Posição do crítico Antonio Candido (publicação de 1957)
“[Gregório de Matos] não existiu literariamente (em perspectiva histórica) até o Romantismo, quando foi redescoberto, sobretudo graças a Varnhagen; e só depois de 1882 e da edição Vale Cabral...” (Formação da literatura brasileira, cap. 1) “A nossa literatura é ramo da portuguesa; pode-se considerá-la independente desde Gregório de Matos ou só após Gonçalves Dias e José de Alencar, segundo a perspectiva adotada).” (Formação da literatura brasileira, cap. 1) Posição de Oswald de Andrade: “Gregório de Matos foi sem dúvida uma das maiores figuras da nossa literatura” (“A sátira na literatura brasileira”, 1945) Posição de Haroldo de Campos: “Nessa aparente contradição entre presença (pregnância) poética e ausência histórica (...) está em jogo não apenas a questão da existência (em termos de influência no devir factual de nossa literatura), mas, sobretudo, a da própria noção de ‘história’...” (O sequestro do barroco na Formação da literatura brasileira: o caso Gregório de Matos, 1989) Posição de João Adolfo Hansen: “A poesia engenhosa do século XVII é um estilo, no sentido forte do termo, linguagem estereotipada de lugares-comuns retórico-poéticos anônimos e coletivizados como elementos do todo social objetivo repartidos em gêneros e subestilos.” (A sátira e o engenho, 1989) Posição de Adriano Espínola: “Evidenciar e desmontar as máscaras religiosa e erótica do poeta. A escolha dessas duas resulta do fato de que, a nosso ver, dialogam em oposição contínua (...) impasse acentuado na Bahia colonial, na segunda metade do século XVII, onde se manifestavam a um só tempo uma sexualidade à solta e uma moral jesuítica, repressiva e inquisitorial.” (As artes de enganar, 2000) Além dos recursos formais reiteradamente utilizados, o texto literário satírico exige que, em sua análise, outros elementos sejam levantados e compreendidos: o momento de produção e de recepção em que a obra se insere; a intenção do satirista e o código de valores que ele, ora implícita, ora explicitamente, defende; a apreensão, por parte do leitor, dos mecanismos formais utilizados e da norma defendida; a configuração do objeto contra o qual a sátira se volta e a natureza do desvio que ele apresenta. São de grande interesse sociológico, e mesmo histórico, os trabalhos que levantam, a partir do texto satírico, os contornos de uma época, de seus valores, de suas crenças. Há, contudo, o risco de tais investigações delegarem à literatura um papel que não é o seu: o de documentação antropológica, histórica, sociológica. A supervalorização do que é extra-literário e o desprezo pelos procedimentos formais que fazem do texto literário um objeto artístico, faz com que se incorra em enganos por causa de, pelo menos, dois motivos. O primeiro deles relaciona-se ao fato de que a sátira pode ser a representação de um “mundo às avessas”. A expressão ladeada por aspas foi cunhada por Bakhtin (2002) para denominar o riso festivo, carnavalesco, expressão de um momento histórico específico: a Idade Média e o Renascimento. Muito embora as teorias bakhtinianas a respeito da carnavalização sejam vistas com ressalvas por alguns críticos (GUREVICH, 2000), acreditamos que seja proveitosa para descrever alguns aspectos do riso satírico, embora não percamos de vista o fato de que há uma grande distância entre os modos de vida do referido período e de todo o período moderno, já que o mundo rigidamente estamental da Idade Média e do Renascimento deu lugar a um mundo de complexas relações e inúmeras classes intercambiáveis, a partir da era moderna. O segundo motivo relaciona-se ao fato de que aquele que denuncia a mentira não está, necessariamente, dizendo a verdade, ou, como coloca Minois (2003, p. 435): “Não é suficiente ter espírito para ter razão”. Nesse sentido, o discurso ideologicamente impregnado de toda e qualquer sátira não deve ser levado tão a sério a ponto de servir como testemunho de uma época. (ROCHA, Rejane Cristina . Da utopia ao ceticismo: a sátira na literatura brasileira contemporânea, Tese, Unesp, Araraguara, 2006.