaram
alguns segundos para ordenarem o raciocínio. Os
dois tinham as mãos em suas cabeças e as
massageavam onde tinham se chocado. Astaroth
voltou a si mais rápido e novamente partiu para cima
do anjo. Seu corpo bateu novamente contra uma
camada transparente. Bariel, nesse momento,
360
deslizava um pouco para trás na intenção de ganhar
distância e tempo, enquanto se recompunha.
Astaroth bateu suas asas e seguiu na direção
vertical a fim de passar por cima do véu. Não foi
isso o que aconteceu. Rapidamente o duque bateu a
cabeça e em seguida o corpo contra a camada
superior da parede translúcida. Massageou a cabeça
e desceu para passar por baixo. Dessa vez desceu
com os pés apontados para baixo. Como previa,
encontrou também a parte inferior da cela.
O primeiro comandante se recompôs
completamente e reparou enquanto Astaroth flutuava
e tocava as paredes do que parecia ser uma espécie
de cadeia transparente. Percebendo a prisão do
demônio, Bariel também deslizou pelos arredores e
percebeu que não estava preso. Nessa hora sorriu e
guardou sua espada.
Olhando para cima, fitou uma luz que descia
rapidamente do meio das nuvens. Logo a bola
inteligente de energia se aproximou e parou em sua
frente, dissipando sua luz deixando-a desvanecer aos
poucos.
– No momento em que percebi, soube na mesma
hora que tinha a mão de vocês nisso! – disse Bariel,
esbanjando seu sorriso.
361
À sua frente, dispunham-se mais onze anjos
característicos aos doze de dentro da redoma. Com
esses, totalizavam vinte e três dos vinte e quatro
tronos, em todo o campo de batalha.
Caliel plainava ao lado dos onze e tinha um
sorriso de satisfação estampado no rosto.
362
CAPÍTULO 33
365
O grandalhão meneou a cabeça, indicando que
estava pronto para seguir em frente. Mebaragesi,
com toda a sua educação, pediu licença ao seu
círculo conversativo e os três se retiraram.
Logo o trio entrava no quarto e se dirigia ao
local onde ficava a cama do anjo desacordado.
Prostrados, à beira da cama, o rei se inclinou e
passou sua mão na frente do nariz de Mazarak.
Virou o corpo e inclinando-se mais, colocou o
ouvido em seu coração. Depois puxou suas
pálpebras e analisou suas pupilas.
Em pé, o rei tinha o dedo indicador na boca e
fitava Mazarak desacordado. Depois de alguns
segundos, manifestou-se:
– Uragamesh?
– Sim, meu senhor – respondeu o corpulento
homem.
– Por favor, busque Chiuaia.
– Sim, senhor! – O homem se retirou do
dormitório.
– Quem é Schiuia? – perguntou Daniel.
– O correto é Chiuaia. – O rei colocou as mãos
para trás e sorriu. – Você verá!
* * *
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Depois de cinco minutos, a porta se abriu e
Uragamesh entrou. Quando o grande homem se
aproximou, Daniel reparou em uma pequenina
mulher andando atrás dele. Não tinha mais do que
um metro de altura. O tom de seu simples vestido
era rosado. Suas bochechas eram sobressalentes. A
pele escurecida brilhava aos lampejos do fogo que
pulsava nas lamparinas. O corpo cheio a fazia andar
com passos um tanto vacilantes.
Aproximando-se, ela fitou os olhos de Daniel
com os seus semicerrados. O anjo teve uma sensação
estranha nesse momento, não ruim, porém um pouco
desconfortável. Desviando o olhar, a mulher se
dirigiu ao anjo desacordado e não deu atenção nem
ao menos ao rei.
Enmebaragesi acompanhava a pequena com seus
olhos, mantendo suas mãos entrelaçadas atrás do
corpo. Com um pouco de dificuldade, Chiuaia subiu
na cama colocando um joelho de cada vez em cima
da cama. Por fim, engatinhou até perto do tronco de
Mazarak e sentou-se ao seu lado, com os joelhos
flexionados. Colocou suas mãos na coxa, respirou
fundo e fechou os olhos virando a cabeça para cima.
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Nenhum dos três na sala esboçava qualquer
reação. A atenção sobre os movimentos da pequena
mulher era grande. O único barulho no recinto era da
calma respiração do anjo desacordado e da profunda
respiração de Chiuaia. De repente, ela começou a
sussurrar algumas palavras incompreensíveis muito
rapidamente. Após alguns segundos, Daniel
percebeu que ela repetia as mesmas quatro palavras,
sem interrupção.
Passados alguns minutos de murmúrio, súbito,
um vento soprou dentro do recinto e o fogo se
apagou extinguindo a iluminação do lugar.
– Por favor, acenda o fogo, Uragamesh – pediu o
rei.
– Sim, meu rei.
– Não é preciso! – disse Chiuaia.
Nesse mesmo momento, a luz voltou com o
retorno repentino do fogo, que se acendeu sozinho.
Os dois homens e o anjo, acordados, entreolharam-
se. Enmebaragesi mostrava nos olhos que já
esperava tal reação espontânea. Os cantos de sua
boca também se repuxavam levemente.
– Nós não podemos fazer nada! – a mulher
disse.
Daniel deu um passo à frente e indagou:
368
– O que ele tem?
Chiuaia fez uma pequena pausa de alguns
segundos, depois disse remexendo os olhos:
– Um demônio!
Daniel olhou desconfiado.
– Um demônio? – indagou o anjo.
– Sim, foi um demônio que fez isso a ele!
O rei e seu guarda-costas participavam do
diálogo só com seus ouvidos, atentos.
– Você não sabe o que está dizendo! – afirmou o
anjo.
A mulher o olhou por poucos segundos, com os
olhos estreitados, sem falar nada.
– Eu sei exatamente o que estou dizendo! – disse
ela com a voz suave, porém imponente.
– Desculpe-me pelo questionamento, mas onde o
senhor a encontrou, meu rei? – indagou Daniel com
reprovação à mulher.
Mebaragesi não soube o que responder.
Gaguejou coisas sem sentido, até que Chiuaia o
interrompeu, dirigindo-se a Daniel:
– Meu rapaz, você não sabe o que diz! – uma
breve pausa – Eu sei que você está ansioso pelo fato
de seu irmão estar assim. Mas a partir de agora, você
369
terá que abrir o jogo para que tenhamos pelo menos
uma chance de trazê-lo de volta.
Os dois homens voltaram suas atenções para
Daniel, um tanto desconfiados. Nessa hora, o anjo se
embaraçou e acabou mostrando que escondia algo.
– Do que ela fala, guerreiro? – indagou o rei.
– Nada! – Daniel franziu as sobrancelhas. – Não
sei do que ela está falando!
– Não tem problema, pode dizer a eles – disse
ela, levantando os ombros.
– Não! – gritou o celeste. – Eu não sei do que
você está falando.
O rei o olhava com os olhos esbugalhados.
Uragamesh se mantinha em postura, sério. Chiuaia
sentou-se à beira da cama e deu um pulo, chegando
ao chão. Andou até o celeste calmamente e se
aproximando, parou em sua frente. Olhou para cima,
inclinando bastante a cabeça para encontrar seus
olhos.
– Pode dizer-lhes! – Os olhos inocentes dela
brilharam ao lampejo do fogo nesse momento. – Eu
falo sério! Não tem problema.
O anjo mordia as mandíbulas, olhando para ela.
Fitou o rei, que não tirava os olhos dele e depois
olhou para a mulher novamente. Ela assentiu com a
370
cabeça. Sentindo-se encurralado, Daniel abaixou sua
cabeça, fechando os olhos. Depois de alguns
segundos de suspense, ele levantou a cabeça e abriu
os olhos. O olhar era sério e a sobrancelha estava
baixa. Então disse, olhando para Mazarak e depois
para o rei:
– Nós somos guerreiros de Deus!
O rei e seu guarda-costas o continuaram
olhando, inexpressivos. Então Daniel acrescentou:
– Somos anjos do Senhor!
371
CAPÍTULO 34
372
– Se o restante de nossos irmãos pararem de
emanar a energia, o retorno da batalha será imediato.
E isso não é bom! – uma breve pausa do trono –
Podemos perder alguns dos nossos também.
Bariel cerrou os olhos e negativou com a cabeça.
Depois os abriu e indagou:
– O que faremos então?
– Onde está Yesalel? – indagou Nelchael.
– Está lá! – Bariel apontou a redoma
transparente com a cabeça.
– Certo! – Quando o trono ia acrescentar outras
palavras a sua frase, repentinamente uma explosão
com um barulho, um tanto eletrônico, aconteceu.
Todos os celestes, naquele círculo, voltaram sua
atenção para o local de onde veio o som. Astaroth
tinha estourado a parede translúcida criada pelos
tronos e desaparecia no horizonte, voando, com toda
a sua velocidade.
– Não creio nisso! – disse Bariel, balançando a
cabeça.
Todos ficaram mudos por um momento.
– Sei que não contávamos com isso, meus
irmãos! – disse Bariel. – Mas agora já aconteceu!
Vamos nos preocupar com o que nos resta. – O
373
comandante virou-se para a redoma de energia e
cerrou os punhos.
– Como o faremos? – indagou Nelchael.
– Eu tenho uma ideia que talvez possa nos
ajudar!
O trono arqueou as sobrancelhas, em
expectativa.
– Qual de vocês tem habilidade o suficiente para
conseguir conversar com alguém de dentro da
redoma? – perguntou Bariel.
Com o olhar um tanto decepcionado, Nelchael
respondeu:
– Nenhum de nós aqui presente!
Bariel contraiu os lábios, pensou um momento.
– Eu irei buscar o vigésimo quarto.
O trono meneou a cabeça. Bariel respondeu com
o mesmo movimento.
– Vamos comigo? – Bariel perguntou a Caliel.
Caliel cerrou os punhos e respondeu que sim. Os
dois explodiram o vento e partiram na busca do
vigésimo quarto trono.
* * *
374
Aron olhava pela janela, sentindo-se
completamente seguro. Desfrutava da paz exalada
por aquele anjo diferente de todos que ele já tinha
visto. Depois veio a princesa ainda mais abundante.
De repente, dois pontos apareceram no céu e se
aproximaram rapidamente. O humano correu e foi
chamar Israel no outro cômodo. Quando Aron
retornou à sala, com o anjo, os dois pontos já tinham
chegado e entravam pela porta.
Primeiramente, entrou um anjo majestoso, com
cabelos prateados. Atrás dele, adentrava-se no
recinto, com a cabeça baixa, Caliel. Aron arregalou
os olhos, sorriu com a boca aberta e correu até o
ruivo. Na trajetória, passou ao lado do anjo de
cabelos prateados que andava de encontro a Israel. O
humano se surpreendeu com sua altura, não
conseguindo tirar os olhos dele enquanto passava ao
seu lado. O anjo continuou andando e parou na
frente de Israel, meneando a cabeça.
Aron deu mais dois passos, virando a cabeça
para Caliel, aproximando-se dele efusivamente.
– Olá, Aron! – disse Caliel, sorridente.
Antes que o humano perguntasse ou falasse
algo, o anjo acrescentou:
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– A notícia boa é que agora eu ficarei aqui com
você! – O celeste tocou no próprio peito, sorridente.
– Como nos velhos tempos!
Aron repuxou os cantos da boca, satisfeito.
– Estamos partindo, Caliel! – Bariel falava atrás
de Aron, que se virou assustado. – Na medida em
que estiver tudo resolvido, você será avisado.
– Obrigado, Comandante! – Caliel meneou a
cabeça.
Bariel o encarou como em aceitação e chamou
Israel.
– Vamos?
– Sim! – respondeu o vigésimo quarto trono.
Israel prosseguiu e quando passou por Aron,
olhou-o com o canto do olho, sorridente. O humano
assentiu com a cabeça, também sorrindo. Os dois
celestes virtuosos seguiram ao campo de batalha,
erguendo voo e desaparecendo no Céu.
Aron e Caliel fitavam os grandes anjos sumindo.
No rosto, o anjo ruivo tinha um olhar de satisfação.
O humano apenas sorria, como fazia o tempo todo.
Então virou-se para Caliel e indagou:
– Quem era aquele anjo alto?
– Aquele? – Caliel respondeu com tanto orgulho
que suas palavras pareceram sair como canto – Ele é
376
Bariel, o primeiro comandante da casta dos
guerreiros de Deus.
Aron arqueou as sobrancelhas e balançou a
cabeça para cima e para baixo calmamente,
demonstrando uma forma de entendimento.
377
CAPÍTULO 35
382
CAPÍTULO 36
389
CAPÍTULO 37
* * *
394
– Isso está feio! – exclamou Caliel. Levantando
a cabeça, olhou nos olhos de Aron, sorrindo. – Deixe
comigo! – Soltou uma piscadela.
Ele envolveu o braço do humano com as suas
duas mãos. Aron entortou a face, mas Caliel não
soltou e apertou firme. Gritando de dor, Aron
percebeu a energia dourada envolvendo as mãos do
anjo sobre seu machucado. Mesmo doendo, ele
parou de gritar e se atentou ao momento, tentando se
concentrar em qualquer outra coisa, menos naquilo.
Tudo durou cerca de um minuto e quando o anjo o
soltou, a fratura estava completamente curada. Na
pele, tinha apenas uma pequena marca, um pouco
mais escura, da cicatrização. O que levaria meses
para curar, o anjo fez em apenas um minuto.
Aron olhou o machucado completamente
extasiado. Pareceu levar mais uma injeção de
energia celeste apenas uns dois minutos depois da de
Bariel. Com os olhos esbugalhados, Aron deu um
salto, bateu o pé contra o chão e continuou saltitando
com os punhos fechados.
– Não sei para o que é, mas sei que estou pronto!
– O humano respirava rapidamente e sentia seu
corpo como um campo elétrico. Não tirava o sorriso
do rosto.
395
Caliel o olhava como um pai ao ver seu filho se
divertindo.
– Humano, preste atenção! – falou Bariel.
Aron se atentou a ele imediatamente. O primeiro
comandante acrescentou:
– Eu preciso que você pense que pode voar! –
pediu o comandante.
– Certo, estou pensando!
– Não, não está!
– É claro que estou!
Bariel o olhou com reprovação.
–Tá bom, vamos lá! Vou pensar. – Aron se
acalmou e fechou os olhos. Não aconteceu nada.
– Você não está pensando direito! – Bariel levou
o punho à frente do corpo, apertando-o fortemente,
ao ponto de sua mão tremelear. – Você tem que
realmente acreditar nisso com o coração.
– Certo! Eu vou tentar. – Aron falou em tom
sério.
Cerrando os olhos, Aron fechou os punhos,
respirou fundo e se concentrou. Quase um minuto se
passou e não aconteceu nada. Ele abriu os olhos,
esticou a palma e disse:
– Calma! Eu vou conseguir! – fechou os olhos
novamente.
396
Depois de alguns segundos, abriu-os, respirou
fundo e começou a pressionar o ar no pulmão, sem
deixar que escapasse. Fazia uma força tremenda. Seu
rosto estava ficando vermelho e suas veias saltando
na testa. A situação estava ficando bizarra. O
humano começou a gritar um berro esganiçado e
engraçado. Até que repentinamente soltou todo o ar,
levou as mãos aos joelhos e começou a respirar,
ofegante.
– Eu desisto! – Ele fitou os dois anjos e os
apontou com o dedo indicador, indo de um para o
outro, repetidas vezes. – Nenhum de vocês pode me
levar?
– Não acredito nisso! – Bariel se virou para trás,
completamente impaciente. Virou-se para Aron e
disse, um pouco mais ríspido: – Humano, a situação
é a seguinte: nenhum de nós pode te levar. Isso
porque, a qualquer momento, podemos sofrer um
ataque brutal e precisamos estar com as mãos livres
para que possamos lutar e te proteger – uma breve
pausa –. Fui claro?
– Foi sim, senhor! – respondeu Aron, um tanto
sem graça, vermelho de vergonha. – Eu vou
conseguir agora!
– Eu sei que vai! – disse Bariel.
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– Concentre-se, Aron! – falou Caliel,
calmamente, transmitindo-lhe calma. – Pense em
Sun.
Essa calma, juntamente com o pensamento em
resgatar a esposa, penetrou diretamente no coração
do humano e ele sentiu mais uma injeção de
adrenalina. Mas dessa vez foi diferente, parecia mais
concentrado. Apesar de tudo, o mundo parecia estar
mais brilhante. Ele sorriu, fechou os punhos,
encarou Caliel, depois Bariel. Cerrou os olhos e
começou a sussurrar bem baixo.
– Eu posso voar... Eu posso voar... Eu posso
voar... Eu posso voar. – Aron abriu um dos olhos e
olhou para o chão. Surpreendeu-se ao ver que estava
a um metro do chão e continuava a subir. – Estou
voando, estou voando! – gritava como uma criança
feliz.
Seu corpo começou a subir rápido demais e ele
começou a gritar assustado:
–Tá muito rápido! Tá muito rápido!
Os dois celestes se entreolharam. Caliel achou
graça da reação do humano. Então investiram nas
asas, indo ao encontro do humano. Alguns segundos
depois, os dois anjos estavam juntos a Aron, cada
um de um lado.
398
– Como eu controlo isso aqui? – perguntou Aron
desesperado, dirigindo-se a Bariel.
– Da mesma forma que você conseguiu erguer
voo!
Aron o olhou surpreso e sorriu satisfeito. Em
poucos segundos, seu corpo começou a se ordenar e
o controle da situação veio à tona, aos poucos.
Olhando para baixo, expressou uma cara de medo.
Seu corpo tremeu e todos os seus pelos se
arrepiaram.
– Você vai se acostumar! – disse Caliel.
– Espero mesmo! – Aron tinha os dois olhos
arregalados. Estava focado em apenas um ponto, o
Céu. De nenhuma maneira queria olhar para baixo,
agora que ele controlava seu próprio voo.
Caliel sorriu mais alegremente ainda e todos
seguiram adiante. Bariel se mantinha sério, tal como
em toda a sua vida, desde a sua criação. Arrancar um
sorriso do Primeiro era como conseguir a proeza de
fazer um leão faminto brincar com uma zebra ao
invés de comê-la.
399
CAPÍTULO 38
400
– Certo! O que este homem tem a ver com
Mazarak?
– Olhe direito! – Daniel deu a volta na cama,
inclinou-se sobre Mazarak e puxou suas pálpebras.
Haziel olhou fundo nos olhos verdes e
dormentes do anjo. Súbito, arregalou os seus e sentiu
uma pontada no peito diante da aceleração
espontânea de seu coração.
– Não é possível! – Haziel olhou para Daniel. –
O que aconteceu com ele?
As sobrancelhas de Daniel não se levantavam
mais. Sua cara de preocupação já transmitia o
sentimento para Haziel.
– Esse não é o maior problema! – exclamou
Daniel. – Agora ele não acorda mais, porque algum
demônio fez algo com ele. Já que ele não pode
retornar ao céu, porque acham que ele caiu junto
com os outros, só pude pensar em recorrer a você
para nos ajudar.
– Pensou corretamente, meu irmão! – disse o
anjo louro.
Todos os humanos presentes estavam
impressionados com as palavras que tinham saído da
boca de Daniel, naquele curto período de tempo.
401
– Você sugere algo que possamos fazer? –
perguntou Daniel.
Haziel levou o dedo à boca e olhou sério para
Daniel, pensou um pouco e disse, um pouco
hesitante.
– Sim, eu creio que sim!
Os olhos de Daniel brilharam.
– O quê?
– Acho que podemos falar com um dos
guardadores – disse o anjo louro.
Depois de horas, foi a primeira vez que Daniel
esboçou um sorriso. Mesmo com apenas uma
esperança, ao menos era uma que tinha surgido.
– Será que podemos confiar em alguém ao ponto
de resolver tudo, sem alastrar o que se passa? –
Daniel perguntou, hesitante.
– Eu conheço alguém, e você também!
– Quem?
– Caliel! Ele tem seus meios.
Daniel esboçou um grande sorriso. Rapidamente
Haziel se moveu em direção à abertura.
– Eu vou e retornarei com ele! – Haziel olhou
para os dois homens humanos presentes na sala.
Apontando o chão, disse: – Tentem manter a
passagem aberta pelos próximos vinte minutos para
402
facilitar a minha volta. Retornarei dentro desse
período. Caso não consigam, nós daremos um jeito.
Mas tentem, por favor!
Daniel e Mebaragesi assentiram com a cabeça,
juntos. O anjo louro entrou na passagem e
desapareceu no espelho azul de energia cintilante.
* * *
405
Caliel hesitou, antes de falar, com uma longa
pausa.
– Eu tenho que levá-lo comigo!
– Levá-lo com você? Para quê? – indagou
Daniel, com as sobrancelhas franzidas.
– Eu conheço alguém que pode ajudá-lo. –
exclamou Caliel, sorridente.
– Quem? – indagou Daniel.
– Eu não posso dizer agora! – Encarou Haziel
também. – Para nenhum de vocês dois.
– Porque não pode dizer? – perguntou Daniel,
desconfiado.
– Ele não me permite dizer – uma breve pausa –.
Mas eu lhe garanto que conseguirei resolver o
problema de Mazarak!
– Eu confio em você! Pode levá-lo. Por favor,
faça o possível para trazer meu irmão de volta deste
longo sono. – Daniel olhou Mazarak, um tanto
sentido.
Caliel assentiu com a cabeça para Mazarak
desacordado. Levantou-se, amparou-o, fitou Daniel,
depois Haziel. Subitamente desapareceu dentro de
uma luz colorida que ficou no ar na forma de seu
corpo, para depois desvanecer por completo.
406
* * *
409
CAPÍTULO 39
411
foi possível ver seus olhos verdes, brilhantes. Então
acrescentou:
– Você está aqui agora, e a partir de hoje lutará
por essa causa! – A figura deu mais um passo à
frente.
O que se revelou foi um anjo moreno, forte, com
aparência de um homem na casa dos trinta anos.
Suas asas ainda estavam nas sombras, mas era
possível ver sua silhueta. O anjo estava despido de
vestes superiores. Abaixo usava uma calça preta um
tanto justa. No pé, tinha botas negras, foscas.
Astaroth espantou-se ao reparar em suas asas, pois
nunca havia visto daquela cor. Uma dupla de asas
negras como as trevas.
– Desculpe-me interrompê-lo, meu senhor! – O
anjo de asas negras dirigiu-se a Lúcifer. – Mas
precisava lhe dizer isso – disse apontando para
Astaroth.
– Não tem problema! Você é meu duque e sabe
que é livre para fazer o que bem entender, dentro dos
limites necessários – respondeu Lúcifer.
O duque de asas negras meneou a cabeça e se
dirigiu a Astaroth.
– Olá, Astaroth! – Estampou um belo sorriso no
rosto. – Lembra-se de mim?
412
Astaroth deixou seu queixo cair, em seguida
dizendo:
– Não é possível! Eu achei que você tivesse
morrido na queda. Mazarak?
– Eu mesmo! – O anjo de asas negras abriu os
braços e exagerou seu sorriso.
413
PARTE QUARTA.
CONSAGRAÇÃO
414
CAPÍTULO 40
415
– O arcanjo? – indagou Aron, um tanto surpreso.
– Eu vou conhecer um arcanjo? – perguntou,
dirigindo-se a Caliel.
O anjo guardador assentiu com a cabeça,
sorridente, dizendo:
– Eu creio que sim, Aron! – Encarando o
comandante, ele indagou: – Como faremos isso,
Primeiro?
Bariel sorriu e exclamou:
– Eu tenho certeza de que Rafael sabia que esse
momento chegaria, antes de nós! Vamos aguardá-lo.
– Onde?
Bariel apontou uma gigante montanha que se
erguia ao sul, dizendo que antes fora apontada pelo
arcanjo, para esperarem ali. Caliel e Aron fitaram o
monte, seguindo em frente.
* * *
* * *
417
Bariel e os outros esperavam acima da grande,
pontuda montanha. Os anjos tinham suas asas
guardadas. Aron estava sentado, não tinha paciência
de aguardar em pé como os celestes, mas Caliel já
sabia disso. De vez em quando, o anjo fitava seu
guardado apenas por pura admiração. Aron se
levantou, perguntando a Bariel:
– Quanto tempo será que isso demorará?
Sem sair de sua posição, ou mesmo olhar para o
lado, Bariel respondeu:
– Temos que ter paciência! – Olhando para o
céu, acrescentou: – Os arcanjos sempre sabem o que
fazem e quando fazem. Tenho certeza que as coisas
estão sendo adiantadas.
– Uhm! – Colocando o dedo indicador no lábio,
Aron indagou: – Posso te fazer só mais uma
pergunta, Primeiro Comandante? – Ele cruzou seu
olhar com o de Caliel nesse momento.
– Faça! – respondeu Bariel, diretamente.
– O que o mundo ganhará com a reconstrução da
humanidade?
Os dois anjos o olharam, espantados com a
pergunta.
– O que você quer dizer com isso? – perguntou o
comandante.
418
– Olha! – O humano gesticulava. – Se você
pensar bem, estamos vivendo uma época parecida
com a de Noé. – Ele deu de ombros, arqueando as
sobrancelhas.
Os celestes o olhavam, desconfiados. As
sobrancelhas estavam franzidas. Aron acrescentou:
– E pensando nisso, eu tive uma ideia brilhante!
– Sorriu como uma criança.
Bariel apenas o encarava. Caliel não sabia o que
dizer. Até que Aron proferiu sua “brilhante” ideia:
– Por que não saímos daqui agora, vamos até o
inferno, resgatamos Sun, matamos todos os
demônios e começamos tudo como Adão e Eva?
Caliel revirou os olhos e Bariel se virou,
chutando uma pedra. Dirigindo-se a Caliel, o
comandante exclamou em tom bravo:
– Esse é o nosso guerreiro, herdeiro de Adão. Eu
não tenho paciência para isso! – Bateu as asas e
voou na vertical puto da vida.
Aron o olhou, espantado, afastando-se e
perguntou para Caliel, com seus olhos esbugalhados,
mostrando as palmas:
– O que eu disse?
419
– Ah, Aron! O que você disse? Não se faça de
bobo – Caliel falava com Aron, utilizando um tom
que nunca tinha usado.
O humano deu de ombros. Olhando para o chão,
disse:
– Não custava nada tentar!
– Que ideia maluca foi essa de falar isso logo
para Bariel?
– Caliel, já faz mais de um dia que vocês me
falaram sobre Sun e ninguém nesse tempo fez nada
sobre isso. Eu estou desesperado! – Colocando as
mãos na cintura, acrescentou: – Vocês têm que me
entender!
Caliel balançava a cabeça desaprovando o que o
humano dizia.
– Você realmente não entende, né?
– Entende o quê? – Aron gritou, mostrando os
dedos como garras. Nesse momento, já estava
ficando nervoso. – Entender que ninguém está nem
aí para minha esposa? Entender que todo mundo fica
por aí querendo me proteger e nenhum de vocês –
falou mais ríspido nessa hora – pode mandar
ninguém lá?
– Escute, Aron! – Caliel se aproximou dele e
colocou a mão em seu ombro.
420
Aron lhe estapeou no membro, retirando-o, com
um pouco de brutalidade.
– Escute o quê? – Ele gesticulou, fazendo um
arco com o braço para cima. – Ninguém faz nada
nessa merda!
– Que é isso, Aron? Por favor, escute-me.
– Eu vou sair daqui! Eu vou embora! – Deu
alguns passos em direção à beira da montanha. – Eu,
sozinho, vou resgatá-la. Não preciso de vocês!
Caliel se aproximou, correndo muito rápido
dele, gritando:
– Espere, Aron!
Mas era tarde. O humano mergulhou no ar como
faria se fosse erguer voo. Mas não foi isso o que
aconteceu. Aquela habilidade não estava mais com
ele e seu corpo despencou, atingindo velocidade
total rapidamente. O desespero em seus olhos, nesse
momento, foi terrível.
Caliel explodiu suas asas e mergulhou como um
foguete de cabeça para baixo. Rapidamente ele
alcançou Aron. Com sutileza, amparou-o no ar, sem
forçar contra seu corpo para não o machucar. Sem
olhar Aron nos olhos, bateu suas maravilhosas asas e
voou para o topo da montanha novamente. Colocou
421
o humano no chão e não disse nada. Deixou que ele
se recompusesse do momento de choque.
– Obrigado! – disse Aron, ofegante.
Caliel ficou mudo cerca de dez segundos e disse:
– Aron, saiba que para você conseguir utilizar
esse dom, Bariel tem que estar presente. Você
realmente não entende!
– O que eu não entendo?
– Você não entende toda a situação relacionada
à Sun! – Falando rapidamente, Caliel continuou: –
Nós queríamos sim, queríamos muito poder resgatá-
la do inferno agora. Mas não podemos!
O humano o encarava.
– Temos que ser cautelosos, principalmente
agora. Não podemos simplesmente invadir o lado
esquerdo do inferno e...
– Lado esquerdo do inferno? – indagou o
humano, interrompendo Caliel.
– Isso agora é irrelevante, Aron. Preste atenção!
– O anjo se aproximou do humano. – Nós temos, no
máximo, quatro horas para tentar finalizar o plano de
absolver a humanidade. Se isso correr como
planejado, em seguida percorreremos o caminho até
Sun – uma breve pausa –. Nem que eu tenha que ir
422
sozinho! – o celeste assentiu sorridente quando
terminou de falar.
Aron meneou a cabeça. Eles se encararam por
um tempo e se viraram, fitando a redoma pulsante,
ao longe.
423
CAPÍTULO 41
424
– Aqueles vermes daqueles tronos! Quem eles
pensam que são? – Socou a própria mão, fazendo
um grande estalo. – Eu vou esmagá-los com as
minhas próprias mãos quando Abaddon os trouxer
até aqui.
Sua voz era grossa e mantinha um timbre
diferente. A impressão era de estarem saindo três
vozes de sua garganta. Chegava a intimidar até o
restante dos duques naquele ambiente.
– Fique frio, Baal. Nós vamos resolver! – disse a
cabeça do meio de Cerberus.
– Fique frio? Quem você acha que é pra falar
assim comigo, cãozinho? – Baal apontou para
qualquer lugar. – Porque você não vai cuidar do
grande portal? Lá é o seu lugar!
A cabeça da direita do grande cachorro se pôs a
rosnar, enquanto a do meio a cabeceou para que
parasse. Mas não foi o que aconteceu. A cabeça da
direita atacou a cabeça do meio, aplicando-lhe uma
leve mordida apenas de intimidação. Nesse
momento, a central gritou de dor e se afastou,
chocando-se com a cabeça da esquerda. Essa
também gritou de forma aguda. Então as três se
aquietaram. A central e a esquerda se abaixaram,
enquanto a da direita encarava Baal. Mas foram
425
apenas por poucos cinco segundos, depois desviou o
olhar novamente.
Baal tinha suas sobrancelhas quase unidas.
– Foi o que eu pensei! – disse o duque escarlate.
Dirigindo-se a Azrael, indagou:
– O que acha que faremos daqui por diante,
Azra? – esta era a forma como se dirigia ao caído.
O duque se afastou, deslizando sua poltrona para
trás e se levantou. Dando a volta na mesa, com as
mãos para trás, disse:
– Vamos deixar as coisas nas mãos de Leviatã
agora! O humano sente falta de sua esposa e creio
que isso resolverá nossos problemas.
Azrael era imponente, deslizando no solo com
suas majestosas asas, brancas, expostas. Seu corpo
era amedrontador. Não pelo tamanho, formato ou
qualquer coisa aparente, mas sim porque ficava
escondido atrás de uma grande túnica preta, com
tecido pesado, que caía até seus pés. Tinha também
seu rosto anulado por trás de um grande capuz. Por
trás do buraco, onde ficaria seu rosto, o que se
encontravam eram trevas. Em um cinto na cintura,
ficava pendurada sua espada prateada, ainda
angélica.
426
Baal olhou desconfiado para Azrael nesse
momento e dirigiu-se a Belial.
– Quanto tempo você acha que esse feitiço
durará?
– Creio que temos o tempo necessário para que
dê certo! – disse Belial, dando de ombros.
Baal bateu as duas mãos abertas na mesa.
Inclinou-se até ficar próximo, quase rosto a rosto
com Belial.
– Não foi isso que perguntei. Insolente! – o
grande demônio rosnou. – Eu perguntei quanto
tempo temos?
Belial estava contraído em seu próprio espaço.
Seu olhar esboçava terror diante do monstro
vermelho.
– Não sei! – Belial remexeu os olhos. – Talvez
três ou quatro horas? – Levantou os ombros. O
tempo que a mulher durar.
– Você está afirmando ou perguntando? – Baal
bateu na mesa novamente com raiva. Ergueu o corpo
e disse: – Você não serve para nada!
Baal cruzou os braços e deu a volta na mesa.
Aproximando-se de Azrael, falou:
– Nós temos que agir depressa, Azra!
427
– Eu concordo, Baal! – um murmúrio de risada
por baixo do capuz.
Baal assentiu com a cabeça e indagou:
– O que houve com a sua voz?
– Eu não sei! Foi repentino. Estou resolvendo
isso. – Azrael respondeu, dando um passo para trás e
inclinando o capuz para cima, pigarreando.
– Resolve logo, que você tá parecendo uma
gazela. – Baal riu.
Virando-se para Belial, Azrael pediu
educadamente a ele que verificasse como andavam
as coisas com Leviatã. O duque assentiu a Azrael,
depois encarou Baal e saiu do recinto.
* * *
429
CAPÍTULO 42
* * *
434
CAPÍTULO 43
435
Astaroth ficou mudo por um momento, então
Mazarak aproveitou e prosseguiu:
– Os humanos têm qualidades incríveis!
O duque louro revirou seus olhos vermelhos e
fitou Lúcifer nesse momento. Nessa hora, intimidou-
se com a postura do arcanjo, que o encarava com os
olhos azuis-safira. Então começou a prestar atenção
no que Mazarak falava.
– Nesse tempo que passei com os humanos,
percebi que são corajosos. Isso os impulsiona para
conseguirem tudo que querem. Veja por exemplo a
sua evolução nesses milhões de anos. E agora olhe
para nós! – Mazarak olhou para o próprio corpo – O
que nós evoluímos, ou melhor, quando nós
evoluímos? Continuamos os mesmos desde a nossa
criação. Mantivemo-nos esse tempo todo em guerras
ridículas entre nós, apenas por querer que uma raça
não existisse. Eles não! – O anjo apontou com seu
braço musculoso para alguma direção. – Apesar de
também guerrilharem entre si, pelo menos sempre
existiu algum sentido mais honroso nisso. Nós todos
fomos criados pelo mesmo Pai, um de cada vez.
Temos que seguir Seus objetivos sem questionar.
Esse é o ponto final!
436
Astaroth apenas o encarava, com os braços
cruzados, enquanto ele prosseguia.
– Creio que podemos aprender muito com eles!
– disse o duque de asas negras.
– Ah não, não diga isso! Eles são seres inferiores
e nunca conseguirão nos ensinar nada! – Astaroth
falou, um tanto bravo. – Eu vim aqui apenas porque
cansei de lutar nessa guerra sem fim. Alguma coisa
aconteceu naquela arena e eu percebi que o lado
certo é aqui – o duque apontou o chão –, com vocês.
Mas não me diga que podemos aprender alguma
coisa com esses – Astaroth ficou mudo com a
palavra presa na garganta, em alguns segundos
soltou – vermes!
– Você não sabe o que fala! – Mazarak o
reprovava com a cabeça.
– Ele tem razão, irmão! – Beelzebuth deu um
passo à frente.
Apontando, com o dedo para os outros, Astaroth
se manifestou verdadeiramente bravo:
– Vocês não sabem o que falam! Eu jamais
aceitarei algo que venha desses...
– BASTA! – Lúcifer o interrompeu e se
aproximou com passos calmos.
437
Todos os duques presentes na sala deram um
passo para trás. O gigante arcanjo seguiu na direção
de Astaroth e parou em sua frente, iluminando sua
pele com o bronze de seu próprio corpo.
– Você está aqui agora, Astaroth? – indagou
Lúcifer, nervoso.
Astaroth esbugalhou os olhos e falou algo
parecido com nada. Gaguejou algumas sílabas, até
que...
– Está aqui ou não? Se não quiser seguir nossos
ideais, saia daqui agora! – O arcanjo caído apontou
na direção da porta.
Astaroth se recompôs, engoliu em seco, respirou
fundo.
– Sim, meu senhor! – O duque retirou a espada
da bainha, fincou-a no chão e se ajoelhou em
seguida, com a cabeça baixa. – Estou aqui com
vocês agora!
Lúcifer o olhou, sorridente. Quando Astaroth
levantou a cabeça e olhou diretamente nos olhos do
arcanjo caído, suas íris imediatamente perderam a
cor rubra e aos poucos se transformaram em um
verde brilhante, cristalino.
438
CAPÍTULO 44
443
Em vez de pousarem, os três continuaram
voando por cima da grande ponte arqueada até se
aproximarem do cavalo branco com asas. Todos,
juntos, chegaram à frente da grande porta, com cerca
de cem metros de altura. Não tinha uma fissura
sequer em sua face, era apenas uma rocha gigantesca
e lisa. Repentinamente, a grande pedra dourada
brilhou, como se de uma hora para a outra se
tornasse uma grande porta de luz, ofuscando a visão
de todos, menos do animal.
O cavalo prosseguiu adiante e transpassou o
grande portal de luz dourada. Todos o seguiram e
quando seus corpos passaram a linha da porta, cada
um deles sentiu uma enorme descarga divina de
energia que percorreu completamente por suas
espinhas. Por fim, transpassaram a imensidão
luminosa. Olhando para trás, viram apenas uma
gigante pedra clara, que seguia para todas as
direções, sem ter um fim à vista.
Aron estava completamente extasiado. Chegou a
se questionar se tudo aquilo não se passava de um
terrível, maravilhoso sonho.
Todos arregalaram os olhos pelo que viram à
frente. Não estavam exatamente dentro da torre, pois
o que se podia ver à frente era um grande jardim
444
forrado com flores gigantes, maravilhosas. Seus tons
se embaralhavam em lilás e vermelho. Na medida
em que todos caminhavam acima da grama, a
vegetação, ao redor, parecia encará-los.
Andaram até chegarem a um riacho cristalino.
Dava-se para enxergar a beleza do fundo. Estava
forrado com pedras preciosas de todos os tipos. As
mais abundantes eram as safiras e as turmalinas.
Havia uma cachoeira que saía do ar e caía na água
fazendo um pequeno movimento, apenas na região
em que se chocava. As águas daquele rio eram
completamente calmas.
Aron foi o primeiro a flutuar para passar por
cima do riacho, mas o cavalo fez sinal de negativo
com a cabeça e o humano pousou no chão,
desconcertado. Subitamente, o animal com asas deu
um passo em cima da água e continuou andando,
sem afundar. Pequenas ondas se faziam abaixo de
suas patas quando tocavam a água. Bariel foi o
primeiro a segui-lo. Caliel fez sinal para que Aron
fosse à frente, mas o humano o olhou assustado,
hesitante.
– Pode ir, Aron! – O anjo gesticulou com a mão
aberta. Suas asas faziam leves movimentos de
acordo com os seus. – Você não vai afundar.
445
– Como você sabe? – Aron abaixou as
sobrancelhas.
– Eu apenas sei! – disse o anjo, sorridente.
Cauteloso, Aron seguiu com o primeiro passo
apenas tocando a água. Vendo que não afundava,
colocou o outro pé e assim seguiu riacho adentro.
Caliel o seguiu.
Depois de alguns minutos, todos seguiam por
cima da água cristalina, vendo as pedras cintilarem a
luminosidade abaixo de seus pés. Peixes de todos os
tamanhos passavam dançantes sob eles. A água
criava pequenas ondas a cada passo, mas que
desvaneciam rapidamente.
Os quatro passaram por uma grande rocha
pontiaguda de um branco tão claro quanto uma folha
de papel. Essa se erguia da água do rio. Na medida
em que ganhavam terreno, ao transcorrerem a lateral
da pedra, puderam ver uma sutil luz dourada atrás
dela. Ganhando visão total, ao finalizar a trajetória
da grande rocha, depararam-se com uma linda figura
celestial. O Arcanjo Rafael estava em pé, em cima
da água, como eles. Uma mão estava para trás,
enquanto a outra alimentava os peixes.
446
Ele olhou na direção deles com um sorriso que
pareceu iluminar mais do que a luz do sol e disse
com seus lábios carnudos:
– Enfim, meus irmãos. Vocês conseguiram!
447
CAPÍTULO 45
448
A mulher se virou com a mão na cintura, numa
pose sexy. O olhar era chamativo. Só não mais que
seu vestido vermelho de seda colado ao corpo.
Definia completamente a silhueta de suas curvas
bem definidas.
Baal deu uma curta risada e em seguida disse:
– Se eu não soubesse que era você, Leviatã, te
levava pra casa agora! – Voltou a dar risadas.
Belial tinha suas mãos para trás e sorria com
satisfação.
– Gostou? – indagou Leviatã, dando alguns
passos na direção de Baal.
Sai pra lá! – O grande duque o empurrou e
Leviatã caiu para trás, quicando o traseiro no chão.
O demônio se levantou espalmando o vestido.
Olhava Baal, mas ao mesmo tempo tinha o olhar
baixo. –todos os duques se sentiam intimidados por
ele.
– Vai, agora faça o seu trabalho, gatinha! – Baal
apertou as bochechas de Leviatã na forma de Sun.
Quando o demônio saiu e passou ao seu lado,
Baal assobiou e lhe desferiu um tapa no traseiro,
fazendo Leviatã pular para frente. Ele continuou e
antes de sair pela porta, encarou Belial, um tanto
449
envergonhado. Baal saiu, passando por Belial que
saiu em seguida, fechando a porta.
No corredor, Baal fitou Leviatã em sua frente.
– Que porra é essa? – disse o grande duque.
* * *
450
– Nós precisamos dele, nesse momento! – disse
Azrael, com sua voz aguda, que saía do escuro,
abaixo do capuz. – Vocês verão que tudo se
resolverá na hora certa – falou hesitante, mas quando
soltou, a confiança predominava naquelas palavras.
Súbito, todos escutaram um barulho muito forte
de algo se partindo ferozmente, que vinha do
corredor. Azrael retirou sua espada prateada da
bainha e correu, sendo seguido por Cerberus, que
levantou seu traseiro do chão e também correu na
mesma direção.
Quando Azrael abriu a porta da sala, deparou-se
com Baal na frente da porta lateral direita no
corredor, esmurrando-a, explodindo madeira para
todos os lados. Belial se afastava com seus passos
para trás, assustado pela fúria exibida por Baal.
Azrael correu em suas direções e quando chegou a
Belial, indagou:
– O que está acontecendo? – indagou Azrael,
segurando os ombros de Belial.
Mas o duque apenas o olhou ofegante, os olhos
esbugalhados. Azrael o tirou de lado e seguiu para
dentro da sala que nesse momento Baal já tinha
invadido. Debruçando-se na porta, visualizou Baal
dirigindo-se ao canto, furioso. Então entrou na sala e
451
correu em sua direção. Aproximando-se, viu uma
cena que o surpreendeu. Leviatã estava aninhado no
canto, em sua forma natural, completamente
amedrontado. Batia os dentes e escondia a cabeça
atrás dos braços, olhando a frente como podia, pelas
frestas de seus membros. Baal estava em cima dele
preparando um murro.
– O que está fazendo, Baal! – gritou Azrael.
O duque parou o soco e retraiu o braço. De
costas, olhando com o canto do olho, exclamou:
– Esse verme não serve para nada! – Baal
apontou para Leviatã.
Azrael deu um passo à frente.
– Nesse momento, precisamos ficar fortes,
unidos e juntos – disse o anjo caído do capuz.
– Mas de que ele serve para nós agora? – Baal
preparou novamente o murro. Súbito, sentiu uma
lâmina nas costas.
– Pare com isso, Baal! – a voz da criatura de
capuz soou, hesitante. O que ela mais queria naquele
momento, era rasgar Baal em dois, mas sabia que
não podia correr qualquer tipo de risco naquele
momento.
Uma pequena pausa, até o demônio escarlate
organizar as ideias.
452
– O que você está fazendo? Vai me matar? –
indagou Baal.
– Não, se eu não precisar!
O grande duque escarlate levantou os braços.
Azrael abaixou sua espada. Baal se virou, encarou-o
por muitos segundos e depois disse:
– Eu vou ver a situação da humana!
O demônio passou trombando em Azrael e saiu
do recinto. Azrael ficou parado por um tempo e
guardou sua espada.
– Obrigado! – disse Leviatã.
– Obrigado por causa de quê?
– Por ter me salvado?! – Leviatã exclamou em
tom de questão.
– Eu não salvei! – o anjo caído das trevas disse
rispidamente e se virou indo atrás de Baal.
Leviatã ficou no canto da sala sem saber o que
dizer.
Azrael percorria um grande corredor de
pedregulhos. Na trajetória, pensava no que poderia
ter dado errado. Lá, deparou-se com a humana presa
pelas mãos. O sangue já não gotejava mais como
antes. Baal estava em sua frente com a cabeça baixa
e olhos cerrados. Os punhos estavam tão apertados
que as veias saltavam por todo o seu braço.
453
Não pode ser! – pensou Azrael. Seus olhos se
esbugalharam na escuridão.
– Ela está morta! – disse Baal.
Ao ouvir o que Baal disse, Azrael ficou mudo e
sem saber o que responder. Novamente, o grande
duque, virando-se para Azrael e com mais raiva,
gritou:
– A humana está morta!
Enfurecido, Baal andou em direção à saída e
quando passou por Azrael, falou diretamente, sem
parar ou olhar nele:
– Prepare-se! Nós atacaremos com força total.
454
CAPÍTULO 46
455
– Tu és muito importante, sabia! – disse Rafael,
tocando a cabeça de Aron, com seus dedos leves
como penas.
– Todo mundo me diz isso!
Rafael escutou o humano, sorriu e olhou para
Bariel.
– Obrigado, Primeiro Comandante! – O arcanjo
assentiu com a cabeça.
Bariel meneou a sua, dizendo em seguida:
– Às suas ordens, meu senhor! – respondeu
Bariel.
Rafael pisou novamente por cima da água
cristalina em direção a Caliel. O anjo ruivo inclinava
sua cabeça para conseguir cruzar seu olhar com o do
arcanjo. Por fim, Rafael soltou:
– Caliel!
O guardador meneou a cabeça. Rafael
acrescentou:
–Tu fostes uma das peças primordiais para que
conseguíssemos estar aqui agora, esbaldando-nos
com esse momento. Todo trabalho bem feito deve
ser reconhecido e agora lhe presenteio. – O arcanjo
colocou a palma da mão sobre o peito de Caliel.
Súbito, uma luz dourada brilhou na mão de
Rafael e rapidamente dominou o corpo do anjo
456
ruivo. Caliel olhava para baixo fitando seu corpo
brilhar como uma estrela, até que a luz subiu e
dominou também a parte de sua cabeça. A energia
pulsou uma, duas, três, quatro, cinco e na sexta vez
explodiu em um estouro suave. O que ficou no lugar
surpreendeu a todos.
As vestes do anjo tinham se modificado por
completo. No peito, tinha uma armadura dourada
que cobria o tórax, ondas criavam desenhos de
músculos definidos no metal. De um largo cinturão
de ouro, caía uma saia branca com tecidos de seda
até quase na altura de seus joelhos. Nos pés, calçava
uma sandália de ouro, decorada com rubis. O mais
impressionante fora a mudança em seus olhos. Em
vez de azuis, brilhavam em um tom avermelhado.
Na mão, segurava uma linda lira dourada, com
cordas douradas. No centro do arco principal do
instrumento, tinha um grande rubi cintilante, que
brilhava como os novos olhos do celeste.
Rafael tinha um sorriso contagiante no rosto,
enquanto encarava a armadura de cima a baixo.
– Meu caro, fostes um guardador exemplar.
Caliel tinha a mente confusa como um mar de
águas vivas com seus tentáculos dançantes.
457
– A consagração de teu espírito alcançou o nível
máximo de conhecimento. A partir de agora,
ocuparás o assento do vigésimo quinto trono. –
Rafael lhe apertou os ombros.
Todos arregalaram os olhos diante do anúncio
do arcanjo, menos Caliel. Rafael prosseguiu:
– Tu ocuparás a vigésima quinta cadeira no
conselho. Além disso, ser-lhe-á atribuída uma tarefa
a mais – uma breve pausa –. Tu serás o primeiro
Guardião dos Tronos. – Rafael deu um passo para
trás, mas continuou falando.
Caliel o continuou encarando respeitosamente,
enquanto o arcanjo falava:
– Tu sentes o sangue fluindo por tuas veias
como rios em fúrias? – indagou o arcanjo.
Caliel assentiu com a cabeça. Rafael
acrescentou:
– Esse é o sangue dos querubins de Deus. O
mesmo sangue que também corre nas veias dos
guerreiros de Deus. Agora tu és possuidor de duas
honras: a dos guardadores do Pai e a dos guerreiros
do Pai. – O arcanjo segurou a mão de Caliel. – Tudo
mudou! Os humanos, o planeta, nossos irmãos, o
Céu – uma pequena pausa, com o olhar entristecido
458
–. Até o inferno mudou! Você sabe muito bem disso.
– O arcanjo soltou uma piscadela.
Todos arquearam as sobrancelhas nesse
momento, menos Caliel. O cavalo relinchou. Então o
arcanjo continuou:
– Por isso, agora precisamos de uma nova raça
de anjos e tu, Caliel. – O arcanjo pegou novamente
no ombro do ruivo, mas dessa vez apenas com uma
das mãos. – Tu és o Adão dessa nova raça.
A personalidade de Caliel pareceu se alterar
subitamente. Não tinha mais aquele olhar
amendoado, calmo. Agora tinha nos olhos o brilho
do guerreiro e ninguém o pararia. O arcanjo lhe deu
um leve sacolejo no ombro. Então seus lábios
carnudos se moveram:
– Estás pronto, irmão! – disse Rafael, sorrindo.
Caliel meneou a cabeça. Rafael o encarou e saiu
de lado, andou até Aron com as mãos para trás e
parou em sua frente.
– Agora podemos seguir em frente, Aron!
Os olhos do humano ainda lacrimejavam. O
arcanjo esticou a mão e com o dedo indicador
resgatou uma das lágrimas cadentes. Levou a mão à
frente de seus olhos, fitando a tremulante cristalina.
Na outra mão, materializou um pequeno recipiente
459
de ouro que segurou apenas com dois dedos. Lá ele
despejou a pequena lágrima.
– Pronto! – disse Rafael lacrando o pote.
– É só isso? – indagou Aron.
– Quase, Aron. Estamos quase lá! – exclamou o
gigante arcanjo.
Rafael se aproximou do cavalo alado, colocou o
pequeno recipiente em sua boca e lhe acarinhou a
cara. Relinchando, o animal empinou, correu sobre a
água e ergueu voo na sua forma mais bela.
– Arcanjo? – chamou Aron, enquanto fitava o
cavalo se afastar.
– Sim, Aron.
– Esse é um pegasus, né?
Rafael sorriu como diante de uma pergunta que
para ele soava infantil.
– Na verdade, Aron, esse é o Pegasus. Ele é o
único Pegasus!
O humano arregalou os olhos completamente
surpreso com a resposta.
Dirigindo-se a Bariel, o arcanjo mencionou:
– Agora precisamos apenas aguardar Gabriel! –
O arcanjo olhou o horizonte ao longe. – Ele está
trazendo o espírito de Adão do Primeiro Céu.
460
CAPÍTULO 47
461
– Diga, Beelzebuth! – respondeu Lúcifer,
virando-se para ele.
O duque hesitou um pouco antes de falar:
– O mensageiro chegou!
Lúcifer assentiu, dizendo:
– Deixe-o entrar!
Beelzebtuh meneou a cabeça e saiu da sala.
Lúcifer aguardou um tanto ansioso, mas não o
demonstrou nem sequer por um segundo. Depois de
dois minutos, o duque retornou, adentrando-se na
sala novamente. Atrás dele, deslizou para dentro
uma figura demoníaca. Segurando a bainha de sua
espada como sempre e escondendo-se atrás de seu
capuz, Azrael transpassou a linha da porta,
imediatamente meneando a cabeça ao arcanjo caído.
Nesse momento, Astaroth deu um pulo para trás.
– Azrael? –Astaroth gritou completamente
estupefato. – Como?
– Permita-me, senhor? – Azrael se dirigia a
Lúcifer.
O arcanjo assentiu com a cabeça. Um suspense
plainou na sala. Azrael depositou a bainha com sua
espada no chão. Levou as mãos até o capuz e com
leveza, puxou o tecido para trás, fazendo com que
seu rosto ficasse evidente. O susto de Astaroth,
462
nesse momento, foi maior ainda do que antes levara
ao se deparar com quem achava que fosse Azrael.
Nesse momento, Astaroth começou a recapitular
a escapada de Haziel do inferno. Nunca achou
possível que um simples guardador pudesse invadir
o submundo, sozinho, para libertá-lo. Com essa
revelação, ele juntou as peças, impressionando-se
com a estratégia angélica. Realmente percebera a
sutil mudança em Azrael nas últimas semanas.
– Hariel? – indagou Astaroth, surpreso.
– Olá, Astaroth!
– Mas como?
– Sinceramente, foi muito fácil enganá-los.
Antes de te contar essa história, por favor, deixe-me
passar uma notícia ao arcanjo!
– Por favor, diga-me, Hariel! – pediu Lúcifer.
– Baal atacará com força total!
O gigante arcanjo olhou para qualquer direção
com as mãos ainda para trás.
– Quando será isso?
– Agora! – disse a mulher anjo, um tanto
tristonha.
Levando as mãos à frente do corpo e
gesticulando, Lúcifer disse a todos:
463
– Vamos, meus irmãos. Chegou a nossa hora! –
Majestosamente, o arcanjo acrescentou: – Vamos
mostrar ao Pai que sabemos que estávamos errados
em relação aos humanos e que nos arrependemos.
Vamos reconquistar o nosso lugar da mais perfeita
forma.
Todos na sala clamaram e explodiram mais
fortemente suas áureas. Menos o arcanjo, que se
virou novamente para o horizonte por sua janela,
pensativo. Depois disse:
– Vão!
* * *
464
– Há cerca de duas semanas, nós descobrimos
sobre o anjo que faria um século preso no inferno.
No mesmo momento, soubemos que se tratava de
Haziel. Então tive uma ideia e levei ao meu
comandante, Yesalel. Conversando, tivemos a ideia
de levar um brilhante plano adiante. Mas para isso,
teríamos que encurralar Azrael, que naquele
momento era a melhor opção dentre vocês, tendo em
vista sua túnica anuladora de energia. Tudo andou
como planejado e eu me apoderei de todos os seus
elementos.
– Como você conseguiu isso? – indagou
Astaroth.
– Eu tive muita ajuda!
– Onde está Azrael?
– Bem guardado! – respondeu a mulher anjo,
sorridente. Seus olhos azuis brilharam nesse
momento.
– Se me permite mais uma pergunta?!
Hariel assentiu com a cabeça. Astaroth meneou
a sua e indagou:
– Porque mandar um guardador ao inferno para
salvar um guerreiro, ao invés de mandar um
guerreiro?
– Você realmente não se lembra de mais nada?
465
Astaroth a encarou com os olhos semicerrados
sem dizer nada. Então Hariel acrescentou:
– Nós, os guerreiros, não somos capazes de
esconder nosso poder. Os guardadores possuem essa
virtude.
Astaroth balançou a cabeça, arregalando os
olhos e repuxando os lábios. Satisfeito com a
resposta, meneou sua cabeça novamente.
Todos chegaram ao salão, onde havia várias
entradas para os túneis. Beelzebuth andou até o pilar
central, colocou sua mão sobre ele, empurrou um
pequeno tijolo quadrado, que antes não parecia
existir. No mesmo momento, o pilar se dividiu em
dois, juntamente com o gigante teto que ficava a
cerca de duzentos metros de altura.
As duas partes do teto começaram a deslizar,
abrindo uma gigantesca fresta. A luz entrou pelo que
parecia ser um gigante túnel que percorria até o teto
da torre, a quilômetros de altura.
– Como você conseguiu se passar por ele sem
ninguém descobrir?
Hariel deu uma curta risada, dizendo em
seguida:
–Essa foi a parte mais fácil! – Ela abriu um
sorriso engraçado. – Não sei o que acontece com
466
vocês lá. Todos parecem não prestar atenção ao que
acontece em suas voltas.
Astaroth a olhou com reprovação. Ela
acrescentou:
– Não me entenda mal! Mas é que vocês só
pensam em matar, conquistar e acabam não
percebendo o que acontece ao redor de vocês. Mas
esse não é mais o seu caso, certo? – Ela arqueou as
sobrancelhas.
– Vamos, meus caros! – disse Beelzebuth.
– E o arcanjo? – indagou Astaroth.
– Ele irá à sua maneira! – respondeu o caído.
Astaroth assentiu com a cabeça. Nesse
momento, todos olharam para cima e com suas asas
já expostas, explodiram o vento, seguindo céu
acima, subindo pelo largo túnel como jatos. Subiram
muito velozmente, vencendo toda a trajetória da
estrutura. Enfim, chegaram ao final, saindo pela
boca da passagem como balas ao puxar de um
gatilho.
467
CAPÍTULO 48
469
– Nunca é tempo o suficiente para ficar longe de
vocês! – resmungou Israel.
Belial semicerrou os olhos e se lançou contra o
trono. O choque foi enorme, porém não contra o
corpo de Israel e sim contra uma barreira invisível
criada por ele em volta de seu próprio corpo. Mas
isso não impediu que ele fosse lançado a centenas de
metros em direção à redoma. Àquela hora, o anjo se
lembrou do restante dos tronos, percebendo, naquele
exato momento, seu estranho atraso.
Como uma bala, Belial explodiu em direção a
Israel. Aproximando-se rapidamente, começou a lhe
desferir uma sessão de socos. Antes que o Primeiro
acertasse o anjo, ele cruzou os braços na frente do
corpo, criando mais um escudo invisível, recebendo
assim o ataque nele.
Belial era incansável e já tinha lhe atribuído
centenas de murros brutais. Em certo momento, a
energia começou a pulsar e falhar. Subitamente, um
soco transpassou a camada protetora, acertando os
braços cruzados do celeste. A potência da investida
fez com que os ossos de seus antebraços se
partissem. Seu corpo foi lançado novamente, só que
agora Israel sentia uma dor alucinante.
Israel? – era a princesa. – Você está bem?
470
Princesa! Eu os segurarei o máximo que puder.
Por favor, concentre-se e utilize a sua maior força
para manter o campo intacto. Creio que os celestes
dentro da redoma, mesmo que mínima, sejam a
nossa única esperança.
Mas ele vai te matar, Israel! – a voz de Auriel
soava ansiosa, no pensamento de Israel.
O anjo demorou um pouco a responder. Então a
princesa acrescentou:
Bariel, os outros e o restante dos tronos devem
chegar a qualquer momento. – Israel não acreditava
nisso, mas precisava manter a concentração da
princesa na redoma.
Nesse momento, o trono fora acertado por mais
um poderoso soco, que o fez percorrer centenas de
metros, até acertar a parede da redoma com um
estrondo poderoso. Seu corpo bateu e caiu.
– Israel?– Escutou a voz de Auriel, angustiada,
enquanto sua mente desvanecia, deixando-o na
completa escuridão.
Belial assistiu ao corpo do celeste despencar por
alguns segundos até se chocar com o solo, e ali
ficou. A queda de aproximadamente cem metros,
para um anjo guardador, mesmo muito evoluído,
poderia ser mortal. Satisfeito, Belial rajou suas
471
negras asas, seguindo de encontro à agigantada
horda demoníaca. Ele passou por quilômetros, até
encontrar o fim do exército e seguiu em direção ao
solo. Em cima de uma rocha erguida, estava Baal,
fitando a redoma ao longe, com seus olhos negros,
como um poço sem fundo. Segurava a empunhadura
de sua espada ainda presa à bainha. Cerberus estava
ao seu lado, mas no solo.
– Pronto! Não temos mais nada no nosso
caminho! – disse Belial, mostrando os dentes.
– Ótimo! – disse Baal. Olhando em volta, ele
indagou: – Onde será que se meteu Azrael?
– Ele disse que estaria aqui no momento do
avanço! – respondeu a cabeça central de Cerberus.
– O avanço está sendo agora! – retrucou Baal. –
Vamos, não temos tempo a perder.
O demônio explodiu suas grandes asas de dragão
com quatro metros cada uma e tirou sua espada
negra da bainha. Rajou-as e partiu na direção
ofensiva.
Belial o seguiu. Cerberus saltou e também
começou a correr rapidamente na mesma direção dos
outros dois duques. Com seu tamanho, força e
agilidade, o gigante cão, com três cabeças,
472
provavelmente atingia suas centenas de quilômetros
por hora.
473
CAPÍTULO 49
474
– Estão? – Caliel indagou, surpreso. – Como
eles estão?
Aron sorriu, depois reparou com mais atenção a
lira nas mãos do celeste.
– Estão vermelhos como essa pedra! – O
humano apontou o rubi preso ao instrumento
musical.
O anjo arqueou as sobrancelhas e aproximou-se
do rio. Abaixou em sua beira e olhou diretamente
seu reflexo na água. Como dois rubis cintilantes, viu
suas íris pulsarem em escarlate. Levantou, com os
olhos presos em Aron, um tanto assustado diante da
mudança repentina em seus próprios olhos.
Alguns metros dali, Rafael e Bariel repararam o
movimento, então o arcanjo indagou:
– Está tudo bem, Caliel?
– Sim, senhor! Mas é que... – Caliel travou,
olhando para o outro lado.
Rafael o encarou sorridente. Caliel voltou a
encará-lo e apontou os olhos, franzindo a testa.
– Meus olhos agora estão vermelhos!
O gigante arcanjo dourado se aproximou de
Caliel e parou em sua frente. De cima para baixo o
olhou, sorridente.
475
– Caliel, o que você precisa saber agora é que
essa foi uma mudança saudável. O restante sobre ela
você aprenderá com o tempo.
O anjo ruivo meneou a cabeça. Rafael olhou
para longe, estreitando os olhos.
– Está tudo bem, senhor? – indagou Caliel.
– É, Gabriel! – uma breve pausa – Ele chegou!
Bariel também se aproximou de todos. Pegasus
corria na beira do rio se refrescando com a água.
– A qualquer momento... – Rafael parou de falar
e sorriu olhando em frente, no Céu – Lá está ele! – O
arcanjo apontou uma brilhante estrela dourada, que
acabara de despontar-se ao longe, no imenso azul
escuro, acima do alvo azul.
Nesse momento, Pegasus também se aproximou
e se prostrou ao lado de Rafael. Como os outros, ele
agora também fitava a estrela brilhante se
aproximando. Quando Gabriel chegou mais perto,
todos puderam reparar com mais detalhe a majestade
do arcanjo ganhando terreno. Menos Aron, pois não
tinha visão celestial.
O arcanjo voava como um cometa. Não batia
suas asas. Em sua velocidade atual, suas reluzentes
asas eram deixadas para trás, formando um
grandioso rabo dourado. Ele não estava sozinho. Ao
476
seu lado, voava um grande leão branco. Suas asas
tinham formas de penas, mas brilhavam como luzes
douradas. Sua juba clara era imponente. Quando
mais próximo, foi possível avistar atrás de sua juba,
segurando em seus sedosos pelos, um homem e uma
mulher. Nesse momento, Aron já conseguia ver que
Gabriel não estava sozinho, mas ainda não via os
detalhes.
Quando chegaram, com um estrondo, ao frearem
bruscamente, plainaram no ar acima da cabeça de
todos e desceram em linha reta, com mais cautela. O
gigante Gabriel meneou a cabeça ao irmão arcanjo,
depois aos outros. O grande leão se abaixou para que
o casal descesse. Primeiro saltou o homem.
Esticando a mão, ajudou a mulher a descer.
Aron não escondera sua surpresa ao desconfiar
que o homem e a mulher à sua frente pudessem ser
Adão e Eva. O homem alto, musculoso, com pele
dourada, tinha a barba negra forrando o rosto e
usava apenas um saiote como veste. Ainda assim
impunha respeito. A mulher era frágil, com cerca de
um metro e setenta. O corpo era curvilíneo. Como
vestes, também utilizava uma pequena saia,
deixando as partes de cima à mostra. Os seios eram
belos, perfeitos, com mamilos redondos e rosados,
477
quase escondidos pelos lisos cabelos negros, que
caíam até a sua cintura. Isso deixou Aron um tanto
constrangido. Adão e Eva tinham os olhos castanho-
escuros.
O casal se ajoelhou perante o Arcanjo Rafael.
Então Adão disse, levantando a cabeça.
– Obrigado por nos permitir a entrada no Sétimo
Céu, Arcanjo.
– Você sabe que isso não cabe a mim, Adão.
Isso cabe ao Pai! – Rafael sorriu e pediu para que
eles se levantassem com um gesto e abrindo os
braços, acrescentou: – Como todos vocês podem ver,
estamos reunidos aqui hoje. Somos anjos, arcanjos e
humanos. – O arcanjo fez um gesto para que Gabriel
se aproximasse dele. Ele o fez. Abraçando o irmão
pela lateral, Rafael prosseguiu: – Não importa se o
Sétimo Céu é a morada do Pai, ou a morada dos
arcanjos. O que importa é que aqui, agora – o
arcanjo soltou Gabriel e apontou o chão –, nós temos
tudo de que precisamos para limpar a raça humana.
478
CAPÍTULO 50
* * *
482
CAPÍTULO 51
485
– Por essa eu não esperava – uma breve pausa –.
Quero dizer, todos eles juntos, assim, emanando
tanta divindade!
487
CAPÍTULO 52
489
– Primeiro você, Baal! – Belial gesticulou para
que o grande duque fosse à frente.
Ele sorriu satisfeito. Bateu suas gigantescas asas,
partindo na direção da princesa e dos tronos.
Aproximou-se como um gavião prestes a pegar sua
presa. Súbito, uma figura apareceu na sua frente.
Baal bateu as asas e foi jogado para trás em um
susto. Encarou o demônio por um momento até cair
sua ficha.
– O que você está fazendo? – indagou Baal. –
Porque você demorou, Azrael?
Abaixo do capuz, o duque segurava sua espada
em mãos. Soltando uma mão, levou-a à cabeça e
deslizou a touca para trás. Ao que viu, Baal
esbugalhou os olhos, engolindo a seco.
– Ca... Dê... Az... Ra... El? – perguntou Baal, um
tanto furioso.
Com um sorriso sarcástico, Hariel respondeu:
– Está bem guardado! – esticou os lábios,
mostrando os dentes.
* * *
491
Olhando acima, Barrattiel cruzou o olhar com
Haziel e viu quando ele desceu como um míssil.
Atingindo o solo naquela região, do ponto do
choque, uma grande bola dourada cresceu
desintegrando os infernais, abrindo um grande
espaço esférico, limpo, no chão.
Em determinado momento, em frações de
milésimos de segundos, prevendo a investida de
Haziel, Barrattiel conseguiu saltar e não fora
atingido pelo ataque que se sucedeu. Ainda no ar, o
gigante anjo explodiu suas asas e dali partiu,
radiante.
Haziel o olhou subindo e bateu suas asas, ergueu
voo e seguiu na mesma direção. Repentinamente,
fora interrompido por um corpo que o atingiu com
violência, arremessando-o longe, meio ao alvoroço
demoníaco. O corpo do anjo abriu um rastro nos
corpos negros, levantando poeira. Haziel se
recompôs rapidamente e antes que os diabretes o
alcançassem, ergueu voo novamente.
Alguns metros acima, olhando à frente, viu
Belial plainando no ar. Tinha um sorriso demoníaco
na face e os braços cruzados. Suas asas de morcego
rajavam, calmamente. Haziel o encarou e parou
cerca de cinquenta metros à sua frente, plainando.
492
– Que prazer grandioso! – disse Belial.
– Eu não posso dizer o mesmo! – respondeu o
anjo, rispidamente.
– Nossa! Faz tanto tempo que não nos vemos. A
recepção de vocês está abalada. Não estou gostando.
– Belial levou a mão à frente do corpo e bateu no
dedo indicador com o outro. – Primeiro Israel me
recepcionou como um cachorro. Agora você. Quanta
hostilidade!
– Não seja sonso, Belial! Vamos acabar logo
com isso. – Haziel cerrou os punhos.
– Fazer o quê! Já que você quer assim! – O
duque estreitou os olhos. – Só não pense que será
como com Pruflas.
Belial explodiu sua áurea satânica e partiu para
cima de Haziel.
No momento em que viu Belial partindo para
cima de Haziel, olhando a cerca de trezentos metros
à direita, Barrattiel também reparou em Baal
seguindo de encontro a Hariel. Mas nesse caso,
Daniel e Yesalel já partiam para aquele ponto. Então
ele desceu de encontro ao confronto entre Haziel e
Belial.
* * *
493
Em outro ponto do campo de batalha, Hekamiah
acabara de conseguir abrir espaço, derrubando uma
centena de demônios com uma só poderosa
investida. Ele explodiu suas asas e com ferocidade
alçou voo. Súbito, sentiu uma forte fisgada na perna,
depois outra na outra perna. Por fim, uma terceira o
acertou nas costelas. Tudo isso aconteceu em menos
de um segundo. O anjo despencou junto a Cerberus,
meio ao bando de demônios ferozes abaixo. Ele caiu
alguns metros afastado do gigante cão,
desaparecendo no mar negro, infernal.
494
CAPÍTULO 53
495
O primeiro homem assentiu com a cabeça.
Miguel seguiu e se aproximou de Bariel e Caliel. Os
dois se ajoelharam à sua frente. O arcanjo pediu que
eles se levantassem, proferindo em seguida:
– Meus anjos! – um largo sorriso – Dentro das
centenas de milênios que lutamos por essa raça,
nunca houve uma tarefa mais importante do que
essa. Fazei todo o possível para que os humanos
cheguem ao centro do planeta e saúdem suas pedras.
– Faremos isso, meu senhor! – exclamou Bariel,
sério.
– Mitra, Pegasus! – chamou Miguel.
Os dois animais deram um passo à frente.
– Por favor, assumi vossos postos – acrescentou
o gigante arcanjo de olhos amarelos.
Aproximando-se dos dois humanos, os bichos se
prostraram um de cada lado deles. Mitra ao lado de
Adão e Pegasus de Aron. Abaixaram-se e
aguardaram para que os humanos subissem em seus
corpos. Adão encarou Eva com um sorriso. Ela
meneou a cabeça, também sorridente. Adão então
posicionou sua mão no pelo macio do grande leão e
com um salto, montou o animal. Aron hesitou e
nesse momento fitou Caliel. O anjo lhe meneou a
cabeça e o humano então subiu no cavalo com asas.
496
Miguel tocou o cavalo com dois dedos e soltando
pequeninas estrelas luminescentes douradas, uma
rédea se materializou a partir do nada. O humano a
segurou.
Novamente, direcionando-se aos anjos, Miguel
disse:
– Meus caros anjos, ide! Fazei com que os
humanos atinjam seu objetivo e que a humanidade
consiga entrar em sua nova era.
– Lutaremos até a nossa última gota de sangue,
senhor! – Bariel fitou o restante dos arcanjos. –
Senhores! – disse meneando a cabeça.
Todos os cinco lhe assentiram com a cabeça,
sorridentes. Nesse momento, Pegasus empinou e
relinchou, dando pequenos chutes no ar, com as
patas dianteiras. Aron segurou o cinto de couro com
força e assim o cavalo saiu em disparada galopante.
Mitra deu um salto felino, alcançando cerca de
quinze metros à frente e dali saiu correndo com a
majestade de um rei leão. Adão segurava-nos pelos
macios que compunham sua grande juba.
Os animais corriam, beirando o rio cristalino.
Peixes avantajados nadavam tão velozmente quanto
eles, como lanchas submarinas. Bariel e Caliel
seguiam, voando, com velocidade nivelada aos
497
corredores abaixo. Súbito, os animais pisotearam o
ar. Daí por diante, começaram a subir em direção ao
céu escuro, correndo sobre o vento. Lindos
relâmpagos se formavam abaixo de seus pés, criando
uma avenida de luz cintilante. Os peixes, ali,
pararam e começaram a nadar em círculos, saltando
em sincronia. A impressão era de que o cardume
ficou observando o voo voraz do grupo, enquanto se
afastavam.
Quanto mais subiam, mais admirado ficava o
humano com a beleza divina do Sétimo Céu. Já tinha
ouvido falar que essa era a morada exclusiva de
Deus e dos arcanjos, mas ele também estava ali,
lutando a favor da humanidade.
Em determinado momento, os animais
encolheram as patas e começaram a bater suas
majestosas asas. A velocidade foi aumentando
consideravelmente e a direção do voo mudou. Bariel
e Caliel investiram mais ferozmente em suas asas,
explodindo o ar à volta. Rapidamente, alcançaram o
lado escuro do céu.
Uma estrela brilhou mais forte ao longe,
exatamente na direção da qual eles seguiam. O
fulgor, em volta dos seres celestiais, começara a se
expressar com mais vontade. Os anjos batiam suas
498
asas com todo o poder concedido a eles. Bariel
seguia um tanto à frente de Caliel, que apesar de
estar mais poderoso, lutava para acompanhar o
bando. Os dois anjos ficavam para trás, diante da
pujança dos dois animais divinos.
Olhando para trás, Aron percebeu a diferença na
distância entre eles e cutucou Pegasus. O cavalo, por
algum motivo, entendeu o que o humano queria,
então desacelerou e relinchou para Mitra, que
também diminuiu a velocidade. Os celestes, atrás,
aproximaram-se rapidamente e logo, todos estavam
lado a lado.
Subam...
Bariel e Caliel escutaram em suas mentes no
mesmo momento. Entreolhando-se, ouviram
novamente.
Subam, agora!
Os dois animais os encaravam.
Entendendo o recado, os dois celestes se
aproximaram dos dois gigantes bichos e montaram
seus corpos. Guardando suas asas na carne, os anjos
seguiram em trio. Aron e Caliel com Pegasus; Adão
e Bariel com Mitra.
Pegasus e Mitra se entreolharam e nesse
momento explodiram como dois mísseis, só que mil
499
vezes mais rápidos. A velocidade aumentava de uma
maneira colossal, nunca vista nem pelos anjos.
– O que é isso? – gritou Aron, segurando as
rédeas do cavalo alado, com toda a sua força.
Não que isso fosse ajudá-lo a se segurar, fazia
isso apenas por próprio alívio. O que os mantinha
presos era a energia divina dos animais. As estrelas,
ao redor, começaram a se deformar, transformando-
se em fechos de luz, que se alongaram de uma hora
para a outra, passando pelas laterais dos seres
voadores. As estrelas disformes pareciam estar em
próprio movimento, ao contrário deles.
O grande astro mais brilhante, de uma hora para
outra, foi alcançado e todos foram tomados por uma
grandiosa claridade. Naquele ambiente, pareciam
estar sobrevoando meio a um rio leitoso, em câmera
lenta. Aron reparou em suas mãos, quando as levava
à frente do corpo. O movimento era bem sutil, muito
mais leve do que se estivesse nadando. Moveu sua
cabeça para o lado. Dava a impressão de que o
movimento levava uma eternidade para acabar.
Reparou em Adão segurando a juba de Mitra, com
força. Os longos pelos claros movimentavam-se em
ondas suaves.
500
Subitamente, foram arremessados a outro
universo mais familiar para Aron. As estrelas tinham
apenas um tom e a uniformidade delas tinha uma
sincronia conhecida pelo humano. Olhando à frente,
Aron viu sua grande casa, o enorme planeta azul
meio a uma névoa cinza. Mas ali, a velocidade tinha
se reduzido bruscamente.
Todos mergulharam no globo, partindo para a
principal empreitada de suas vidas.
501
CAPÍTULO 54
502
dizendo: – Yesalel estava atrás de mim. Onde ele
está?
Nesse momento, eles viram Yesalel como um
míssil partindo na mesma direção da estrela e de
Baal. Daniel acrescentou, olhando os que se
afastavam rapidamente:
– Bariel e Yesalel juntos! Hum... Podemos
realmente nos concentrar totalmente aqui.
* * *
505
– Este é um presente da cidade da luz, meu caro
irmão. Uma história para depois – respondeu
Mazarak.
A emoção de Daniel, naquele momento, foi tão
grande que se comparada a algo material, poderia ser
considerada titânica.
– O que significa isso tudo? – após se recompor,
Daniel indagou, olhando os outros duques em volta.
Antes que o duque de asas negras respondesse,
aproximando-se, sem que Daniel percebesse, Hariel
falou nas suas costas:
– Eles estão conosco, Daniel!
– Quem... Está conosco? – o anjo se virou,
perguntando à loura.
– Todos eles!
– Eles são demônios, Hariel! – afirmou Daniel.
– Não, Daniel. Eles são Duques de Lúcifer.
– Como você p...
Hariel interrompeu, antes que Daniel pudesse
terminar sua pergunta.
– Não temos tempo para isso agora. Você vai ter
que confiar em mim! – Hariel segurou seus braços.
Daniel hesitou por alguns segundos. Então a
princesa Auriel se aproximou, dizendo:
– Ela tem razão, Daniel. Eu posso senti-los! –
estava sorridente.
Ele a olhou por alguns segundos, depois meneou
a cabeça. Auriel também assentiu com a dela.
506
– Baal partiu para lá atrás de algo. – Hariel
apontou ao norte olhando para Beelzebuth.
– Sim, ele foi atrás do humano. – Virando-se
para Astaroth, Beelzebuth disse: – Você venha
comigo! – Olhou para Mazarak. – Fique aqui e ajude
os outros.
Astaroth segurou a bainha de sua espada como
forma de prontidão à partida e disparou para o norte
seguindo Beelzebuth.
507
CAPÍTULO 55
* * *
* * *
509
– Vá com ele! – a mulher disse. Se tivesse os pés
tocando o chão, chocaria um deles contra ele nesse
momento.
– Estou indo! – O duque de Lúcifer das asas
negras mergulhou no ar.
– Obrigado por ficar conosco, Hariel! – disse
Auriel.
– É uma honra, princesa! – olhando em volta,
Hariel indagou: – Onde estão os outros doze?
Olhando para baixo, com o olhar triste, Auriel
falou:
– Israel se foi!
Hariel a olhou, estupefata. A princesa
acrescentou:
– E estou preocupada com o restante deles. –
Voltou a encarar os olhos azuis da loura.
* * *
510
Plainando rapidamente a quinze metros acima
do solo, Daniel voava e alguns demônios pulavam,
tentando alcançá-lo. Alguns se aproximavam, mas
caíam novamente. Mazarak vinha logo atrás, um
pouco mais baixo. Os monstros que pulavam para
apanhá-lo eram bombardeados com murros e chutes
poderosos. Muitos eram desintegrados na mesma
hora.
Avistando algumas dezenas de metros à frente,
Daniel viu Hekamiah lutando desesperadamente pela
própria vida. Diabretes pulavam em cima dele,
mordendo, arranhando-o. Ele os afastava, mas outros
acometiam em seguida. Outros, mais robustos,
tentavam lhe acertar com grandes porretes, mas
esses não eram dotados de velocidade suficiente para
isso.
Daniel partiu em sua direção. Aproximando-se,
subitamente fora interrompido por Cerberus, que
pulou muito alto e o agarrou com a boca da cabeça
central. A primeira reação do celeste foi esconder
suas asas. No mesmo momento, Mazarak disparou
para tentar desprender o irmão das mandíbulas
poderosas do grande cão. Enquanto ele se
aproximava, Daniel gritou, ainda despencando meio
aos dentes de Cerberus:
511
– Não! Ajude Hekamiah! – O celeste apontou
para o anjo e o cachorro mergulhou com ele no meio
da agigantada população furiosa de infernais.
Daniel lhe desferia socos na mandíbula, mas
Cerberus só o apertava mais. O anjo girou o corpo o
mais forte que pôde, tentando escapar, mas estava
tão bem preso, que o gigante cachorro girou seu
corpo junto e se esborrachou no chão.
Levantando, com a destreza de um pitbull
sobrenatural, ágil, o duque começou a girar a cabeça
de um lado para o outro, furioso. O anjo balançava
em sua boca como um boneco, cada vez sentindo
mais os grandes dentes penetrando em sua carne. Em
determinado momento, o anjo conseguiu desprender
um braço, estava molhado com sangue. Ele o levou
até a bainha e conseguiu pegar a espada. Exatamente
na hora em que ele puxou a arma, fora abocanhado
novamente, só que dessa vez na perna, por outra
cabeça do cachorro.
Por sorte, já tinha sua lâmina solta, senão seria
rasgado ao meio. Com muita agilidade, introduziu-a
diretamente na cabeça central do duque. Um grito
agudo. Imediatamente sentiu seu tronco solto, mas a
perna ainda estava presa e seu corpo balançava
como um pedaço de bife, prestes a se romper.
512
Utilizando o próprio peso do corpo e o
movimento criado, na medida em que o cachorro o
balançava, Daniel levantou sua lâmina e só precisou
esticar o braço. A arma passou pela garganta do
cachorro, degolando-o, abrindo um grande corte que
ia de um lado ao outro. Isso foi o suficiente para que
Cerberus o soltasse. A cabeça começou a se debater
e revirar os olhos. A da esquerda, ainda intacta,
também revirou os seus. O sangue esguichava da
ferida como de uma mangueira potente.
O corpo do anjo caiu no chão e foi lavado por
um grosso sangue tão escuro, que era quase negro.
Fez um rolamento para o lado e fitou o gigante
cachorro estrebuchar com as duas cabeças. Não
esperou sua queda e começou a correr em alguma
direção, trombando em diabretes, fazendo-os cair
com violência. Ao perceberem o celeste avançando,
os demônios começaram a se lançar em cima dele.
Aqueles tinham aproximadamente seu tamanho. Ele
os retirava de cima do corpo e os arremessava com
facilidade enquanto corria. Muitos eram destroçados
por sua espada prateada.
Aquilo não teria fim. O anjo tinha que pensar em
algo para se livrar daqueles infernais e explodir suas
asas. Enquanto corria disparadamente, Daniel
513
avistou, à sua esquerda, demônios sendo lançados ao
alto. Então seguiu naquela direção. Quando se
aproximou, estourou uma barreira de infernais, que
formavam uma arena circular com seus corpos,
hesitando, ao atacar dois ferozes guerreiros,
poderosos. Vendo a tamanha fúria de Hekamiah e
Mazarak, no meio da arena, esmurrando, chutando
demônios para todos os lados, Daniel se posicionou
de costas para os dois e socou o próprio punho,
dizendo:
– Vamos arrebentar!
514
CAPÍTULO 56
518
CAPÍTULO 57
* * *
* * *
523
CAPÍTULO 58
526
– Nunca diga isso! – gritou Bariel – Eu nunca
lutaria ao lado de alguém com intenções como as
suas.
– Infelizmente, este rebelde diz a verdade! –
disse Baal, com tom de voz um pouco mais alto.
Acrescentou, em seguida, repuxando um canto da
boca: – Agora você, Astaroth, você me decepcionou
de verdade!
Bariel o olhou com os olhos arregalados, depois
fitou Beelzebuth, que disse:
– Irmão! Nós estamos do mesmo lado e lutamos
pela mesma causa – uma breve pausa –. Pela
humanidade!
O primeiro comandante estava estupefato. Caliel
deu um passo à frente e virou um pouco o rosto para
Bariel, dizendo:
– Ele diz a verdade, comandante.
– Como? – pela primeira vez Bariel se sentia
completamente confuso.
– Blá, blá, blá. Blá, blá, blá! Agora vamos parar
com essa melação, que eu tenho pressa – disse Baal,
interrompendo o diálogo. – Então são quatro agora?
– Mostrou quatro dedos. – Acho que agora começou
a se tornar divertido. – O grande duque explodiu sua
527
satânica áurea, fogosa, berrando em seguida: –
Quem vai ser o primeiro?
O quarteto se armou, prontificando-se para o
grande combate.
528
CAPÍTULO 59
529
Nesse momento, o anjo disparou como um
míssil na direção de Belial. Tudo passou como em
câmera lenta. O celeste se aproximou com fúria
guerreira no olhar e levantou sua espada flamejante
como quem descesse com a lâmina em direção ao
corpo do duque. Belial levantou sua espada para
chocá-la contra a arma de Haziel, mas
inesperadamente, a arma brilhante do celeste
atravessou sua espada, quebrando-a em duas. Em
seguida, desceu em direção ao centro dos olhos do
demônio. A lâmina penetrou na carne e continuou
cortando tudo pela frente.
Os olhos do duque acenderam em um estalo e se
apagaram quando a lâmina passou meio aos seus
olhos, prosseguindo, atravessando o nariz, queixo,
pescoço. Chegando aos ossos peitorais, estalos
puderam ser ouvidos. Por fim, venceu a linha do
abdômen e saiu pela região da pélvis. O corpo do
duque despencou em duas partes, misturando-se com
os diabretes abaixo.
Sem esperar, Haziel explodiu para outro ponto
da batalha. Durante o voo, reparou nas esferas
cadentes.
* * *
530
Furiosos, Daniel, seu irmão de espírito,
Hekamiah e Barrattiel duelavam contra os
demoníacos. Pareciam estar no controle da situação,
só precisavam de mais tempo para explodir suas asas
e sair dali. Repentinamente, eles perceberam grandes
corpos redondos despencando de algum lugar no
céu, caindo em todos os lugares da grande arena.
As grandes bolas negras, ao se chocarem,
acabavam matando alguns próprios infernais. Uma
quase caiu sobre Daniel, mas ele se esquivou
rapidamente, pulando para o lado. Como um grande
tatu se desenrolando, a esfera se transformou em um
robusto demônio, com cerca de dois metros de
altura. Um gigante chifre único se erguia do que
parecia ser sua cara. Os braços eram troncudos,
porém, no lugar das mãos, tinham grandes pontas
metálicas. Nas costas, tinha um casco sutil. Dele se
ergueram grandes asas com cerca de quatro metros
cada uma. Isso aconteceu no campo inteiro de
batalha.
Aproveitando esse tempo, Daniel explodiu suas
asas junto a Hekamiah. Barrattiel e Mazarak. Então
todos ergueram voo na vertical, despontando-se
também do mar negro de guerreiros demoníacos.
531
Olhando para baixo, Daniel reparou que estavam
sendo seguidos por três enormes criaturas das
recém-chegadas. Os outros três parceiros também
perceberam a presença.
Apesar de grandes, as criaturas eram tão ágeis
quanto os celestes. Voavam em suas rabeiras como
grandes e enfurecidos rinocerontes alados.
Repentinamente, a criatura que guiava o bando fora
destroçada por um só golpe dos punhos de Haziel
que chegou como um foguete. Isso fez com que as
que estavam na retaguarda parassem. O anjo se
posicionou às suas frentes majestosamente,
segurando sua espada flamejante.
Sentindo tal poder emanado de Haziel, Daniel
olhou para trás e avistando o anjo louro, imponente,
viu que não estavam mais sendo seguidos. Agora o
poder de Haziel estava tão grande que uma grande
fogueira ardia de seu corpo. Toda a atenção do
campo de batalha se voltava aos poucos a ele. Em
pequenos grupos, os novos demônios alados
começaram a se lançar na direção de Haziel. Quando
um pequeno enxame se aproximou, súbito Haziel
expandiu sua poderosa áurea cintilante, ao ponto em
que os infernais fossem atingidos, sendo
532
desintegrados imediatamente – o anjo acabara de
iniciar a mais poderosa técnica celeste.
Durante todo aquele curto período lutando
contra as forças demoníacas, não parou de pensar,
por apenas um segundo, sobre seu centenário no
inferno. Sabia que tinha vencido Pruflas, mas aquilo
nunca seria o suficiente para compensar o que ele
passou nas mãos deles. Pensava também no que eles
fizeram com a humanidade. Haziel estava disposto a
dar sua vida para acabar com aquela batalha. Nesse
mesmo momento, pela primeira vez, um sentimento
de vingança brotava no peito do anjo.
533
CAPÍTULO 60
537
CAPÍTULO 61
* * *
* * *
540
CAPÍTULO 62
542
O ruivo meneou a cabeça e correu em direção ao
primeiro comandante, amparando-o e o levando
embora. O trio se pôs a lutar e dessa vez Astaroth
também tirou sua espada da bainha. Baal esfregou as
palmas, dizendo:
– Que beleza! Três contra um. Agora a
brincadeira vai começar de verdade.
Quem atacou primeiro foi Yesalel, em seguida
Beelzebuth. Os dois chegaram juntos a Baal, que
com um solavanco direito, explodiu o peito de
Yesalel. Esquivando a cabeça para o lado como um
vulto, fugiu do soco direto de Beelzebuth. Com essa
vantagem, flexionou a perna e soltou uma poderosa
joelhada nas costelas do duque. Em um movimento
tão rápido que quase não se podia ver, Baal segurou
os dois guerreiros pelo pescoço e os arremessou no
chão, aos seus pés. Em seguida, pulou e caiu,
afundando suas cabeças no solo, com seus pés.
Com os dois guerreiros caídos ao lado, olhando
para Astaroth, o grande duque indagou:
– E você, não vem?
As pernas de Astaroth tremiam. Seu estômago
regurgitava. O pavor perante Baal era colossal.
Todos aqueles anos e ele nunca teve coragem de
dizer o que sentia de verdade. Como um covarde,
543
apenas passou para o lado oposto, deixando seu
outro grupo maléfico desamparado. Sabia que se o
atacasse, morreria. Naquele momento, Astaroth
levantou sua lâmina e em um poderoso rajar de asas,
explodiu o vento em volta e subiu para o Céu como
um meteoro ao contrário. Baal o fitou distanciando-
se rapidamente. Tinha as mãos na cintura.
– Covarde! – disse Baal.
O grande demônio olhou seus dois adversários
no chão, tão machucados na face que não
conseguiam se mexer. Ele levou a mão à cintura e
puxou sua grande espada escura.
– Como eu disse anteriormente, eu vou matar
vocês. – Olhando acima, para onde Astaroth partiu,
acrescentou: – Depois eu pego aquele covarde.
Em um movimento veloz, sem hesitar, Baal
fincou sua espada, atravessando a carne e perfurando
o coração de Beelzebuth. O duque soltou um grito
abafado, contraindo todos os músculos do corpo. Em
seguida, sua cabeça pendeu, chocando-se com o
solo.
– Um já era! – puxando sua lâmina
sanguinolenta de volta, Baal andou até Yesalel e o
cutucou, dando-lhe alguns chutes nas costelas. –
544
Agora vamos ver como me saio com o grande
segundo comandante dos anjos.
Baal levantou sua lâmina negra, lampejando o
brilho dos relâmpagos. Em seguida, desceu furioso
em direção ao peito do celeste. Mas Yesalel tirou de
dentro de seu espírito um resquício de energia,
segurando a arma com as duas mãos. Enquanto a
força de Baal impulsionava para baixo, a folha
cortava as mãos do anjo, fazendo escorrer um
sangue vívido. Mas ele não desistia e apesar da dor
alucinante, forçava ao contrário, lutando pela vida.
– Eu vou te matar, comandante. Eu vou te matar!
Não adianta você tentar prolongar isso alguns
segundos. Eu... Vou... Te... Matar! – gritou Baal.
A espada já começava a perfurar as primeiras
camadas de pele. A fisgada foi mais forte quando
penetrou o músculo peitoral de Yesalel, que nesse
momento rosnou. Em seguida, soltou um berro
furioso, retirando alguns centímetros a lâmina. Mas
Baal começou a forçar ainda mais. Dessa vez
perfurando completamente a camada muscular do
anjo, chegando até quase seu coração. O segundo
comandante gritou bravamente e não conseguindo
mover a lâmina para cima, segurou-a onde estava
por alguns segundos. Esse foi o tempo suficiente
545
para que Baal fosse atingido por uma pequenina bola
luminosa. Essa o atingiu na testa, perfurando seu
crânio como uma bala.
O duque caía com os olhos se revirando,
soltando a pegada de sua espada. A arma caiu ao
lado de Yesalel, que antes de apagar, enquanto sua
mente escurecia e entrava nas trevas, pôde avistar
uma linda cachoeira bronzeada, luminosa,
formando-se metros à sua frente. As trevas do
ambiente cessaram e então seu último fragmento de
consciência desvaneceu.
546
CAPÍTULO 63
* * *
548
– Deixe que seu coração guerreiro o guie ao
caminho certo. Haziel é poderoso. Tenho certeza de
que ele conhece os seus próprios limites.
– É disso que eu tenho medo! – respondeu
Hariel.
* * *
549
CAPÍTULO 64
551
Um grande raio dourado explodiu próximo aos
guerreiros. Olhando acima, repararam nas nuvens e
em seus movimentos furiosos. Relâmpagos
rasgavam o céu e eram seguidos por trovões que
tinham a força de mil bombas. Mais uma descarga
elétrica. Dessa vez mais poderosa, mais próxima.
Essa atingiu o corpo moribundo de Baal. Em
seguida, mais uma e mais uma. Todas em tons
alaranjados. Um cheiro forte de queimado subiu com
a fumaça negra que exalava do corpo do grande
duque infernal.
Yesalel se aproximou do corpo do demônio,
averiguando seu lamentável estado. Sua cara
demonstrou repugnância, fazendo os outros
hesitarem a olhar. Então não o fizeram.
– Vamos! Temos que salvar a humanidade –
disse Lúcifer.
Ao término da frase do arcanjo caído, o corpo de
Baal começou a levitar em posição ereta, tomado por
uma luminosidade avermelhada em sua volta. A
cabeça do duque estava tombada para o lado, apele
completamente enegrecida, o corpo reduzido, a
língua de fora e no lugar dos olhos tinham dois
buracos, torrados, ainda exalando fumaça.
Completamente morto, era manejado por alguma
552
força maior. Finas estrias flamejantes começaram e
se formar por todo o seu corpo, transformando-o em
algo parecido com solo seco, mas com lava por
baixo.
Todos pararam e fitaram o grande duque
entrando em estado de decomposição. De negra, sua
pele passou a ser vermelha, quase querendo derreter.
A temperatura, em seu corpo, parecia aumentar
astronomicamente a cada segundo. Súbito, ele se
contraiu em uma pequena esfera rubra, explodindo
em seguida, criando uma grande onda de choque em
todas as direções.
Lúcifer, Yesalel, Beelzebuth e Caliel viram o
que parecia ser o completo fim de Baal, mas não foi
o que aconteceu. No lugar da esfera escarlate, uma
negra, exatamente igual, ficou plainando no ar.
Acima, o céu começara a se tornar vermelho.
Relâmpagos multicoloridos, trevosos, serpenteavam
pelas nuvens escuras. Repentinamente, a água
começou a despencar em uma tempestade torrencial.
Dava-se para ver que antes de tocar na esfera negra,
a água evaporava, criando um anel de névoa clara
em sua volta. Súbito, uma onda poderosa de choque
emanou da bola preta. Todos os guerreiros ativos
colocaram-se a se defender, sendo arrastados poucos
553
metros. Apenas Lúcifer parecia uma rocha presa ao
solo, de tão firme. Antes que pudessem reatar a
posição inicial, mais uma onda, um pouco mais
poderosa. Em seguida, mais uma e essa fez com que
a esfera aumentasse sua massa cerca de vinte vezes.
– O que é isso? – perguntou Caliel, aos gritos,
prendendo suas pernas no chão com todas as forças.
Fitando a esfera com os olhos semicerrados, o
arcanjo de bronze disse:
– Como eu suspeitava! Não seria tão fácil.
Feixes elétricos roxeados inundavam a camada
externa da bola. Pulsando novamente, a esfera
emitiu um som agudo, vibrante. O ar se deslocou
com violência, tirando os celestes do lugar alguns
metros. Menos o arcanjo, que se manteve firme. De
uma hora para a outra, a esfera se tornou uma grande
fumaça negra, que cobria uma região com cem
metros de altura por cem de largura. Uma larga
risada maligna foi emitida do que pareceu vir do
centro da nuvem.
– Ele voltou! – disse Beelzebuth.
– Como é possível? – indagou Caliel.
– Ele adquiriu muito poder com a revolução
mundial. Não vejo outra explicação! – disse o duque
de Lúcifer.
554
– Não foi exatamente isso! – respondeu o
arcanjo.
Todos olharam para ele, atentos. Então ele
acrescentou:
– A própria humanidade foi a causadora por lhe
atribuir grandioso poder! – uma leve respirada – Os
pecados terrestres criaram uma energia maligna,
poderosa, e ele a absorveu completamente.
A grande nuvem negra começou a girar em seu
próprio eixo, transformando-se em um poderoso
furacão, mas que rapidamente se afunilou e moldou-
se na forma do próprio Baal. Agora sua pele era
negra. Seus olhos escuros continuavam escuros.
Seus chifres pretos continuavam pretos, só que o
fosco se transformara em brilho. Suas juntas
pareciam expelir grandes ossos pontudos, negros,
por todo o corpo. Seu sorriso macabro, confiante,
arrepiou todos, menos Lúcifer.
Nesse momento, o grande arcanjo de bronze
materializou uma grande espada de bronze, tendo na
divisão entre a empunhadura e a lâmina, uma
lampejante pedra de safira – brilhante, igual seus
olhos.
– Não poderia ser um final mais perfeito! – disse
Baal.
555
– Concordo! – exclamou o arcanjo, repuxando
um canto da boca em um sorriso.
556
CAPÍTULO 65
557
– Eu sempre suspeitei que isso fosse acontecer
um dia. – Hekamiah estreitou os olhos. – Afinal, um
dia Bariel passou por isso e todos nós passaremos.
Só não sabemos quando. Agora é a vez de Haziel.
Temos que agradecer por isso nesse momento.
Todos levantaram suas espadas e clamaram a
Haziel, inclusive o anjo de asas negras. Barrattiel
baixou sua grande espada e levou o dedo indicador
ao queixo.
– Se Bariel e Yesalel passaram por isso e estão
aqui, isso quer dizer que Haziel e Daniel tem
chances – uma breve pausa –. Mas quantosjá
passaram por isso?
* * *
558
– Hariel, espere – gritou Auriel, já sem nenhuma
esperança de Hariel retornar.
A mulher anjo parou exatamente de frente para
Haziel, fora do raio da esfera de energia. Isso lhes
dava cerca de cem metros de distância. Ela gritava o
nome do anjo, mas ele não parecia escutar, nem a
enxergar. Ao longe, ela percebia que seus olhos
estavam completamente brancos. Sua mente estava,
por inteiro, alheia às percepções daquele mundo
externo.
Foi aí que Hariel aproximou seu braço, tocando
a esfera. Instantaneamente pôde ser ouvido um som
parecido com água quando é jogada em uma
fogueira. Ela puxou o braço de volta e fitou a carne
tostada, fumegante.
* * *
561
CAPÍTULO 66
564
Súbito, o cavalo relinchou, empinando e o leão
soltou um grandioso rugido. Yesalel os observou
repuxando o canto direito da boca.
– Temos que ir! – disse o segundo.
565
CAPÍTULO 67
566
Repentinamente, a esfera menor penetrou na maior,
formando apenas uma esfera, mais poderosa.
Dentro do campo energético, onde o som era
abafado, Daniel flutuou até Haziel, aproximando-se
e ficando apenas um metro de distância dele. A essa
altura, sua esfera já tinha se fundido com a do anjo
louro. Nitidamente a mente de Haziel estava em
outro lugar. Com calma, Daniel chamou seu nome,
mas ele não emitiu nenhuma reação.
O poder interno da esfera chegava a ser
assustador. A impressão era de estarem dentro de um
buraco negro, com seus trilhões de lampejos
radiantes. A qualquer segundo poderia explodir.
Sem perder tempo, Daniel segurou os braços de
Haziel pelas laterais e o chacoalhou. Em cinco
segundos de investida, Haziel mostrou suas íris
azuis, brilhantes.
Para quem estava fora da esfera, foi possível vê-
la pulsando, explodindo o ar à sua volta.
– Daniel! O que está fazendo aqui? – indagou o
anjo, surpreso, aos berros.
– Você tem que parar com isso!
– Eu não posso!
Daniel passou a mão pelo queixo e depois levou
os braços à cintura.
567
– Vamos fazer isso juntos então – retrucou
Daniel.
– Não dá! Saia daqui, agora.
– Não. Estarei com você até o fim! – gritava o
anjo moreno. – E outra, é impossível eu sair daqui –
ele deu um sorrisinho.
Nesse momento, Daniel se colocou ao lado de
Haziel, forçando seus músculos, impulsionando uma
grande energia para fora de seu corpo.
568
CAPÍTULO 68
571
CAPÍTULO 69
574
Dentro da bola de energia, Haziel e Daniel se
entreolharam, meneando a cabeça um para o outro.
De repente, tudo foi tomado por uma névoa branca,
ficando impossível a percepção visual naquele
ambiente. Daniel tentou gritar o nome de Haziel,
mas percebeu que não escutava sua própria voz,
além de não poder enxergar sua mão um centímetro
na frente do rosto.
Cerca de vinte quilômetros afastados, ainda em
avanço, o quarteto percebeu quando o som
desapareceu por completo. Era como se todos
tivessem ficado surdos de uma hora para outra.
Todos pararam e fitaram a grande esfera. A surdez
durou apenas um pouco mais de um segundo. Em
seguida, a grande bola se reduziu a quase nada e
explodiu em uma detonação de magnitude
descomunal.
– Não vamos conseguir! – gritou Hekamiah,
fitando a grande nuvem de poeira se aproximando a
toda velocidade.
Todos arregalaram os olhos. Foi esse o tempo
necessário para que fossem atingidos por uma
grandiosa claridade, em conjunto com a força da
detonação e seus detritos. Tudo ficou branco.
575
CAPÍTULO 70
577
crânio com as suas mãos e começou a apertar com
uma força esmagadora.
Imediatamente, uma dor alucinante se
desenvolveu pela cabeça do duque. Naquele
momento, sua vida passou inteiramente pela sua
cabeça. Um grão de arrependimento acendeu em seu
peito, mas logo fora substituído por uma onda de
ódio infernal; ódio dos humanos; ódio dos anjos;
ódio dos arcanjos; ÓDIO DE DEUS!
– Nunca ouse ameaçar meu Pai! – disse Lúcifer.
Por fim, a cabeça de Baal explodiu nas mãos do
arcanjo como uma melancia, espirrando pedaços e
sangue negro para todos os lados. O corpo do grande
duque caiu de joelhos, oscilou cerca de três
segundos e caiu de lado. Seus dedos soltaram
movimentos involuntários por alguns segundos,
contraíram-se e se abriram levemente. Baal estava
morto.
Lúcifer fitou o corpo de Baal no chão, em volta
de uma grande poça de sangue escuro, em
crescimento. Súbito, sem nenhum aviso, o corpo do
grande duque explodiu em uma grande detonação. O
arcanjo fora arremessado a dezenas de metros,
caindo em pé. Olhando na mesma hora para o local,
onde antes estivera o corpo de Baal, reparou em uma
578
pequena nuvem negra que subira e se dissipara no
ar.
579
CAPÍTULO 71
583
CAPÍTULO 72
584
ao restante, Lúcifer disse, estapeando as próprias
palmas:
– Agora vamos salvar a humanidade!
Yesalel se aproximou.
– Desculpe, arcanjo. Eu não tive tempo de lhe
agradecer.
– Não é necessário, comandante. – Lúcifer
passou as mãos na frente do corpo, mostrando o
brilho dourado. – Agora tenho tudo de que eu
precisava! A benção do Pai, novamente.
Lúcifer flutuou, sem precisar mostrar suas
majestosas asas resplandecentes. Quando ele
explodiu em uma direção, todos o seguiram.
Sobrevoaram a região em círculos, por cerca de
cinco minutos, até que o arcanjo parou, encarando
certa parte dela.
– Eu sei, Pegasus. Está tudo muito diferente –
respondeu o arcanjo a algum comentário mental do
cavalo. Em seguida, mergulhou em direção ao
ponto, seguido por todos.
Pousaram após alguns segundos, meio a um
grande terreno desértico, com solo seco, claro. Havia
rochas erguidas aos montes. A maior atingindo no
máximo dois metros de altura, sendo assim, menor
do que o arcanjo. Lúcifer encarou as duas pedras
585
azuis-safira presas a uma sacola transparente, em
cada cintura de cada um dos humanos.
– Por favor, meus meninos, vão à frente! –
Lúcifer gesticulou aos humanos.
Aron arregalou os olhos, olhou à frente e viu
apenas uma grande pedra a dois passos dele. Fitou o
arcanjo, confuso. Mas quem tomou a iniciativa foi
Adão, que impaciente, aproximou-se da pedra e
atravessou sua face como se fosse uma parede de
água, que brilhou em branco, ao seu transpassar.
Aron deu de ombros e seguiu Adão. Em seguida,
passou Caliel, os animais, Beelzebuth e Yesalel.
Quando passou pelo arcanjo, parou e indagou:
– Estamos seguindo para onde acho, meu
senhor?
Com um sorriso repuxando os lábios, Lúcifer
respondeu:
– Você verá.
O Segundo comandante sorriu e entrou na
passagem. Lúcifer se abaixou e entrou logo atrás
dele.
586
CAPITULO 73
588
CAPÍTULO 74
591
– O Sétimo Céu é onde estávamos antes, certo?
– Sem esperar a resposta, Aron continuou: – Se lá é
a morada dos arcanjos, aqui é a morada de quem?
Caliel sorriu com a inocência da pergunta e
balançou a cabeça para Adão, que respondeu,
entrando na conversa:
– Aqui já foi a minha morada, mas antes de se
transformar no Primeiro Céu. Antes de tudo. Antes
que Deus criasse todos os outros céus.
– Quem reside nos outros céus? – perguntou
Aron.
Todos já tinham saído do poço, até que Lúcifer
flutuou pelo buraco, entrando na dimensão, em
posição horizontal, para assim virar o corpo,
pousando imediatamente. A atenção no arcanjo
dourado quebrou o raciocínio de todos na conversa.
Em seguida, Lúcifer disse:
– Venham por aqui, meninos! – Lúcifer seguiu
em frente, sendo seguido por todos.
– Contarei a história dos sete céus outra hora.
Mas antes, eram apenas três céus. – O ruivo soltou
uma piscadela, deixando Aron curioso.
Todos andavam em conjunto, reparando na
abundância poética da paisagem. Pequenos
mamíferos corriam. Macacos saltavam de árvore em
592
árvore. Cinco onças repousavam à sombra de uma
pequena, porém, volumosa árvore. Um pouco mais à
frente, hipopótamos se banhavam no rio cristalino.
Dois ursos pardos atravessaram na frente deles,
fazendo com que Aron ficasse assustado.
– Pode vir! – Lúcifer o chamou. – Eles não vão
fazer nada.
Aron hesitou, mas voltou a andar, sem
desprender os olhos dos grandes ursos.
– Desculpe, Lúcifer, mas para onde estamos
indo? – indagou Adão, enquanto caminhavam sobre
a grama verde.
Lúcifer colocou as mãos para trás, com sua
majestade.
– Você se lembra do seixo divino?
Adão concordou com a cabeça.
– Nós estamos indo para lá.
593
CAPÍTULO 75
– AO GRANDE HAZIEL.
– AO GRANDE DANIEL.
– UM POR TODOS!
– TODOS POR UM!
595
CAPÍTULO 76
596
a cabeça para baixo. Os animais, nesse momento,
aproximaram-se dos humanos. Lúcifer acrescentou:
– Mostrem-me suas pedras.
Todos olharam estupefatos para o arcanjo,
tentando entender como ele sabia das pedras azuis.
Enquanto isso, os humanos as tiravam das sacolas
transparentes.
Aron e Adão o fizeram.
– Arcanjo? Posso fazer uma pergunta? –
perguntou Aron.
– Mais uma além dessa? – indagou Lúcifer,
brincalhão.
Aron sorriu sem graça, coçou a cabeça.
– É! – O humano tinha um sorriso largo.
– É claro, estou apenas brincando! – o arcanjo
respondeu com um brilho nos olhos cor de safira.
– Como saberíamos o que fazer se você não
estivesse aqui?
– Acredite em mim. Vocês descobririam! – mais
um sorriso do arcanjo dourado.
– Como?
–As possibilidades são infinitas – afirmou o
arcanjo. – Agora vamos salvar o mundo?
Beelzebuth, Yesalel e Caliel analisavam o
momento, um tanto mais atrás.
597
– Preciso que vocês façam mais uma coisa! –
Lúcifer apontou as pedras. – Toquem uma na outra,
por favor.
Aron e Adão manejaram suas pedras, tocando-as
imediatamente. Nesse momento, um leve brilho
claro floresceu das pedras unidas.
– Muito bom! – disse o arcanjo. – Você está
pronto, Adão?
O humano inclinou a cabeça e disse:
– Sim!
Súbito, Adão movimentou sua cabeça, olhando o
Céu. Seus olhos brilharam em uma luz própria.
Ampliando-se, a luz se alongou em um raio dourado,
que subiu até se perder de vista, ainda ligada aos
olhos do humano.
Aron tinha os seus arregalados diante do transe
de Adão. Ele acompanhou a linha brilhante até o
Céu. Lá, ele percebeu que um desenho começara a
se formar ao traçar dos fios dourados. Seis pontos
brilharam mais fortes. Ligados pelas linhas
radiantes, formaram o símbolo dos arcanjos, a
estrela de seis pontas. Repentinamente, do centro da
estrela, desceu um poderoso feixe de luz, atingindo
Aron em cheio. No mesmo momento, o humano foi
levado a um fundo transe.
598
Imagens que nunca tinha visto começaram a
passar por sua cabeça em turbilhões. Humanos
guerreando entre si desde as épocas antigas. Imagens
da primeira guerra mundial, da segunda, de guerras
menores. Sangue, ele via muito sangue.
Isso tudo foi muito rápido, mas a tensão das
cenas horrendas fora substituída por uma sensação
de paz, quando começou a enxergar imagens belas e
emocionantes: o nascer de uma criança esperada
ansiosamente pelos pais; músicos tocando seus
instrumentos, compondo melodias reconfortantes;
pessoas deficientes sendo guiadas, ou ajudadas de
qualquer forma por outros humanos; homens
parando carros para ajudarem pessoas dificultosas a
atravessarem ruas, rodovias; animais recebendo
tratamentos de igualdade, agradecendo com seus
olhares inocentes; um idoso sendo amparado nas
ruas, levado a algum lugar seguro; mendigos sendo
alimentados por multidões honrosas; abraços, muitos
abraços; risos; lágrimas de felicidade.
O humano nunca sentira tanta paz, alegria e
conforto como naquele momento.
599
CAPÍTULO 77
* * *
600
Em São Paulo, um bando de humanos possuídos
perambulava pelas ruas, sem rumo. O poder da
energia era tão imenso que despertou a atenção
deles, fazendo-os fitar a poderosa parede se
aproximando ao longe. Ficaram ali parados,
olhando, com seus olhos enegrecidos, mas que
naquele momento pareciam inocentes.
Nesse mesmo momento, a gigantesca onda
dourada, radiante atingia Hong Kong na China,
Sydney na Austrália, Fort Rupert no Canadá, Nova
York nos Estados Unidos e Vorkuta na Rússia.
Quase toda a Europa já tinha sido tomada. A África
se tornara completamente dourada, inundada de luz.
Olhando do espaço sideral, dava-se para ver uma
agigantada onda dourada varrendo o planeta, até
tomá-lo por completo. Mais afastado, o planeta
Terra, naquele momento, tornou-se um ponto
reluzente, que obtinha ainda mais luz do que uma
estrela de meia vida, como o sol.
Uma grossa camada de luz envolvia
completamente o planeta, fazendo com que todos os
seres ainda vivos nele, humanos ou não, ficassem à
deriva na energia divina, em transe total.
601
CAPÍTULO 78
604
CAPÍTULO 79
* * *
606
– Venha, Aron! – gesticulou com uma das mãos.
– Junte-se a nós.
O humano se moveu com passos rápidos. Mas
ao mesmo tempo, descia concentrado, sobre a
inclinação do morro verde. Aproximando-se de
todos, berrou, indagando, efusivo.
– Nós conseguimos?
Caliel se levantou, tocando o ombro de Aron
pela lateral, enquanto ele ofegava.
– Sim, Aron! Graças a você.
– Graças a mim?
Haziel se levantou e se aproximou, sorridente.
Barrattiel também se levantou.
– Graças a você! – Haziel disse para Aron.
Olhou para Daniel, depois para Hariel ainda
sentados, alargando ainda mais o sorriso. – Graças a
todos nós, aos arcanjos, a Lúcifer e principalmente
ao Pai.
– Então nós conseguimos! – disse o humano
levando o dedo à boca, olhando para o chão. Em
seguida, arregalou os olhos, voltando o olhar a
Caliel. – Então agora podemos resgatar Sun! – Ele
abriu o sorriso. Mas que logo se apagou ao ver os
olhos do ruivo se abaixando.
– O que foi? – indagou o humano.
607
Caliel o olhou diretamente nos olhos, triste.
– Eu não vejo melhor hora para te dizer isso!
– Dizer o quê? – berrou Aron.
Caliel hesitou alguns segundos. Aron gritou
novamente:
– Dizer o quê, Caliel? Fala! O que aconteceu? –
Uma onda elétrica passava pela espinha de Aron.
Seu estômago regurgitava. Os olhos estavam
inundados, vermelhos e arregalados.
– Aron! Saiba que o que eu vou te dizer agora
não é o fim!
– Não! Não! Ela morreu! – Aron começou a
puxar os seus próprios cabelos, olhando para baixo.
– Ela morreu, Caliel? Por favor, não me diga isso.
Por favor!
– Ela não aguentou! – disse Caliel.
Instantaneamente Aron inflou as bochechas,
inclinou-se para frente e começou a vomitar as
poucas coisas que tinha no estômago. Após quase
desmaiar de falta de ar, Aron parou de vomitar e
caiu no chão, chorando muito.
– Não! – ele berrava. – Não. Não. Não. Não.
Não acredito! A Sun! – Esfregava as mãos no rosto,
enquanto rolava de um lado para o outro. – Não,
meu Deus, por favor, não!
608
Nesse momento, Caliel fitou o humano com seus
olhos tristes, segurando sua lira. Pousou o
instrumento no chão e envergou os dedos. Uma
pequena esfera dourada se moldou entre eles. Aos
poucos, Aron fora se acalmando. O choro ia se
escondendo, transformando-se em pequenos
sussurros. Aos poucos, o humano se recompunha.
Quando ele conseguiu se colocar em pé, com os
olhos ainda baixos, Caliel disse:
– Aron, este não é o fim!
O humano aguardou alguns segundos e indagou:
– Porque este não é o fim? Ela morreu!
– Sim, ela morreu! – O estômago de Aron se
revirou nessa hora. – Mas temos uma chance!
Instantaneamente um brilho de esperança
floresceu no coração do humano.
– Uma chance?
– Sim! – afirmou o anjo ruivo, sorridente.
Nesse momento, Aron mostrou um leve sorriso.
Caliel acrescentou:
– Ela morreu no inferno! – o ruivo viu quando
Aron respirou fundo. – Isso quer dizer que sua alma
está lá. Com uma ajudinha, nós podemos resgatar a
alma dela e trazê-la à vida novamente.
609
– Então nós temos uma chance? – indagou Aron,
um tanto sorridente.
Caliel meneou a cabeça em concordância,
também sorridente. Seus olhos escarlates brilhavam.
Olhando à volta, o humano admirava a bela
paisagem.
– Onde nós estamos? – indagou Aron.
Caliel soltou uma risadinha. Pegou sua lira no
chão, fitou a bela vista ao longe e perguntou:
– Onde você acha?
Fim do Livro 1
“Até o próximo.”
610
AGRADECIMENTOS
611
EXTRAS
612
613
“Dois meses após a vitória dos anjos.”
CAPÍTULO 01
615
Caliel sorriu e encarou Aron por três segundos,
antes de colocar a mão em seu ombro e dizer:
– Ao dormir da estrela branca!
O humano arregalou os olhos e olhou para
Haziel. O louro inclinou a cabeça sorridente.
– Então é amanhã?
– Vamos dizer que sim! – afirmou o anjo que
agora era metade guardador, metade guerreiro. –
Temos apenas que falar com alguém antes.
***
618
entrou em uma porta de pedra com cerca de quatro
metros de altura, batendo-a forte em seguida.
– Pelo menos conseguimos, depois de dois
meses. – Aron apontou, com a cabeça, para a porta
onde passou Bariel.
– O primeiro comandante é difícil, mas ele
entenderá a importância disso uma hora – disse
Caliel.
***
619
O grandalhão respirou fundo, deu a volta na
fonte central de águas coloridas e chegando mais
próximo de Daniel, disse:
– Eu tenho medo de perder vocês nessa. – Ele
tinha o olhar triste. – Como podemos saber que isso
de esconder a energia de Caliel ajudará vocês
também?
Daniel se aproximou mais dele, tendo que
inclinar um pouco a cabeça para cima. Colocando a
mão em seu ombro, soltou:
– Eu prometo que acabarei com mais chifrudos
do que o necessário em sua homenagem. E se a
nossa energia não puder ser escondida – Daniel
respirou fundo –, teremos que ser mais cautelosos,
para inibi-la o máximo possível.
Barrattiel sorriu, evidenciando seus olhos
escuros e jogou Daniel para cima algumas vezes.
– Tá bom, tá bom. Pode parar!
Barrattiel colocou Daniel no chão, mas
continuou esbanjando sua felicidade.
– Acho que eu quero ir também – disse ele
pulando, socando o próprio punho.
– Não! Temos que ser cautelosos e você se
conhece. – Daniel tentava prender um lacre da veste
620
que havia se soltado quando Barrattiel o jogou para
cima. – Por que isso não fica preso? – resmungou.
– Daniel! – entrou correndo, naquela parte do
pátio, um anjo guerreiro com a aparência de um
menino de dezessete anos. – Tenho uma mensagem
de Mazarak. – A pele clara, os cabelos negros e os
olhos azuis os faziam parecer um felino.
– Aladiah! – Com os olhos arregalados, Daniel
pediu que ele dissesse.
– Ele vai ao inferno com vocês.
Barrattiel estapeou as mãos de emoção,
assustando os outros. Eles o olharam fazendo com
que seu rosto ficasse rubro.
– Vocês não podem me julgar. Mazarak é uma
grande ajuda – disse o grandalhão um tanto tímido.
– Não, não podemos, Barrattiel. – Daniel deu um
risinho e depois se dirigiu a Aladiah: – Como você
recebeu essa mensagem?
– Ele está fora do grande portão. – O anjo de
aparência jovem apontou com o dedão para qualquer
lugar.
Daniel arqueou as sobrancelhas e expôs as asas,
explodindo o ar em volta, deixando os outros dois
anjos para trás.
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***
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Daniel ficou mudo e Mazarak acrescentou,
cortando o assunto:
– Afinal. Você vai querer a minha ajuda?
Daniel abriu um sorriso e colocou a mão no
ombro do irmão.
– Sempre, irmão. Sempre! – Inclinando a cabeça
um pouco para baixo, Daniel indagou: – Vem
comigo?
***
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transformando o solo novamente em um tapete de
grama verde.
– O que é isso? – gritou Aron, assustado.
Os anjos se puseram a rir ainda mais.
– Uma baleia terrestre, Aron. – disse Caliel,
rindo.
Nesse momento, Hariel explodiu o solo ao lado
do humano com sua aterrissagem “delicada”. Isso o
fez cair para trás. Então todos começaram a rir sem
parar.
Um momento se passou.
– Como vocês vão fazer isso? – indagou a loura,
dirigindo-se a Haziel.
– Partiremos daqui a seis estações da estrela
branca, minha irmã.
– Não é mais fácil você dizer seis horas? –
resmungou Aron enquanto se levantava, emburrado.
– Irão apenas você, Caliel e Daniel? Barrattiel
não irá?
Aron gritou do fundo que também iria, mas
ninguém lhe deu atenção.
– Barrattiel não vai, mas quanto a irmos apenas
nós três, creio que não – disse o louro, olhando para
cima.
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Hariel olhou juntamente para o local e eles
puderam avistar Daniel se aproximando. Mazarak
voava ao seu lado rajando suas plumas negras.
Ambos pousaram, assustando Aron novamente.
Mas dessa vez o humano não caiu. Logo Daniel
disse:
– Temos reforço.
Haziel deu dois passos e parou na frente de
Mazarak, colocando a mão em seu ombro.
– Um grande reforço – disse o louro, sorridente.
Naquele momento Aron teve um pensamento:
Daniel e Mazarak eram idênticos. A não ser pelo
fator dos olhos, das asas e pelas tatuagens no corpo
do duque. Olhando Hariel, reparou que ela era
idêntica a Haziel, mas que era apenas sua versão
feminina. Ele achou isso fabuloso, principalmente
no mundo angelical. Nunca imaginou que isso
pudesse acontecer também naquele mundo. Não que
ele pensasse nisso antes de tudo acontecer.
***
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– Temos que nos preparar então. – Ela piscou
duas vezes rapidamente.
– Hariel, eu sempre estou preparado!
– Ótimo! Eles partirão em três estações da
estrela branca.
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Um conto de Kabarú
20.000 a.C
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Em tempos em que nem a torre da Babilônia
havia sido erguida, ou as pirâmides do Egito sequer
tivessem o privilégio de serem pensadas, o império
Romano demoraria pelo menos duas décadas para
colonizar aquelas regiões, ou mesmo para existir. As
águas do mar mediterrâneo, que não era conhecido
por esse nome, lambiam a costa das terras que um
dia seriam chamadas de Argélia. Em um vilarejo
com poucas pessoas, existia um líder que porventura
dominava as artes do xamanismo. Estava inerte em
sua barraca sem se alimentar e sem beber água há
onze luas cheias. Disse que era um culto necessário
para que pudesse viver mais tempo. Mas aquilo na
verdade era apenas um sacrifício que Kabaru fazia
em próprio benefício. O anjo renegado vivia na
Terra desde a queda dos anjos e de tempos em
tempos, precisava se mudar para não chamar atenção
em função do seu não envelhecimento. Naquela
época, existiam vampiros e ele não queria ser
confundido com tais criaturas.
Há onze luas cheias, o anjo estava inerte, sob a
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barraca construída com madeira reforçada e forrada
com folhas secas, para proteger-se da chuva. Ele
poderia manter-se ali por quanto tempo fosse
necessário; porém precisava apenas de mais um mês
para convencer sua tribo.
Mas em uma noite, em que a Lua estava quase
escondida sob um aglomerado de nuvens que não se
moviam e em que os lobos uivavam sem parar,
como se aquilo fosse um prelúdio aterrorizante de
uma noite conturbada, Kabaru ouviu, com sua
audição aguçada de um guerreiro, que outrofora fora
celestial, um barulho seguido de galhos estalando
sob as árvores da floresta. Esta que consumia todo o
solo por uma grande região até chegar aos limites da
praia, onde ficava a aldeia. Eram vários pequenos
pedaços de madeira estalando, indicando que a visita
era grupal e sorrateira e não amigável.
O anjo estava nas dependências da Terra, sem
conseguir voltar para o Céu, há cento e trinta mil
anos. Naquele tempo, conhecera quase todas as
coisas que no planeta existiam. Mas como em tudo,
existem coisas novas a serem conhecidas que vão
florescendo e morrendo com o tempo. Ele foi um
dos perseguidores da causa contra o vampirismo nas
terras abençoadas que eram consideradas as terras do
633
planeta Terra. Foi por causa dele que eles foram
extintos e naquela noite o anjo receberia uma visita
do último lampejo de vida desses seres que lhe
custariam muito.
Os barulhos cessaram, ou não eram audíveis
nem para os anjos. Existia a possibilidade de os
visitantes terem ido embora, ou eram mais
sorrateiros do que o esperado. Kabaru preferiu
contar com a primeira opção, confiando 100% em
seus instintos guerreiros. Ele nem se mexia sob o
teto triangular da barraca, e por vezes era visitado e
honrado por homens de sua tribo que o reconheciam
como o melhor deles, ou talvez o melhor do mundo.
O Deus na Terra. Deixavam oferendas e
sussurravam seus cotidianos, com a esperança de
que mesmo imerso em seu mundo, o xamã pudesse
estar ali por eles. Mas isso não aconteceu naquela
noite e nem na manhã seguinte. Nem uma pessoa lhe
visitando. Isso nunca tinha acontecido nas últimas
onze Luas.
Kabaru prestou mais atenção ao externo da
cabana, onde o sol batia, mas nem os pássaros ele
pôde ouvir. As ondas batiam sutilmente nas pedras e
lambiam a areia cristalina da praia. O coração do
anjo petrificou-se, pois só poderia haver uma
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possibilidade. Um lampejo de ansiedade lhe fez abrir
os olhos e saltar para fora da barraca. Todas as
outras cabanas estavam intactas, porém com suas
fogueiras apagadas. Ele correu até a primeira delas e
entrou pela porta sem medo de que fosse visto. A
cena de horror lhe tomou ao ver homem e mulher
degolados. Foi um trabalho carniceiro, rápido.
Correu para a próxima barraca e o resultado foi o
mesmo, com todos os homens, mulheres e crianças
da tribo, mortos como animais e deixados para
apodrecer. Ele saiu ao meio da clareira e caiu
ajoelhado, gritando para Deus, enquanto as lágrimas
lhe cobriam o rosto.
Ficou ali por diversas horas, chorando e rezando
para Deus, pois sabia que aquilo tinha sido obra do
oposto de Deus. Uma raça terrível do inferno que
assolava o planeta por milênios de anos. Mas que
seria seu fim, pois ele não mais permitiria que
nenhum daqueles seres bebedores de sangue andasse
sobre a Terra.
Levantou-se e rasgou a veste superior, deixando
evidentes suas tatuagens feitas com ferro ardente.
Soltou os cabelos negros que lhe caíam sobre os
ombros e em seguida explodiu suas asas
branquíssimas com um lampejo de luz dourada. Ele
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as rajou e foi arremessado às alturas, em uma
velocidade incrível.
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FIM
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