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Crescimento e política econômica no Brasil 2011-2014

Book · August 2018

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1 author:

Vitor Eduardo Schincariol


Universidade Federal do ABC (UFABC)
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V. E. SCHINCARIOL

ECONOMIA E POLÍTICA ECONÔMICA


NO GOVERNO DILMA (2011-2014):

Uma história político-econômica


da primeira administração
de Dilma Rousseff

NOVA CULTURA POPULAR

São Paulo. 2ª edição. 2018.


Copyright ©2016 – Todos os direitos reservados à Editora Raízes da América

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte do conteúdo deste livro poderá ser utilizada ou reprodu-
zida em qualquer meio ou forma, seja ele impresso, digital, áudio ou visual sem a expressa autorização
por escrito da Raízes da América, sob penas criminais e ações civis.

Vitor Eduardo Schincariol

Registro na Biblioteca Nacional: 2614/16


08-04-2016
São Paulo
2016
ISBN: 978-85-69401-45-2

Índice para catálogo sistemático


1. Brasil. Condições econômicas. 2. Brasil. Política econômica. I. Título. 330.981

RAÍZES DA AMÉRICA
Rua Godofredo Furtado, número 25
São Paulo – SP – Brasil CEP 02308-110
(11) 2203-1312 - contato@raizesdaamerica.com.br

Editores
Klaus Scarmeloto
João Cláudio Platenik Pitillo

Direitos exclusivos para Língua Portuguesa cedidos à Editora Raízes da América.


Índice

Notas metodológicas.........................................................................11
1. Introdução .................................................................................... 14
2. Premissas teóricas......................................................................... 20
3. O Brasil na eleição de Dilma (2010) ................................................ 41
3.1. Os anos do governo Lula (2003-2010)................................................... 41
3.2. Subdesenvolvimento, industrialização restringida e concentração
econômica regional ....................................................................................... 45
3.3. Dependência, primarização, oligopolização ........................................... 53
4. A sucessão de conjunturas e as medidas econômicas ............................... 68
4.1. O ano de 2011: da moderação às políticas de resposta .......................... 68
4.2. O ano de 2012: “Nova Matriz Macroeconômica”................................. 77
4.3. O ano de 2013: agitação nas ruas ........................................................... 85
4.4. 2014: déficit primário .............................................................................. 92
5. As contas do governo .................................................................. 105
5.1. Introdução ............................................................................................ 105
5.2. Receitas e despesas................................................................................ 107
5.3. Compulsórios e financeirização............................................................ 116
5.4. Interpretação......................................................................................... 120
5.5. Conclusão ............................................................................................. 123
6. O desempenho da economia ....................................................... 125
6.1. Introdução ............................................................................................ 125
6.2. Papel da indústria .................................................................................. 125
6.3. Capacidade ociosa, desempenho agregado, produtividade e expectativas
..................................................................................................................... 130
6.3.1. Capacidade instalada ......................................................................... 130
6.3.2. Demanda agregada ........................................................................... 134
6.3.3. Valor adicionado............................................................................... 139
6.3.4. Expectativas...................................................................................... 145
6.4. Ocupação.............................................................................................. 147
6.5. Setor externo ........................................................................................ 159
6.5.1. Comércio internacional e conta corrente do balanço de pagamentos
.................................................................................................................... 159
6.5.2. Conta de capitais do balanço de pagamentos................................... 166
6.6. Interpretação......................................................................................... 169
7. Conclusão .................................................................................. 177
8. Anexo. Gráficos e Tabelas ............................................................. 191
9. Fontes e Bibliografia ................................................................... 207
9.1. Fontes utilizadas.................................................................................... 207
9.2. Bibliografia............................................................................................ 207
Prefácio do autor à segunda edição

Esta edição foi revista pelo autor ao longo do período 2017-2018. Alguns
erros foram corrigidos.

O autor
Universidade Federal do ABC
Outono de 2018

5
6
Prefácio

“A teoria do desenvolvimento econômico trata de explicar,


numa perspectiva macroeconômica, as causas e o mecanismo
do aumento persistente da produtividade do fator trabalho e
suas repercussões na organização da produção e na forma co-
mo se distribui e se utiliza o produto social. Essa tarefa explica-
tiva projeta-se em dois planos. O primeiro –no qual predomi-
nam as formulações abstratas– compreende a análise do meca-
nismo propriamente dito do processo de crescimento [...]. O
segundo –que é o plano histórico– abrange o estudo crítico, em
confronto com uma realidade dada, das categorias básicas defi-
nidas pela análise abstrata.”

Celso Furtado, Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, 1961

Compreender o presente é analisar o passado criticamente. As condições atuais


estruturais e conjunturais da economia brasileira derivam logica e cronologicamente
da primeira administração da presidenta Dilma Vana Rousseff (2011-2014), sobre a
qual Vitor Eduardo Schincariol se debruça nesta obra com precisão e primor. Tal
como sugerira Celso Furtado em Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, o autor
investiga as causas e mecanismos teóricos e históricos da crise econômica e do es-
tancamento do processo de desenvolvimento brasileiro na atualidade, a partir de
uma perspectiva necessariamente macroeconômica.
Os fundamentos teórico-metodológicos estão didaticamente apresentados
no capítulo sobre as premissas. A abordagem do excedente é o ponto de partida,
retomando-se de maneira interessante e oportuna o pensamento macroeconômi-
co pelo lado da demanda de alguns dos maiores gênios da Economia Política:
Kalecki, Robinson e Sraffa. Mais além, revisita-se a teoria estruturalista latino-
americana, principalmente de Prebisch e Furtado, sob aquela perspectiva macroe-
conômica da demanda -atenta à mudança estrutural da composição dos setores de
produção e comercialização-, para assim estabelecer as variáveis determinantes do
ciclo e da tendência da dinâmica da economia examinadas posteriormente. Por si
só, este capítulo significa uma rica e objetiva sistematização dessa abordagem,
recomendável para o ensino de teoria econômica.
Nos cinco capítulos que se seguem, Vitor nos presenteia com uma análise ri-
gorosa da história econômica desde o legado dos governos do ex-presidente Lula até
o final do primeiro mandato de Dilma Rousseff, para então apresentar sua interpre-
tação da Economia Política contemporânea. A partir de uma descrição detalhada e
meticulosa dos dados sobre as variáveis destacadas, dos fatos estilizados internos e
externos e das respostas de políticas econômicas -que certamente são uma contri-
buição valiosa para o estudo do período em questão-, compreendemos as raízes
7
estruturais da desaceleração econômica. Fundamentalmente, teria sido o estrangu-
lamento da indústria de transformação e do processo de geração e difusão de pro-
gresso técnico, combinados com erros de direção, coerência e coordenação de polí-
ticas econômicas que, ainda que mais progressistas em relação à visão neoclássica,
não foram capazes de efetivamente ampliar a escala e a sofisticação dos setores e do
trabalho produtivos.
O autor demonstra com clareza qual a combinação de fatores depressivos
para a desaceleração do crescimento econômico desde 2011 e que afastaram
também as possibilidades de desenvolvimento econômico via mudança estrutu-
ral para atividades mais intensivas em tecnologia e conhecimento, com aumento
da produtividade, do emprego e dos rendimentos. Tais fatores vão desde os
desdobramentos da crise estrutural internacional do capitalismo, bem como de
um conjunto de determinantes econômicos e políticos internos associados ao
acirramento do conflito distributivo a partir dos erros e dos acertos da política
econômica.
Como se conclui, o governo federal levou o Brasil a um quadro esquizofrênico
em que a despeito dos progressos sociais - associados ao combate à fome e à miséria,
ao aumento do emprego e valorização do salário mínimo, às medidas de promoção de
setores estratégicos, a elevação do acesso à educação-, mantiveram-se as velhas estrutu-
ras que conservam o poder dos mesmos grupos do campo, da especulação imobiliária,
da grande mídia, das igrejas, do capital financeiro e internacional que historicamente
dominam o Estado e a economia do país. Infelizmente as tensões geradas gestaram as
causas e condições para a viragem da orientação da política econômica no segundo
mandato de Dilma, mas tal não foi suficiente para evitar seu impedimento em 2016 –
com amplo apoio da sociedade.
Logo, é preciso reconhecer que a esquerda promoveu uma substantiva mu-
dança no patamar das condições materiais dos brasileiros do início dos anos 2000
até meados da década seguinte, mas infelizmente não aprofundou as reformas em
prol de mudanças estruturais e institucionais que garantiriam a continuidade de
uma trajetória de desenvolvimento econômico sustentável inclusivo. Ao contrário,
a aliança com o capital durou enquanto conveniente para a expansão absoluta do
excedente, mas quando o ciclo perdeu fôlego aquela não pôde admitir alterações
na divisão sua relativa. Em que se pesem as disputas inter-capitalistas, nos defron-
tamos finalmente com um cenário bastante adverso em que a análise crítica do
que aconteceu é mais do que necessária. Nesse sentido, a contribuição deste livro é
preciosa. E joga luz também às alternativas a serem defendidas pela luta por uma
sociedade mais justa, desenvolvida e igualitária.

Cristina Fróes de Borja Reis, Doutora em Economia pela Universidade de São Paulo,
professora de economia e relações internacionais da Universidade Federal do ABC

8
Siglas

BACEN – Banco Central do Brasil


BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD – Banco Mundial
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina
COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
COPOM – Comitê de Política Monetária
CIA – Central Intelligence Agency
CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CNI – Confederação Nacional da Indústria
CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira
DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos
FED – Federal Reserve
FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FMI – Fundo Monetário Internacional
GATT – General Agreements of Trade and Tariffs
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IED – Investimento Estrangeiro Direto
IGP-DI – Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna
IGP-M – Índice Geral de Preços para o Mercado
INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados
IOF – Imposto sobre Operações Financeiras
LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias
LTN – Letra do Tesouro Nacional
LFT – Letra Financeira do Tesouro
LOA – Lei Orçamentária Anual
Minifaz – Ministério da Fazenda
NTB – Nota do Tesouro Brasileiro
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONU – Organização das Nações Unidas
9
OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte
Petrobras – Petróleo Brasileiro S.A.
PT – Partido dos Trabalhadores
PIB – Produto Interno Bruto
PIA – Pesquisa Industrial Anual
PISA – Programme for International Student Assessment
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PAS – Pesquisa Anual de Serviços
PBF – Programa Bolsa Família
PIS – Programa de Integração Social
PNDA – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PROER – Programa de Estímulos à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sis-
tema Financeiro Nacional
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSDB – Partido da Social-Democracia Brasileira
RAIS – Relação Anual de Informações Sociais
SABESP – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
SEADE – Sistema Estadual de Análise de Dados
SELIC – Sistema Especial de Liquidação e Custódia
SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática
SECEX – Secretaria de Comércio Exterior
TCU – Tribunal de Contas da União
UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development

10
Notas metodológicas

Devido a eventuais conflitos metodológicos existentes quanto ao uso


dos dados oficiais, é necessário explicitar os padrões utilizados.
Quanto ao valor da indústria no PIB, bem como outros setores da
economia, utilizamos a tabela de indicadores de volume e valores correntes
fornecida pelas Contas Trimestrais disponibilizadas eletronicamente pelo
IBGE, acessadas em 2016 em seu endereço oficial, dividindo-se o valor
adicionado setorial (VA) pelo valor do PIB. O mesmo vale para os dados
referentes aos dados componentes da demanda agregada. O uso de valores
correntes é justificado do ponto de vista da avaliação de qual foi a parcela
relativa de valor monetário apropriado por cada setor da economia, em
cada um dos anos da série. Estes dados são usados também para as regres-
sões lineares formuladas nos capítulos 5 e 6. Para comodidade do leitor e
repetição das regressões, as séries estão disponibilizadas no anexo.
Para valores referentes à receita total setorial da indústria de transfor-
mação e empregados por setor, utilizamos o endereço eletrônico do IBGE
“Banco de Dados Agregados – Sistema IBGE de Recuperação Automáti-
ca – SIDRA”, que padroniza os dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA)
e Pesquisa Anual de Serviços (PAS).
Para situação do emprego em cada setor da economia, usam-se a
Pesquisa Mensal de Emprego e a PIA-PAS do IBGE, bem como a RAIS-
CAGED.
Os valores referentes ao orçamento do governo são disponibilizados
pelo conjunto de tabelas “Resultados do Tesouro Nacional” fornecidos no
endereço eletrônico da Secretaria do Tesouro Nacional. Os conceitos de
dívida líquida do Tesouro e do governo central com relação ao PIB e ne-
cessidade de financiamento são os mesmos utilizados pela Secretaria do
Tesouro. Os dados foram acessados em janeiro e fevereiro de 2016, e não
levam em consideração o novo cálculo da série histórica tal como pedido
pelo Tribunal de Contas da União em abril de 2016.
Os dados referentes ao balanço de pagamentos, recolhimento de
compulsórios, taxa SELIC, câmbio, variações reais de PIB e PIB nominal,
são os fornecidos pelo Banco Central, em seu endereço eletrônico “Ge-
renciador de Séries Históricas”, e pelo IPEA em seu endereço “Ipeadata”.
Outros dados são fornecidos por órgãos internacionais.
Para os dados referentes às expectativas para o crescimento do PIB
feitas pelo setor privado, utilizamos as informações fornecidas pelo Relató-
rio Focus do Banco Central, particularmente os elaborados pela Gerência-
11
Executiva de Relacionamento com Investidores (Gerin), coletados medi-
ante a consulta a aproximados 24.000 endereços eletrônicos. As séries
históricas podem ser encontradas endereço eletrônico do Sistema de Ex-
pectativas de Mercado do Banco Central.
Os relatórios anuais do Banco Central foram também consultados e
compõem um útil arrolamento das políticas adotadas pelo governo federal.
A definição de Governo Central refere-se ao conjunto do Tesouro Nacio-
nal, da Previdência Social e do Banco Central. As edições do Sistema de
Contas Nacionais do IBGE usadas são as de 2005-2009 e 2010-2013. O
anexo contém tabelas e gráficos aos quais são feitas referências ao longo do
texto. Todos os gráficos e tabelas são de minha elaboração.

***

12
“The labour of the manufacturer fixes and realizes itself in some
particular object or vendible commodity, which lasts for some
time at least after that labour is past. It is, as it were, a certain quan-
tity of labour stocked and stored up to be employed, if necessary,
upon some other occasion. That subject, or what is the same
thing, the price of that subject, can afterwards, if necessary, put in-
to motion a quantity of labour equal to that which had originally
produced it.”
Adam Smith,
The Wealth of Nations, 1776

“Economists ought to examine the institutions of particular socie-


ties and, in addition to analyzing their implications for the workings of
the economy, ask whether they are good or bad, just or unjust, and
what may be done about them.”
Geoffrey C. Harcourt,
Some Cambridge Controversies in the theory of capital, 1969

“A ausência de forças para uma mudança positiva caracteriza a so-


ciedade pós-industrial.”
Wilson do Nascimento Barbosa,
“A discriminação do Negro como fator estruturador do poder”, 2009

13
1. Introdução

Este livro pretende investigar a política econômica e o comportamen-


to econômico agregado da economia brasileira no primeiro governo de
Dilma Rousseff (2011-2014) a partir de uma abordagem teórico-
metodológica que mescla a economia política e a história econômica “he-
terodoxas”. Para isso pretendemos (1) descrever as condições socioeco-
nômicas do Brasil quando da eleição de Dilma, (2) narrar a sucessão de
políticas econômicas do primeiro governo Dilma e (3) analisar o compor-
tamento das contas do governo central e da economia no período. O pro-
blema da pesquisa contido é avaliar quais as causas econômicas para a
desaceleração da economia no período, e quais suas características, a partir
de uma determinada posição teórico-metodológica.
No capítulo 2, discorremos brevemente sobre nossas premissas teóri-
cas, recorrendo eventualmente a citações para embasar mais exatamente o
que se quer afirmar. A exposição aí é verbal e não matemática, buscando-
se condensar e direcionar nosso recorte teórico aos problemas enfrentados
pela economia brasileira atualmente.
O capítulo 3 ilustra inicialmente a situação econômica e social quando
da eleição de Dilma e ao longo de seu mandato, como modo de descrição
“estrutural” das condições do país no momento. Este capítulo, redigido de
forma bastante trivial, busca analisar a economia de forma sincrônica e
assume as seguintes hipóteses auxiliares de:

(i) subdesenvolvimento, no sentido de que parte relevante da força


de trabalho não está empregada produtivamente, o que socialmente
mantém carências sociais básicas para uma parte relevante da população
até o presente momento;
(ii) industrialização regionalmente restringida, no sentido de que a
produção industrial per capita é baixa em diversas regiões do país;
(iii) desnacionalização, no sentido de que o parque produtivo é inter-
nacionalizado, dependendo a economia excessivamente de decisões aliení-
genas de investimento (perda dos centros de decisão);
(iv) primarização do comércio exterior, no sentido de que a maioria
das exportações brasileiras compõe-se de bens primários, a expressarem
baixa criação de valor exportado e alta exposição aos ciclos dos países
centrais;

14
(v) oligopolização, no sentido de que poucos grupos controlam parte
relevante da oferta agregada na maioria dos setores econômicos.

No capítulo 4 faz-se uma narração das políticas adotadas no período


2011-2014. Busca-se narrar as políticas adotadas pelo governo e seu alcan-
ce. No capítulo 5 analisam-se as contas do governo, investigando-se o
comportamento das contas do governo central (Tesouro Nacional, Previ-
dência Social e Banco Central). O capítulo 6 investiga o comportamento
agregado da economia brasileira no período 2011-2013.

Gráfico 1
Brasil. Variações reais do PIB (%). 2000-2014.

10

8
7,53
6,07
6 5,76 5,09
4,39 3,96
4 3,91
3,05 3,01
3,2
2
1,39 1,14 1,92
0,1
0 -0,13

-2

-4 -3,8

-6
2000

2002

2007

2009

2011
2001

2003

2004

2005

2006

2008

2010

2012

2013

2014

2015

Fonte: Banco Central.

Nossas hipóteses relativas aos fatores econômicos a explicarem a


queda do tipo de crescimento1 que o Brasil apresentava são: (i) esgotamen-
to cíclico dos investimentos, cuja pendente ascendente se iniciou em 2004;
(ii) queda progressiva nos saldos comerciais a partir de 2009, estimuladas
por duas contrações econômicas internacionais, uma em 2008 e outra em
2011; (iii) queda da participação da indústria no PIB e estagnação do nú-
mero de trabalhadores industriais, intensificada pelo aumento das importa-

1. Por “tipo de crescimento” me refiro aos fatores que levaram o PIB brasileiro a expandir-se a despei-
to dos fatores que atuavam contra tal (juros altos, burocracia e altos tributos, concentração da renda,
etc.).
15
ções em termos do PIB; (iv) deterioração das expectativas de mercado
relativas ao crescimento da economia já a partir de 2011, levando a previ-
sões cadentes sobre o crescimento e menor volume de investimentos; (v)
limites da política econômica (1), ao exercer uma renúncia fiscal descolada
de uma política cambial expansiva; (vi) limites da política econômica (2),
com elevação progressiva da taxa de juros depois de 2013, levando a um
desestímulo ao investimento e a um aumento dos juros no orçamento do
governo; (vii) outros fatores políticos, institucionais e naturais (manifesta-
ções da oposição; operações da Polícia Federal e seus impactos sobre lici-
tações e investimentos públicos; queda do preço do barril do petróleo,
afetando a Petrobras; perda de governabilidade; crise hídrica).
Estes últimos, porém, são tomados como dados, de conhecimento
público, não constituindo elementos de investigação particular de nossa
análise -embora, particularmente no caso das operações da Polícia Federal,
o peso destas sobre o PIB tenha sido importante e crescente a partir de
fins do ano de 2014, devendo ser objeto de um estudo específico aqui não
realizado. Poderíamos afirmar que o objetivo da obra é investigar mais
detalhadamente as cinco primeiras hipóteses.
No capítulo 7, segue-se uma interpretação do governo Dilma e da
história econômica e política brasileira contemporâneas, buscando-se refle-
tir sobre os espaços de manobra à disposição do governo e, de forma mais
abrangente, sobre as mudanças econômicas e políticas cristalizadas no
Brasil na segunda metade do século XXI.
Nossa avaliação geral da política econômica do primeiro governo
Dilma Rousseff depende de nossas premissas teóricas. Reconhece-se que a
política econômica aplicada pelo governo apresentou certos elementos
coerentes com a premissa de uma expansão contínua do nível de emprego
produtivo, na linha implicitamente “novo-desenvolvimentista” declarada
pelas autoridades: necessidade do investimento público; de um exercício
fiscal mais ou menos expansivo; do aumento da participação do compo-
nente nacional com relação à produção doméstica (com exigência de con-
teúdo nacional em licitações) e da necessidade do papel regulatório do
Estado. Mas busca-se lançar uma crítica mais ou menos objetiva às políti-
cas oficiais baseada no fato de que a queda da participação do que se cha-
ma aqui de setores produtivos com relação ao PIB, particularmente a in-
dústria de transformação, denota um fracasso geral de uma política que
oficialmente almejava buscar o desenvolvimento econômico centrado na
defesa da produção doméstica (ainda que esta pertença, em parte relevante,

16
a agentes não-residentes).2 A crítica reside no fato de que as medidas que o
governo exerceu mediante a política econômica ficaram aquém do neces-
sário para manter no PIB a participação da indústria de transformação,
ainda que nos moldes de uma economia periférica e subdesenvolvida.
Isto é, afirma-se que houve incapacidade do governo em promover
uma política fiscal e cambial mais expansivas e centradas na ampliação dos
setores e trabalho produtivos. Do ponto de vista da política econômica
especificamente, isto ocorreu devido aos limites tributários aos quais o
governo esteve exposto, dada sua postura acomodatícia de não elevar tri-
butos sobre recursos inativos e especulativos, e à falta de disposição de
tolerar uma inflação maior advindas de um mercado mais aquecido e de
um câmbio desvalorizado. As dificuldades de arrecadação intensificadas
pelas desonerações impediram uma queda sustentada dos juros e dos en-
caixes obrigatórios depois de 2013, reforçando a valorização do real (dado
o diferencial de juros com o exterior). O governo também incorreu em
grandes perdas em forma de swaps cambiais para, justamente, defender a
moeda brasileira e a posição de grandes grupos em dólar, implementando
uma política cambial oposta à de uma política industrial que o governo
defendia existir. O câmbio valorizado teve como contrapartida um aumen-
to das importações quanto ao PIB e uma pressão sobre o setor produtor
doméstico que o governo dizia buscar proteger, que regrediu de 15 a 9%
do mesmo PIB. A opção por um câmbio valorizado, se auxiliou na manu-
tenção de baixos índices de inflação, também dependeu do diferencial
internacional de juros que o Brasil representava, e do financiamento exter-
no de parte da taxa de investimento, postergando um conflito distributivo
necessário para o aumento da taxa de investimento financiada domestica-
mente e para um orçamento menos dependente dos financiadores priva-
dos da dívida pública. Isto manteve a inflação relativamente sob controle,
mas aumentou a exposição do país às viragens das decisões de investimen-
to e do comércio internacional determinadas por agentes não-residentes,
bem como levou a um agravamento das perdas nas transações correntes
do balanço de pagamentos (mais importações e mais incentivos à exporta-
ção de lucros e rendas). Em suma, foram feitas opções de política econô-

2. Algumas das proclamadas diretrizes de governo de Dilma, divulgadas em julho de 2011, eram:
“crescer mais, com expansão do emprego e da renda, com equilíbrio macroeconômico, sem
vulnerabilidade externa e desigualdades regionais; dar seguimento a um projeto nacional de
desenvolvimento que assegure grande e sustentável transformação produtiva do Brasil; defender a
soberania nacional, por uma presença ativa e altiva do Brasil no mundo; transformar o Brasil em
potência científica e tecnológica; o governo de Dilma será de todos os brasileiros e brasileiras e dará
atenção especial aos trabalhadores.”
17
mica, com saldos e perdas, perdas estas que, sugere-se, são maiores que os
ganhos num prazo médio.
Vistas desde um panorama mais geral, as políticas oficiais foram
muito tímidas, diante não só das deficiências estruturais já presentes na
economia como um todo, mas em especial da valorização excessiva da
moeda brasileira, da magnitude da inversão do comércio exterior e da
viragem das expectativas de crescimento pelos formadores das decisões
de investimento. A atuação destes fatores depressivos teria exigido do
governo mais ações expansivas e contra-cíclicas a partir de 2012, o que só
seria possível com um alargamento da base tributária do governo, particu-
larmente sobre a renda e os recursos inativos, tornando o governo me-
nos exposto aos financiadores da dívida pública, bem como uma política
cambial mais agressiva e a tolerância para um consequente repique da
inflação e eventuais perdas corporativas oriundas de suas exposições em
dólar. Isto daria margem para uma queda mais sustentada do superávit
primário – e sua eventual eliminação –, uma queda da taxa de juros e
uma queda dos déficits em conta corrente do balanço de pagamentos. A
queda dos juros teria potencializado os retornos produtivos futuros e
aplacado a demanda por ativos mais líquidos desde o início de 2013.
Assim, faz parte desta análise supor que estas medidas provavelmente
teriam conduzido a um aumento da inflação por expectativas e custos
(cambiais e salariais). Mas a parte do componente inflacionário ligada à
especulação e aos mark-up’s defensivos no fim do ciclo de crescimento teria
provavelmente sido anulada. Resultando-se então num nível inflacionário
maior, mas ao mesmo tempo num maior volume de emprego, de ganhos
de escala e de rendimentos crescentes a elevarem a oferta agregada. Este
resultado, de fato, é impossível de verificação empírica, mas da aposta, num
futuro “keynesianamente” incerto, dependia a estabilidade política do go-
verno, medida em primeiro lugar pelo crescimento da renda e dos empre-
gos produtivos de forma sustentada.
Trata-se então de uma análise histórico-econômica da economia bra-
sileira e de sua política econômica recente, unindo-se (1) narração e (2)
problematização, a partir da metodologia de pesquisa desenvolvida nos
trabalhos de Wilson do Nascimento Barbosa. Em termos teóricos trata-se
de uma interpretação que parte de premissas marxistas e as enriquece com
instrumentos analíticos estruturalistas (Celso Furtado, Raúl Prebisch), ka-
leckianos (Michał Kalecki) e robinsonianos (Joan Robinson). A obra busca
o caminho da análise econômica estrutural, depois o da descrição histórica
dos fatos mais relevantes da política econômica, para depois analisar o
18
desempenho da economia ao longo do tempo. Isto é, a opção metodológica é
feita em termos de um estudo que mescla análise estrutural e histórico-
econômica, visando conferir uma visão agregada tanto sincrônica como
diacrônica. Não abordo questões específicas (saúde pública, agricultura
familiar, indústria de alimentos, problemas urbanos, funcionamento de
instituições etc.) nem levo em consideração para o período os problemas
ambientais relativos à produção e consumo. Espera-se que o leitor descon-
te os preconceitos da obra tal como julgue conveniente.
Buscaremos comprovar ais hipóteses com a utilização de dados ofici-
ais. Utilizam-se os dados macroeconômicos disponibilizados pela contabi-
lidade nacional brasileira produzida pelo IBGE, Banco Central e IPEA.
Quanto às medidas de política econômica, analisam-se (1) documentos
oficiais; (2) apresentações e discursos das autoridades, particularmente da
Presidência da República e do Ministro da Fazenda. Utilizam-se também
notícias publicadas pelos jornais de grande circulação para mencionar os
eventos mais importantes entre 2011 e 2014. Há um uso de modelos de
regressão lineares bastante rudimentares, mas cuja sustentação em termos
da robustez dos regressores auxilia na comprovação das hipóteses. No
anexo do livro, dispõe-se de um conjunto de dados em forma de tabelas e
gráficos que buscam enriquecer a leitura e aos quais se faz referência ao
longo de todo o texto.
Tal como mencionado, os resultados gerais aos quais esta obra chega
levam a uma crítica da política econômica adotada entre 2011 e 2014. Po-
rém, afirma-se que o forte processo de desaceleração pelo qual a economia
passou desde 2011 está muito longe de ser uma responsabilidade exclusiva
das políticas oficiais adotadas. Pelo contrário. As hipóteses explicativas
para uma queda da taxa de crescimento da economia brasileira atendem,
segundo a análise aqui realizada, à hierarquia das hipóteses acima estabele-
cidas.
Se o conjunto de políticas necessárias que se depreende de nossa aná-
lise aqui feita parece pouco convencional até para a heterodoxia, ele pelo
menos ajuda a ver quais tipos de política não vão conduzir a um aumento
da produção doméstica em conjunto com melhores condições distributi-
vas.

19
2. Premissas teóricas

Papel da teoria. A explicação do comportamento de uma economia na-


cional do ponto de vista dos interesses da maioria da população é uma
tarefa complexa. Ela é obscurecida em geral por (i) preconceitos e desejos
inconscientes; (ii) má formação teórica, que não leve a reconhecer as variá-
veis explicativas determinantes do movimento acumulativo; (iii) interesses
escusos, ligados a favores políticos e econômicos ou a uma posição privile-
giada de classe social. Mesmo quando o autor se arma para livrar-se de tais
dificuldades, a tarefa continua sendo difícil, porque a história econômica de
uma economia nacional (do tempo atual ou não) envolve a avaliação de
uma complexa interação de variáveis ao longo do tempo. Ela é, num certo
sentido, mais difícil do que os estudos setoriais ou monográficos, porque,
como já afirmou Myrdal, neste nível de análise, “não há problemas
econômicos, há problemas”. Assim, a explicação histórico-econômica é
particularmente interessante porque ela é desafiadora num sentido inter-
disciplinar.
Quando se trata de um conjunto de variáveis interconectadas, como é
a de uma realidade nacional, a indagação e a verificação das variáveis mais
determinantes torna-se difícil e mesmo as mais apuradas e pretensamente
realistas teorias econômicas encontram dificuldades nos saltos que envol-
vem (i) adotar uma teoria, (ii) analisar os dados e (iii) confirmar ou não
hipóteses baseadas na teoria adotada. A explicação torna-se então um
misto de (i) escolha das variáveis que se julgam mais importantes na expli-
cação com (ii) a análise de seu comportamento efetivo ao longo do tempo.
Variáveis determinantes. Na teoria marxista, kaleckiana ou mesmo pós-
keynesiana, o crescimento de uma economia é um processo explicado pela
acumulação de capital, entendida no sentido da ampliação da capacidade
de produção de bens físicos numa economia. O conceito fundamental é o
de excedente, entendido como a diferença entre o consumo e a produção
total. O excedente pode ser consumido totalmente, ou investido. Se inves-
tido, ele pode o ser de forma improdutiva, como no setor bélico ou na
construção de igrejas, ou de forma produtiva, produzindo bens úteis. Estes
bens úteis são os bens de consumo e os bens de capital. Para haver um
aumento da capacidade produtiva de forma geral, o setor de bens de inves-
timento deve ser privilegiado, pois só a partir de sua expansão o setor de
bens de consumo pode também crescer.
Quanto maior é a produtividade do investimento produtivo, menor é
o valor unitário de um bem, em termos de homens-hora de trabalho ou
20
qualquer outra medida similar. A criação de maior poder de produção de
riqueza significa a queda do valor do trabalho necessário para a produção
de mercadorias. A criação de riqueza leva, de fato, à desvalorização do
valor monetário do esforço físico humano, na forma de substituição de
trabalho por capital; isto é tanto mais intensificado se a substituição de
trabalho por capital ocorre seja nos setores produtores de bens de consu-
mo, seja nos setores de bens de capital. Tal economia de esforço mediante
o aumento da produtividade do trabalho poderia reduzir o tempo de traba-
lho de todos ao mesmo tempo em que todos tivessem trabalho. Na socie-
dade capitalista, porém, apesar de o aumento da produtividade aumentar
em termos reais o valor dos salários, o aumento do uso do capital ocasiona
o movimento contrário, para baixo, dos salários, pela via do desemprego.
O aumento da produtividade só é compensado em termos de empregabi-
lidade da força de trabalho se a taxa de investimento se mantém alta para
absorver o maior número de trabalhadores exigido por uma unidade adici-
onal de investimento.
O aumento da riqueza física exige um aumento do emprego do núme-
ro de trabalhadores produtivos quando o país é pobre, e ao menos uma
manutenção de tal emprego suficiente para manter os níveis de riqueza
quando tal país já é –na falta de um termos melhor– “desenvolvido”.
A acumulação de capital significa o investimento do excedente social
de forma produtiva, isto é, de forma a ampliar a produção de bens físicos
úteis à coletividade. Sem uma ampliação da produção de bens físicos úteis,
a ampliação do bem-estar geral numa economia não é totalmente possível.
Se há um crescimento descoordenado entre setores industriais e de servi-
ços, para uma dada população urbana (em especial num país pobre), o
setor de serviços em geral estará crescendo de forma a adicionar quase
nada à riqueza material. Valerá muito pouco formar legiões de “PhD’s” se
eles não puderem materializar suas novas ideias e seu maior potencial pro-
dutivo, em termos de fator humano, se não houver máquinas, prédios e
meios de transporte. “With every man God sends a pair of hands, but not
a tractor, a power station, or a schoolroom” (Robinson e Eatwell 1973a,
p.336).
A taxa de acumulação depende do nível prévio de acumulação, que
formou, ou não, capital físico e conhecimentos, que se reproduzem ao
longo do tempo. A acumulação depende do nível de salários, a produzir
uma taxa de lucro dada, um fluxo de demanda e uma perspectiva positiva
ou negativa para o futuro. Um aumento da participação salarial na renda
nacional diminui lucros para a empresa que os paga, mas em termos ma-
21
croeconômicos cria na economia um aumento da propensão marginal ao
consumo, se a classe trabalhadora tem um baixo nível de vida. Por outro
lado, o aumento do cômputo de consumo na renda nacional diminui a
taxa de recursos excedentes investidos, de forma que uma economia não
pode crescer continuamente se apenas consumir e não investir sua pou-
pança (excedente). Isto pode ser obscuro em termos monetários, mas não
em termos físicos, do ponto de vista do trade off entre consumir o exceden-
te ou ampliar o capital instalado (Sraffa, 1960).
A noção de taxa de lucro é em si mesma um conceito complexo e es-
pelha as contradições da economia capitalista. Em primeiro lugar porque
os salários podem ser muito baixos e alta a margem de lucro na relação
capital/trabalho, mas isto de nada valerá se não houver vendas. Quando se
fala numa alta taxa de lucro fala-se então em vendas que foram realizadas a
um nível remunerador, seu cálculo exato dependendo das convenções
contábeis. A taxa de lucro, de retorno, ou “eficiência marginal do capital”,
pode estar sendo relativamente compensadora ao longo do tempo. Mas os
bons tempos podem ser interrompidos por uma queda súbita da demanda,
de forma que de nada valerá pagar salários baixos se não houver quem
adquira a produção. Isto, em parte, é compensado no mercado por uma
quase total omissão dos governos para que o mercado de compra evolua
de modo homogêneo, de forma que o mercado para os bens de luxo apa-
rece frequentemente como uma oportunidade lucrativa em meio a uma
crise ou panorama estagnativo. Esta saída, porém, é limitada em termos (1)
numéricos, do ponto de vista da população concernente e (2) da propen-
são a consumir dos mais ricos, que tende a cair relativamente ao aumento
de sua própria renda.
A taxa de acumulação não depende apenas do estado da demanda.
De fato Kalecki estabeleceu uma divisão básica dos setores econômicos
entre aqueles cuja expansão está limitada (1) pela oferta, isto é, por “um
certo limite superior com relação à taxa de crescimento de longo prazo,
por razões técnicas ou organizacional”, de forma que “ainda dado um
aumento considerável do capital, isto não se traduz num incremento da
produtividade” (Kalecki, 1965, p.304); e (2) pela demanda, podendo-se
ampliar mais elasticamente a oferta de acordo com ela. Esta divisão é rela-
tivamente difícil de ser estabelecida na prática, mas pode ser útil para fins
analíticos, particularmente no que se refere à disponibilidade de recursos
naturais ou espaço físico.
A atuação dos preços relativos é determinante, particularmente em
sua relação com o câmbio. Dada uma estrutura de preços nas quais a taxa
22
de câmbio influi, os preços mais remuneradores estimulam a acumulação.
Quando há alta propensão a importar ou dependência de importações,
parte do fluxo de riqueza criado é vazado por um aumento das importa-
ções, e isto tanto é maior quanto maior é a propensão a importar. E, por
sua vez, quanto maior o valor externo da moeda doméstica, maior a pro-
pensão a importar. Um câmbio desvalorizado pode estimular as exporta-
ções, mas ao mesmo tempo pode desestimular as importações de maqui-
nário, encarecendo a produção e levando os produtores a trocarem a pro-
dução pelo rentismo. De forma geral, a literatura “heterodoxa” considera
que um câmbio desvalorizado é preferível se se busca uma via sustentada
de crescimento (ver Bresser-Pereira 2007 e 2015). Nas condições periféri-
cas, porém, um câmbio valorizado é bastante bem aceito por baratear as
importações, manter baixo o nível inflacionário, e valorizar os rendimentos
gerados em moeda local.
O conjunto dos meios de produção não é uma “geleia” que pode ser
construída e desconstruída sem custos e fora da linha do tempo, com rela-
ção aos quais “disappointed expectations and imperfect foresigth can be
avoided since the capital stock can be made into any form that is wanted
and adapted to any labour supply that is forthcoming” (Harcourt, 1972,
p.36). Há assim um componente puramente cíclico no comportamento
econômico. Alguns atribuem a ele uma tendência determinada de longo
prazo, outros não. Para Kalecki, os movimentos do ciclo econômico são
baseados nas decisões de investimento em capital fixo. Este autor preocu-
pou-se em tentar formalizá-lo matematicamente. Nesta leitura, a fase do
ciclo crescente de investimentos em capital fixo é altamente estimulante.
Mas todo boom termina porque em geral ele constrói coisas úteis e porque
amplia a capacidade instalada até um ponto em que se torna não lucrativo
seguir investindo, para uma dada taxa de crescimento anterior. Uma das
lições da derrota dos economistas neoclássicos nas controvérsias sobre o
capital é a de que o capital não é um conjunto de bens maleáveis. Em con-
dições de predomínio de grandes grupos econômicos e formação de trus-
tes, cartéis etc., os oligopólios possuem grandes fatias de cada mercado, e,
nos termos de Robinson, “fix margins which give a ‘break even point’ at
considerably low capacity –that is, full costs including standard profit are
covered by sales when a large margin of productive capacity is idle” (Ro-
binson, 1965, p.179).
Se uma linha de ferro é útil, não há porque construir outra ao lado de-
la; quando um prédio é terminado, sua utilidade expressa-se por muito
tempo. O investimento em capital fixo tende então a ser cíclico, a depen-
23
der da aceleração do consumo, do aumento das camadas do capital fixo
acumulado, do ganho de mercados no exterior, ou de uma mescla disto
tudo. Nas palavras novamente de Joan Robinson:
“Kalecki remarked that the capitalist system causes crises because those crises
are useful. A rise in the rate of investment generates a rise in the flow of profits
and promotes the employment of labor and the utilization of the pre-existing
stock of equipment. This provides a motive for a further rise in investment, but
at the same time it is adding to productive capacity. When the growth in the
stock of means of production overtakes growth in the flow of profits, the
overall rate of profit on capital declines. The inducement to invest is weakened
and a recession sets in” (Robinson, 1979b, p.xviii).

Quando o boom está concentrando trabalhadores em setores que não


produzem aumento da capacidade produtiva, ou destinando-se a tipos
improdutivos de alocação, este boom será frágil. Por outro lado, a crise, na
pendente de baixa do ciclo, torna-se útil para (1) desvalorizar o capital dos
empreendimentos mais fracos, levando-os a seu desaparecimento e/ou a
sua incorporação pelos mais fortes, e (2) para rebaixar salários, via desem-
prego. Daí a tendência para o processo de oligopolização e concentração
da renda que marca a economia capitalista.
Isto tudo envolve um conjunto complexo de variáveis atuando umas
ao lado das outras e de certo modo empalidece as tentativas mais refinadas
de teorização. Muitas vezes o efeito econômico de um determinado pro-
cesso é dúbio. O mesmo aumento da inflação que corrói a renda assalaria-
da pode ser estímulo para a manutenção dos investimentos por reforçar o
caixa das firmas. A expectativa quanto ao futuro pode sofrer violentas
alterações mesmo quando o quadro de crescimento prévio é positivo,
sendo tal explicado por alterações no clima político ou variáveis não dire-
tamente correlacionadas com a taxa de acumulação. Como enfatizou Key-
nes, as expectativas são voláteis em um mundo no qual não se sabe como
será o amanhã. Ou num mundo no qual não se está mais satisfeito hoje.
Mesmo vendendo mais, os executivos podem estar cada vez mais insatis-
feitos com um processo de queda consolidada da taxa de desemprego e
desejosos pela realização de reformas e mudanças que aumentem suas
margens de exploração dos trabalhadores. Estas demandas podem esbar-
rar na existência de um processo democrático, ou de resquícios dele.
Independentemente destas dificuldades metodológicas, o elemento
central que une as chamadas abordagens “heterodoxas” é o reconhecimento
do caráter inerentemente instável do movimento acumulativo, segundo o
qual não há nenhum “crescimento equilibrado” assegurado. Daí o papel
24
positivo conferido ao plano, ao planejamento indicativo, à regulação e à
política econômica ativa. As teorias heterodoxas reconhecem as deficiências
econômicas de uma economia de mercado e afirmam que a atuação consci-
ente das forças institucionais é uma precondição para uma gestão menos
errática de uma economia na qual a propensão a investir não está assegurada
e é afetada negativamente por muitos elementos, como o acúmulo de anos
de crescimento, o futuro obscuro, a queda do crescimento populacional, a
insatisfação com a situação política ou com salários mais altos.
Papel do investimento produtivo e da indústria. Como se disse, os elementos
do crescimento de uma economia podem situar-se no plano do comércio
exterior e no plano do crescimento do mercado interno, ou, o que é mais
comum, numa mescla de ambos. Seja no plano do crescimento interno e
externo, porém, o grau de alcance da expansão de uma economia depende,
na visão que adotamos aqui, do que Kalecki definiu como investimento
produtivo: “Com o termo investimento produtivo nos referimos àquele
que se destina à produção de bens e serviços materiais, enquanto que ou-
tros tipos de investimento, como a construção de habitações, ruas, parques
etc. classificamos como investimento improdutivo” (Kalecki, 1965, p. 301).
Segundo Kalecki, o conceito de rendimento nacional deveria abarcar a
produção de serviços materiais, como transporte e até o comércio, mas
deveria excluir a educação, os serviços médicos, os serviços administrativos
do governo e as diversões. Note-se que a definição de investimento produ-
tivo abarca a indústria da extração mineral e a agricultura, ainda que a pri-
meira não “produza” mas sim extraia da crosta terrestre recursos que em
geral são finitos (alguns recicláveis, outros não). Se o subdesenvolvimento
é definido em termos da escassez material, uma unidade de investimento
na indústria cria, por definição, mais valor material que nos serviços. Em
termos concretos: se há carência material e desemprego, o investimento
produtivo levará ao emprego dos desempregados para a produção de arti-
gos úteis, provavelmente em termos de maior produtividade ao longo do
tempo.3
De fato, um boom temporário de crescimento pode se dar inicialmente
pela criação de inovações tecnológicas, pelo aumento das exportações ou
por uma política redistributiva de renda. Mediante o chamado efeito multi-

3. Esta é uma definição cômoda sob o aspecto da escassez de tipo entrópico. A discussão da noção de
investimento produtivo à luz da economia ecológica deveria começar por discutir o papel dos setores
de reciclagem e energia “limpa” (ainda que eles mesmos estejam sujeitos à escassez e poluam). Aqui
ignoramos comodamente este problema, pois no curto prazo estamos ainda vivos, muitos dos quais
desempregados.
25
plicador, este crescimento se difunde pela economia. Constroem-se ou re-
formam-se estradas, outros serviços são demandados, a renda cresce, e, se o
aumento de preços e de salários não cancela o crescimento (por corrosão da
renda ou desestímulo ao investimento), a expansão segue.
A formação técnica de “capital humano” depende de horas de estudo,
ensino e treino, e é hoje facilitada pelo fácil acesso a material instrutivo for-
mal e de boa qualidade disponibilizado na rede mundial de computadores.
Mas a instância material é necessária para responder à expansão. A renda do
médico e do professor, na execução dos serviços onde supostamente só há
gastos de “capital humano”, vai traduzir-se em casas, carros, roupas, apare-
lhos elétricos, viagens internacionais, alimentos. Tudo isto tem que ser pro-
duzido localmente, ou importado à custa de alguma exportação, atração de
capital e/ou endividamento externo. Tal expansão vai bater às portas da
extração mineral e da agricultura locais, quando eles estão suficientemente
desenvolvidos. Estes vão produzir e vender à indústria de transformação.
Ocorre que se esta expansão se dá nos quadros de uma industrialização
insuficiente, no sentido daquilo que Furtado definia como um descompasso
entre o padrão de consumo e o padrão de oferta, abre-se uma clivagem: a
economia que não produz todos os bens demandados numa expansão
qualquer do produto vai demandar mais importações. Cancela-se então
parte do impulso inicial, comprando-se no exterior. Quanto maior é o valor
da moeda local quanto à moeda internacional que serve como padrão, maior
será a tendência para a importação. Ou seja, o impulso inicial é mais fraco do
que seria se a demanda fosse inteiramente suprida internamente (mesmo se
nascida no setor de serviços).
O país pode também apresentar uma escassez de bens primários, que
também obriga-o a comprar no exterior. Mas em geral o valor monetário
dos bens primários é menor por peso, o que torna este problema, em tese,
menos intenso – particularmente se o país é grande e rico em recursos
naturais (ver capítulo 5). Por isso, em condições de dependência de impor-
tações, expansões econômicas puxadas por booms temporários de expansão
das exportações de bens primários ou alimentados por setores com baixa
capacidade de exportação são muito mais débeis que um perfil de cresci-
mento baseado nas manufaturas, do tipo “Tigres Asiáticos”. As manufatu-
ras permitem substituir o que Sraffa (1960) definia como bens básicos, ou
seja, aqueles que entram na produção de todas as outras mercadorias (aço,
fios condutores, tratores). Já a construção civil, o telemarketing, a segurança
privada, os serviços de limpeza etc., não são exportáveis e não adicionam
materialmente quase nada a partir do trabalho concreto dos que os reali-
26
zam, depois de finalizados. Por isto se define o emprego de uma unidade
de salário nestes setores como improdutivo. Ainda, sua expansão mais que
proporcional do que a do setor industrial e em condições de uma econo-
mia aberta com câmbio valorizado traduz-se em um aumento de importa-
ções, atuando de modo ainda mais desestimulador (consumindo o “exce-
dente produtivo” criado nos setores, justamente, “produtivos”).
Na maioria das chamadas economias maduras, isto é, industrializadas,
após muitos anos de crescimento, elevação da produtividade e acumulação
de um estoque de capital fixo, o valor agregado da indústria no valor agre-
gado total pode cair. Ele cai primeiramente porque não se pode facilmente
empilhar estoques crescentes de capital fixo sem que se deprima o retorno
do empreendimento por excesso de oferta, levando-se isto a flutuações
periódicas no nível de investimento. Isso pode provocar uma queda no
número de trabalhadores do setor. Em segundo lugar, a atuação dos pre-
ços relativos pode favorecer os serviços: nestes os ganhos de produtivida-
de são em geral menores e os preços não caem ou caem com mais moro-
sidade. Ou seja, por mais oligopólica que seja a indústria, seus preços ten-
dem a cair mais rapidamente do que os preços nos outros setores, devido a
uma queda mais rápida dos custos de produção mediante a potencialização
do trabalho por meio da técnica e do conhecimento. Dá-se na indústria
uma queda em termos físicos da relação emprego/produto, ou uma queda
da unidade de emprego por unidade física de produto. Para que o setor
cresça em termos de volume de emprego, então, ele tem que desenvolver a
produção de máquinas, que produzirão depois outros bens. Sem a produ-
ção de maquinário, não é possível falar-se plenamente de “industrializa-
ção”. Uma dependência da importação de máquinas é um denotativo da
insuficiência da industrialização. Assim, a situação típica da economia peri-
férica é a de produzir localmente a partir de importação de bens de capital.
Se ele tem poder de compra externo e crescimento, o aumento da produ-
tividade se dá com menor criação local de trabalho, porque as máquinas
vêm de fora do país. Se isto se mantém, a alcunha de “país industrializado”
deve ser entendida de forma restrita.
Frequentemente, quando há a queda da participação da indústria em
termos de valor agregado no PIB, tende-se a obscurecer o papel prévio
que a indústria teve para a difusão da riqueza material e de conhecimentos
adquiridos, bem como para a inserção internacional do país em questão,
levando autores a afirmarem que um processo de desindustrialização não é
“ruim”. Isto é feito com base nas versões atuais da chamada teoria das
vantagens comparativas (cf. Ffrench-Davis, 1985, capítulos 1 e 2). Este
27
tema é uma enorme fonte de mal-entendidos. É claro que em qualquer
lugar do mundo pode haver produção mais barata que a doméstica, inclu-
indo os gastos com transportes (feito à base de petróleo, recurso não-
renovável e poluente). É claro que parte da produção pode ser comprada
fora do país e que não é necessário buscar internalizar todas as cadeias
produtivas. Adquirir pacotes tecnológicos forâneos é mais barato e fácil do
que introjetar domesticamente sua produção. Mas o problema não reside
apenas nisto, segundo o ponto de vista estruturalista.
A defesa da manutenção de um setor produtivo, nos termos acima
definidos, reside no fato de que há setores inteiros da Segunda -e mesmo
da chamada Terceira Revolução Industrial- cujas técnicas já são conhecidas
e que poderiam ser copiados e reproduzidos com custos de produção
viáveis (isto é, pagando os custos de produção e deixando alguma margem
de lucro) e benefícios sociais óbvios. Nas condições de oferta elástica de
mão de obra e carências materiais para parte relevante da população, isto
quer dizer empregar pessoas desempregadas e gerar a partir de tal emprego
riqueza física, se a orientação dos investimentos não for dada totalmente
pelo comparativo de lucros entre os vários modos existentes de acumular
riqueza. Daí a defesa do papel do Estado. Usando a linguagem ortodoxa,
ao manter funcionando um setor produtivo, ainda que não muito lucrati-
vo, os benefícios sociais marginais do investimento são maiores do que
seus custos. A indústria num país subdesenvolvido é necessária antes de
mais nada porque a oferta local de bens é em geral insuficiente em termos
de quantidade física para elevar o padrão de vida do povo como um todo.
Isto é: para manter uma parte da população improdutiva suficientemente
alimentada e amparada para que esta parte possa, justamente, ser bem
empregada no setor de serviços necessários ao “desenvolvimento”: educa-
ção, saúde, etc.
Esta condição é fácil de ver no caso do produtor de camisas que em-
pregava trinta funcionários e que fechou sua fábrica porque era impossível
produzir em condições mais compensadoras que aquelas vigentes em ou-
tras partes mais pobres do mundo, ainda mais nas condições de uma taxa
de câmbio muito valorizada. A falência deste pequeno produtor não tem
nada a ver com uma “crise do processo de substituição de importações”.
Foi pura destruição de capacidade produtiva viável. Segundo nossas pre-
missas, não seria arrazoado retroceder às condições de trabalho prévias à
origem da moderna legislação trabalhista. Pelo contrário, seria papel da
política comercial, financeira e de câmbio tentar impedir que se fechassem
fábricas viáveis devido a um câmbio desalinhado e concorrência predató-
28
ria. É certo que a importação de artigos mais baratos pode elevar os níveis
de vida. Mas os benefícios sociais de empregar produtivamente a popula-
ção devem ser ponderados com a “poupança” feita na aquisição vinda do
exterior de bens mais baratos. Daí a sombra da incerteza escondida atrás
dos supostos benefícios da pomposa expressão “livre comércio”.
Para que uma política de desenvolvimento seja viável, é necessário,
portanto elevar a produção material – primária mas também industrial –, de
forma a permitir um crescimento da renda per capita não inflacionário e
não-totalmente dependente do poder de compra externo, de forma que o
aumento do excedente produzido possa financiar serviços mais complexos
e não apenas hotelaria, limpeza, segurança privada ou jogos de azar. Nas
condições do subdesenvolvimento, a expansão destes setores pode ser um
resultado do crescimento do desemprego ou da linha de menor resistência
para o enriquecimento dos detentores de riqueza. Nestes tipos de serviço
os salários são menores, são menores as exigências de qualificação, e o
volume de capital e sua logística são também inferiores. Diante da necessi-
dade de acumular capital da economia subdesenvolvida, “la absorción
espuria de fuerza de trabajo no deja de ser contraproducente, pues significa
apartar recursos que podrían dedicarse a la acumulación, con lo cual tiende
a acentuarse aquella insuficiencia” (Prebisch, 1976, p. 24).
Assim, a necessidade da acumulação de capital nos países periféricos
justifica-se, ainda que em diferentes segmentos este processo de cresci-
mento da produção seja mais caro em termos de qualquer base realista de
comparação internacional. Fora do plano altamente abstrato das formula-
ções neoclássicas, os ganhos de potenciais mercados externos advindos da
especialização em recursos primários tendem a não garantir um alto volu-
me de emprego da força de trabalho altamente urbanizada que marca paí-
ses, por exemplo, como o Brasil.
Por isso, novamente, a ênfase na atuação do Estado, como produtor,
fomentador e protetor, em algum grau. Deixada esta decisão aos oligopólios
globais, a decisão se baseia em suas margens de lucro comparadas em nível
internacional. Isto é, suas decisões são tomadas com base numa divisão
internacional do trabalho. Tais decisões não levam em conta os menciona-
dos problemas sociais acarretados pela perda da produção fabril.
Em muitos países pobres, mesmo em sendo mais cara a produção lo-
cal, não se pode contar totalmente com a oferta exterior. A indústria de lati-
cínios é um exemplo. Então, para que a população consuma mais derivados
frescos do leite, é necessário que a produção doméstica aumente de forma
adequada, e isto significa que ela deve aumentar num plano horizontal e
29
regional, quando o país é territorialmente grande e a produção não pode ser
totalmente trazida do exterior, e mesmo de dentro do território nacional. Por
outro lado, o próprio processo de crescimento demanda trabalho e isto
absorve o desemprego disfarçado. Ainda que sua produtividade seja mais
baixa do que qualquer empresa mais competitiva num país qualquer, a “pro-
dutividade marginal do investimento” excede o “custo social” de manter um
trabalhador desempregado. Então, como define Robinson:
“When there is unemployment, the cost to society of some additional in-
vestment is not much more than zero, indeed it is negative if we bring the
misery of unemployed workers into the account, but capitalists would have
to pay wages to get it done” (Robinson, 1973b, p.74).

Mas, para muitos economistas convencionais, um desempregado não


representa um custo social. Nesta leitura o desemprego tem a positiva
função de manter os salários e os preços num nível aceitável às empresas.
Deste modo, a curiosa definição da industrialização como “doença so-
viética” dos economistas convencionais (ver capítulo 5) parte da premissa da
industrialização periférica como algo ruim, pois mais cara em termos de
alguma comparação em termos “microeconômicos”. Devendo-se o país em
questão importar, necessariamente, os bens do produtor mais eficiente, seja
qual ele for, sejam quais forem as consequências para o nível de emprego.
Assume-se que isto irá “liberar capital” e que este seja aplicado nos setores
com “maiores vantagens comparativas”, eliminando-se “desvios de comér-
cio”. Assume-se que se os custos reais na oferta disponível caírem, o nível de
vida subirá. A teoria das vantagens comparativas, implícita nesta leitura, as-
sume que com o fechamento de fábricas o volume de emprego anterior-
mente existente será novamente obtido, e que a inserção internacional medi-
ante a exportação de recursos primários traz os mesmos spillovers que, diga-
mos, a produção de um reator nuclear.
Este modo de ver as coisas despreza os custos de transação e adapta-
ção. Se a produção industrial for substituída pela produção primária indus-
trializada, ela será capaz de empregar qual cômputo da população urbana
realocada? Estas questões não são levadas em consideração nas premissas
neoclássicas, altamente abstratas e limitadas, refletindo sua unilateralidade
em termos de um método científico que não mescla dialeticamente dedu-
ção e indução. O pressuposto de tais análises é o de desprezar fricções
ocorrendo no mundo real –seja das classes sociais, seja em nível nacional.
À luz disto, chega a ser surpreendente que a análise de custos microeco-
nômicos seja o principal parâmetro de avaliação sobre a indústria instalada
30
em um país por parte da visão convencional. Ela ignora os efeitos positi-
vos da industrialização no sentido da autonomia nacional, da geração de
trabalho, de maiores salários, de economia no transporte internacional e
conhecimentos internalizados. Os custos sociais da perda da participação
da indústria no PIB e em forma de desemprego não são levados em conta.
Tudo isto embaralha demais a funcionalidade, para a análise econômica, de
pressupostos assentados em noções de equilíbrio e ajuste automático.
Quando há um crescimento puxado fora do setor industrial propria-
mente dito, no qual a indústria de transformação aparece como dependen-
te, há um caso em que a tendência permanente a um aumento de preços
(inflação) pode intensificar-se. Isto ocorre se o setor industrial local não
acompanha o crescimento e é incrementada a demanda de importações.
Este é o caso no qual a taxa de câmbio subitamente é desvalorizada. Há o
risco de uma desvalorização cambial apenas conduzir a preços mais eleva-
dos se a dependência de importações for grande e fraca a disposição para
acumular e ganhar mercados externos via bens manufaturados. É verdade
que o recurso à apreciação da moeda local e à abertura às importações
mantém os produtores domésticos domesticados. Mas isto é feito à custa
de desestímulos à inversão produtiva quando a produção externa é muito
mais barata. Assim, diante de um acúmulo de déficits na balança comercial,
a denotar um desfavorecimento à produção local, há um deslocamento
dos que podem investir produtivamente para outros tipos de investimento.
Estes outros tipos de investimento podem ser qualquer coisa; educação,
hotéis, propaganda, atividades ilegais. Eles podem inclusive crescer rapi-
damente por um tempo; mas certamente, mantido um perfil de baixa
acumulação industrial, eles crescerão de certa forma na “margem” do que
a economia pode aceitar, tal como um crescimento supérfluo. Terminado
um ciclo, estes setores se retrairão. É inútil esperar que a formação de “ca-
pital humano” por si só seja suficiente sem um correspondente aumento
no nível dos investimentos que permitam empregar tais trabalhadores, já
que “a man himself cannot produce anything” (Robinson, 1980, p.187).
De forma geral, as decisões alocativas entre um e outro setor da eco-
nomia capitalista são determinadas depois de uma comparação de custos e
ganhos. Os ganhos no mercado de bens são diminuídos quando se eleva a
taxa de juros. O estado de expectativas pode mudar, e um aumento pela
demanda por liquidez pode surgir, trocando a fábrica pelos títulos a juros,
ou simplesmente pelo entesouramento. Na escala da liquidez, o entesou-
ramento e o título a juros não criam os postos de trabalho gerados pela
relativamente menor liquidez das fábricas. Isto explica porque a economia
31
atual se tornou financeirizada, com trilhões de dólares inativos girando o
mundo em busca de valorização monetária. A rentabilidade financeira não
exige dispêndio em tijolos, máquinas, organização e outros bens ilíquidos,
e seu acúmulo é altamente elástico, diferentemente de bens físicos cuja
acumulação para fins produtivos é dada pelo limite da “utilidade” ou da
“eficiência marginal do capital”. A taxa de acumulação física vem ficando
atrás da produção de excedentes monetários, porque, dentre outros moti-
vos, o nível de acumulação alcançado já é grande e porque ele esbarra nos
tradicionais impedimentos de renda concentrada, recursos naturais caros
ou pura preferência pela liquidez. Assim, enquanto o mercado financeiro
se torna cada vez mais complexo e lucrativo, o desemprego aumenta
mesmo nas áreas que antes se consideravam “ricas” (Espanha, Itália, Gré-
cia, França).
Em tempo: um padrão de produção definido pelas decisões de inves-
timento de oligopólios globais determina uma pauta de consumo de que os
países pobres não necessitam, porque excessivamente centrada nos bens de
luxo ou bens de consumo supérfluos e desnecessários. Infelizmente, os
pressupostos adotados em nossa análise levam a reconhecer que é melhor
haver ao menos uma elevação deste tipo de gastos do que simplesmente
uma elevação do desemprego.
Distribuição da renda e do volume de emprego. Além da necessidade em si da
industrialização, há toda uma outra problemática relativa ao crescimento.
Trata-se da questão da distribuição da renda entre os assim chamados
“fatores de produção” –classes sociais, melhor dizendo– com relação a
qualquer nível industrial de fato existente. Os que vivem do trabalho po-
dem estar muito acomodados com baixos salários, o que induz a um cres-
cimento da economia com poupança de capital (mais trabalhadores, me-
nos máquinas); ou, no extremo oposto, podem estar exigindo demais, no
sentido dos capitalistas. Este último caso pode levar a um crescimento, nos
termos de Joan Robinson, com “utilização de capital”, de forma a poupar-
se com a folha salarial dos empregados. Se as taxas de produtividade entre
os setores de bens de capital e de consumo são diferentes, o crescimento
não se dá em condições de “neutralidade” e a economia apresentará um
caminho instável (Robinson 1969 [1956]). Se os salários estão crescendo,
tenderá a haver uma substituição do trabalho vivo pela máquina. Isto é, o
valor (monetário ou em homens-hora) do melhor aparato produtivo cres-
ce por unidade de emprego. (O melhor aparato é aquele que, ainda que
mais caro que o anterior, permite um aumento do produto mais que pro-
porcional que o aumento do investimento por homem empregado.) Se
32
esta economia que tende a elevar o grau de produtividade fabrica domesti-
camente suas próprias máquinas, o problema do aumento do produto por
unidade de trabalho é parcialmente minorado; se esta economia tende a
importar capital, o problema é intensificado e ela apresenta em geral de-
semprego estrutural.
Por outro lado, o crescimento pode ser de tipo “poupador de capi-
tal”, com uso intensivo do fator trabalho. Neste caso, o fator trabalho
tende a obter ganhos. O aspecto negativo relacionado com isto é o de que
o crescimento com viés utilizador de trabalho pode ser bem pouco produ-
tivo ou ter nula capacidade de geração de ganhos externos à economia –
como é o caso dos diferentes setores de serviços, em que a relação capi-
tal/produto é baixa porque é alta a relação de trabalho por unidade de
“produto”. (Este de fato foi o caso do Brasil no período considerado neste
estudo; conferir capítulo 6, seção 3.)
Mesmo quando o progresso técnico é “neutro”, com a melhor técni-
ca existente (mais produtiva) não aumentando seu valor em termos de
unidade de emprego em todos os setores da economia, uma taxa constante
de emprego numa economia como um todo de viés neutro depende de
um aumento salarial na mesma proporção do aumento da produtividade
do novo capital (ver Eatwell e Robinson 1973a). Uma economia que cres-
ce com aumento do uso do fator trabalho tende a estar crescendo com
base no aumento da contratação de trabalhadores dotados de pouco capi-
tal sob uma produtividade estável. Neste caso, a relação capital/unidade de
emprego cai, mas a relação produto/capital tende a ser estável ou de baixo
crescimento. Esta não seria de fato uma condição totalmente ruim para
países com alto desemprego, devido a seu alto poder de absorção de mão
de obra, caso tal mão de obra estivesse sendo empregada para criar bens
físicos ou legar um impacto positivo sobre o nível de produtividade (saúde
e educação). O problema é que tal não ocorre com tamanha dimensão nos
serviços de limpeza, entretenimento, segurança, corretagem, telemarketing
etc..
Se o crescimento demográfico dos trabalhadores fica aquém do cres-
cimento da taxa de absorção de mão de obra na economia, as empresas
ficarão irritadas por terem de pagar salários maiores devido à escassez de
trabalhadores à mão. Esta situação tem ocorrido no Brasil também. Na
impossibilidade de um movimento imigratório, isto estimularia, em tese, o
aumento do capital empregado por unidade de emprego. Isto é, a adoção
de técnicas poupadoras de trabalho. Pode-se mesmo, num nível teórico,
obter por algum tempo um crescimento com aumento do salário real para-
33
lelamente ao crescimento da produtividade (maior produto por unidade de
emprego), com uma taxa de lucro mais ou menos constante, se a oferta de
trabalhadores acompanha a taxa de investimento. Esta é a “época de ou-
ro”, nos termos de Joan Robinson. Mas é alta a probabilidade de que isto
não ocorra de forma prolongada.
A relação entre o nível dos salários e o custo da inovação técnica utili-
zadora de capital é importante. Se esta é compensadora, o trabalho tende-
ria a ser substituído pela técnica nos setores em que isto é possível. O de-
semprego poderia ser compensado fabricando outras técnicas, sucessiva-
mente, quer dizer, máquinas cuja fabricação exige trabalho com as mãos.
Mas nas condições de uma economia subdesenvolvida, com baixos salá-
rios, de produção oligopolizada e internacionalizada, o processo é diferen-
te. Durante um eventual processo de queda do desemprego, com conse-
quente aumento salarial, a eventual substituição do trabalho por máquinas
leva tendencialmente à importação de capital –particularmente se a taxa de
câmbio for favorável. A inovação nestas condições ocorre pela importação
de capital, mas não tende a gerar muitos efeitos multiplicadores domésti-
cos, exceto gastos de reparo e manutenção.
Ao mesmo tempo, a importação de capital mais produtivo expulsa
aos poucos trabalhadores dos setores tecnicamente mais avançados, elimi-
nando mesmo profissões. E, se a taxa de investimento não é alta, o pro-
gresso técnico vai criando uma massa de trabalhadores “excedentes”, do
ponto de vista corporativo, induzindo o desemprego estrutural e a futuras
perdas salariais. Se o capital é importado, e ainda eleva o produto por uni-
dade de emprego, a taxa de investimento futura teria então de ser ainda
maior do que a corrente para empregar um mesmo volume de trabalhado-
res. Produtividade crescente, disposição para investir cadente: eis a origem
do desemprego estrutural atual. De qualquer forma, a resistência em seguir
investindo em capital fixo impede que este mecanismo seja revertido fa-
cilmente. Ao fim de um boom, as condições de oligopólio provavelmente
assegurarão repasses dos custos salariais maiores aos preços finais, com-
pensando as perdas no volume vendido com aumentos nas margens dos
preços.
Aumentos salariais potencializam o consumo, em geral, se há uma al-
ta propensão a consumir, mas como o mercado é segmentado entre mer-
cado de massas e mercado de elites, alguns produtores sentem mais in-
fluência sobre as vendas quando os salários crescem. O aumento do vo-
lume de emprego é em geral um estímulo ao investimento, pelo conhecido
efeito multiplicador, dado o aumento do volume de consumo que propi-
34
cia. Se a produção doméstica é atravessada por diversos “poros” de co-
mércio exterior, uma parte importante do crescimento é vazada para o
estrangeiro. Por outro lado, um aumento do volume de emprego, em con-
dições de escassa oferta de trabalho, pode conduzir a um futuro desestí-
mulo à acumulação devido a uma eventual inexistência mesma de oferta da
força de trabalho, na presença de salários espirais. Esta não é em geral a
condição do país subdesenvolvido, em que há em geral oferta bastante
elástica de trabalho (ainda que não de trabalho “qualificado”), mas pode
ocorrer se a oferta da população trabalhadora diminui ano a ano, caso no
qual há um favorecimento indireto à situação dos trabalhadores, tornando-
se relativamente mais escassa a oferta de trabalho. 4 Em sendo assim, uma
crise econômica que leve a um aumento do desemprego e a quedas de
salário pode ser ruim para as vendas, mas, nas condições de um capitalis-
mo oligopolizado, ela em geral é bastante bem tolerada em termos da so-
brevivência dos grandes. Como afirmou Kalecki em um texto clássico, o
setor corporativo “dislike the social and political changes resulting from
the maintanance of full employment” (Kalecki, 1942, p.324).
Política econômica. Diante disto tudo, a política econômica frequente-
mente pode ter um poder mais destrutivo do que construtivo, e sua conse-
cução pode não atender totalmente àquilo que a teoria afirma. Quanto aos
impactos de um déficit fiscal, Joan Robinson concede que, em alguns ca-
sos, um aumento do déficit fiscal pode “abalar a confiança” e prejudicar o
volume de investimentos (Robinson, 1960 [1937], p.35), se a confiança no
governo é baixa por parte dos capitalistas. Ou, como Kalecki observou,
“num sistema de laissez-faire o nível de emprego depende em grande parte
do chamado ‘estado de confiança’” (Kalecki, 1942, p.325), que é modifica-
do negativamente quando o setor corporativo julga que as autoridades
estão assumindo um papel muito interventor, ou simplesmente quando
desejam uma troca do governo. Porém, ela mesma define os déficits fiscais
como necessário recurso de “respiração artificial” (ver Robinson 1979b) a
uma demanda efetiva que não pode ser permanentemente garantida pelas
forças de mercado. Diferenciando-se radicalmente, assim, da visão con-
vencional, na qual os déficits fiscais “roubam poupança” (efeito “crowd
out”) do setor privado. Em defesa da visão alternativa, poder-se-ia, dentre
muitos outros exemplos, mencionar a própria política fiscal do governo
dos Estados Unidos, sempre a elevar seus déficits fiscais em momento de
crise (ver Schincariol 2016). Assim, na visão heterodoxa, o exercício do

4. Os dados não são exatos, mas estima-se que há mais de 5 milhões de brasileiros vivendo no exterior.
35
déficit fiscal eventualmente poderia ocasionar custos como o “abalo do
confiança” e da “governabilidade”, em situações em que o consenso do
público é muito conservador e o poder dos rentistas muito alto. Porém, o
manejo anti-cíclico do déficit fiscal consistiria em um recurso que, de pon-
to de vista estrito da demanda agregada, eleva-a, na visão kaleckiana, robin-
soniana etc. (O governo Dilma enfrentou esta contradição em 2014, ele-
vando de forma inédita (desde 2002) o gasto primário do governo, mas
sofrendo depois uma forte oposição por parte, inclusive, dos chamados
órgãos fiscalizadores oficiais (como o Tribunal de Contas da União).)
É mais fácil tomar medidas desastrosas do que medidas que condu-
zam a um aumento indolor do investimento. Por exemplo, é relativamente
mais simples diminuir tarifas de importação ou tolerar um câmbio valori-
zado (em condições de câmbio flutuante) que aumente a oferta de bens
estrangeiros no mercado local do que estimular as firmas locais a substituir
a produção que vem de fora. Nas condições de um câmbio desalinhado
(valorizado), a produção local é naturalmente desfavorecida em função da
estrangeira se não ocorrer nenhuma alteração das regras tarifárias. Mas a
desvalorização necessária traz aumento de custos e inflação, embaralha
expectativas e desestabiliza balanços; isto reduz a renda real, afeta os inves-
timentos e é politicamente custoso. Por sua vez, o Estado haveria de bus-
car uma política anti-cíclica. Mas como ele pode buscá-la se os detentores
da dívida pública exigem superávits fiscais e altos juros? Evidentemente, o
Estado teria que diminuir a influência dos detentores da dívida. Mas isto só
seria possível se ele emitisse mais papel-moeda, ou aumentasse a tributa-
ção. Ambas as saídas têm custos em forma de mais inflação ou exacerba-
ção do conflito político.
Assim, mesmo quando os gestores adotam teorias e modelos que
pretendem “entender o mundo real”, não se pode esperar que as decisões
privadas de investimento sejam para sempre domesticadas e canalizadas
para longe da chamada “preferência pela liquidez”. O poder do Estado ou
de grupos sociais em seu controle é limitado quando aqueles que podem
decidir a taxa de investimento, vendo a demanda cair, creem que não have-
rá mais crescimento, ou decidem que não querem mais crescimento. Isto é
intensificado porque o grosso das decisões de investimentos numa eco-
nomia periférica e internacionalizada é feito por grandes grupos internaci-
onais ou mesmo locais, controlados em última instância por uma pequena
fração da sociedade (em geral brancos descendentes de europeus nas soci-
edades latino-americanas). O que torna fácil sua organização e o reconhe-
cimento mútuo de interesses comuns, sendo a especulação e as decisões de
36
investimentos, dadas na margem da capacidade ociosa, regras gerais de
comportamento corporativo. Numa economia internacionalizada os con-
tágios de pessimismo e crise ocorridos em outros lugares são transmitidos
com rapidez, intensificando as variações no volume de investimentos. A
dimensão que os oligopólios adquiriram torna-os capazes de sobrevivência
na expansão e na crise. Na expansão, sua taxa de retorno é maior, mas,
depois de um certo tempo, com a queda do desemprego e aumentos su-
cessivos em investimentos fixos, o retorno do capital passa a cair. No fim
do boom, esta é a hora em que as demissões ocorrem, negócios são fecha-
dos e caem os valores dos imóveis, cujo eventual crescimento dependeu de
algum fator expansivo como o aumento dos investimentos via inovações
ou das exportações (como no caso do Brasil após 2003).
Na economia como um todo, isto provocará uma queda dos salários
e conferirá certa funcionalidade à crise. Neste momento, a administração
deficitária do orçamento do governo apareceria como elemento que mi-
nimizaria a crise, mas como a arrecadação cai com a queda da economia,
os credores do Estado veem com apreensão o aumento das despesas pú-
blicas com relação ao PIB. A luta de classes em torno das despesas públi-
cas se intensifica. Deste modo, as políticas de uma determinada adminis-
tração não são responsáveis pela totalidade do movimento econômico. É
óbvio que o papel da política econômica é decisivo, mas, particularmente
numa época em que a globalização dificulta a atuação dos Estados Nacio-
nais, o movimento econômico responde a variáveis que a política econô-
mica não pode de todo induzir positivamente, particularmente as decisões
de investimento dos que controlam a maioria dos processos produtivos e
de oferta. A aceitação que as decisões de investimentos sejam dadas a estes
oligopólios significa de fato uma privatização das decisões de investimento.
Por isso, o rebaixamento do papel do Estado tornará mais difícil mitigar as
consequências negativas advindas do modo pelo qual as coisas acontecem
num capitalismo global de grandes empresas.
Mesmo que o Estado fosse uma entidade independente destas gran-
des empresas, ele não teria capacidade para forçar legalmente o compo-
nente de custos representados pelo lucro a cair, ou forçar os controladores
oligopolistas a não especularem. Por isto a tendência à elevação constante
dos preços, particularmente dos imóveis, mesmo quando parte dos preços
é “administrada” oficialmente. De fato, “the system of industrial pricing
generates a chronic tendency to inflation” (Wilkinson e Robinson, 1983,
p.90). A pressão, o “lobby”, as ameaças de grupos de interesse bem estabe-
lecidos, tudo isto leva inclusive os preços oficialmente regulados a subirem.
37
Os preços são formados por poucos grupos muito fortes e cujas preferên-
cias não são simpáticas a governos que visem repartir parte de suas grandes
margens de lucro para fins alheios à busca por lucratividade. (No caso
brasileiro, a continuidade do mecanismo de indexação dos contratos à
variação dos preços oficialmente medidos, herança do período do governo
militar (1964-1985) não eliminada pelo Plano Real, dificulta ainda mais a
busca de uma política de baixa inflação, mesmo em condições de baixo
crescimento.)
Assim, as economias não industrializadas não têm produção física per
capita suficiente e a industrialização via oligopólios estabelece altas margens
fixas de retorno. Quando a demanda é mais ou menos estável e a partici-
pação dos salários no PIB é constante, os preços tendem a subir, vagaro-
samente; quando os salários crescem, os preços respondem ao seu com-
ponente primário, justamente o custo salarial. Mas quando a demanda
baixa e/ou os salários estancam, não desaparece totalmente a tendência
para elevar os preços, já que os custos fixos sobem.5 Em todos os casos
em que a oligopolização se faz presente, os preços tendem a subir, acossa-
dos por outros fatores, inclusive físicos; particularmente o preço do barril
de petróleo. Assim, “it is for this reason that post-Keynesian economists
see a prices and incomes policy as a necessary adjunct to traditional de-
mand-management policies, together with some social mechanism (for
example, indicative planning together with selective public sector expend-
ing) to direct the amount and type of investment” (Kenyon, p.44, 1978). 6
Em condições de oligopólio, a concentração da renda via repasses su-
cessivos dos custos nos preços é uma consequência provável de um proces-
so de crescimento, contribuindo para a concentração da renda. Um proces-
so de crescimento tende a resultar em elevações de preço nas pontas mais
limitadas da oferta e a encarecer os preços dos bens imobiliários, diminuindo
a renda assalariada real.7 Políticas de estabilização que não ataquem a con-

5. Não estamos levando em conta o aumento de custos e preços originados por rendimentos decres-
centes no setor primário, como agricultura e extração mineral, particularmente o petróleo. Sua inclusão
tornaria esta exposição muito mais complexa. Bem como uma análise que incluísse custos naturais
referentes à depleção, à perda da diversidade natural, à escassez de água. Em outra ocasião este autor
levou à frente uma análise da economia brasileira (não sei se bem sucedida) que buscou incorporar
estes elementos (Schincariol, 2012), mas como nossa preocupação neste estudo situa-se dentro dos
marcos do curto prazo, desconsideraremos esta problemática.
6. Por isso “[a] luta contra a dependência começa em geral pela reivindicação do controle
das próprias fontes de recursos não renováveis” (Furtado 2008 [1978], p.160).
7. “O Minha Casa Minha Vida formalizou as condições para um boom imobiliário no Brasil. [...] Um
intenso processo de especulação fundiária e imobiliária promoveu a elevação do preço da terra e dos
imóveis, considerada a ‘mais alta do mundo’” (Maricato 2015, p.38-39).
38
centração de poder nas diversas cadeias de oferta, que não estabeleçam tetos
e limites à renda excessivamente gerada pelos mais ricos, também não tende-
rão a ter sucesso quando houver um desalinhamento muito forte de expec-
tativas face aos preços, situação na qual desaparece um certo consenso pré-
vio em torno de uma baixa inflação. A inflação tem também um componen-
te psicológico e comportamental, sendo mais indomável nos países em que
o rentismo é uma forma costumeira e sempre potencial de auferir renda.
Reside aí o limite da atuação do Estado capitalista.
Para além de tudo isto, o que torna uma política econômica de difícil
manejo quanto aos ciclos é a atuação conjunta de fatores econômicos com
os políticos. Nos sistemas capitalistas, em especial nos países subdesenvol-
vidos, isto ocorre de forma intensa. Um governo num país periférico
comprometido com o “mercado” tende a buscar a internacionalização da
economia e a atacar os direitos dos trabalhadores. Mesmo governos que
asseguram uma política econômica ortodoxa podem ser vítimas de uma
mudança brusca das expectativas quando ele não é o preferido pelo mer-
cado. Um governo trabalhista comprometido com os trabalhadores e dis-
posto a “comprar brigas” enfrentará enormes resistências corporativas.
Investimentos não sairão do papel, especula-se sempre, as mercadorias não
chegam, os preços crescem, há fuga de capitais (é o caso da Venezuela
hoje). A dívida pública encarece e a política fiscal e monetária ficam com-
prometidas por uma resistência corporativa a seguir financiando o governo
em geral deficitário. Quando uma crise cristaliza-se, o capital monetário
tende a refugiar-se em capital imobiliário, o crédito internacional torna-se
volátil, há sabotagens das potências dominantes etc. A operacionalidade da
política econômica –fiscal e monetária– torna-se, nestas condições, mais
difícil. Todas estas artimanhas corporativas, que compõem os custos do
“capitalismo real” que não aparecem em nenhuma planilha de nenhuma
empresa privada, são ignoradas pelo discurso convencional.
À luz das observações acima, pode-se afirmar que o mundo corpora-
tivo sem fricções e auto-ajustável da teoria neoclássica, onde só o Estado
ou os trabalhadores são os responsáveis pelas crises econômicas, é apenas
uma imagem idealizadora, propagandística e autocomplacente.
Voltando-se ao início, poder-se-ia concluir dizendo que, desta forma,
quando o problema de pesquisa é o de avaliar um determinado padrão de
comportamento econômico, não se está na zona de conforto dos estudos
monográficos e específicos, onde o controle e conhecimento das variáveis
são, em tese, maiores. O estudo da realidade de um país e de sua história
econômica é, necessariamente, um estudo, em boa medida, interdisciplinar,
39
como o que pretendemos realizar aqui. Para o caso do Brasil, o que se pode-
ria dizer quanto ao primeiro governo Dilma (2011-2014), a partir das pre-
missas acima delineadas? Analisemos primeiramente a situação do ponto de
partida de sua primeira administração, onde se demonstram as condições da
economia brasileira a partir de nossas hipóteses auxiliares.

40
3. O Brasil na eleição de Dilma (2010)

3.1. Os anos do governo Lula (2003-2010)

Ao longo dos anos 2000, e ingressando-se na segunda década deste


atual século, tinha-se conseguido no Brasil um rol de melhorias no ambi-
ente institucional e no socioeconômico. Fora mantido o rito das eleições e
sucessões presidenciais, bem como uma melhoria relativa do ambiente
econômico e social, com diminuição das taxas de desemprego, melhoria
do perfil da concentração de renda e elevação gradual do poder do salário
real. Muitas dificuldades de etapas anteriores da história haviam sido supe-
radas, com certa ampliação de direitos sociais e civis, tais como a criação de
cotas para estudantes afrodescendentes em universidades federais, a união
civil, para efeitos práticos, de pessoas do mesmo sexo, bem como outros
indícios que expressavam, até então, um maior nível de tolerância às dife-
renças em uma sociedade heterogênea e complexa.
Após o primeiro governo Lula (2003-2006), no qual predominaram
políticas fiscais e monetárias de viés ortodoxo, o cenário econômico evolu-
iu mais favoravelmente, particularmente no comércio internacional, sob
aumentos de demanda por exportações vindas do Brasil. A significativa
diminuição da restrição cambial brasileira, que se seguiu, com sucessivos
superávits na balança de comércio, permitiu uma maior arrecadação tribu-
tária e uma diminuição do perfil da relação dívida líquida/PIB (Produto
Interno Bruto), bem como dívida externa/PIB (Schincariol, 2012). Singer
afirma sobre a melhoria do ambiente macroeconômico: “Em dezembro
de 2010, os juros tinham caído para 10,75% ao ano, com taxa real de 4,5%.
O superávit primário foi reduzido para 2,8% do PIB [...]. O salário míni-
mo, aumentado em 6% acima da inflação naquele ano, totalizava 50% de
acréscimo [...]. Cerca de 12 milhões de famílias de baixíssima renda recebi-
am um auxílio entre 22 e duzentos reais por mês do Programa Bolsa Famí-
lia (PBF)” (Singer, 2012, p.13).
Consoante tal cenário, em 2011 o discurso da presidenta Dilma Ro-
usseff na abertura da Assembleia das Nações Unidas era otimista. Dilma
caracterizava o mercado de trabalho brasileiro em 2011 como apresentan-
do até mesmo “pleno emprego”, enquanto muitos países desenvolvidos
afetados pela crise de 2008-2009 estariam tomados pela “tragédia” oposta
da falta de postos de trabalho. A ideia de pleno emprego no mercado de
trabalho foi reiterada muitas outras vezes no discurso oficial.

41
“É significativo que seja a presidenta de um país emergente, um país
que vive praticamente um ambiente de pleno emprego, que venha fa-
lar, aqui, hoje, com cores tão vívidas, dessa tragédia que assola, em es-
pecial, os países desenvolvidos” (Presidência da República, 2011).

Em seu discurso, Dilma buscou argumentar que o Brasil contribuía pa-


ra a paz mundial e era ator influente na geopolítica global, usando os exem-
plos da controvertida relação brasileira com o Haiti e Guiné-Bissau.
“Temos insistido na inter-relação entre desenvolvimento, paz e segu-
rança; e que as políticas de desenvolvimento sejam, cada vez mais, as-
sociadas às estratégias do Conselho de Segurança na busca por uma
paz sustentável. É assim que agimos em nosso compromisso com o
Haiti e com a Guiné-Bissau. Na liderança da Minustah, temos promo-
vido, desde 2004, no Haiti, projetos humanitários, que integram segu-
rança e desenvolvimento. Com profundo respeito à soberania haitiana,
o Brasil tem o orgulho de cooperar para a consolidação da democracia
naquele país.”

E acrescentou em seguida:
“Estamos aptos a prestar também uma contribuição solidária, aos paí-
ses irmãos do mundo em desenvolvimento, em matéria de segurança
alimentar, tecnologia agrícola, geração de energia limpa e renovável e
no combate à pobreza e à fome.”

A divulgação desta imagem de uma nação soberana era similar nos ou-
tros meios oficiais e acadêmicos. Sérgio Amaral, ex-secretário de Comunica-
ção Social da Presidência da República e ex-Ministro de Indústria e Comér-
cio, afirmou que o Brasil “tem o orgulho de esposar as causas dos direitos
humanos e proteção ao meio ambiente”, ao mesmo tempo em que “lamen-
ta que alguns países, como os Estados Unidos, busquem fugir das obriga-
ções decorrentes das teses que os primeiros foram os primeiros a defender”
(In: Dupas et alii, 2008, p.356). Fábio Giambiagi, funcionário do Banco Na-
cional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e um dos articu-
ladores do processo de privatizações durante o governo Cardoso (1995-
2002), opinava que no Brasil do fim do século XX:
“Adotou-se na prática, embora não formalmente, um regime de funci-
onamento autônomo do Banco Central; a instituição presidencial foi
revalorizada; os ritos da democracia foram rigorosamente seguidos; e, o
que não foi pouco, oito anos de um governo se encerraram na data
prevista e com passagem normal do cargo para o sucessor. [...] Enten-
dendo a estabilidade institucional como um processo de longo amadu-
42
recimento, o Brasil tornou-se mais parecido com uma nação adulta
[sic!] nos aos 1990” (Giambiagi et alii, 2008, p.194).

Para além do estranho conceito de “nação adulta”, Giambiagi e Além


observavam ainda que nos anos do governo Lula “a inequívoca ortodoxia
monetária, somada ao aperto fiscal, no contexto do que com o tempo
configurou-se uma situação internacional excepcional e que perdurou du-
rante anos, encarregaram-se de dissipar as demandas por maiores refor-
mas” (2008, p.200). Secco (2011) afirmara que “A Carta ao Povo Brasilei-
ro” de Lula em 2003 “amansava os mesmos empresários que, em 1989,
ameaçavam fugir do país” e que “o PT ampliou o seu discurso para cima
(burguesia) e para baixo e conquistou as classes desamparadas”, tendo tido
Lula e o Partido a “capacidade de compreender as contradições sociais de
seu tempo” (p.265-266).
Cano (2007) afirmara que, até meados dos anos 2000, na sucessão de
políticas ortodoxas herdadas da década anterior, “o investimento público
foi drasticamente reduzido, e o privado, além de encolher, tornou-se mais
oportunista e específico. Com isto, a principal variável na determinação da
renda foi a exportação [...] graças, fundamentalmente, ao ‘efeito China’,
com fortes altas nas quantidades e nos preços, em especial de produtos
básicos e semimanufaturados”. Completa este autor: “Dado o pífio cres-
cimento da indústria de transformação e o baixo crescimento do setor
serviços, talvez tenhamos entrado em um processo regressivo do desen-
volvimento econômico” (Cano, 2007, p.228). Neste mesmo sentido, Lima
Gonçalves opinou que “a desindexação promovida pelo Plano Real foi
uma indexação parcial, dado que certos ativos financeiros permaneciam
indexados. O ciclo ‘virtuoso’ da demanda por commodities e as exportações
chinesas a baixos preços foram os responsáveis pela queda da inflação –
aqui e no resto do mundo” (In: Duarte, Silber e Guilhoto (orgs.), 2011,
p.105). Segundo este autor, haveria chances de que este movimento con-
duzisse o país às “vantagens comparativas estáticas da época do auge cafe-
eiro”. Quanto a isto, Bresser-Pereira observou que a indústria no Brasil
continua a exportar manufaturados, “mas com componente nacional de
alto valor agregado per capita cada vez menor” (2007, p.131).
O World Fact Book da Central de Inteligência dos Estados Unidos
(CIA) ressaltou a melhoria da atividade econômica brasileira e a expansão
das exportações ao longo dos anos 2000. Observou-se que a taxa de câm-
bio brasileira valorizou-se devido a isto e ao aumento da atração pelo país
de investimentos estrangeiros diretos. Todavia, apontou a queda dos níveis
de atividade no Brasil devido à influência da crise do mercado internacio-
43
nal em 2008, além das altas taxas de juros concedidas pelos títulos da dívi-
da pública brasileiros, a expressarem baixo estímulo à indústria e ao con-
sumo. Podia-se ler em dezembro de 2012:
“Characterized by large and well-developed agricultural, mining, manu-
facturing, and service sectors, Brazil's economy outweighs that of all
other South American countries, and Brazil is expanding its presence in
world markets. […] Brazil's strong growth and high interest rates make
it an attractive destination for foreign investors. Large capital inflows
over the past year have contributed to the rapid appreciation of its cur-
rency and led the government to raise taxes on some foreign invest-
ments. President Dilma Rousseff has pledged to retain the previous
administration's commitment to inflation targeting by the Central
Bank, a floating exchange rate, and fiscal restraint.”

Os observadores da CIA destacam em suas notas econômicas sobre


o Brasil as restrições fiscais por parte do governo, com sucessivos superá-
vits primários nas contas públicas em todos os níveis de governo e o alto
componente de juros pagos no orçamento, a denotar a continuidade de
uma política fiscal e monetárias restritivas e pró-finanças, herdadas da ad-
ministração de Cardoso (1995-2002). O relatório chamava atenção tam-
bém para o problema da violência no país e da concentração de renda,
afirmando:
“Exploiting vast natural resources and a large labor pool, it is today
South America's leading economic power and a regional leader, one of
the first in the area to begin an economic recovery. Highly unequal in-
come distribution and crime remain pressing problems.”

Como observado, estas citações são meramente ilustrativas e não pre-


tendem esgotar as opiniões sobre a situação brasileira. Há quem já tenha
inclusive definido os anos 2000 no Brasil como uma “belle époque”; tendo
acumulado uma das cinco maiores reservas em dólar do mundo –mesmo
com ampla liberdade aos exportadores para depósito dos saldos comerciais
em contas no exterior (resolução 3.568 do Banco Central) – o Brasil viu
crescer as viagens internacionais, as importações de bens de luxo e a frota
de veículos, diminuindo a taxa de desemprego, ao longo da segunda meta-
de da década de 2000. A chamada classe média aumentara numericamente
e recuperara parte da renda perdida nas décadas anteriores. A organização
institucional do Estado e finanças públicas fora melhorada, com mais
transparência na divulgação de resultados e organização das finanças esta-
duais e municipais. Todas estas melhorias, inegáveis, teriam aproximado o
44
Brasil, na visão oficial, da condição dos países chamados desenvolvidos.
Legitimando, assim, a diplomacia a forjar a imagem de um país soberano e
reivindicativo no cenário global.
3.2. Subdesenvolvimento, industrialização restringida e con-
centração econômica regional

O crescimento demográfico brasileiro diminuiu ao longo dos últimos


trinta anos. Segundo os dados de natalidade auferidos pelo IBGE, o número
de nascimentos ao ano vem caindo desde 1980, do número de 3,6 milhões
habitantes em 2000 para 2,7 milhões nascidos em 2012. Os dados referentes a
sua população apresentavam uma inversão da tendência de crescimento, rumo
a um envelhecimento e diminuição da taxa de nascimentos, ao longo dos anos
2000. Este componente também aliviava as pressões no mercado de trabalho
e no quadro social, ainda que as autoridades e mesmo os analistas brasileiros
não costumassem enfatizá-lo, assumindo-se implicitamente que, adotadas as
políticas “corretas”, a eliminação da pobreza estaria assegurada. Porém, o país
continua a possuir um dos piores índices de Gini do mundo, como visto abai-
xo. Em 2010, a distribuição de renda continuava marcada por condicionantes
históricos e políticos. Com um PIB per capita quase duas vezes maior que o
chinês, o Brasil possuía em 2009, em termos oficiais, 10% da população em
condição de analfabetismo, segundo os dados fornecidos pelo relatório sobre
Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas (ONU). Este
dado escondia, porém, uma ampla fração da população –talvez a maioria–
com grandes deficiências básicas em termos de leitura e matemática funda-
mentais. A posição brasileira no ranking de Desenvolvimento Humano osci-
lava em posições muito baixas, situando-se em 2009 na posição de número
75, segundo o abaixo relacionado relatório da ONU para o mesmo ano.
Já o relatório de 2011 sobre desenvolvimento humano situa o Brasil na
84a posição, atrás de México, Panamá, Líbia, Costa Rica, Albânia, Venezuela,
Bósnia Herzegovina, Jamaica, Peru, Equador e Dominica, nações com limita-
ções de recursos físicos e geográficos notoriamente maiores que a brasileira
(ver Organização das Nações Unidas, Human Development Statistical Annex,
2011, Tabela 10, p.162.). O índice de Gini do Brasil tinha, desde os anos 1990,
caído de forma lenta, com oscilações ocasionais para cima. Permanecia, de
qualquer forma, um dos mais altos do mundo, com uma queda um pouco
mais acentuada para os anos da administração Lula, de 0,583 para 0,543 (2003-
2010). Em 1985 situava-se na casa de 0,598 e em 1995 estava em 0,601. Em
2005 situava-se no valor de 0,569.
45
Tabela 1
Países selecionados. Dados sociais. 2009.
Alfabe- Alfabe-
tismo tismo Posição Posição
PIB per
em em Índice Índice no no
capita
2009 2011 de Gini de Gini IDH IDH
(PPP*,
(% da (% da (2009) (2011) em em
US$)
popu- popu- 2006 2011
lação) lação)
Alema- 9 1 2 2 2 3 9
nha 9,0 00,0 8,3 8,3 2 4.401
Argenti- 9 9 5 4 4 1 4
na 7,6 7,7 0,3 5,8 7 3.288 5
9 9 5 5 7 9 8
Brasil
0,0 0,0 5,0 3,9 5 .567 4
9 9 4 4 9 5 1
China
5,9 4,0 1,5 1,5 9 .383 01
9 9 4 4 1 4 4
EUA
9,0 8,2 0,8 0,8 2 5.592
9 1 3 - 1 3 2
França
9,0 00,0 2,7 1 3.674 0
Inglater- 9 1 3 - 2 3 2
ra 9,0 00,0 6,0 1 5.130 8
9 1 2 - 1 3 1
Japão 9,0 00,0 4,9 0 3.632 2
* Paridade do Poder de Compra.
Fontes: Organização das Nações Unidas (ONU).
United Nations Developing Program 2009 - Anexo Estatístico.

Os resultados apresentados pelos estudantes brasileiros nas avaliações


internacionais da qualidade do ensino fundamental e médio eram também
ruins. Um destes índices, talvez o mais conhecido, é o PISA (Programme for
International Student Assessment), divulgado pela OCDE (Organização para
Cooperação Econômica e Desenvolvimento). Para efeitos de conveniência,
nos resultados abaixo arrolados na tabela seguinte não constam todos países
avaliados. Entre o total de 65 países avaliados no ano de 2010, o Brasil situa-
va-se na 52ª posição. Neste sentido é particularmente elucidativo o dado
referente às despesas do Estado com educação pública, que envolvem ape-
nas 7,2% dos gastos totais para o Brasil, segundo a metodologia de cálculo
apresentada pela ONU no documento acima mencionado. Na Alemanha o
percentual era 17,6%, no Japão 17,7%, na Argentina 14,2% e nos Estados
Unidos 20%, segundo informa a compilação do United Nations Developing
Program de 2009.

46
Tabela 2
Países selecionados. PISA (Programme for International Student
Assessment). Escala geral de leitura (overall reading scale), matemática e
ciências. 2010.
Leitura Matemática Ciências
Finlândia 536 541 554
Grécia 483 466 470
Shangai-China 556 600 575
Alemanha 497 513 520
Polônia 500 495 508
Cingapura 526 562 542
Rússia 459 468 478
Brasil 412 386 405
Fonte: OCDE.

O Brasil ocupava posições muito inferiores a países com renda per capita
similar, ou ainda menor. Menezes Filho afirma sobre o PISA: “um teste
alternativo [à metodologia do PISA] foi realizado pela Unesco em 1995,
comparando apenas alunos de países latino-americanos cursando 3as e 4as
séries. O país com melhor desempenho é Cuba, muito à frente dos demais
países” (In: Duarte, Silber e Guilhoto (orgs.), 2011, p.238). Os dados do
PISA divulgados em 2013 posicionavam o Brasil na 58ª posição, entre os 65
países incluídos (O Estado de São Paulo, 08.12.2013), mantendo-se assim o
padrão referido.
Em outras áreas cruciais da vida social, as condições brasileiras não
eram melhores quando se o comparava com nações de PIB per capita similar.
O Brasil apresentava uma alta taxa de população urbana, com valor de 86%,
o que em termos históricos tem se revelado uma grande fonte de problemas
urbanos, particularmente moradias precárias. Não tendo fixado uma parte
relevante de sua população no interior do território em condições distributi-
vas menos excludentes, as condições urbanas brasileiras, particularmente nas
metrópoles, formavam e formam um amplo tecido de demandas sociais não
atendidas. A população brasileira vivia em média oito anos menos do que a
população alemã, estadunidense, inglesa e dez anos menos do que a japone-
sa. De forma agregada, apresentava 10% de população sem acesso à água,
segundo o valor informado pelos relatórios das Nações Unidas aqui menci-
onado. Mas se desagregado regionalmente o dado, os números tornavam-se
notáveis pela forma como estavam distribuídos. Não se tratava de uma par-
cela residual da população vivendo em áreas de difícil alcance pelas políticas
públicas: mas sim de um conjunto significativo de mais da metade do territó-
47
rio – norte e nordeste – a concentrar altos níveis relativos, convivendo ao
lado de um outro – sul e sudeste – com níveis relativos bem menos deficien-
tes.

Tabela 3
Países selecionados. Dados sociais selecionados. 2009.
População Gastos com Expectativa de Porcentagem da
urbana educação (% dovida ao nascer população sem acesso
(% do total) total) (anos) a água
Alemanha 73,1 17,6 79,8 -
Argentina 92,4 14,2 75,2 5
Brasil 86,5 7,2 72 9
China 44,9 9,9 72,9 12
EUA 82,3 19,1 79,1 -
França 77,8 16,7 81 -
Inglaterra 90,1 16,5 79,3 -
Japão 66,8 17,7 82,7 -
Fontes: United Nations Developing Program 2009 - Anexo Estatístico. Departa-
mento Estatístico da Organização das Nações Unidas.

De fato, tratava-se de um valor notável para um país com a maior re-


serva de água doce do mundo e que é capaz de fabricar industrialmente
canos e torneiras há mais de setenta anos. O IBGE informava que em
2009 apenas 11% dos domicílios urbanos na região Norte do país tinham
saneamento urbano adequado. A região Nordeste apresentava no mesmo
ano 63% de domicílios urbanos sem saneamento básico, ainda segundo
este instituto oficial. Estes dados podem ser observados nas tabelas seguin-
tes e dados semelhantes podem ser colhidos no documento mencionado.
Durante o período 2000-2010, prévio à posse de Dilma, o país man-
teve estas grandes disparidades regionais. Cite-se como um dos indicadores
principais o valor adicionado da indústria de transformação. Tal como se
vê na tabela, um padrão desigual de distribuição da produção física brasilei-
ra continuou na década de 2000, sob o denominador aqui usado da divisão
do produto industrial por região. A participação dos Estados do Norte e
Nordeste do país no valor adicionado da indústria de transformação naci-
onal, historicamente baixo, manteve-se estagnado durante a década de
2000. Estes valores sugerem mesmo uma elevação das disparidades entre
alguns estados.

48
Tabela 4
Brasil. Grandes regiões. Participação no valor adicionado a preços
básicos da indústria de transformação, 2004-2008, e Distribuição percentual
de domicílios particulares permanentes urbanos sem serviço de rede coleto-
ra de esgotamento sanitário e/ou pluvial, 2010.
Domicílios sem rede
Valor adicionado da indústria
de esgoto (%)
2004 2005 2006 2007 2008 2010
Norte 4,6 4,8 5,4 4,8 4,5 80%
Nordeste 8,7 9,2 9,2 8,8 8,8 52%
Sudeste 61,3 61,8 61,5 62,8 62,7 9,1%
Sul 21,8 20,5 20,1 19,9 20,1 32,2%
Centro-Oeste 3,7 3,7 3,8 3,7 4,0 55%
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Contas Regionais
2010, e Síntese de Indicadores Sociais, 2010, Tabela 3.11.

A tabela abaixo permite ver este panorama sob outra perspectiva; ela
fornece a média da participação das várias regiões brasileiras no Produto
Interno Bruto brasileiro entre 2003-2009, ao lado do desvio-padrão de
cada média obtida, utilizando-se os dados das Contas Regionais do IBGE.
Os baixos desvios-padrão obtidos para esta média estabelecida permitem
inferir o relativo congelamento das proporções distributivas da riqueza
nacional brasileira na década de 2000, não alteradas fundamentalmente
durante a administração de Lula.

Tabela 5
Participação relativa no PIB – por região. 2003-2009.
Região Média Desvio-padrão
Norte 4,99% 0,002
Nordeste 13,09% 0,003
Centro-Oeste 9,05% 0,003
Sudeste 56,08% 0,005
Sul 16,79% 0,005
Fonte: IBGE, Contas Regionais, 2010.

Abaixo dispõe-se uma tabela que mostra relação entre o PIB per capita
das regiões mais ricas e mais pobres para países selecionados, dentre os
quais se encontra o Brasil. Segundo tais dados, o Brasil era um dos países
de maior concentração econômica territorial no mundo. Superava em
média nove vezes os valores de países mais desenvolvidos.
49
Tabela 6
Países selecionados. Relação entre o PIB per capita das regiões
mais ricas e mais pobres.
Período Região de Região de Relação entre
maior PIB menor PIB as regiões
per capita per capita de maior e
menor PIB

Brasil 1990 Distrito Federal Piauí 11,86


2006 Distrito Federal Piauí 9,22

Argentina 1990 Buenos Aires Tierra del Fuego 6,79


2006 Buenos Aires Tierra del Fuego 8,09

Japão 1990 Kanto Okinawa 1,80


2006 Toukai Okinawa 1,57

Suécia 1990 Estocolmo Ostra Mellans. 1,44


2006 Estocolmo Ostra Mellans. 1,63

Coreia do Sul 1990 Giongnan Jeolla 1,86


2006 Giongnan Jeju 1,88
Fonte: Comissão Econômica da América Latina (CEPAL).

No plano da segurança pública, o Brasil apresentava uma das maiores


taxas (relativas e absolutas) de homicídios do mundo. Segundo o Mapa da
Violência no Brasil, documento produzido a partir de dados oficiais forneci-
dos pelo Ministério da Saúde, entre 1998 e 2011, 522.092 pessoas teriam
morrido por algum tipo de homicídio no Brasil. Este número soma-se a
outros aproximados quinhentos mil na década de 1980, para fazer do país
uma das regiões mais violentas do globo. Porém, pode-se estimar um viés
baixista dos dados disponíveis, à medida que parte das ocorrências não é
apurada. 8 Deu-se uma queda do volume absoluto de crescimento dos
homicídios no Brasil durante os primeiros anos do governo Lula, seguida
por uma nova elevação a partir de 2005. De qualquer maneira, é o notável
o paralelo temporal entre a deterioração das condições de vida identifica-
das por este indicador e o processo de redemocratização política do país,
suscitando a problematização do tipo de redemocratização mencionado.

8. Um policial do Departamento de Investigação e Inquérito da Polícia Civil de um estado nordestino


revelou a este pesquisador em conversa informal que, por ausência de efetivo, a apuração das causas e
autoria dos crimes em sua unidade se dava com base na “notoriedade” do caso, com a maior parte das
investigações de crimes com suspeita de homicídios sendo abandonada.
50
Em 2008 a taxa relativa de homicídios brasileira estava no patamar de
2002, com um número aproximado de nada menos que cinquenta mil
mortos por esta causa de morte. As taxas diminuíram durante o governo
Lula, o que mostra sua correlação com a queda do desemprego, mas não
puderam ser combatidas totalmente pela persistência dos outros fatores
que as explicam.
Segundo o mencionado documento, o país ocupava sexta posição nas
taxas de homicídios do mundo, atrás de El Salvador, Guatemala, Ilhas
Virgens, Ilhas Virgens, Venezuela e Colômbia. Estes homicídios poderiam
ser definidos, numa determina leitura, como genocídio, por atingirem par-
ticularmente a população negra brasileira. Afirma o Mapa da Violência: “Se
em 2002 morriam proporcionalmente 46% mais negros que brancos, este
percentual eleva-se para 67% em 2005 e mais ainda para 103% em 2008.
Assim, proporcionalmente morrem mais do dobro de negros do que
brancos” (Waiselfisz e Instituto Sangari, 2012b, p.154). Havia aí uma per-
versa forma de diminuição forçada do crescimento vegetativo da popula-
ção negra, principalmente porque a maioria dos homicídios constituía-se
de jovens; os homicídios entre brancos diminuíram, no mesmo período,
segundo o mesmo documento. Wilson Barbosa afirmou quanto a esta
situação: “a ausência de vida emocional positiva entre a etnia dominadora e
as demais etnoculturas tem-se ampliado muito no Brasil e constitui hoje
um dos fundamentos para a ‘guerra civil oculta’, que hoje se vive” (Barbo-
sa, 2002, p.68). Se isto é assim, esta condição não pode deixar de determi-
nar o padrão das políticas econômicas adotadas no país.
Este conjunto de dados sobre as condições socioeconômicas no Brasil
na segunda década do século XXI, oficiais e disponíveis ao público, suscitava
impressões que maculam um amplo grupo de interpretações otimistas sobre
a realidade brasileira, particularmente por aqueles que não conhecem bem o
cotidiano no país. O Brasil atual possuía quando da eleição de Dilma um
quadro de amplas disparidades regionais e sociais, inclusive étnico-raciais,
não eliminados até o aquele momento e que, como se veria alguns anos
depois, seria de novo amplificado.

51
Tabela 7
Países selecionados. Número de mortes diretas e taxas (100 mil
habitantes) em conflitos armados no mundo por homicídios e armas de
fogo. 2004-2007.
Taxas*
Iraque 9803 15788 26910 23765 64,9
Sudão 7284 1098 2603 1734 8,8
Afeganistão 917 1000 4000 6500 9,9
Colômbia 2988 3092 2141 3612 6,4
Congo 3500 3750 746 1351 4,1
Sri Lanka 109 330 4126 4500 10,8
Índia 760 2519 1559 1713 0,2
Somália 3407 285 879 6500 24,4
Nepal 863 2950 792 137 6,8
Paquistão 1511 648 1471 3599 1,0
Israel/Palestina 899 226 673 449 8,3
Brasil 37113 36060 37360 36840 25,7
* Em 100.000 habitantes.
Fonte: Mapa da Violência no Brasil, 2012. Fonte para outros países: Glo-
bal Burden of Armed Violence. Para Brasil: Ministério da Saúde.

As mencionadas condições sociais para a maioria da população do Bra-


sil no início do século XXI, expressas nos dados acima, permitiam uma
interpretação mais fria das declarações oficiais. A caracterização da situação
do mercado de trabalho como “pleno emprego”, amiúde feita depois tam-
bém pela Presidenta, que supunha o emprego do total do fator trabalho
disponível numa nação, e, portanto, condição material adequada para o total
da classe trabalhadora, não era adequado a este perfil de dados sociais, cons-
tituindo apenas um artifício retórico-ideológico. Estivesse a economia em
pleno emprego, estariam dadas as condições econômicas mínimas para, pelo
menos, universalizar água e esgoto (ver capítulo 6).
De fato, segundo IBGE (2015b), um em cada cinco jovens brasileiros
entre 18 e 25 não trabalhava nem estudava, compondo o que se denomi-
nou jocosamente como a geração “nem-nem”. Estes jovens faziam parte
da oferta de trabalho disponível e seu afastamento do preparo técnico-
intelectual e produtivo configurava um desperdício de recursos econômi-
cos, impossibilitando a caracterização rigorosa do mercado de trabalho
como de pleno emprego. Tal permanência de fortes estruturas heterogê-
neas mesmo depois de quase três décadas de redemocratização, quase
vinte anos de estabilização macroeconômica, e dez anos de crescimento
52
econômico nos governos Lula, suscitavam uma reconsideração sobre os
limites alcançados pela democratização do país e por suas transformações
econômicas contemporâneas. E, também, pelos limites da política econô-
mica adotada no governo Lula.

3.3. Dependência, primarização, oligopolização

O desempenho do comércio internacional brasileiro ao longo dos


2000 foi muito melhor do que o desempenho da década anterior de 1990.
O país elevou muito suas vendas de bens primários, e com isto, o Banco
Central brasileiro, principal órgão habilitado a administrar o fluxo de dólar
ingressante no Brasil, acumulou significativo estoque de dólar físico ao
longo dos anos 2000, que totalizava aproximadamente 400 bilhões de
dólares em 2016. O grande fluxo de dólares valorizou a moeda brasileira
no mercado flutuante de câmbio.9 Um real forte permitia aumentos do
poder salarial, bem como um alto retorno na conversão de lucros auferi-
dos em reais para divisas fortes. A moeda valorizada auxiliou também a
manter a inflação em níveis mais ou menos toleráveis, pelos patamares
históricos brasileiros. 10 Porém, isto apresentava como contrapartida um

9. O real foi criado em 1994 com paridade unitária com o dólar. O deflator implícito do PIB nos
Estados Unidos acumulou 21% de variação entre 2000 e 2012 (Economic Report of the President 2013,
Tabela B-71, p.408) e o do Brasil 102% no mesmo período, segundo o IBGE. A economia dos Esta-
dos Unidos era à época e ainda é aproximadamente sete vezes maior que a brasileira (segundo a Orga-
nização Mundial do Comércio: Produto Interno Bruto dos Estados Unidos, 14.991 bilhões de dólares
em 2011; Produto Interno Bruto do Brasil: 2.289 bilhões de dólares em 2011, ambos em Paridade do
Poder de Compra). Se o câmbio refletisse, num regime de taxas fixas, tanto as diferentes dimensões do
PIB, como a inflação interna face aos Estados Unidos depois de 1994, ele estaria posicionado em algo
como 1US$/14 R$. Logo, pode-se considerar o valor da moeda brasileira face ao dólar em 2010
(1US$/2,3R$) como muito valorizado. O fato de que o câmbio esteja neste patamar é outro indicativo
da posição na divisão internacional do trabalho brasileira como grande exportador de commodities em
condições de industrialização restringida. “O BC [Banco Central] já mostrou que um câmbio a R$2,40
causa desconforto por causa da inflação, mas a 2,15R$ é um piso que começa a incomodar [as expor-
tações].” Jornal Valor Econômico¸25.10.2013, Caderno Finanças, p. C2.
10. Quanto a isto, chega a ser infantil a ênfase em certos círculos da análise econômica no controle da
oferta monetária. A interação dos fatores econômicos resultantes num dado perfil de preços é um
resultado não somente da emissão de papel moeda ou descontrole das contas oficiais, mas sim um
complexo resultado no qual as expectativas sobre o valor da moeda e outros ativos monetários estão
mescladas com a capacidade de oferta industrial e de serviços, e sua produtividade; com maior ou
menor grau de concorrência; a taxa de câmbio e o valor das importações; os superávits comerciais; um
dado nível salarial e uma dada taxa de retorno buscada “sraffianamente” pelo setor privado; etc.. Neste
sentido, é de estranhar-se que o Plano Real seja visto até hoje, particularmente por seus articuladores
originais, como o mecanismo principal pelo qual a hiperinflação brasileira foi controlada. A rápida
transmissão das oscilações cambiais sobre o nível de inflação deixa ver a mencionada carência estrutural
53
desestímulo à produção e exportação de bens manufaturados, com au-
mento de seus preços relativos.11
Segundo a SECEX, a participação do Brasil nas exportações mundiais
evoluiu de um total de 0,96% em 2002 para 1,44% do total em 2012, uma
melhora de praticamente 50%. Tal evolução interrompeu a queda iniciada
em 1984, quando o país chegou a ter 1,47% do volume total exportado na
economia global. Porém, diferentemente da década de (19)70, quando o
aumento da participação brasileira se deu com uma elevação das exportações
de bens manufaturados, a melhoria ao longo dos anos 2000 se deu mediante
a expansão principalmente da venda de produtos como a soja, o minério de
ferro e a carne. Obtendo-se como contrapartida na corrente de comércio,
um aumento significativo da importação de bens finais manufaturados (ver
capítulo 6). Este fator contribuiu ao mesmo tempo para a queda das taxas de
inflação domésticas e para incrementar a capacidade tributária do Estado
brasileiro. Sob a injunção destas modificações orientadoras nas correntes de
comércio, nas quais inclusive a China assumiu uma posição numericamente
mais relevante que a dos próprios Estados Unidos, a pauta de exportações
brasileiras apresentou as modificações vistas na tabela 1 abaixo disposta.
Os dados da Organização Mundial do Comércio (OMC) informavam
que o Brasil, com uma população que abarcava 2,8% da população total
mundial, participava com um total de 1,33% no total de valor das exporta-
ções mundiais. Como se notou, a posição do Brasil no comércio internaci-
onal tinha sido composta principalmente por bens primários, de baixa
industrialização, em tendência ascendente. Destas exportações de bens
tangíveis, os produtos primários somavam 46,4% do total vendido ao
exterior, com uma participação, em 2012, de 38% de bens manufaturados.
(Estes incluem, convém ressaltar, produtos como suco de laranja ou sapa-
tos.) O restante da pauta de exportações é composto de bens semimanufa-
turados.

da oferta industrial doméstica em nível regional, bem como a capacidade especulativa com estoques
nas várias pontas da mencionada estrutura de oferta.
11. Rapoport (2013, p.177) resumiu bem os efeitos da inserção externa chinesa sobre países em desen-
volvimento: “Lo más importante de su desarrollo [China] a nivel mundial es que, al aumentar la pro-
ducción y la oferta de bienes industriales, provocó una disminución de sus precios. En cambio, su
creciente demanda de materias primas elevó considerablemente los precios de estas. Todo lo cual tuvo
consecuencias para los otros países emergentes. Si bien regeneró una revisión de la tendencia histórica
de los términos de intercambio que afectaba los productores de bienes primarios, terminó agudizando
la competencia con aquellos países que comenzaban a orientarse también en procesos de industrializa-
ción.”
54
Tabela 8
Brasil. Exportações por agregação de valor (em porcentagem da
pauta de exportações). 2000- 2008.
Anos Básicos Semimanufaturados Manufaturados
2000 22,8 15,4 59,0
2001 26,4 14,2 56,5
2002 28,1 14,9 54,7
2003 29,0 15,0 54,3
2004 29,6 13,9 54,9
2005 29,3 13,5 55,1
2006 29,2 14,2 54,4
2007 32,1 13,6 52,3
2008 36,9 13,7 46,8
2009 40,5 13,4 44,0
2010 44,6 14,0 39,4
2011 47,8 14,1 36,3
2012 Jan.-Abr. 46,4 13,1 38,0
Fonte: SECEX.
Para efeitos comparativos, segundo a mesma Organização Mundial
do Comércio, a Alemanha, possuindo 1% da população mundial, tem uma
participação no comércio internacional que soma 8% do total deste, com
86% de manufaturados na pauta exportadora. A China tinha uma popula-
ção desproporcionalmente maior que a brasileira e a alemã, o que tornava
a relação comércio/população baixa. Mas esta deficiência tinha sido com-
pensada nos últimos trinta anos, a ponto de chegar a China a uma partici-
pação de 10,36% nas exportações globais atualmente, com um total de
93% de manufaturados na pauta. Vê-se aí um importante indicativo empí-
rico do descolamento da realidade brasileira face à chinesa, ou alemã, do
ponto de vista da classificação conceitual do tipo de inserção na divisão
internacional do trabalho. 12

12. Segundo a Secex, por outro lado, desde 2004 o Brasil vinha obtendo superávits comerciais com
Argentina, Uruguai e Paraguai, com exceção do ano de 2010, no qual obteve saldo negativo de 43
milhões de dólares com o Uruguai. Como poderia o Brasil exercer um papel verdadeiro de liderança
regional se não arca com os maiores custos no comércio regional?
55
Tabela 9
Países selecionados. Participação do comércio internacional. 2011.
Brasil Alemanha China
Participação nas Exportações
Internacionais 1,33% 8% 10,36%
Participação nas Importações
Internacionais 1,24% 6,93% 9,06%
População 194.946 mi 81.702 mi 1.333.300 mi
Fonte: Organização Mundial do Comércio (OMC).

Não somente o governo brasileiro manteve superávits fiscais primários


ao longo dos anos 2000, bem como manipulou a taxa de juros num sentido
a limitar o crescimento da base monetária e o nível de créditos, pondo não
só a demanda, mas sim a capacidade de oferta sob crescimento vagaroso a
nível nacional. Isto encareceu a estrutura de financiamento industrial local e
desestimulou exportações. Tendo perdido a administração da maioria de
seus ativos produtivos, encontrou-se o governo em menores condições de
formar preços e induzir alocação de recursos. 13 Os seguintes componentes
auxiliaram na manutenção de uma baixa taxa de inflação, impossível de ad-
ministrar-se satisfatoriamente apenas pela política fiscal e monetária, nas
condições uma industrialização restringida: (a) moeda valorizada no mercado
flutuante de câmbio mediante superávits comerciais consolidados e crescen-
tes, pelo menos até 2008 e, em menor parte, à atração de investimento es-
trangeiro direto, tanto em capacidade produtiva como em papéis, via taxas
de juros elevadas; (b) barateamento de bens de capital e bens finais de pro-
dução asiática, particularmente chinesa; (c) amplo estoque de recursos natu-
rais, permitindo adiar rendimentos decrescentes no setor produtivo agrícola
e mineral, vistos em economias em estágio mais adiantado de acumulação.
Tratava-se então de um perfil de estabilização monetária que ultrapassava o
mero raio de ação das medidas adotadas em 1994, ou o mero controle das
taxas de juros.
A taxa de câmbio valorizada, nas condições de uma estrutura de ofer-
ta industrial e serviços restringida e oligopolizada como a brasileira, refletia
a enorme riqueza material do país, exportada em valores crescentes in natu-
ra (pouca criação de valor). A expansão da fronteira agrícola necessária a tal
volume exportador eliminara quase a totalidade do Cerrado brasileiro,

13. A manutenção de seguidos superávits comerciais obrigava o Banco Central a “esterilizar” o influxo
de moeda forte (dólar, especialmente) que efetivamente entrou no país, a pressionar de outro modo a
base monetária e a inflação, com um consequente repique para cima na dívida pública. Tal necessidade
de esterilizar o influxo monetário foi tratada com a permissão para o depósito externo dos saldos
comerciais brasileiros em moeda forte (Lei 11.887 e Resolução 3.568).
56
importante bioma do centro do país, bem como pondo pressão na própria
área amazônica. Existia então um vínculo entre as condições macroeco-
nômicas brasileiras, mediante uma valorização de sua moeda face ao dólar,
e a maneira pela qual a inserção externa tinha sido propiciada, adicionando-
se a isto as condições favoráveis em termos de taxas de juros em nível
global, o que atraía capital estrangeiro. 14
A produção de valor físico a partir do setor de indústrias de transfor-
mação tinha continuado a diminuir em termos relativos no PIB do Brasil.
As últimas Contas Nacionais disponíveis até então mostravam que a parti-
cipação da indústria no PIB tinha caído de 29% a 26% entre 2005 e 2009
(IBGE, 2010). Mesmo que isto tenha se dado em parte devido a desvios
estatísticos (um serviço antes computado em indústria agora era computa-
do em serviços etc.), um dos indicadores mais importantes de formação de
capital, a formação bruta de capital brasileiro, manteve-se abaixo de 20%
do PIB ao longo de quase toda a primeira década de 2000. A taxa relativa
de formação bruta de capital, elemento indicativo do esforço de poupança
e investimento domésticos, denotou um aumento de 16% em 2003 a 19%
em meados de 2010, depois do qual apresentou nova queda, denotando o
forte impacto global da crise de 2008. Reconhecidamente, a taxa obtida,
ainda que crescente entre 2003 e 2008, foi pequena em termos históricos
brasileiros. Seu perfil semi-estagnado era um indicador possível das várias
opções alocativas (não produtivas) domésticas realizadas face à indústria.
Esta baixa taxa relativa de investimento torna-se mais decisiva devido às
amplas disparidades regionais e necessidade do aumento físico da produção
e capacidade de oferta, concatenados com uma utilização racional da mão de
obra disponível em âmbito nacional. À medida que as Contas Nacionais
identificavam um congelamento das posições relativas da produção industri-
al, pode-se afirmar que aumentos da produção de valor físico tinham sido
restritos em termos regionais, e por isso as disparidades regionais brasileiras
mantinham-se. A estagnação da oferta industrial denotava tanto preços rela-

14. Em meio à crescente preocupação pelo bem-estar material futuro, e dado o panorama de escassez
absoluta e rendimentos decrescentes apontados por alguns autores (Meadows et alii, 2005) poder-se-ia
indagar qual a durabilidade futura do estoque de terras cultiváveis e reservas minerais brasileira, e sobre
as consequências de modelo de inserção internacional, que mescla exportações de riqueza física e
internacionalização dos ativos domésticos. Esta questão não vem sendo abordada adequadamente e é
raramente mencionada nos meios oficiais, assumindo-se implicitamente um estoque infinito de bens
físicos à disposição do movimento de exportação e custos baixos de exploração; portanto, de poder
perene de compra no exterior. Com isto, evita-se a problematização analítica de um futuro cenário seja
escassez de recursos primários, seja de escassez de capital. Uma avaliação do estoque de minerais
existentes no Brasil tal como informado pelo Ministério de Minas e Energia foi realizada em Schincari-
ol (2012).
57
tivos mais altos com menor formação de emprego, particularmente dramáti-
cas em condições de alta urbanização, como a brasileira. De fato, isto ex-
pressava a continuidade de um perfil dominante de inversões não-
produtivas do excedente na maior parte das macrorregiões do país.
Dada a sua dimensão continental, amplo estoque de recursos primá-
rios e a ampla oportunidade de inversão em bens-raiz, bem como os sub-
sídios às exportações, a burguesia no Brasil brasileira tinha (e tem) na agro-
pecuária, na extração mineral e nas atividades ilegais espaços abertos para
grandes retornos, bem como brechas institucionais muito amplas para a
exportação de seus recursos ao exterior. De fato, “há setores em que as
vantagens econômicas do Brasil são evidentes, como mineração, frigorífi-
cos, alimentos, construção civil, agronegócio e bancos” (Jornal Valor Eco-
nômico, Caderno Multinacionais Brasileiras, 25.10.2013). Estes espaços fo-
ram compartilhados entre setores domésticos e internacionais, configuran-
do-se uma frente diversificada de acumulação. A forte demanda internaci-
onal por bens primários dos últimos anos e sua consequente modificação
nos preços relativos tinha conduzido os investimentos a um aumento na
exploração da matriz de recursos naturais brasileiros. Mas estando a pro-
dução primária dispersa pelo interior de território, esta condição impactava
de forma muito limitada sobre a estrutura de emprego da população majo-
ritariamente urbana e ligada à costa atlântica do país, alocada principalmen-
te no setor de serviços. Este empregava 60 milhões de trabalhadores em
2009, ao passo que a indústria 19 milhões e a agropecuária apenas 16 mi-
lhões, tendo a agropecuária apresentado diminuição de dois milhões de
trabalhadores entre 2005 e 2009, com a indústria elevando em um milhão
o número de empregados, e os serviços sete milhões neste mesmo período
(IBGE, Sistema de Contas Nacionais, 2010).
A economia brasileira, tomada como um espaço das atividades pro-
dutivas, distributivas e financeiras, tinha, quando da eleição de Dilma, seus
grupos controladores locais preponderantemente voltados ao comércio de
importação, agronegócio, construção civil e outros ramos pouco dinâmi-
cos e inovadores de um ponto de vista tecnológico. A crise da dívida ex-
terna e os anos de neoliberalismo eliminaram uma parte importante do
tecido industrial brasileiro, de origem nacional, desviando as inversões para
outros setores com menor capacidade de criação de emprego urbano e
inovações, ao passo que na economia mundial firmava-se a chamada Ter-
ceira Revolução Industrial, à margem da economia brasileira senão sob
forma de produtos tecnológicos “que sobram apenas como bens de con-
sumo” (Oliveira, 2003, p.139). Parte deste circuito improdutivo de inver-
58
sões vinha de uma massa de atividades ilegais, eventualmente exportado.
Isto dentro do conjunto de “atitudes” específicas, na expressão de Myrdal,
que marca a orientação dos investimentos na economia subdesenvolvida.
Analisem-se os seguintes dados, advindos de diferentes fontes. A
primeira tabela abaixo informa os seis maiores países a receberem investi-
mento estrangeiro a partir do Brasil entre 2007 e 2010. O investimento
direto denota tanto a ampliação de capacidade produtiva instalada em
outros países, bem como movimento aquisição de propriedades, tal como
ações e patrimônio público privatizado. Agentes brasileiros tinham no
exterior uma quantidade de capital, sob a definição acima dada, em 2010,
de 7% do Produto Interno Bruto, assumindo o valor deste como sendo de
2.169 bilhões de dólares, sob o conceito de paridade do poder de compra,
segundo o que informa o IPEA. A tabela, com dados fornecidos pelo
próprio Banco Central do Brasil, mostra que parte relevante do chamado
investimento direto oriundo do Brasil buscava áreas nas quais a tributação
era baixa e a informação sobre a origem dos recursos mínima ou nula
(“paraísos fiscais”), sugerindo que ao menos uma parte destes recursos
provinha de procedimentos ilegais. Estes paraísos fiscais dificultavam a
tributação dos estados nacionais e eram a expressão perfeita do mundo
neoliberal. De fato, “por detrás” dos dados oficiais das Contas Nacionais,
esconder-se-iam muitas atividades ilegais, como o tráfico de drogas, co-
mércio ilegal de armas, evasão fiscal, corrupção etc., dentro do quadro
geral de “atitudes” que marca a economia periférica. Por ilegais, estes pro-
cedimentos teriam de ser “lavados” nestes chamados paraísos fiscais. 15
Esta era a configuração dos destinos dos “investimentos estrangeiros dire-
tos” oriundos do Brasil ao exterior, em 2010:

15. Vale mencionar que os dados de produção bélica e militar brasileiros (produção interna de rifles,
metralhadoras, munição e material bélico em geral) não estão sistematizados e disponíveis nas princi-
pais fontes oficiais de dados, tornando difícil tanto seu estudo como uma análise de seus vínculos mais
gerais com os níveis de criminalidade e violência.
59
Tabela 10
Brasil. Investimento estrangeiro brasileiro no exterior. Por países.
Em milhões de dólares. 2007-2010.
Discriminação 2007 2008 2009 2010
Áustria 31 212 31 024 36 268 37 092
Ilhas Cayman 16 431 14 124 18 308 29 466
Ilhas Virgens/R.U. 11 245 10 685 13 387 14 724
Estados Unidos 7 800 9 167 9 943 13 184
Bahamas 9 341 9 531 10 291 12 353
Países Baixos 2 160 2 380 3 600 10 785
Fonte: Banco Central do Brasil.

Os dados da Revista Exame do ano de 2013 sobre as 500 maiores


corporações atuantes no Brasil em 2012, pelo conceito do valor de vendas
líquidas, revelavam a seguinte distribuição de propriedades por ramo da
economia: 185 empresas estrangeiras; 45 públicas; 270 de capitais brasilei-
ros e/ou mistos. Entre os cinquenta maiores grupos, vinte e nove eram
estrangeiros. A tabela abaixo, elaborada com os dados desta útil pesquisa,
permite avaliar o padrão de alocação de investimentos locais. Nota-se uma
preponderância das inversões de agentes locais nos setores de varejo, ata-
cado, energia, agropecuária, serviços e construção. O setor de bens de
capital era numericamente pequeno e de predomínio estrangeiro, o que
também ocorria com quase total exclusividade nos setores da autoindús-
tria, indústria digital, e eletroeletrônica. Nos setores de química e petro-
química a presença de capitais brasileiros era mais significativa mas o pre-
domínio numérico e em valor era estrangeiro. No amplo setor de bens de
consumo, que inclui por exemplo empresas como Cargill, Bunge, Coca-
Cola e Ambev, que serve tanto ao mercado doméstico como ao exterior, a
propriedade dos ativos era dividida de forma homogênea entre capitais
brasileiros e estrangeiros. Importa notar que, amiúde, apesar da aparente
pequena presença numérica, a participação em um setor pode ser bastante
oligopolizada, como é o caso no setor farmacêutico, papel e celulose, têx-
teis e mineração.
A tabela permite notar que nos setores mais representativos da cha-
mada “Terceira Revolução Industrial” –eletroeletrônicos e indústria digi-
tal– bem como naqueles em que é maior a exigência dos investimentos em
pesquisa e desenvolvimento, química e autoindústria por exemplo, a parti-
cipação de capitais brasileiros é pequena ou mesmo nula, dependendo do
setor. Nota-se também uma pequena participação de empresas chinesas
nos ativos totais. No setor de eletroeletrônicos, um dos que mais tinha
60
capacidade de penetração no comércio internacional e um dos que mais
conhece inovações nos bens finais vendidos, havia a seguinte distribuição
por propriedade de capital instalado no Brasil, por ordem decrescente em
faturamento: GE (Estados Unidos); Whirpool; (idem); Electrolux (idem);
Siemens (Alemanha); Nokia (Finlandesa); Ericsson (Suécia); Huawei (Chi-
na); Panasonic (Japão); Schneider (Alemanha); Semp-Toshiba (Japão);
Alcatel-Lucent (França); Nexans (França).

Tabela 11
Brasil. Quinhentas maiores empresas instaladas no brasil, sob o
conceito de vendas líquidas (em milhões de reais), por controle acionário.
2012. Cada ponto equivale a uma empresa. Exclui setor financeiro.
Brasileiro Público Estrangeiro Misto
Eletroeletrônico 1 - 11 -
Indústria digital 3 1 7 -
Famacêutico 4 - 7 -
Siderurgia e metalurgia 11 - 12 -
Química e petroquímica 13 1 19 -
Autoindústria 3 - 25 1
Transporte 11 4 3 1
Bens de capital 4 - 6 -
Comunicações e telecom. 8 - 13 -
Papel e celulose 5 - 1 1
Energia 27 5 16 2
Varejo 38 - 7 3
Mineração 6 - 5 1
Bens de consumo 19 - 4 -
Agropecuária 20 - 3 -
Atacado 24 1 6 2
Serviços 28 1 5 3
Construção 28 - 5 -
Têxteis 6 - - -
Diversos 1 3 - -
Fonte: Revista Exame. Julho de 2013.

Das informações disponibilizadas pela Revista Exame, apenas uma das


empresas do setor eletroeletrônico exportava mais de 20% da produção
total, indicando uma posição mercadológica marcada pela prioridade do
abastecimento do mercado interno (ver páginas 342 a 361 desta revista). É
relevante também notar a presença numérica e em valor relativamente baixa
dos setores de bens de capital. Sua maior empresa em termos de faturamen-
to, a Weg Equipamentos, obtém vendas no valor total de quase quatro bi-
lhões de reais em 2012. A título de comparação, a Cargill, primeira empresa
61
em vendas do setor de bens de consumo, obtivera aproximadamente 23
bilhões de reais em vendas líquidas no mesmo ano.
O estudo reunido pela citada Revista Exame permitiria um amplo
programa de investigação, em diferentes planos (regional, estrutura de
emprego, variações relativas etc.) que neste espaço não se pode realizar. O
que ele deixa ver, para efeito de nossas considerações neste trabalho, é que
o padrão de investimento das chamadas burguesias nacionais brasileiras,
no que toca ao setor de produção e distribuição, era marcado pelo predo-
mínio dos setores de pouca inovação técnica, como a distribuição (varejo,
serviços e atacado), disponibilidade ampla de recursos naturais (energia e
mineração), e maior resistência logística à concorrência internacional (cons-
trução civil). A produção doméstica dos setores mais dinâmicos (eletroele-
trônicos, automotivos e indústria digital) era concentrada em dominada
preponderantemente pelo capital internacional.
Mas estes próprios setores do capital internacional, bastante agressi-
vos num plano acumulativo global, guardavam a seus ativos no Brasil uma
posição secundária no que toca à produção de novos conhecimentos e
inovações. A tabela a seguir dispõe números de registros de patentes em
países selecionados, informados pela Organização Mundial do Comércio
(“Patent grants by patent office, 2010”). Nota-se que no Brasil produzia-se pou-
ca inovação industrial na forma de patentes, sendo 90% deste pequeno
montante oriundo de agentes não-residentes, a julgar pela fonte mencio-
nada. Compare-se o nível desproporcionalmente grande de 224.505 paten-
tes registradas em 2011 pelos Estados Unidos, como número de apenas
3.251 no Brasil, no mesmo período. Cabe mencionar que a diferença no
produto interno bruto das duas nações não ultrapassava, em termos de
paridade do poder de compra, sete vezes. Deste baixo número de patentes
registradas no Brasil em 2011, 2.937 fora feito por firmas não-residentes.
Os números da economia brasileira são menores do que os indianos e sul-
africanos, não estando na mesma escala comparativa com Japão, China e
Coreia do Sul.
Ao passo que a formação bruta de capital fixo, em valores nominais,
evoluiu de 198 a 798 bilhões entre 2000 e 2012 (elevação nominal de qua-
tro vezes), a evolução conjunta (também nominal) dos meios de pagamen-
to registrou elevação de sete vezes (500 bilhões a 3.500 bilhões no mesmo
período). A evolução díspar entre a quantidade do papel-moeda e outros
tipos de moeda (quase-moedas), expressava as opções por maior liquidez
dos detentores de riqueza, com relação a investimentos produtivos. Vê-se
uma variação muito mais rápida das quase-moedas com relação ao papel-
62
moeda e depósitos à vista na economia brasileira, ao longo dos anos 2000.
Podendo-se definir o conceito de meios de pagamento sob a rubrica de
M4 como o saldo de excedentes não reinvestidos na ampliação de capaci-
dade produtiva, gerenciados em forma de crescentes posições em ativos de
maior liquidez, como ações, bônus soberanos da dívida pública, debêntu-
res etc., pode-se entender seu aumento rápido, ao lado de uma taxa mode-
rada de formação bruta de capital, como um indicativo de uma crescente
preferência sistêmica pela liquidez.

Tabela 12
Países selecionados. Patentes registradas (propriedade industrial)
em 2011. Residentes e não-residentes.
África do Sul 5296
EUA 224505
França 10213
Alemanha 11719
Coreia do Sul 94720
Índia 5168
China 172113
Japão 238823
Brasil 3251
Fonte: Organização Mundial do Comércio.

Cabe analisar brevemente a estrutura de oferta da economia, que de-


finimos como oligopolizada pelo reduzido número de grupos que contro-
lam frações importantes, às vezes majoritárias, de seus respectivos segmen-
tos. A situação de oligopólio torna os preços mais pegajosos e mais difícil a
estabilização dos índices inflacionários, tornando impotente uma política
anti-inflacionária baseada em juros e restrição fiscal. Socialmente, quanto
maior ela é, maior é a concentração do poder econômico em mãos de
menores famílias. O quadro da oferta produtiva no Brasil ajuda a explicar
porque o país tem uma das mais maiores taxas de juros do mundo e apre-
senta, paralelamente, uma inflação perene, que não se elimina mesmo nos
momentos de maior estagnação.
Uma medida aproximada desta situação, mas relativamente inexata,
pode ser vista na Pesquisa Industrial Anual de 2013 (PIA-IBGE 2013), na
qual se vê nas páginas 27 e 40 que as empresas industriais com mais de 500
funcionários controlavam 68,4% de toda a receita líquida do setor industri-
al, empregando 41% do total de empregados no setor. A PIA, porém, não
63
traz os nomes de cada grupo importante em cada segmento de negócio, de
forma que a pesquisa realizada pela Revista Exame torna-se novamente
útil. A tabela na sequência dispõe os principais segmentos da economia
brasileira e a situação do controle de mercado entre as mil maiores compa-
nhias atuando no país.

Tabela 13
Brasil. Mercado conquistado entre as 1000 maiores empresas, por
setor (%).
Bens de Bens de
Atacado Autoindústria Eletroeletrônicos
Capital consumo
BR Distrib., 30 Fiat, 12 Weg, 18 BRF, 12 Samsung, 27
Ipiranga, 18 Renault, 5,6 Atlas, 8 Bunge, 11 Whirpool, 11
Raízen, 14 Embraer, 5,4 Jacto, 6 Cargill, 10 Siemes, 7,1
Ale, 3 CNH, 3,6 Enseada, 5,1 JBS, 9 Ericson, 3,6
Amaggi, 2,7 Iveco, 2,4 ThyssenKrupp, 4,8 CRBS, 5 Schneider, 2,6
43, 0,7 31, 2 18, 4 44, 1,1 26, 1,5
Indústria Papel e Química/
Mineração Serviços
digital celulose Petroquímica
Positivo, 6,0 Vale, 74 Klabin, 19 Braskem, 21 ECT, 10,7
Serpro, 4,3 Samarco, 8 Fibria, 18 Basf, 6,8 Sabesp. 8,2
Totv, 3,7 Namisa, 2,4 Eldora, 6,5 Bayer, 6,0 Amil, 7
Dataprev, 2,6 Kinkross, 1,8 Cenibra, 6,5 Braskem Qpar, 5,2 Cielo, 4,1
28, 2,4 13, 1,5 13, 4,6 31, 2 52, 1,5
Siderurgia/
Telecomunicações Têxtil Transporte Varejo
Metalurgia
CSN, 14 Telefónica, 21 Alpargatas, 16 Gol, 15 Via V., 10
Usiminas, 11 Tim, 17,7 Grendene, 13 Tag, 9,8 GPA, 10
Gerdau, 10,4 Claro, 12,2 Hering, 10 Transpetro, 9 M. Luiza, 3
Paranapanema, 6 Telemar, 11,5 Paquetá, 9 MRS, 5,1 Americanas, 3
23, 7,5 14, 5,1 15, 5,7 18, 3,4 51, 1,1
Energia Farmacêutico Construção
Petrobras, 53 Hypermarcas, 18 Odebrecht, 11
Copersucar, 2,3 Novartis, 10 Votorantim, 7
Cemig, 2,1 Roche, 10 Andrade G., 6
AES, 2 SEM, 7,8 OAs, 5,8
Light, 1,5 Eurofarma, 7 Camargo, 5
70, 0,5 16, 4,4 33, 2,1
Fonte: Revista Exame Maiores e Melhores 2014.
Nota: a última linha em itálico refere-se respectivamente à mediana e à porcenta-
gem da mediana nas vendas.

A revista informa que, em 2013, somente os quinhentos maiores deles


realizaram faturamento total de 1,3 trilhões de dólares; sob a taxa de câmbio
64
da época (2,3 reais aproximados), isto equivaleria a 2,99 trilhões de reais. (O
PIB nominal de 2014 chegou a 5.687 trilhões de reais.) Na tabela vê-se tipi-
camente uma situação de alguns poucos grupos a deter fatias expressivas em
seus respectivos mercados. Neste ambiente, os preços tendem a ser forma-
dos numa política de “siga o líder”. Os menores vendem abaixo, mas preços
mínimos e pouco elásticos tendem a predominar nos mercados mais con-
centrados. A pulverização é maior nos grupos de indústria digital e autoin-
dústria, o que não as impede de atuar como cartéis, mas é bastante saliente a
oligopolização em atacados, bens de consumo, eletroeletrônicos, energia,
fármacos e papel. Nota-se o peso nas vendas totais da Telefónica, Klabin,
Braskem, Petrobras e Vale do Rio Doce em suas respectivas áreas.
Esta é uma divisão aproximada. Várias empresas em cada setor, na
verdade, pertencem a outras deste mesmo setor. No setor de telecomuni-
cações, a Telemar, por exemplo, controlava em 2014 a própria Oi, e a
Telmex, a Embratel. Se se adiciona a cada uma destas grandes firmas suas
empresas “controladas” e “coligadas”, chega-se à noção de conglomeração,
resultado posterior do próprio processo de concentração dos mercados. A
Revista Exame chama isto de “maiores grupos”. A Camargo Correa de-
tém, por exemplo, a Alpargatas; estas por sua estavam “coligadas” com a
CPFL Energia. Cada grande grupo possui em média dezenas de “contro-
ladas” e “coligadas”. A Queiroz Galvão, por exemplo, tinha nove empre-
sas controladas e 33 coligadas, mais 111 sociedades de propósito específico
(SPE), nos ramos da energia, construção, fundos de participação, alimen-
tos, engenharia, gestão, serviços públicos e outros.
A concentração dos mercados em poder das grandes empresas no
Brasil pode ser analisada também pelos dados referentes ao comércio in-
ternacional. Segundo a pesquisa da SECEX “Exportações por porte de
empresas, 2013/2014”, entre as pessoas físicas, microempresas, pequenas
empresas, médias e grandes empresas, estas últimas foram responsáveis
por nada menos do que 95% do total em valor exportado. Muitas destas
eram fornecedoras oligopolistas para o mercado interno brasileiro, em
graus variados. De fato, dentre as empresas citadas na tabela acima, várias
delas eram também as principais exportadoras, em graus variados; algumas
como verdadeiros “enclaves”, outras dividindo a produção entre o merca-
do local e o exterior. A ordem das dez primeiras empresas exportadoras
em 2014, por valor exportado, foi a seguinte: Vale; Petrobras; Cargill; Bun-
ge; BRF; Louis Dreyfus; Embraer; JBS; Samarco; Braskem. A Petrobras
exportou 13% de sua produção; a Vale, 89; a Cargill, 71; a Bunge, 62; a
BRF, 39; a Louis Dreyfus, 83; a Embraer, 80; a JBS, 36%; a Samarco, 98%;
65
a Braskem, 28%. Pode-se estimar então como a alteração do cenário global
a partir de 2008 afetou as vendas dos principais grupos econômicos situa-
dos no Brasil.

Tabela 14
Brasil. Exportações por porte de produtor. Em números e milhões
de dólares. 2013-2014.
Qtde. US$ FOB US$ FOB
Porte Qtde. 2013
2014 2014 2013
Microempresa 4.508 215 4.106 196
Pequena empresa 5.385 1.746 5.076 1.569
Média empresa 5.926 8.663 5.546 7.905
Grande empresa 6.087 214.144 6.680 232.077
Pessoa física 412 331.286 401 284.582
Não definido 2 4 5 9
Total 22.320 225.100 21.814 242.033
Fonte: SECEX.

A concentração do poder econômico inferida a partir de tais dados po-


de ser ainda maior. A Cooperativa EITA –Educação, Informação e Tecno-
logia para a Autogestão– ligada ao Instituto Mais Democracia, sediado no
Rio de Janeiro, tem realizado um esforço de pesquisa para refinar os dados
sobre a concentração do poder econômico no país, a partir de uma metodo-
logia própria baseada nos dados publicamente fornecidos pela Comissão de
Valores Mobiliários.16 A Cooperativa declara que seu “Ranking dos proprie-
tários do Brasil” explica que sua pesquisa traz “um resultado bem diferente
das listas tradicionais de grandes empresas.” Isto porque “as companhias
aqui listadas obedecem ao critério dos ‘controladores últimos’. Isto significa
que elas estão no ‘fim da linha’ de uma ou mais cadeias de empresas. São as
empresas que estão, muitas vezes, a vários graus de distância das empresas
controladas, e que controlam toda uma cadeia de empresas.” Com isto che-
ga-se ao “índice de poder acumulado”: “As controladoras últimas acumulam
o faturamento de suas empresas controladas, e com isso se forma o Índice
de Poder Acumulado (IPA). Outro critério para entrar no ranking são em-
presas com participações intercadeias. Elas não são controladoras últimas,
mas participam de muitas cadeias e com isso obtêm um alto IPA.” Segundo
este estudo, doze empresas controlam 50% do que define como “índice de
poder acumulado” no Brasil atual. Seriam elas: Telefónica; Previ-Caixa de

16. Ver <http://proprietariosdobrasil.org.br/inicio/metodologia/>.


66
Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil; Telemar Participações;
BBD Participações; Grupo Gerdau; Wilkes Participações; Blessed Holdings;
Banco Santander; Jereissati Participações; Belga Participações; Ultra S.A.
Participações; Andrade Gutierrez.
Tendo-se retratado de forma geral o quadro socioeconômico brasileiro
no momento da primeira eleição de Dilma Rousseff como Presidenta da
República, passaremos agora a descrever como o governo Dilma atuou na
sucessão de conjunturas, inserido neste cenário.

67
4. A sucessão de conjunturas e as medidas econômicas

4.1. O ano de 2011: da moderação às políticas de resposta

Dilma Rousseff tomou posse em 1º de janeiro de 2011 para seu pri-


meiro mandato. A posição da base governista no Congresso não era folga-
da. O Congresso brasileiro tinha a seguinte composição geral por partidos,
resultada das eleições de 2010: na Câmara, de 513 deputados eleitos, 86
eram do PT; 78 do PMDB; 54 do PSDB; 43 do DEM; 41 do PR; 35 do
PSB; 27 do PDT; o PSOL elegeu três e o PCdoB, 15. No Senado, a situa-
ção do governo era um pouco mais folgada, com 16 senadores eleitos pelo
PMDB e 11 pelo PT; o PSDB tinha cinco; o PP elegeu quatro, o PR e o
PSB três; o PSOL, o DEM e o PDT, dois senadores cada. À época, o
PMDB era ainda parte da base aliada governo.
Dilma afirmou na posse que, dentre as diferentes metas de seu go-
verno, “valorizar nosso parque industrial e ampliar sua força exportadora
será meta permanente”. Nesta ocasião, as autoridades empossadas tenta-
vam apresentar a situação da economia brasileira como a de um caso de
sucesso internacional.
De fato, o desemprego oficialmente medido era um dos mais baixos da
história. Por exemplo, o desemprego aberto medido pelo SEADE na região
metropolitana de São Paulo era de 8,8% (tendo estado em 13,60% em 2002,
a taxa mais alta desde 1984). O país fechava o ano de 2010 com vinte bi-
lhões de dólares em superávits comerciais. A taxa de câmbio real efetiva era
próxima ao momento pré-desvalorização de 1999, isto é, o real estava valo-
rizado no mercado cambial. Em 2010 o país apresentara um saldo líquido de
investimentos estrangeiros diretos de 48 bilhões, um dos mais altos do
mundo. A conta de capitais do balanço de pagamentos assistia a elevação de
seus resultados líquidos, a espelhar os baixos juros nos Estados Unidos,
Europa e Japão, e compensando o agravamento dos déficits na conta cor-
rente que começaram a agravar-se desde 2009. O país era bem visto pelo
capital internacional. A dívida líquida do setor público (débitos menos crédi-
tos do governo geral, incluindo saldo dos títulos livres na carteira do Banco
Central do Brasil e o saldo de equalização cambial) em porcentagem do PIB
caía desde 2002. A formação bruta de capital fixo, incluindo casas, flutuava
em torno de aproximadamente 20%. De 2002 a 2010 a taxa elevara-se apro-
ximadamente em cinco pontos percentuais. O Brasil alcançava o seu topo
de participação no volume em moeda do comércio internacional desde

68
1992: segundo a SECEX, 1,5%. A inflação acumulada em 2010 era de “tole-
ráveis” 5,91%, segundo o IPCA.
Em termos fiscais, o SELIC vinha de um ciclo de alta desde 2010, es-
tando em 0,7% ao mês em janeiro, devido a um posicionamento mais con-
servador das autoridades diante do “bom” crescimento neste ano. O resul-
tado primário das contas do governo federal no primeiro ano de Dilma foi
sendo elevado progressivamente até agosto de 2011, refletindo a posição de
um governo recém-empossado e de uma economia que parecia resistir aos
efeitos globais de instabilidade econômica e financeira. Havia igualmente
estabilidade na relação do agregado monetário M1 (papel-moeda em poder
do público e depósitos à vista) quanto ao PIB, e crescimento muito mais
veloz do agregado M4 (a soma de todos os meios de pagamento, incluindo
depósitos de poupança, títulos emitidos por instituições depositárias e títulos
públicos). Este padrão marcou todo o período 2011-2014.
Neste ínterim, no início do ano o Ministro da Fazenda desde 2006,
Guido Mantega, declarava em sua apresentação das perspectivas da eco-
nomia brasileira em 14 de janeiro que o governo Lula havia colocado o
Brasil na rota do “desenvolvimento sustentável”. 17A linguagem do Minis-
tro remetia, formalmente, a uma abordagem “desenvolvimentista”. Decla-
rava que o governo Dilma iria consolidar tal desenvolvimento e “colocá-lo
em patamares mais elevados graças à nova política econômica e social do
governo”. Apontou o crescimento econômico brasileiro e da massa salarial
dos últimos anos como um indicativo do acerto das políticas. O Brasil teria
construído um “Estado de Bem-Estar Social”, tornando-se um país de
“classe média” (“Classe C”), obtendo também “grau de investimento”.
Projetou uma taxa de investimento de 24% do PIB para 2014. Afirmou
que “o Estado impulsionou o desenvolvimento”, com investimento públi-
co “acima de 5% do PIB” em 2010. Por fim, a sustentabilidade do cresci-
mento podia-se notar por: “ausência de desequilíbrios macroeconômicos;
inflação sob controle; solidez fiscal e redução da dívida e aumento da re-
servas”.18
Em 9 de fevereiro, anunciava o Ministro uma redução dos estímulos
ao crescimento dos dois anos anteriores, preservando programas sociais, e

17. Todos os documentos oficiais e apresentações aos quais se faz referência neste capítulo estão
disponíveis em <www.fazenda.gov.br>. A relação das leis e medidas provisórias do Executivo Nacio-
nal podem ser encontradas no anexo dos relatórios anuais do Banco Central do Brasil, em suas várias
edições.

69
uma modernização da administração pública, com redução dos gastos de
custeio e maior eficiência alocativa. Esta redução, como veremos, seria
depois abandonada. Destacava o Ministro a nova regra de correção do
salário mínimo adotada no governo Lula, com reposição da inflação acres-
cida da taxa de crescimento real do PIB dos dois anos anteriores, e a atuali-
zação da correção do imposto de renda em 4,5%. O Ministério do Plane-
jamento também anunciava redução de despesas discricionárias. Em abril,
informava, citando a consultoria Economática, que o lucro líquido de 168
importantes empresas havia crescido 34% de 2010 a 2009 e que o governo
pretendia cortar 50 bilhões em despesas, revertendo os estímulos de 2010
com aumento da eficiência dos gastos. Anunciou a meta de 3% do PIB de
superávit primário, que não seria cumprida (a obtida foi 2,1%). A meta de
inflação buscada pelo Bacen era de 4,5%; a acumulada no ano chegaria a
6,5.
Até meados de 2011, continuava a haver no cenário internacional um
viés altista para algumas commodities (como soja e carne), que, conjugada
com a especulação com os estoques e a enorme criação fictícia de moeda
pelo Federal Reserve, criavam pressões inflacionárias, apesar do relativa-
mente baixo crescimento europeu e estadunidense. O barril tipo Brent de
petróleo também estava em patamar historicamente alto, a 125,7 dólares,
em abril de 2011. O conflito distributivo inerente à formação dos preços
domésticos também era pressionado por reajustes nas tarifas do transporte
público e educação particular. Por isso o Ministério da Fazenda não so-
mente anunciava cortes, mas sim aumento dos compulsórios, elevação da
meta do SELIC, e aumento do IOF. No segundo semestre, de fato, o
nível dos compulsórios junto ao Bacen atingiu seu limite nominal históri-
co, com aproximados 448 bilhões de reais retidos em outubro. O crédito à
compra de automóveis, que chegara ao topo em janeiro de 2011, iniciava
declínio. Falando ao Senado em 03 de Maio, Mantega declarava que o
ajuste “não é o tradicional e sim de redução seletiva do consumo e não do
investimento. Em 2011, continuam estímulos ao investimento”.
O secretário de política econômica Marcio Holland, em Junho, no II
Ciclo de Conferências sobre Finanças e Tributação, buscava abordar as
razões para o grande fluxo financeiro aportado no Brasil. Disse que “neste
momento, os fundamentos macroeconômicos dos países emergentes es-
tão melhores do que os das economias avançadas” e que a saída para tal
envolveria: recuperação dos países avançados; redução da manipulação do
câmbio; regulação e diminuição da alavancagem. Consoante a esta visão, o
IOF sobre valores em dólar ingressados fora então ajustado para cima para
70
várias modalidades de ingresso de capital estrangeiro. O próprio secretário
expressou a necessidade da adoção do controle de capitais para evitar ins-
tabilidade e demasiada valorização do câmbio. Aos cinco benefícios cita-
dos dos fluxos de capitais –“financiamento do balanço de pagamentos,
financiamento de investimentos domésticos, desenvolvimento dos merca-
dos financeiros domésticos, diversificação de riscos de investimentos, inte-
gração com mercado de crédito internacional”– listou três negativos:
“maiores volatilidades das taxas de câmbio, apreciação da taxa de câmbio e
‘doença holandesa’.” Citou também o “trilema de Mundell”, da impossibi-
lidade de haver ao mesmo tempo o câmbio fixado, a mobilidade de capi-
tais e uma política monetária autônoma. A balança de serviços acusava um
déficit de 30 bilhões em 2010, sendo ele decomposto em: 6 bilhões em
transportes; 10 bilhões em viagens internacionais; 13 bilhões em aluguéis
de equipamentos; 13 bilhões em computação e informação; demais, 3,3
bilhões. Tal déficit era maior do que o superávit comercial de 20 bilhões
acumulado pelo país naquele ano.
Em 02 de agosto, o governo lançava o chamado “Plano Brasil Maior”.
Mantega afirmava que seu objetivo era “fortalecer a indústria brasileira, tor-
nando-a mais competitiva num cenário internacional adverso”, dada a
“guerra cambial” e a concorrência “predatórias” particularmente no setor de
manufaturados. O conjunto de medidas visava “habilitar nossa indústria a
concorrer em pé de igualdade”. Seguia-se então um grande pacote de medi-
das de desoneração tributária, creditícias, e compras governamentais com
exigência de conteúdo local. Diminuir-se-ia o ICMS estadual, desonerar-se-ia
a folha de pagamentos de vários setores, devolver-se-iam créditos a exporta-
dores, exigir-se-ia um mínimo de produção local para compras do governo,
e outras medidas de estímulo à produção doméstica.
O Ministro afirmou que mesmo se se considerasse que a produção
em território nacional fosse mais cara que a produção similar internacional,
havia motivos para alguma ação, dado que a importância do setor industri-
al não se limitaria apenas a uma escala comparativa. Ela emprega, gera
tributos, gera riqueza material. Sua queda não poderia ser totalmente con-
tornada pelo setor de serviços. O real alcançava então o pico de sua sobre-
aprecição. Em termos relativos ao PIB, a indústria de transformação vinha
perdendo posições desde 2008, ao menos segundo a contabilidade do
IBGE, ano no qual atingira aproximados 15% do PIB. Depois de um ciclo
de alta que partiu de 11% em 2001, na posse do Governo Dilma a partici-
pação da indústria estava em 13%, numa tendência de queda que já se
podia notar.
71
Guido Mantega, no Seminário “Brazil Investment Oportunities”
ocorrido em Julho de 2011, afirmava que o crescimento iria continuar.
Projetava a passagem do Brasil à quinta economia global, com uma “classe
C” a formar supostos 50,6% do “amplo mercado consumidor domésti-
co”, puxado por uma taxa de investimento “superior ao crescimento do
consumo”. O ministro declarava que 70% dos investimentos do PAC em
2010 eram públicos. O Brasil, por outro lado, não estava “sobreaquecido”;
não havia bolha no mercado creditício, a inflação estaria controlada, com
baixas taxas de desemprego mas (altas?) taxas de juros reais a conter a in-
flação. A política fiscal adotada estaria sendo acomodatícia. Mantega afir-
mava também que as taxas de crescimento do setor bancário e do merca-
do de ações eram as mais rápidas entre os chamados BRIC’s, citando a
Bovespa e a agência Bankscope. Seu resumo do panorama então vigente era
o de: “reversal of 2009-2010 economic stimulus; increasing primary sur-
plus; speeding public efficiency, with government expenditures increasing
below GDP growth”.
Em verdade, o superávit primário do governo central como um todo
ao longo de 2011 cairia de 5% do PIB em janeiro para 2% em dezembro,
totalizando 2,1% ao ano, e o déficit nominal cresceria de 1,9% a 2,1% do
PIB. A relação juros pagos/déficit nominal, porém, declinara, de doze
vezes a duas, ao longo do ano. A estrutura tributária e o consumo do go-
verno mantinham-se estáveis em termos do PIB. Mantega elogiava a for-
malização do trabalho. Outras medidas “macroprudenciais” de 2011 en-
volviam: aumento dos compulsórios e aumento da taxa de juros do siste-
ma SELIC, desde janeiro (a taxa mensal fora de 0,8 a 1,1% ao mês).
Entre agosto e setembro de 2011, mudou-se o reconhecimento oficial
quanto ao panorama externo, num sentido mais pessimista. Em tempo: no
mês de junho a nota à imprensa da 160ª reunião do Comitê de Política
Monetária dizia: “Avaliando o cenário prospectivo e o balanço de riscos
para a inflação, o Copom decidiu, por unanimidade, neste momento, ele-
var a taxa Selic para 12,50% a.a., sem viés.”
Já na 161ª reunião, em agosto, a análise do panorama era outra:

“O Copom decidiu reduzir a taxa Selic para 12,00% a.a., sem viés, por cinco votos a
favor e dois votos pela manutenção da taxa Selic em 12,50% a.a. Reavaliando o cená-
rio internacional, o Copom considera que houve substancial deterioração, consubs-
tanciada, por exemplo, em reduções generalizadas e de grande magnitude nas proje-
ções de crescimento para os principais blocos econômicos. O Comitê entende que
aumentaram as chances de que restrições às quais hoje estão expostas diversas eco-
nomias maduras se prolonguem por um período de tempo maior do que o antecipa-

72
do. Nota ainda que, nessas economias, parece limitado o espaço para utilização de
política monetária e prevalece um cenário de restrição fiscal. Dessa forma, o Comitê
avalia que o cenário internacional manifesta viés desinflacionário no horizonte rele-
vante.
Para o Copom, a transmissão dos desenvolvimentos externos para a economia brasi-
leira pode se materializar por intermédio de diversos canais, entre outros, redução da
corrente de comércio, moderação do fluxo de investimentos, condições de crédito
mais restritivas e piora no sentimento de consumidores e empresários. O Comitê en-
tende que a complexidade que cerca o ambiente internacional contribuirá para inten-
sificar e acelerar o processo em curso de moderação da atividade doméstica, que já se
manifesta, por exemplo, no recuo das projeções para o crescimento da economia
brasileira. Dessa forma, no horizonte relevante, o balanço de riscos para a inflação se
torna mais favorável. A propósito, também aponta nessa direção a revisão do cenário
para a política fiscal.
Nesse contexto, o Copom entende que, ao tempestivamente mitigar os efeitos vin-
dos de um ambiente global mais restritivo, um ajuste moderado no nível da taxa bási-
ca é consistente com o cenário de convergência da inflação para a meta em 2012.”

Este era o diagnóstico que desencadeou a série de quedas no SELIC a


partir de outubro de 2011, que somente seria interrompida em janeiro de
2013, para irritação de todos os grupos financistas. Este “atrevimento”
seria um dos motivos não explicitados para o ataque a Dilma posterior,
devido ao montante de recursos perdidos com o viés baixista do SELIC.
Em dezembro de 2012, a taxa atingiria a menor marca histórica de 0,5%
ao mês. O governo inclusive alteraria, no início de 2012, as regras de fun-
cionamento da caderneta de poupança para viabilizar a queda da taxa do
SELIC (com publicação no diário oficial no início de 2012). O governo
fixou o rendimento da caderneta de poupança em 70% da taxa do SELIC
quando este chegasse a 8,5% ao ano, ou menos. Com isto desestimulava a
caderneta e buscava atrair recursos antes direcionados a ela. Ao mesmo
tempo, o governo pressionava a Caixa Econômica Federal e o Banco do
Brasil a reduzirem juros. A Caixa Econômica, que em 2010 era o sexto
maior banco brasileiro em 2010, em termos de patrimônio líquido, chega-
ria a quarto maior em 2013, e a terceiro em 2014. O Banco do Brasil, o
segundo maior em 2011, chegaria a primeiro em 2013. 19 Este avanço dos
bancos públicos em termos de patrimônio conformaria um dos vários
componentes da oposição corporativa ao governo Dilma.
No último dia de setembro, em São Paulo, Mantega afirmava que não
havia até ali sinal de recuperação da crise de 2008 nos países industrializados.

19. Estes dados são fornecidos pelo Banco Central do Brasil no endereço
<http://www4.bcb.gov.br/top50/port/top50.asp>/.
73
Dizia ser provável um aumento da crise da dívida soberana, da permanência
do baixo crescimento, e de uma nova crise financeira. Discutia o que consi-
derava ser um arranjo positivo para a crise europeia, o Fundo Europeu de
Estabilização Financeira, que poderia comprar títulos soberanos no mercado
secundário e emprestar aos mais endividados. O Brasil, por sua vez, tomava
soberanamente medidas prudenciais para manter a estabilidade dos parâme-
tros macroeconômicos. Como deveria posicionar-se o Brasil no cenário
futuro de crise? O Ministro elaborou a seguinte lista em então aplicação:
perseguindo resultados fiscais “sólidos”; mantendo uma baixa inflação; ado-
tando índices de capital mínimo (11%) acima do índice de Basileia (8%);
estimulando o investimento privado e o consumo local; reduzindo o IPI
para empresas automobilísticas que inovassem com componentes locais;
ações anti-dumping; combatendo fraudes fiscais pela Receita Federal (subfa-
turamento); aumentando reservas e tributando capitais externos. Comentava
ainda as reduções do ICMS interestadual para bens importados para 2% e
geral de 12 e 7% a 5 e 3% e uma mudança da base de arrecadação do INSS
para o faturamento. E comentava ainda que as compras públicas priorizari-
am a produção nacional, com uma margem obrigatória. Apoiava-se também
o pequeno produtor, com atualização em 50% da tabela de IR, de modo a
desonerar os pequenos faturamentos, e isenção para exportações até 3,6
milhões de dólares anuais.
Em 22 de Novembro, Nelson Barbosa, então secretário-executivo do
Ministério da Fazenda, em sua palestra “Balanço Macroeconômico do
PAC”, afirmou que o cenário global e as medidas do governo levaram a
uma queda do produto em 2011. Projetava um PIB entre 3,2% e 3,8%
para o ano. A situação fiscal estaria melhor e o déficit em conta corrente
estável em termos do PIB. Previa aceleração do crescimento do PIB em
2012 para 4% ou 5% (erro de mais de 2%, como se verificou depois, já
que o PIB atingiria 1,9% na série revista); desaceleração da inflação; cum-
primento da meta de superávit e “pequena elevação no déficit em conta
corrente”. Sua projeção se baseava nos impactos do que chamou, com
certa liberdade semântica, de “política monetária neutra” (já que os com-
pulsórios foram elevados durante o ano e a taxa do SELIC cresceu até
outubro); do Plano Brasil Maior; da desoneração do “Supersimples”; da
continuidade do aumento do salário mínimo; do PAC 2, do Programa
“Minha Casa, Minha Vida 2” e do Programa Nacional de Banda Larga.
Em dezembro, iniciou-se também uma diminuição do recolhimento
dos compulsórios das instituições privadas junto ao Bacen, que se estende-
ria até abril de 2013. A projeção para uma queda da inflação baseava-se na
74
suposta futura estabilidade e/ou queda dos preços das commodities; na redu-
ção de itens monitorados, como tarifas de ônibus; no impacto da revisão
da Pesquisa de Orçamentos Familiares; nos impactos da desaceleração no
fim do ano, na política fiscal “neutra” e na alta capacidade ociosa. Dizia
que o governo projetava um alto superávit de 3,1% mesmo com elevação
no investimento público e transferências de renda e que o crescimento
dependia da “sustentação da taxa de investimento”, com o governo ado-
tando uma série de medidas neste sentido. Insistia na importância das mu-
danças institucionais promovidas: expansão e facilitação do “Supersim-
ples” e “Microeempreendedor Individual”; devolução imediata de créditos
de PIS/COFINS por investimento em bens de capital; desoneração da
folha de pagamento como experiência piloto para setores intensivos em
mão de obra; diminuição da alíquota interestadual de ICMS.
Barbosa defendeu um papel ativo do Estado no processo de desen-
volvimento, “para além do Consenso de Washington”, com planejamento,
regulação, oferta de bens públicos essenciais e redução das desigualdades.
O Brasil estaria, em sua visão, atravessando a segunda fase de seu desen-
volvimento econômico, tendo sido a primeira puxada por aumento do
consumo privado, da utilização de capacidade e recuperação do investi-
mento, com queda da concentração de renda; a segunda fase teria de ser
implementada por um aumento do crédito do BNDES, dos investimentos
do PAC, e da retomada de uma política industrial.
Ao longo de 2011, o governo também perseguiu medidas de desone-
ração tributária com favorecimento à produção doméstica; como se viu,
tais políticas foram alinhadas a juros reais altos até outubro e aumento
moderado do IOF sobre os aportes de capital externo, bem como manu-
tenção do superávit primário. O governo aprovou também facilidades para
os fundos de investimentos em participações (FIPs). São eles fundos
(“condomínios”) fechados, com alta exigência inicial de aportes, prazos
mínimos de carência e facilitações tributárias, que concedem direitos na
definição de um empreendimento, geralmente em nível setorial, para fins
de investimentos. O governo aprovara alíquota zero de IR para os não-
residentes sobre os ganhos com os FIPs e em especial os FIPs de infraes-
trutura (Lei 12.431, de 24.06.2011).
Posteriormente, os recursos utilizados para pagamentos do crédito
mediante o chamado Programa de Sustentação do Investimento (PSI),
criado em 2009 e que funcionava com repasses do BNDES, também teri-
am alíquotas de IOF zeradas em 2013 (Decreto 7.975, de 1.4.2013). O
governo reduziu também a zero o IR para as chamadas “debêntures de
75
infraestrutura”, para pessoas físicas e a 15% para pessoas físicas (Decreto
12.431 de 24.06.2011), organizadas por Sociedades de Propósito Específi-
co. Não obteve, porém, uma desvalorização significativa do real, que se
desvalorizara apenas limitadamente no fim do ano. O governo também
não promoveu medidas radicais sobre a renda das pessoas físicas, como
elevar o imposto de renda, que tinha em 2011 o teto de 27,5% para quais-
quer rendas de pessoas físicas que estivesse acima de 3.743 reais mensais.
O crescimento em 2011 atingiu 3,91% com relação a 2010, o mais alto
no primeiro governo Dilma. Todos os setores econômicos cresceram mais
ou menos similarmente, como mostra a tabela abaixo. Isto deu confiança ao
governo e uma desaceleração não era prevista para o ano seguinte.
No âmbito internacional, o tsunami no Japão provocaria grandes
perdas humanas e físicas e contração da demanda japonesa. A chamada
“Primavera Árabe”, sequência de revoltas populares no Oriente Médio,
desestabilizava governos. As revoltas não eram de todo homogêneas em
termos políticos. As forças ocidentais (OTAN) auxiliaram com pessoal,
recursos e armas os rebeldes na Síria e Líbia, países “não-alinhados”, con-
seguindo derrubar o governo neste último e alimentando a guerra civil no
primeiro, mediante a venda de armas intermediada pela Arábia Saudita.
Mas a OTAN tentou conter os revoltosos nos seus satélites geopolíticos,
como no Egito. Neste ínterim é que Muamar Kadafi foi morto na Líbia
por rebeldes domésticos aliados às tropas da OTAN, sem julgamento, e
que a grande mobilização das massas no Egito culminou somente na troca
de um governo corrupto por outro. Cristina Kirchner era reeleita na Ar-
gentina com 53% dos votos, refletindo a popularidade de sua política eco-
nômica e externa. Nos Estados Unidos, a “facilitação quantitativa”, os
baixos juros e os déficits federais inflavam a base monetária e ajudavam a
promover, pela exportação de parte do capital, a onda de valorizações
cambiais em nível global, da qual o Brasil fazia parte. Esta era a chamada
“guerra cambial” de que falava a Presidência brasileira.

Tabela 1
Brasil. Taxas de variação real por setores. 2011-2014.
Agricultura Indústria Serviços
2011 5,64 4,1 3,35
2012 -3,08 -0,74 2,91
2013 8,36 2,21 2,75
2014 2,08 -0,92 0,36
Fonte: Banco Central.

76
4.2. O ano de 2012: “Nova Matriz Macroeconômica”

Em fevereiro, seis mil moradores da comunidade Pinheirinho, em


São José dos Campos (SP), eram removidos com truculência pela Polícia
Militar, numa reintegração de posse. A chamada Lei da Ficha Limpa era
aprovada, impedindo a candidatura de candidatos condenados por algum
órgão colegiado, com mandato cassado ou que renunciaram para evitar
cassação. A Comissão da Verdade, que iria apurar crimes cometidos du-
rante a ditadura, era instalada pela Presidenta Dilma Rousseff em 12 de
maio. A Conferência “Rio +20” da Organização das Nações Unidas ocor-
ria no Rio de Janeiro, reunindo ativistas, pesquisadores e líderes políticos
para a discussão da crise ambiental global. O ex-presidente Lula anunciava
sua cura do câncer, em junho. Ainda neste mês, ele e Fernando Haddad –
candidato a prefeito de São Paulo para as eleições municipais daquele ano–
eram recebidos por Paulo Maluf, em sua casa, para acordo entre PT e PP.
Guido Mantega declarava ao Senado em 13 de Março que “a
economia brasileira enfrentou a crise global e a inflação e se fortaleceu”. O
PIB teria estado dentro de sua trajetória prevista de crescimento; a massa
salarial interna teria crescido; a situação fiscal estava sob controle, bem
como a inflação. As commodities e o setor agrícola tinham “excelentes de-
sempenhos”, com a safra de cereais, leguminosas e oleaginosas batendo
recordes (163 milhões de toneladas, o mais alto número da série). O em-
prego formal crescera em termos relativos. A dívida líquida do setor públi-
co estava em seu piso histórico. Ele comparava a taxa de juros desde 2002
e afirmava (em aparente contradição com sua declaração em São Paulo no
ano anterior) que a taxa de juros apresentava tendência de baixa, o que
segundo ele era algo positivo. A interpretação quanto à taxa de juros varia-
va entre sua concepção como um instrumento anti-inflacionário e como
instrumento indutor do crescimento.
O Ministro continuou: a balança comercial em 2011 somara de saldo
29 bilhões de dólares. O crescimento mundial continuava abaixo da média
desde 2008. A política monetária norte-americana “inundava de liquidez os
países emergentes” e valorizava moedas periféricas, como o real. Os desa-
fios do ano envolviam reformas na estrutura logística e portuária e queda
dos preços de energia, bem como fazer saltar a taxa de investimento a 24%
do PIB. Os investimentos com a Copa do Mundo somariam 33,1 bilhões
de reais até o término da obra, e a execução orçamentária do PAC e “Mi-
nha Casa, Minha Vida” seria mantida. O Ministro anunciou também con-
cessões de operação de aeroportos até então administrados pelo Estado,
77
em troca da elevação de investimentos: em Brasília, prometia-se investi-
mento de 627 milhões, com ampliação do terminal de passageiros, pátio,
sistema viário e embarque; em Guarulhos, construção de um terceiro ter-
minal, expansão de embarque e pista de táxi, com 1,38 bilhão de novas
inversões; em Viracopos previam-se 873 milhões de investimentos pela
concessão ao longo dos anos subsequentes (2012-2014).
Mantega afirmara que o salário mínimo tinha sido ajustado em 211%
em termos nominais desde 2003, e 66% em termos reais no mesmo perí-
odo; a fórmula (anteriormente mencionada) de reajuste levando em consi-
deração a inflação e o crescimento passado do PIB “injetaria 47 bilhões de
reais na economia em 2012”. Ele fazia referência à lei 12.382, assinada por
Dilma, que determinara em fevereiro de 2011 a correção do salário míni-
mo pela variação integral do INPC e do PIB, fórmula a ser aplicada até
2015. Novamente, o Brasil teria se tornado um país de classe média: o
índice de Gini caía de 0,6091 em 1990 a 0,5190 em 2012. O saldo das ope-
rações de crédito vinha crescendo desde 2003, atingindo 48% do PIB. O
governo deveria continuar a lutar pela redução da pobreza, reduzindo as
desigualdades regionais, e oferecendo “a toda população” condições dig-
nas de vida e bons serviços públicos.
Por sua vez, o “Plano Brasil sem Miséria”, lançado no ano anterior, e
que ampliava o então chamado “Bolsa Família”, havia envolvido os se-
guintes valores: inclusão de novas 407 mil famílias no Cadastro Único
(CadÚnico); o Bolsa-Família havia reajustado o benefício em 25% e incluí-
do 1,23 milhões de crianças. O Pronatec (Programa Nacional de Acesso
ao Ensino Técnico e Emprego), também criado no ano anterior (outubro
de 2011), pactuara 82 mil vagas. O Brasil sem Miséria havia também inclu-
ído 82 mil famílias de pequenos e médios agricultores para o “Programa de
Aquisição de Alimentos”; previam-se 255 mil até 2014. O governo teria
entregue 315 mil cisternas em 2011 e projetava 750 mil até o fim do man-
dato de Dilma. O Brasil era o único que reduzira a pobreza entre os
“BRIC’s”, segundo a OCDE.
No que toca à política econômica relacionada diretamente com o Mini-
faz, caberia manter a inflação dentro da meta, reduzir custos financeiros,
desindexar a economia (o que nunca tinha feito totalmente pelo próprio
plano Real), e ampliar o financiamento privado no longo prazo. Particular-
mente, esta era uma demanda dos economistas críticos ao papel do governo
e em especial do BNDES, e Mantega se dirigia veladamente a eles. O setor
industrial brasileiro estava sendo vítima do encolhimento do mercado mun-
dial, da concorrência predatória, e da valorização do real: por isto Mantega
78
afirmava que o país estava adotando medidas de defesa comercial, come-
çando pela “defesa do câmbio”, seguindo-se medidas de fiscalização mais
rigorosa no controle de entrada no país. O governo teria enfrentado “com
sucesso a guerra cambial”, adotando várias medidas (abaixo listadas), como
o aumento de IOF sobre compras com cartão no exterior.
Mantega ainda afirmava que o governo tramitava um fundo de previ-
dência complementar para a previdência dos servidores públicos, desone-
raria mais folhas de pagamentos e anunciava um “novo regime automoti-
vo”, com desonerações ao setor e incentivos à inovação tecnológica.

Tabela 2
Brasil. Medidas de defesa cambial. 2011-2012.
2011 Aumento do encaixe compulsório sobre a posição vendida de
câmbio de zero para 60%
2011 Aumento do IOF sobre compras com cartão de crédito no
exterior, de 2,3% a 6,38%
2011 Aumento do IOF sobre empréstimos em moeda estrangeira
(prazo de 720 dias), de zero a 6%
2012 IOF sobre derivativos de câmbio: de zero a 1%
2012 Continuidade da acumulação de reservas pelo Bacen
2012 Aumento do prazo para incidência de IOF sobre empréstimos
em moeda estrangeira, de 720 para 1080 dias
2012 Redução do SELIC
Fonte: Ministério da Fazenda.

De fato, segundo o governo, a “letargia dos países ricos” começava a


afetar os “emergentes”, em um cenário internacional mais nitidamente
hostil. O saldo comercial brasileiro caía. Somaria apenas 19 bilhões até o
fim do ano. O investimento estrangeiro líquido no Brasil também caía em
relação ao ano anterior. O investimento em carteira somaria apenas oito
bilhões no ano. A acumulação de reservas pelo Bacen estancou em mea-
dos do ano. O ambiente não só global, mas doméstico, ao longo de 2012,
começava a mudar com certa nitidez para as próprias autoridades. Elas de
fato notaram as mudanças e permitiram a continuidade do relaxamento
das condições fiscais, com progressiva queda do superávit primário e di-
minuição das exigências de encaixes junto ao Bacen. Neste sentido, a pro-
messa de Mantega de manutenção de “solidez fiscal” do governo não se
cumpria totalmente, pois o superávit primário caminhava de aproximados
3% do PIB para 2% ao longo do segundo semestre; o resultado anual de
2012 foi de 1,8% do PIB (0,3% a menos que 2011).

79
A nota à imprensa da reunião 168 do Copom, de julho de 2012, foi a
seguinte: “O Copom considera que, neste momento, permanecem limita-
dos os riscos para a trajetória da inflação. O Comitê nota ainda que, até
agora, dada a fragilidade da economia global, a contribuição do setor ex-
terno tem sido desinflacionária. Diante disso, dando seguimento ao pro-
cesso de ajuste das condições monetárias, o Copom decidiu, por unanimi-
dade, reduzir a taxa Selic para 8,00% a.a., sem viés.”
A hostilidade internacional fazia-se notar nas contas externas. O saldo
negativo da conta corrente do balanço de pagamentos despencava depois
de outubro, somando 11 bilhões negativos em dezembro. A própria soma
dos resultados globais do balanço de pagamentos apresentava uma marca-
da queda agregada, começando-se o ano em dez bilhões positivos e fe-
chando-se em negativos quatro. A formação bruta de capital fixo, em ter-
mos de sua proporção ao PIB, atingira seu pico de 22% no terceiro trimes-
tre de 2010. No terceiro trimestre de 2012 era de 21%, com queda, assim,
de um ponto percentual, a expressar esgotamento do então ciclo de ascen-
são. De forma mais ou menos proporcional a tal estancamento, a taxa de
desemprego parou de cair. Na região metropolitana de São Paulo (que na
definição do IBGE, compreende o oculto, o precário e por alento), ela
atingira em janeiro de 2012 o menor valor para a série desde 1989 (9,6%),
começando então a subir, oscilando entre 10 e 11%.
Além da queda do superávit primário, diminuição dos juros e queda
dos compulsórios, o governo respondeu com medidas mais bruscas de
desoneração tributária. Mantega anunciou em abril a eliminação da contri-
buição previdenciária patronal (COFINS) de 20% sobre a folha de paga-
mentos e o aumento do PIS/COFINS nas importações, correspondente à
alíquota sobre o faturamento, dentre outras medidas. A redução da onera-
ção na folha de visava reduzir custos de produção e exportação, gerar mais
trabalho e formalizar a força de trabalho. O Tesouro iria cobrir as eventu-
ais perdas de arrecadação das contribuições para a Previdência. A tabela 2
mostra as desonerações por setor e os resultados estimados em perdas ao
fisco.
O IPI também foi reduzido para a linha branca (fogões, lavadoras,
móveis laminados, luminárias), até junho, com quedas nas alíquotas de
quatro a dez por cento. Era também reduzido o IPI para compras de bens
à reformulação de infraestrutura, se não houvesse similares nacionais.
Postergaram-se os prazos de pagamento dos mesmos tributos, do mês
subsequente ao fator gerador para o fim do ano de 2012. Autorizou-se o
setor privado a deduzir do imposto de renda as doações e patrocínios “em favor
80
de entidades associativas ou fundacionais dedicadas à pesquisa e tratamen-
to do câncer”; o impacto fiscal em 2013 seria de aproximados 305 milhões
de reais. A política de compras governamentais estabelecia “prioridade
para a aquisição de bens e serviços nacionais, com margem de preferência
de até 25%, sobre produtos importados”, em fármacos, biofármacos, re-
troescavadeiras e motoniveladoras. O governo anunciou também um au-
mento para o Programa de Financiamento à Exportação, destinando a ele
3,1 bilhões.

Tabela 3
Desonerações tributárias por setor e impactos fiscais estimados.
Setor Alíquota neutra Alíquota fixada Renúncia fiscal
(%) (%) (em milhões de
reais)
Têxtil 2,32 1 550
Confecções 2,32 1 385
Couro e calçados 3,28 1 632
Móveis 2,09 1 209
Plásticos 1,87 1 530
Material elétrico 1,88 1 372
Autopeças 2,19 1 1.130
Ônibus 1,72 1 77
Naval 4,59 1 145
Aéreo 2,83 1 225
Hotéis 4,18 2 216
Tecnologias Informação 3,35 2 1.171
Call center 3,15 2 312
Fonte: Ministério da Fazenda.

A receita federal foi instruída a operar com mais restrições nas alfân-
degas, “combatendo a concorrência predatória”. E o governo, dizia-se,
lutava para aprovar no Senado a resolução 72, que reduzia a alíquota do
ICMS estadual de bens importados. Por fim, o Plano Nacional de Banda
Larga buscava desonerar “IPI e PIS/COFINS sobre os equipamentos
nacionais e obras civis dos investimentos em infraestrutura de redes de
telecomunicações, com suporte a serviços de Internet em banda larga”,
buscando ampliar o acesso à rede em escala nacional e a produção domés-
tica em telecomunicações.
A renúncia fiscal em 2012 atingiria 461 milhões. Tais medidas eram
estendidas a matérias-primas de computadores portáteis, bem como semi-
condutores, com uma renúncia de 153 milhões. O Tesouro ainda aportaria
ao BNDES 45 bilhões, sob o Programa de Sustentação do Investimento,
81
favorecendo com taxas menores setores que apresentassem componentes
de inovação no processo produtivo, particularmente o setor automotivo e
bens de capital. O emplacamento de automóveis novos saiu de 13 mil
diários em maio de 2012 e chegou a 17 mil em junho, com elevação de IPI
para os importados.
Em 22 de Maio o Ministro Mantega afirmava ante à Comissão de As-
suntos Econômicos do Senado que “a austeridade fiscal desacompanhada
de políticas pró-crescimento tem se revelado ineficaz”. O Ministro falava
em manutenção das reservas, buscando deslocar a apreensão sobre o real.
Quanta desvalorização do real se poderia tolerar, afinal? A crise financeira
de 2012 parecia agravar os acontecimentos de 2009, agora na Europa. A
alta dos juros nos mercados privados agarrara o governo da Grécia em
cheio, que, impedido de acessar a liquidez do Banco Central Europeu,
vivia crise fiscal e social (desemprego em alta, aumento do índice de suicí-
dios e crise do “Estado de Bem-Estar” residual grego, chegando à falta de
merenda nas escolas).
O governo brasileiro também enfrentava seus problemas e buscava
respostas retórico-conceituais que definissem sua postura. Neste contexto
o Ministério da Fazenda cunhou a expressão “Nova Matriz Macroeconô-
mica”. Isto foi anunciado no início de julho num seminário à FIESP. Seri-
am seus componentes: juros e spreads menores; real mais competitivo; sim-
plificação e desburocratização; estímulos ao investimento e mercado inter-
no. O real iniciava certa desvalorização. Mantega passou a prever um “au-
mento da competitividade”, mas este otimismo escondia um outro pro-
blema. O governo sabia que o aumento da competitividade dependia de
um real a desvalorizar-se, mas que isto, por sua vez, impactaria na inflação.
Em tempo: até quando se poderia elogiar a desvalorização em curso sem
que o rebote sobre o custo das importações e sobre os preços internos
maculasse o próprio otimismo? Para além do discurso oficial, colocava-se
o problema: até quanto poderia chegar uma desvalorização “ideal”? De
fato, o discurso do governo atuou todo o tempo reclamando da “guerra
cambial”, mas o problema tinha sido sempre o trade off com a inflação e a
exposição em dólar das empresas. A mesma “guerra cambial” era o alívio
do balanço de pagamentos por meio da atração de capital e manutenção
de um câmbio sobreapreciado a tangenciar uma inflação de variados com-
ponentes. Por isto, de fato, tolerava-se o câmbio sobreapreciado: a inflação
era uma fonte de descontentamento muito mais agressiva do que a perda
da produção doméstica (mais ou menos tolerável na sucessão de curtos
prazos). A inflação atingia a todos. Porém, um, dois, três, mil operários a
82
mais da produção fabril desempregados... O “pujante setor de serviços”
não se encarregaria deles?
Diante da FIESP, o governo adotava um discurso pró-corporativo.
Para a oposição de esquerda, ou mesmo para a esquerda que apoiava o
governo, esta era uma característica irritante dos membros da equipe eco-
nômica. Eles buscavam agradar demais o setor corporativo, inclusive ter-
minologicamente. Mantega, que anteriormente defendera uma tese sobre o
marxismo no Brasil na Universidade de São Paulo, mesmo defendendo
uma suposta posição novo-desenvolvimentista, enfatizava noções neoclás-
sicas (neoliberais...) que na verdade não pertenciam à visão explicativa de
mundo que o governo, ao menos publicamente, proclamava ter. Daí a
mescla entre a defesa do papel do Estado e do orçamento anti-cíclico jun-
to da defesa do regime de metas de inflação, do superávit primário, do
câmbio flexível, da liberdade à exportação de capital etc..
Nesta palestra à FIESP, Mantega elogiava o mercado de capitais e o
limite de valor para as aposentadorias e pensões da União segundo o teto
dos benefícios do INSS, estimulando o mercado de capitais. Sob as políti-
cas das bilionárias desonerações ao setor privado, eram assim definidos
“riscos fiscais”: o Plano Nacional de Educação, a estipular 10% do PIB
para a educação; a extinção do fator previdenciário (que reduzia os benefí-
cios de quem se aposentava antes dos sessenta anos); aumento salarial para
servidores públicos. O Ministro buscava aplacar a progressiva “perda de
confiança” e do “espírito animal”.
Verdade seja dita, sabe-se que o discurso do governo não era total-
mente improcedente. Havia então ainda fundamentos para um otimismo a
partir da “Nova Matriz Macroeconômica”. A Petrobras anunciava 236
bilhões de dólares em investimentos entre 2012 e 2016, prevendo-se “au-
tonomia energética” em petróleo para o país. O governo anunciava redu-
ção das tarifas de energia, a partir de 2013, somando uma média de 20%,
com custos adicionais para o Tesouro. Anunciava também concessões
tributárias adicionais de 6,8 bilhões para “depreciação acelerada de capital”
e a retirada da CIDE sobre a gasolina. A Previdência Social diminuía pro-
gressivamente seu “déficit”, chegando a 0,9% do PIB naquele ano. O
comportamento da dívida líquida do setor público (governos federal, esta-
duais e municipais, Banco Central, Previdência Social e empresas públicas)
e em particular da dívida líquida do Tesouro Nacional continuavam sua
trajetória de queda iniciada em 2002. Esta última (dívida líquida do Tesou-
ro) estando em 2012 em 21% do PIB; a primeira (setor público), em 35%
aproximadamente.
83
Tabela 4
“Nova matriz macroeconômica”.
“Nova matriz macroeconômica”
Juros baixos
Controle da inflação
Câmbio flutuante e competitivo
Política fiscal anti-cíclica
Desoneração e redução de tributos
Fonte: Ministério da Fazenda.

Naquele ano de 2012, Fernando Lugo sofreu controvertido impedi-


mento no Paraguai em 18 de junho. A diplomacia brasileira não fez ne-
nhum grande esforço físico por manter Lugo na cadeira de presidente.
Muitas ligações telefônicas, certa pressão, ameaças e barganha, e nada mais,
para manter o rito formal da democracia agora quebrado. Ninguém imagi-
nava que o ocorrido poderia ter sido lido como um agouro ruim no Brasil,
num clima de reedição do desrespeito histórico à democracia típico da
área... Lugo havia sofrido “impedimento” em poucas horas, num julga-
mento relâmpago pelo Congresso. A diplomacia brasileira inclusive co-
memorou a temporariamente exclusão do Paraguai do Mercosul como
uma vitória institucional, votando-se às pressas a entrada da Venezuela no
bloco, o que estava sendo obstado pelo Congresso do Paraguai. Na Síria,
em 17 de setembro, mais de 300 pessoas morriam no conflito entre as
forças rebeldes, alimentadas com armas da OTAN, e as forças oficiais:
somando-se 37 mil mortos desde o início da assim chamada “Primavera
Árabe”. Hugo Chávez era reeleito na Venezuela, pela terceira vez, com
54% dos votos. No Congresso, a bancada ruralista minava o Código Flo-
restal e impunha menos restrições ao desmatamento. O furacão Sandy
causava cem mortes e deixava sem luz partes dos Estados Unidos; pouco
depois o presidente Obama e seu vice Mitt Romney eram reeleitos pelo
Partido Democrata.
Os homicídios dolosos aumentavam em 92% na capital de São Paulo,
que registrava no fim de agosto seu 39º incêndio em áreas de moradia
precária, desta vez na favela Moinho, com um morto e 300 desabrigados.
O índice de Gini apresentava melhora real de 0,003, refletindo um misto
de baixo crescimento mas ainda relativamente baixo desemprego oficial-
mente registrado, salário mínimo em pequena valorização e a própria que-
da do crescimento demográfico. O número, porém, era reconhecidamente
desprezível. Como estariam os níveis de criminalidade e insatisfação se a

84
taxa de entrada no mercado de trabalho dos jovens não estivesse declinan-
do?
O PIB anual somaria 1,92% de variação quanto a 2011, do qual des-
contava-se o crescimento aproximado da população de 0,89%. A agricul-
tura e a indústria, porém, regrediram, com -3,08% e -0,74% de variações
reais. O crescimento tinha sido puxado pelo setor de serviços, com 2,91%,
e o país sofria os efeitos da crise global no setor de exportações. Em níveis
reais, computados os diferenciais de inflação, a taxa de câmbio real/dólar
em dezembro estava nos níveis de 1997, quando o país ainda aplicava
nominalmente a política da âncora cambial.

4.3. O ano de 2013: agitação nas ruas

O acumulado das duas taxas de crescimento entre 2011 e 2012 não era,
até então, visto como totalmente ruim (3,91% + 1,92% = 5,83%). Em 2013
não haveria eleições. A inflação ultrapassara o centro da meta de 4,5%. O
governo então optaria por uma moderação dos instrumentos monetários a
seu dispor, aguardando um efeito sobre o produto interno bruto das deso-
nerações até então em curso.
Na primeira reunião do COPOM em 2013, a 172ª, decidiu-se manter
congelada a taxa do SELIC: “Considerando o balanço de riscos para a
inflação, que apresentou piora no curto prazo, a recuperação da atividade
doméstica, menos intensa do que o esperado, e a complexidade que ainda
envolve o ambiente internacional, o Comitê entende que a estabilidade das
condições monetárias por um período de tempo suficientemente prolon-
gado é a estratégia mais adequada para garantir a convergência da inflação
para a meta.”
O mesmo foi repetido em março. Em abril, o panorama traçado pelo
COPOM e comunicado à imprensa foi o seguinte: “O Comitê avalia que o
nível elevado da inflação e a dispersão de aumentos de preços, entre outros
fatores, contribuem para que a inflação mostre resistência e ensejam uma
resposta da política monetária. Por outro lado, o Copom pondera que
incertezas internas e, principalmente, externas cercam o cenário prospecti-
vo para a inflação e recomendam que a política monetária seja administra-
da com cautela.”
Assim, ao longo do ano foi se dando inversão da trajetória de queda
da taxa SELIC verificada desde outubro de 2011. A taxa do SELIC, saindo
de 0,5% ao mês em janeiro, chegaria a 0,8% ao mês em dezembro. O nível
dos compulsórios junto ao Bacen igualmente foi elevado, atingindo 386
85
bilhões de reais ao fim do ano. A anterior queda da dívida líquida do go-
verno central (incluindo a externa) estancara no primeiro semestre, apre-
sentando depois nova queda na segunda metade do ano. Por quê? O
BNDES, a Caixa Econômica e o Banco do Brasil contribuíram com divi-
dendos à União. O saldo das operações do Bacen também favorável, se-
guindo compras de LFT’s e LTN’s no mercado secundário (a Constituição
de 1988 proibia compra direta de papéis do Tesouro e funções de fomen-
to, mas não a compra no mercado secundário). O Banco Central elevou
substancialmente suas disponibilidades em moeda estrangeira (90% na
forma de papéis do Tesouro estadunidense).
Por outro lado, a arrecadação via CIDE praticamente fora zerada de-
pois de agosto de 2012. A arrecadação do IPI sobre automóveis caíra tam-
bém, a aproximados um terço dos valores previamente arrecadados desde
maio do ano de 2012. O recolhimento de IPI vinculado à importação não
diminuiu mas estancou. A COFINS igualmente estancava entre 15 e 17
bilhões. Enquanto isto, o agregado monetário M1 perfazia a mesma traje-
tória em termos do PIB vinda dos anos anteriores. A conta corrente do
balanço de pagamentos apresentaria resultados claramente mais negativos,
com os resultados da balança comercial em nítido estresse, à luz dos anos
anteriores. A porcentagem do comércio mundial abarcada pelas exporta-
ções brasileiras caía desde 2011, chegando a 1,32%, tendo alcançado o pico
de 1,4% em 2011. Tudo isto seria compensado por uma grande quantida-
de de investimento estrangeiro, 64 bilhões ao longo do ano, e mais 25
bilhões de investimento em carteira, com a dívida externa líquida atingindo
o pico da série histórica, de negativos 94 bilhões. Isto é, o país nunca acu-
mulara tantos haveres contra o exterior. Desde 2007 a capacidade líquida
de financiamento da economia era negativa, com a formação bruta de
capital fixo superando a poupança agregada mais o saldo líquido de envio e
recebimento de capital do exterior (incluindo também a variação de esto-
ques –ver anexo).
Mantega, no Encontro Nacional de Novos Prefeitos e Prefeitas em
Brasília, no dia trinta de janeiro afirmava (corretamente) que o crescimento
do PIB superaria o do ano anterior. Citou a mediana do relatório Focus,
que previa 3,1% para 2013; o FMI projetara 3,5% e as “projeções de mer-
cado” 4%. Com efeito, os resultados oficiais das contas nacionais trimes-
trais do IBGE permitiam ver que a formação bruta de capital fixo, incluin-
do residências, apresentava desde fins de 2012 uma queda progressiva para
baixo dos 20% do PIB. Ao Ministro Mantega, porém, cabia também de-
sempenhar este papel comum aos Ministros de Economia, de buscar, por
86
declarações otimistas, não afetar os “espíritos animais”, evitando mais pes-
simismo. Isto era inevitável num mundo de decisões de investimento que
dependiam, em primeiro lugar, do setor corporativo transnacionalizado e
do estado da economia mundial, ao qual o Brasil estava atrelado na condi-
ção de, em primeiro lugar, economia dependente e primário-exportadora.
A taxa de formação bruta de capital correspondente ao setor público co-
mo um todo (empresas da união, estaduais e municipais, junto dos gastos
do próprio governo) formava 4% do PIB em 2012. Assim, os aproxima-
damente 15% restantes cabiam a empresas e famílias (Ministério da Fa-
zenda, 2013, p. 12).
O Ministro da Fazenda afirmara que a economia norte-americana se
recuperaria, bem como a europeia e a chinesa. O comércio mundial, se-
gundo o FMI, crescera apenas 0,7% em 2012, contra 17% em 2011 e 19%
em 2010. Para 2013 esperava-se 3,9%. Mantega afirmou que a política
“anti-cíclica” não iria mudar, anunciando a mudança do indicador da dívi-
da municipal: seria adotado o menor índice entre a SELIC e o IPCA adici-
onado de 4%. Afirmou também que a inflação iria cair abaixo de 5,8%, o
que não se verificou, somando 5,91%. Mantega afirmava que o desempre-
go brasileiro (calculado em 4,9%) era menor que o norte-americano (7,7%)
e europeu (11,8%). A comparação sugeria que uma parte maior da força
de trabalho brasileira estava empregada em setores mais ou menos moder-
nos com uma relativamente alta produtividade do trabalho advinda do uso
de algum capital digno deste nome, comparativamente aos Estados Uni-
dos e Europa. A definição de “subdesenvolvimento”, a de uma condição
na qual há um excedente estrutural de trabalhadores com relação à capaci-
dade instalada industrial e de serviços, que Mantega conhecia, estava ob-
nubilada. Por que, afinal, a taxa de desemprego no Brasil era mais “baixa”?
Será que a metodologia era adequada? Será que o que se considerava “em-
prego” era realmente “emprego”, num sentido moderno? Por que o Brasil
tinha uma população economicamente ativa superior à alemã e apenas
uma fração de seu produto interno bruto?
Mantega, no encontro de prefeitos, enfatizou novamente os funda-
mentos da “Nova Matriz Macroeconômica”. Juros baixos, controle dos
preços, câmbio “competitivo” e flutuante, desoneração e redução de tribu-
tos (folha salarial, reforma do ICMS, IPI, PIS/Cofins). Que somaram, em
2012, 45 bilhões, ou 3% da arrecadação total do governo, que fora a um
trilhão e 253 bilhões em 2012. Mantega prometera a manutenção dos in-
vestimentos diretos ou indiretos pelo Estado, via PAC, concessões em
infraestrutura, nova legislação de parcerias público-privadas e concessões
87
na exploração do petróleo. A conta de luz seria reduzia em 18% para famí-
lias e 32% para empresas –o que era de certa forma surpreendente, devido
ao estresse hídrico em que já estavam entrando partes do Brasil, com au-
mento do custo do megawatt nas hidrelétricas; além das deficiências na
operação do sistema elétrico brasileiro não sanadas (ver Sauer e Rosa,
2003). Isto seria muito criticado depois, como uma decisão eleitoreira por
parte de Dilma. O país estaria logo depois fazendo uso intensivo da ener-
gia termelétrica pouco depois, muito mais cara e poluente, com uma forte
atualização corretiva dos preços em 2014, depois das eleições.
O documento Infrastructure in Brazil, projects, financing instruments and op-
portunities, de autoria do Ministério da Fazenda (2013) e distribuído a inves-
tidores internacionais em Nova York no fim de março, resumia otimista-
mente a trajetória da economia brasileira até ali, apresentando os resultados
que já apresentamos. Todavia, quanto ao câmbio, afirmava:

“The enormous expansion of the monetary base conducted by the


Central Banks of advanced economies since 2008 raised the risk of en-
couraging excessive flows of capital towards emerging countries, as
warned by the International Monetary Fund and other multilateral
bodies. The Brazilian foreign exchange regime is a floating one, but the
Government is dedicated to preventing that the exchange rate may
fluctuate in artificial levels which, in the medium term, could bring im-
balances to the external sector of the economy” (Ministério da Fazen-
da, 2013, p.27).

Em tempo: a taxa de câmbio efetiva do real com relação ao dólar con-


tinuava num patamar próximo ao de 1995, segundo a metodologia do Ban-
co Central (ver anexo). A Secex informava que, do total de importações
brasileiras em 2014, 80% eram de produtos manufaturados. O que isto tra-
duzia? Que a política cambial baseada em elevações do IOF não era sufici-
ente para conter a sobreapreciação.
Em fevereiro em Nova York, o Ministério da Fazenda esforçava-se
por fazer um balanço positivo de toda a obra econômica do governo, des-
de 2003 com Lula. Em abril a medida provisória número 612 anunciava
novas desonerações sobre a folha de pagamentos, para novos setores
(Transportes, Comunicação Social, Indústria de Defesa, Empresas de
Construção e de Obras de Infraestrutura, Serviços de Arquitetura e Enge-
nharia e Serviços de Manutenção e Instalação, Máquinas e Equipamentos).
O objetivo envolvia: redução do custo de produção e exportação; redução
do preço dos bens e serviços para o consumidor (redução da inflação);
aumento da competitividade dos produtos brasileiros; geração de mais
88
empregos; formalização da mão de obra; expansão maior do PIB. O custo
ao Tesouro somariam 4,5 bilhões. Neste contexto, vivia-se grande expecta-
tiva de que o Fed revertesse sua política de aumento da base monetária e
juros quase negativos; isto poderia provocar um “tsunami cambial ao con-
trário”, e fazer derreter várias moedas periféricas. A variação da atividade
industrial chinesa estava quase na metade do que fora em 2011, segundo a
agência Bloomberg.
No meio do ano, em junho, o Brasil foi subitamente tomado por
manifestações que, de tão gigantescas, perderam rapidamente o vínculo
com sua causa original. Esta causa fora o tratamento dado pela Polícia
Militar no centro de São Paulo a uma manifestação de estudantes pelo
passe livre estudantil. Isto foi numa quinta-feira de junho, dia 13. Para a
segunda-feira subsequente, organizou-se uma manifestação de resposta
pelo direito de manifestar-se. Ela reuniria, porém, um grupo muito maior e
mais variado de manifestantes, em escala talvez inédita, evento possibilita-
do pelas trocas de mensagem e organização prévia mediante as mídias
sociais, ao longo daqueles três dias.
A manifestação em São Paulo, que começara no Largo da Batata, re-
gião oeste da cidade, terminou por impulsionar outras pelo Brasil. Brasília
fora tomada por milhares pelas ruas, e prédios públicos danificados. O
Brasil entrara subitamente num estado de agitação popular difusa mas
massiva, na maioria das vezes mal organizada ou espontânea. A oposição a
Dilma logo se aproveitou da situação, engrossando o movimento. Deu-se
então uma mistura pelas ruas entre demandas e palavras de ordem à es-
querda e direita do espectro político. Misturaram-se indivíduos abraçados à
bandeira do país a defender o fim dos partidos políticos e manifestantes
contrários ao aumento da passagem no transporte público. Os recursos
públicos destinados à Copa do Mundo a ser realizada em 2014 também
foram alvo de protestos. Estes dois tipos de massas logo perceberiam que
estavam dizendo coisas diferentes e não voltariam a compor uma mescla
pelas ruas. Sua polarização só aumentaria na medida em que o PIB decli-
nasse e Dilma fosse reeleita em 2014.
O governo tolerou sem repressão aquilo que parecia ser quase uma in-
surreição popular. Dilma foi à televisão, fez um discurso morno, e tratou os
manifestantes sem hostilidade. Houve quem pensasse que o status quo esti-
vesse ameaçado. Ele não o fora, mas o governo foi posto sob intensa pres-
são a partir de então. Subitamente, a presidenta e seu partido pareciam os
responsáveis por todos os problemas do país, da educação à corrupção.

89
Em agosto, o Minifaz reconhecia que as manifestações “aumentaram a
incerteza”. O índice Bovespa caíra desde 2011 e trazia para baixo o “efeito
renda” do aumento das cotações. Isto ocorreu sem interrupção significativa
desde 2011. Não havia razões para pessimismo, porém. A Europa e a China
se recuperariam. A Petrobras realizava mais uma (controvertida por vários
motivos) licitação de petróleo e gás. O governo buscava mostrar que as
manifestações não haviam impactado no fluxo de capitais. Vieram medidas
novas: retirada do IOF sobre operações cambiais; leilões de swap cambial e
novas linhas de liquidez em dólar; novos leilões com títulos do Tesouro;
corte adicional de 10 bilhões em despesas correntes; e não prorrogação dos
aumentos das tarifas de importação a partir de setembro. Quanto aos swaps
cambiais, o Banco Central assim descreveu suas razões:
“A partir de maio [de 2013], o aumento da aversão ao risco e da volati-
lidade nos mercados financeiros, em cenário de incertezas quanto à an-
tecipação da redução dos estímulos monetários pelo Federal Reserve
(Fed), se traduziu em apreciação vigorosa do dólar dos EUA em rela-
ção às moedas de importantes economias emergentes. Nesse ambien-
te, o Banco Central anunciou, pelo Comunicado nº 24.370, de 22 de
agosto, o programa de oferta diária de liquidez no mercado de câmbio.
O programa, em vigor a partir de 23 de agosto e com duração origi-
nalmente prevista até, pelo menos, 31 de dezembro de 2013, introdu-
ziu leilões diários de swap todas as segundas, terças, quartas e quintas-
feiras, com oferta de US$500 milhões por dia, e leilão de venda de mo-
eda com compromisso de recompra às sextas-feiras, com ofertas de
US$1 bilhão por semana. Adicionalmente, previa a realização, caso o
Banco Central julgasse necessário, de operações adicionais para prover
proteção cambial aos agentes econômicos e liquidez ao mercado de
câmbio. Nesse cenário, a posição líquida do Banco Central em contra-
tos de swap cambial passou de zerada, ao final de maio, para US$75,1
bilhões (em valor nocional), ao final de 2013” (Banco Central, 2013,
p.77).

A autoproclamada “necessidade de proteção cambial” (“hedge”)


por parte das empresas operando no Brasil, diante de uma involução da
política monetária nos Estados Unidos, levaria o Banco Central a elevar, a
partir de suas reservas, a liquidez no mercado cambial, à base de 200 mi-
lhões de dólares ao dia, a partir de agosto. O custo passado de captação e
acumulação destas reservas era dado pela taxa do SELIC, já que o governo
emitia dívida para adquirir divisas; tais custos deveriam ser confrontados
com os juros pagos pelos Treasury Bonds, levando-se, evidentemente, a per-
das líquidas, sob esta óptica (porém, destes custos deveria ser descontada a
estabilidade cambial oriunda da acumulação de divisas). No caso dos swaps,
90
a cada vez que o dólar se valorizasse, o Bacen acumularia perdas. Os ga-
nhos das operações residiriam numa menor flutuação cambial e redução
da incerteza. Em 2014, estas perdas somariam 17 bilhões de reais ao Bacen
e aumentariam ao longo de 2015. Ao mesmo tempo, tais operações ajuda-
vam a conter uma desvalorização maior do real. Isto garantia o “hedge”
daqueles endividados em dólar, mas ajudava a manter um câmbio “desali-
nhado”, com os contratos derivativos sendo lastreados numa quantidade
determinada de dólares colocada pelo Banco Central.
Na segunda metade do ano, o governo agora enfatizava que a nova
fonte de crescimento seriam as inversões em infraestrutura com um amplo
programa de concessões a garantir “alta lucratividade” e “previsibilidade de
contratos”. Tarifas remuneradoras e corrigidas pela inflação, ausência virtual
de concorrência depois do leilão, crédito público subsidiado: seriam satisfa-
tórias as condições para um capital privado com “alta preferência pela liqui-
dez”. O enorme campo de Libra estava incluído entre as concessões, sob a
perspectiva de um preço do barril de petróleo em alta, e assim a viabilidade
do petróleo caro do Pré-Sal. Especialistas com visão estratégica pergunta-
vam: valeria a pena passar a explorar o Pré-Sal de forma compartilhada com
as empresas internacionais, com um pequeno bônus para a entrada e leilão,
quando se sabia que o petróleo barato estava por acabar em três ou quatro
décadas? Quando se sabia que, com um volume de recursos desta monta, a
Petrobras poderia capitalizar-se sem grandes óbices? Era legítimo leiloar a
empreendimentos privados tamanha quantidade de recursos que, natural-
mente, pertenciam à União? Era promissor um caminho nacional de expor-
tação líquida de petróleo, ou isto iria agravar a “doença holandesa”? Especia-
listas como Ildo Sauer denunciavam o favorecimento ilegal nos leilões do
pré-Sal dado à Eike Batista por membros do governo e funcionários saídos
da Petrobras (Sauer, 2011).20 Em suma, o debate técnico escondia questões
muito problemáticas. O governo via, porém, o Pré-Sal como uma fonte
adicional de recursos tributários e de acomodação com os grandes grupos, o
que evitaria a desagradável e não cogitada luta de classes em torno de uma
tributação mais igualitária e uma administração soberana e planificada dos
recursos naturais brasileiros.
Ao longo do ano, o governo enfrentava também a batalha pela alte-
ração da legislação do ICMS. Havia 27 tipos de legislação estaduais. O go-
verno conseguiu passar a alíquota interestadual de 4% para produtos impor-
tados (Resolução 13/2012). O novo modelo de ICMS visava reduzir as

20. Ver também a entrevista de Ildo Sauer no Programa “Brasilianas”, da TV Brasil, em 29.10.2013.
91
alíquotas entre estados, com a criação de um fundo de desenvolvimento
regional como substituto da guerra fiscal e instrumento de atração de empre-
sas. O governo também buscava substituir o chamado Regime Tributário
Transitório, dada a “incompatibilidade da Legislação Tributária antiga com
os novos critérios contábeis adotados no Brasil, revelando a precariedade do
regime transitório de tributação”, tal como exposto pelo Secretário da Recei-
ta Federal, Carlos Barreto, em palestra no dia 16 de outubro.

Tabela 5
Governo Federal. Programa de concessões em infraestrutura para 2013.
Rodovias 9 lotes
Ferrovias 12 trechos
Portos 160 arrendamentos
Aeroportos Galeão e Confins
Geração de energia elétrica Eólica, hídrica e térmica
Transmissão de energia elétrica 40 lotes + Belo Monte
Petróleo Campo de Libra + partilha de produção
Fonte: Ministério da Fazenda.

O crescimento do PIB atingiria 3,01%, trazido por um forte cresci-


mento da agricultura, que obteve sozinha 8,36% de variação real. Os servi-
ços cresceram 2,75% e a indústria novamente ficou atrás dos outros dois
setores, com 2,21%. O superávit primário do governo central seria ainda
menor do que o de 2012, com 1,4% de variação do PIB. O governo cen-
tral imprimira, então, uma diminuição progressiva de sua poupança primá-
ria, ainda que particularmente o Tesouro Nacional tivesse aumentando sua
poupança desde 2011. Como mencionado, desde meados do ano o Co-
pom elevara os juros do SELIC e os compulsórios do sistema financeiro
junto ao Bacen. O COPOM passara toda a segunda metade do ano de
2013 repetindo o mesmo diagnóstico sobre a economia, praticamente igual
em muitos trechos. Em especial, corroborava-se a política da Fazenda,
afirmando que “o cenário central também contempla expansão moderada
do crédito. Ainda sobre esse mercado, o Comitê considera oportunas ini-
ciativas no sentido de moderar concessões de subsídios por intermédio de
operações de crédito” (179ª reunião, dezembro). Esta sentença, bem como
outras, foi repetida ipsis litteris entre maio e novembro.

4.4. 2014: déficit primário

No começo do ano, ocorria “apagão” em onze estados, desmentindo o


então Ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, que dissera que o risco
92
era mínimo. Um rojão matava um cinegrafista no centro do Rio de Janeiro,
que cobria protestos por aumento do preço da passagem de ônibus. José
Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares eram condenados pelo Supremo
Tribunal Federal pelo chamado “crime do mensalão”, em controverso jul-
gamento do Supremo Tribunal Federal. Em março, ex-executivos da Petro-
bras e políticos, incluindo da base aliada e do governo, eram acusados de
desviar dinheiro da empresa, via licitações fraudulentas, tanto para fins pri-
vados como para arrecadação de “caixa dois”. Começava a intitulada “Ope-
ração Lava a Jato”, que consistiria em várias etapas e na prisão de vários
executivos importantes, particularmente da construção civil. Junto de outras
operações da Polícia Federal, esquemas de corrupção, pagamentos indevidos
e contas no exterior iam sendo expostos na mídia, estressando também o
governo, já que membros dele estavam envolvidos. Ali ainda não se tinha
ainda consciência das consequências que atuação conjunta da Polícia Federal
e do Judiciário teria para a governabilidade de Dilma.
Em 2014, a taxa do SELIC continuaria subindo. As dificuldades prá-
ticas de colocação de títulos oficiais, que puxavam para cima os juros pa-
gos pelo governo, podiam ser notadas nas ofertas de títulos do governo no
mercado. Veja-se por exemplo as ofertas de Notas do Tesouro Nacional
(NTN-B) com taxas pós-fixadas do dia 14 de janeiro, abaixo relacionadas.
O Bacen ofertou inicialmente duas vezes um lote de quinhentas mil NTB-
B, com uma quantidade aceita bastante abaixo da ofertada. Entre a primei-
ra e a segunda operação, a taxa média de juros foi elevada de 6,23 a 6,48%.
O Bacen então diminuiu a oferta para trezentos mil títulos, com uma taxa
a 6,59%; a proporção aceita subiu para quase 50%. Nesta terceira oferta, os
prazos foram bastante estendidos (6056 dias). Seguiu-se outra oferta, com
nova queda na aceitação, mesmo com incremento da taxa paga e prazo.
Para um prazo de mais de treze mil dias, e nova elevação da taxa a 6,67%,
107 mil notas foram aceitas. Segue-se uma oferta sem nenhuma compra,
uma outra com apenas 2.800, e uma nova oferta sem compradores. No
fim das operações, a taxa média a pagar-se estava a 6,71% e o prazo a
13.361 dias.
Acusava-se Mantega de pouca autonomia e de seguir estritamente a
linha definida por Dilma. Teria convicção na linha adotada até ali? Inde-
pendentemente disto, ele era a voz econômica do governo e tinha que
defender as medidas que encabeçava como ministro. Mas tal defesa se
mostrou progressivamente mais complexa na medida em que os “funda-
mentos fiscais” que defendera nos anos anteriores foram sendo abando-
nados, naquele ano de disputa eleitoral acirrada com o PSDB. O superávit
93
fiscal do governo central caía, mas, com juros maiores, futuramente esta
despoupança seria mais cara.

Tabela 6
Brasil. Resultado de ofertas públicas de títulos. 14/01/2014.
Dia do Quantidade Quantidade Taxa Prazo
Título
comunicado ofertada aceita Média (dias)
NTB-B 13/01/2014 500.000 101.250 6,23 1.946
NTB-B 13/01/2014 500.000 187.550 6,48 3.407
NTB-B 13/01/2014 300.000 144.200 6,59 6.056
NTB-B 13/01/2014 300.000 48.450 6,60 9.709
NTB-B 13/01/2014 300.000 107.350 6,67 13.361
NTB-B 13/01/2014 - Nenhum aceito 7.790
NTB-B 13/01/2014 300.000 2.800 6,71 11.443
NTB-B 13/01/2014 - Nenhum aceito 6.056
NTB-B 13/01/2014 300.000 12.191 6,69 9.709
NTB-B 13/01/2014 300.000 82.000 6,71 13.361
Fonte: Banco Central – Departamento de Operações de Mercado Aberto.

Neste momento, o governo estava sob ataque e com popularidade


menor; e era governo há muitos anos, com apoio de apenas um terço do
eleitorado, ou menos. Dilma, por ser governo, por estar teoricamente à
esquerda, e por ser mulher, canalizava de forma particularmente espantosa
o descontentamento da burguesia alijada do aparelho do Executivo Naci-
onal, que certamente não tinha nela seu candidato preferido, bem como
dos frustrados economicamente, ambos os grupos indo cada vez mais à
direita. Seriam capazes de pautar uma parte importante das decisões do
governo no segundo governo de Dilma. Para piorar, boa parte das es-
querdas não acreditava mais no governo e seu discurso pró-corporativo e
acomodatício. Aécio Neves, o candidato do PSDB, lucrava com aquela
sensação de cansaço. Ainda mais tratando-se de um governo que não tinha
apoio da grande mídia e nem grande penetração popular, por mais concili-
adoras que fossem suas políticas. No Sudeste, Dilma era particularmente
hostilizada pela direita e pelas classes médias. Havia muitas denúncias de
enriquecimento ilícito, de membros do governo ou de aliados, com licita-
ções fraudulentas, particularmente na Petrobras. Havia a ressaca das mani-
festações. A expectativa de uma derrota de Dilma e do PT em outubro era
grande na oposição. “Não seria melhor perder?”, perguntava-se entre a
esquerda.
94
O governo havia respondido às manifestações com a criação do pro-
grama chamado de “Mais Médicos”, que previa a contratação de médicos
para as regiões mais pobres e distantes do Brasil, bem como na periferia
das grandes cidades. O programa não ameaçava realmente os interesses da
corporação de médicos no Brasil. As sucessivas chamadas para as inscri-
ções não foram preenchidas por médicos brasileiros, e o governo as com-
pletou com médicos estrangeiros, particularmente cubanos. Em sua che-
gada, estes foram hostilizados, em manifestações deploráveis de egoísmo
corporativo, chauvinismo e racismo: a imagem de um médico cubano
negro sendo hostilizado em sua chegada no aeroporto de Fortaleza difun-
diu-se pelo país. A medida da qualidade da chamada “opinião pública”
estava então sendo dada aí. Mesmo estas poucas e tímidas ações não-
antagonizantes –diante de um orçamento comprometido em primeiro
lugar com pagamento da dívida pública–, voltadas à saúde dos mais po-
bres, eram alvo de ataque, sob uma crescente impossibilidade de diálogo
racional na vida cotidiana. Tais médicos foram, de fato, deslocados a áreas
em que os jovens médicos brasileiros, formados nos grandes centros ur-
banos ou no exterior, nunca cogitaram em instalar-se.
Em 28 de março de 2014 o Ministro Mantega mais uma vez visitaria a
Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Faria a aula magna, justificando
as opções do governo. Falou na crise de 2008 como uma “crise inespera-
da”, que contrariou a previsão do FMI de 4,1% de crescimento para a
economia global. Aquilo que ele mesmo chamava de “economias emer-
gentes” vinha “aumentando sua participação no PIB global”; a China com
16% no PIB de 2014, e os outros, 35,2%. A crise de 2008 era a mais séria
desde 1929, mas devido à ação coordenada dos Bancos Centrais, fora di-
minuída em seus impactos. O Brasil teria tido uma das melhores performan-
ces ao longo do período, segundo a agência Bloomberg. Nos Estados Uni-
dos o setor de energia, com seus frackings e métodos similarmente poluen-
tes, e a retomada do mercado imobiliário, estavam a impulsionar o PIB; a
China realizava um “soft landing”; a zona do euro e Japão iniciavam em
“lenta recuperação”; os emergentes “ensaiavam retomada”. O Brasil havia
tomado medidas anti-cíclicas depois de 2008, explicando-se porque teria
tido uma das melhores atuações durante o período: política monetária
“moderadamente expansionista”; crédito aos bancos públicos; crédito
habitacional; redução de tributos; e investimentos na infraestrutura (PAC).
O Brasil, dizia uma, duas, muitas vezes, reduzira o desemprego durante a crise.
O Ministro fez um resumo do programa de concessões do governo.
Nove rodovias federais, com 7500 km, envolvendo 43 bilhões; concessões
95
de portos públicos e autorizações para novos privados, prevendo 57 bi-
lhões; em mobilidade urbana, as concessões chegariam a 81 bilhões; as
ferrovias em construção alcançariam 12.000 km; com petróleo e gás, hou-
vera três rodadas de concessões, com 80 bilhões a serem investidos para o
campo de Libra. Com os royalties do petróleo, os investimentos em educa-
ção alcançariam 10% do PIB. O Pronatec teria treinado oito milhões de
trabalhadores até o fim de 2014. O governo também se esforçava por
desenvolver o mercado de capitais, com autorização para criação de novos
instrumentos. A produtividade do agro de 2005 a 2014 ia sem interrupção
de 2,4 a 3,4%.
O principal objetivo da política econômica era “elevar o padrão de
população”, com aumento do PIB per capita, e consolidar o “Estado de
Bem-Estar” que o Brasil supostamente teria construído. Em abril o gover-
no anunciava o “fim da crise mundial” e o crescimento gradual da econo-
mia. O projeto de lei de diretrizes orçamentárias para 2015 previa reversão
dos estímulos econômicos e consolidação do orçamento. Previa um PIB
real de 3%, inflação de 5% e superávit primário de 2,50% do PIB para
2015. Os estímulos e desonerações iriam cair gradualmente. Os gastos
públicos seriam melhorados em sua qualidade. Neste momento, a dívida
do setor público e o superávit primário encontravam-se em níveis similares
aos do ano anterior. Mas os déficits na conta corrente do balanço de pa-
gamentos aprofundavam-se e o comércio exterior registrava progressiva
piora, rumando ao primeiro déficit desde o ano de 2000 (ver capítulo 6).
Os compulsórios cairiam depois de julho, mas de forma muito contida
(ver próximo capítulo). Ainda estavam num nível alto, em termos dos
últimos anos. O real continuava a desvalorizar-se, mas lentamente. As
necessidades de financiamento externo seriam positivas pelo segundo ano,
chegando a 28 bilhões; desde 2007 o país investia mais do que poupava.
Os investimentos em carteira também estavam baixando desde setembro.
Desde 2012 as reservas em dólar no Bacen mantinham-se estáveis. A partir
de agosto, a dívida bruta do governo central em termos do PIB passou a
acelerar.
Ainda em abril, Mantega, na apresentação do seminário da revista
Brasileiros, citou o World Economic Outlook do FMI (abril de 2014), que, se-
gundo ele, responsabilizava os impactos tardios da crise internacional a
partir de 2012 como os principais elementos a explicar a desaceleração
progressiva da economia brasileira. Argentina e União Europeia não ti-
nham bons desempenhos e as exportações nacionais eram mantidas sob
pressão. O governo, em cessão de terreno discursivo aos opositores, de-
96
fendia-se argumentando que não era “intervencionista”. Em maio, Mante-
ga, perante a Câmara dos Deputados, repetia o mesmo discurso acima já
delineado. Defendia que o Brasil tivesse o reconhecimento internacional e
“nota soberana BBB”, a fim de evitar maiores taxas de juros e assim con-
tornar o nunca aventado conflito distributivo com um maior imposto de
renda aos ricos. Assim definia o FMI a situação brasileira em abril de 2014,
no mesmo World Economic Outlook citado pelo Ministro: “Activity in Brazil
remains subdued. Demand is supported by the recent depreciation of the
real and stillbuoyant wage and consumption growth, but private invest-
ment continues to be weak, partly reflecting low business confidence”
(FMI, 2014, p.5)
Em junho o governo anunciava novas medidas para estimular o mer-
cado de capitais. Havia baixo número de empresas com capital aberto,
particularmente de pequeno e médio porte. Seria concedida isenção de
imposto de renda para empresas de porte médio, com valor de mercado
inferior a 700 milhões, que abrissem seu capital; buscava-se atrair investi-
mentos de pessoas físicas. O governo prorrogaria incentivos tributários
para emissão de debêntures de infraestrutura até 2020. Fundos negociados
em bolsa também teriam IR reduzido. Em junho anunciava-se também a
desoneração permanente da folha de pagamentos de 56 setores, com re-
núncia estimada em 23 bilhões (60% da contribuição patronal sobre
INSS). Restabelecia-se o programa Reintegra de forma também permanen-
te, reintegrando ao exportador 3% da receita auferida sobre exportação,
desde que respeitados limites máximos à utilização de insumos importados
na produção. O governo manteria zeradas as alíquotas de IPI sobre o setor
de construção e bens de capital. O Refis aceitaria parcelamento ou refinan-
ciamento de débitos tributários para com a União em até 180 meses. Re-
forçava-se o programa de compras do governo com margens de preferên-
cias para produção local, em vários setores.
Neste ínterim, os títulos soberanos do país eram rebaixados de BBB a
BBB- pela Standard and Poor’s. O sistema Cantareira passava a usar o “vo-
lume morto” em São Paulo, com denúncias de fornecimento de água com
metais pesados à população e distribuição desigual do racionamento entre
áreas periféricas e bairros melhor situados economicamente. A Copa do
Mundo no Brasil começara em 12 de junho, recebendo muitas críticas
pelas ruas, com o mote “Queremos saúde e educação padrão FIFA” e
“Copa pra quem?”. Na abertura do torneio, a Presidenta Dilma recebeu
uma vaia no estádio novo do Corinthians, transmitida a todo o país. O
Brasil, com um time apático, seria eliminado nas semifinais por sete a um
97
pela Alemanha, e ainda perderia a disputa pelo terceiro lugar por três a zero
para a Holanda.
Todos estes acontecimentos ricochetearam direta ou indiretamente so-
bre a Presidenta. Em tempo: à medida que transcorria o ano de 2014, a con-
juntura política e econômica foi recheando-se peculiarmente de característi-
cas instáveis. O IBGE divulgou a inflação acumulada de doze meses em
junho, de 6,25%. A operação Lava a Jato prendia executivos e políticos e
armava uma devassa sobre as contas da Petrobras, revelando licitações frau-
dulentas e desvios. Contratos eram cancelados, obras paralisadas, prejuízos à
Petrobras por licitações fraudulentas eram computados, empreiteiras cance-
lavam obras. A “opinião pública” era levada a julgar o governo incompeten-
te, junto da direção da Petrobras. Como parte da frustração social era com-
pensada na prisão de importantes executivos, a Polícia Federal (cuja atuação,
reconheça-se, Dilma liberara, com seu “espírito republicano”), era curiosa-
mente vista como honesta e politicamente isenta. Policiais de preto eram
exibidos diariamente pelos jornais prendendo algum “corrupto”, alimentan-
do a personalidade autoritária do cidadão comum e construindo diariamente
a aceitação de um progressivo estado de exceção. A queda do preço do bar-
ril do petróleo desde maio (ver anexo) pressionava para baixo o retorno das
operações no Pré-Sal que já ocorriam. Criava-se uma grande pressão sobre a
produção marginal de energia não-renovável de todo o mundo, aparente-
mente o objetivo da OPEP. México, Venezuela, Rússia, e inclusive Brasil e
Estados Unidos; toda a produção marginal, face ao Oriente Médio, viu cair
suas rentabilidades.
Em 2014, além de repassar aumentos de preços administrados, o go-
verno atrasou alguns repasses obrigatórios à Caixa, Banco do Brasil (parti-
cularmente referentes ao Plano Safra de 2015), e incorreria em déficit pri-
mário, algo inédito desde 2002. Este déficit era oriundo de uma arrecada-
ção menor do que a estimada inicialmente na lei de diretrizes orçamentá-
rias, bem como de uma política deliberada do governo, que mesclou re-
núncia fiscal e aumento de gastos. O governo fizera uma opção: buscava
diminuir a velocidade da retração da economia com diminuição da pou-
pança do governo geral. O sentido disto era claro para quem ocupava o
governo, mas mesmo declarados keynesianos agora reinterpretavam a
macroeconomia heterodoxa e definiam, em coro com liberais, o déficit
primário como “irresponsável”.
O problema do déficit primário não era exatamente econômico. É que
a situação fiscal do governo seria utilizada posteriormente pela oposição para
um pedido de impeachment, fundamentado em dois elementos: 1. atrasos de
98
repasses ao BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica (o que teria dimi-
nuído o verdadeiro tamanho do déficit fiscal, bem como traduzido ilegal
financiamento do Tesouro por tais bancos, segundo a LRF); 2. uso indevido
de créditos suplementares e extraordinários “não autorizados pelo Congres-
so”. Ambos, argumentar-se-ia, feriam a Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF) e concretizariam “crimes de responsabilidade” da Presidência.
O pedido de impedimento seria legitimado pela atitude inédita do
Tribunal de Contas da União (TCU) em 2014, que reprovaria as contas do
governo deste ano, alegando, em coro com a oposição, que o governo
teria incorrido indevidamente, segundo a lei de responsabilidade fiscal, em
“operações de crédito” junto aos mencionados bancos públicos, além de
não ter limitado o empenho à medida que se via que as previsões de arre-
cadação seriam frustradas (TCU, 2015, p.210). O exame do Tribunal de
Contas da União referente ao exercício de 2014 concluiria que o passivo
do governo teria sido subavaliado em 256 bilhões de reais, ou aproximados
14% da receita do governo central em 2014 (Tribunal de Contas, 2015, p.
896). Quantos aos atrasos de repasses, o Tribunal constataria “omissão de
passivos da União junto ao Banco do Brasil, ao BNDES e ao FGTS nas
estatísticas da dívida pública de 2014”, devido particularmente a:
“Adiantamentos concedidos pela Caixa Econômica Federal à União
para cobertura de despesas no âmbito dos programas Bolsa Família,
Seguro Desemprego e Abono Salarial nos exercícios de 2013 e 2014;
adiantamentos concedidos pelo FGTS à União para cobertura de des-
pesas no âmbito do Programa Minha Casa Minha; adiantamentos con-
cedidos pelo BNDES à União para cobertura de despesas no âmbito
do Programa de Sustentação do Investimento nos exercícios de 2010 a
2014; omissão de transações primárias deficitárias da União junto ao
Banco do Brasil, ao BNDES e ao FGTS nas estatísticas dos resultados
fiscais de 2014” (Tribunal de Contas da União, 2015, p.15).

De fato, tais tipos de operação não constituíam exceção no que se re-


fere à história dos orçamentos da União. A leitura dos pareceres anuais do
TCU deixa ver sempre manipulações fiscais diversas e a dificuldade em
obter uma contabilização exata das transações oficiais. O caso mais extre-
mo de extroversão nas contas do governo talvez tenha sido o do PROER,
na administração Cardoso, pelo qual o governo de Fernando Henrique
Cardoso interveio no mercado bancário, a título de evitar uma crise sistê-
mica. Naquela ocasião, o Tesouro Nacional proveu subitamente recursos
para os bancos que superaram ao longo do ano, por exemplo, toda a dota-
ção orçamentária para o Ministério da Saúde. Um dos ministros que assi-
99
nou o relatório de 1996 afirmou sobre o PROER: “Relativamente ao
PROER, criado pela Resolução n° 2.208/95 do Conselho Monetário Na-
cional e referendado pela Medida Provisória n° 1.179/95, registra o Rela-
tório que o Governo socorreu os bancos com o montante de R$ 14,9
bilhões, ou seja, mais do que todo o gasto executado no exercício de 1996
pela função saúde, que realizou despesa no montante de R$ 14,7 bilhões”
(Tribunal de Contas da União, 1997, p.544). Mesmo assim, ele votou a
favor da aprovação das contas do governo. Exemplos deste tipo abundam
nas avaliações do TCU.
Quanto ao tema do déficit primário, o relatório do TCU contém in-
consistências. É certo que o governo é parcialmente responsável por frus-
trar a meta de superávit estabelecida na lei orçamentária anual de 2014,
porque elevou suas despesas correntes. Porém, o próprio Tribunal de
Contas reconhece que a LOA (Lei Orçamentária Anual) de 2014 tinha
sido alterada, no fim do ano de 2014, em seu artigo terceiro, para permitir
que o governo abatesse do primário as despesas com o PAC e com as
desonerações tributárias, ambas em crescimento. O déficit fora autorizado
pela lei 13.053, de 15 de dezembro, que não especificou valores. Segundo a
lei:21
“A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso
Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º. A lei no 12.919,
de 24 de dezembro de 2013, passa a vigorar com as seguintes altera-
ções: ‘Art. 3º. A meta de resultado a que se refere o art. 2o poderá ser
reduzida até o montante das desonerações de tributos e dos gastos rela-
tivos ao Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, cujas pro-
gramações serão identificadas no projeto e na Lei Orçamentária de
2014 com o identificador de resultado primário previsto na alínea ‘c’ do
inciso II do § 4o do art. 7o desta lei. [...]’ (NR). Art. 2º. Esta lei entra em
vigor na data de sua publicação.”

À página 213, o próprio relatório do TCU afirma:


“Como também já ressaltado, a alteração do art. 3º da LDO [Lei de Dire-
trizes Orçamentárias] 2014 possibilitou que, da meta de resultado primá-
rio fixada, fossem deduzidas despesas orçamentárias referentes ao PAC e
às desonerações tributárias. Em decorrência, dos R$ 116,1 bilhões inici-
almente previstos [na LDO], foram descontados R$ 161,7 bilhões, redu-
zindo a meta de superávit para um déficit primário de até R$ 45,7 bilhões.

21. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-


2014/2014/Lei/L13053.htm> /.
100
Somente após essa redução é que se pôde considerar atingida a meta fis-
cal, com um excedente de R$ 23,2 bilhões.”

Ou seja, segundo o TCU, as despesas totais efetivas com PAC e desone-


rações foram abatidas do superávit primário, o que permitiu ao governo
incorrer em déficit primário de 116-161= -45 bilhões. O governo, porém,
fechou o ano com déficit primário de 23 bilhões, ou seja, acima da meta
autorizada pela lei de 15 de dezembro! O próprio parecer deste trecho, e a
aprovação da lei, serviria para macular a acusação de que o Executivo havia
incorrido em ilegalidade, demonstrando-se, diga-se de passagem, inconsis-
tências internas do Relatório do TCU. Se assim não fosse, o Legislativo,
que julgaria Dilma, também teria responsabilidade por autorizar o Executi-
vo a frustrar a meta da LDO no fim de 2014. Todavia, o TCU ignoraria a
própria autorização do governo para a obtenção de um déficit primário e o
condenaria por ter frustrado a meta fiscal estabelecida em 2013! Isto frisou
em várias oportunidades o então Advogado-Geral da União, José Eduardo
Cardozo. Quanto às operações de atrasos de repasses, Cardozo e o gover-
no argumentariam que, na prática, eram usuais na administração pública;
inclusive, alegou-se, eram de uso corrente dos governos estaduais à época.
A oposição, novamente, afirmava que eram ilegais, segundo a LRF, que
estabelecia que nenhuma entidade financeira oficial poderia financiar o
Tesouro Nacional. A defesa de José Eduardo Cardozo foi convincente no
sentido de que o governo estava coberto pela lei ou pelo menos pela práti-
ca consuetudinária. 22
Mas, para além destas inconsistências da parte dos acusadores, Dilma e
os quadros do governo, no afã de diminuir os impactos da desaceleração,
subestimaram as consequências políticas e psicológicas que as operações expan-
sivas fiscais e tributárias acarretariam. Neste caso, não importava se a frustra-
ção da LDO original de 2014 tivesse sido autorizada pelo Congresso em
dezembro, ou se os atrasos dos repasses aos bancos públicos fossem opera-
ções corriqueiras no nível da administração pública. A oposição local – ope-
rando sistematicamente operações de micropolítica em conluio com grupos
financiados desde o exterior- exploraria o que fosse possível para desestabili-
zar o governo. Por sua vez, Dilma, como Lula, em seu “republicanismo”,
não se preocupou em posicionar estrategicamente o governo nos centros de
poder mais importantes: o Supremo Tribunal Federal, a cúpula das Forças

22. Vários senadores, depois do impedimento em 2016, confessariam ao vivo, sem nenhum pudor,
que afinal Dilma não cometera crimes de responsabilidade, e que sua deposição se dera para que se
pudesse retomar a “governabilidade”!
101
Armadas, os centros de difusão de informação etc. Não faltavam cargos
para os aliados, mas tais cargos -Secretaria do Tesouro Nacional, IPEA,
empresas públicas etc. – eram “café pequeno”. Ou seja, o governo era acu-
sado pela direita de “aparelhamento” do Estado, mas de fato não o fazia
com eficiência, ficando só com o ônus político.
Depois de anos de crescimento e abafamento do conflito distributivo,
confiava-se na “solidez das instituições” brasileiras, “vivendo e deixando
viver”. Por exemplo, o canal público TV Brasil, ao longo da primeira gran-
de manifestação de junho de 2013, transmitia filmes do comediante Maz-
zaropi. Ministros chegavam a seus gabinetes às onze da manhã, terminan-
do às quatro seus expedientes. Leituras da Bíblia em grupo proliferavam
nos corredores dos Ministérios. Dilma chegou mesmo a comparecer à
inauguração do “Templo de Salomão” em 2014, do “Bispo” Edir Macedo,
numa derrota qualitativa vil de seus próprios princípios em favor do núme-
ro quantitativo de votos –que, viu-se, não são capazes, sem um trabalho
ideológico eficaz, de sustentar nas ruas um governo. Para piorar o quadro,
Dilma acumulava desavenças pessoais, oriundas do tratamento hostil que
conferia a certos desafetos, ou aos que lhe parecessem incompetentes.
Estas atitudes arrogantes e derrotistas para o campo que Dilma suposta-
mente representava são elementos que explicam, sem dúvida, outro tipo
de dificuldades que o governo tinha em seu dia-a-dia.
Em 2014, várias regiões viviam intenso estresse hídrico, em especial a
sudeste, com baixa no regime de chuvas. O governo paulista protelava via
Sabesp, de forma virtualmente suicida, um necessário rodízio mais severo
em São Paulo, já que buscava também (como Dilma) sua reeleição. O
governo paulista apostara numa melhoria do regime de chuvas em 2015 e
iniciou o rodízio meses depois das eleições, quando já era muito tarde. A
falta de água encarecia ou inviabilizava a produção agrícola em diversos
pontos do estado de São Paulo, desencadeando uma corrida privada por
abertura de poços artesianos. Enquanto os pequenos consumidores nos
bairros pobres ficavam dias sem água, a Sabesp incentivava o gasto dos
grandes produtores com redução tarifária mais que proporcional ao uso.
Não faltava água para o uso dos prédios de classe média e alta, seja por
política deliberada da Sabesp, seja pelo uso de poços privados, mas muitos
começaram a temer um risco explosivo de desabastecimento em 2015,
dada a situação sofrível dos reservatórios. O Exército fez simulações de
ocupação de tais reservatórios, preparando-se para a crise (El País, 27 de
Maio de 2015). O governo Alckmin apostava durante as eleições, contan-
do com uma eventual melhoria nos meses vindouros. Foi um movimento
102
arriscado e irresponsável. A maioria da população paulista, aparentemente
alheia a estes fatos, elegeria Alckmin.
Em agosto, o avião em que viajava o pré-candidato à presidência
Eduardo Campos (PSB) caía misteriosamente em Santos, matando-o.
Uma torcedora do Grêmio era flagrada ao vivo insultando de forma racista
jogador do time rival, Santos, numa partida em Porto Alegre. Uma onda
de ataques atribuída a traficantes de drogas em Santa Catarina incendiava
ônibus e atacava postos policiais. Em fins de agosto, alguns argumentavam
que o país entrava no que se definiu como “recessão técnica”, com dois
trimestres seguidos de queda no PIB. Em setembro, registrava-se o resul-
tado fiscal mais deficitário da história recente das finanças do governo
central, com um déficit primário de 20,39 bilhões.
Depois do período de campanhas eleitorais, nas quais tanto governo
como oposição foram em parte financiados com recursos de empresas
privadas, vieram as eleições. Esperava-se uma derrota do governo ou um
páreo duro. Dilma afinal seria eleita em segundo turno, em 26 de outubro,
por pequena margem (52% dos votos válidos, contra 48% de Aécio Ne-
ves). Nulos, brancos e abstenções somaram 29% do eleitorado, quase um
terço do total. Dilma não tinha, assim, apoio de quase dois terços do elei-
torado registrado total.
O governo continuou o ano culpando os efeitos da crise norte-
americana, europeia e da desaceleração chinesa, argumentando que “antes
da crise de 2008 a situação fiscal era sólida”. Defendeu que seu programa
“anticíclico” havia evitado uma queda ainda maior do produto. O Brasil
seria um país de “classe média”, a receber altos IEDs, com elevadas reser-
vas internacionais. Mirando a inflação e a permanência dos investimentos
em carteira, o governo levou o nível do SELIC a elevar-se atingir 0,9% em
dezembro de 2014, com impacto fiscal no pagamento de juros e na pró-
pria dívida pública. Juros maiores, desonerações, aumento dos gastos e
frustração de receitas: tudo isto conduziram então o governo a um déficit
primário em 2014 (o primeiro desde 1997) e ao aumento da dívida pública.
Ao longo do ano, a Comissão da Verdade identificava 377 criminosos
da ditadura militar, com o Clube Militar chamando o relatório como “cole-
ção de calúnias”. No fim do ano, Cuba e Estados Unidos iniciavam um
processo de restabelecimento de relações diplomáticas. O valor da taxa de
câmbio corrente do dólar chegava a 2,76 reais no início de dezembro. O
crescimento do PIB do ano somaria meros 0,1%, com a primeira queda
do PIB per capita (isto é, descontando-se a taxa de reprodução demográfica)
em muitos anos. A indústria regredia de novo: -0,91%; os serviços quase
103
estagnaram, com 0,36%; a agropecuária novamente crescia, a 2,0%. Po-
rém, no fim de 2013, esta última representava apenas 217 bilhões em valor
adicionado bruto para o total nacional de 4 trilhões e 203 bilhões, em valo-
res constantes. Não se podia esperar que o setor empurrasse sozinho o
PIB e a empregabilidade.
Como se comportaram ao longo de 2011 e 2014 as contas do gover-
no e a economia brasileira com um todo, em termos de valor setorial adi-
cionado ao PIB e estrutura de ocupação? Por que a desaceleração? Estes
são os problemas de investigação dos próximos dois capítulos.

104
5. As contas do governo

5.1. Introdução

Dilma Rousseff assumiu a Presidência da República em condições


atípicas à luz da história econômica do país. O desemprego oficialmente
registrado nas regiões metropolitanas pelo IBGE estava em seu menor
nível histórico, estimado a menos de 5%;23 a economia operava em condi-
ções de liquidez cambial, com a restrição do balanço de pagamentos ao
crescimento aparentemente anulada; o Banco Central não tinha mais o
monopólio de transações cambiais, com os exportadores podendo deixar
no exterior a totalidade das divisas obtidas com as exportações (Circular
número 3.605 do Banco Central); o real estava valorizado; a conta corrente
do balanço de pagamentos registrava superávits. Ainda, a dívida pública
líquida do Tesouro encontrava-se em patamar relativamente baixo para a
série histórica, em 23% do PIB, e o governo realizava um superávit primá-
rio de aproximados 4% do PIB no fim de 2010. A variação do PIB em
2010 era de 7,53%, a maior desde 2000. O IPCA esteve abaixo de 6%
entre 2004 e 2010, atingindo de 5,91% em 2010. O SELIC marcava 0,6%
ao mês no fim deste ano, a taxa mais baixa desde 2007.
Desde o início de 2010, para conter o que já lhe parecia um crescimen-
to muito alto para os então padrões brasileiros, a administração Lula buscou
elevar o SELIC e os compulsórios. Mas o BNDES chegava ao pico da série
histórica de seus desembolsos, com 168 bilhões de reais em crédito em de-
zembro. Os investimentos estrangeiros diretos e em carteira elevaram-se
sucessivamente depois de 2004, atingindo um pico em 2011 no caso do
primeiro. Desde 2007, a poupança doméstica era menor que o nível de in-
vestimentos; a economia entrava novamente num ciclo de endividamento
externo (ver as Contas Nacionais do IBGE).
Por outro lado, a expressão “economia brasileira” era em parte um
engodo, devido ao peso das empresas multinacionais em todos os setores
produtivos e a grande liberdade para a exportação de lucros (Circular nú-
mero 3.689 do Banco Central, artigo 47). A pauta de energia primária con-
sumida tornava-se mais suja e menos sustentável, com aumento do petró-
leo na composição da quantidade usada. Antes mesmo da catástrofe soci-
oambiental ocasionada pela Samarco em Mariana, eram frequentes as de-

23. Desconsiderando os problemas metodológicos relativos ao cálculo da taxa de desemprego (ver


seção 6.4 do capítulo 6).
105
núncias das consequências ambientais oriundas do modelo de inserção
primário-exportadora sobre o Cerrado e Amazônia. Mesmo com redução
da área desmatada, a Amazônia seguia queimando. Os anos de crescimen-
to desde 2003 não haviam alterado a estrutura social básica brasileira, com
grandes deficiências na área urbana.
Nas capitais, o aumento do volume de automóveis e do preço dos
imóveis davam características tipicamente capitalistas ao crescimento vi-
gente. Muitos agora tinham casa própria e veículos, mas a maioria agora
enfrentava ruas mais congestionadas, ar mais poluído e aluguéis mais caros.
O preço dos imóveis e aluguéis não se encontrava dentro dos preços ad-
ministrados pelo governo, em qualquer nível (municipal, estadual ou fede-
ral), nem a renda dos executivos, como de fato seria necessário num pro-
grama verdadeiramente social-democrata de expansão com controle de
preços. O governo concedera ao setor automobilístico subsídios tributá-
rios (“Inovar-Auto”, em 2012) que certamente poderiam ter ido ao trans-
porte público ou a qualquer outro setor mais “limpo” com similares po-
tenciais multiplicadores. Insistia-se no velho argumento das potencialida-
des do setor automotivo, sem computar seus custos. Assim, os ganhos de
escala na fabricação de automóveis contorciam os preços relativos num
sentido perverso aos interesses da maioria da população. 24
De qualquer forma, com um PIB maior em volume, a maioria que
votou elegeu Dilma. Ainda que as participações relativas de renda teimas-
sem em permanecer mesmo com um desemprego em queda, a renda ha-
via aumentado para quase todos. Era um cenário diferente do vivido nos
anos (19)80 e também nos (19)90. A nova vitória do Partido dos Traba-
lhadores, com Dilma, mostrava que a maioria absoluta da população que
votou sancionou a direção geral da política econômica adotada, e implicita-
mente o caminho econômico percorrido até ali (que não dependera só da
política adotada). Àquela altura, as autoridades ainda proclamavam a su-
posta autonomia da economia brasileira quanto ao cenário instável em
âmbito global. Mas, justamente, àquela altura da posse de Dilma, os parâ-
metros macroeconômicos estavam começando a apresentar uma notável
inversão. Em termos desagregados, quais aspectos sobressaem-se nesta
viragem? Começaremos com uma análise geral das contas do governo
central.

24. “Todas as cidades de porte médio e grande estão apresentando congestionamentos devido à
avalanche de automóveis que entra nelas a cada dia. O consumo é incentivado pelos subsídios dados
pelo governo federal e alguns governos estaduais para a compra de automóveis” (Maricato 2015, p.43)
106
5.2. Receitas e despesas

O governo brasileiro adota o instrumento fiscal definido como supe-


rávit primário das contas públicas. Este mecanismo dificulta a adoção de
déficits “primários” para assegurar o pagamento dos juros da dívida públi-
ca e o papel preponderante do Estado como alavanca de acumulação fi-
nanceira da burguesia local e dos agentes internacionais; por isso, torna
mais difícil o exercício de uma política deficitária anti-cíclica por um gover-
no comprometido com a expansão. A tabela abaixo resume o comporta-
mento do governo central entre 2003 e 2015. 25

Tabela 1
Brasil. Resultados do governo central em % do PIB e variação do PIB
(em %). 2003-2015.

Transf. a
Receita
Anos Receitas estados e Despesas Primário Juros Δ do PIB
líquida
munic.
2003 20,7 3,3 17,4 15,1 2,3 -5,9 1,14
2004 21,4 3,3 18,1 15,6 2,5 -4,1 5,76
2005 22,5 3,7 18,8 16,4 2,4 -5,9 3,2
2006 22,5 3,7 18,8 16,8 2 -5,2 3,96
2007 22,7 3,7 19,0 16,9 2,1 -4,4 6,07
2008 23 4,1 18,9 16,2 2,3 -3,1 5,09
2009 22,1 3,6 18,5 17,3 1,2 -4,5 -0,13
2010 23,6 3,5 20,2 18,1 2 -3,2 7,53
2011 22,6 3,7 18,9 16,7 2,1 -4,1 3,91
2012 22,1 3,6 18,5 16,9 1,8 -3,1 1,92
2013 22,2 3,4 18,7 17,3 1,4 -3,5 3,01
2014 21,5 3,5 18,0 18,3 -0,3 -4,4 0,1
2015 21 3,5 17,6 19,5 -1,9 -6,7 -3,8
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.

Nota-se na tabela que as receitas do governo caíram de 2012 com rela-


ção a 2011, e de 2014 com relação a 2013. A queda neste último ano somou

25. Os dados foram acessados em janeiro e fevereiro de 2016. Ver a tabela 4.1. das Tabelas “Séries
Históricas” da Secretaria do Tesouro Nacional. O resultado nominal informado pelo Tesouro é “abai-
xo da linha”, isto é, variação da dívida líquida total no período, e não do fluxo da diferença entre recei-
tas e despesas (“acima da linha”). Ver Banco Central, 2015a, p.3.
107
0,7% do PIB; com relação aos quatro anos, as receitas do governo central
diminuíram em 1,1% do PIB. Já as despesas não financeiras elevaram-se
sem cessar, de 16,7% do PIB a 18,3% entre 2011 e 2014, ou aumento de
1,6% do PIB entre os quatro anos. Note-se que os gastos com juros caíram
de 2011 a 2013, de 4,1% a 3,5% do PIB, o que por si só explica a irritação da
burguesia com o governo Dilma. (Não seria tal motivo, por si só, suficiente
para o desejo dos financistas de alijar a Presidenta do poder?) Para desespero
dos financistas, o superávit primário do governo central foi rebaixado em
2,4% do PIB no mesmo período, tendo saído de 2,1% do PIB em 2011 a -
0,3% em 2014 (atingiria -1,9% em 2015). Receitas em queda e aumento das
despesas obrigatórias levaram então o superávit primário a cair.26
Do ponto de vista das despesas primárias do governo central,27 houve
durante o período relativa estabilidade entre as rubricas. O Programa de
Aceleração do Crescimento, na rubrica de despesas de capital, foi um dos
que mais cresceu, praticamente dobrando do ponto de vista dos gastos
primários totais (6% a 12% entre 2011 e 2014). O Programa “Minha Casa,
Minha Vida”, cotado dentro do PAC, obteve participações erráticas, sendo
elevado no primeiro ano de mandato, diminuído drasticamente em 2012 e
posteriormente elevado em 2013, para cair novamente em 2014. Ficando
assim numa média de 4% dos gastos primários totais, na rubrica também
de despesas de capital. O Programa de Assistência à Agricultura Familiar
(política de preços agrícolas) não foi uma prioridade a partir de 2013, com
uma redução clara e sustentada. Em termos proporcionais, os gastos com
a Renda Mensal Vitalícia e Lei Orgânica de Assistência Social28 também
permaneceram estáveis em proporção dos gastos do Tesouro, em torno
de 6%, durante todo o período. As despesas com o Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT) também seguiram tal padrão estável. As despesas com
a Previdência Social formaram, de longe, o maior cômputo, seguidas pelos

26. Deve-se notar que os resultados de superávit primário para 2013 e 2014 abaixo dispostos são
maiores do que os recalculados após a revisão feita em 2016, que levou em consideração os seguintes
eventos ocorridos ao longo desses dois anos: os atrasos do pagamento da equalização das taxas de
juros do programa de sustentação do investimento ao BNDES; atrasos de repasse do crédito agrícola
ao Banco do Brasil; atraso do pagamento de tarifas à Caixa Econômica; dentre outros. Após a revisão,
os resultados primários em 2013 e 2014 tornaram-se menores respectivamente em 0,28% e 0,23% (em
termos do PIB) (“Banco Central faz a limpeza das pedaladas fiscais”, Valor Econômico, 04-04-2016).
27. Tabela 1.4. das Tabelas “Séries Históricas” da Secretaria do Tesouro Nacional.
28. “Segundo a Previdência Social, “garantia de um salário mínimo mensal ao idoso acima de 65 anos
ou ao cidadão com deficiência física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo, que o impossibilite
de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
Para ter direito, é necessário que a renda por pessoa do grupo familiar seja menor que 1/4 do salário-
mínimo vigente.”
108
gastos com pessoal e despesas discricionárias (principalmente Ministério da
Saúde, Educação e Desenvolvimento Social).

Gráfico 1
Brasil. Despesas primárias do Governo Central desagregadas (total
=1). Calculado a partir de reais correntes. 2011-2015.
1

0,8

0,6

0,4

0,2

-0,2
jan/11

jan/12

jan/13

jan/14

jan/15
out/12

out/14

out/15
jul/11
abr/11

out/11

jul/12

out/13

jul/14
abr/12

abr/13

abr/14

abr/15
jul/13

jul/15
LOAS-RMV Política de preços agrícolas
PAC Minha Casa Minha Vida
Previdência Despesas discricionárias
Pessoal

Fonte: Cálculo do autor a partir da tabela 1.4 das Séries Históricas da Se-
cretaria do Tesouro Nacional.

As despesas foram distribuídas de forma homogênea, entre Previdên-


cia Social (acima do recolhimento durante todo o período); pagamento de
pessoal; despesas discricionárias com o Ministério da Saúde, Educação e
recursos destinados ao Programa de Aceleração do Crescimento. Vistas
apenas receitas e saídas no conceito de Previdência, ela aparecia como
deficitária, mas, como chamou atenção Denise Gentil em tese na Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro (Gentil, 2006), os recursos tributários que
a Constituição de 1988 destinou à própria Previdências (Cofins e CSLL)
continuavam a ser usados para outros fins. Do ponto de vista da distribui-
ção dos investimentos por ministério, houve também relativa estabilidade
entre os quatro maiores (Ministério das Cidades, Transportes, Defesa e
Educação), bem como no que se refere ao Ministério da Integração Regi-
onal e Desenvolvimento Agrário. 29

29 Tabela 1.6. das Tabelas “Séries Históricas” da Secretaria do Tesouro Nacional.


109
As concessões tributárias mais significativas do governo foram: as
isenções do pagamento da Contribuição ao Financiamento da Seguridade
Social (COFINS), de responsabilidade das empresas empregadoras; Im-
posto sobre Operações Financeiras (IOF); Imposto sobre Produtos Indus-
trializados (IPI), em particular automóveis e seus componentes; as Contri-
buições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), que incide so-
bre importações de derivados do petróleo. O gráfico abaixo 30 mostra o
impacto nas contas do governo federal de algumas destas “desonerações”,
visto a partir da interrupção das tendências de arrecadação até janeiro de
2012. A contribuição do IOF, que vinha em alta desde 2012, estancou e
depois passou a cair até a metade de 2014; a COFINS vinha também em
sentido de alta e foi estagnada a partir de janeiro de 2013, sendo recolhida
na média dos quinze bilhões mensais a partir de então, até aproximada-
mente outubro de 2014; a tendência é também clara para o IPI de auto-
móveis; e a CIDE foi zerada.

Gráfico 2
Brasil. Desonerações do Tesouro Nacional a partir de 2011. Em mi-

3.500,0 30.000,0

3.000,0
25.000,0

2.500,0
20.000,0

2.000,0
15.000,0
1.500,0

10.000,0
1.000,0

5.000,0
500,0

0,0 0,0
jan/10

jan/11

jan/12

jan/13

jan/14

jan/15
abr/10

abr/11

abr/12

abr/13

abr/14
jul/10
out/10

jul/11
out/11

jul/12
out/12

jul/13
out/13

jul/14
out/14

IPI automóveis IOF CIDE COFINS (eixo direito)

lhões de reais. 2003-2015.

Fonte: Séries Históricas da Secretaria do Tesouro Nacional.

30 Tabela 1.2. das Tabelas “Séries Históricas” da Secretaria do Tesouro Nacional.


110
O Tesouro aportou ao BNDES valores que chegaram a 50,2 bilhões
de reais em 2011, 55 bilhões em 2012, 24 bilhões em 2013 e 30 bilhões em
2012 (BNDES, Informes Contábeis, vários anos). O BNDES repassou à
União, no mesmo período, um valor total de 35 bilhões em dividendos.
Assim, o Tesouro perdeu 124 bilhões com as operações do banco. 31 O
BNDES, por sua vez, concedendo contratos sob a taxa de juros de longo
prazo (TJLP), informa que a evolução de seu lucro líquido no mesmo
período foi a seguinte: 9,047 bilhões em 2011; 8,183 bilhões em 2012;
8,015 bilhões em 2013; 8,594 bilhões em 2014. O total atinge 33,8 bi-
lhões.32 O prejuízo nominal total à União é 91 bilhões. Deste prejuízo,
deveriam ser descontados os ganhos acionários com os investimentos
realizados. Destes 33 bilhões de lucro líquido, uma parte foi investida pelo
BNDES com compras de ações da JBS (6,4 bilhões); Fibria Celulose (2,7
bilhões); Copel (2,8 bilhões); Vale (5,8 bilhões). Deveriam ser descontados
deste prejuízo também os ganhos indiretos com arrecadação oriundos dos
investimentos que só ocorreram porque o banco os financiou com taxas
de juros menores.
O papel da Petrobras, maior empresa atuando no Brasil, de cujo capi-
tal acionário total 50,3% pertencente à União Federal, é também relevante
dentro do contexto de desaceleração. De fato, a empresa não acompanhou
o perfil levemente ascendente de gastos do governo (diminuição do primá-
rio), diminuindo produção total ao longo de 2011-2014 e diminuindo o
endividamento de curto prazo entre 2011 e 2013 (Petrobras, Relatório de
Administração, 2014, p.3). O contexto internacional de estagnação e poste-
rior queda do preço do petróleo a partir de 2011 não lhe foi favorável, com
a empresa aumentando o perfil de endividamento de longo prazo num
alto ritmo, indo de 136 bilhões de reais a 181 entre 2011 e 2012, e de 249 a
319 bilhões entre 2013 e 2014. A empresa, igualmente, foi cerceada pelo
governo no sentido de manter baixos os reajustes na distribuição da gaso-
lina, política que foi seguida, também, para o setor elétrico (ver Carvalho,
2016, p.7).
A partir de 2011 caiu o total produzido de óleo, líquido de gás natural,
condensado e gás natural. Segundo o relatório de administração da Petro-
bras de 2014, enquanto a produção de gás natural se elevou de 452 mil
barris anuais em 2011 a 472 mil em 2012 e a 480 mil em 2013, a produção
de óleo, LNG e condensado foi a 2.170, 2.126 e 2.059 mil entre 2011-

31. Tabela 1.3 das séries históricas fornecidas pela Secretaria da Tesouro Nacional, “Repasses à União”
32. Informações disponíveis no endereço eletrônico do banco, seção “Informações Financeiras”.
111
2013; em 2014 ambas as rubricas voltaram a elevar-se (Petrobras, Relatório
de Administração, 2014, p.3). O lucro líquido consolidado da empresa caiu
de 2011 a 2012, com um resultado negativo para 2014; foi de 33,3 bilhões
de reais a 21,1 entre 2011 e 2012, e de 23 a -21 bilhões de reais entre 2012 e
2014. Tanto o valor patrimonial quanto o acionário caíram ao longo do
período; no que toca ao ano de 2014, foram computados prejuízos adicio-
nais de 6,1 bilhões como resultado das operações criminosas havidas entre
2012 e 2014 apuradas pela Polícia Federal.33 A queda da arrecadação ori-
unda diretamente da diminuição da atividade da Petrobras explica uma
parte importante da queda das receitas do governo.
O gráfico a seguir ilustra o comportamento das contas do governo
Central no período, com relação particularmente aos juros.34

33. Aldemir Bendine, presidente da empresa desde 2015, assim afirmou em sua mensagem aos
acionistas da empresa no citado relatório administrativo de 2014: “Desenvolvemos uma metodologia
para estimar os gastos adicionais frutos do esquema de pagamentos indevidos revelado pela Operação
Lava-Jato. As baixas referentes a esses gastos adicionais impostos por esse esquema foram
reconhecidas no terceiro trimestre de 2014. Adicionalmente, mudanças no contexto dos negócios da
Petrobras, em função do declínio dos preços do petróleo, apreciação do dólar e necessidade de reduzir
o nível de endividamento, estimularam uma revisão das perspectivas futuras da Companhia e,
consequentemente, levaram à necessidade de redução no ritmo de nossos investimentos” (Petrobras,
2014, p.3). A empresa assim descreveu a natureza das operações investigadas pela “Operação Lava a
Jato” da Polícia Federal: “De acordo com depoimentos obtidos no âmbito de investigações criminais
conduzidas pelas autoridades brasileiras, que se tornaram públicos a partir de outubro de 2014, altos
executivos da Petrobras conspiraram com empreiteiras, fornecedores e outros envolvidos para
estabelecer um cartel que, entre 2004 e abril de 2012, sistematicamente impôs gastos adicionais nas
compras de ativos imobilizados pela Companhia. Dois ex-diretores da Companhia e um ex-gerente
executivo, que não trabalham para a Petrobras desde abril de 2012, estavam envolvidos nesse esquema
de pagamentos. Os valores pagos adicionalmente pela Companhia foram utilizados pelas empreiteiras,
fornecedores e intermediários agindo em nome dessas empresas para financiar pagamentos indevidos
a partidos políticos, políticos eleitos ou outros agentes políticos, empregados de empreiteiras e
fornecedores, os ex-empregados da Petrobras e outros envolvidos no esquema de pagamentos”
(Petrobras, 2014, p.24). Segundo a metodologia adotada pela empresa, que opina que os valores pagos
indevidamente “não deveriam ter sido incluídos no custo histórico dos ativos imobilizados”, totalizou
6,1 bilhões de reais entre 2012 e 2014.
34. Tabela 1.1. das Tabelas “Séries Históricas” da Secretaria do Tesouro Nacional.

112
Gráfico 3
Resultados do Governo Central. superávit primário, juros nominais e
resultados nominais. 2011-2015 (janeiro).
40.000,0
30.000,0
20.000,0
10.000,0
0,0
-10.000,0
-20.000,0
-30.000,0
-40.000,0
-50.000,0
-60.000,0
-70.000,0
jan/11

jan/12

jan/13

jan/14

jan/15
mar/11

mar/12

mar/13
set/12

mar/14
set/11

set/13

set/14
mai/11

nov/11

mai/12

nov/12

mai/13

nov/13

mai/14

nov/14
jul/11

jul/12

jul/13

jul/14
Juros nominais Resultados nominais Resultado primário

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.

Os juros pagos pelo governo central com relação ao PIB caíram entre
2011 e 2012, indo de 4,1% a 3,1% do PIB, mas elevaram-se novamente a
partir de 2013, chegando a 4,4% do PIB em 2014 (em 2015 chegariam a
6,7%). O gráfico deixa ver os resultados primários, os gastos com juros (ju-
ros nominais) e os resultados nominais, definidos por (1+2). Estes resulta-
dos são expressos em reais correntes e não como porcentagem do produto
interno bruto. Nota-se que em termos correntes o superávit primário oscilou
em torno da linha média de dez bilhões ao mês, com este trajeto mantido
num nível mais ou menos estável ao longo dos anos 2011-2012.
A partir de janeiro de 2013 nota-se uma queda da poupança primária
do governo, que passa a oscilar, com exceção do fim de 2013, em torno de
seis ou sete bilhões mensais. Por sua vez, os juros nominais pagos oscila-
ram em torno de dezesseis e dezessete bilhões mensais (resultados negati-
vos expressando o pagamento de juros). No ano de 2012 diminuíram-se
os volumes de pagamentos, em parte como resultado da mencionada que-
da do SELIC. Houve então um novo aumento absoluto a partir de 2013,
expressando a retomada do aumento da taxa. Ao longo de 2014, houve,
portanto, um aprofundamento do pagamento absoluto de juros, chegando
este à casa dos quarenta bilhões em setembro de 2014.
113
O gráfico permite ver a queda do superávit primário do governo ao
longo do tempo. Nota-se que enquanto os superávits do governo apresenta-
ram resultado mais ou menos constante, em valores absolutos, os juros no-
minais foram maiores do que o resultado fiscal final (resultados nominais),
expressando uma menor necessidade de financiamento. Os resultados no-
minais negativos maiores do que os gastos de juros expressam a própria
queda do superávit primário; ou seja, uma situação na qual o governo reali-
zou déficit primário, caso no qual tal déficit soma-se aos juros para chegar a um
resultado nominal maior que os próprios juros. O maior gasto com juros
mostra, também, que uma maior despesa do governo é ligada, parcialmente,
à maior taxa do SELIC paga nos títulos de curto prazo.
A queda da poupança primária se deu sob a forma de (1) mais gastos
discricionários e (2) maior renúncia fiscal, ambos os fatores concorrendo
para um maior volume de gastos na economia. Em termos kaleckianos,
este movimento de queda da poupança primária do governo criou na eco-
nomia uma demanda agregada adicional. Mas, ela foi pequena, “kaleckia-
namente”, porque a diminuição não envolveu de fato valores tão significa-
tivos; a gritaria em torno do déficit primário era mera reverberação, consci-
ente ou não, dos interesses dos rentistas, e uma confissão de que o gover-
no não deveria tributar mais os ricos. Assim, o movimento de queda do
superávit primário foi intensamente criticado pela oposição e pelo empre-
sariado, defensores de “finanças sãs”, a não comprometerem o pagamento
dos volumosos juros da dívida pública por eles embolsados. Em condições
de maior aceitabilidade política do governo por estes mesmos agentes que
ganhavam de um lado com juros e de outro com as desonerações, este
nível de déficit teria ocasionado um efeito multiplicador muito maior, tal
como discutido no capítulo 2.
Poder-se-ia demonstrar a funcionalidade para a formação bruta de
capital das despesas reais do governo. A relação entre o consumo do go-
verno (gastos correntes com bens e serviços) tal como definido nas Contas
Trimestrais do IBGE, e a formação bruta de capital, atende a uma regres-
são linear que gera bons estimadores. 35 A partir da plotagem dos valores
de consumo como variável independente e a formação bruta de capital
como variável dependente, pode-se formular um modelo econométrico de
relação linear baseado no método dos mínimos quadrados. Este modelo
teria a seguinte forma:

35. Na tabela com os dados trimestrais em valores correntes disponibilizada eletronicamente pelo
IBGE, os dados referem-se às colunas “consumo do governo” e “formação bruta de capital”, iniciados
no terceiro trimestre de 2005. Os dados estão no apêndice.
114
fbc = a + congov b (1)

Neste caso, “fbc” equivale ao cômputo de investimentos na econo-


mia; o regressor “a” refere-se ao volume de investimentos quando o con-
sumo oficial é zero; “congov” refere-se ao consumo do governo; o regres-
sor “b” é a propensão ao investimento dada uma unidade de consumo
oficial. Geramos um modelo no qual a formação bruta de capital está atra-
sada um trimestre quanto ao consumo oficial. Retroagimos a série para o
ano de 2005 e a estendemos até o início de 2015, de forma a obter quaren-
ta observações período da análise. Utilizam-se as séries em bases logarítmi-
cas. Os resultados obtidos são:

2005-2015 (início no terceiro trimestre de 2005)


ln fbc = -0,17 + ln congov 1,03
R2: 0,86
Valor-P: 7,08 x 10-18
Durbin-Watson: 1,75
Estatístico t: 15,34
Erro-padrão: 0,06
Estatístico Tau para os resíduos: -5,45

Este modelo indica que há uma correlação razoavelmente grande en-


tre o consumo do governo e a formação de capital no país, para os últimos
dez anos, nos quais se inclui o governo Dilma e o segundo governo Lula.
Isto é, um bom poder indutor dos gastos oficiais sobre a formação de
capital. O coeficiente de explicação é razoavelmente alto e os erros estão
também razoavelmente distribuídos, com uma baixa chance de o regressor
“real” ser maior que o estimado. As duas variáveis são não-estacionárias,
mas, de acordo com o teste Engle-Granger, os resíduos da regressão são
estacionários, com o estatístico Tau para os resíduos excedendo o valor
crítico (a 5% de significância). A regressão não é, então, espúria. 36 Depre-
ende-se daí a potencialidade de uma política de investimentos públicos
para a formação de capital, diminuída em seu potencial no fim da primeira
administração por uma elevação da taxa de juros. Deve-se ressaltar tam-
bém que nas condições de um câmbio valorizado, uma parte da expansão
da economia traduzir-se-ia necessariamente num aumento das importa-
ções, surgindo a oposição entre câmbio valorizado e expansão fiscal (ver

36 Para um resumo da metodologia, ver Gujarati (2006, p.660).


115
próximo capítulo, seção 6.4). Assim, mostram-se os limites de uma política
fiscal em condições de renúncia tributária e câmbio valorizado.

5.3. Compulsórios e financeirização

Tal como já mencionado, como parte da tentativa de uma política de


gerenciamento dos efeitos da crise de 2008, os recolhimentos obrigatórios
do Banco Central haviam sido reduzidos desde a segunda metade de 2008
até o fim de 2009. A alta dos recolhimentos obrigatórios do Banco Central
desde o fim do ano de 2009 elevou-se sem interrupção até outubro de
2011, já no governo Dilma. A partir daí os recolhimentos obrigatórios
baixaram durante boa parte do mandato da Presidenta, indo até abril de
2013. Isto visava estimular a liquidez e contribuir para uma queda da taxa
de juros pelos bancos.
Ao mesmo tempo, o governo buscou, entre 2011 e 2013, promover
uma queda da taxa básica de juros na economia. Esta queda está ilustrada
no gráfico a seguir e sua interrupção pode ser vista para o início de 2013,
momento a partir do qual esta passar a elevar-se uma vez mais, chegando
ao patamar de 0,9% ao ano no fim do ano de 2014. O movimento do
sistema SELIC acompanhou o perfil dos recolhimentos. Deu-se uma ele-
vação na primeira metade do ano de 2011, mas o governo pôde imple-
mentar uma inversão de sua trajetória, com queda até o início de 2013. A
taxa do SELIC chegou ao seu piso em fevereiro deste ano de 2013, com
0,5% ao mês. Assim, da metade de 2011 até o início de 2013, ela, de forma
geral, apresentou queda, num movimento que de forma geral auxiliou a
diminuir custos de empréstimos e o custo da emissão da dívida pública.
Durante este período a própria dívida líquida do Tesouro Nacional conti-
nuou a cair em termos do produto interno bruto.

116
Gráfico 4
Brasil. Recolhimentos obrigatórios de instituições financeiras junto
ao Banco Central. 2007-2014. Saldo total em milhões de reais correntes.

466000

416000

366000

316000

266000

216000

166000

116000

ago/11
jan/07

jan/12
dez/09

dez/14
mar/11

set/13
set/08
jun/07
nov/07

mai/10
out/10

nov/12
jun/12
abr/08

fev/09

abr/13

fev/14
jul/09

jul/14
Fonte: Banco Central.

Quais as razões para a interrupção da queda dos juros e sua elevação


progressiva em 2013? Oficialmente o governo afirmava que era o de apla-
car os efeitos da (modesta) recuperação da atividade econômica em 2013,
que fora acompanhada por um aumento da inflação. Isto se deu em para-
lelo a um aumento do valor do dólar no mercado cambial. Na opinião
oficial a taxa de crescimento de 3,01% do PIB para este ano era mais ou
menos suficiente, e uma manutenção do SELIC e dos compulsórios em
baixos níveis poderia alimentar excessos inflacionários, em conjunto com
um superávit primário já menor. Nota à imprensa da 174ª reunião do CO-
POM dizia: “O Copom decidiu elevar a taxa Selic para 7,50% a.a., sem
viés, por seis votos a favor e dois votos pela manutenção da taxa Selic em
7,25% a.a. O Comitê avalia que o nível elevado da inflação e a dispersão de
aumentos de preços, entre outros fatores, contribuem para que a inflação
mostre resistência e ensejam uma resposta da política monetária. Por outro
lado, o Copom pondera que incertezas internas e, principalmente, externas
cercam o cenário prospectivo para a inflação e recomendam que a política
monetária seja administrada com cautela.”
O governo elencou outros fatores para manter o SELIC em alta ao
longo do ano. Necessidade de estabilização das condições monetárias;
incertezas internas e externas; depreciação e volatilidade da taxa de câmbio;
117
presença de mecanismos formais e informais de indexação; resistência do
processo inflacionário (Banco Central do Brasil, 2013, p.41-42). Em espe-
cial, a previsão de um tapering (fim da política de expansão monetária) nos
Estados Unidos afetaria, segundo o governo, o influxo de recursos estran-
geiros. Um aumento da demanda por liquidez face à queda progressiva
nos ganhos no mercado de bens e as maiores necessidades de financia-
mento do governo a partir de tal queda (com queda da arrecadação) arre-
matavam a impossibilidade de manter baixos os juros.
Mas esta elevação da taxa de juros agravava outras debilidades da eco-
nomia. Os resultados negativos em conta corrente do balanço de paga-
mentos aprofundavam-se, e um aumento dos juros tenderia a segurar o
valor do câmbio. As mesmas posições que a indústria perdia no PIB (de 11
a 9%) davam-se paralelamente ao crescimento das importações (que iam
de 11% a 13% do PIB; ver seção 6.7 do capítulo 6). As previsões do mer-
cado para o PIB de 2013 depois de março caíram rapidamente, e apesar de
elevaram-se um pouco até setembro, foram caindo de novo, chegando a
1,91%. No terceiro trimestre de 2013 a taxa de investimentos (formação
bruta de capital) interrompeu seu crescimento absoluto, atingindo 291
bilhões e não voltando mais a atingir este valor nem em termos nominais a
partir de então. Estes dois movimentos, o do aumento dos juros e dos
compulsórios, não poderiam deixar de intensificar esta viragem da taxa de
investimentos ao longo de 2014.

Gráfico 5
Brasil. Taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC),
porcentagem ao mês.
1,3
1,2
1,1
1,0
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
2007.06

2009.02

2010.10
2007.01

2007.11
2008.04
2008.09

2009.07
2009.12
2010.05

2011.03
2011.08
2012.01
2012.06
2012.11
2013.04
2013.09
2014.02
2014.07
2014.12

Fonte: Banco Central.

118
O impacto da elevação dos juros em 2013 foi significativo na dívida
de curto prazo (dois anos, principalmente detida por bancos). Se compa-
rarmos numa figura as despesas totais do governo central com as despesas
em juros pagos pelo governo, ver-se-á a extrema condição de financeiriza-
ção à qual chegou o governo no fim de seu primeiro período. Veja-se a
figura abaixo. 37 Enquanto o pagamento de juros tende à queda absoluta
até setembro de 2012, as despesas elevam-se e a relação juros/despesa
despencam, chegando a um nível mínimo de aproximados 7% em setem-
bro de 2012.

Gráfico 6
Resultados do Governo Central. Despesas totais, juros nominais e ju-
ros nominais divididos por despesas totais do governo central (eixo direi-
to). 2011-2014.

120000 0,45

0,4
100000
0,35

80000 0,3

0,25
60000
0,2

40000 0,15

0,1
20000
0,05

0 0
jan/11

jan/12

jan/13

jan/14
mar/11

set/11

mar/12

set/12

mar/13

set/13

mar/14

set/14
nov/11

nov/12

nov/13

nov/14
mai/11

mai/12

mai/13

mai/14
jul/11

jul/12

jul/13

jul/14

Juros Despesas Juros/Despesas totais

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.

37. Tabela 1.1. das Tabelas “Séries Históricas” da Secretaria do Tesouro Nacional.
119
5.4. Interpretação

É verdade que se o governo tivesse decidido lutar por um SELIC


mais baixo durante todo o período, ele provavelmente seria mais pressio-
nado ainda a elevá-lo diante do superávit primário em queda. Para que sua
luta por juros menores não fosse em vão, o governo então teria que aceitar
um aumento da inflação advindo primeiramente de parte de uma deterio-
ração das expectativas e sua reverberação sobre os preços. Para financiar a
queda do superávit primário, deveria proceder com uma elevação dos
tributos sobre recursos inativos – maior imposto de renda sobre as altas
rendas e patrimônio, sobre as commodities, sobre os ganhos especulativos
etc. Da maneira como ocorreu, os efeitos da diminuição da poupança
primária, bem como das desonerações, foram cancelados por maiores
gastos com o pagamento de juros nos dois anos finais da administração,
além do fato de que as desonerações eram anuladas em parte por um
câmbio ainda valorizado. Apresentando-se então a política de suposto
gerenciamento da crise sob intenso limite colocado pelos gastos financei-
ros do governo e do câmbio valorizado, limite explicado pela ausência de
uma abordagem da política econômica pautada pela economia política. E,
reconheça-se, por uma intensa oposição a medidas redistributivas pela
oposição e pelo “establishment”.
Todavia, ao afirmar-se que a política monetária procedeu com uma
elevação progressiva da taxa de juros a partir de decisões autônomas do
Copom e do Banco Central, relativas às expectativas inflacionárias ou in-
fluências privadas sobre a lucratividade dos títulos do Tesouro, mediante
os conselheiros do Copom ou outras formas de pressão, não se pode dei-
xar de considerar outro lado do problema. Qual seja: a conexão entre o
desempenho da economia, as expectativas existentes quanto ao seu futuro
e a taxa de juros referente ao financiamento da dívida pública pelo merca-
do. O nível da taxa de juros é determinado por um jogo de empurra, que
reúne, de um lado (1) um instrumento anti-inflacionário, ao nível da de-
manda e, dado o conjunto de crenças estabelecidas, ao nível referente às
expectativas; (2) a necessidade de financiamento do déficit nominal; e, de
outro lado, (3) a disposição em emprestar ao governo, determinada não só
pela taxa de juros mas pelo desempenho do mercado de bens tangíveis.
Um aumento da inflação é visto pelas autoridades como uma justificativa
para o aumento dos juros, e este aumento facilita a venda de papéis pelo
governo nos leilões oficiais. Um aumento da necessidade de financiamento
do setor público tenderá a trazer os juros para cima. Uma diminuição da
120
demanda por papéis oficiais, devido eventualmente a um processo anterior
de queda dos juros, também tem o mesmo resultado de elevar os juros.
Uma contração no mercado de bens tangíveis, com queda da “eficiência
marginal do capital”, tende a reforçar demandas por compensações no
nível financeiro. Todos estes processos estavam ocorrendo em meados de
2013.
Assim, descontando-se toda a tradicional pressão sobre o Copom por
uma elevação dos juros por parte daqueles que com isto lucram, uma in-
versão das expectativas de lucro futuro no setor “real” e um crescente viés
altista para os lucros financeiros impedem que o governo controle total-
mente o nível da taxa de juros. Ou melhor, impede que ele a mantenha
baixa com facilidade. Se as perdas no setor de bens hão de ser compensa-
das por uma alta de ganhos no mercado de papéis, ou quando os próprios
ganhos financeiros vêm caindo há algum tempo, pode haver uma inversão
das expectativas rumo àquilo que se considera ser o lucro normal por lote
de capital detido. Como esta inversão não pode ser administrada no mer-
cado de bens, a “preferência pela liquidez” em detrimento de ativos menos
líquidos tende a elevar-se, mas num sentido de restabelecer lucros perdidos
no mercado de bens.
No caso do governo Dilma, era justamente isto que estava ocorrendo
nos setores de bens, o que, aliado à diminuição da poupança oficial, pressio-
nava para cima o SELIC. A entrada no país de investimentos em carteira
(renda fixa) em 2011 e 2012 estava, também, estabilizada, indicando claros
limites, já que os juros caíam. Cabe mencionar, neste sentido, que com rela-
ção aos detentores de papéis da dívida pública mobiliária federal interna
(DPMFi), aproximadamente 20% desta era detida por agentes não-
residentes, caso no qual o influxo de investimentos estrangeiros em carteira
aparece como importante no nível de negociação entre governo e mercado.
Assim, não é verdade que a dívida do setor público é apenas “nacional”,
sendo a taxa de juros o “custo pela recusa à dolarização”. Dado que parte
das instituições financeiras atuando localmente são estrangeiras, esta porcen-
tagem de estrangeiros quanto à dívida interna é tecnicamente maior, sendo a
acumulação financeira mediante títulos da dívida pública um elemento do
qual o capital internacional também se aproveita.
O governo pode aproveitar o aumento da demanda por liquidez para
rebaixar juros, mas ele lutará contra (1) uma pressão destes mesmos deten-
tores de riqueza por restabelecer na taxa de juros o nível prévio de ganhos
perdido no mercado de bens, ou (2) contra sua disposição em manter
liquidez total em moeda, eventualmente dólares. No primeiro caso, ele
121
deve diminuir suas necessidades de financiamento; no segundo, ele teria
que elevar os juros ou, algo mais difícil, forçar a continuidade de uma ex-
pansão no setor real. Não há assim qualquer coisa como uma formulação
“ótima” da taxa de juros. Em todo o caso, para obter mais liberdade em
sua política monetária ao mesmo tempo em que despendia mais e dava
mais concessões, o governo deveria ter diminuído suas necessidades de
financiamento, tributando rendas e patrimônio inativo e improdutivo. Não
havia saída fora do conflito distributivo, fora de uma abordagem de eco-
nomia política. Poderia o governo ter aplicado também uma política anti-
inflacionária mais rígida – por exemplo, limitando as rendas mais altas com
tetos ou aumentando o número de itens de preços monitorados. Nas con-
dições estruturais atrasadas da psicologia social brasileira, a privilegiar o
“consenso” e um “governo para todos” a todo custo, tais saídas sequer
eram cogitadas.
Assim, a elevação das taxas de juros em 2013 não respondia apenas a
uma política inflacionária, correta ou não; ela ocorria também por outros
motivos. Em resumo, respondia a: 1. dificuldade do governo em colocar
seus títulos à taxa até então ofertada, como mostra, também, a queda da
cotação dos títulos de dívida externa emitidos pelo governo em 2013 (ver
Banco Central, 2013, p. 130). 2. uma demanda corporativa por restabelecer
nas finanças os antigos níveis de rentabilidade no setor “real” (de bens). O
Tesouro não ousou utilizar de forma significativa seus recursos deposita-
dos na Conta Única do Banco Central, para abater a dívida ou qualquer
outro elemento de política econômica que diminuísse sua exposição aos
financiadores; pelo contrário, sua exposição aumentou com as desonera-
ções e a sinalização, a partir de 2014, de um aumento dos juros nos Esta-
dos Unidos.38

38. Em 31 de Dezembro de 2015, o Tesouro Nacional tinha depositado em sua conta única no Banco
Central nada menos que um trilhão e trinta e seis bilhões de reais, que apareciam no Balancete do
Banco Central discriminados como “Obrigações do Banco Central, Passivos em Moeda Local” (ver
Banco Central, Demonstrações Financeiras 2015e, p.1). Tais resultados são originados dos superávits
fiscais do Tesouro. O resultado primário do governo central de 2015 somou negativos 114 bilhões, e o
de 2014 positivos cinquenta e nove bilhões. Para ter-se uma ideia do volume relativo destes recursos na
Conta Única, em dezembro de 2014 o estoque total da dívida pública era de dois trilhões e duzentos e
noventa e cinco bilhões de reais (Tesouro Nacional, Relatório Mensal da Dívida Pública, Dezembro de
2014). Não há na lei de Responsabilidade Fiscal (2000) menções à operacionalidade de um eventual
uso de tais recursos. A economista Denise Gentil defendeu, em exposição na Universidade Federal do
ABC em 2016, o uso de tais recursos da Conta Única para uma política monetária mais ativa e inde-
pendente dos financiadores privados da dívida pública, atribuindo à ausência desta política o fracasso
da tentativa de manter os juros baixos em 2013. Esta explicação, se correta, não contradiz os argumen-
tos aqui perfilados.
122
Isto pode ser demonstrado pela observação do perfil dos leilões fei-
tos pelo Tesouro Nacional. Em 2011 e 2012, o governo conseguiu realizar
a venda de 50% de seus títulos no mercado. Mesmo quando o SELIC
voltou a subir em 2013, o governo conseguiu colocar apenas 48% das
ofertas. Esta porcentagem elevou-se a 54% em 2014. 39 O volume de en-
trada de investimentos em carteira, que caíra de 18,5 para 16,5 bilhões de
dólares entre 2011 e 2012, elevou-se a 34,7 bilhões em 2013. Por sua vez,
como parte dos recolhimentos compulsórios também era remunerada no
Bacen –caso dos encaixes de poupança e recursos a prazo, remunerados
respectivamente pela Taxa Referencial (TR) mais 3% ao ano e SELIC–, o
novo aumento dos recolhimentos compulsórios também atendeu aos
interesses dos bancos por mais colocações líquidas num ambiente de que-
da do endividamento geral na economia, particularmente famílias. De fato,
o endividamento das famílias como proporção da renda dos últimos doze
meses (excetuando crédito habitacional), chegou a um pico de 31% em
julho de 2012, passando a declinar depois (ver anexo).

5.5. Conclusão

A partir dos dados acima analisados, pode-se concluir que o governo


central atuou de forma apenas parcialmente contra-cíclica durante o perío-
do. Diminuiu o superávit primário em 2011 e depois em 2012, quando o
PIB brasileiro passou por uma queda em seu ritmo de crescimento, e di-
minuiu ainda mais sua poupança no ano de 2013, quando o PIB chegou a
3,01%. Incorreu em déficit primário em 2014, quando o PIB atingiu ape-
nas 0,1%. Esta diminuição da poupança do governo central como um
todo deveu-se principalmente à renúncia fiscal, a maiores gastos discricio-
nários entre 2011 e 2013, e a um PIB em desaceleração em 2014. No ano
de 2014, a despoupança global do governo (déficit primário e nominal) foi
intensificada particularmente pelo aumento do pagamento de juros, que
conduziu de fato a um processo de “financeirização”; isto é, um cômputo
exacerbado dos recursos tributários destinados ao pagamento de juros.
O resultado das políticas do governo central foi apenas parcialmente
contra-cíclico porque apesar de entre 2011 e 2013 este ter diminuído sua
poupança e reduzido a taxa de juros do SELIC, bem como os encaixes
obrigatórios, estes movimentos foram depois bloqueados por juros mais
altos e câmbio ainda valorizado -justamente à medida que a economia

39. Ver os resultados dos leilões em < http://www.tesouro.gov.br/web/stn/resultados-dos-leiloes>.


123
diminuía seu ritmo de crescimento. Particularmente, ao longo do último
ano de mandato, a proporção de juros sobre o orçamento do governo
cresceu de forma rápida, chegando a constituir 40% das despesas totais do
governo central. Ao mesmo tempo, a realização de operações de “swap”
em 2013 e 2014 anularam outras medidas de valorização do dólar, man-
tendo-se o preço da moeda brasileira desalinhado. A política de manter
baixos os preços das tarifas de energia pôs sob pressão a Petrobras e as
manipulações fiscais do governo junto à Caixa Econômica, Banco do Bra-
sil e outros entes federais expuseram o governo a maiores críticas, dimi-
nuindo ainda mais o poder de convencimento da política econômica.
Partindo-se dessas considerações, a análise agora se encaminha para
uma descrição agregada da economia como um todo, do ponto de vista do
comportamento e do valor agregado com relação ao PIB, bem como da
população empregada em termos setoriais. Veremos que a queda geral da
poupança do governo podia ser justificada porque havia uma queda nas
expectativas de crescimento, nos investimentos e nos saldos comerciais ao
longo do período 2011-2014. Porém, depois de termos analisado os motivos
pelos quais o déficit primário crescente foi bloqueado pelas outras deficiên-
cias da política econômica, veremos agora que a indústria não respondeu aos
estímulos tributários que o governo buscou dar. A renúncia tributária do
governo não foi suficiente para manter estável a participação da indústria em
termos do PIB. Ou melhor: para elevar o cômputo do emprego industrial. A
partir dos critérios elencados na introdução, e do próprio discurso oficial do
governo (ver capítulo 1), poderíamos afirmar então que o conjunto das polí-
ticas adotadas no Brasil entre 2011 e 2014 não obteve sucesso.

124
6. O desempenho da economia

6.1. Introdução

A partir do estudo do comportamento das políticas adotadas pelo go-


verno, este capítulo busca abordar o comportamento diacrônico da econo-
mia entre 2011 e 2014 do ponto de vista de sua estrutura de demanda e
oferta, bem como da estrutura de emprego. A análise é seguida de uma ava-
liação sobre o comportamento da economia, a partir de nossas hipóteses e
premissas. O capítulo busca delinear as hipóteses acima avançadas sobre a
desaceleração da economia como sendo explicada por um misto de esgota-
mento do perfil cíclico, queda da expectativa de crescimento futuro e queda
dos saldos comerciais, complementando, tal como acima argumentado,
nossas hipóteses relativas ao exercício de uma política econômica insuficien-
temente expansiva. Dada a importância que assume o desempenho do setor
industrial e do que chamamos de setores produtivos para o PIB, segundo
nossas premissas, o capítulo é iniciado com uma breve referência à literatura
sobre este tema no Brasil, comentando brevemente alguns aspectos relativos
à participação da indústria extrativa e indústria de transformação no PIB.

6.2. Papel da indústria

A discussão sobre o comportamento da indústria eventualmente


complica-se devido a uma discordância sobre o uso dos indicadores mais
corretos. Estaria havendo de fato “desindustrialização”? Há uma frequente
discussão quanto à metodologia adotada pelo IBGE, particularmente às
alterações feitas pelo instituto em 2007, que inviabilizariam uma análise
objetiva. Além da questão metodológica, outras questões são formuladas:
o que se pode entender como “desindustrialização”? Seria esta uma perda
da participação do valor adicionado da indústria no PIB, ou do número de
trabalhadores registrados no setor quanto ao total da força de trabalho? Se
há perda da participação da indústria, em que medida isto se dá mediante
um aumento da produtividade da indústria, diminuindo preços relativos?
A “desindustrialização” estaria ligada àquilo que muitos definem como
“doença holandesa” (a valorização da taxa de câmbio devido à excessiva
exportação de recursos)? E, afinal: aceitando-se alguma definição, a desin-
dustrialização seria negativa? As respostas a estas perguntas dependem
muito da posição teórica de cada avaliador, a atribuir à indústria um papel
positivo ou não.
125
Bonelli, Pessôa e Matos, por exemplo, em seminário no instituto “Ca-
sa das Garças” em 2012,40 argumentaram que a definição de uso corrente
de “desindustrialização” não é precisa. Perguntam: a definição de industria-
lização se refere ao volume de emprego na indústria ou ao valor agregado do setor?
O IBGE registra nas Contas Nacionais o valor produzido pelo setor in-
dustrial a preços correntes. Uma alteração da utilização dos preços corren-
tes para preços constantes levaria, segundo eles, a indústria a uma queda
menor em participação. A justificativa para isto seria a de que, como afir-
mam Bonelli e Pessôa em outro artigo: “Quando a análise é feita a preços
constantes, porém, observa-se que a queda não só é muito menor, mas
que começou antes, em meados da década de 1970 – há cerca de 35 anos,
portanto. A diferença entre essas medidas reflete o fato de que os preços
da indústria cresceram menos do que os demais preços na economia, o
que é uma evidência de ganhos de competitividade desse setor relativa-
mente ao restante da economia” (Bonelli, 2010, p.4).
Argumentam que o setor industrial no mundo como um todo tende-
ria a cair em suas participações oficialmente contabilizadas, com exceção
da China e Leste Asiático, como se as nações estivessem fadadas “natu-
ralmente” ao mesmo processo.41 Na apresentação da Casa das Garças, os
autores curiosamente definem uma participação alta da indústria no PIB
como “doença soviética”. O Brasil teria passado por tal “doença” ao longo
do século XX e depois teria rumado a uma (presumida) “necessária nor-
malidade” ao longo dos anos 1990.
Seguindo uma linha mais ou menos parecida de argumentação, Berri-
el, Bonomo e Carvalho chegaram, mediante uma análise econométrica de

40. “Desindustrialização: novas evidências, velhas dúvidas”. Regis Bonelli, Samuel Pessoa e Silvia
Mattos. Abril de 2012.
41. O que é errado. Em termos mais abrangentes, os dados do Banco Mundial (ver anexo) ilustram a
participação da indústria (transformação + extrativa) em termos do produto interno bruto de algumas
das principais economias do mundo, incluindo-se a brasileira. Note-se que a participação é mais alta do
que a brasileira na China, Alemanha, Coreia do Sul e Japão; veja-se também que, para os três primeiros,
ela tem sido estável ou mesmo crescente. Este é o mesmo caso da República Tcheca, Noruega e
Vietnã, dentre outros, segundo os dados agrupados pelo Banco Mundial. Para o caso brasileiro, note-se
a queda particularmente rápida pela qual passou o país no início dos anos 1990; vê-se o aumento da
participação da indústria ao longo dos anos 2000 e sua posterior queda. Para além do câmbio, vários
fatores explicam o desempenho da indústria no PIB: treinamento da força de trabalho, disciplina e
moderação de ganhos; disposição corporativa a acumular capital fixo e competir internacionalmente;
inovação tecnológica; políticas de “copia e faz”; restrições quantitativas; câmbio favorável. Não há
exatamente uma teoria suficiente para descrever todo o movimento acumulativo industrial em escala
global. De qualquer forma, como mostram os dados, certamente a queda da participação da indústria
no PIB não é uma fatalidade universal. Os dados estão disponíveis em <http://data.worldbank.org/>,
“Indicators”, “Industry”.
126
diferencial de custos internacionais, a concluir que “tomados pelo valor de
face, os resultados apontam para a necessidade de reduzir o peso da indús-
tria de transformação na economia brasileira. [...] Além de possivelmente
inevitável, a desindustrialização seria desejável” (2013, p.328). A produção
industrial no Brasil seria mais “cara” em termos internacionais (em termos
de algum padrão realista de comparação, à base da taxa de câmbio dada), e
não deveria existir ou deveria concentrar-se nos setores com maiores po-
tenciais (fala-se em “indústria do agronegócio”, por exemplo). Tais conclu-
sões são divididas entre outros autores da obra O futuro da indústria no Brasil
(Edmar Bacha e Monica Baumgarten (orgs.), 2013), em que este artigo foi
publicado.
Por outro lado, a partir de abordagens heterodoxas, o fenômeno da
desindustrialização pode adquirir uma conotação negativa se (1) estiver
ligado a uma perda rápida de empregos; (2) se estiver ocorrendo uma subs-
tituição da produção doméstica viável (técnica e economicamente) pela
internacional; (3) se a balança comercial estiver apresentando um déficit
constante, em termos absolutos ou por uma evolução desfavorável dos
termos de troca. A partir de então, estabelecer-se-ia um conjunto de ações
que esta economia poderia adotar para (1) internalizar parte da produção
importada com (2) ganhos de produtividade que diminuam as perdas im-
plícitas no processo de substituição de importações (isto é, computados os
preços dos bens virtualmente produzidos domesticamente com relação ao
custo aproximado dos importados substituídos). Assim, assume-se, a partir
da observação histórica de outros casos e da abordagem teórica de autores
como Nicholas Kaldor, que a transferência de recursos produtivamente
investidos para outro setor da economia poderia estar sendo um sinal de
um maior entesouramento e especulação com atividades rentistas. Nesse
sentido, nem toda a queda relativa da indústria se dá pela atuação dos pre-
ços relativos.
Oreiro e Feijó (2010) fizeram um balanço da literatura e analisaram os
dados de valor adicionado da indústria no PIB, afirmando estar ocorrendo
um processo de desindustrialização, intensificado, segundo eles, por um
câmbio valorizado e importação que substitui a produção local. Concluem
que: “Os dados a respeito da taxa de crescimento da indústria de trans-
formação apontam para a continuidade da perda de importância relativa da
indústria brasileira nos últimos 15 anos. Por fim, estudos recentes a respei-
to da composição do saldo comercial brasileiro e da composição do valor
adicionado da indústria brasileira mostram sinais inquietantes da ocorrên-
cia de ‘doença holandesa’, ou seja, de desindustrialização causada pela
127
apreciação da taxa real de câmbio que resulta da valorização dos preços das
commodities e dos recursos naturais no mercado internacional” (Oreiro e
Feijó, 2010, p.231).
A FIESP e a CNI também reconhecem as dificuldades que o setor
enfrentou nos últimos anos, inclusive durante o primeiro mandato de
Dilma, particularmente devido a um real valorizado no mercado de câm-
bio. Por motivos óbvios, não podem argumentar em favor da eliminação
da indústria doméstica. Afirmam a CNI e a FIESP, de posse dos dados da
Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física, do IBGE (não abertos à
pesquisa acadêmica), que o rendimento médio em reais dos trabalhadores
na indústria brasileira esteve acima da produtividade durante todo o perío-
do 2005-2015, e acima dos rendimentos internacionais, em geral. Alguns
autores, inclusive no campo heterodoxo, têm acompanhado tal argumento
em favor de uma moderação do nível salarial setorial, dada a discrepância
entre os salários na indústria e o resto da economia (como o próprio acima
citado Oreiro).42
Em nota econômica de janeiro de 2015, a CNI afirmava sobre o pe-
ríodo 2002-2012: “De 2002 a 2012, três fatores –salário, câmbio e produti-
vidade– contribuíram negativamente para a competitividade brasileira.
Entre os 12 países considerados, o Brasil registra o menor crescimento da
produtividade do trabalho, a maior apreciação cambial real e o segundo
maior aumento do salário médio real” (CNI, 2015, p.2).
Na teoria do valor marxista ou alguma de suas reinterpretações mo-
dernas (Michał Kalecki, Joan Robinson, Oskar Lange), a produtividade do
trabalho refere-se à economia de trabalho humano (em homens-hora) na
fabricação de determinada mercadoria (final ou bem de capital). Se a fabri-
cação de uma unidade de mercadoria é feita com menor tempo de traba-
lho, com auxílio de melhores maquinários e técnicas, o valor monetário
medido das horas de trabalho contidas em cada mercadoria tende a cair. Se
isto é repassado ou não ao consumidor, depende da estrutura de oferta, ou
“grau de oligopólio”, nos termos de Kalecki. Para muitas mercadorias
feitas sob condições de alta relação capital-produto este mecanismo é dire-
to, como por exemplo na indústria de bebidas; já a indústria de aeronaves
ou de maquinário pesado requer uma participação maior do trabalho na
montagem do bem a ser fabricado. Não há uma composição uniforme de

42. Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE de dezembro de 2015, o salário médio na
indústria de transformação somava 2.373 reais mensais em dezembro de 2014; na construção, 2.136
reais; no comércio, 1.889 reais; alojamento, transporte, limpeza urbana, 2.101 reais. Como veremos à
frente, porém, a receita líquida por unidade de emprego é na indústria muito maior que nos serviços.
128
relação capital/trabalho nas diversas linhas de produção, dificultando a
existência de uma taxa de retorno mais ou menos igual por volume de
capital investido.
Nos países que produzem muitos bens de capital, a queda do valor
unitário de cada mercadoria é compensada, assim, pela produção de um
fluxo constante de mercadorias, particularmente de bens de capital, que
mantém a produção industrial constante ou crescente em termos de PIB.
É esse fluxo que compensa o aumento da relação capital/produto pela
atuação dos preços relativos, diminuindo-se então, para a economia como
um todo, a relação capital/trabalho; é desta perda da capacidade de produ-
ção doméstica de bens de capital que se fala quando se menciona os males
da desindustrialização, aspecto ignorado pelos economistas liberais. Quan-
do uma parte importante da cadeia da produção industrial é mais ou me-
nos internalizada e/ou o país é grande exportador industrial, a produção de
bens de capital torna-se parte importante da produção doméstica. Por isto
a participação da indústria mantém-se nestes casos e a elevação da produ-
tividade nos setores produtivos não implicaria, necessariamente, na elimi-
nação total do fator trabalho.
Todavia, se os preços de fato cairão e os salários reais subirão, isto de-
pende do “grau de monopólio” das firmas. Se a indústria está numa posição
oligopólica, tais ganhos de produtividade não serão repassados tão livremen-
te, com o custo “lucro” ganhando uma proporção maior no valor total, e
consequentemente impedindo uma queda mais sustentada da indústria
quanto ao PIB. Com ganhos de produtividade, a indústria estará produzindo
mais valores físicos a preços unitários cadentes; mas ela pode ou não repas-
sá-los aos consumidores, de acordo com alguma política definida de pre-
ços.43 De forma geral, em mercados com alta concorrência, isto tende em
alguma medida a ocorrer, explicando-se em parte porque a participação da
indústria no PIB pode cair, em termos de valor agregado.
Já em situações de baixa concorrência e de permanência de preços
com viés altista (como no Brasil), o fato de que a participação dos setores
produtivos caiu é um indício de intensidade da queda de produção e em-
prego que o setor industrial está presenciando, no sentido de produzir,
simplesmente, uma menor quantidade, em termos físicos, de mercadorias,
com menor número de empregados (seja qual fora a relação capi-

43. “In an industrial economy, with given productive capacity, firms set their prices in a such a way as
to cover costs of production at a standard level of utilization and yield the flow of net profit that, in the
light of competitive conditions, is the most that they think it prudent to go for” (Robinson 1980,
p.199).
129
tal/produto). Se o setor industrial local está exposto a uma concorrência
internacional de produtores mais eficientes, e intensificada por um câmbio
valorizado, o caráter oligopolizado não será suficiente para manter posi-
ções industriais, num sistema de comércio mais ou menos livre. (A indús-
tria extrativa do minério de ferro e outros minerais abundantes no país,
naturalmente, não está sob o efeito mencionado; a queda de sua produção
se dá particularmente mediante a queda da demanda.) Já os serviços não
sofrem concorrência intensa em nível internacional, e por isto também
seus preços são pegajosos, num sentido ascendente, bem como sua parti-
cipação no PIB tende a elevar-se.
De forma geral, então, a participação da indústria e setores produtivos
no PIB dependerá de um comportamento inter-relacionado das seguintes
diferentes variáveis: o comportamento dos preços relativos; o aumento da
produtividade (produto físico/unidade de emprego); o desempenho do
comércio exterior e a propensão a importar da economia; a produção do-
méstica de bens de capital. A partir destas considerações, pode-se passar a
uma análise do desempenho da economia tendo-se como preocupação a
investigação não só dos fatores que levaram à queda do crescimento no
período, mas sim do tipo de crescimento que estava ocorrendo, particu-
larmente no que se refere ao desempenho do que chamamos de setores
produtivos.

6.3. Capacidade ociosa, desempenho agregado, produtividade


e expectativas

6.3.1. Capacidade instalada

A utilização de capacidade instalada na indústria de transformação é


uma proxy do que está a ocorrer no nível dos investimentos e da demanda
agregada geral. Quanto maior está sendo o uso da capacidade, maior está
sendo o nível de produção. Mas um maior nível de produção, por sua vez,
eleva o nível geral dos investimentos, e a capacidade instalada total se am-
plia. Este processo tem um componente puramente cíclico, dado que,
como expôs Kalecki, a tragédia do investimento é que ele é “útil”. Ou,
como colocou Prebisch: “el desenvolvimiento progresivo de la industriali-
zación tiende a generar ciertos movimientos internos que se sobreponen a
los de origen exterior, acentuándolos o atenuándolos, según las circunstan-
cias, con efectos correspondientes sobre el excedente” (Prebisch, 1976,
p.41). Depois de um certo tempo de queda contínua no uso das instala-
130
ções, passa-se de novo a investir, dado um aumento da rentabilidade devi-
do a um parcial “enxugamento” de parte do capital instalado. É de se du-
vidar, de qualquer forma, que sob condições normais (excluída uma guer-
ra) esta recuperação será tão grande a ponto de compensar a queda anteri-
or (Keynes afirmaria que a eficiência marginal do capital tenderia a cair no
longo prazo devido a isto).
Assim, para um dado crescimento, quando a análise refere-se à noção
de uso da capacidade instalada ao longo do tempo, refere-se a um capital
instalado que cresceu continuamente em termos físicos e também monetá-
rios. No Brasil, entre 2003 e 2013, enquanto a população residente elevou-
se de 180 milhões a 201 milhões, 1,11 vezes, a formação bruta de capital,
deflacionada a preços do ano anterior (2001=100), crescera de 285 bilhões
a 1.113 bilhões, ou seja, 3,90 vezes (IBGE, 2015, Tabela 7). Consequente-
mente, em termos físicos, a capacidade ociosa em 2013 era maior que em
2003, e maiores os desincentivos progressivos à continuação do investi-
mento, dados, dentre outros fatores, o próprio baixo ritmo de crescimento
da população e do comércio internacional depois de 2011. A indústria de
transformação representava em 2011 aproximadamente 11% do produto
interno bruto.
Para demonstrar o caráter primeiramente cíclico do movimento acu-
mulativo, poder-se-ia adotar a utilização das séries de utilização de capacida-
de instalada geral e em vários setores, elaboradas pela Fundação Getúlio
Vargas, abaixo disposta.
A economia brasileira ingressava, no início da segunda década de
2000, na pendente descendente de seu anterior ciclo de expansão. A ex-
pressar, ao menos parcialmente, a saturação da rentabilidade depois de
anos de expansão física da capacidade instalada, aguçada neste caso pela
crise de 2009. Observando-se a utilização de capacidade instalada geral
desde os anos (19)70, nota-se um perfil ascendente de 1970 a 1976, segui-
do por uma queda que vai até 1983, com o uso da capacidade instalada
chegando a 72% apenas. Nota-se uma recuperação até aproximadamente
1988, seguida de uma baixa até aproximadamente 1992, quando se atinge
60%. Há uma expansão a partir daí, seguida até mais ou menos 1997, na
qual a série atinge a marca de 85% no quarto trimestre, ano depois do qual
segue-se uma nova pendente decrescente até 2003. Depois de 2003, segue-
se de forma geral uma elevação, maculada em 2008 mas ainda assim em
continuação até 2011, aproximadamente.

131
Gráfico 1
Brasil. Taxas de utilização de capacidade instalada (%) em diver-
sos setores. 1970-2015.
97

92

87

82

77

72

67

62

57

52

47
3° Trim.1971

2° Trim.1975

4° Trim.1996

3° Trim.2000

2° Trim.2004
2° Trim.1970

4° Trim.1972
1° Trim.1974

3° Trim.1976
1° Trim.1978
2° Trim.1979
3° Trim.1980
4° Trim.1981
1° Trim.1983
2° Trim.1984
3° Trim.1985
4° Trim.1986
1° Trim.1988
2° Trim.1989
3° Trim.1990
4° Trim.1991
1° Trim.1993
2° Trim.1994
3° Trim.1995

1° Trim.1998
2° Trim.1999

4° Trim.2001
1° Trim.2003

3° Trim.2005
4° Trim.2006
1° Trim.2008
2° Trim.2009
3° Trim.2010
4° Trim.2011
1° Trim.2013
2° Trim.2014
3° Trim.2015
Geral Bens de consumo Bens de capital

Fonte: Banco Central/FGV.

Nota-se que as flutuações no uso da capacidade instalada são muito mais


pronunciadas no setor de bens de capital, particularmente no que se refere aos
períodos entre 1981-1984 e 1990-1992. Particularmente quanto aos anos 2000,
há uma clara tendência ascendente para os bens de consumo e de bens de
capital, que dá lugar, a partir de 2013, a uma inversão que, do ponto de vista
histórico-econômico, tem um componente puramente cíclico. Este atenderia,
segundo nossas premissas teóricas, a uma expansão da capacidade instalada
que compromete, depois de certo período de tempo, o nível de lucratividade.
Não é demasiado recordar que, ao longo de todo o período 2003-2013, os
excedentes operacionais brutos como proporção do PIB caíram de forma
progressiva, com exceção do interlúdio 2008-2009.

132
Gráfico 2
Brasil. Taxas de utilização de capacidade instalada (%) em diversos
setores. 2011-2015.
95

90

85

80

75

70

65

Bens de consumo Bens de capital Material de construção


Bens de consumo intermediário Minerais não-metálicos Metalúrgica
Mecânica

Fonte: Banco Central/FGV.

Justamente, pode-se notar (ver gráfico no anexo) que a esta expansão dos
investimentos foi se dando uma queda da participação relativa dos excedentes
operacionais em termos do PIB, e um crescimento dos salários como um
todo, traduzindo-se em queda nominal da taxa de desemprego. Ou seja, um
perfil ascendente dos investimentos que vai, ao mesmo tempo, criando condi-
ções para que ele posteriormente decline, seja mediante um aumento da parti-
cipação dos salários na renda nacional, seja criando capacidade excedente a
deprimir a taxa de retorno. Assim, observando-se no longo prazo o compor-
tamento da economia brasileira, percebe-se o esgotamento de um perfil periódi-
co de expansão/retração, em meados do primeiro mandato de Dilma Rous-
seff, cuja trajetória parece atender a um polinômio de quarto grau. No que
toca particularmente ao período 2011-2014, a figura abaixo deixa ver as taxas
de utilização de capacidade instalada na indústria. Note-se como passam a cair
de forma nítida no fim do ano de 2014, momento de reeleição de Dilma.
Certamente este foi um “componente político” a adicionar-se e intensificar a
viragem cíclica estrutural.

133
Vê-se que até o quarto trimestre de 2013 as margens de utilização fo-
ram estáveis para todos os setores. Percebe-se depois uma queda pronun-
ciada da utilização em bens de capital e bens de consumo, setores nos
quais as importações brasileiras são sensíveis (ver seção abaixo). A produ-
ção de minerais não-metálicos e construção obtiveram diminuições menos
severas. Pode-se inferir que os efeitos da diminuição do setor industrial
com relação ao PIB foram intensos pelo fato de que o setor de bens de
capital mostrou uma perseverante diminuição em suas margens de capaci-
dade instalada, bem como de bens de consumo e mecânica. Tal como se
vê no gráfico, a própria baixa utilização de capacidade instalada nos setores
de bens de capital – a mais baixa entre todas – é um indicativo da magni-
tude da viragem do desempenho da indústria, já que a produção de bens
de capital é, em si mesma, o principal denotativo da capacidade industrial.

6.3.2. Demanda agregada

Observe-se agora o comportamento da demanda agregada sob seus


diferentes perfis, no gráfico abaixo. A plotagem dos componentes da de-
manda agregada no Brasil entre 2007 e 2015 em valores correntes ressalta
particularmente duas características da inversão do tipo de crescimento
pelo qual passava a economia até o governo Dilma: (1) o surgimento de
um déficit comercial, iniciado de forma limitada em 2009 e progressiva-
mente intensificado, tanto por um aumento das importações como por
uma queda das exportações; (2) uma interrupção brusca do processo de
investimento iniciado no terceiro trimestre de 2013. O consumo do go-
verno acompanha o crescimento do consumo das famílias e a flutuação da
variação de estoques é errática. A variação de estoques (acúmulo de esto-
ques) depois de 2009 caiu, expressando queda da produção propriamente
dita, e uso de estoques pré-existentes. A partir de então, a flutuação dos
estoques é periódica e não parece relacionar-se de forma explicativa com a
queda do volume de acumulação na economia. 44

44. A plotagem dos valores correntes de PIB explicado em termos dos estoques não dá qualquer
relação definida, seja linear, seja exponencial, ou qualquer outra, com um baixo coeficiente de determi-
nação em termos de uma relação linear (R2 = 17%).
134
Gráfico 3
Brasil. Componentes da demanda agregada. 2007-2015. Em milhões
de reais correntes. Consumo no eixo direito.
350.000 1.000.000

300.000 800.000

250.000 600.000

200.000 400.000

150.000 200.000

100.000 0

50.000 -200.000

Consumo do governo Formação bruta de capital fixo


Exportações Importações
Consumo das famílias Variação de estoques

Fonte: Contas Trimestrais – IBGE.

Pode-se afirmar que esta inversão da formação bruta de capital não


esteve atribuída à queda na construção residencial. O nível de endividamento
das famílias regrediu quando excetuado o crédito imobiliário, mas continuou
elevando-se até o final de 2014 quando se inclui na série o endividamento
com o sistema financeiro nacional de habitação (como se vê no anexo). De
fato, o Sistema de Contas Nacionais do Brasil calculado pelo IBGE (2010-
2013) indica que a participação da construção residencial na formação bruta
de capital elevou-se de 18 a 21% do total entre 2010 e 2013 (não há dados
para o ano de 2014). Ao mesmo tempo, a construção de outros edifícios e o
investimento em transporte caíram um ponto percentual em termos do
valor total corrente dos investimentos.

135
Tabela 1
Brasil. Componentes da formação bruta de capital fixo (total =1). Cal-
culado pelo autor a partir de valores correntes. 2010-2013.

2010 2011 2012 2013


Residencial 0.18 0.19 0.21 0.21
Outros edifícios e estruturas 0.28 0.28 0.28 0.27
Equipamentos de transporte 0.13 0.13 0.12 0.12
Tecnologia da informação e comunicação 0.04 0.04 0.05 0.05
Outras máquinas e equipamentos 0.17 0.17 0.17 0.18
Pesquisa e desenvolvimento Software 0.03 0.03 0.04 0.03
Exploração e avaliação mineral 0.04 0.05 0.05 0.05

Fonte: IBGE – Contas Nacionais do Brasil, 2010-2013, Tabela 8.

Na verdade, percebe-se que a chamada formação bruta de capital ofi-


cialmente calculada para o país foi, de acordo com nossas premissas, apro-
ximadamente 18% menor em 2010 com relação ao valor total, e 21%
menor em 2013, se excluímos o valor da construção residencial. Consti-
tuindo-se aí uma das debilidades adicionais do tipo de crescimento pelo
qual passou o país no período, de acordo com as premissas adotadas de
exclusão de residências do cômputo de uma “verdadeira” taxa de forma-
ção de capital. Ou seja, a taxa de investimento é menor do que realmente
foi se excluída a parte destinada à construção civil residencial, que deveria
ser, de acordo com as premissas aqui adotadas, contabilizada fora do con-
ceito de investimento. Na medida em que as residências não são conside-
radas, justamente, ativos produtivos, mas sim bens de consumo duráveis.
É fato que a construção de residências populares eleva o nível de vida em
geral, não deixando de ter consequências econômicas positivas. Mas isto
não é investimento, se entendemos por investimento a alocação de recur-
sos em bens que elevam a capacidade de produção física da economia. Já a
construção de casas de luxo, numa economia subdesenvolvida, é um puro
desperdício de recursos excedentes à luz das necessidades da economia
como um todo, justificando-se apenas como medida “perversa” de estí-
mulo à demanda, sem que se produza um bem final útil à coletividade.
Não é possível calcular, porém, a partir da contabilidade nacional oficial-
mente divulgada, a divisão entre a construção de casas populares e casas
para as camadas sociais superiores.45

45. Este critério poderia ser ainda mais rigoroso. Que parcela da taxa de formação bruta de capital
refere-se à produção de bens de luxo? De bens não essenciais? De armas? Que parcela da taxa de
136
O gráfico na sequência mostra a evolução setorial do PIB do Brasil
desde 1995, calculados a partir de preços correntes.46

Gráfico 4
Brasil. Componentes da demanda agregada como proporção do
PIB (calculado a partir de reais correntes). 1995-2015 (segundo trimestre).

0,25 0,70
0,20 0,68
0,15 0,66
0,10 0,64
0,62
0,05 0,60
0,00 0,58
-0,05 0,56
-0,10 0,54
1995
1996.IV
1997.IV
1998.IV
1999.IV
2000.IV
2001.IV
2002.IV
2003.IV
2004.IV
2005.IV
2006.IV
2007.IV
2008.IV
2009.IV
2010.IV
2011.IV
2012.IV
2013.IV
2014.IV
Consumo do governo Formação bruta de capital
Variação de estoques Exportação
Importação Consumo das famílias
Fonte: Contas Trimestrais – IBGE. Observação: consumo no eixo direto.

Observando-se o PIB pela participação relativa dos componentes da


demanda agregada, vê-se uma queda da participação do consumo das famí-
lias a partir de 2001. Tal queda, de 63% a 60% do PIB, foi mantida durante
praticamente toda a administração de Lula (2003-2010). A esta queda relativa
(pois crescia em nível absoluto) estava se contrapondo um aumento da taxa
de investimento (formação bruta de capital fixo), de forma progressiva entre
2003 a 2010, apresentando-se um aumento de 16 a 20% do PIB. As expor-
tações, desde 2002, estiveram acima das importações em termos relativos ao
PIB, isto é, os saldos comerciais passaram a ser crescentes e seguiram positi-

investimentos não se referia à produção de bens que, uma vez usados, serviriam para aumentar a
produtividade média da economia? Utilizando-se tal critério, perceber-se-ia que uma parte ainda mais
relevante do processo de investimento só o era no nome, sendo na verdade amontoamento improdu-
tivo do excedente gerado principalmente nos setores agrícola e de extração mineral. Apenas numa
economia socialista, porém, os investimentos podem ser contabilizados a partir destes critérios.
46. Os dados foram obtidos no endereço oficial do IBGE, campo “Sistema de Contas Nacionais
Trimestrais”. A justificativa para o uso de preços correntes reside no fato de que eles são os preços
pelos quais as mercadorias foram efetivamente realizadas (vendidas) por todos os setores.
137
vos até o início de 2011. Isto significava que a economia como um todo
durante o governo Lula estava a realizar um maior esforço relativo de inves-
timento, comprimindo o consumo em termos relativos, desmistificando o
período como marcado pelo aumento relativo do consumo; pelo menos até
2010, este se manteve bastante estável (em termos relativos).
Como dito, este movimento foi auxiliado pela exportação de recursos
naturais que o país não precisou produzir, mas sim apenas extrair. O con-
sumo do governo foi estável durante todo o período, incluindo o referente
ao governo Dilma: aproximados 20% do PIB. Ao aumento do consumo
depois de 2010 contrapõe-se a diminuição dos estoques, cujas oscilações
próximas a zero denotam comportamento just in time, com baixa estoca-
gem. Depois de 2011, porém, houve um claro aumento relativo do consu-
mo das famílias, já que as taxas de investimento e de exportações iniciaram
queda. Desde 2011, portanto, para um PIB que decrescia pelo lado das
exportações e investimentos, o consumo das famílias cresceu em termos
relativos, demonstrando menor elasticidade.
No que toca ao consumo agregado, a hipótese de que o período das
administrações petistas (2003-2016) foi acompanhado por uma melhoria
redistributiva parece confirmado por uma análise de regressão simples.
Lançando mão do conhecido modelo linear da função consumo, isto é, o
consumo das famílias explicado pelo comportamento do produto, tem-se
que a partir da segunda metade dos anos 2000, no qual se inclui a adminis-
tração de Rousseff, houve um aumento da propensão a consumir média
na economia.
Tenha-se o modelo:
con = a + pib b (1)

Nele, a variável dependente é o consumo das famílias, a independente


é o PIB nacional e o coeficiente angular é a propensão a consumir. Esti-
mando a propensão ao consumo para os períodos 1996-2006 e 2005-2015,
com valores logarítmicos, tem-se, com quarenta observações e variável
dependente atrasada em um trimestre:

1996-2006 (início no primeiro trimestre de 1996)


log con = 0,32 + log pib 0,90
R2: 0,99
Valor-P: 1,8 x 10-47
Durbin-Watson: 1,51
Estatístico t: 99,02
Estatística Tau para os resíduos: -4,80
138
2005-2015 (início do terceiro trimestre de 2005)
log con = -0,29 + log pib 1,01
R2: 0,98
Valor-P: 7,98 x 10-39
Durbin-Watson: 2,35
Estatístico t: 58,43
Estatística Tau para os resíduos: -7,44

Estes modelos, com bons estimadores e resíduos estacionários, aten-


dem à comum alta relação entre PIB e consumo das famílias e, na ausência
de dados desagregados para diferentes perfis de renda, o aumento da pro-
pensão média a consumir da economia para o segundo período (no qual se
inclui a administração de Dilma Rousseff) indica que, ainda que a renda
tenha se mantido bastante concentrada no país, o consumo dos trabalha-
dores aumentou de forma tal a reduzir a propensão média a poupar da
economia como um todo. O que ademais está denotado na própria ultra-
passagem da taxa de poupança pela taxa de investimento, levando-se ao
endividamento líquido da economia com o exterior a partir de 2007, o que
se pode ver no próprio valor para o intercepto na segunda regressão.

6.3.3. Valor adicionado

O crescimento obtido ao longo dos anos 2000 não foi homogêneo


entre os setores, nem os setores cresceram de forma homogênea ao longo
do tempo. Observando-se a divisão do PIB brasileiro pela ótica do valor
adicionado setorial (gráfico abaixo), os setores de extração mineral ocupa-
ram posições relativas crescentes desde 1995, passo interrompido somente
com uma grande oscilação entre 2008 e 2010. Atingiram um pico de 4%
do PIB em algum momento em 2013, ano depois do qual caíram de forma
mais ou menos brusca. A construção civil perdeu espaço de 1995 até 2003,
momento este a partir do qual sua queda se interrompeu e permaneceu em
torno de 4% do PIB entre 2003 e 2008. Depois de 2008, sua participação
cresceu sem interrupção até 6%, no fim da série.
Os serviços caíram em participação desde 1998, saindo de 60% do PIB
e indo a 55% até 2005; a partir daí, recobram crescimento que vai chegar a
levá-los a mais de 60% do PIB em 2014. O setor de eletricidade é o mais
homogêneo em termos de comportamento, apresentando queda sustentada

139
relativa ao PIB desde meados de 2004. 47 Por fim, a indústria de transforma-
ção apresentou aumento de sua participação relativa desde meados de 1999
até 2005. Este foi justamente o interlúdio no qual o real passou por desvalo-
rização progressiva, em termos reais, desvalorização que chegaria ao seu
cume em fins de 2002. Note-se, e isto é crucial em termos da argumentação
que buscamos aqui delinear, que este aumento da participação da indústria
de transformação em termos do PIB deu-se neste período de desvalorização
do real. O valor da indústria em termos do PIB atingiria o pico de 16% em
2004, momento a partir do qual o setor passou a cair de forma bastante
nítida, em paralelo, como se vê no anexo, a uma revalorização do real no
mercado cambial que iniciada em 2003. Por fim, após uma tendência, entre
1995 e 2004, de ascensão de 5 a 7% do PIB, o setor agropecuário oscilou
sempre em torno de 4 e 5% em termos de valor agregado na economia
nacional, a partir de então.

47. Há anos especialistas como Luiz Pinguelli Rosa e Ildo Sauer vêm denunciando o funcionamento
deficiente do sistema elétrico e a enorme perda para as empresas públicas geradoras de energia vinda
da operação efetiva do sistema. Há muitas críticas (ver Sauer 2011 e Sauer, Rosa et alii 2003). O país
tem usado continuamente termelétricas, mais caras e poluentes, com a construção de usinas
hidrelétricas e eólicas abaixo da necessária. As reposições de materiais necessárias para a modernização
não têm sido feitas. Os contratos com enormes taxas de retorno aos produtores ou transmissores
privados, da era Cardoso, não foram revistos nem no governo Dilma, nem no governo Lula. Eles
operam com relativa facilidade sobre a administração do sistema, impedindo um controle social. Há
uma diluição dos operadores do sistema, que causa uma anarquia em sua regulação (ANEEL, ONS,
Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico etc.). Mas a questão relativa aos subsídios reside no fato
de que as geradoras públicas (Furnas, São Francisco, Eletrosul, Cemig, Eletronorte) têm vendido
energia barata para os grandes “consumidores livres” (algo como mil e quinhentas grandes empresas
não-cativas, com 25% aproximadamente do consumo) abaixo do custo necessário para valorizar o
capital (público) investido ao longo dos anos anteriores. O fornecimento de energia abaixo do custo
total médio de 100 reais por MWh pelas empresas públicas onera-as e esteve na base das diminuições
tarifárias do governo Dilma, que, segundo eles, não reduziram o custo da energia, mas sim apenas
internalizaram as perdas. Enquanto isto, 2,5 milhões de indivíduos no país não possuem energia elétrica
em suas residências. O mercado cativo, os consumidores individuais, têm uma tarifa alta na qual se
embutem constantemente as perdas ocasionadas por má gestão, particularmente quando o sistema é
paralisado momentaneamente e as usinas “reserva” mais caras têm de ser contratadas. “Se o governo
tivesse cumprido sua obrigação — reformar o setor elétrico, recuperar o controle social sobre a
qualidade e os preços da energia, fazer inventário dos potenciais hidráulicos, eólicos, de cogeração com
bagaço de cana, de conservação de energia, para expandir a oferta futura, fazer os estudos sociais e
ambientais, ranqueá- los, escolher na ordem os que têm mais atributos favoráveis nem Santo Antônio e
Jirau, nem Belo Monte seriam necessários agora” (Sauer, 2011, p.10).
140
Gráfico 5
Brasil. Setores econômicos. Valor adicionado setorial/PIB (calculado
a partir de valores correntes). 1995-2014.
0,20 0,7
0,6
0,15 0,5
0,4
0,10
0,3
0,05 0,2
0,1
0,00 0

Extração mineral Transformação


Eletricidade Construção civil
Serviços Agropecuária
Fonte: Contas Trimestrais – IBGE. Serviços no eixo direito.

Quanto ao desempenho particular da indústria extrativa e de trans-


formação, caberia uma avaliação de seu desempenho à luz dos diferentes
parâmetros comentados na introdução: produtividade, preços relativos e
estrutura de emprego (esta última é analisada na próxima seção). Há vários
critérios possíveis de adoção para uma análise da produtividade do setor.
Aqui utilizamos o de receita por unidade de emprego; este critério mediria
a evolução ou involução do lucro líquido por unidade de fator trabalho
empregado. Tem a dificuldade de não ser totalmente preciso porque não
há uma relação totalmente exata entre o nível de demanda das firmas e o
nível de ocupação em cada um delas (ou neste caso cada setor); mas serve
como proxy do volume de produto setorial obtido por cada unidade de
trabalho empregada.
De acordo com a figura, feita com os dados fornecidos pela Pesquisa
Industrial Anual (PIA-IBGE) e pela Pesquisa Anual de Serviços (PAS),
houve um aumento da receita setorial por unidade de emprego utilizada
entre 2007-2013 para todos os setores, com exceção da extração de mine-
rais metálicos e outros equipamentos de transporte. 48 Segundo a PIA, o
aumento médio da receita total por unidade de emprego variou positiva-

48. Os dados utilizados nesta seção estão disponíveis no endereço:


<http://www.sidra.ibge.gov.br/>, nos itens “Serviços” e “Indústria”.
141
mente 1,61 vezes na indústria como um todo, em valores correntes defla-
cionados pelo IPCA. Nos serviços, somente atividades recreativas e cultu-
rais apresentaram involução das receitas líquidas por unidade de emprego.
A receita líquida de vendas pelo número de trabalhadores foi positiva para
a maioria dos setores, ainda que vários na indústria tenham apresentado
queda nesta variável: estes foram os setores de carvão mineral; petróleo e
gás; extração de minerais; celulose e produtos químicos; equipamentos de
informática; máquinas e equipamentos; fabricação de veículos automoto-
res e outros equipamentos de transporte.
Em geral, o pico da relação receita líquida/unidade de emprego deu-
se em 2010 ou 2011, mostrando a óbvia correlação entre lucros e deman-
da. No caso da indústria, o aumento da receita por unidade de emprego
para a economia como um todo deu-se por um crescimento mais rápido
da receita do que do número de trabalhadores: o número de trabalhadores
na indústria total brasileira, segundo a PIA, cresceu 1,07 vezes entre 2010 e
2013 (de oito milhões e duzentos mil a oito milhões e oitocentos mil traba-
lhadores), mas a receita total global para o setor cresceu 1,48 vezes (já de-
flacionada pelo IPCA, saiu de 1.930 bilhões e foi a 2.865 bilhões entre
2010 e 2013). As demandas de órgãos representativos como a FIESP e a
CNI devem então ser lidas no mínimo com cautela quando atribuídas para
o conjunto das indústrias. Estas, segundo o que afirmamos, aumentaram
suas taxas de retorno por unidade de trabalho empregada entre 2010 e
2013, neste mesmo ambiente de desaceleração que marcou a segunda
metade da primeira administração Dilma.
O gráfico abaixo ilustra o perfil da receita líquida por unidade de em-
prego para os setores dos serviços, da indústria de transformação e extra-
ção em termos agregados.49

49. Os dados para cada um dos setores específicos podem ser obtidos em:
<http://www.sidra.ibge.gov.br/>, itens “Indústria” e “Serviços”. O ano de 2013 é o último disponível
da série.
142
Gráfico 6
Brasil. Receita líquida por unidade de emprego para indústria de ex-
tração, indústria de transformação e serviços. 2007-2013. A partir de reais
correntes. Serviços no eixo direito.
650 12
600
10
550
500
8
450
400 6
350
4
300
250
2
200
150 0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Extração mineral Indústria de transformação Serviços

Fonte: PIA-IBGE. Nota: para serviços, “Receita operacional líquida”; para indús-
tria de extração e transformação, “Receita líquida”.

O que se depreende a partir do gráfico? Primeiramente, que a relação


receita líquida por unidade de trabalho é muito superior na indústria do
que nos serviços, denotando-se maior capacidade de multiplicação física de
bens; em segundo lugar, que a receita por trabalhador empregado cresceu
de forma mais rápida na extração (1,91 vezes entre 2007-2013), depois nos
serviços (1,81 vezes), com a indústria de transformação em último lugar
(1,43 vezes). Para todos os setores, houve um saldo líquido de contratação
de trabalhadores, ainda que decrescente, entre 2010 e 2013, com exceção
de uma forte flutuação negativa da indústria em 2009. Isto mostra como o
crescimento no período mostrou-se maior nos setores menos expostos à
concorrência internacional. Em terceiro lugar, tal mostra também que a
produção na extração mineral é mais elástica em termos das flutuações do
PIB, particularmente porque dependentes das exportações. É importante
ressaltar, porém, que tais dados se referem ao conjunto de trabalhadores
formais da economia, segundo a metodologia da PAS e PIA, o que limita
as deduções feitas a partir daí para o resto da estrutura econômica. Nota-se
que a indústria de extração mineral foi mais afetada pelos efeitos continua-
dos da crise global em 2011, com uma queda da receita líquida por traba-
lhador empregado pronunciada depois de 2011. A receita por unidade de

143
emprego na indústria de transformação também foi crescente de 2007 a
2013, porém mais estável.
De um ponto de vista dos setores agregados, os dados sugeririam
que, de forma geral, houve um aumento da produtividade do trabalho em
quase todos os setores. De fato, como sempre enfatizou Joan Robinson,
não é possível que o processo de acumulação se amplie sem que se dê um
progresso da técnica ao longo do tempo. A evidência empírica sugere que
a produtividade do trabalho se elevou no período, paralelamente a um
aumento dos próprios salários.
Somando-se a esta aparente elevação da produtividade por unidade
de emprego, a baratear a produção física sempre que as condições de es-
trutura de concorrência assim permitam, há o fato de que a variação de
preços do valor adicionado para os produtos industrializados foi uma das
menores registradas entre 2010 e 2013 (não há dados para 2014). Somou
apenas 9,6% para a indústria de transformação como um todo, ao passo
que para o setor de serviços somou 27%, e 32% especificamente para o
comércio, com 28% para saúde, educação e administração pública (IBGE
2015, tabela 12).

Tabela 2
Brasil. Variação de preços do valor adicionado bruto a preços básicos,
segundo os grupos de atividades - 2011-2013.

Setor 2011 2012 2013


Agropecuária 12,5 9,0 10,5
Indústria extrativa 42,9 16,5 5,0
Indústria de transformação 2,0 2,1 5,5
Comércio 12,3 12,0 8,3
Administração, saúde e educação públicas 9,1 7,6 12,0
Outros serviços 8,9 9,9 10,9

Fonte: IBGE – Contas Nacionais do Brasil, 2010-2013, Tabela 12.

Assim, o aparente aumento da produtividade para o setor industrial


de transformação como um todo, junto de uma menor variação dos
preços dos produtos industrializados, somados ambos a uma diminuição
do ritmo da demanda agregada e câmbio valorizado, trouxeram pressão
sobre a expansão do setor industrial pelo lado da diferenciação
desfavorável dos preços relativos face aos outros setores. Adicionando-se
tal ao aumento das importações em termos do PIB, confirma-se assim a
atuação das dificuldades adicionais ao setor produtivo discutidas

144
teoricamente no segundo capítulo, para além daquelas já colocadas por
uma política fiscal não muito expansiva. Uma economia com baixo capital
industrial instalado, baseada preponderantemente na expansão com
“economia de capital” – isto é, com ênfase em força de trabalho aplicada
nos serviços – é, assim, inerentemente inflacionária.

6.3.4. Expectativas

Uma das hipóteses adotadas neste estudo refere-se a uma análise do


perfil histórico seguido pelas expectativas dos que efetuam a maioria das
decisões de investimento. O gráfico na sequência plota as perspectivas de
crescimento, coletadas entre o setor corporativo pelo Banco Central, para
o ano subsequente ao do dia em que o dado é coletado.

Gráfico 7
Brasil. Expectativas de mercado. Expectativas para o PIB anual no
momento da pesquisa. Média. As setas indicam a taxa de crescimento real
para o ano.
9,00
8,00
7,00
6,00
5,00
4,00
3,00
2,00
1,00
0,00
-1,00
-2,00
23/03/2009

26/05/2010

25/07/2011

21/09/2012

22/11/2013
02/01/2003
05/08/2003
09/03/2004
06/10/2004
14/05/2004
15/12/2004
19/07/2005
13/04/2006
16/11/2006
20/06/2007
21/01/2008
21/08/2008

22/10/2009

24/12/2010

23/02/2012

26/04/2013

27/06/2014

Fonte: Sistema de expectativas de mercado/séries consolidadas – Banco Central.


Disponível em: <
https://www3.bcb.gov.br/expectativas/publico/consulta/serieestatisticas>.

Vê-se que no fim de 2010, período da eleição de Dilma Rousseff,


houve uma queda das expectativas de crescimento para o ano posterior
145
que aparentemente não pode ser explicado pelo relativamente alto cresci-
mento obtido naquele ano. Na virada do ano, pode-se perceber, “em tem-
po real”, como as perspectivas se alteram de forma descolada com relação
ao que estava ocorrendo no mercado de bens. Há claramente uma reação
corporativa à continuidade da administração petista. Esta queda foi manti-
da ao longo de toda a primeira administração de Dilma, na qual houve um
constante rebaixamento da perspectiva de crescimento futuro da econo-
mia brasileira.
Percebe-se, pela observação do gráfico, que tais expectativas são mui-
to variáveis. Durante todo o primeiro ano de Lula, elas foram cadentes,
exprimindo a desconfiança com o novo governo e a política contracionista
adotada naquele ano; segue-se uma recuperação do otimismo e uma poste-
rior estagnação entre 2005 e 2006. Em 2007, à medida que a economia
crescia, as expectativas para o crescimento futuro em 2008 foram elevadas;
isto continuou inclusive em 2008. Em 2009, houve uma inversão verdadei-
ramente dramática das expectativas, com uma queda sem precedentes,
prevendo uma recessão para o PIB no ano. Em 2010, deu-se uma súbita
recomposição do otimismo, que previu um crescimento para o ano tam-
bém inédito. Isto refletia o crescimento da própria economia naquele ano,
aparentemente debelando os efeitos da crise.
Este otimismo subitamente deu lugar a um maior pessimismo depois
da eleição de Dilma, já no começo de 2011. Esta queda é notável porque o
ano de 2010 acumulou uma “boa” taxa de crescimento. Tal queda das ex-
pectativas não tem relação com o relativamente “bom” ano anteriormente
visto; ela certamente refletiu, em parte ao menos, a opinião negativa do setor
corporativo com relação à nova vitória do Partido dos Trabalhadores nas
eleições para presidente em outubro. A partir daí, ao longo dos dois primei-
ros anos de governo de Dilma, as expectativas foram cadentes, em direção
contrária a uma que se deduziria do crescimento de 7,53% do ano anterior.
Depois, ao longo dos três primeiros anos de governo de Dilma, tais expecta-
tivas posicionaram-se quase sempre abaixo do valor real atingindo pelo PIB.
A revisão de expectativas entre 2012 e 2013 foi meramente passageira den-
tro deste quadro, como em novembro de 2012 e junho de 2013. As expecta-
tivas quanto ao PIB anual foram sistematicamente cadentes, diferentemente
dos anos anteriores, especialmente os prévios à crise de 2008, nos quais de
forma geral houve um aumento das expectativas de crescimento.
Tais expectativas quanto ao crescimento anual dependem do anda-
mento geral dos negócios, mas dependem também da opinião sobre o que
haverá no futuro próximo. As mudanças súbitas da previsão feita pelo
146
mercado quanto ao crescimento anual também refletem opiniões sobre a
economia internacional e sobre o governo. De um ponto de vista da pró-
pria taxa de crescimento em 2010, parecia não haver justificativa para uma
queda tão grande da previsão de crescimento para 2011, mas foi justamen-
te isto o que ocorreu à medida que Dilma tomava posse. Esta inversão
provavelmente foi composta pelo pessimismo ainda presente em 2010
com relação ao exterior, referente aos resultados da economia internacio-
nal em 2009. Mas, dado o crescimento obtido naquele ano, tal queda pare-
ce referir-se principalmente à derrota da coalização política abertamente
pró-mercado cristalizada na candidatura de Aécio Neves (PSDB). Esta
queda nas expectativas de crescimento já em 2010 vai contribuir para a
inversão do nível de investimentos, de forma bastante próxima à explica-
ção kaleckiana-robinsoniana mencionada em nossas premissas teóricas.
Esta queda das expectativas por parte do setor corporativo, sem antes
mesmo do início da aplicação da política econômica pelo governo Dilma, e
sistemática ao longo do primeiro e segundo ano de mandato, em conjunto
com os outros fatores mencionados, releva em parte a responsabilidade da
política econômica quanto à desaceleração da economia.

6.4. Ocupação

Passe-se agora à observação da evolução do volume de trabalhadores


alocados por tipo de atividade desempenhada, que nos dá outra perspecti-
va – análoga mas não idêntica– da evolução do produto, a partir de várias
fontes de pesquisa oficiais. Utilizaremos diferentes fontes, com metodolo-
gias diferentes mas resultados convergentes, com o fito de observar o per-
fil geral das contratações em cada setor da economia brasileira no período
considerado.
O primeiro gráfico na sequência mostra um conjunto de dados que
evidencia o enfraquecimento mais que proporcional do emprego na indús-
tria ao longo da desaceleração pela qual passou a economia brasileira. Tra-
tam-se os dados de saldo anual de emprego da RAIS-CAGED (Relação
Anual de Informações Sociais/Cadastro Geral de Empregados e Desem-
pregados), fornecidos pelo Ministério do Trabalho. Eles abarcam as admis-
sões e desligamentos de trabalhadores formais em todo o âmbito nacional.
Mostra-se uma evolução firme dos trabalhadores da construção
civil até 2010; o comércio evoluiu à base de quatrocentos mil novos admi-
tidos ao ano entre 2003 e 2009; a indústria também evoluiu positivamente,
mas de forma mais errática e abaixo do comércio e serviços. A porcenta-
147
gem dos empregados na indústria vai caindo ao longo de toda a série, com
um breve aumento apenas em 2010, quando chegou a 23% do saldo total
de novos empregos, estando a 31% em 2004. O pico das novas contrata-
ções em todos setores situa-se em 2010. A partir daí caiu o saldo anual para
todos setores, com exceção de administração pública e agricultura. É rele-
vante notar que o pico da contratação de trabalhadores formais é anterior à
posse de Dilma Rousseff.

Gráfico 8
Brasil. Evolução do saldo de emprego por setor de atividade eco-
nômica. Estoque (admissões – demissões). 2002-2015. Em milhares de
trabalhadores.
1200

1000

800

600

400

200

-200

-400

-600

-800
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Comércio Serviços Construção Civil
Administração Pública Agricultura Indústria

Fonte: Ministério do Trabalho-RAIS-CAGED.

Devido à maior formalidade no setor industrial, os dados mos-


tram uma queda saliente neste setor talvez mais do que proporcional à
queda do nível de emprego total (informais + formais) nos outros setores.
De qualquer forma, entre os trabalhadores formalizados em âmbito nacio-
nal, a queda do número de trabalhadores no setor industrial foi maior que
a nos outros setores a partir de 2010, seguida de perto pela queda dos em-
pregados da construção civil. No fim do primeiro governo Dilma a eco-
nomia encontrava-se em recessão, demitindo mais que admitindo em to-
dos os setores, menos agricultura e administração oficial.

148
O gráfico na sequência mostra o crescimento da economia no pe-
ríodo pela ótica da alocação da força de trabalho setorial, em milhares de
trabalhadores, nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Hori-
zonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Trata-se da estimação de
trabalho nas regiões metropolitanas da Pesquisa Mensal de Emprego do
IBGE, feita por amostras, e que abarca inclusive trabalho informal. 50
Podem-se notar as seguintes características nos movimentos aloca-
tivos da força de trabalho para as principais regiões metropolitanas, segun-
do a pesquisa. No início da década de 2000, os “outros serviços mais ou-
tras atividades”51 e a indústria de transformação empregavam aproxima-
damente o mesmo número de trabalhadores, aproximadamente três mi-
lhões de pessoas cada. A evolução destes dois setores foi semelhante até
aproximadamente 2008. A partir daí, o número de trabalhadores na indús-
tria de transformação estagnou, enquanto os outros serviços continuaram
evoluindo positivamente. “Comércio, reparação de veículos e de objetos
pessoais” mostrou um crescimento estável, ocupando a maioria dos traba-
lhadores, estando junto com “outros serviços” no fim da série. O grupo
de indivíduos ocupado na rubrica de “intermediação financeira e atividades
imobiliárias” situava-se acima apenas de “domésticos” e “construção” em
2002. Houve um crescimento desta rubrica bastante rápido no período,
atingindo um pico em 2014, que ultrapassa a indústria e iguala a adminis-
tração pública.
Esta última também passou por um grande crescimento ao longo dos
anos 2000, ultrapassando também a indústria a partir de 2012. A constru-
ção civil apresentou um crescimento estável, mas firme de 2004 a 2012,
passando a cair a partir de então. Os trabalhadores domésticos, em geral
mulheres, parecem ter atingido um pico em 2007, decaindo de forma no-
tável a partir de 2014. Provavelmente, houve muitas trocas deste tipo de
trabalho por outros com maior segurança laboral. Nota-se, porém, que o
declínio da série é interrompido em 2013, e que o número destes trabalha-
dores(as) passou a elevar-se novamente desde então, em contraposição aos
contratados nas indústrias das regiões metropolitanas. Denotando-se assim
o esgotamento da absorção de mão de obra nos outros setores e um reflu-
xo ao trabalho doméstico, caracteristicamente alimentado por aqueles em

50. As séries foram obtidas endereço do IBGE “Banco de dados agregados – Sistema de Recuperação
Automática – SIDRA”, no campo “Emprego”.
51. Segundo a definição da pesquisa mensal de emprego: alojamento e alimentação, transporte, arma-
zenagem e comunicações, limpeza urbana, atividades associativas, recreativas, culturais e desportivas,
serviços pessoais mais atividades não enquadradas nos outros grupos.
149
condições econômicas mais difíceis, a aceitarem informalização e salários
mais baixos.

Gráfico 9
Brasil. Pessoas de mais de dez anos de idade, ocupadas na sema-
na de referência. Por setor de atividade econômica. Em mil pessoas.

5000

4500

4000

3500

3000

2500

2000

1500

1000
jan/03

dez/05

jan/08

dez/10

jan/13

dez/15
jul/15
nov/03

jul/05

mai/06

nov/08

jul/10

mai/11

nov/13
ago/02

abr/04

ago/07

ago/12
set/04
fev/05

abr/09

abr/14
set/14
fev/15
mar/02

jun/03

out/06
mar/07

jun/08

set/09
fev/10

out/11
mar/12

jun/13
Indústria extrativa e de transformação
Construção
Comércio, reparação de veículos e de objetos pessoais e domésticos
Administração pública, defesa, seguridade social
Intermediação financeira e atividades imobiliárias
Serviços domésticos
Outros serviços mais outras atividades

Fonte: IBGE – Pesquisa Mensal de Emprego.

Outras pesquisas abrangentes sobre emprego são as Pesquisa Anual


de Serviços (PAS) e a Pesquisa Industrial Anual (PIA), em especial no que
se refere ao cômputo total do emprego por setor, com carteira assinada.52

52 Quanto à metodologia, a PIA refere-se a estabelecimentos que: estão em situação ativa no Cadastro
Central de Empresas - CEMPRE, do IBGE, que cobre as entidades com registro no Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ e constantes da Relação Anual de Informações Sociais - RAIS, do
Ministério do Trabalho e Emprego; têm atividade principal compreendida nas seções C Indústrias
Extrativas e D Indústrias de Transformação, da Classificação Nacional de Atividades Econômicas -
CNAE; estão sediadas em qualquer parte do Território Nacional; têm cinco ou mais pessoas ocupadas.
A PAS adota a seguinte metodologia: a empresa 1) tem que estar em situação ativa no Cadastro Central
150
Os resultados da PIA e PAS trazem informações complementares às in-
formações anteriores. Seus âmbitos de abrangência setorial são maiores,
ainda que apenas referentes ao trabalho formal. Até o presente momento,
não estavam disponíveis dados para o ano de 2014, não se notando a que-
da absoluta dos contratados a partir de então.

Gráfico 10
Brasil. Pessoal ocupado em 31/12 na indústria extrativa, de transfor-
mação e nos serviços. 2007-2013. Em número de trabalhadores. Extração
mineral no eixo direito.
30000025 250000
25000025 200000
20000025
150000
15000025
100000
10000025
5000025 50000
25 0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Serviços
Indústria de transformação
Indústria da extração mineral
Fonte: PIA e PAS – IBGE. Disponível em <http://www.sidra.ibge.gov.br/>.

De acordo com a comparação entre indústria de transformação, in-


dústria extrativa e serviços, nota-se uma evolução muito mais sustentada
no setor de serviços como um todo, setor que entre 2007 e 2013 somou
mais de quatro milhões de novos empregados. Nota-se também aí que o
emprego total formal na indústria de transformação não caiu até meados
de 2013. Ele evoluiu de seis milhões e novecentos mil a oito milhões e

de Empresas - Cempre, do IBGE, que cobre as entidades com registro no Cadastro Nacional da
Pessoa Jurídica - CNPJ; 2) deve ter atividade principal compreendida nos segmentos da CNAE 2.0,
apresentados no Quadro 1; 3) deve estar sujeita ao regime jurídico das entidades empresariais,
excluindo-se, portanto, órgãos da administração pública direta e instituições privadas sem fins lucrativos;
e 4) deve estar sediada no Território Nacional e, em particular, para as Unidades da Federação da
Região Norte (Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Tocantins), são consideradas
apenas aquelas que estão sediadas nos Municípios das Capitais, com exceção do Pará, onde são
consideradas aquelas que estão sediadas nos municípios da Região Metropolitana de Belém (Belém,
Ananindeua, Benevides, Marituba e Santa Bárbara do Pará).
151
trezentos mil entre 2013 e 2007. Porém, percebe-se sua evolução mais
lenta entre 2010 e 2013, com o saldo total para os três primeiros anos de
governo Dilma de apenas 289 mil novos trabalhadores, ao passo que nos
serviços o saldo ultrapassou um milhão. A indústria extrativa contratou
formalmente entre 2007 e 2013 setenta e seis mil novos trabalhadores, e
entre 2013 e 2011 apenas vinte e um mil, estando em situação similar de
baixo crescimento.
A tabela na sequência desagrega as taxas de variação do emprego seto-
rial no Brasil entre os três principais setores da economia, com dados da PIA
e PAS, em termos de empregabilidade (serviços, indústria de transformação
e de extração), para os períodos de 2013-2007 e 2013-2011.
Nota-se que a evolução do emprego na indústria de extração foi a
maior entre 2007 e 2013, embora em termos absolutos ela seja a que me-
nos emprega. Este crescimento esteve em linha com o desempenho do
setor exportador de recursos minerais e do crescimento da extração de gás
e petróleo, particularmente pela Petrobras (que, deve-se observar, terceiri-
zou parte de seus funcionários, assim como outros entes e órgãos públi-
cos). 53 Os serviços absorveram quase na mesma taxa que a extração mine-
ral, mas numa quantidade numérica muito superior, atingindo quase trinta
milhões de empregados em 2013. Destaca-se nesta expansão principal-
mente o número de empregos nas atividades imobiliárias (puramente im-
produtivos, segundo nossas premissas). Transportes e serviços prestados
às famílias também contrataram acima da média do setor de serviços.
Por sua vez, a taxa de variação de contratação de trabalhadores média
na indústria de transformação neste período (2007 a 2013) esteve abaixo
das outras duas acima mencionadas. É interessante destacar que a indústria
de alimentos e bebidas, bem como a produção de equipamentos de trans-
porte, e manutenção, foram as que mais se expandiram dentro do setor,
em termos de empregabilidade. Isto mostra como o crescimento visto no
período foi acompanhado de um melhor perfil distributivo, relacionando-
se também com os setores da indústria menos expostos à concorrência
externa, seja pela sua dimensão local, seja por dificuldades logísticas, como
é o caso da indústria de alimentos. Setores que particularmente não tive-
ram bom desempenho foram os de fumo, têxteis, artefatos de couro, pro-
dutos de madeira e equipamentos de informática; justamente, os mais “ex-
portáveis”.

53. “A Petrobras é a empresa que mais utiliza a terceirização de serviços no Brasil. No governo de
Fernando Henrique, eram 120 mil funcionários terceirizados. Nos dois governos Lula, este número
subiu para 200 mil e chegou a 360 mil na gestão Dilma” (Godeiro, 2015, p.7).
152
Tabela 3
Brasil. Variação do emprego por setor (pessoal ocupado em 31/12 no
ano final/pessoal ocupado em 31/12 no ano inicial). Indústria extrativa,
indústria de transformação e Serviços. 2013-2011.

2013-2011 (a) e 2013-2007 (b) (a) (b)

Indústrias extrativas 1,11 1,53


Extração de carvão mineral 1,05 1,04
Extração de petróleo e gás natural 2,98 10,8
Extração de minerais metálicos 1,13 1,78
Extração de minerais não-metálicos 1,12 1,29
Atividades de apoio à extração de minerais 0,93 1,67

Indústrias de transformação 1,03 1,21


Fabricação de produtos alimentícios 1,01 1,29
Fabricação de bebidas 1,14 1,41
Fabricação de produtos do fumo 0,98 0,91
Fabricação de produtos têxteis 0,97 0,97
Confecção de artigos do vestuário e acessórios 1,02 1,24
Preparação e fabricação de artefatos de couro,
0,95 1,01
artigos para viagem e calçados
Fabricação de produtos de madeira 0,98 0,89
Fabricação de celulose, papel e produtos de papel 1,07 1,07
Impressão e reprodução de gravações 0,93 1,17
Fabricação de coque, de produtos derivados do
1,22 0,98
petróleo e de biocombustíveis
Fabricação de produtos químicos 1,04 1,21
Fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos 1,02 1,13
Fabricação de produtos de borracha e de material plástico 1,04 1,18
Fabricação de produtos de minerais não-metálicos 1,07 1,41
Metalurgia 1,06 1,14
Fabricação de produtos de metal, exceto máquinas e equipamentos 1,00 1,17
Fabricação de equipamentos de informática, produtos eletrônicos
1,03 1,13
e ópticos
Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos 1,05 1,29
Fabricação de máquinas e equipamentos 1,05 1,28
Fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias 1,10 1,19
Fabricação de outros equipamentos de transporte,
1,21 1,46
exceto veículos automotores
Fabricação de móveis 1,10 1,29
Fabricação de produtos diversos 1,13 1,29
Manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos 1,10 1,54
[Continua]

153
[Continuação]
Serviços 1,09 1,50
Serviços prestados às famílias 1,12 1,55
Serviços de informação e comunicação 1,08 1,45
Serviços profissionais, administrativos e complementares 1,08 1,53
Transportes, serviços auxiliares aos transportes e correios 1,09 1,45
Atividades imobiliárias 1,14 1,68
Serviços de manutenção e reparação 1,12 1,42
Outras atividades de serviços 1,03 1,29

Fonte: PIA e PAS – IBGE. Disponível em <http://www.sidra.ibge.gov.br/>.

No que tange especificamente ao período do governo Dilma Rousseff


(2013-2011, sem dados disponíveis para 2014), o mesmo padrão ocorre. A
indústria de transformação continuou contratando menos que os outros
setores em termos de taxa de variação, e em termos numéricos menos que
os serviços. O setor que mais contratou na indústria foi o de equipamentos
de transportes, respondendo aos estímulos oficiais dados ao setor. O setor
de bebidas continuou contratando também mais do que a média; fumos,
informática, têxteis, couro e madeira continuaram a crescer menos. Com
exceção de fumos, estes setores têm um maior número de pequenos e mé-
dios produtores, e sua desaceleração traduz as dificuldades de mobilidade
social e criação de um grupo de empresários com base local. A produção de
artigos de informática, geralmente periféricos de microcomputadores (tecla-
dos, mouses, pendrives, etc.), também sendo feita amiúde com capitais peque-
nos e médios, esteve na mesma situação de exposição a um câmbio valori-
zado. Nos serviços, as atividades imobiliárias continuaram a liderar a empre-
gabilidade, seguidas de transportes, durante o primeiro governo Dilma Ro-
usseff. Vale mencionar que em termos absolutos, os serviços profissionais
são os que mais empregam, com mais de cinco milhões de trabalhadores em
2013, com os serviços para edifícios e atividades paisagísticas abarcando o
segundo menor montante nesta rubrica, com mais de um milhão de traba-
lhadores, atrás apenas de técnicos-profissionais.
Para um produto interno bruto que evoluiu 1,22 vezes, em termos re-
ais, entre 2011 e 2013 (ver dados de PIB nominal e inflação no anexo), a
evolução do número de trabalhadores formalizados na indústria foi mais
lenta de forma geral, e situou-se bastante atrás dos serviços. A dimensão
absoluta dos empregados nos serviços era 3,3 vezes maior do que os da
indústria de transformação em 2013 (em número total de contratados). As
evidências sugerem que as desonerações dirigidas à indústria de transfor-

154
mação, se evitaram mais demissões, não conseguiram evitar que o setor da
indústria de transformação como um todo tivesse um desempenho muito
abaixo dos serviços, do ponto de vista do número de trabalhadores contra-
tados. Por outro lado, vários setores apresentaram uma variação positiva
de contratações, mas de forma insuficiente para fazer o número total do
emprego produtivo acompanhar o emprego nos serviços.
No fim do ciclo de crescimento pelo qual passava a economia brasi-
leira, em 2012, 19,1% do total de empregados na economia não possuía
carteira assinada, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
do IBGE (PNAD). Os empregados e trabalhadores domésticos totais
perfaziam 69% da força de trabalho disponível, sendo estes últimos 6,7%
deste total. Os que trabalhavam por conta própria somavam 20,7% da
força de trabalho total, e os empregadores 3,8%. A classe dos proprietários
continuava a ser minoria absoluta. Ao lado dos trabalhadores assalariados
havia uma ampla fração de trabalhadores “por conta própria”, não remu-
nerados e trabalhando para o próprio consumo, que, somados, chegavam
a 27,1% do total da força de trabalho. Somando-se os trabalhadores sem
carteira mais estes últimos grupos citados, tem-se 46% da força de trabalho
excluída das relações formais de trabalho assalariado.

Tabela 4
Brasil. Pessoas de 15 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de
referência, por Grandes Regiões e sexo, segundo a posição na ocupação e a
categoria do emprego no trabalho principal. 2013.

Tipo Porcentagem do total


Empregados com carteira 40,2
Empregados sem carteira 14,7
Domésticos com carteira 2,2
Domésticos sem carteira 4,5
Militares estatuários 7,4
Conta própria 20,7
Empregadores 3,8
Não remunerados 2,2
Próprio consumo 4,2
Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2013.

Nota-se então que a taxa de desemprego oficialmente divulgada era


menor que a realmente existente se levarmos em conta esta ampla fração de
indivíduos que, por razões diversas, não foi contratada como mão de obra
assalariada formal. É uma indagação legítima já há muito feita pela teoria
155
econômica perguntar se um indivíduo que está fora do chamado setor “mo-
derno” da economia, que está registrado na Previdência Social, ou um indi-
víduo que trabalha por conta própria, ou uma empregada doméstica etc.
estão de fato empregados ou desempregados de forma disfarçada. Presumi-
velmente, um empregado por conta própria está à margem da exploração
direta do capital. Mas sua produtividade marginal do trabalho é menor. Isto
é, ele trabalha com suas próprias mãos e produz fisicamente pouco; ele pode
conseguir sobreviver, mas a adição de riqueza que ele produz em termos
sociais é baixa porque ele trabalha sem meios de produção.
Assim, o perfil de crescimento brasileiro visto desde 2004 esgotou suas
possibilidades de crescimento, de um ponto de vista de uma taxa de desem-
prego oficialmente medida (que chegou quase a três por cento), sem que
aproximadamente metade das pessoas que podiam trabalhar sob condições
formalmente assalariadas assim o fizessem. Seria pouco realista negar que
esta situação é, ao menos em parte, um resultado do fato de que muitos
adultos em condições de trabalhar tenham abandonado a pretensão de se-
quer procurar ou se apresentar a uma vaga de trabalho depois de anos de
desemprego estrutural. Nos momentos em que a economia encontrou-se na
pendente ascendente de seu ciclo de acumulação (entre 2006 e 2011), estes
limites de oferta de força de trabalho provavelmente tiveram impacto nega-
tivo na expansão de muitos setores, particularmente os que são intensivos
em mão-de-obra, com condições insalubres e baixos salários. Isto não con-
traria a hipótese do subdesenvolvimento como uma situação de “excesso”
de força de trabalho face às disponibilidades de capital. Neste caso, podia até
haver oferta potencial de trabalhadores, mas em termos reais parte das even-
tuais vagas não foi preenchida por uma resistência consciente por parte dos
indivíduos, que puderam eventualmente manter um nível mínimo de subsis-
tência devido seja ao trabalho informal seja por viver às expensas de outros.
Se a metodologia de cálculo do desemprego levasse em consideração
todos os que não estavam buscando trabalho (população carcerária, traba-
lhadores domésticos ou simplesmente os que não buscavam trabalho), e
os desempregados “disfarçados” (vendedores ambulantes, atividades ile-
gais etc.), a taxa de desemprego seria muito maior do que a oficialmente
divulgada. Pelo modo como é calculada, ela exclui os quase novecentos mil
indivíduos encarcerados e os aproximados sessenta mil mortos por ano
por homicídios (ver o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do

156
Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN)).54 Com relação a 2009, por
exemplo, dada a população economicamente ativa então registrada (99
milhões) e a taxa de desemprego de então (9%), se computarmos os (altos)
números de mortos por homicídio e presos na taxa de desemprego, ela se
elevaria em mais de 0,5%.
Ainda, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE (IBGE
2015, p.31), os jovens “nem-nem” (que nem estudam, nem trabalham) eram
21% do total de jovens de 15 a 29 anos do país em 2014; o total de jovens
no país perfazia 24% da população total em 2014. Isto gerava um número
aproximado de nove milhões e setecentos mil pessoas em 2014, ou aproxi-
madamente a mesma quantidade de desempregados no ano, segundo o
cálculo oficial. A taxa de desemprego no Brasil, entendida no sentido da
quantidade de pessoas que não contribui economicamente para a produção
material -tendo condições e idade para fazê-lo-, seria então mais do que o
dobro maior que as oficialmente reconhecidas; ela somaria, em 2014, apro-
ximadamente vinte milhões de pessoas. Adicionando-se os já mencionados
desistentes da busca por trabalho, a situação seria ainda pior. Neste sentido a
expressão “pleno emprego” utilizada pela Presidência da República era uma
peça de retórica reconfortante mas inadequada na luta contra os problemas
de uma economia (em suposto) “desenvolvimento”.
Por outro lado, e este é o ponto mais importante, a taxa de acumula-
ção que realmente existiu não foi suficiente para que os salários reais ofere-
cidos ultrapassassem a “desutilidade marginal do trabalho” a ponto de
estes indivíduos ociosos (ou trabalhadores informais, ou trabalhadores por
conta própria) abandonarem suas posições, por um motivo ou outro, para
assumirem trabalhos formais. Isto é: o ciclo de crescimento econômico
brasileiro recente esbarrou numa limitação parcial da oferta da força de
trabalho e não foi forte o suficiente para alterá-la estruturalmente. O que
denota a fraqueza de tal ciclo em engendrar mudanças qualitativas no perfil
formativo da força de trabalho. O crescimento do trabalho formal visto no
período não eliminou a ampla fração de trabalhadores informais e por
contra própria existentes na economia brasileira, que inclusive passou a
crescer depois de 2015.55

54. Dados fornecidos também pela CEPAL mostram que, entre 1995 e 2010, a população no Brasil
cresceu 1,2 vezes; a taxa de encarceramento cresceu 2,75 vezes. Ver Cepal-Stat, “Prison Population
Rate” e “Demographic and Social, Total Population by Sex”.
55. Se a metodologia de cálculo do desemprego levasse em consideração todos os que não estavam
buscando trabalho (população carcerária, trabalhadores domésticos ou simplesmente os que não
buscavam trabalho), e os desempregados “disfarçados” (vendedores ambulantes, atividades ilegais etc.),
a taxa de desemprego seria muito maior do que a oficialmente divulgada. Ela exclui os quase
157
Por fim, como se mencionou, deram-se aumentos reais do salário mí-
nimo. Porém, tal não induziu a um aumento da participação da pesquisa e
desenvolvimento na formação de capital, que se manteve estável em 3%
dela (IBGE, 2015, Tabela 8), denotando-se, como mencionado, a baixa
capacidade de inovação doméstica. Enquanto este perfil de crescimento
durou, o nível de vida da classe trabalhadora foi parcialmente favorecido por:
(i) um crescimento maior da demanda por trabalho, devido ao crescimento
mediante “economia de capital” nos setores de serviços; (ii) um crescimento
da fatia assalariada na renda nacional; (iii) um barateamento relativo do custo
de vida a partir da produção chinesa e do câmbio valorizado; (iv) menor
crescimento demográfico, a diminuir potencialmente o desemprego estrutu-
ral. Destes traços, por sua vez, têm que ser substituídos os efeitos negativos
de médio prazo de um processo de perda da participação da indústria e do
emprego industrial sobre a capacidade de crescimento da economia. Como
provável subproduto da continuada estagnação do setor industrial, onde os
níveis de sindicalização eram historicamente mais altos, deu-se uma estagna-
ção dos já baixos índices de sindicalização, que se mantiveram em torno em
16%, e a troca do sindicato pela Igreja como lugar de socialização da massa
trabalhadora. 56

novecentos mil indivíduos encarcerados e os aproximados sessenta mil mortos por ano homicídios
(ver Cepal-Stat e Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Departamento
Penitenciário Nacional (DEPEN)). Com relação a 2009 por exemplo, dada a população
economicamente ativa (99 milhões) e a taxa de desemprego de então (9%), se computarmos os altos
números de mortos por homicídio e presos na taxa de desemprego, ela se elevaria em mais de 0,5%.
Ainda, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE (IBGE 2015, p.31), os jovens “nem-nem”
(nem estudam, nem trabalham) eram 21% do total de jovens de 15 a 29 anos do país em 2014. O total
de jovens no país perfazia 24% da população total em 2014. Isto gerava um número aproximado de
nove milhões e setecentos mil pessoas em 2014, ou aproximadamente a mesma quantidade de
desempregados, segundo o cálculo oficial. A taxa de desemprego no Brasil, entendida no sentido da
quantidade de pessoas que não contribui economicamente para a produção material tendo condições e
idade para fazê-lo, seria então mais do que o dobro da oficialmente reconhecida; ela somaria
aproximados vinte milhões de pessoas. Adicionando os já mencionados desistentes da busca por
trabalho, a situação seria ainda pior. Neste sentido a expressão “pleno emprego” utilizada pela
Presidência da República era uma peça de retórica reconfortante e inútil na luta contra os problemas de
uma economia (em suposto) “desenvolvimento”.
56. Ver Cepal-Stat, ILO-Stat e Pochmann (2012).
158
6.5. Setor externo

6.5.1. Comércio internacional e conta corrente do balanço de


pagamentos

Esta seção analisa brevemente o cenário internacional no qual a eco-


nomia brasileira estava inserida no período de nossa análise. Vamos iniciar
pelo comércio internacional.
A economia dos Estados Unidos desacelerava desde 2004, com a pos-
terior crise de 2008 e seus impactos na Europa. Por sua vez, observando-se
o comportamento da economia chinesa, vê-se que de 1998 até 2007 ela
crescia de forma particularmente impressionante, num enorme ciclo de
acumulação –atingindo nada menos que 14,6% de crescimento do PIB em
2007. Este ciclo puxava as exportações brasileiras e, mesmo depois da infle-
xão a partir de 2008, com clara interrupção do ciclo ascendente anterior, os
efeitos do crescimento prévio chinês ainda segurariam as exportações brasi-
leiras por mais algum tempo. Reforçando-se daí a ilusão, temporária, de que
a economia brasileira parecia atravessar bem o que se definiu jocosa e erro-
neamente como “marola” no nível internacional. Mesmo com a liberdade
para os oligopólios depositarem seus saldos cambiais no exterior (mostrando
o caráter neocolonial da situação brasileira!), eles tinham que pagar salários,
dividendos e custos locais. A continuidade das exportações gerava também,
em reais, renda e tributos ao Estado. A manutenção dos gastos do governo
provocava multiplicadores de renda adicionais, num momento (depois de
2012) em que a formação bruta de capital estagnava em termos percentuais
e iniciava queda posterior. A contração do setor externo reverteu parte desse
mecanismo.
Nota-se particularmente um espaçamento temporal de aproximados
três anos entre o início de uma pendente declinante do PIB chinês e as
vendas brasileiras a este país. Como se vê no gráfico acima, a pendente dos
saldos comerciais brasileiros é totalmente inclinada em termos negativos a
partir de 2011, com flutuações periódicas que não levam a um desvio da
tendência. A partir de 2013, os resultados passam a flutuar de forma erráti-
ca e sem tendência clara entre valores positivos e negativos. A diminuição
sustentada dos saldos comerciais e seus óbvios impactos no nível domésti-
co atende, então, à nossa hipótese relativa ao comércio exterior.

159
Gráfico 11
Brasil. Exportações e importações, e saldo comercial. Em milhões de
dólares. 2003-2015.

30.000.000.000
25.000.000.000
20.000.000.000
15.000.000.000
10.000.000.000
5.000.000.000
0
-5.000.000.000
-10.000.000.000
set/03

set/05

set/07

set/09

set/11

set/13

set/15
jan/07

jan/11
jan/03

jan/05

jan/09

jan/13

jan/15
mai/06

mai/10

mai/12
mai/04

mai/08

mai/14
Importações Exportações Saldo

Fonte: Banco Central.

Segundo a SECEX, a China, que em 2002 comprava 4% das expor-


tações brasileiras, em 2011 comprava 17%, com 44% do valor em soja
triturada e 16% em minério de ferro. As exportações agora dependiam
muito mais do ciclo chinês, portanto. A inversão do ciclo chinês a partir de
2007, assim, exerceria um impacto direto sobre as exportações brasileiras, e
indireto sobre a demanda global como um todo, estando por detrás, no
limite, da mencionada inversão da balança comercial brasileira. O gráfico
abaixo mostra claramente o pico do ciclo ascendente de crescimento chi-
nês e sua posterior inversão. Mostra-se também como a economia dos
Estados Unidos e União Europeia nunca obtiveram um crescimento mui-
to satisfatório, em termos de PIB, após a crise de 2001. Suas taxas são
instáveis e de ritmo cadente, chegando-se à grande recessão de 2008. Após
esta, seus níveis de crescimento permaneceram baixos, afetando o comér-
cio mundial e as vendas a partir do Brasil. O Japão seguia seu caminho
estagnativo estabelecido há anos.
Na verdade, a explosão de 2008 mostrava a grande crise da economia
atual, com seu crescimento de tipo “cassino” –mais finanças, empregos
precários– e concentração da renda. A economia europeia e norte-
americana, como mostrou Piketty (2014), aproximava-se em termos de
160
distribuição de renda e patrimônio, ao cenário do início do século XX,
prévio às políticas de bem-estar. Continuadas tais tendências, “by 2100, the
entire planet could look like Europe at the turn of the twentieth century”
(Piketty, 2014, p.196). As políticas adotadas em nível global impediam,
desde Reagan, um crescimento ordenado em termos (1) financeiros, (2) de
igualdade social e também (3) em termos ambientais (ver Arestis e Sawyer,
2015).

Gráfico 12
Países selecionados. China, Estados Unidos, Japão e União Euro-
peia. Produto interno bruto (%). 1978-2013.
16,0
14,0
12,0
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
-2,0
-4,0

China EUA Japão Zona do Euro


Fonte: National Bureau of Statistics of China, Bureau of Economic Analysis
(EUA) e Banco Mundial (Japão e Zona do Euro).

Após a crise de 2008, o crescimento global permaneceu baixo em to-


das as maiores economias, afetando o comércio mundial e as vendas a
partir do Brasil. No gráfico relativo aos saldos comerciais do Brasil (acima
disposto), a comparação com o início da série desde 2003 é bastante con-
trastante. Estes valores declinantes do saldo comercial são um misto da
queda do volume exportado e do valor exportado, com as commodities sofren-
do pressão em suas cotações a partir da crise de 2008. Percebe-se que de
2008 a 2011 as importações e exportações tiveram um comportamento
bastante semelhante, denotando-se uma temporária influência mútua dos
acontecimentos internacionais sobre a corrente de comércio nacional. A

161
partir de 2011, as importações vão crescendo. Isto corrobora outra de
nossas hipóteses aventadas na introdução.
Mencionamos nas premissas teóricas do trabalho as condições em
que opera um eventual boom numa economia subdesenvolvida, semi-
industrializada e em processo de valorização de sua moeda mediante a
exportação de recursos primários. Tal crescimento tende a traduzir-se do
ponto de vista de seu comércio exterior na dependência de importações de
bens manufaturados. De fato, a dependência da economia brasileira de
importações de manufaturados diminuiu apenas brevemente entre 2001 e
2008, para voltar a seu patamar original depois de 2009 (gráfico 21 do ane-
xo57). Segundo os dados fornecidos pela SECEX, o valor total oscilou em
torno de 80% das compras no exterior. Importa ressaltar que esta queda
relativa da participação dos bens manufaturados na pauta de importações
entre 2003 e 2009 parece corresponder mais ou menos nitidamente ao
aumento temporário da indústria de transformação no PIB, tal como visto
no gráfico acima relativo aos valores adicionados setoriais. Isto ajuda a
corroborar, também, nossa hipótese relativa aos impactos positivos da
indústria sobre o valor físico criado por unidade de emprego.
Do ponto de vista da composição das importações brasileiras no
período, a uma estrutura da renda fortemente concentrada, como a que
caracteriza a brasileira, correlaciona-se uma estrutura de oferta que se en-
caixa no perfil de demanda. Este é particularmente o caso dos automóveis
e seus componentes. Ao mesmo tempo, parte relevante das importações
refere-se a bens que de fato substituem produção local, inclusive os pró-
prios automóveis, dado o estado da técnica já alcançado pela produção
nacional, tal como brinquedos, calçados etc.
A tabela na sequência resume as exportações ao Brasil dos princi-
pais parceiros comerciais brasileiros em 2015. A observação do perfil das
importações brasileiras revela, para além daquelas realmente necessárias ao
desenvolvimento (saúde, consumo básico, transporte público etc.), o se-
guinte padrão: (1) alto predomínio em químicos, máquinas e material de
transporte; (2) predomínio de automóveis e peças de reposição; (3) peque-
no valor relativo em bens de consumo sem função econômica produtiva
(peles, brinquedos, objetos de arte); (4) grande presença de artigos que
poderiam ser produzidos localmente, sob o atual estado médio de conhe-
cimentos técnicos (“estado da arte”), tais como calçados, têxteis, brinque-

57. Dados disponibilizados pela SECEX em “Estatísticas de Comércio Exterior”, particularmente a


tabela “Importação por fator agregado”.
162
dos, reino vegetal, ou de consumo postergado (vinhos, automóveis, obje-
tos de arte).

Tabela 5
Brasil. Importações por países selecionados, em porcentagem (%).
Obtidos a partir de valores em dólares (FOB). Ano de 2015.

Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) Argentina Alemanha China EUA


Animais vivos e produtos do reino animal 4 2 1 0,2
Produtos do reino vegetal 18 1 0,3 0,8
Gorduras e óleos animais 0,06 0,1 0,01 0,01
Produtos das indústrias alimentares e bebi-
das
4 1 0,3 2
Produtos minerais 2 0,05 0,06 21
Produtos químicos e industriais 7 25 8 20
Plásticos, borrachas e suas obras 9 7 4 9
Peles, couros e outros 0,006 0,01 1 0,02
Madeira, carvão vegetal e obras de madeira 0,005 0,01 0,1 0,06
Pasta de madeira, papel 2 1 0,07 1,2
Têxteis e suas obras 1,2 0,4 10 0,6
Calçados, chapéus e outros 0,05 0,001 0,6 3
Obras de pedra, gesso e cimento 1,9 0,09 1 0,5
Pérolas e pedras - 0,02 0,01 0,03
Metais comuns e suas obras 5 6 8 3
Máquinas, aparelhos, material elétrico 5 35 2 6
Material de transporte 35 13 14 6
Instrumentos e aparelhos de óptica 0,3 6 2 5
Armas e munições 0,001 0,001 0,02 0,03
Brinquedos e materiais esportivos 0,0001 0,003 1 0,003
Objetos de arte, coleção e antiguidades 0,0001 0,002 0,001 0,01
Fonte: SECEX.

A tabela evidencia particularmente uma fração majoritária de importa-


ções de produtos do reino vegetal da Argentina, particularmente cereais, e a
alta porcentagem de veículos e acessórios. Quanto à Alemanha, destacam-se
produtos químicos; máquinas, aparelhos e material elétrico –com destaque
para caldeiras e instrumentos mecânicos –; e novamente veículos e material
de transporte. O total destas três rubricas gera 73% de todas importações
vindas da Alemanha. Este padrão se repete com a China, mas numa pro-
porção um pouco menor de 64% do total. Os Estados Unidos são os úni-
cos que, dentre os maiores parceiros, exportam combustíveis, expressos na
linha de produtos minerais (21% do total). Suas exportações são significati-

163
vas também em bens químicos e industriais e aparelhos elétricos, mas não
em materiais de transporte.
A tabela permite inferir que parte importante do cômputo de importa-
ções feitas pelo Brasil não é complementária mas sim meramente substituti-
va da produção local. Nota-se que, para além de um câmbio valorizado, a
política de “disciplinar” a precificação dos produtores locais com as impor-
tações, se por um lado auxilia a política inflacionária do governo, por outro
conduziu a uma situação na qual o país importa parte de itens de consumo
ou investimento que poderiam ser produzidos internamente (evitando tam-
bém, obviamente, os custos de transporte e a poluição por este gerado no
caminho). Ao mesmo tempo, a continuidade dos subsídios ao transporte
individual sobre rodas cobra um espaço nas importações que o país realiza,
despejando poder de compra no exterior para manter um sistema de trans-
porte atrasado, energeticamente caro e de maior periculosidade.

Gráfico 13
Brasil. Importações totais. Valores FOB divididos por valores em
peso físico (quilos). Por grandes setores. 1997-2014.
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014

Manufaturados Básicos
Semi-manufaturados
Fonte: cálculo do autor a partir de dados da SECEX.

De fato, no que se refere à noção de valores por peso, mesmo depois


de anos de produção chinesa barateadora, com crescentes ganhos implíci-
tos de produtividade, o total das importações realizadas pelo Brasil esteve
mais caro em termos da relação preço/quantidade física, ao longo do perí-
odo 2002-2009, e mesmo 2010-2014. Apesar de as taxas de crescimento
preço/valor físico para bens industriais haverem sido menores partindo-se
de 1997, as mercadorias manufaturadas importadas pela economia brasilei-
164
ra contiveram um valor monetário relativo a seu peso físico de 2,5 a 5 ve-
zes maior do que a mesma relação para os bens semimanufaturados e
primários importados. Isto mostra as características positivas de um cres-
cimento baseado na manufatura, isto é, na multiplicação e exportação de
valores físicos produzidos através da aplicação do conhecimento materiali-
zado em capital físico que estejam sujeitos a uma crescente elasticidade-
renda. Demonstra-se o acerto da hipótese prebischiana. A maior elastici-
dade-renda dos bens industrializados é um dos processos que justamente
impede, como chamou atenção Prebisch, que as elevações de produtivida-
de no setor de bens manufaturados sejam transferidas em forma de preços
cadentes no comércio internacional.
À luz das observações acima, referentes à (1) dependência de impor-
tações de manufaturados, (2) a um câmbio valorizado e (3) a exportações
“primarizadas”, pode-se afirmar que a política fiscal exercida pelo governo
esbarrou numa relativamente alta propensão a importar na economia,
situada em aproximados 15% do total do PIB para o período posterior a
2005. Se entendermos a propensão a importar da economia como o com-
portamento das importações explicado pelo produto interno bruto ao
longo do tempo, poder-se-ia formular um modelo econométrico linear,
ainda baseado no método dos mínimos quadrados, que atendesse à relação
linear que existiu entre importações e PIB, para o caso brasileiro. Este
modelo linear teria a forma:

imp = a + PIB b (1)

Neste caso, “imp” refere-se às importações num período determina-


do, o regressor “a” refere-se ao valor de importações quando PIB é igual a
zero, PIB é o valor do produto interno bruto, e o regressor “b” é a pro-
pensão a importar no período. O modelo gerado tem um atraso de um
trimestre das importações com relação ao PIB, e quarenta observações em
logaritmos. Os dados são novamente os das contas trimestrais do IBGE, a
partir de valores em reais correntes. Os resultados da estimação do modelo
acima descrito são os seguintes:
2005-2014 (início no quarto trimestre de 2005)
imp = -25498 + 0,15 PIB (1)
R : 0,95
2

Valor-P: 1,1 x 10-25


Durbin-Watson: 1,33
Estatístico t: 27,40
Estatístico Tau para resíduos: -4,28
165
O coeficiente de explicação é bastante alto, e a propensão a importar
aparece como quinze centavos de importação para cada unidade adicional
do PIB. Os números muito baixos para o valor-P, de fato nulo para a se-
gunda equação (25 zeros depois da vírgula), indicam que o valor “real”
para a propensão a importar não é maior do que o estimado. O valor para
a estatística Durbin-Watson indica que há autocorrelação dos erros tolerá-
vel a ponto de não violar os pressupostos dos mínimos quadrados. Pode-
se ter maior confiança no regressor, que no caso indica um aumento de
quinze centavos nas importações para cada unidade adicional de produto.
O que este modelo sugere é que a revalorização do real vista a partir
de 2003 limitou parte da expansão fiscal do governo vazada em forma de
importações, o que pressionou por sua vez parte da participação da indús-
tria no PIB. A participação da indústria no PIB não caiu nunca a menos
que 10% entre 1995 e 2005; já no segundo período, ela atingirá 9% no fim
da série. O próprio fato de o país estar perdendo participação dos bens
manufaturados em sua pauta de exportações é um indicativo da perda de
dinamismo do setor industrial doméstico, em termos domésticos e inter-
nacionais. Seu reverso, na forma de perda da participação da indústria no
PIB e câmbio valorizado pelas commodities, foi apresentar uma propensão a
importar de quase quinze centavos em bens manufaturados e serviços a
cada real adicionado à economia no setor “real”. Cabe aí a afirmação de
Joan Robinson: “To raise employment by stimulating home investment
and consumption without an increase in exports adequate to match the
consequent increase in imports leads to disaster” (Robinson e Wilkinson,
1983, p.89).

6.5.2. Conta de capitais do balanço de pagamentos

Passe-se agora a um rápido comentário sobre o comportamento da


conta de capitais do balanço de pagamentos. O gráfico na sequência ilustra
os fluxos de capital em carteira e investimentos diretos recebidos pelo
Brasil desde 2000.
Do influxo de capital, aproximadamente metade referia-se a investi-
mentos diretos. Quanto a estes, a partir de 2011 eles estancaram, após alguns
anos de marcada elevação e uma flutuação forte em 2009. Os investimentos
em carteira oscilaram também de forma marcada entre 2007 e 2010, para
depois daí caírem. Nota-se uma elevação desta variável, depois de 2013, que
está ligada à nova elevação do SELIC, via compra de títulos públicos por
166
não-residentes. Dos investimentos em carteira no país, aproximadamente
80% referiam-se no período a títulos de renda fixa, particularmente oficiais, e
o restante a fundos de investimentos e ações.58 O estancamento dos inves-
timentos diretos estrangeiros parece explicar parte da desaceleração econô-
mica depois de 2011, bem como ser um próprio resultado dela. Em termos
de sua alocação setorial, nota-se que ao longo do período do primeiro go-
verno Dilma, o volume de IED manteve uma distribuição mais ou menos
estável entre (i) agricultura e extração, (ii) indústria e (iii) serviços. Houve uma
queda de 2% no primeiro, de 16% a 12% do total de IED entre 2010 e
2013. A indústria recebeu 40% do total de investimento direto em 2010 e
42% em 2013. Os serviços foram de 44% a 46% no mesmo período. Na
indústria, os setores que mais receberam investimentos diretos foram o setor
de bebidas (9% do total), veículos automotores e metalurgia (5% cada), e
produtos químicos (4%).59

Gráfico 14
Brasil. Investimento estrangeiro direto e investimento estrangeiro
em carteira (líquidos). 2000-2014. Em milhões de dólares.

80000
70000
60000
50000
40000
30000
20000
10000
0
-10000

Investimento estrangeiro direto Investimento estrangeiro em carteira

Fonte: Banco Central.

58. Ver “Indicadores econômicos consolidados” do Banco Central, tabela V-21, “Investimentos em
carteira – passivos”, disponível em <www.bacen.gov.br>.
59. Os dados são do Censo de Capitais Estrangeiros do Brasil, anos-base 2010-2013, quadro XII,
disponível em <www.bcb.gov.br> .
167
O Banco Central deixou de adquirir divisas depois de 2013, que
estacionaram em torno de 370 bilhões de dólares. O saldo em transações
correntes foi sendo sustentadamente declinante, por parte dos menores
saldos da balança comercial e dos saldos deficitários em serviços. Dado (1)
o estancamento da entrada de investimentos diretos e investimentos em
carteira, bem como (2) a diminuição dos superávits comerciais e transações
correntes deficitárias, o próprio resultado global do balanço de pagamen-
tos declinou marcadamente ao longo da primeira administração de Dilma.
O valor do dólar inclusive caiu ainda mais até junho de 2011, atingindo o
menor índice desde o Plano Real (1,55 reais por dólar). A partir daí, a taxa
de câmbio iniciou desvalorização, mas tímida. Com pequenos retrocessos,
o valor do dólar em reais alcançaria 2,68 reais no fim do período do pri-
meiro governo Dilma.

Gráfico 15
Brasil. Resultado global do balanço de pagamentos e saldo em
transações correntes. Em milhões de dólares.
50000
40000
30000
20000
10000
0
-10000
-20000
-30000
-40000

Resultado global do balanço de pagamentos


Saldo em transações correntes

Fonte: Banco Central.

Esta desvalorização, porém, era interpretada como insuficiente pe-


la literatura heterodoxa, que sustentava que um valor mais apropriado
devesse situar-se aproximadamente em 3,50 (ver Bresser-Pereira, 2015). A
taxa de câmbio real entre dólar e a moeda brasileira calculada pelo Banco
Central, computando-se as diferentes taxas de inflação, acusava que o pre-
ço real do dólar em reais operou de 2009 a 2014 em valores similares ao

168
período 1994-1999, época da chamada “âncora cambial” (ver gráfico ane-
xo). Isto evitava uma perda maior do valor das exportações, contribuía
para a valorização dos salários reais, mas aguçava o aumento das importa-
ções, gastos com turismo no exterior e a pressão sobre a produção local.
Muito se fala do papel das “metas de inflação”, mas a verdade é que duran-
te todo o período o sistema cambial continuou fazendo disfarçadamente as
funções de um regime de “âncora cambial”. A conversão de reais em dóla-
res pelas multinacionais era também facilitada. Por isso, nas condições de
internacionalização neoliberal, o uso com recorrente prejuízo de recursos
do Banco Central para as operações de estabilização cambial (swaps), blin-
dando as posições em dólar das firmas locais, constituía uma das formas
hodiernas de um processo que Furtado uma vez definira como “socializa-
ção dos prejuízos”.

6.6. Interpretação

O que explica a queda da taxa de crescimento ao longo do período do


primeiro governo Dilma? Busquemos antes sintetizar os resultados empí-
ricos encontrados.
Segundo os dados das Contas Trimestrais divulgados pelo IBGE, ao
longo do primeiro mandato de Dilma, a participação da indústria de trans-
formação no produto interno bruto caiu de 11% para 9%. O consumo das
famílias se elevou de 61% a 63%. A formação bruta de capital caiu de 20%
a 19% entre 2011 e 2014; deu-se uma queda do volume de lucros quanto
ao PIB e um rebaixamento das expectativas corporativas quanto ao cená-
rio econômico futuro. O consumo das famílias elevou-se de 61% a 63%
no mesmo período. A economia brasileira passou a endividar-se liquida-
mente com o exterior a partir de 2007 (investimento nacional maior que
poupança nacional). A construção civil permaneceu com sua fatia relativa
de 5%, o mesmo dando-se com as exportações, com 10%. As importa-
ções cresceram de 11% para 13%. Do lado dos investimentos diretos, deu-
se uma inversão desde 2013. Os investimentos diretos, que cresciam com
o crescimento interno do país, chegaram a um limite e passaram a diminuir
depois de 2011. Mas mantiveram-se relativamente altos, ainda que num
patamar menor, fugindo do mercado retraído de bens nos Estados Unidos
e Europa.
Assim, a economia: (1) diminuiu a sua formação relativa de capital, ao
tempo endividando-se mais no exterior; (2) elevou a parcela relativa do
consumo; (3) diminuiu seus saldos comerciais; (4) apresentou menores
169
recebimentos de investimento externo; (5) apresentou queda da participa-
ção da indústria de transformação em relação ao PIB, o que agravou ainda
mais os efeitos da queda da formação de capital, particularmente pela per-
da da capacidade de exportação de manufaturados e de multiplicação do-
méstica da renda propiciadas com especial potência pela indústria; (6) viu a
parcela relativa dos lucros na renda nacional cair, e também as expectativas,
em parte ocasionados por isto e em parte pela insatisfação com o governo;
(7) deu-se o esgotamento cíclico do perfil de crescimento, identificado pelo
aumento da capacidade ociosa das firmas.60
Do lado da balança comercial, houve uma queda dos saldos comerci-
ais desde 2009, intensificada progressivamente à medida que o cenário
internacional mudava. As importações aumentaram devido ao real apreci-
ado, cuja apreciação vinha da política de acumulação de divisas pelo Banco
Central, e pela entrada de capital, produtivo e financeiro. Operando a eco-
nomia por vários anos em condições de câmbio valorizado e salários mí-
nimos ajustados pela inflação, pressionou-se o setor manufatureiro interno
pelo diferencial de custos cambiais e salariais, face à China e Leste Asiático,
ainda que a produtividade (nos termos aqui definidos) não parece ter caído
para a indústria localizada no Brasil. Como se viu, ao menos 2% da queda
do PIB brasileiro entre 2011 e 2014 pode ser explicada pelo mero aumento
das importações.

Tabela 6
Brasil. Participações relativas no PIB de setores selecionados. Em %
calculados a partir de valores correntes. 2011-2014.
2011 2012 2013 2014
Ind. Transformação 11% 11% 10% 9%
Construção 5% 5% 5% 5%
Exportações 10% 12% 12% 10%
Importações 11% 13% 14% 13%
Consumo 61% 61% 61% 63%
Formação bruta de capital 20% 21% 21% 19%
Fonte: IBGE, Contas Trimestrais.

60. Em palestra realizada em Novembro de 2016 na Universidade Federal do ABC o ex-Ministro da


Fazenda do segundo ano da segunda administração de Dilma Rousseff, Nelson Barbosa, descreveu
um outro fator que se adicionaria depois a estes elementos estagnacionistas: segundo ele, o modo
como se deu a deposição de Dilma e o modo como a corrupção estava sendo combatida no Brasil
criaram uma “grande insegurança jurídica”, com impactos negativos sobre as decisões de investimento
e administrativas de todo o setor público.
170
Em 2011, o valor do real face ao dólar encontrava-se em sua maior
marca, sendo o dólar negociado a aproximados 1,70 reais (em termos nomi-
nais), num aumento marcante do real desde 2009. Sintomaticamente, em
2010 os produtos básicos ultrapassaram em valor os manufaturados na
composição das exportações. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego
encontrava-se bastante baixa: no cálculo oficial, a aproximados 5%. Ela es-
pelhava o pico do crescimento prévio, uma quantidade relativamente grande
de pessoas empregadas de alguma forma por conta própria, e também uma
queda sustentada no nível de nascimentos. Dando-se 3,6 milhões de nasci-
mentos em 2000 e 3,1 milhões em 2010, o volume cadente de entrada de
jovens no mercado de trabalho pressionava, lenta mas seguramente, a oferta
potencial de trabalho, constituindo-se em um outro fator estrutural estagna-
tivo. Favoreceram-se os trabalhadores pelo lado da diminuição do “exército
de reserva” mas constituiu, por outro lado, uma pressão negativa adicional
sobre a demanda agregada.61 O país seguia como um comprador de tecnolo-
gias e inovações, fatores também não geradores de crescimento endógeno.
A indústria de transformação e a geração de energia elétrica perdiam
terreno relativo e o cômputo principal da força de trabalho contratada fora
assimilada principalmente nos serviços e construção civil. Se tomarmos
“kaldorianamente” o peso da indústria de transformação, poder-se-ia esti-
mar uma perda de capacidade de crescimento de 2% do PIB entre 2011 e
2014 devido a sua diminuição relativa. Para agravar esta situação, a indús-
tria como um todo passava por uma inversão de sua tendência cíclica de
expansão. Dava-se um crescimento em setores de pouca capacidade de
exportação e baixa capacidade de inovação técnica que pudesse ser trans-
bordada para o resto da economia, ou que sequer fabricassem bens físicos.
Por sua vez, o nível dos lucros como uma proporção do PIB chegava
a seu menor patamar desde 2003, a aproximados 32%. Depois de uma
grande ascensão de 2001 a 2003, ao mesmo passo em que a economia
cresceu e demandou mais trabalho, sua participação relativa foi caindo, de
35 a 32% ao longo de 2003-2010. Depois de breve aumento em 2010,
voltava a cair durante todo o governo Dilma. Este indicador, apesar de
bastante agregado, pode ter causado um impacto adicional sobre as expecta-
tivas quanto ao crescimento futuro, queda aparentemente corroborada
pelos dados acima mostrados. Assim, no agregado, a participação dos
lucros do capital na renda nacional caía em termos relativos, pelo menos

61. Escutei o diretor de um importante banco situado no Brasil defender enfaticamente numa palestra
a urgência de um “novo movimento imigratório”. O que ele queria dizer, de fato, era que o exército
industrial de reserva no país era muito baixo e isso obrigava seu banco a elevar salários.
171
nos dados oficiais, em paralelo a um crescimento do cômputo da remune-
ração dos salários. (Como o índice de Gini caía de forma muito tímida,
este aumento da participação dos salários refere-se, em medida relevante,
aos salários de executivos e outras posições bem remuneradas. De qual-
quer forma, sendo uma dedução dos lucros, o aumento dos salários na
participação da renda nacional foi a contrapartida do crescimento obtido,
situação contrária àquela na qual a queda do crescimento diminui os salá-
rios reais pelo aumento do desemprego.)
Com relação aos mencionados setores cuja participação relativa não
caiu no PIB, o caso da construção civil e sua relação com a energia foi
particularmente importante, pois, como se mencionou, a Petrobras e as
grandes empreiteiras locais foram atingidas em cheio pelas operações con-
juntas do Ministério Público e da Polícia Federal a partir de março de 2014.
Isto agravou a queda do PIB que já vinha sendo desenhada pelos fatores estrutu-
rais acima mencionados. Estavam sendo impactados pela operação em
2014 parte destes 5% do produto interno bruto representados pela cons-
trução; ou, segundo outra ótica, estavam em questão parte dos 12% do
PIB ligados aos setores de energia de petróleo e gás, no qual a Petrobras é
a maior empresa. Segundo a consultoria 4E, em 2015, já no segundo man-
dato de Dilma, “da queda de 14% no investimento, o pior resultado em 20
anos, cerca de 6 pontos são consequência do freio que a Petrobras vem
fazendo em seus projetos desde 2014” (Época, 03/03/16). Como se não
bastasse, esta queda foi intensificada pela própria queda do preço do barril
de petróleo e pela crescente falta d’água no Sudeste no país, também ao
longo de 2014, encarecendo custos na agricultura e produção de forma
geral. De fato, poucas vezes na história econômica brasileira uma quanti-
dade tão numerosa de fatores depressivos estruturais e conjunturais não
ocorria concomitantemente num espaço relativamente tão curto de tempo.
É simplesmente uma tolice imputar apenas às políticas do primeiro gover-
no Dilma a responsabilidade por esta enorme desaceleração progressiva da
economia, que continua até o momento em que este trabalho está sendo
redigido (dezembro de 2016). Isto não significa que a política econômica
adotada tivesse sido a melhor, do ponto de vista da manutenção do em-
prego e renda.
A posse de Dilma dava-se ao sabor da crise europeia e do baixo cres-
cimento estadunidense, bem como da viragem chinesa, todas mais ou
menos dadas conjuntamente. Como passou a proceder o governo? Vimos
que depois da primeira metade de seu primeiro ano de mandato, o Bacen
passou a diminuir os compulsórios, estendendo-se esta política até 2013. O
172
Bacen também continuou com sua política de aquisição de dólares, reten-
do-os em maioria na forma de títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Os
salários mínimos continuaram a ser corrigidos dentro da legislação vigente.
Como vimos, devido à melhoria do perfil da dívida pública e aos ganhos
no mercado de bens corporativos, foi possível baixar a taxa do SELIC, que
iniciou queda desde outubro de 2011, ainda durante o primeiro ano de
governo. O governo lançou o chamado Plano Brasil Maior, para, supos-
tamente, defender a indústria instalada, com desonerações previdenciárias
e tributárias. Foi lançado também o PAC2. Em 2012 lançou-se o Plano
Brasil sem Miséria, com reajuste do Bolsa-Família. Cunhou-se o parcial-
mente falso termo “Nova Matriz Macroeconômica” e esboçaram-se me-
didas de “defesa cambial”, para, oficialmente, proteger a indústria, incluin-
do-se swaps cambiais que frequentemente levaram a perdas ao Banco Cen-
tral. O petróleo em alta suscitaria investimentos em exploração do petróleo
em alto mar e dele se esperavam “efeitos encadeadores para a frente e para
trás” sobre a própria indústria.
A partir de janeiro de 2012, o IPI dos automóveis e sobre importações
foi reduzido; a partir de outubro de 2012, o recolhimento da CIDE foi zera-
do. A dívida líquida do setor público parou de cair em maio de 2014 e iniciou
elevação que a jogou para os patamares de 2011. À medida que se deu a
inversão do otimismo e da taxa de crescimento, o governo foi aos poucos
mostrando redução do chamado superávit primário; não mais porque o
SELIC continuava baixo, mas porque a arrecadação começou a cair. O défi-
cit nominal em termos do PIB foi mantido estável até 2013, mas a partir
deste ano foi elevado rapidamente, particularmente no segundo semestre de
2014, quando haveria eleições, devido ao aumento conjunto dos juros, que-
da da arrecadação e aumento das despesas (rever a tabela 1 do capítulo 5).
Na prática, o governo não podia optar por arrecadar mais; podia optar por
não gastar mais, o que não fez: a queda da arrecadação entre 2011 e 2014 foi
de 1,1% do PIB; o aumento das despesas foi de 1,6% do PIB.
A presidenta Dilma e sua equipe sabem que de fato o aumento dos
gastos do governo teria um poder multiplicador expansivo quando há capa-
cidade ociosa ou quando a economia está ingressando num processo de
crise, podendo “esticar artificialmente” a “respiração” da economia. Em
termos puramente objetivos, quanto maior a poupança do governo num
período de desaceleração –como o que se iniciava claramente em 2012– pior
seria o desempenho da economia como um todo. Porém, esta despoupança
não foi bem articulada. Em tese, instrumentos de desoneração que facilitem
a contratação de trabalhadores e diminuam o custo do capital para investi-
173
mento também têm uma função positiva sobre a taxa de investimentos.
Neste sentido, o governo Dilma parecia atuar de modo coerente com as
premissas de uma expansão do produto, tal como seu programa de governo
defendia. Mas com um câmbio depreciando-se numa velocidade muito
lenta, ao sabor da contínua entrada de capital, das reservas cambiais e de
swaps que blindaram os oligopólios de variações bruscas do câmbio, a esta
política tributária e fiscal entrava em contradição com a política cambial; seu
resultado parcial foi o acima mencionado aumento do cômputo das impor-
tações quanto ao PIB, pressionando a indústria e a produção local. Teriam
de ser eleitos setores com baixa propensão a importar e esta deterioração
dos resultados fiscais aplicada neles, com uma desvalorização do câmbio, e
medidas adequadas de controle inflacionário. Isto, como se viu, não foi sus-
citado, por demasiadamente “heterodoxo”.
Quando o governo iniciou uma nova rodada de aumento de compul-
sórios e do SELIC a partir de abril de 2013, ele intensificou uma viragem
que estava começando bem ali. Vimos como foi nítida a interrupção do
crescimento da formação bruta de capital no terceiro trimestre de 2013.
Sugerimos que tal aumento não foi de todo uma responsabilidade do go-
verno; ele poderia tentar romper a “porta giratória” entre Bacen e bancos
privados, atacando os lobbies por juros altos, e usando as reservas da conta
única no Banco Central. Mas, como uma arrecadação em queda e nem
sinais de aumento da capacidade tributária (por exemplo, elevação do im-
posto de renda aos mais ricos...), por quanto tempo conseguiria o governo
rolar sua dívida? Talvez o conseguisse, diziam os mais corajosos. Mas o
governo não alterou nenhuma regra do jogo e assim cedeu ao que o mer-
cado queria: juros maiores, ou crise da dívida pública.
Assim, ainda que o comportamento do Copom deixasse ver um au-
mento autônomo de juros com base em sua leitura do processo inflacioná-
rio, outros fatores estavam a explicar o aumento do SELIC: um aumento
da própria necessidade de financiamento do governo para o qual contribu-
ía uma estagnação da entrada no país de recursos em carteira. Esta queda
dos juros e a aplicação de uma política anti-cíclica mais eficiente, com o
aumento da renúncia fiscal com maiores gastos discricionários e não por
maiores juros, só podia, como afirmamos, ser mantida tivesse o governo à
mão mais recursos tributários. O que era justamente o oposto do que esta-
va ocorrendo em 2013. O governo, ao elevar a renúncia fiscal com maio-
res desonerações, sem contrapartida na elevação de outros impostos que
não afetassem a produção, intensificou sua fragilidade fiscal diante dos

174
mercados e corroborou, em algum grau, o aumento do SELIC. Sua políti-
ca fiscal entrou em contradição com sua política tributária.
Para evitar um aumento de sua exposição aos financiadores da dívida
pública, o governo deveria ter realizado uma reforma tributária que ampli-
asse a produção doméstica e desonerasse seu próprio orçamento. O go-
verno (Executivo + Congresso) não tinha de fato muitas opções. Elas
oscilariam entre (1) ampliar o imposto sobre a renda e o patrimônio das
camadas mais privilegiadas com uma política tributária mais progressiva,
sem impactar diretamente sobre a taxa de investimentos privados; (2) am-
pliar a tributação sobre os bancos; (3) taxar as exportações em que o país
detém vantagens comparativas, sob um regime tarifário variável de acordo
com as cotações do mercado internacional; (4) aplicar medidas de restrição
quantitativa de importações.
Para proteger efetivamente a produção doméstica, deveria o governo
ter promovido particularmente uma sustentada desvalorização do real, por
algum mecanismo mais efetivo do que impostos discricionários sobre o
influxo de capital. Para uma política anti-inflacionária decorrente da desva-
lorização, o governo poderia ter aplicado uma mescla de políticas de renda,
com um aumento do número de preços monitorados e proibição das in-
dexações de contratos. A participação dos salários na renda nacional seria
mantida pela continuidade da valorização do salário mínimo em linha com
a inflação oficialmente medida.
Tecnicamente, uma virtual desvalorização do câmbio, conjugada com
uma elevação das restrições quantitativas, e um imposto variável às expor-
tações de primários, teria potencializado os efeitos das desonerações e
diminuído o ritmo das importações. A renda assalariada teria sido corroída
em parte, a incerteza teria sido elevada, mas, virtualmente, o mercado do-
méstico teria sido mais protegido e a produção privilegiada. Mas para tudo
isto, era necessária uma política de força. Um controle de rendas, de tipo
social-democrata, com limites a salários mais altos e aumento dos itens de
preços monitorados oficialmente, com eventual inclusão de alimentos,
habitação e saúde, teria também assegurado menores níveis de inflação
(induzido indiretamente a um aumento do mercado de consumo de mas-
sas em detrimento do de luxo).
Isto tudo, obviamente, pertence ao campo das sugestões derivadas do
campo teórico que assumimos neste trabalho. A Presidência da República
e seu Ministro da Fazenda de fato não cogitaram a adoção de tais medidas,
e tampouco elas seriam bem recebidas nos sempre retrógrados Congresso
e setores corporativos. Não se tendo realizado nem lutado por tais medi-
175
das tornou-se difícil impedir que a indústria de transformação regredisse
em termos do produto, com um câmbio desalinhado a promover crescen-
tes déficits em conta corrente e desonerações que iriam elevar a dívida
pública na ausência de um aumento da tributação. Regredindo-se a indús-
tria de transformação, tornava-se mais difícil obter um crescimento susten-
tado, devido ao seu poder multiplicativo perdido.
Neste panorama de deterioração dos fundamentos, outros problemas
agravaram-se, alimentando-se mutuamente. As representações patronais
denunciavam cada vez mais a escassez de mão de obra diante de “pleno
emprego”. Como vimos, este é um conceito relativo, ainda que importante
dentro das condições reais de demanda corporativa por trabalho. Alegou-se
um crescimento dos salários à frente da produtividade, dada a indexação do
salário mínimo à inflação e ao PIB, encarecendo-se a produção e dificultan-
do exportações. A diminuição dos saldos comerciais levou a uma menor
geração interna de rendas, assalariadas e patronais. A queda do volume de
comércio a partir daí levava a uma menor atividade econômica, e necessari-
amente a uma menor arrecadação de tributos. Por sua vez, as opções políti-
cas do governo rumo a mudanças diminuíram bruscamente depois dos
protestos de 2013. Somou-se às dificuldades o agravamento da seca em
diversos pontos do país, particularmente no Sudeste. Em 2014, o preço do
petróleo começou a cair bruscamente, atingindo o balanço da Petrobras,
maior empresa do país, balanço já prejudicado por corrupção e preços mo-
nitorados oficialmente.
Se Dilma tinha inicialmente a vitória das urnas, perderia depois a força
nas ruas. Sua eventual capacidade de mobilizar o Executivo para levar a
população a pressionar o Congresso, que aliás não tinha sido praticamente
usada em 2011 e 2012, foi a zero em 2013. Assim, as acima mencionadas
políticas necessárias para evitar uma queda ainda maior do crescimento
não foram realizadas, com exceção de ações tópicas cujo custo imediato
parecia ser pequeno, pois diluído ao longo do tempo em forma de maior
dívida pública. Em 2015, sob o calor de uma eleição disputada e contesta-
da em 2014 e de uma impaciência da oposição para com sua reeleição,
Dilma aplicaria medidas de ajuste fiscal com perdas de direitos trabalhistas.
Em 2015, a indústria de transformação demitiria 608 mil trabalhadores. O
país entraria então num grande enfrentamento político e radicalização da
direita, buscando derrubar o governo eleito. A recessão que se abateria
sobre a economia a partir de 2014 seria inédita em termos histórico-
econômicos.

176
7. Conclusão

À luz da análise acima feita, podemos estabelecer as conclusões gerais


do trabalho. A marcante queda sucessiva do crescimento brasileiro desde
2011 atende a uma rara conexão temporal de fatores depressivos, segundo
as hipóteses adotadas neste estudo. Poder-se-ia listá-las como: uma queda do
saldo de exportações e transmissão indireta, ainda que tardia, às decisões de
investimento locais, da incerteza nascida na crise de 2008-2010; esgotamento
cíclico da taxa de formação de capital; uma queda dos excedentes operacio-
nais brutos das firmas em termos do PIB, em contraposição ao aumento da
massa salarial. Tal queda dos excedentes operacionais corporativos resultou,
segundo afirmamos, de: um esgotamento da disponibilidade de oferta de
trabalho nas condições dadas; aumento do salário mínimo real; restrições no
nível da qualificação; queda sustentada do número de nascimentos; aumento
do trabalho autônomo. Estes eventos foram ainda intensificados: por uma
política econômica pouco expansionista do ponto de vista cambial, com
perda de posições da indústria no PIB, e por limites fiscais estabelecidos por
restrições tributárias, particularmente quanto à possibilidade de sustentação
de um perfil cadente para o nível SELIC; uma forte queda da cotação do
barril de petróleo, com um impacto relevante para a atuação da maior em-
presa do país (Petrobras); efeitos econômicos diretos e indiretos das opera-
ções da Polícia Federal sobre as licitações e obras envolvendo todo o setor
público; uma crise hídrica com relevante impacto econômico; aumento do
pessimismo com a reeleição de Dilma Rousseff por parte do setor corpora-
tivo; e, por fim (como resultado da intensificação da crise econômica e da
própria reeleição), aumento da oposição política ao governo constituído de
Dilma Rousseff, financiada inclusive de fora do Brasil, diminuindo ainda
mais a “governabilidade” da Presidenta.
A queda do crescimento também resultou da queda das expectativas
corporativas de crescimento já na primeira posse de Dilma Rousseff. Por
fim, a queda dos setores produtivos em termos do produto interno bruto
pode ser considerada como mais um elemento a deprimir a taxa de cresci-
mento, pelos motivos elencados no capítulo 2. Tal queda teve vários moti-
vos explicativos. Em parte atendeu a fatores inerentes ao setor industrial,
como o crescimento da produtividade do trabalho e ao comportamento dos
preços relativos. Por parte da produtividade, é muito difícil desglosar os
fatores mais relevantes, como o aumento da produtividade causada por (i)
capital importado mais eficiente e barato (devido ao comportamento da taxa
de câmbio), (ii) trabalhadores mais preparados, (iv) salários em alta estimu-
177
lando o aumento endógeno do progresso técnico e (iv) estancamento das
contratações com manutenção das margens de mercado.
Em todo o caso, a queda do setor da indústria de transformação foi
acirrada também por uma taxa de câmbio valorizada que levou a um au-
mento do cômputo das importações em relação ao PIB, o que se traduziu
numa diminuição do número de trabalhadores contratados no período
considerado, e, indiretamente, num aumento do cômputo de importações
sobre o PIB e queda da participação de manufaturados na pauta exporta-
dora. No que se refere particularmente ao conceito de taxa de formação
bruta de capital, o padrão de crescimento obtido também pode ser consi-
derado menor em sua potencialidade produtiva futura do que o oficial-
mente divulgado devido à incorporação dos gastos em construção residen-
cial dentro do conceito de taxa de investimento, o que seria equivocado
segundo as premissas aqui adotadas.
A política econômica exerceu um efeito dúbio. Buscou parcialmente
reverter o declínio do PIB com uma diminuição da poupança do governo
central, em forma de renúncia fiscal, e com uma política oficial de juros
semi-expansionista entre 2011 e 2013. Mas a retomada da alta dos juros e a
tolerância de facto de um câmbio valorizado terminaram por empurrar as
forças depressivas para um patamar particularmente intenso, particular-
mente devido a uma perda da participação da indústria no cômputo dos
trabalhadores empregados e no valor agregado total da economia, bem
como a um desestímulo ao crescimento de mercados específicos nos quais
o financiamento de longo ou médio prazo são importantes. Outros fatores
adicionais, como a crise hídrica, o desempenho prejudicado da Petrobras, a
insatisfação crescente com o governo e a posterior crise política, também
devem ser elencados como fatores agravantes do comportamento decli-
nante da economia, embora seja impossível estimar com exatidão o impac-
to separado de cada um destes eventos. Eles aumentaram custos de pro-
dução, no caso da crise hídrica, elevaram o pessimismo e cortaram inves-
timentos, no caso das Operações da Polícia Federal. Em termos de longo
prazo e estruturais, a queda progressiva da taxa de natalidade e a pequena
taxa de inovações tecnológicas, se comparada num nível global, também se
apresentam como fatores a deprimir a disposição para investir e crescer
com bases endógenas.
Em suma, houve uma peculiar reunião de fatores depressivos que ex-
plicam, conjuntamente, a notável queda da taxa de crescimento brasileiro,
não terminada em 2014, mas sim intensificada em 2015, com uma queda
histórica da taxa de variação do PIB neste ano de nada menos que -3,8%
178
com relação ao ano anterior. A partir de nossa análise, o argumento geral é
então delineado no sentido de evidenciar que as políticas econômicas do
primeiro governo Dilma Rousseff não podem ser responsabilizadas em
primeiro lugar pela desaceleração da economia brasileira vista no período.
Esta desaceleração se refere a uma rara conexão de eventos externos e
internos. A política econômica, teve, sim, elementos expansivos, mas estes
foram limitados, em última instância pela relutância –em termos da perda
do valor do salário real e dos custos políticos implicados– em não desvalo-
rizar o real, e pela dificuldade de diminuir juros.
Especificamente quanto ao exercício da política econômica, diante
deste contexto que mesclou o esgotamento de um ciclo interno de cresci-
mento com uma deterioração das condições econômicas no mercado de
bens no nível internacional, conclui-se que o alcance das medidas adotadas
pelo governo Dilma foi limitado, tendo sido condicionado pelas opções da
linha de menor resistência adotada. Em termos kaleckianos, o governo, ao
rebaixar o resultado primário, tornou a desaceleração menor do que ela
teria sido; o óbice é, pelo contrário, que sua margem deficitária –que, as-
sume-se, não foi alta em termos de resultado primário em 2014– tenha
sido tão baixa, nos termos da LRF e do consenso em torno da dívida pú-
blica. Não se pode deixar de mencionar, também como outro fator desa-
cumulativo, o componente político expresso em mais quedas nas expecta-
tivas de crescimento quando da nova vitória do Partido dos Trabalhadores
com Dilma Rousseff em 2010. O conjunto do empresariado e das multi-
nacionais colocou-se contra o governo e, de fato, os indícios empíricos
indicam que muitos grupos fizeram uma opção por não investir. O go-
verno jogou as “regras do jogo” e fez muitas concessões ao capital, espe-
rando ser por ele aceito. Foi sendo na verdade crescentemente hostilizado,
numa sequência crescente de desilusões com o reformismo e a acomoda-
ção. Vários grupos, por sua vez, foram afetados pelas operações da Opera-
ção Lava a Jato, em mais um fenômeno de consequências econômicas não
só depressivas, mas destrutivas da economia.
A governabilidade de Dilma colheu ainda os resultados finais do cres-
cimento anterior das exportações, e do maior nível de investimentos do-
mésticos na economia brasileira até meados de seu primeiro mandato. Ao
longo da queda progressiva dos superávits comerciais, tolerou-se um apor-
te de capital estrangeiro que fugia da crise financeira nos mercados ricos e
de suas taxas de juros negativas. Isto se expressou em influxos tanto de
investimento direto como de carteira, principalmente no setor de serviços
e na dívida pública. Nas condições de um câmbio flutuante, o real perma-
179
neceu, de forma geral, apreciado. Ironicamente, a eliminação da restrição
do balanço de pagamentos ao crescimento foi acompanhada por um baixo
crescimento, particularmente devido a este câmbio apreciado. A velha
restrição do balanço de pagamentos ao crescimento, presente em muitos
países vizinhos, aparentemente havia desaparecido; mas o governo depen-
dia do influxo de capital para rolar a dívida interna e manter baixa a infla-
ção. O aparente desaparecimento desta restrição era em boa medida inútil
ou meramente, como se disse, aparente. A dívida interna oficial era, em
boa medida, “dívida externa” disfarçada, com os juros sendo o custo de a
burguesia local manter uma moeda nominalmente local.
O país, que por anos enfrentou restrição ao crescimento devido à es-
cassez de poder de compra internacional, tinha agora seu mercado de
câmbio e de capitais liberado. Continuou-se a aproveitar-se da taxa de
câmbio valorizada para manter os preços estabilizados e os salários reais,
mas à custa de uma intensificação da queda dos saldos comerciais e retra-
ção da indústria. Isto foi chamado por alguns de “populismo cambial”. A
política adotada esteve em consonância com o tipo de projeto político
definido pela linha partidária dominante do partido no governo: manuten-
ção da governabilidade e acomodação com a direita política. Inegavelmen-
te, esta opção das diretrizes do poder Executivo foi mais ou menos eficaz
em acomodar interesses durante o tempo em que a economia cresceu.
No mesmo momento em que os diferentes fatores que explicam a vi-
ragem do PIB começaram a tornarem-se claros, a política econômica foi
cunhada como de “Nova Matriz Macroeconômica”: juros baixos, superá-
vit fiscal anti-cíclico, câmbio competitivo. Nenhum destes elementos foi
razoavelmente implementado. As desonerações não levaram a uma ampli-
ação substantiva do emprego industrial, com o cômputo das importações
sobre o PIB crescendo e desfavorecendo parte da produção doméstica. A
queda do superávit primário em forma de renúncia fiscal não impediu que
o setor industrial caísse em termos do PIB, e que as contratações no setor
ficassem atrás dos outros setores; e enfrentou as resistências mencionadas.
Por outro lado, a queda da poupança do governo (menor arrecadação mais
desonerações) a partir de 2013 pressionou-o a elevar de novos os juros
neste ano, devido não só ao que o Copom julgou como um cenário mais
inflacionário mas também às dificuldades de colocação dos títulos públicos
com baixos juros no mercado, e à perspectiva de uma inversão da política
monetária “facilitadora” nos Estados Unidos.
Para uma elevação da arrecadação que diminuísse a ingerência do mer-
cado no nível dos juros, porém, as autoridades teriam que ter optado por
180
medidas pautadas por uma perspectiva de economia política, aumentando
os tributos sobre a propriedade e rendas inativas. O que não foi feito, pon-
do-se em seu lugar uma postura acomodatícia e não-conflitiva, sem a eleição
de uma fronteira clara em termos políticos, e que em todo o momento, em
todos os documentos oficiais, ligava as dificuldades domésticas às oscilações
do que ocorria no mundo, sem nunca questionar-se o tipo de inserção ex-
terna do país (uso crescente da poupança externa, câmbio flexível, desindus-
trialização). Deste modo, a política econômica adotada foi antitética a uma
linha de economia política, evitando aquilo que Mouffe (2009 e 2014) defi-
niu como um processo democrático agonístico. Ignorava-se assim o longo
período de lutas que havia levado, em termos bastante inéditos, um governo
de centro-esquerda ao poder. Ignora-se que, à luz da história do país, aquela
era uma situação de exceção, que provavelmente não fosse durar. O discur-
so acomodatício, então, servia para “baixar a guarda”, menosprezar o poten-
cial dos inimigos de classe, facilitando uma futura derrota, dentro ou fora das
urnas, devido ao rebaixamento do horizonte político dos pobres a que con-
duzia a ideia de “governar para todos”. Não sem razão, foi a Igreja quem
mais cresceu no período.
No campo estritamente econômico, evitar este processo de domesti-
cação teria significado a adoção de políticas tributárias e cambiais mais
ousadas, que buscassem expor menos o Tesouro Nacional às injunções
dos detentores privados de riqueza, bem como resguardar o mercado do-
méstico da produção internacional evitando uma valorização excessiva da
moeda, gerada pelo influxo líquido de capital. Porém, o país novamente foi
levado a endividar-se em termos líquidos com o exterior, com as eventuais
perdas cambiais das exposições corporativas sendo cobertas por swaps
cambiais que “socializavam as perdas” e mantinham uma taxa de câmbio
desfavorável à expansão manufatureira, a anular outras medidas suposta-
mente criadas para aliviar a apreciação do câmbio. O governo não quis
assumir os custos de uma inflação maior e rendimentos menores em moe-
da doméstica em prol da construção de alguma estratégia definida em tor-
no da prioridade à produção local, ainda que controlada pelos oligopólios
globais. As medidas buscaram favorecer o investimento privado com con-
cessões e continuidade do financiamento de investimentos a grandes gru-
pos com baixos juros (BNDES), buscando implicitamente também uma
aproximação com o setor corporativo, com parcerias público-privadas,
concessão da exploração privada dos campos de petróleo descobertos pela
Petrobras e pertencentes à União, aceitando a terceirização em órgãos e empre-
sas públicas etc. O que o governo Dilma recebeu quase sempre, porém, do
181
setor corporativo e da oposição política que o representava quando a eco-
nomia passou a desacelerar?
O governo, mediante a “Nova Matriz Macroeconômica”, ao ter op-
tado por políticas de acomodação e ao não aumentar a base tributária de
forma paralela ao aumento de seus gastos e de desonerações fiscais, one-
rou de fato o Tesouro Nacional e privilegiou indiretamente, pela via do
aumento da dívida pública, os detentores da dívida. Mas o setor corporati-
vo como um todo nunca quis, de fato, aquele governo. Com todos os seus
limites, o governo supunha haver algo chamado “economia brasileira”, e
algumas de suas medidas, como a exigência de conteúdo local nas compras
oficiais, traduziam isto, para desdém dos gestores locais dos oligopólios
globais. As forças políticas derrotadas nas eleições de 2010 aplicariam a
agenda neoliberal desejada de forma mais ampla. O “mercado”, leia-se
oligopólios globais, queria mais do que o governo deu: a independência do
Banco Central; a privatização e abertura total dos campos do Pré-Sal na
costa nacional; a privatização da Previdência Social, da Caixa Econômica e
de outras empresas públicas; o fim do Mercosul e da Consolidação das
Leis do Trabalho; um ataque às despesas do governo com educação e
saúde, e seu direcionamento quase exclusivo para o pagamento de juros.
Daí a insatisfação da direita, daí o esforço internacional por financiar mo-
vimentos e partidos de oposição.
A partir de nossas premissas, pode-se afirmar então que o caminho
para uma política anticíclica mais eficiente passaria primeiramente por uma
distribuição mais eficiente da carga tributária que diminuísse a dependência
do governo dos financiadores privados de sua dívida. Isto facilitaria não só
a queda dos juros, mas sim a adoção de um orçamento mais expansivo e
menos dependente da entrada de capital estrangeiro para seu próprio fi-
nanciamento. Por sua vez, a necessária desvalorização do câmbio e outras
medidas de comércio exterior necessárias para uma expansão da produção
fabril doméstica seriam de menor impacto inflacionário e mais consistentes
do ponto de vista da alocação do investimento produtivo se viessem
acompanhadas de uma política de limitação dos grandes rendimentos e de
uma participação mais efetiva do setor público na formação de capital e de
preços.
Mas, num nível mais abrangente, que fatores mais profundos estariam
a criar as dificuldades para que a economia brasileira voltasse a apresentar
um crescimento baseado na produção manufatureira interna, tal como
durante uma parte de sua história econômica ao longo do século anterior?
Que fatores estariam a operar para além da política econômica e da mera
182
disposição a investir por parte dos grandes grupos? De nosso ponto de
vista, tal resposta não pode fugir à discussão da posição do país e dos oli-
gopólios nele atuantes na divisão internacional do trabalho, e esta caracte-
rística não pode ser discutida a partir de um ponto de vista meramente
econômico. Necessita-se da história e da sociologia. Na sequência perfila-
mos, por fim, alguns aspectos referentes a tais questões.
A julgar pelos dados oficiais sobre o movimento da estrutura econômi-
ca brasileira, acima observados, pode-se afirmar que as decisões alocativas
dos grupos internacionais têm tido no país apenas um ponto limitado de
produção e distribuição logística, com concentração na região sudeste do
país, ou nos segmentos de exportação de bens primários, que se concentram
majoritariamente no centro e norte do país. Nesta leitura, o Brasil tem uma
própria rede de atividades em si mesma extensa e de recursos significativos,
mas não produz um padrão de inserção internacional capaz de conduzir-se
ao núcleo orgânico do sistema, que esteve sob grande mutação devido à
forte modificação locacional dos investimentos produtivos em direção ao
Leste Asiático. As corporações internacionais à testa destas inversões têm no
Brasil suas atividades a concentrarem-se majoritariamente na exportação da
enorme riqueza física que o país tem, ou no abastecimento do mercado
interno, ou na montagem de peças importadas para reexportação para a área
do Cone Sul, para a qual o quantum de exportações de produtos industriais
é muito maior em termos relativos. Isto ajuda a explicar porque o Brasil é
erroneamente identificado como uma potência econômica regional.
De fato, dentro das preferências corporativas pela inversão neste ou
naquele país, dá-se preferência não somente por salários mais baixos, mas
também à existência de (1) Estados nacionais comprometidos com um pro-
cesso de acumulação; (2) mão de obra com as mencionadas características
de preparo técnico e cultural; (3) concentração pré-existente de atividades
econômicas e facilidades logísticas. Arrighi chamou esta condição de uma
combinação de empresas privadas e instituições governamentais em diferen-
tes estruturas de poder. Não se poderia imputar preponderantemente ao
capital internacional a organização de semelhantes tarefas num dado espaço
nacional, na ausência de claras necessidades (geo)políticas. Em todo caso, o
Brasil, visto em termo abrangentes, não reúne estas características.
Tendo o movimento acumulativo produtivo global concentrado-se no
Leste Asiático e permanecido restrito a algumas outras nações fora deste
eixo, o esforço que teriam que fazer as nações com custos salariais compara-
tivos mais altos (Brasil x China, etc.) seria consideravelmente alto, se quises-
sem continuar a manter constante o número de operários industriais – por
183
força de prestígio, autonomia, segurança nacional ou simplesmente necessi-
dade de empregar produtivamente uma população urbana alta. Provavel-
mente, somente uma elite no poder em posse de algum projeto nacional
poderia manipular as variáveis que levam à industrialização a operarem este
complexo conjunto de forças, vencendo as dificuldades que, por exemplo, o
governo Dilma tinha à frente na consecução de sua política econômicas. No
caso brasileiro, como nas condições do neoliberalismo as decisões de inves-
timento foram repassadas majoritariamente ao capital internacional, não se
pode esperar que este tivesse um projeto nacional para o Brasil. Como tam-
pouco o Brasil não passou por nenhuma grande transformação social que
tivesse alterado sua correlação interna de forças a deslocar o rentismo e o
parasitismo, a atuação deste capital internacional também não foi disciplina-
da para fins de industrialização contínua sob algum projeto que o transcen-
desse (China, Coreia etc.).
No Brasil o processo de industrialização não alcançou dimensões ab-
solutas que pudessem caracterizar todas suas regiões como industrializadas.
Daí o conjunto das atitudes atrasadas das elites regionais brasileiras expres-
so nas instâncias representativas. O alcance do processo de industrialização
no Brasil foi limitado regional e setorialmente. Ele foi suficiente para pro-
vocar uma grande urbanização e difusão da monetarização da economia,
logrando transformações rápidas e quase sempre violentas das condições
de vida rurais. Mas, fisicamente insuficiente para adequar sua estrutura de
oferta às necessidades de formação de infraestrutura em níveis nacionais, a
restrição das condições de crescimento produtivo em nível total foi inca-
paz de eliminar muitos dos “resíduos” pregressos em forma de compor-
tamentos arcaicos e orientações alocativas improdutivas.
Nas condições de competição e planejamento de investimentos pelos
grupos internacionais a operarem numa escala global, a operacionalidade
dos instrumentos de políticas públicas numa economia aberta e que tende
ao investimento improdutivo, financeiro e amiúde especulativo, é bastante
problemática, sendo de fato pouco autônoma. A economia brasileira, co-
mo suas vizinhas latino-americanas, apresenta alta exposição às decisões de
investimento corporativas domésticas e transnacionais. O país tem depen-
dido de forma significativa das decisões alocativas determinadas inclusive
em outras realidades geográficas, com poucos meios indutivos (inclusive
políticos) para tangenciá-la adequadamente.
A economia no Brasil não tem consolidado um fluxo de inovações
operacionais e técnicas que a permita ganhar posições avançadas no exterior.
Os preços relativos conduzem aos investimentos na extração de riqueza
184
natural, com os consequentes impactos ambientais, ou àqueles relativamente
protegidos da concorrência internacional, devido a dificuldades logísticas ou
institucionais. A economia torna-se desproporcionalmente exposta à ciclici-
dade da economia global porque vende matérias-primas e porque se abre
demais às oscilações dos ciclos financeiros globais. A redução dos instru-
mentos de intervenção da administração pública nos anos (19)90 está na
base desta deficiência. Com efeito, a atividade primário-extrativista não pode
determinar a atividade cíclica global, por sua posição mercadológica passiva,
na maioria dos casos. A chamada globalização criou uma dependência exa-
cerbada da coletividade em função das decisões corporativas dos oligopólios
globais e locais, o que evidentemente torna o Estado débil face a tais deci-
sões. Com isso, toda a defesa de um chamado capitalismo de “livre merca-
do” reside numa afirmação, dada num nível puramente propagandístico
segundo os interesses da classe dominante, de que a operação do “mercado”
conduz à resolução natural de todos os problemas econômicos relevantes. A
teoria e a história econômica vêm refutando esta noção desde o século XIX,
em diferentes realidades.
Apenas uma fração do setor produtivo, capaz de formar de preços
domésticos e exercer planejamento indicativo, está em mãos do Estado
(menos de um quarto do total de investimentos), resultando-se uma de-
pendência exacerbada das preferências locacionais e temporais de inversão
do setor privado. Aproximadamente 6% da formação bruta de capital fixo
é controlada pelo Estado, num total de aproximados dezenove em termos
de PIB. Por sua vez, há uma ausência de um segmento empresarial domés-
tico às vezes chamado de “schumpeteriano” numericamente dominante
no aparelho de gestão das decisões de inversão, e regionalmente abrangen-
te, disposto a arriscar capital em inovação e a tolerar uma expansão do
volume de emprego e do salário real por muitos anos. Esta condição con-
gela as realidades sociais urbanas e regionais brasileiras, produzindo baixa
dinâmica empregatícia em nível nacional.
A queda da qualidade de um setor educacional público no Brasil, se
vista à luz dos pressupostos aqui adotados, tem então uma conexão íntima
com a posição ocupada pelo país na divisão internacional do trabalho. Tal
queda expressaria a ausência atual de uma disposição corporativa na ampli-
ação da produção de valor físico a partir de inovação técnica e aumentos
de produtividade mediante a preparação técnica do fator trabalho. A es-
tagnação do setor produtor de bens físicos indicaria (1) em nível regional
brasileiro, uma indústria restringida em termos absolutos e (2) em nível
internacional, a exclusão da participação no grupo de nações industriais na
185
divisão internacional do trabalho. O predomínio, enfim, da preferência
pela liquidez, pelo rentismo, pela especulação, pela internacionalização. A
crise na educação pública remeteria à acomodação dos segmentos corpo-
rativos brasileiros a setores não vinculados diretamente com o setor produ-
tivo inovador, único cuja internalização tem historicamente demonstrado
capacidade de dotar as nações modernas de participações crescentes nas
correntes de comércio exterior, concomitantemente à formação direta e
indireta de empregos, essenciais numa sociedade de tipo urbano e assalari-
ada.
Há também um componente político deste padrão de decisões aloca-
tivas. A edificação de uma sociedade industrial acarreta por parte dos em-
pregadores a tolerância à existência física de uma classe trabalhadora, e a
um conflito pautado na noção de luta de classes. Trata-se da contrapartida
da concentração logística e operacional de grandes firmas vinculadas à
distribuição e produção. Tal como se viu na região do ABC paulista, a
existência de uma classe trabalhadora numerosa, consciente e sindicalizada,
nas condições de redemocratização, foi o custo político a pagar-se pelo
rápido processo de crescimento da área. Este custo, porém, acarretou a
ameaça da perda do poder político pelos setores tradicionalmente domi-
nantes, em 1989 e nas eleições subsequentes, concretizando-se em 2002,
2006, 2010 e 2014. Tal custo, bem como a disposição da classe capitalista
em arriscar capital na difícil tarefa da industrialização, foi contornada, e em
boa parte evitada, durante o manejo não-soberano da crise da dívida exter-
na e na abertura comercial nos anos 1980 e 1990. Isto explica porque a
crise social vivida nos anos de neoliberalismo não se traduziu no Brasil
numa crise de poder. Os grupos privados domésticos corporativos reser-
varam-se outros mecanismos de manutenção e ampliação de riqueza que
não somente o industrial, incluindo-se o financeiro, explicando-se assim a
tolerância para com os impactos de uma abertura comercial rápida e ataba-
lhoada da economia brasileira. Tal crise eliminou uma escalada amplificada
do poder trabalhista, particularmente no ABC paulista.
É claro que o mundo ideal do desenvolvimento econômico seria um
de baixa urbanização, terra para todos, cidades pequenas, população está-
vel e desaparecimento das classes sociais. Mas o mundo real é o da super-
população e o da disputa entre as superpotências. A defesa de uma indús-
tria nacional para aqueles que gostariam de viver num país soberano refe-
re-se a muito mais do que a um cálculo de custos em escala internacional.
A defesa da indústria nacional refere-se a sua capacidade de gerar empregos
e inserção externa soberana, à geração de excedentes, a spillovers e “encade-
186
amentos para a frente e para trás”. Como relação a todos estes sentidos
sociológicos, geopolíticos e históricos, a literatura “liberal” é omissa ou
mesmo constitui uma enorme fonte de estupidezes, frivolidades e hipocri-
sias que só podem ser escritas por indivíduos que têm dois ou mais passa-
portes. Eles no fundo não são “brasileiros”, mas falam como se fossem ou
pretendem estar representando os interesses da massa. O Brasil, no fundo,
não existe para eles, como já afirmava, para não irmos muito longe, um
certo ex-Presidente da República, em sua vil defesa da “globalização” e do
suposto fim dos conflitos internacionais.
A construção de uma ampla capacidade de oferta e de um sistema na-
cional de inovações, domiciliado dentro de um território nacional qualquer, é
um dos caminhos para avançar posições na divisão internacional do traba-
lho. Tais inovações exigem incessante “destruição criativa”, em forma de
novos métodos de produção, novos tipos de bens, novas fontes de supri-
mentos, novas maneiras de organizar e administrar a produção. Evitá-la,
assumindo tarefas monótonas na divisão internacional do trabalho, diante da
intensa pressão competitiva do capitalismo no final do século XX e da diver-
sidade de opções alocativas existentes na economia brasileira, expressa um
caminho mais cômodo, possível devido às idiossincrasias de uma estrutura
econômica ampla como a brasileira. Tais opções alocativas garantem posi-
ções corporativas mais seguras domesticamente mas não foram capazes de
levar o espaço econômico como um todo a uma melhoria em termos de
empregabilidade e aproveitamento ótimos do fator trabalho.
Deve-se reconhecer que quando a inserção externa mediante a venda
de bens primários conhece um perfil de rápido crescimento, tal como se
viu ao longo dos anos 2000, ela não poderia ser considerada, em si mesma,
negativa, se o país já apresentasse cadeias locais de inovação e produção
consolidadas num nível nacional. A exportação de recursos naturais permi-
te repartir mais recursos sem um grande esforço de acumulação e forma-
ção técnica da força de trabalho. Mas, nas condições de industrialização
restringida, abundância de recursos naturais e alta liquidez internacional, ela
não torna a economia mais autônoma e não permite expansões do tecido
industrial de modo a incorporar trabalho produtivo ao sistema econômico.
Particularmente devido a uma valorização cambial excessiva quando do
regime de taxas flutuantes. Não há necessidade de um sistema integrado e
funcional de qualificação da massa da população trabalhadora, a compor o
grosso da oferta de trabalho disponível, nas condições de baixa inovação
técnica local e desempenho do comércio internacional centrado em commo-
dities, que permite um aumento do excedente pela mera extração de recur-
187
sos geologicamente já formados ou pela mera depredação do patrimônio
natural, como vem ocorrendo, sem cessar, com o espaço amazônico62.
Pode-se afirmar, portanto, que o Brasil, assim como as nações latino-
americanas de estrutura social e econômica similar, esteve numa situação
especial do ponto da inserção dinâmica internacional recente. Esteve premi-
do entre (1) potências industriais antigas, detentoras das grandes cadeias de
inovação e produção já consolidadas e (2) os países asiáticos de industrializa-
ção recente, que internalizaram parte destas novas tecnologias, com forte
presença do Estado e força de trabalho disciplinada, treinada e poupadora.
No arco das relações econômicas globais, o Brasil estaria apenas à frente das
nações periféricas que não dispõem nem do industrialismo consolidado e
controle financeiro internacional, nem da existência de uma força de traba-
lho disciplinada e um Estado forte, nem de recursos naturais abundantes.
Isto definiria o Brasil como nação semi-periférica na acepção de Giovanni
Arrighi (1997), possuindo como poder de penetração externa sua enorme
riqueza material natural. Autores como Barbosa (2009) definem a situação
de forma ainda mais crítica, classificando a condição brasileira de fato como
de semi-colonial. Isto devido à internacionalização da economia no que se
refere aos principais setores produtivos, terra e recursos naturais; à depen-
dência tributária do governo do capital internacional; à separação estrutural
étnica entre pobres e ricos, impossibilitando que exista uma nação em termos
de coesão social; e à própria dupla nacionalidade de parte da elite local. A
análise acima realizada sugere que Wilson Barbosa está correto, e isto expli-
caria a aceitação generalizada da “doutrina das vantagens comparativas” no
Brasil. No fundo, a aceitação desta doutrina, por detrás de uma roupagem
que se pinta como nacional, está a traduzir um fato para os administradores
locais: o Brasil não precisa ser uma potência industrial, não precisa de um
parque industrial autônomo de base nacional; o Brasil não precisa ser uma
nação soberana; o esforço para tal é alto e é mais conveniente encaixar-se
nos quadros da dependência.

62. A descoberta de novos campos de gás e petróleo ao longo da costa do sudeste brasileiro levou à
discussão, e posterior aprovação pelo Congresso, da aplicação obrigatória de parte dos recursos mone-
tizados oriundos da exploração do petróleo no sistema educacional do país. Mas esta discussão não foi
acompanhada de uma alteração das condições distributivas gerais. O extenso estoque de recursos
naturais pouco manufaturados manterá e poderá até mesmo ampliar os níveis de tributação sem
acarretar um aumento dos custos políticos. Tributando a natureza, pode-se manter o perfil distributivo
existente da renda, com o fator adicionalmente negativo das consequências ambientais da exploração
do petróleo; estas saídas distributivas às expensas dos recursos naturais tornaram-se bastante típicas do
atual “modelo brasileiro”.
188
Neste sentido, a dimensão absoluta de mercado interno local e o am-
plo estoque de recursos naturais não contrariam, mas sim explicam, as
bem-sucedidas estratégias dos setores locais dominantes em manterem seu
controle do poder e riqueza, sem arcarem com as tarefas que lhes corres-
ponderiam caso tais oportunidades não estivessem à mão. O caminho de
um crescimento expansivo doméstico com incorporação da classe traba-
lhadora ao mundo do trabalho fabril foi então evitado mediante políticas
de internacionalização rápida e assunção de tarefas rotineiras na Divisão
Internacional do Trabalho. Denotando-se ampla capacidade dos proprietá-
rios locais de riqueza em metamorfosear e diversificar suas carteiras de
ativos sem que isto acarretasse em transformações dinâmicas na sociedade.
O avanço dos serviços, do subemprego, das drogas etc., e sua tradução no
crescimento da religião e da anomia social é consequência de uma socieda-
de tornada “pós-industrial” e de desemprego estrutural.
Assim, os controladores dos aparelhos de gestão econômica e dos seg-
mentos aparentemente modernizados do Estado e economia local têm posto
de lado há décadas a persecução da construção de uma sociedade racional-
industrial, que passa necessariamente também pela estruturação do acesso
adequado à terra e à produção agrícola familiar e de um sistema nacional de
educação básica eficiente, do tipo coreano ou japonês. A que situação eles
conduziram o Brasil? A um quadro hiperurbanizado onde nunca se alterou a
velha estrutura latifundiária; ao desaparecimento de uma indústria nacional dig-
na deste nome; a um quadro de professores mal pagos e escolas precarizadas;
a um fosso social e geográfico entre negros e brancos; à comercialização de
entorpecentes como fator de acumulação de capital e estruturação do poder
político; a uma perda de controle técnico e/ou acionário de recursos naturais,
telecomunicações, serviços de inteligência e mesmo tecnologias das forças
militares. Não foi o sistema de navegação por satélite do Exército brasileiro
[GPS] fornecido pelos Estados Unidos? Não foi a própria Presidência da
República espionada em sua conta de endereço eletrônico? Não estão partidos
e movimentos políticos a ser financiados diretamente do exterior? Seria ocioso
multiplicar exemplos. Esta análise, porém, provavelmente seria definida como
“antipatriótica”.
A administração Dilma, com seu discurso de “governar para todos”,
pouco fez para mobilizar os que não tinham nada a perder, não os condu-
zindo à luta social consciente. Tampouco, sejamos honestos, construiu a
sua defesa própria, não articulando com sucesso sua defesa dentro das
Forças Armadas e do Judiciário, e não construindo um contrapoder midiá-
tico à altura daquele que a atacava diariamente. Neste sentido, ficou atrás
189
das próprias experiências dos vizinhos do Cone Sul. A ideia de governar
para todos era, simplesmente, uma mistificação, tamanha a oposição que
Dilma enfrentava, particularmente no Sul e Sudeste do país. Neste senti-
do, a segunda administração Dilma, cuja história ainda será contada, ficaria
desarmada diante do aguçamento da luta de classes e do imperialismo,
mais vivo do que nunca, como mostra a intervenção ou pressão da
OTAN sobre a Líbia, a Ucrânia, a Síria, a Rússia etc..
Mesmo com anos de crescimento, mantiveram-se os conflitos por
um acesso mínimo à riqueza, dentro e à margem da legalidade, como mos-
tram as taxas de encarceramento no período. As melhorias sociais ficaram
então na dependência da luta social, dificultada pela crise na educação pú-
blica, pela difusão das drogas, e pela distância esmagadora entre ricos e
pobres, a provocar a inveja nestes e seu desejo desesperado de pertenci-
mento ao grupo de consumidores. A queda da taxa de crescimento da
população no Brasil, diminuindo o “exército de reserva” disponível, a ine-
xistência de uma solução imigratória fácil e a dificuldade em gerar exceden-
te econômico nas condições da primarização e da crescente escassez dos
recursos naturais, dificultarão a manutenção do luxuoso padrão de vida da
elite local. Isto tenderá, ao que parece, a gerar formas cada vez mais autori-
tárias de controle social. Espera-se que este estudo tenha contribuído de
alguma forma para uma melhor compreensão destes fenômenos.

190
8. Anexo. Gráficos e Tabelas

Gráfico 1
Brasil. Salário mínimo real. Em reais. 2000-2015.

900
800
700
600
500
400
300
2003.01

2008.01

2013.01
2000.01
2001.01
2002.01

2004.01
2005.01
2006.01
2007.01

2009.01
2010.01
2011.01
2012.01

2014.01
2015.01
Fonte: IBGE.

Gráfico 2
Brasil. Nascimentos por ano. Em número de indivíduos. 2000-
2014.

4.000.000
3.500.000
3.000.000
2.500.000
2.000.000
1.500.000
1.000.000
500.000
0
2012
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011

2013

Fonte: IBGE.

191
Gráfico 3
Brasil. Dívida líquida do Tesouro Nacional/PIB. 2006-2014 (ou-
tubro). A partir de reais correntes.
0.3

0.28

0.26

0.24

0.22

0.2

0.18
ago/10
jan/06

jan/11
dez/08

dez/13
set/07

mar/10

set/12
abr/07

abr/12
fev/08

fev/13
jun/11
jun/06
nov/06

jul/08

mai/09
out/09

nov/11

jul/13

mai/14
out/14
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.

Tabela 1
Brasil. Metas de inflação, bandas e inflação efetiva (todos em %).
2003-2014.
Ano Meta Banda Efetiva (IPCA)
2003 3,5 2,5 9,3
2004 4 2,5 7,6
2005 5,5 2,5 5,69
2006 4,5 2 3,14
2007 4,5 2 4,46
2008 4,5 2 5,90
2009 4,5 2 4,31
2010 4,5 2 5,91
2011 4,5 2 6,50
2012 4,5 2 5,84
2013 4,5 2 5,91
2014 4,5 2 6,41
Fonte: Banco Central.

192
Gráfico 4
Brasil. Necessidades de financiamento do setor público (Gov. Fe-
deral, Bacen, empresas estatais, governos estaduais, municipais, e empre-
sas estaduais e municipais). 2011-2015 (julho). Em % do PIB.
0,1
0,05
0
-0,05
-0,1
Jan

Jan

Jan

Jan

Jan
Out

Out

Out
Abr

Abr

Abr

Abr

Out

Abr
Jul

Jul

Jul

Jul

Jul
2011 2012 2013 2014 2015
Déficit nominal em % do PIB
Resultado primário em % do PIB
Fonte: Secretaria da Receita Federal. Em reais correntes deflacionados pelo IPCA
(% anual).

Gráfico 5
Brasil. Reservas internacionais em poder do Banco Central. 2000-
2014. Em milhões de dólares.
400000
350000
300000
250000
200000
150000
100000
50000
0
2000

2010
2011
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009

2012
2013
2014

Fonte: Banco Central.

193
Gráfico 6
Brasil. Taxa de câmbio livre – dólar dos Estados Unidos. 1999-
2015.
4.5

3.5

2.5

1.5

Fonte: Banco Central.

Gráfico 7
Brasil. Índice de Taxa de câmbio real (IPCA). 1988-2015.
233
213
193
173
153
133
113
93
73
53
ago/97
nov/91
out/93

fev/09
set/95

jun/01

nov/14
abr/05
mai/03

mar/07
dez/89

dez/12
jan/88

jan/11
jul/99

Fonte: Banco Central.

194
Tabela 2
Brasil. Produto interno bruto. Em bilhões de reais correntes. 2000-
2014.

2000 1.199
2001 1.315
2002 1.488
2003 1.717
2004 1.957
2005 2.170
2006 2.409
2007 2.720
2008 3.109
2009 3.333
2010 3.885
2011 4.373
2012 4.805
2013 5.316
2014 5.687
Fonte: Banco Central.

Gráfico 8
Brasil. Taxa de desemprego – regiões metropolitanas (%). 2001-
2015.

14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4

Fonte: IBGE.

195
Gráfico 9
Brasil. Taxas de utilização de capacidade instalada em vários seto-
res (%). 2000-2015.
95

90

85

80

75

70

65

Bens de consumo Bens de capital Material de construção


Bens de consumo intermediário Minerais não-metálicos Metalúrgica
Mecânica

Fonte: Banco Central.

Gráfico 10
Brasil. Excedentes operacionais brutos e remuneração de empre-
gados como proporção do PIB. 2001-2013. Em reais correntes.
0,46

0,44

0,42

0,4

0,38

0,36

0,34

0,32

0,3

Remuneração de empregados Excedente operacional bruto

Fonte: Sistema de Contas Nacionais 2010-2013 e 2005-2009 – IBGE.

196
Gráfico 11
Brasil. Economia nacional/conta de acumulação: Capacidade (+)
ou necessidade (-) líquida de financiamento, dada por (1) poupança bruta
menos (2) formação bruta de capital fixo, variação de estoques e saldo de
transferências de capital com o resto do mundo. 2005-2013.
50000

-50000

-100000

-150000

-200000

-250000
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Fonte: Sistema de Contas Nacionais 2010-2013 e 2005-2009 – IBGE.

Gráfico 12
Comércio internacional. Commodities selecionadas. Cotação da
tonelada em dólares. 2000-2014.
3000

2000

1000

Soja em farelo Laranja


Carne Alumínio
Fonte: Ipeadata.

197
Tabela 3
Brasil. Índice de Gini. 2003-2013.

Anos Índice
2006 0,563
2007 0,556
2008 0,546
2009 0,543
2010 n.d.
2011 0,531
2012 0,530
2013 0,527
Fonte: IPEA.

Tabela 4
Brasil. Detentores dos títulos públicos federais (DPMFi). Em bi-
lhões de reais. 2013-2014.
Dezembro de 2013 Dezembro de 2014
Instituições financeiras 613 649
Fundos de investimento 439 442
Previdência 346 372
Não-residentes 326 406
Governo 132 124
Seguradoras 81 89
Outros 87 96
Total 2.028 2.183

Fonte: Tesouro Nacional. Relatório Mensal da Dívida Pública Federal. Dezembro


de 2014, p.15.

198
Gráfico 13
Economia mundial. Dólares por barril de petróleo. 1986-2015.

116,00
96,00
76,00
56,00
36,00
16,00
-4,00
1995-01-01

2004-01-01
1986-01-01
1989-01-01
1992-01-01

1998-01-01
2001-01-01

2007-01-01
2010-01-01
2013-01-01
Fonte: U.S. Energy Information Administration (EIA).

Gráfico 14
Brasil. Produção de automóveis ao mês. 1993-2015.

390.000

340.000

290.000

240.000

190.000

140.000

90.000

40.000
jan/93
jan/94
jan/95
jan/96
jan/97
jan/98
jan/99
jan/00
jan/01
jan/02
jan/03
jan/04
jan/05
jan/06
jan/07
jan/08
jan/09
jan/10
jan/11
jan/12
jan/13
jan/14
jan/15

Fonte: Banco Central/Anfavea.

199
Gráfico 15
Brasil. Níveis de endividamento das famílias como porcentagem
da renda acumulada nos últimos doze meses. 2005-2015 (julho).
50

45

40

35

30

25

20

15

ago/09

jan/15
jan/05

jan/10

ago/14
dez/07

dez/12
set/06

mar/09

set/11

mar/14
out/13
jun/05
nov/05

fev/07
abr/06

mai/08
out/08

jun/10
nov/10
abr/11

fev/12
jul/12

jun/15
mai/13
jul/07

Endividamento das famílias com o Sistema Financeiro Nacional em relação à renda


acumulada dos últimos doze meses
Endividamento das famílias com o Sistema Financeiro Nacional exceto crédito
habitacional em relação à renda acumulada dos últimos doze meses

Fonte: Banco Central.

Gráfico 16
Brasil. Investimentos diretos no país e lucros e dividendos remeti-
dos ao exterior (em valores negativos). 2011-2014 (novembro). Em milhões
de dólares.
30000

25000

20000

15000

10000

5000

-5000

-10000
ago/03

jan/10
jan/03

ago/10
dez/05

dez/12
mar/04

mar/11
set/07

set/14
mai/05

abr/08

mai/12

fev/14

abr/15
fev/07

nov/08

jul/13

nov/15
out/04

jul/06

jun/09

out/11

Lucros remetidos Ingresso de IED

Fonte: Banco Central.

200
Gráfico 17
Brasil. Índice Bovespa. Pontos. 2003-2014 (fevereiro).
80.000

70.000

60.000

50.000

40.000

30.000

20.000

10.000

Fonte: Banco Central.

Gráfico 18
Brasil. Investimentos em carteira. Títulos de renda fixa. Passivos,
negociados no mercado doméstico. 2003-2014 (setembro). Em milhões de
dólares.
18000

16000

14000

12000

10000

8000

6000

4000

2000

0
ago/03
mar/04

mar/11
fev/07

ago/10

fev/14
dez/05

dez/12
abr/08
mai/05

nov/08

mai/12
jul/06

jun/09

jul/13
set/07

set/14
out/04

out/11
jan/03

jan/10

Fonte: Banco Central.

201
Gráfico 19
Brasil. Investimentos em carteira no Brasil. Ações em milhões de
dólares. 2003-2015 (novembro).
40000

35000

30000

25000

20000

15000

10000

5000

0
mar/04
ago/03

ago/10
mar/11
fev/07

fev/14
dez/05

dez/12
abr/08

abr/15
nov/08

nov/15
mai/05

mai/12
jun/09
jul/06

set/07

jul/13

set/14
out/04

out/11
jan/03

jan/10

Fonte: Banco Central.

Gráfico 20
Países selecionados. Participação da indústria no PIB. Em %.
1991-2014.
50
45
40
35
30
25
20
1994

1996

1998

2000

2002
1991
1992
1993

1995

1997

1999

2001

2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014

Alemanha Japão Reino Unido


Coreia do Sul Brasil China
EUA
Fonte: Banco Mundial.

202
Gráfico 21
Brasil. Importações por valor FOB com relação ao total de impor-
tações ( = 1). 1997-2014.
1
0,8
0,6
0,4
0,2
0
2001
2002

2007

2013
1997
1998
1999
2000

2003
2004
2005
2006

2008
2009
2010
2011
2012

2014
Básicos Semi-manufaturados
Manufaturados
Fonte: cálculo do autor a partir de dados da SECEX.

Gráfico 22
Brasil. Folha de pagamento real na indústria por trabalhador.
Número índice. 2001-2015.
115

110

105

100

95

90
ago/06

jan/13
ago/13
jan/06
dez/01

dez/08

dez/15
mar/07

mar/14
set/03

set/10
nov/04

nov/11

mai/15
fev/03
jul/02

mai/08

abr/11
abr/04

jul/09
fev/10
jun/05

out/07

jun/12

out/14

Fonte: IBGE – Pesquisa Mensal de Emprego e Salário.

203
Gráfico 23
Brasil. Dívida líquida do Tesouro Nacional, em % do PIB. 2011-
2015 (outubro).
25,0%

24,0%

23,0%

22,0%

21,0%

20,0%

19,0%

18,0%

17,0%
jan/11

jan/12

jan/13

jan/14

jan/15
abr/12

abr/14
abr/11
jul/11

abr/13
jul/13

abr/15
jul/15
out/11

jul/12
out/12

out/13

jul/14
out/14

out/15
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.

Tabela 5
Brasil. Contas Trimestrais. Em valores correntes (reais). 1995-
2015.
Período Impostos PIB Consumo Consumo Formação Variação Exporta- Importa-
das do bruta de de ções ções
famílias governo capital estoques
1996.I 24.960 189.323 125.685 35.666 35.403 -4.964 12.306 14.773
1996.II 26.378 204.611 132.511 39.023 39.326 -3.355 14.576 17.470
1996.III 27.349 221.513 142.658 41.810 41.418 994 15.560 20.928
1996.IV 28.778 239.316 156.087 52.324 43.187 -4.417 15.085 22.949
1997.I 26.992 219.117 147.808 42.139 42.697 -7.355 13.162 19.333
1997.II 28.600 232.890 154.447 45.485 46.189 -8.063 17.402 22.570
1997.III 29.556 246.178 157.598 45.830 47.287 2.106 18.529 25.171
1997.IV 30.198 253.904 161.954 52.540 45.894 374 17.398 24.255
1998.I 29.259 235.701 157.103 46.994 45.595 -8.376 16.099 21.714
1998.II 30.797 251.936 159.194 49.307 48.379 -853 18.805 22.896
1998.III 30.027 258.043 163.447 49.839 47.636 3.701 18.786 25.366
1998.IV 30.324 256.671 163.187 55.037 44.249 1.743 16.781 24.326
1999.I 33.988 250.668 164.893 48.863 44.121 -3.515 22.153 25.847
1999.II 35.661 268.709 170.252 51.749 47.152 3.829 24.728 29.001
1999.III 36.910 274.126 178.811 53.944 46.383 312 27.646 32.971
1999.IV 39.234 294.208 189.576 60.623 47.432 3.434 29.511 36.368
2000.I 38.150 276.927 176.025 49.216 56.887 -497 26.402 31.107
2000.II 40.225 292.789 189.996 52.695 53.911 931 30.239 34.983
[Continua]

204
2000.III 43.715 308.896 200.012 54.588 53.879 6.805 33.768 40.155
2000.IV 45.675 320.481 208.493 68.544 54.811 -61 31.756 43.062
2001.I 47.018 312.470 203.369 55.190 61.689 1.547 33.576 42.902
2001.II 49.521 323.724 210.284 58.687 62.067 426 40.837 48.577
2001.III 49.308 332.524 211.486 59.988 60.427 6.445 45.701 51.523
2001.IV 49.487 347.038 218.362 80.645 58.153 -4.158 42.667 48.633
2002.I 50.916 342.297 215.913 65.697 62.806 1.804 34.812 38.735
2002.II 53.190 367.363 225.796 71.519 65.569 7.826 38.896 42.244
2002.III 55.008 379.795 233.655 68.751 67.912 -235 65.894 56.182
2002.IV 59.459 399.333 246.172 88.957 70.596 -16.499 72.262 62.154
2003.I 60.501 397.242 257.432 70.185 70.262 -5.652 63.031 58.016
2003.II 61.311 418.987 260.277 78.572 68.696 1.755 62.162 52.474
2003.III 61.202 439.350 267.445 82.553 71.785 5.204 66.754 54.391
2003.IV 64.220 462.372 277.306 96.431 74.519 3.021 68.852 57.759
2004.I 64.885 444.783 274.159 76.588 76.797 5.596 66.313 54.670
2004.II 71.613 481.795 284.833 84.760 83.337 9.433 82.950 63.518
2004.III 78.751 505.252 301.881 90.362 90.684 1.330 90.341 69.346
2004.IV 80.519 525.920 317.821 109.840 88.268 -4.763 84.321 69.567
2005.I 77.272 499.710 308.544 89.562 85.394 773 77.094 61.657
2005.II 79.887 535.557 321.752 95.935 92.729 7.349 82.694 64.902
2005.III 82.363 552.859 332.896 99.485 96.634 1.882 88.086 66.125
2005.IV 88.244 582.458 350.104 125.041 95.462 -6.777 83.005 64.378
2006.I 84.984 554.270 345.002 100.992 96.723 -1.707 76.049 62.788
2006.II 85.843 581.977 355.817 105.729 100.733 6.669 79.740 66.710
2006.III 89.958 617.848 368.734 111.875 108.368 6.820 98.608 76.558
2006.IV 99.376 655.355 386.663 140.138 108.850 2.824 91.945 75.063
2007.I 92.562 631.424 384.999 114.489 109.267 13.576 85.082 75.990
2007.II 96.590 670.655 400.752 123.655 119.167 15.016 89.593 77.527
2007.III 102.322 691.846 410.354 125.131 129.921 16.546 95.806 85.912
2007.IV 109.261 726.338 432.651 152.024 131.177 4.468 92.066 86.048
2008.I 112.393 712.053 433.751 128.394 132.371 23.503 80.423 86.390
2008.II 118.037 769.522 456.471 139.783 147.732 25.908 98.350 98.722
2008.III 124.860 812.602 480.468 144.805 168.886 17.307 115.427 114.290
2008.IV 128.036 815.626 486.820 172.887 153.856 2.757 126.681 127.375
2009.I 109.021 756.141 474.273 150.521 134.945 2.754 87.579 93.933
2009.II 113.854 803.589 504.229 150.885 147.362 -3.903 94.053 89.037
2009.III 121.456 852.842 534.397 157.480 172.382 -8.451 92.891 95.857
2009.IV 138.946 920.468 552.134 196.078 181.987 -594 87.157 96.294
2010.I 133.340 886.348 546.346 163.726 177.982 12.730 86.093 100.529
2010.II 142.132 944.095 568.526 172.803 193.391 15.313 104.085 110.023
2010.III 148.006 997.936 596.732 179.940 214.814 19.042 112.718 125.311
[Continua]

205
[Continuação]
2010.IV 159.529 1.057.469 628.562 222.497 211.760 2.134 114.374 121.859
2011.I 155.325 1.016.117 623.346 177.857 209.740 17.773 102.542 115.141
2011.II 160.479 1.086.257 648.371 199.099 220.697 24.074 123.712 129.697
2011.III 166.521 1.111.637 668.122 199.108 236.835 12.092 135.788 140.309
2011.IV 173.596 1.159.647 696.063 241.304 233.513 -664 139.759 150.327
2012.I 167.519 1.127.389 693.248 194.627 232.841 24.565 117.366 135.257
2012.II 174.803 1.180.791 716.290 215.611 243.770 19.544 144.370 158.793
2012.III 188.233 1.228.048 751.549 215.663 259.115 11.352 151.023 160.654
2012.IV 189.946 1.269.684 788.577 266.729 259.917 -22.042 150.714 174.212
2013.I 180.112 1.240.187 776.429 214.631 256.270 31.812 124.077 163.032
2013.II 192.524 1.320.768 804.048 247.191 279.234 15.538 154.745 179.988
2013.III 190.557 1.350.088 829.289 244.489 291.092 17.247 168.184 200.215
2013.IV 214.666 1.405.412 866.284 301.468 287.176 -23.038 173.071 199.550
2014.I 196.620 1.368.454 854.115 245.319 286.337 30.002 144.105 191.424
2014.II 196.410 1.400.631 865.640 269.868 281.672 11.500 161.842 189.892
2014.III 195.553 1.435.568 887.872 273.266 289.546 17.918 171.720 204.754
2014.IV 220.791 1.482.657 939.801 320.276 289.868 -20.213 158.563 205.639
2015.I 207.642 1.434.823 912.123 267.351 279.921 25.682 152.791 203.045
2015.II 209.149 1.456.502 915.771 293.148 267.299 -2.942 189.047 205.820
2015.III 214.184 1.481.380 937.195 289.137 268.430 -5.366 211.906 219.922

Fonte: IBGE – Contas Trimestrais.

206
9. Fontes e Bibliografia

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211
O autor

Vitor Eduardo Schincariol é Doutor em História Econômica pela Univer-


sidade de São Paulo (USP). É professor e pesquisador na Universidade
Federal do ABC (UFABC) desde 2012. Publicou Crescimento, flutuações e
endividamento externo na economia dos Estados Unidos (1980-2010), pela editora
da UFABC, O Brasil sob a crise do fordismo, pela Editora LCTE, dentre outras
obras. Atua nos bacharelados em Ciências Econômicas e Relações Inter-
nacionais e nos Programas de Pós-Graduação em Ciências Humanas e
Sociais e Economia Política Mundial da UFABC.

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2ª edição, maio de 2018
Impressão: Renovagraf, SP
Fonte utilizada: Garamond 10 e 12

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