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por escrito da Raízes da América, sob penas criminais e ações civis.
RAÍZES DA AMÉRICA
Rua Godofredo Furtado, número 25
São Paulo – SP – Brasil CEP 02308-110
(11) 2203-1312 - contato@raizesdaamerica.com.br
Editores
Klaus Scarmeloto
João Cláudio Platenik Pitillo
Notas metodológicas.........................................................................11
1. Introdução .................................................................................... 14
2. Premissas teóricas......................................................................... 20
3. O Brasil na eleição de Dilma (2010) ................................................ 41
3.1. Os anos do governo Lula (2003-2010)................................................... 41
3.2. Subdesenvolvimento, industrialização restringida e concentração
econômica regional ....................................................................................... 45
3.3. Dependência, primarização, oligopolização ........................................... 53
4. A sucessão de conjunturas e as medidas econômicas ............................... 68
4.1. O ano de 2011: da moderação às políticas de resposta .......................... 68
4.2. O ano de 2012: “Nova Matriz Macroeconômica”................................. 77
4.3. O ano de 2013: agitação nas ruas ........................................................... 85
4.4. 2014: déficit primário .............................................................................. 92
5. As contas do governo .................................................................. 105
5.1. Introdução ............................................................................................ 105
5.2. Receitas e despesas................................................................................ 107
5.3. Compulsórios e financeirização............................................................ 116
5.4. Interpretação......................................................................................... 120
5.5. Conclusão ............................................................................................. 123
6. O desempenho da economia ....................................................... 125
6.1. Introdução ............................................................................................ 125
6.2. Papel da indústria .................................................................................. 125
6.3. Capacidade ociosa, desempenho agregado, produtividade e expectativas
..................................................................................................................... 130
6.3.1. Capacidade instalada ......................................................................... 130
6.3.2. Demanda agregada ........................................................................... 134
6.3.3. Valor adicionado............................................................................... 139
6.3.4. Expectativas...................................................................................... 145
6.4. Ocupação.............................................................................................. 147
6.5. Setor externo ........................................................................................ 159
6.5.1. Comércio internacional e conta corrente do balanço de pagamentos
.................................................................................................................... 159
6.5.2. Conta de capitais do balanço de pagamentos................................... 166
6.6. Interpretação......................................................................................... 169
7. Conclusão .................................................................................. 177
8. Anexo. Gráficos e Tabelas ............................................................. 191
9. Fontes e Bibliografia ................................................................... 207
9.1. Fontes utilizadas.................................................................................... 207
9.2. Bibliografia............................................................................................ 207
Prefácio do autor à segunda edição
Esta edição foi revista pelo autor ao longo do período 2017-2018. Alguns
erros foram corrigidos.
O autor
Universidade Federal do ABC
Outono de 2018
5
6
Prefácio
Cristina Fróes de Borja Reis, Doutora em Economia pela Universidade de São Paulo,
professora de economia e relações internacionais da Universidade Federal do ABC
8
Siglas
10
Notas metodológicas
***
12
“The labour of the manufacturer fixes and realizes itself in some
particular object or vendible commodity, which lasts for some
time at least after that labour is past. It is, as it were, a certain quan-
tity of labour stocked and stored up to be employed, if necessary,
upon some other occasion. That subject, or what is the same
thing, the price of that subject, can afterwards, if necessary, put in-
to motion a quantity of labour equal to that which had originally
produced it.”
Adam Smith,
The Wealth of Nations, 1776
13
1. Introdução
14
(v) oligopolização, no sentido de que poucos grupos controlam parte
relevante da oferta agregada na maioria dos setores econômicos.
Gráfico 1
Brasil. Variações reais do PIB (%). 2000-2014.
10
8
7,53
6,07
6 5,76 5,09
4,39 3,96
4 3,91
3,05 3,01
3,2
2
1,39 1,14 1,92
0,1
0 -0,13
-2
-4 -3,8
-6
2000
2002
2007
2009
2011
2001
2003
2004
2005
2006
2008
2010
2012
2013
2014
2015
1. Por “tipo de crescimento” me refiro aos fatores que levaram o PIB brasileiro a expandir-se a despei-
to dos fatores que atuavam contra tal (juros altos, burocracia e altos tributos, concentração da renda,
etc.).
15
ções em termos do PIB; (iv) deterioração das expectativas de mercado
relativas ao crescimento da economia já a partir de 2011, levando a previ-
sões cadentes sobre o crescimento e menor volume de investimentos; (v)
limites da política econômica (1), ao exercer uma renúncia fiscal descolada
de uma política cambial expansiva; (vi) limites da política econômica (2),
com elevação progressiva da taxa de juros depois de 2013, levando a um
desestímulo ao investimento e a um aumento dos juros no orçamento do
governo; (vii) outros fatores políticos, institucionais e naturais (manifesta-
ções da oposição; operações da Polícia Federal e seus impactos sobre lici-
tações e investimentos públicos; queda do preço do barril do petróleo,
afetando a Petrobras; perda de governabilidade; crise hídrica).
Estes últimos, porém, são tomados como dados, de conhecimento
público, não constituindo elementos de investigação particular de nossa
análise -embora, particularmente no caso das operações da Polícia Federal,
o peso destas sobre o PIB tenha sido importante e crescente a partir de
fins do ano de 2014, devendo ser objeto de um estudo específico aqui não
realizado. Poderíamos afirmar que o objetivo da obra é investigar mais
detalhadamente as cinco primeiras hipóteses.
No capítulo 7, segue-se uma interpretação do governo Dilma e da
história econômica e política brasileira contemporâneas, buscando-se refle-
tir sobre os espaços de manobra à disposição do governo e, de forma mais
abrangente, sobre as mudanças econômicas e políticas cristalizadas no
Brasil na segunda metade do século XXI.
Nossa avaliação geral da política econômica do primeiro governo
Dilma Rousseff depende de nossas premissas teóricas. Reconhece-se que a
política econômica aplicada pelo governo apresentou certos elementos
coerentes com a premissa de uma expansão contínua do nível de emprego
produtivo, na linha implicitamente “novo-desenvolvimentista” declarada
pelas autoridades: necessidade do investimento público; de um exercício
fiscal mais ou menos expansivo; do aumento da participação do compo-
nente nacional com relação à produção doméstica (com exigência de con-
teúdo nacional em licitações) e da necessidade do papel regulatório do
Estado. Mas busca-se lançar uma crítica mais ou menos objetiva às políti-
cas oficiais baseada no fato de que a queda da participação do que se cha-
ma aqui de setores produtivos com relação ao PIB, particularmente a in-
dústria de transformação, denota um fracasso geral de uma política que
oficialmente almejava buscar o desenvolvimento econômico centrado na
defesa da produção doméstica (ainda que esta pertença, em parte relevante,
16
a agentes não-residentes).2 A crítica reside no fato de que as medidas que o
governo exerceu mediante a política econômica ficaram aquém do neces-
sário para manter no PIB a participação da indústria de transformação,
ainda que nos moldes de uma economia periférica e subdesenvolvida.
Isto é, afirma-se que houve incapacidade do governo em promover
uma política fiscal e cambial mais expansivas e centradas na ampliação dos
setores e trabalho produtivos. Do ponto de vista da política econômica
especificamente, isto ocorreu devido aos limites tributários aos quais o
governo esteve exposto, dada sua postura acomodatícia de não elevar tri-
butos sobre recursos inativos e especulativos, e à falta de disposição de
tolerar uma inflação maior advindas de um mercado mais aquecido e de
um câmbio desvalorizado. As dificuldades de arrecadação intensificadas
pelas desonerações impediram uma queda sustentada dos juros e dos en-
caixes obrigatórios depois de 2013, reforçando a valorização do real (dado
o diferencial de juros com o exterior). O governo também incorreu em
grandes perdas em forma de swaps cambiais para, justamente, defender a
moeda brasileira e a posição de grandes grupos em dólar, implementando
uma política cambial oposta à de uma política industrial que o governo
defendia existir. O câmbio valorizado teve como contrapartida um aumen-
to das importações quanto ao PIB e uma pressão sobre o setor produtor
doméstico que o governo dizia buscar proteger, que regrediu de 15 a 9%
do mesmo PIB. A opção por um câmbio valorizado, se auxiliou na manu-
tenção de baixos índices de inflação, também dependeu do diferencial
internacional de juros que o Brasil representava, e do financiamento exter-
no de parte da taxa de investimento, postergando um conflito distributivo
necessário para o aumento da taxa de investimento financiada domestica-
mente e para um orçamento menos dependente dos financiadores priva-
dos da dívida pública. Isto manteve a inflação relativamente sob controle,
mas aumentou a exposição do país às viragens das decisões de investimen-
to e do comércio internacional determinadas por agentes não-residentes,
bem como levou a um agravamento das perdas nas transações correntes
do balanço de pagamentos (mais importações e mais incentivos à exporta-
ção de lucros e rendas). Em suma, foram feitas opções de política econô-
2. Algumas das proclamadas diretrizes de governo de Dilma, divulgadas em julho de 2011, eram:
“crescer mais, com expansão do emprego e da renda, com equilíbrio macroeconômico, sem
vulnerabilidade externa e desigualdades regionais; dar seguimento a um projeto nacional de
desenvolvimento que assegure grande e sustentável transformação produtiva do Brasil; defender a
soberania nacional, por uma presença ativa e altiva do Brasil no mundo; transformar o Brasil em
potência científica e tecnológica; o governo de Dilma será de todos os brasileiros e brasileiras e dará
atenção especial aos trabalhadores.”
17
mica, com saldos e perdas, perdas estas que, sugere-se, são maiores que os
ganhos num prazo médio.
Vistas desde um panorama mais geral, as políticas oficiais foram
muito tímidas, diante não só das deficiências estruturais já presentes na
economia como um todo, mas em especial da valorização excessiva da
moeda brasileira, da magnitude da inversão do comércio exterior e da
viragem das expectativas de crescimento pelos formadores das decisões
de investimento. A atuação destes fatores depressivos teria exigido do
governo mais ações expansivas e contra-cíclicas a partir de 2012, o que só
seria possível com um alargamento da base tributária do governo, particu-
larmente sobre a renda e os recursos inativos, tornando o governo me-
nos exposto aos financiadores da dívida pública, bem como uma política
cambial mais agressiva e a tolerância para um consequente repique da
inflação e eventuais perdas corporativas oriundas de suas exposições em
dólar. Isto daria margem para uma queda mais sustentada do superávit
primário – e sua eventual eliminação –, uma queda da taxa de juros e
uma queda dos déficits em conta corrente do balanço de pagamentos. A
queda dos juros teria potencializado os retornos produtivos futuros e
aplacado a demanda por ativos mais líquidos desde o início de 2013.
Assim, faz parte desta análise supor que estas medidas provavelmente
teriam conduzido a um aumento da inflação por expectativas e custos
(cambiais e salariais). Mas a parte do componente inflacionário ligada à
especulação e aos mark-up’s defensivos no fim do ciclo de crescimento teria
provavelmente sido anulada. Resultando-se então num nível inflacionário
maior, mas ao mesmo tempo num maior volume de emprego, de ganhos
de escala e de rendimentos crescentes a elevarem a oferta agregada. Este
resultado, de fato, é impossível de verificação empírica, mas da aposta, num
futuro “keynesianamente” incerto, dependia a estabilidade política do go-
verno, medida em primeiro lugar pelo crescimento da renda e dos empre-
gos produtivos de forma sustentada.
Trata-se então de uma análise histórico-econômica da economia bra-
sileira e de sua política econômica recente, unindo-se (1) narração e (2)
problematização, a partir da metodologia de pesquisa desenvolvida nos
trabalhos de Wilson do Nascimento Barbosa. Em termos teóricos trata-se
de uma interpretação que parte de premissas marxistas e as enriquece com
instrumentos analíticos estruturalistas (Celso Furtado, Raúl Prebisch), ka-
leckianos (Michał Kalecki) e robinsonianos (Joan Robinson). A obra busca
o caminho da análise econômica estrutural, depois o da descrição histórica
dos fatos mais relevantes da política econômica, para depois analisar o
18
desempenho da economia ao longo do tempo. Isto é, a opção metodológica é
feita em termos de um estudo que mescla análise estrutural e histórico-
econômica, visando conferir uma visão agregada tanto sincrônica como
diacrônica. Não abordo questões específicas (saúde pública, agricultura
familiar, indústria de alimentos, problemas urbanos, funcionamento de
instituições etc.) nem levo em consideração para o período os problemas
ambientais relativos à produção e consumo. Espera-se que o leitor descon-
te os preconceitos da obra tal como julgue conveniente.
Buscaremos comprovar ais hipóteses com a utilização de dados ofici-
ais. Utilizam-se os dados macroeconômicos disponibilizados pela contabi-
lidade nacional brasileira produzida pelo IBGE, Banco Central e IPEA.
Quanto às medidas de política econômica, analisam-se (1) documentos
oficiais; (2) apresentações e discursos das autoridades, particularmente da
Presidência da República e do Ministro da Fazenda. Utilizam-se também
notícias publicadas pelos jornais de grande circulação para mencionar os
eventos mais importantes entre 2011 e 2014. Há um uso de modelos de
regressão lineares bastante rudimentares, mas cuja sustentação em termos
da robustez dos regressores auxilia na comprovação das hipóteses. No
anexo do livro, dispõe-se de um conjunto de dados em forma de tabelas e
gráficos que buscam enriquecer a leitura e aos quais se faz referência ao
longo de todo o texto.
Tal como mencionado, os resultados gerais aos quais esta obra chega
levam a uma crítica da política econômica adotada entre 2011 e 2014. Po-
rém, afirma-se que o forte processo de desaceleração pelo qual a economia
passou desde 2011 está muito longe de ser uma responsabilidade exclusiva
das políticas oficiais adotadas. Pelo contrário. As hipóteses explicativas
para uma queda da taxa de crescimento da economia brasileira atendem,
segundo a análise aqui realizada, à hierarquia das hipóteses acima estabele-
cidas.
Se o conjunto de políticas necessárias que se depreende de nossa aná-
lise aqui feita parece pouco convencional até para a heterodoxia, ele pelo
menos ajuda a ver quais tipos de política não vão conduzir a um aumento
da produção doméstica em conjunto com melhores condições distributi-
vas.
19
2. Premissas teóricas
3. Esta é uma definição cômoda sob o aspecto da escassez de tipo entrópico. A discussão da noção de
investimento produtivo à luz da economia ecológica deveria começar por discutir o papel dos setores
de reciclagem e energia “limpa” (ainda que eles mesmos estejam sujeitos à escassez e poluam). Aqui
ignoramos comodamente este problema, pois no curto prazo estamos ainda vivos, muitos dos quais
desempregados.
25
plicador, este crescimento se difunde pela economia. Constroem-se ou re-
formam-se estradas, outros serviços são demandados, a renda cresce, e, se o
aumento de preços e de salários não cancela o crescimento (por corrosão da
renda ou desestímulo ao investimento), a expansão segue.
A formação técnica de “capital humano” depende de horas de estudo,
ensino e treino, e é hoje facilitada pelo fácil acesso a material instrutivo for-
mal e de boa qualidade disponibilizado na rede mundial de computadores.
Mas a instância material é necessária para responder à expansão. A renda do
médico e do professor, na execução dos serviços onde supostamente só há
gastos de “capital humano”, vai traduzir-se em casas, carros, roupas, apare-
lhos elétricos, viagens internacionais, alimentos. Tudo isto tem que ser pro-
duzido localmente, ou importado à custa de alguma exportação, atração de
capital e/ou endividamento externo. Tal expansão vai bater às portas da
extração mineral e da agricultura locais, quando eles estão suficientemente
desenvolvidos. Estes vão produzir e vender à indústria de transformação.
Ocorre que se esta expansão se dá nos quadros de uma industrialização
insuficiente, no sentido daquilo que Furtado definia como um descompasso
entre o padrão de consumo e o padrão de oferta, abre-se uma clivagem: a
economia que não produz todos os bens demandados numa expansão
qualquer do produto vai demandar mais importações. Cancela-se então
parte do impulso inicial, comprando-se no exterior. Quanto maior é o valor
da moeda local quanto à moeda internacional que serve como padrão, maior
será a tendência para a importação. Ou seja, o impulso inicial é mais fraco do
que seria se a demanda fosse inteiramente suprida internamente (mesmo se
nascida no setor de serviços).
O país pode também apresentar uma escassez de bens primários, que
também obriga-o a comprar no exterior. Mas em geral o valor monetário
dos bens primários é menor por peso, o que torna este problema, em tese,
menos intenso – particularmente se o país é grande e rico em recursos
naturais (ver capítulo 5). Por isso, em condições de dependência de impor-
tações, expansões econômicas puxadas por booms temporários de expansão
das exportações de bens primários ou alimentados por setores com baixa
capacidade de exportação são muito mais débeis que um perfil de cresci-
mento baseado nas manufaturas, do tipo “Tigres Asiáticos”. As manufatu-
ras permitem substituir o que Sraffa (1960) definia como bens básicos, ou
seja, aqueles que entram na produção de todas as outras mercadorias (aço,
fios condutores, tratores). Já a construção civil, o telemarketing, a segurança
privada, os serviços de limpeza etc., não são exportáveis e não adicionam
materialmente quase nada a partir do trabalho concreto dos que os reali-
26
zam, depois de finalizados. Por isto se define o emprego de uma unidade
de salário nestes setores como improdutivo. Ainda, sua expansão mais que
proporcional do que a do setor industrial e em condições de uma econo-
mia aberta com câmbio valorizado traduz-se em um aumento de importa-
ções, atuando de modo ainda mais desestimulador (consumindo o “exce-
dente produtivo” criado nos setores, justamente, “produtivos”).
Na maioria das chamadas economias maduras, isto é, industrializadas,
após muitos anos de crescimento, elevação da produtividade e acumulação
de um estoque de capital fixo, o valor agregado da indústria no valor agre-
gado total pode cair. Ele cai primeiramente porque não se pode facilmente
empilhar estoques crescentes de capital fixo sem que se deprima o retorno
do empreendimento por excesso de oferta, levando-se isto a flutuações
periódicas no nível de investimento. Isso pode provocar uma queda no
número de trabalhadores do setor. Em segundo lugar, a atuação dos pre-
ços relativos pode favorecer os serviços: nestes os ganhos de produtivida-
de são em geral menores e os preços não caem ou caem com mais moro-
sidade. Ou seja, por mais oligopólica que seja a indústria, seus preços ten-
dem a cair mais rapidamente do que os preços nos outros setores, devido a
uma queda mais rápida dos custos de produção mediante a potencialização
do trabalho por meio da técnica e do conhecimento. Dá-se na indústria
uma queda em termos físicos da relação emprego/produto, ou uma queda
da unidade de emprego por unidade física de produto. Para que o setor
cresça em termos de volume de emprego, então, ele tem que desenvolver a
produção de máquinas, que produzirão depois outros bens. Sem a produ-
ção de maquinário, não é possível falar-se plenamente de “industrializa-
ção”. Uma dependência da importação de máquinas é um denotativo da
insuficiência da industrialização. Assim, a situação típica da economia peri-
férica é a de produzir localmente a partir de importação de bens de capital.
Se ele tem poder de compra externo e crescimento, o aumento da produ-
tividade se dá com menor criação local de trabalho, porque as máquinas
vêm de fora do país. Se isto se mantém, a alcunha de “país industrializado”
deve ser entendida de forma restrita.
Frequentemente, quando há a queda da participação da indústria em
termos de valor agregado no PIB, tende-se a obscurecer o papel prévio
que a indústria teve para a difusão da riqueza material e de conhecimentos
adquiridos, bem como para a inserção internacional do país em questão,
levando autores a afirmarem que um processo de desindustrialização não é
“ruim”. Isto é feito com base nas versões atuais da chamada teoria das
vantagens comparativas (cf. Ffrench-Davis, 1985, capítulos 1 e 2). Este
27
tema é uma enorme fonte de mal-entendidos. É claro que em qualquer
lugar do mundo pode haver produção mais barata que a doméstica, inclu-
indo os gastos com transportes (feito à base de petróleo, recurso não-
renovável e poluente). É claro que parte da produção pode ser comprada
fora do país e que não é necessário buscar internalizar todas as cadeias
produtivas. Adquirir pacotes tecnológicos forâneos é mais barato e fácil do
que introjetar domesticamente sua produção. Mas o problema não reside
apenas nisto, segundo o ponto de vista estruturalista.
A defesa da manutenção de um setor produtivo, nos termos acima
definidos, reside no fato de que há setores inteiros da Segunda -e mesmo
da chamada Terceira Revolução Industrial- cujas técnicas já são conhecidas
e que poderiam ser copiados e reproduzidos com custos de produção
viáveis (isto é, pagando os custos de produção e deixando alguma margem
de lucro) e benefícios sociais óbvios. Nas condições de oferta elástica de
mão de obra e carências materiais para parte relevante da população, isto
quer dizer empregar pessoas desempregadas e gerar a partir de tal emprego
riqueza física, se a orientação dos investimentos não for dada totalmente
pelo comparativo de lucros entre os vários modos existentes de acumular
riqueza. Daí a defesa do papel do Estado. Usando a linguagem ortodoxa,
ao manter funcionando um setor produtivo, ainda que não muito lucrati-
vo, os benefícios sociais marginais do investimento são maiores do que
seus custos. A indústria num país subdesenvolvido é necessária antes de
mais nada porque a oferta local de bens é em geral insuficiente em termos
de quantidade física para elevar o padrão de vida do povo como um todo.
Isto é: para manter uma parte da população improdutiva suficientemente
alimentada e amparada para que esta parte possa, justamente, ser bem
empregada no setor de serviços necessários ao “desenvolvimento”: educa-
ção, saúde, etc.
Esta condição é fácil de ver no caso do produtor de camisas que em-
pregava trinta funcionários e que fechou sua fábrica porque era impossível
produzir em condições mais compensadoras que aquelas vigentes em ou-
tras partes mais pobres do mundo, ainda mais nas condições de uma taxa
de câmbio muito valorizada. A falência deste pequeno produtor não tem
nada a ver com uma “crise do processo de substituição de importações”.
Foi pura destruição de capacidade produtiva viável. Segundo nossas pre-
missas, não seria arrazoado retroceder às condições de trabalho prévias à
origem da moderna legislação trabalhista. Pelo contrário, seria papel da
política comercial, financeira e de câmbio tentar impedir que se fechassem
fábricas viáveis devido a um câmbio desalinhado e concorrência predató-
28
ria. É certo que a importação de artigos mais baratos pode elevar os níveis
de vida. Mas os benefícios sociais de empregar produtivamente a popula-
ção devem ser ponderados com a “poupança” feita na aquisição vinda do
exterior de bens mais baratos. Daí a sombra da incerteza escondida atrás
dos supostos benefícios da pomposa expressão “livre comércio”.
Para que uma política de desenvolvimento seja viável, é necessário,
portanto elevar a produção material – primária mas também industrial –, de
forma a permitir um crescimento da renda per capita não inflacionário e
não-totalmente dependente do poder de compra externo, de forma que o
aumento do excedente produzido possa financiar serviços mais complexos
e não apenas hotelaria, limpeza, segurança privada ou jogos de azar. Nas
condições do subdesenvolvimento, a expansão destes setores pode ser um
resultado do crescimento do desemprego ou da linha de menor resistência
para o enriquecimento dos detentores de riqueza. Nestes tipos de serviço
os salários são menores, são menores as exigências de qualificação, e o
volume de capital e sua logística são também inferiores. Diante da necessi-
dade de acumular capital da economia subdesenvolvida, “la absorción
espuria de fuerza de trabajo no deja de ser contraproducente, pues significa
apartar recursos que podrían dedicarse a la acumulación, con lo cual tiende
a acentuarse aquella insuficiencia” (Prebisch, 1976, p. 24).
Assim, a necessidade da acumulação de capital nos países periféricos
justifica-se, ainda que em diferentes segmentos este processo de cresci-
mento da produção seja mais caro em termos de qualquer base realista de
comparação internacional. Fora do plano altamente abstrato das formula-
ções neoclássicas, os ganhos de potenciais mercados externos advindos da
especialização em recursos primários tendem a não garantir um alto volu-
me de emprego da força de trabalho altamente urbanizada que marca paí-
ses, por exemplo, como o Brasil.
Por isso, novamente, a ênfase na atuação do Estado, como produtor,
fomentador e protetor, em algum grau. Deixada esta decisão aos oligopólios
globais, a decisão se baseia em suas margens de lucro comparadas em nível
internacional. Isto é, suas decisões são tomadas com base numa divisão
internacional do trabalho. Tais decisões não levam em conta os menciona-
dos problemas sociais acarretados pela perda da produção fabril.
Em muitos países pobres, mesmo em sendo mais cara a produção lo-
cal, não se pode contar totalmente com a oferta exterior. A indústria de lati-
cínios é um exemplo. Então, para que a população consuma mais derivados
frescos do leite, é necessário que a produção doméstica aumente de forma
adequada, e isto significa que ela deve aumentar num plano horizontal e
29
regional, quando o país é territorialmente grande e a produção não pode ser
totalmente trazida do exterior, e mesmo de dentro do território nacional. Por
outro lado, o próprio processo de crescimento demanda trabalho e isto
absorve o desemprego disfarçado. Ainda que sua produtividade seja mais
baixa do que qualquer empresa mais competitiva num país qualquer, a “pro-
dutividade marginal do investimento” excede o “custo social” de manter um
trabalhador desempregado. Então, como define Robinson:
“When there is unemployment, the cost to society of some additional in-
vestment is not much more than zero, indeed it is negative if we bring the
misery of unemployed workers into the account, but capitalists would have
to pay wages to get it done” (Robinson, 1973b, p.74).
4. Os dados não são exatos, mas estima-se que há mais de 5 milhões de brasileiros vivendo no exterior.
35
déficit fiscal eventualmente poderia ocasionar custos como o “abalo do
confiança” e da “governabilidade”, em situações em que o consenso do
público é muito conservador e o poder dos rentistas muito alto. Porém, o
manejo anti-cíclico do déficit fiscal consistiria em um recurso que, de pon-
to de vista estrito da demanda agregada, eleva-a, na visão kaleckiana, robin-
soniana etc. (O governo Dilma enfrentou esta contradição em 2014, ele-
vando de forma inédita (desde 2002) o gasto primário do governo, mas
sofrendo depois uma forte oposição por parte, inclusive, dos chamados
órgãos fiscalizadores oficiais (como o Tribunal de Contas da União).)
É mais fácil tomar medidas desastrosas do que medidas que condu-
zam a um aumento indolor do investimento. Por exemplo, é relativamente
mais simples diminuir tarifas de importação ou tolerar um câmbio valori-
zado (em condições de câmbio flutuante) que aumente a oferta de bens
estrangeiros no mercado local do que estimular as firmas locais a substituir
a produção que vem de fora. Nas condições de um câmbio desalinhado
(valorizado), a produção local é naturalmente desfavorecida em função da
estrangeira se não ocorrer nenhuma alteração das regras tarifárias. Mas a
desvalorização necessária traz aumento de custos e inflação, embaralha
expectativas e desestabiliza balanços; isto reduz a renda real, afeta os inves-
timentos e é politicamente custoso. Por sua vez, o Estado haveria de bus-
car uma política anti-cíclica. Mas como ele pode buscá-la se os detentores
da dívida pública exigem superávits fiscais e altos juros? Evidentemente, o
Estado teria que diminuir a influência dos detentores da dívida. Mas isto só
seria possível se ele emitisse mais papel-moeda, ou aumentasse a tributa-
ção. Ambas as saídas têm custos em forma de mais inflação ou exacerba-
ção do conflito político.
Assim, mesmo quando os gestores adotam teorias e modelos que
pretendem “entender o mundo real”, não se pode esperar que as decisões
privadas de investimento sejam para sempre domesticadas e canalizadas
para longe da chamada “preferência pela liquidez”. O poder do Estado ou
de grupos sociais em seu controle é limitado quando aqueles que podem
decidir a taxa de investimento, vendo a demanda cair, creem que não have-
rá mais crescimento, ou decidem que não querem mais crescimento. Isto é
intensificado porque o grosso das decisões de investimentos numa eco-
nomia periférica e internacionalizada é feito por grandes grupos internaci-
onais ou mesmo locais, controlados em última instância por uma pequena
fração da sociedade (em geral brancos descendentes de europeus nas soci-
edades latino-americanas). O que torna fácil sua organização e o reconhe-
cimento mútuo de interesses comuns, sendo a especulação e as decisões de
36
investimentos, dadas na margem da capacidade ociosa, regras gerais de
comportamento corporativo. Numa economia internacionalizada os con-
tágios de pessimismo e crise ocorridos em outros lugares são transmitidos
com rapidez, intensificando as variações no volume de investimentos. A
dimensão que os oligopólios adquiriram torna-os capazes de sobrevivência
na expansão e na crise. Na expansão, sua taxa de retorno é maior, mas,
depois de um certo tempo, com a queda do desemprego e aumentos su-
cessivos em investimentos fixos, o retorno do capital passa a cair. No fim
do boom, esta é a hora em que as demissões ocorrem, negócios são fecha-
dos e caem os valores dos imóveis, cujo eventual crescimento dependeu de
algum fator expansivo como o aumento dos investimentos via inovações
ou das exportações (como no caso do Brasil após 2003).
Na economia como um todo, isto provocará uma queda dos salários
e conferirá certa funcionalidade à crise. Neste momento, a administração
deficitária do orçamento do governo apareceria como elemento que mi-
nimizaria a crise, mas como a arrecadação cai com a queda da economia,
os credores do Estado veem com apreensão o aumento das despesas pú-
blicas com relação ao PIB. A luta de classes em torno das despesas públi-
cas se intensifica. Deste modo, as políticas de uma determinada adminis-
tração não são responsáveis pela totalidade do movimento econômico. É
óbvio que o papel da política econômica é decisivo, mas, particularmente
numa época em que a globalização dificulta a atuação dos Estados Nacio-
nais, o movimento econômico responde a variáveis que a política econô-
mica não pode de todo induzir positivamente, particularmente as decisões
de investimento dos que controlam a maioria dos processos produtivos e
de oferta. A aceitação que as decisões de investimentos sejam dadas a estes
oligopólios significa de fato uma privatização das decisões de investimento.
Por isso, o rebaixamento do papel do Estado tornará mais difícil mitigar as
consequências negativas advindas do modo pelo qual as coisas acontecem
num capitalismo global de grandes empresas.
Mesmo que o Estado fosse uma entidade independente destas gran-
des empresas, ele não teria capacidade para forçar legalmente o compo-
nente de custos representados pelo lucro a cair, ou forçar os controladores
oligopolistas a não especularem. Por isto a tendência à elevação constante
dos preços, particularmente dos imóveis, mesmo quando parte dos preços
é “administrada” oficialmente. De fato, “the system of industrial pricing
generates a chronic tendency to inflation” (Wilkinson e Robinson, 1983,
p.90). A pressão, o “lobby”, as ameaças de grupos de interesse bem estabe-
lecidos, tudo isto leva inclusive os preços oficialmente regulados a subirem.
37
Os preços são formados por poucos grupos muito fortes e cujas preferên-
cias não são simpáticas a governos que visem repartir parte de suas grandes
margens de lucro para fins alheios à busca por lucratividade. (No caso
brasileiro, a continuidade do mecanismo de indexação dos contratos à
variação dos preços oficialmente medidos, herança do período do governo
militar (1964-1985) não eliminada pelo Plano Real, dificulta ainda mais a
busca de uma política de baixa inflação, mesmo em condições de baixo
crescimento.)
Assim, as economias não industrializadas não têm produção física per
capita suficiente e a industrialização via oligopólios estabelece altas margens
fixas de retorno. Quando a demanda é mais ou menos estável e a partici-
pação dos salários no PIB é constante, os preços tendem a subir, vagaro-
samente; quando os salários crescem, os preços respondem ao seu com-
ponente primário, justamente o custo salarial. Mas quando a demanda
baixa e/ou os salários estancam, não desaparece totalmente a tendência
para elevar os preços, já que os custos fixos sobem.5 Em todos os casos
em que a oligopolização se faz presente, os preços tendem a subir, acossa-
dos por outros fatores, inclusive físicos; particularmente o preço do barril
de petróleo. Assim, “it is for this reason that post-Keynesian economists
see a prices and incomes policy as a necessary adjunct to traditional de-
mand-management policies, together with some social mechanism (for
example, indicative planning together with selective public sector expend-
ing) to direct the amount and type of investment” (Kenyon, p.44, 1978). 6
Em condições de oligopólio, a concentração da renda via repasses su-
cessivos dos custos nos preços é uma consequência provável de um proces-
so de crescimento, contribuindo para a concentração da renda. Um proces-
so de crescimento tende a resultar em elevações de preço nas pontas mais
limitadas da oferta e a encarecer os preços dos bens imobiliários, diminuindo
a renda assalariada real.7 Políticas de estabilização que não ataquem a con-
5. Não estamos levando em conta o aumento de custos e preços originados por rendimentos decres-
centes no setor primário, como agricultura e extração mineral, particularmente o petróleo. Sua inclusão
tornaria esta exposição muito mais complexa. Bem como uma análise que incluísse custos naturais
referentes à depleção, à perda da diversidade natural, à escassez de água. Em outra ocasião este autor
levou à frente uma análise da economia brasileira (não sei se bem sucedida) que buscou incorporar
estes elementos (Schincariol, 2012), mas como nossa preocupação neste estudo situa-se dentro dos
marcos do curto prazo, desconsideraremos esta problemática.
6. Por isso “[a] luta contra a dependência começa em geral pela reivindicação do controle
das próprias fontes de recursos não renováveis” (Furtado 2008 [1978], p.160).
7. “O Minha Casa Minha Vida formalizou as condições para um boom imobiliário no Brasil. [...] Um
intenso processo de especulação fundiária e imobiliária promoveu a elevação do preço da terra e dos
imóveis, considerada a ‘mais alta do mundo’” (Maricato 2015, p.38-39).
38
centração de poder nas diversas cadeias de oferta, que não estabeleçam tetos
e limites à renda excessivamente gerada pelos mais ricos, também não tende-
rão a ter sucesso quando houver um desalinhamento muito forte de expec-
tativas face aos preços, situação na qual desaparece um certo consenso pré-
vio em torno de uma baixa inflação. A inflação tem também um componen-
te psicológico e comportamental, sendo mais indomável nos países em que
o rentismo é uma forma costumeira e sempre potencial de auferir renda.
Reside aí o limite da atuação do Estado capitalista.
Para além de tudo isto, o que torna uma política econômica de difícil
manejo quanto aos ciclos é a atuação conjunta de fatores econômicos com
os políticos. Nos sistemas capitalistas, em especial nos países subdesenvol-
vidos, isto ocorre de forma intensa. Um governo num país periférico
comprometido com o “mercado” tende a buscar a internacionalização da
economia e a atacar os direitos dos trabalhadores. Mesmo governos que
asseguram uma política econômica ortodoxa podem ser vítimas de uma
mudança brusca das expectativas quando ele não é o preferido pelo mer-
cado. Um governo trabalhista comprometido com os trabalhadores e dis-
posto a “comprar brigas” enfrentará enormes resistências corporativas.
Investimentos não sairão do papel, especula-se sempre, as mercadorias não
chegam, os preços crescem, há fuga de capitais (é o caso da Venezuela
hoje). A dívida pública encarece e a política fiscal e monetária ficam com-
prometidas por uma resistência corporativa a seguir financiando o governo
em geral deficitário. Quando uma crise cristaliza-se, o capital monetário
tende a refugiar-se em capital imobiliário, o crédito internacional torna-se
volátil, há sabotagens das potências dominantes etc. A operacionalidade da
política econômica –fiscal e monetária– torna-se, nestas condições, mais
difícil. Todas estas artimanhas corporativas, que compõem os custos do
“capitalismo real” que não aparecem em nenhuma planilha de nenhuma
empresa privada, são ignoradas pelo discurso convencional.
À luz das observações acima, pode-se afirmar que o mundo corpora-
tivo sem fricções e auto-ajustável da teoria neoclássica, onde só o Estado
ou os trabalhadores são os responsáveis pelas crises econômicas, é apenas
uma imagem idealizadora, propagandística e autocomplacente.
Voltando-se ao início, poder-se-ia concluir dizendo que, desta forma,
quando o problema de pesquisa é o de avaliar um determinado padrão de
comportamento econômico, não se está na zona de conforto dos estudos
monográficos e específicos, onde o controle e conhecimento das variáveis
são, em tese, maiores. O estudo da realidade de um país e de sua história
econômica é, necessariamente, um estudo, em boa medida, interdisciplinar,
39
como o que pretendemos realizar aqui. Para o caso do Brasil, o que se pode-
ria dizer quanto ao primeiro governo Dilma (2011-2014), a partir das pre-
missas acima delineadas? Analisemos primeiramente a situação do ponto de
partida de sua primeira administração, onde se demonstram as condições da
economia brasileira a partir de nossas hipóteses auxiliares.
40
3. O Brasil na eleição de Dilma (2010)
41
“É significativo que seja a presidenta de um país emergente, um país
que vive praticamente um ambiente de pleno emprego, que venha fa-
lar, aqui, hoje, com cores tão vívidas, dessa tragédia que assola, em es-
pecial, os países desenvolvidos” (Presidência da República, 2011).
E acrescentou em seguida:
“Estamos aptos a prestar também uma contribuição solidária, aos paí-
ses irmãos do mundo em desenvolvimento, em matéria de segurança
alimentar, tecnologia agrícola, geração de energia limpa e renovável e
no combate à pobreza e à fome.”
A divulgação desta imagem de uma nação soberana era similar nos ou-
tros meios oficiais e acadêmicos. Sérgio Amaral, ex-secretário de Comunica-
ção Social da Presidência da República e ex-Ministro de Indústria e Comér-
cio, afirmou que o Brasil “tem o orgulho de esposar as causas dos direitos
humanos e proteção ao meio ambiente”, ao mesmo tempo em que “lamen-
ta que alguns países, como os Estados Unidos, busquem fugir das obriga-
ções decorrentes das teses que os primeiros foram os primeiros a defender”
(In: Dupas et alii, 2008, p.356). Fábio Giambiagi, funcionário do Banco Na-
cional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e um dos articu-
ladores do processo de privatizações durante o governo Cardoso (1995-
2002), opinava que no Brasil do fim do século XX:
“Adotou-se na prática, embora não formalmente, um regime de funci-
onamento autônomo do Banco Central; a instituição presidencial foi
revalorizada; os ritos da democracia foram rigorosamente seguidos; e, o
que não foi pouco, oito anos de um governo se encerraram na data
prevista e com passagem normal do cargo para o sucessor. [...] Enten-
dendo a estabilidade institucional como um processo de longo amadu-
42
recimento, o Brasil tornou-se mais parecido com uma nação adulta
[sic!] nos aos 1990” (Giambiagi et alii, 2008, p.194).
46
Tabela 2
Países selecionados. PISA (Programme for International Student
Assessment). Escala geral de leitura (overall reading scale), matemática e
ciências. 2010.
Leitura Matemática Ciências
Finlândia 536 541 554
Grécia 483 466 470
Shangai-China 556 600 575
Alemanha 497 513 520
Polônia 500 495 508
Cingapura 526 562 542
Rússia 459 468 478
Brasil 412 386 405
Fonte: OCDE.
O Brasil ocupava posições muito inferiores a países com renda per capita
similar, ou ainda menor. Menezes Filho afirma sobre o PISA: “um teste
alternativo [à metodologia do PISA] foi realizado pela Unesco em 1995,
comparando apenas alunos de países latino-americanos cursando 3as e 4as
séries. O país com melhor desempenho é Cuba, muito à frente dos demais
países” (In: Duarte, Silber e Guilhoto (orgs.), 2011, p.238). Os dados do
PISA divulgados em 2013 posicionavam o Brasil na 58ª posição, entre os 65
países incluídos (O Estado de São Paulo, 08.12.2013), mantendo-se assim o
padrão referido.
Em outras áreas cruciais da vida social, as condições brasileiras não
eram melhores quando se o comparava com nações de PIB per capita similar.
O Brasil apresentava uma alta taxa de população urbana, com valor de 86%,
o que em termos históricos tem se revelado uma grande fonte de problemas
urbanos, particularmente moradias precárias. Não tendo fixado uma parte
relevante de sua população no interior do território em condições distributi-
vas menos excludentes, as condições urbanas brasileiras, particularmente nas
metrópoles, formavam e formam um amplo tecido de demandas sociais não
atendidas. A população brasileira vivia em média oito anos menos do que a
população alemã, estadunidense, inglesa e dez anos menos do que a japone-
sa. De forma agregada, apresentava 10% de população sem acesso à água,
segundo o valor informado pelos relatórios das Nações Unidas aqui menci-
onado. Mas se desagregado regionalmente o dado, os números tornavam-se
notáveis pela forma como estavam distribuídos. Não se tratava de uma par-
cela residual da população vivendo em áreas de difícil alcance pelas políticas
públicas: mas sim de um conjunto significativo de mais da metade do territó-
47
rio – norte e nordeste – a concentrar altos níveis relativos, convivendo ao
lado de um outro – sul e sudeste – com níveis relativos bem menos deficien-
tes.
Tabela 3
Países selecionados. Dados sociais selecionados. 2009.
População Gastos com Expectativa de Porcentagem da
urbana educação (% dovida ao nascer população sem acesso
(% do total) total) (anos) a água
Alemanha 73,1 17,6 79,8 -
Argentina 92,4 14,2 75,2 5
Brasil 86,5 7,2 72 9
China 44,9 9,9 72,9 12
EUA 82,3 19,1 79,1 -
França 77,8 16,7 81 -
Inglaterra 90,1 16,5 79,3 -
Japão 66,8 17,7 82,7 -
Fontes: United Nations Developing Program 2009 - Anexo Estatístico. Departa-
mento Estatístico da Organização das Nações Unidas.
48
Tabela 4
Brasil. Grandes regiões. Participação no valor adicionado a preços
básicos da indústria de transformação, 2004-2008, e Distribuição percentual
de domicílios particulares permanentes urbanos sem serviço de rede coleto-
ra de esgotamento sanitário e/ou pluvial, 2010.
Domicílios sem rede
Valor adicionado da indústria
de esgoto (%)
2004 2005 2006 2007 2008 2010
Norte 4,6 4,8 5,4 4,8 4,5 80%
Nordeste 8,7 9,2 9,2 8,8 8,8 52%
Sudeste 61,3 61,8 61,5 62,8 62,7 9,1%
Sul 21,8 20,5 20,1 19,9 20,1 32,2%
Centro-Oeste 3,7 3,7 3,8 3,7 4,0 55%
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Contas Regionais
2010, e Síntese de Indicadores Sociais, 2010, Tabela 3.11.
A tabela abaixo permite ver este panorama sob outra perspectiva; ela
fornece a média da participação das várias regiões brasileiras no Produto
Interno Bruto brasileiro entre 2003-2009, ao lado do desvio-padrão de
cada média obtida, utilizando-se os dados das Contas Regionais do IBGE.
Os baixos desvios-padrão obtidos para esta média estabelecida permitem
inferir o relativo congelamento das proporções distributivas da riqueza
nacional brasileira na década de 2000, não alteradas fundamentalmente
durante a administração de Lula.
Tabela 5
Participação relativa no PIB – por região. 2003-2009.
Região Média Desvio-padrão
Norte 4,99% 0,002
Nordeste 13,09% 0,003
Centro-Oeste 9,05% 0,003
Sudeste 56,08% 0,005
Sul 16,79% 0,005
Fonte: IBGE, Contas Regionais, 2010.
Abaixo dispõe-se uma tabela que mostra relação entre o PIB per capita
das regiões mais ricas e mais pobres para países selecionados, dentre os
quais se encontra o Brasil. Segundo tais dados, o Brasil era um dos países
de maior concentração econômica territorial no mundo. Superava em
média nove vezes os valores de países mais desenvolvidos.
49
Tabela 6
Países selecionados. Relação entre o PIB per capita das regiões
mais ricas e mais pobres.
Período Região de Região de Relação entre
maior PIB menor PIB as regiões
per capita per capita de maior e
menor PIB
51
Tabela 7
Países selecionados. Número de mortes diretas e taxas (100 mil
habitantes) em conflitos armados no mundo por homicídios e armas de
fogo. 2004-2007.
Taxas*
Iraque 9803 15788 26910 23765 64,9
Sudão 7284 1098 2603 1734 8,8
Afeganistão 917 1000 4000 6500 9,9
Colômbia 2988 3092 2141 3612 6,4
Congo 3500 3750 746 1351 4,1
Sri Lanka 109 330 4126 4500 10,8
Índia 760 2519 1559 1713 0,2
Somália 3407 285 879 6500 24,4
Nepal 863 2950 792 137 6,8
Paquistão 1511 648 1471 3599 1,0
Israel/Palestina 899 226 673 449 8,3
Brasil 37113 36060 37360 36840 25,7
* Em 100.000 habitantes.
Fonte: Mapa da Violência no Brasil, 2012. Fonte para outros países: Glo-
bal Burden of Armed Violence. Para Brasil: Ministério da Saúde.
9. O real foi criado em 1994 com paridade unitária com o dólar. O deflator implícito do PIB nos
Estados Unidos acumulou 21% de variação entre 2000 e 2012 (Economic Report of the President 2013,
Tabela B-71, p.408) e o do Brasil 102% no mesmo período, segundo o IBGE. A economia dos Esta-
dos Unidos era à época e ainda é aproximadamente sete vezes maior que a brasileira (segundo a Orga-
nização Mundial do Comércio: Produto Interno Bruto dos Estados Unidos, 14.991 bilhões de dólares
em 2011; Produto Interno Bruto do Brasil: 2.289 bilhões de dólares em 2011, ambos em Paridade do
Poder de Compra). Se o câmbio refletisse, num regime de taxas fixas, tanto as diferentes dimensões do
PIB, como a inflação interna face aos Estados Unidos depois de 1994, ele estaria posicionado em algo
como 1US$/14 R$. Logo, pode-se considerar o valor da moeda brasileira face ao dólar em 2010
(1US$/2,3R$) como muito valorizado. O fato de que o câmbio esteja neste patamar é outro indicativo
da posição na divisão internacional do trabalho brasileira como grande exportador de commodities em
condições de industrialização restringida. “O BC [Banco Central] já mostrou que um câmbio a R$2,40
causa desconforto por causa da inflação, mas a 2,15R$ é um piso que começa a incomodar [as expor-
tações].” Jornal Valor Econômico¸25.10.2013, Caderno Finanças, p. C2.
10. Quanto a isto, chega a ser infantil a ênfase em certos círculos da análise econômica no controle da
oferta monetária. A interação dos fatores econômicos resultantes num dado perfil de preços é um
resultado não somente da emissão de papel moeda ou descontrole das contas oficiais, mas sim um
complexo resultado no qual as expectativas sobre o valor da moeda e outros ativos monetários estão
mescladas com a capacidade de oferta industrial e de serviços, e sua produtividade; com maior ou
menor grau de concorrência; a taxa de câmbio e o valor das importações; os superávits comerciais; um
dado nível salarial e uma dada taxa de retorno buscada “sraffianamente” pelo setor privado; etc.. Neste
sentido, é de estranhar-se que o Plano Real seja visto até hoje, particularmente por seus articuladores
originais, como o mecanismo principal pelo qual a hiperinflação brasileira foi controlada. A rápida
transmissão das oscilações cambiais sobre o nível de inflação deixa ver a mencionada carência estrutural
53
desestímulo à produção e exportação de bens manufaturados, com au-
mento de seus preços relativos.11
Segundo a SECEX, a participação do Brasil nas exportações mundiais
evoluiu de um total de 0,96% em 2002 para 1,44% do total em 2012, uma
melhora de praticamente 50%. Tal evolução interrompeu a queda iniciada
em 1984, quando o país chegou a ter 1,47% do volume total exportado na
economia global. Porém, diferentemente da década de (19)70, quando o
aumento da participação brasileira se deu com uma elevação das exportações
de bens manufaturados, a melhoria ao longo dos anos 2000 se deu mediante
a expansão principalmente da venda de produtos como a soja, o minério de
ferro e a carne. Obtendo-se como contrapartida na corrente de comércio,
um aumento significativo da importação de bens finais manufaturados (ver
capítulo 6). Este fator contribuiu ao mesmo tempo para a queda das taxas de
inflação domésticas e para incrementar a capacidade tributária do Estado
brasileiro. Sob a injunção destas modificações orientadoras nas correntes de
comércio, nas quais inclusive a China assumiu uma posição numericamente
mais relevante que a dos próprios Estados Unidos, a pauta de exportações
brasileiras apresentou as modificações vistas na tabela 1 abaixo disposta.
Os dados da Organização Mundial do Comércio (OMC) informavam
que o Brasil, com uma população que abarcava 2,8% da população total
mundial, participava com um total de 1,33% no total de valor das exporta-
ções mundiais. Como se notou, a posição do Brasil no comércio internaci-
onal tinha sido composta principalmente por bens primários, de baixa
industrialização, em tendência ascendente. Destas exportações de bens
tangíveis, os produtos primários somavam 46,4% do total vendido ao
exterior, com uma participação, em 2012, de 38% de bens manufaturados.
(Estes incluem, convém ressaltar, produtos como suco de laranja ou sapa-
tos.) O restante da pauta de exportações é composto de bens semimanufa-
turados.
da oferta industrial doméstica em nível regional, bem como a capacidade especulativa com estoques
nas várias pontas da mencionada estrutura de oferta.
11. Rapoport (2013, p.177) resumiu bem os efeitos da inserção externa chinesa sobre países em desen-
volvimento: “Lo más importante de su desarrollo [China] a nivel mundial es que, al aumentar la pro-
ducción y la oferta de bienes industriales, provocó una disminución de sus precios. En cambio, su
creciente demanda de materias primas elevó considerablemente los precios de estas. Todo lo cual tuvo
consecuencias para los otros países emergentes. Si bien regeneró una revisión de la tendencia histórica
de los términos de intercambio que afectaba los productores de bienes primarios, terminó agudizando
la competencia con aquellos países que comenzaban a orientarse también en procesos de industrializa-
ción.”
54
Tabela 8
Brasil. Exportações por agregação de valor (em porcentagem da
pauta de exportações). 2000- 2008.
Anos Básicos Semimanufaturados Manufaturados
2000 22,8 15,4 59,0
2001 26,4 14,2 56,5
2002 28,1 14,9 54,7
2003 29,0 15,0 54,3
2004 29,6 13,9 54,9
2005 29,3 13,5 55,1
2006 29,2 14,2 54,4
2007 32,1 13,6 52,3
2008 36,9 13,7 46,8
2009 40,5 13,4 44,0
2010 44,6 14,0 39,4
2011 47,8 14,1 36,3
2012 Jan.-Abr. 46,4 13,1 38,0
Fonte: SECEX.
Para efeitos comparativos, segundo a mesma Organização Mundial
do Comércio, a Alemanha, possuindo 1% da população mundial, tem uma
participação no comércio internacional que soma 8% do total deste, com
86% de manufaturados na pauta exportadora. A China tinha uma popula-
ção desproporcionalmente maior que a brasileira e a alemã, o que tornava
a relação comércio/população baixa. Mas esta deficiência tinha sido com-
pensada nos últimos trinta anos, a ponto de chegar a China a uma partici-
pação de 10,36% nas exportações globais atualmente, com um total de
93% de manufaturados na pauta. Vê-se aí um importante indicativo empí-
rico do descolamento da realidade brasileira face à chinesa, ou alemã, do
ponto de vista da classificação conceitual do tipo de inserção na divisão
internacional do trabalho. 12
12. Segundo a Secex, por outro lado, desde 2004 o Brasil vinha obtendo superávits comerciais com
Argentina, Uruguai e Paraguai, com exceção do ano de 2010, no qual obteve saldo negativo de 43
milhões de dólares com o Uruguai. Como poderia o Brasil exercer um papel verdadeiro de liderança
regional se não arca com os maiores custos no comércio regional?
55
Tabela 9
Países selecionados. Participação do comércio internacional. 2011.
Brasil Alemanha China
Participação nas Exportações
Internacionais 1,33% 8% 10,36%
Participação nas Importações
Internacionais 1,24% 6,93% 9,06%
População 194.946 mi 81.702 mi 1.333.300 mi
Fonte: Organização Mundial do Comércio (OMC).
13. A manutenção de seguidos superávits comerciais obrigava o Banco Central a “esterilizar” o influxo
de moeda forte (dólar, especialmente) que efetivamente entrou no país, a pressionar de outro modo a
base monetária e a inflação, com um consequente repique para cima na dívida pública. Tal necessidade
de esterilizar o influxo monetário foi tratada com a permissão para o depósito externo dos saldos
comerciais brasileiros em moeda forte (Lei 11.887 e Resolução 3.568).
56
importante bioma do centro do país, bem como pondo pressão na própria
área amazônica. Existia então um vínculo entre as condições macroeco-
nômicas brasileiras, mediante uma valorização de sua moeda face ao dólar,
e a maneira pela qual a inserção externa tinha sido propiciada, adicionando-
se a isto as condições favoráveis em termos de taxas de juros em nível
global, o que atraía capital estrangeiro. 14
A produção de valor físico a partir do setor de indústrias de transfor-
mação tinha continuado a diminuir em termos relativos no PIB do Brasil.
As últimas Contas Nacionais disponíveis até então mostravam que a parti-
cipação da indústria no PIB tinha caído de 29% a 26% entre 2005 e 2009
(IBGE, 2010). Mesmo que isto tenha se dado em parte devido a desvios
estatísticos (um serviço antes computado em indústria agora era computa-
do em serviços etc.), um dos indicadores mais importantes de formação de
capital, a formação bruta de capital brasileiro, manteve-se abaixo de 20%
do PIB ao longo de quase toda a primeira década de 2000. A taxa relativa
de formação bruta de capital, elemento indicativo do esforço de poupança
e investimento domésticos, denotou um aumento de 16% em 2003 a 19%
em meados de 2010, depois do qual apresentou nova queda, denotando o
forte impacto global da crise de 2008. Reconhecidamente, a taxa obtida,
ainda que crescente entre 2003 e 2008, foi pequena em termos históricos
brasileiros. Seu perfil semi-estagnado era um indicador possível das várias
opções alocativas (não produtivas) domésticas realizadas face à indústria.
Esta baixa taxa relativa de investimento torna-se mais decisiva devido às
amplas disparidades regionais e necessidade do aumento físico da produção
e capacidade de oferta, concatenados com uma utilização racional da mão de
obra disponível em âmbito nacional. À medida que as Contas Nacionais
identificavam um congelamento das posições relativas da produção industri-
al, pode-se afirmar que aumentos da produção de valor físico tinham sido
restritos em termos regionais, e por isso as disparidades regionais brasileiras
mantinham-se. A estagnação da oferta industrial denotava tanto preços rela-
14. Em meio à crescente preocupação pelo bem-estar material futuro, e dado o panorama de escassez
absoluta e rendimentos decrescentes apontados por alguns autores (Meadows et alii, 2005) poder-se-ia
indagar qual a durabilidade futura do estoque de terras cultiváveis e reservas minerais brasileira, e sobre
as consequências de modelo de inserção internacional, que mescla exportações de riqueza física e
internacionalização dos ativos domésticos. Esta questão não vem sendo abordada adequadamente e é
raramente mencionada nos meios oficiais, assumindo-se implicitamente um estoque infinito de bens
físicos à disposição do movimento de exportação e custos baixos de exploração; portanto, de poder
perene de compra no exterior. Com isto, evita-se a problematização analítica de um futuro cenário seja
escassez de recursos primários, seja de escassez de capital. Uma avaliação do estoque de minerais
existentes no Brasil tal como informado pelo Ministério de Minas e Energia foi realizada em Schincari-
ol (2012).
57
tivos mais altos com menor formação de emprego, particularmente dramáti-
cas em condições de alta urbanização, como a brasileira. De fato, isto ex-
pressava a continuidade de um perfil dominante de inversões não-
produtivas do excedente na maior parte das macrorregiões do país.
Dada a sua dimensão continental, amplo estoque de recursos primá-
rios e a ampla oportunidade de inversão em bens-raiz, bem como os sub-
sídios às exportações, a burguesia no Brasil brasileira tinha (e tem) na agro-
pecuária, na extração mineral e nas atividades ilegais espaços abertos para
grandes retornos, bem como brechas institucionais muito amplas para a
exportação de seus recursos ao exterior. De fato, “há setores em que as
vantagens econômicas do Brasil são evidentes, como mineração, frigorífi-
cos, alimentos, construção civil, agronegócio e bancos” (Jornal Valor Eco-
nômico, Caderno Multinacionais Brasileiras, 25.10.2013). Estes espaços fo-
ram compartilhados entre setores domésticos e internacionais, configuran-
do-se uma frente diversificada de acumulação. A forte demanda internaci-
onal por bens primários dos últimos anos e sua consequente modificação
nos preços relativos tinha conduzido os investimentos a um aumento na
exploração da matriz de recursos naturais brasileiros. Mas estando a pro-
dução primária dispersa pelo interior de território, esta condição impactava
de forma muito limitada sobre a estrutura de emprego da população majo-
ritariamente urbana e ligada à costa atlântica do país, alocada principalmen-
te no setor de serviços. Este empregava 60 milhões de trabalhadores em
2009, ao passo que a indústria 19 milhões e a agropecuária apenas 16 mi-
lhões, tendo a agropecuária apresentado diminuição de dois milhões de
trabalhadores entre 2005 e 2009, com a indústria elevando em um milhão
o número de empregados, e os serviços sete milhões neste mesmo período
(IBGE, Sistema de Contas Nacionais, 2010).
A economia brasileira, tomada como um espaço das atividades pro-
dutivas, distributivas e financeiras, tinha, quando da eleição de Dilma, seus
grupos controladores locais preponderantemente voltados ao comércio de
importação, agronegócio, construção civil e outros ramos pouco dinâmi-
cos e inovadores de um ponto de vista tecnológico. A crise da dívida ex-
terna e os anos de neoliberalismo eliminaram uma parte importante do
tecido industrial brasileiro, de origem nacional, desviando as inversões para
outros setores com menor capacidade de criação de emprego urbano e
inovações, ao passo que na economia mundial firmava-se a chamada Ter-
ceira Revolução Industrial, à margem da economia brasileira senão sob
forma de produtos tecnológicos “que sobram apenas como bens de con-
sumo” (Oliveira, 2003, p.139). Parte deste circuito improdutivo de inver-
58
sões vinha de uma massa de atividades ilegais, eventualmente exportado.
Isto dentro do conjunto de “atitudes” específicas, na expressão de Myrdal,
que marca a orientação dos investimentos na economia subdesenvolvida.
Analisem-se os seguintes dados, advindos de diferentes fontes. A
primeira tabela abaixo informa os seis maiores países a receberem investi-
mento estrangeiro a partir do Brasil entre 2007 e 2010. O investimento
direto denota tanto a ampliação de capacidade produtiva instalada em
outros países, bem como movimento aquisição de propriedades, tal como
ações e patrimônio público privatizado. Agentes brasileiros tinham no
exterior uma quantidade de capital, sob a definição acima dada, em 2010,
de 7% do Produto Interno Bruto, assumindo o valor deste como sendo de
2.169 bilhões de dólares, sob o conceito de paridade do poder de compra,
segundo o que informa o IPEA. A tabela, com dados fornecidos pelo
próprio Banco Central do Brasil, mostra que parte relevante do chamado
investimento direto oriundo do Brasil buscava áreas nas quais a tributação
era baixa e a informação sobre a origem dos recursos mínima ou nula
(“paraísos fiscais”), sugerindo que ao menos uma parte destes recursos
provinha de procedimentos ilegais. Estes paraísos fiscais dificultavam a
tributação dos estados nacionais e eram a expressão perfeita do mundo
neoliberal. De fato, “por detrás” dos dados oficiais das Contas Nacionais,
esconder-se-iam muitas atividades ilegais, como o tráfico de drogas, co-
mércio ilegal de armas, evasão fiscal, corrupção etc., dentro do quadro
geral de “atitudes” que marca a economia periférica. Por ilegais, estes pro-
cedimentos teriam de ser “lavados” nestes chamados paraísos fiscais. 15
Esta era a configuração dos destinos dos “investimentos estrangeiros dire-
tos” oriundos do Brasil ao exterior, em 2010:
15. Vale mencionar que os dados de produção bélica e militar brasileiros (produção interna de rifles,
metralhadoras, munição e material bélico em geral) não estão sistematizados e disponíveis nas princi-
pais fontes oficiais de dados, tornando difícil tanto seu estudo como uma análise de seus vínculos mais
gerais com os níveis de criminalidade e violência.
59
Tabela 10
Brasil. Investimento estrangeiro brasileiro no exterior. Por países.
Em milhões de dólares. 2007-2010.
Discriminação 2007 2008 2009 2010
Áustria 31 212 31 024 36 268 37 092
Ilhas Cayman 16 431 14 124 18 308 29 466
Ilhas Virgens/R.U. 11 245 10 685 13 387 14 724
Estados Unidos 7 800 9 167 9 943 13 184
Bahamas 9 341 9 531 10 291 12 353
Países Baixos 2 160 2 380 3 600 10 785
Fonte: Banco Central do Brasil.
Tabela 11
Brasil. Quinhentas maiores empresas instaladas no brasil, sob o
conceito de vendas líquidas (em milhões de reais), por controle acionário.
2012. Cada ponto equivale a uma empresa. Exclui setor financeiro.
Brasileiro Público Estrangeiro Misto
Eletroeletrônico 1 - 11 -
Indústria digital 3 1 7 -
Famacêutico 4 - 7 -
Siderurgia e metalurgia 11 - 12 -
Química e petroquímica 13 1 19 -
Autoindústria 3 - 25 1
Transporte 11 4 3 1
Bens de capital 4 - 6 -
Comunicações e telecom. 8 - 13 -
Papel e celulose 5 - 1 1
Energia 27 5 16 2
Varejo 38 - 7 3
Mineração 6 - 5 1
Bens de consumo 19 - 4 -
Agropecuária 20 - 3 -
Atacado 24 1 6 2
Serviços 28 1 5 3
Construção 28 - 5 -
Têxteis 6 - - -
Diversos 1 3 - -
Fonte: Revista Exame. Julho de 2013.
Tabela 12
Países selecionados. Patentes registradas (propriedade industrial)
em 2011. Residentes e não-residentes.
África do Sul 5296
EUA 224505
França 10213
Alemanha 11719
Coreia do Sul 94720
Índia 5168
China 172113
Japão 238823
Brasil 3251
Fonte: Organização Mundial do Comércio.
Tabela 13
Brasil. Mercado conquistado entre as 1000 maiores empresas, por
setor (%).
Bens de Bens de
Atacado Autoindústria Eletroeletrônicos
Capital consumo
BR Distrib., 30 Fiat, 12 Weg, 18 BRF, 12 Samsung, 27
Ipiranga, 18 Renault, 5,6 Atlas, 8 Bunge, 11 Whirpool, 11
Raízen, 14 Embraer, 5,4 Jacto, 6 Cargill, 10 Siemes, 7,1
Ale, 3 CNH, 3,6 Enseada, 5,1 JBS, 9 Ericson, 3,6
Amaggi, 2,7 Iveco, 2,4 ThyssenKrupp, 4,8 CRBS, 5 Schneider, 2,6
43, 0,7 31, 2 18, 4 44, 1,1 26, 1,5
Indústria Papel e Química/
Mineração Serviços
digital celulose Petroquímica
Positivo, 6,0 Vale, 74 Klabin, 19 Braskem, 21 ECT, 10,7
Serpro, 4,3 Samarco, 8 Fibria, 18 Basf, 6,8 Sabesp. 8,2
Totv, 3,7 Namisa, 2,4 Eldora, 6,5 Bayer, 6,0 Amil, 7
Dataprev, 2,6 Kinkross, 1,8 Cenibra, 6,5 Braskem Qpar, 5,2 Cielo, 4,1
28, 2,4 13, 1,5 13, 4,6 31, 2 52, 1,5
Siderurgia/
Telecomunicações Têxtil Transporte Varejo
Metalurgia
CSN, 14 Telefónica, 21 Alpargatas, 16 Gol, 15 Via V., 10
Usiminas, 11 Tim, 17,7 Grendene, 13 Tag, 9,8 GPA, 10
Gerdau, 10,4 Claro, 12,2 Hering, 10 Transpetro, 9 M. Luiza, 3
Paranapanema, 6 Telemar, 11,5 Paquetá, 9 MRS, 5,1 Americanas, 3
23, 7,5 14, 5,1 15, 5,7 18, 3,4 51, 1,1
Energia Farmacêutico Construção
Petrobras, 53 Hypermarcas, 18 Odebrecht, 11
Copersucar, 2,3 Novartis, 10 Votorantim, 7
Cemig, 2,1 Roche, 10 Andrade G., 6
AES, 2 SEM, 7,8 OAs, 5,8
Light, 1,5 Eurofarma, 7 Camargo, 5
70, 0,5 16, 4,4 33, 2,1
Fonte: Revista Exame Maiores e Melhores 2014.
Nota: a última linha em itálico refere-se respectivamente à mediana e à porcenta-
gem da mediana nas vendas.
Tabela 14
Brasil. Exportações por porte de produtor. Em números e milhões
de dólares. 2013-2014.
Qtde. US$ FOB US$ FOB
Porte Qtde. 2013
2014 2014 2013
Microempresa 4.508 215 4.106 196
Pequena empresa 5.385 1.746 5.076 1.569
Média empresa 5.926 8.663 5.546 7.905
Grande empresa 6.087 214.144 6.680 232.077
Pessoa física 412 331.286 401 284.582
Não definido 2 4 5 9
Total 22.320 225.100 21.814 242.033
Fonte: SECEX.
67
4. A sucessão de conjunturas e as medidas econômicas
68
1992: segundo a SECEX, 1,5%. A inflação acumulada em 2010 era de “tole-
ráveis” 5,91%, segundo o IPCA.
Em termos fiscais, o SELIC vinha de um ciclo de alta desde 2010, es-
tando em 0,7% ao mês em janeiro, devido a um posicionamento mais con-
servador das autoridades diante do “bom” crescimento neste ano. O resul-
tado primário das contas do governo federal no primeiro ano de Dilma foi
sendo elevado progressivamente até agosto de 2011, refletindo a posição de
um governo recém-empossado e de uma economia que parecia resistir aos
efeitos globais de instabilidade econômica e financeira. Havia igualmente
estabilidade na relação do agregado monetário M1 (papel-moeda em poder
do público e depósitos à vista) quanto ao PIB, e crescimento muito mais
veloz do agregado M4 (a soma de todos os meios de pagamento, incluindo
depósitos de poupança, títulos emitidos por instituições depositárias e títulos
públicos). Este padrão marcou todo o período 2011-2014.
Neste ínterim, no início do ano o Ministro da Fazenda desde 2006,
Guido Mantega, declarava em sua apresentação das perspectivas da eco-
nomia brasileira em 14 de janeiro que o governo Lula havia colocado o
Brasil na rota do “desenvolvimento sustentável”. 17A linguagem do Minis-
tro remetia, formalmente, a uma abordagem “desenvolvimentista”. Decla-
rava que o governo Dilma iria consolidar tal desenvolvimento e “colocá-lo
em patamares mais elevados graças à nova política econômica e social do
governo”. Apontou o crescimento econômico brasileiro e da massa salarial
dos últimos anos como um indicativo do acerto das políticas. O Brasil teria
construído um “Estado de Bem-Estar Social”, tornando-se um país de
“classe média” (“Classe C”), obtendo também “grau de investimento”.
Projetou uma taxa de investimento de 24% do PIB para 2014. Afirmou
que “o Estado impulsionou o desenvolvimento”, com investimento públi-
co “acima de 5% do PIB” em 2010. Por fim, a sustentabilidade do cresci-
mento podia-se notar por: “ausência de desequilíbrios macroeconômicos;
inflação sob controle; solidez fiscal e redução da dívida e aumento da re-
servas”.18
Em 9 de fevereiro, anunciava o Ministro uma redução dos estímulos
ao crescimento dos dois anos anteriores, preservando programas sociais, e
17. Todos os documentos oficiais e apresentações aos quais se faz referência neste capítulo estão
disponíveis em <www.fazenda.gov.br>. A relação das leis e medidas provisórias do Executivo Nacio-
nal podem ser encontradas no anexo dos relatórios anuais do Banco Central do Brasil, em suas várias
edições.
69
uma modernização da administração pública, com redução dos gastos de
custeio e maior eficiência alocativa. Esta redução, como veremos, seria
depois abandonada. Destacava o Ministro a nova regra de correção do
salário mínimo adotada no governo Lula, com reposição da inflação acres-
cida da taxa de crescimento real do PIB dos dois anos anteriores, e a atuali-
zação da correção do imposto de renda em 4,5%. O Ministério do Plane-
jamento também anunciava redução de despesas discricionárias. Em abril,
informava, citando a consultoria Economática, que o lucro líquido de 168
importantes empresas havia crescido 34% de 2010 a 2009 e que o governo
pretendia cortar 50 bilhões em despesas, revertendo os estímulos de 2010
com aumento da eficiência dos gastos. Anunciou a meta de 3% do PIB de
superávit primário, que não seria cumprida (a obtida foi 2,1%). A meta de
inflação buscada pelo Bacen era de 4,5%; a acumulada no ano chegaria a
6,5.
Até meados de 2011, continuava a haver no cenário internacional um
viés altista para algumas commodities (como soja e carne), que, conjugada
com a especulação com os estoques e a enorme criação fictícia de moeda
pelo Federal Reserve, criavam pressões inflacionárias, apesar do relativa-
mente baixo crescimento europeu e estadunidense. O barril tipo Brent de
petróleo também estava em patamar historicamente alto, a 125,7 dólares,
em abril de 2011. O conflito distributivo inerente à formação dos preços
domésticos também era pressionado por reajustes nas tarifas do transporte
público e educação particular. Por isso o Ministério da Fazenda não so-
mente anunciava cortes, mas sim aumento dos compulsórios, elevação da
meta do SELIC, e aumento do IOF. No segundo semestre, de fato, o
nível dos compulsórios junto ao Bacen atingiu seu limite nominal históri-
co, com aproximados 448 bilhões de reais retidos em outubro. O crédito à
compra de automóveis, que chegara ao topo em janeiro de 2011, iniciava
declínio. Falando ao Senado em 03 de Maio, Mantega declarava que o
ajuste “não é o tradicional e sim de redução seletiva do consumo e não do
investimento. Em 2011, continuam estímulos ao investimento”.
O secretário de política econômica Marcio Holland, em Junho, no II
Ciclo de Conferências sobre Finanças e Tributação, buscava abordar as
razões para o grande fluxo financeiro aportado no Brasil. Disse que “neste
momento, os fundamentos macroeconômicos dos países emergentes es-
tão melhores do que os das economias avançadas” e que a saída para tal
envolveria: recuperação dos países avançados; redução da manipulação do
câmbio; regulação e diminuição da alavancagem. Consoante a esta visão, o
IOF sobre valores em dólar ingressados fora então ajustado para cima para
70
várias modalidades de ingresso de capital estrangeiro. O próprio secretário
expressou a necessidade da adoção do controle de capitais para evitar ins-
tabilidade e demasiada valorização do câmbio. Aos cinco benefícios cita-
dos dos fluxos de capitais –“financiamento do balanço de pagamentos,
financiamento de investimentos domésticos, desenvolvimento dos merca-
dos financeiros domésticos, diversificação de riscos de investimentos, inte-
gração com mercado de crédito internacional”– listou três negativos:
“maiores volatilidades das taxas de câmbio, apreciação da taxa de câmbio e
‘doença holandesa’.” Citou também o “trilema de Mundell”, da impossibi-
lidade de haver ao mesmo tempo o câmbio fixado, a mobilidade de capi-
tais e uma política monetária autônoma. A balança de serviços acusava um
déficit de 30 bilhões em 2010, sendo ele decomposto em: 6 bilhões em
transportes; 10 bilhões em viagens internacionais; 13 bilhões em aluguéis
de equipamentos; 13 bilhões em computação e informação; demais, 3,3
bilhões. Tal déficit era maior do que o superávit comercial de 20 bilhões
acumulado pelo país naquele ano.
Em 02 de agosto, o governo lançava o chamado “Plano Brasil Maior”.
Mantega afirmava que seu objetivo era “fortalecer a indústria brasileira, tor-
nando-a mais competitiva num cenário internacional adverso”, dada a
“guerra cambial” e a concorrência “predatórias” particularmente no setor de
manufaturados. O conjunto de medidas visava “habilitar nossa indústria a
concorrer em pé de igualdade”. Seguia-se então um grande pacote de medi-
das de desoneração tributária, creditícias, e compras governamentais com
exigência de conteúdo local. Diminuir-se-ia o ICMS estadual, desonerar-se-ia
a folha de pagamentos de vários setores, devolver-se-iam créditos a exporta-
dores, exigir-se-ia um mínimo de produção local para compras do governo,
e outras medidas de estímulo à produção doméstica.
O Ministro afirmou que mesmo se se considerasse que a produção
em território nacional fosse mais cara que a produção similar internacional,
havia motivos para alguma ação, dado que a importância do setor industri-
al não se limitaria apenas a uma escala comparativa. Ela emprega, gera
tributos, gera riqueza material. Sua queda não poderia ser totalmente con-
tornada pelo setor de serviços. O real alcançava então o pico de sua sobre-
aprecição. Em termos relativos ao PIB, a indústria de transformação vinha
perdendo posições desde 2008, ao menos segundo a contabilidade do
IBGE, ano no qual atingira aproximados 15% do PIB. Depois de um ciclo
de alta que partiu de 11% em 2001, na posse do Governo Dilma a partici-
pação da indústria estava em 13%, numa tendência de queda que já se
podia notar.
71
Guido Mantega, no Seminário “Brazil Investment Oportunities”
ocorrido em Julho de 2011, afirmava que o crescimento iria continuar.
Projetava a passagem do Brasil à quinta economia global, com uma “classe
C” a formar supostos 50,6% do “amplo mercado consumidor domésti-
co”, puxado por uma taxa de investimento “superior ao crescimento do
consumo”. O ministro declarava que 70% dos investimentos do PAC em
2010 eram públicos. O Brasil, por outro lado, não estava “sobreaquecido”;
não havia bolha no mercado creditício, a inflação estaria controlada, com
baixas taxas de desemprego mas (altas?) taxas de juros reais a conter a in-
flação. A política fiscal adotada estaria sendo acomodatícia. Mantega afir-
mava também que as taxas de crescimento do setor bancário e do merca-
do de ações eram as mais rápidas entre os chamados BRIC’s, citando a
Bovespa e a agência Bankscope. Seu resumo do panorama então vigente era
o de: “reversal of 2009-2010 economic stimulus; increasing primary sur-
plus; speeding public efficiency, with government expenditures increasing
below GDP growth”.
Em verdade, o superávit primário do governo central como um todo
ao longo de 2011 cairia de 5% do PIB em janeiro para 2% em dezembro,
totalizando 2,1% ao ano, e o déficit nominal cresceria de 1,9% a 2,1% do
PIB. A relação juros pagos/déficit nominal, porém, declinara, de doze
vezes a duas, ao longo do ano. A estrutura tributária e o consumo do go-
verno mantinham-se estáveis em termos do PIB. Mantega elogiava a for-
malização do trabalho. Outras medidas “macroprudenciais” de 2011 en-
volviam: aumento dos compulsórios e aumento da taxa de juros do siste-
ma SELIC, desde janeiro (a taxa mensal fora de 0,8 a 1,1% ao mês).
Entre agosto e setembro de 2011, mudou-se o reconhecimento oficial
quanto ao panorama externo, num sentido mais pessimista. Em tempo: no
mês de junho a nota à imprensa da 160ª reunião do Comitê de Política
Monetária dizia: “Avaliando o cenário prospectivo e o balanço de riscos
para a inflação, o Copom decidiu, por unanimidade, neste momento, ele-
var a taxa Selic para 12,50% a.a., sem viés.”
Já na 161ª reunião, em agosto, a análise do panorama era outra:
“O Copom decidiu reduzir a taxa Selic para 12,00% a.a., sem viés, por cinco votos a
favor e dois votos pela manutenção da taxa Selic em 12,50% a.a. Reavaliando o cená-
rio internacional, o Copom considera que houve substancial deterioração, consubs-
tanciada, por exemplo, em reduções generalizadas e de grande magnitude nas proje-
ções de crescimento para os principais blocos econômicos. O Comitê entende que
aumentaram as chances de que restrições às quais hoje estão expostas diversas eco-
nomias maduras se prolonguem por um período de tempo maior do que o antecipa-
72
do. Nota ainda que, nessas economias, parece limitado o espaço para utilização de
política monetária e prevalece um cenário de restrição fiscal. Dessa forma, o Comitê
avalia que o cenário internacional manifesta viés desinflacionário no horizonte rele-
vante.
Para o Copom, a transmissão dos desenvolvimentos externos para a economia brasi-
leira pode se materializar por intermédio de diversos canais, entre outros, redução da
corrente de comércio, moderação do fluxo de investimentos, condições de crédito
mais restritivas e piora no sentimento de consumidores e empresários. O Comitê en-
tende que a complexidade que cerca o ambiente internacional contribuirá para inten-
sificar e acelerar o processo em curso de moderação da atividade doméstica, que já se
manifesta, por exemplo, no recuo das projeções para o crescimento da economia
brasileira. Dessa forma, no horizonte relevante, o balanço de riscos para a inflação se
torna mais favorável. A propósito, também aponta nessa direção a revisão do cenário
para a política fiscal.
Nesse contexto, o Copom entende que, ao tempestivamente mitigar os efeitos vin-
dos de um ambiente global mais restritivo, um ajuste moderado no nível da taxa bási-
ca é consistente com o cenário de convergência da inflação para a meta em 2012.”
19. Estes dados são fornecidos pelo Banco Central do Brasil no endereço
<http://www4.bcb.gov.br/top50/port/top50.asp>/.
73
Dizia ser provável um aumento da crise da dívida soberana, da permanência
do baixo crescimento, e de uma nova crise financeira. Discutia o que consi-
derava ser um arranjo positivo para a crise europeia, o Fundo Europeu de
Estabilização Financeira, que poderia comprar títulos soberanos no mercado
secundário e emprestar aos mais endividados. O Brasil, por sua vez, tomava
soberanamente medidas prudenciais para manter a estabilidade dos parâme-
tros macroeconômicos. Como deveria posicionar-se o Brasil no cenário
futuro de crise? O Ministro elaborou a seguinte lista em então aplicação:
perseguindo resultados fiscais “sólidos”; mantendo uma baixa inflação; ado-
tando índices de capital mínimo (11%) acima do índice de Basileia (8%);
estimulando o investimento privado e o consumo local; reduzindo o IPI
para empresas automobilísticas que inovassem com componentes locais;
ações anti-dumping; combatendo fraudes fiscais pela Receita Federal (subfa-
turamento); aumentando reservas e tributando capitais externos. Comentava
ainda as reduções do ICMS interestadual para bens importados para 2% e
geral de 12 e 7% a 5 e 3% e uma mudança da base de arrecadação do INSS
para o faturamento. E comentava ainda que as compras públicas priorizari-
am a produção nacional, com uma margem obrigatória. Apoiava-se também
o pequeno produtor, com atualização em 50% da tabela de IR, de modo a
desonerar os pequenos faturamentos, e isenção para exportações até 3,6
milhões de dólares anuais.
Em 22 de Novembro, Nelson Barbosa, então secretário-executivo do
Ministério da Fazenda, em sua palestra “Balanço Macroeconômico do
PAC”, afirmou que o cenário global e as medidas do governo levaram a
uma queda do produto em 2011. Projetava um PIB entre 3,2% e 3,8%
para o ano. A situação fiscal estaria melhor e o déficit em conta corrente
estável em termos do PIB. Previa aceleração do crescimento do PIB em
2012 para 4% ou 5% (erro de mais de 2%, como se verificou depois, já
que o PIB atingiria 1,9% na série revista); desaceleração da inflação; cum-
primento da meta de superávit e “pequena elevação no déficit em conta
corrente”. Sua projeção se baseava nos impactos do que chamou, com
certa liberdade semântica, de “política monetária neutra” (já que os com-
pulsórios foram elevados durante o ano e a taxa do SELIC cresceu até
outubro); do Plano Brasil Maior; da desoneração do “Supersimples”; da
continuidade do aumento do salário mínimo; do PAC 2, do Programa
“Minha Casa, Minha Vida 2” e do Programa Nacional de Banda Larga.
Em dezembro, iniciou-se também uma diminuição do recolhimento
dos compulsórios das instituições privadas junto ao Bacen, que se estende-
ria até abril de 2013. A projeção para uma queda da inflação baseava-se na
74
suposta futura estabilidade e/ou queda dos preços das commodities; na redu-
ção de itens monitorados, como tarifas de ônibus; no impacto da revisão
da Pesquisa de Orçamentos Familiares; nos impactos da desaceleração no
fim do ano, na política fiscal “neutra” e na alta capacidade ociosa. Dizia
que o governo projetava um alto superávit de 3,1% mesmo com elevação
no investimento público e transferências de renda e que o crescimento
dependia da “sustentação da taxa de investimento”, com o governo ado-
tando uma série de medidas neste sentido. Insistia na importância das mu-
danças institucionais promovidas: expansão e facilitação do “Supersim-
ples” e “Microeempreendedor Individual”; devolução imediata de créditos
de PIS/COFINS por investimento em bens de capital; desoneração da
folha de pagamento como experiência piloto para setores intensivos em
mão de obra; diminuição da alíquota interestadual de ICMS.
Barbosa defendeu um papel ativo do Estado no processo de desen-
volvimento, “para além do Consenso de Washington”, com planejamento,
regulação, oferta de bens públicos essenciais e redução das desigualdades.
O Brasil estaria, em sua visão, atravessando a segunda fase de seu desen-
volvimento econômico, tendo sido a primeira puxada por aumento do
consumo privado, da utilização de capacidade e recuperação do investi-
mento, com queda da concentração de renda; a segunda fase teria de ser
implementada por um aumento do crédito do BNDES, dos investimentos
do PAC, e da retomada de uma política industrial.
Ao longo de 2011, o governo também perseguiu medidas de desone-
ração tributária com favorecimento à produção doméstica; como se viu,
tais políticas foram alinhadas a juros reais altos até outubro e aumento
moderado do IOF sobre os aportes de capital externo, bem como manu-
tenção do superávit primário. O governo aprovou também facilidades para
os fundos de investimentos em participações (FIPs). São eles fundos
(“condomínios”) fechados, com alta exigência inicial de aportes, prazos
mínimos de carência e facilitações tributárias, que concedem direitos na
definição de um empreendimento, geralmente em nível setorial, para fins
de investimentos. O governo aprovara alíquota zero de IR para os não-
residentes sobre os ganhos com os FIPs e em especial os FIPs de infraes-
trutura (Lei 12.431, de 24.06.2011).
Posteriormente, os recursos utilizados para pagamentos do crédito
mediante o chamado Programa de Sustentação do Investimento (PSI),
criado em 2009 e que funcionava com repasses do BNDES, também teri-
am alíquotas de IOF zeradas em 2013 (Decreto 7.975, de 1.4.2013). O
governo reduziu também a zero o IR para as chamadas “debêntures de
75
infraestrutura”, para pessoas físicas e a 15% para pessoas físicas (Decreto
12.431 de 24.06.2011), organizadas por Sociedades de Propósito Específi-
co. Não obteve, porém, uma desvalorização significativa do real, que se
desvalorizara apenas limitadamente no fim do ano. O governo também
não promoveu medidas radicais sobre a renda das pessoas físicas, como
elevar o imposto de renda, que tinha em 2011 o teto de 27,5% para quais-
quer rendas de pessoas físicas que estivesse acima de 3.743 reais mensais.
O crescimento em 2011 atingiu 3,91% com relação a 2010, o mais alto
no primeiro governo Dilma. Todos os setores econômicos cresceram mais
ou menos similarmente, como mostra a tabela abaixo. Isto deu confiança ao
governo e uma desaceleração não era prevista para o ano seguinte.
No âmbito internacional, o tsunami no Japão provocaria grandes
perdas humanas e físicas e contração da demanda japonesa. A chamada
“Primavera Árabe”, sequência de revoltas populares no Oriente Médio,
desestabilizava governos. As revoltas não eram de todo homogêneas em
termos políticos. As forças ocidentais (OTAN) auxiliaram com pessoal,
recursos e armas os rebeldes na Síria e Líbia, países “não-alinhados”, con-
seguindo derrubar o governo neste último e alimentando a guerra civil no
primeiro, mediante a venda de armas intermediada pela Arábia Saudita.
Mas a OTAN tentou conter os revoltosos nos seus satélites geopolíticos,
como no Egito. Neste ínterim é que Muamar Kadafi foi morto na Líbia
por rebeldes domésticos aliados às tropas da OTAN, sem julgamento, e
que a grande mobilização das massas no Egito culminou somente na troca
de um governo corrupto por outro. Cristina Kirchner era reeleita na Ar-
gentina com 53% dos votos, refletindo a popularidade de sua política eco-
nômica e externa. Nos Estados Unidos, a “facilitação quantitativa”, os
baixos juros e os déficits federais inflavam a base monetária e ajudavam a
promover, pela exportação de parte do capital, a onda de valorizações
cambiais em nível global, da qual o Brasil fazia parte. Esta era a chamada
“guerra cambial” de que falava a Presidência brasileira.
Tabela 1
Brasil. Taxas de variação real por setores. 2011-2014.
Agricultura Indústria Serviços
2011 5,64 4,1 3,35
2012 -3,08 -0,74 2,91
2013 8,36 2,21 2,75
2014 2,08 -0,92 0,36
Fonte: Banco Central.
76
4.2. O ano de 2012: “Nova Matriz Macroeconômica”
Tabela 2
Brasil. Medidas de defesa cambial. 2011-2012.
2011 Aumento do encaixe compulsório sobre a posição vendida de
câmbio de zero para 60%
2011 Aumento do IOF sobre compras com cartão de crédito no
exterior, de 2,3% a 6,38%
2011 Aumento do IOF sobre empréstimos em moeda estrangeira
(prazo de 720 dias), de zero a 6%
2012 IOF sobre derivativos de câmbio: de zero a 1%
2012 Continuidade da acumulação de reservas pelo Bacen
2012 Aumento do prazo para incidência de IOF sobre empréstimos
em moeda estrangeira, de 720 para 1080 dias
2012 Redução do SELIC
Fonte: Ministério da Fazenda.
79
A nota à imprensa da reunião 168 do Copom, de julho de 2012, foi a
seguinte: “O Copom considera que, neste momento, permanecem limita-
dos os riscos para a trajetória da inflação. O Comitê nota ainda que, até
agora, dada a fragilidade da economia global, a contribuição do setor ex-
terno tem sido desinflacionária. Diante disso, dando seguimento ao pro-
cesso de ajuste das condições monetárias, o Copom decidiu, por unanimi-
dade, reduzir a taxa Selic para 8,00% a.a., sem viés.”
A hostilidade internacional fazia-se notar nas contas externas. O saldo
negativo da conta corrente do balanço de pagamentos despencava depois
de outubro, somando 11 bilhões negativos em dezembro. A própria soma
dos resultados globais do balanço de pagamentos apresentava uma marca-
da queda agregada, começando-se o ano em dez bilhões positivos e fe-
chando-se em negativos quatro. A formação bruta de capital fixo, em ter-
mos de sua proporção ao PIB, atingira seu pico de 22% no terceiro trimes-
tre de 2010. No terceiro trimestre de 2012 era de 21%, com queda, assim,
de um ponto percentual, a expressar esgotamento do então ciclo de ascen-
são. De forma mais ou menos proporcional a tal estancamento, a taxa de
desemprego parou de cair. Na região metropolitana de São Paulo (que na
definição do IBGE, compreende o oculto, o precário e por alento), ela
atingira em janeiro de 2012 o menor valor para a série desde 1989 (9,6%),
começando então a subir, oscilando entre 10 e 11%.
Além da queda do superávit primário, diminuição dos juros e queda
dos compulsórios, o governo respondeu com medidas mais bruscas de
desoneração tributária. Mantega anunciou em abril a eliminação da contri-
buição previdenciária patronal (COFINS) de 20% sobre a folha de paga-
mentos e o aumento do PIS/COFINS nas importações, correspondente à
alíquota sobre o faturamento, dentre outras medidas. A redução da onera-
ção na folha de visava reduzir custos de produção e exportação, gerar mais
trabalho e formalizar a força de trabalho. O Tesouro iria cobrir as eventu-
ais perdas de arrecadação das contribuições para a Previdência. A tabela 2
mostra as desonerações por setor e os resultados estimados em perdas ao
fisco.
O IPI também foi reduzido para a linha branca (fogões, lavadoras,
móveis laminados, luminárias), até junho, com quedas nas alíquotas de
quatro a dez por cento. Era também reduzido o IPI para compras de bens
à reformulação de infraestrutura, se não houvesse similares nacionais.
Postergaram-se os prazos de pagamento dos mesmos tributos, do mês
subsequente ao fator gerador para o fim do ano de 2012. Autorizou-se o
setor privado a deduzir do imposto de renda as doações e patrocínios “em favor
80
de entidades associativas ou fundacionais dedicadas à pesquisa e tratamen-
to do câncer”; o impacto fiscal em 2013 seria de aproximados 305 milhões
de reais. A política de compras governamentais estabelecia “prioridade
para a aquisição de bens e serviços nacionais, com margem de preferência
de até 25%, sobre produtos importados”, em fármacos, biofármacos, re-
troescavadeiras e motoniveladoras. O governo anunciou também um au-
mento para o Programa de Financiamento à Exportação, destinando a ele
3,1 bilhões.
Tabela 3
Desonerações tributárias por setor e impactos fiscais estimados.
Setor Alíquota neutra Alíquota fixada Renúncia fiscal
(%) (%) (em milhões de
reais)
Têxtil 2,32 1 550
Confecções 2,32 1 385
Couro e calçados 3,28 1 632
Móveis 2,09 1 209
Plásticos 1,87 1 530
Material elétrico 1,88 1 372
Autopeças 2,19 1 1.130
Ônibus 1,72 1 77
Naval 4,59 1 145
Aéreo 2,83 1 225
Hotéis 4,18 2 216
Tecnologias Informação 3,35 2 1.171
Call center 3,15 2 312
Fonte: Ministério da Fazenda.
A receita federal foi instruída a operar com mais restrições nas alfân-
degas, “combatendo a concorrência predatória”. E o governo, dizia-se,
lutava para aprovar no Senado a resolução 72, que reduzia a alíquota do
ICMS estadual de bens importados. Por fim, o Plano Nacional de Banda
Larga buscava desonerar “IPI e PIS/COFINS sobre os equipamentos
nacionais e obras civis dos investimentos em infraestrutura de redes de
telecomunicações, com suporte a serviços de Internet em banda larga”,
buscando ampliar o acesso à rede em escala nacional e a produção domés-
tica em telecomunicações.
A renúncia fiscal em 2012 atingiria 461 milhões. Tais medidas eram
estendidas a matérias-primas de computadores portáteis, bem como semi-
condutores, com uma renúncia de 153 milhões. O Tesouro ainda aportaria
ao BNDES 45 bilhões, sob o Programa de Sustentação do Investimento,
81
favorecendo com taxas menores setores que apresentassem componentes
de inovação no processo produtivo, particularmente o setor automotivo e
bens de capital. O emplacamento de automóveis novos saiu de 13 mil
diários em maio de 2012 e chegou a 17 mil em junho, com elevação de IPI
para os importados.
Em 22 de Maio o Ministro Mantega afirmava ante à Comissão de As-
suntos Econômicos do Senado que “a austeridade fiscal desacompanhada
de políticas pró-crescimento tem se revelado ineficaz”. O Ministro falava
em manutenção das reservas, buscando deslocar a apreensão sobre o real.
Quanta desvalorização do real se poderia tolerar, afinal? A crise financeira
de 2012 parecia agravar os acontecimentos de 2009, agora na Europa. A
alta dos juros nos mercados privados agarrara o governo da Grécia em
cheio, que, impedido de acessar a liquidez do Banco Central Europeu,
vivia crise fiscal e social (desemprego em alta, aumento do índice de suicí-
dios e crise do “Estado de Bem-Estar” residual grego, chegando à falta de
merenda nas escolas).
O governo brasileiro também enfrentava seus problemas e buscava
respostas retórico-conceituais que definissem sua postura. Neste contexto
o Ministério da Fazenda cunhou a expressão “Nova Matriz Macroeconô-
mica”. Isto foi anunciado no início de julho num seminário à FIESP. Seri-
am seus componentes: juros e spreads menores; real mais competitivo; sim-
plificação e desburocratização; estímulos ao investimento e mercado inter-
no. O real iniciava certa desvalorização. Mantega passou a prever um “au-
mento da competitividade”, mas este otimismo escondia um outro pro-
blema. O governo sabia que o aumento da competitividade dependia de
um real a desvalorizar-se, mas que isto, por sua vez, impactaria na inflação.
Em tempo: até quando se poderia elogiar a desvalorização em curso sem
que o rebote sobre o custo das importações e sobre os preços internos
maculasse o próprio otimismo? Para além do discurso oficial, colocava-se
o problema: até quanto poderia chegar uma desvalorização “ideal”? De
fato, o discurso do governo atuou todo o tempo reclamando da “guerra
cambial”, mas o problema tinha sido sempre o trade off com a inflação e a
exposição em dólar das empresas. A mesma “guerra cambial” era o alívio
do balanço de pagamentos por meio da atração de capital e manutenção
de um câmbio sobreapreciado a tangenciar uma inflação de variados com-
ponentes. Por isto, de fato, tolerava-se o câmbio sobreapreciado: a inflação
era uma fonte de descontentamento muito mais agressiva do que a perda
da produção doméstica (mais ou menos tolerável na sucessão de curtos
prazos). A inflação atingia a todos. Porém, um, dois, três, mil operários a
82
mais da produção fabril desempregados... O “pujante setor de serviços”
não se encarregaria deles?
Diante da FIESP, o governo adotava um discurso pró-corporativo.
Para a oposição de esquerda, ou mesmo para a esquerda que apoiava o
governo, esta era uma característica irritante dos membros da equipe eco-
nômica. Eles buscavam agradar demais o setor corporativo, inclusive ter-
minologicamente. Mantega, que anteriormente defendera uma tese sobre o
marxismo no Brasil na Universidade de São Paulo, mesmo defendendo
uma suposta posição novo-desenvolvimentista, enfatizava noções neoclás-
sicas (neoliberais...) que na verdade não pertenciam à visão explicativa de
mundo que o governo, ao menos publicamente, proclamava ter. Daí a
mescla entre a defesa do papel do Estado e do orçamento anti-cíclico jun-
to da defesa do regime de metas de inflação, do superávit primário, do
câmbio flexível, da liberdade à exportação de capital etc..
Nesta palestra à FIESP, Mantega elogiava o mercado de capitais e o
limite de valor para as aposentadorias e pensões da União segundo o teto
dos benefícios do INSS, estimulando o mercado de capitais. Sob as políti-
cas das bilionárias desonerações ao setor privado, eram assim definidos
“riscos fiscais”: o Plano Nacional de Educação, a estipular 10% do PIB
para a educação; a extinção do fator previdenciário (que reduzia os benefí-
cios de quem se aposentava antes dos sessenta anos); aumento salarial para
servidores públicos. O Ministro buscava aplacar a progressiva “perda de
confiança” e do “espírito animal”.
Verdade seja dita, sabe-se que o discurso do governo não era total-
mente improcedente. Havia então ainda fundamentos para um otimismo a
partir da “Nova Matriz Macroeconômica”. A Petrobras anunciava 236
bilhões de dólares em investimentos entre 2012 e 2016, prevendo-se “au-
tonomia energética” em petróleo para o país. O governo anunciava redu-
ção das tarifas de energia, a partir de 2013, somando uma média de 20%,
com custos adicionais para o Tesouro. Anunciava também concessões
tributárias adicionais de 6,8 bilhões para “depreciação acelerada de capital”
e a retirada da CIDE sobre a gasolina. A Previdência Social diminuía pro-
gressivamente seu “déficit”, chegando a 0,9% do PIB naquele ano. O
comportamento da dívida líquida do setor público (governos federal, esta-
duais e municipais, Banco Central, Previdência Social e empresas públicas)
e em particular da dívida líquida do Tesouro Nacional continuavam sua
trajetória de queda iniciada em 2002. Esta última (dívida líquida do Tesou-
ro) estando em 2012 em 21% do PIB; a primeira (setor público), em 35%
aproximadamente.
83
Tabela 4
“Nova matriz macroeconômica”.
“Nova matriz macroeconômica”
Juros baixos
Controle da inflação
Câmbio flutuante e competitivo
Política fiscal anti-cíclica
Desoneração e redução de tributos
Fonte: Ministério da Fazenda.
84
taxa de entrada no mercado de trabalho dos jovens não estivesse declinan-
do?
O PIB anual somaria 1,92% de variação quanto a 2011, do qual des-
contava-se o crescimento aproximado da população de 0,89%. A agricul-
tura e a indústria, porém, regrediram, com -3,08% e -0,74% de variações
reais. O crescimento tinha sido puxado pelo setor de serviços, com 2,91%,
e o país sofria os efeitos da crise global no setor de exportações. Em níveis
reais, computados os diferenciais de inflação, a taxa de câmbio real/dólar
em dezembro estava nos níveis de 1997, quando o país ainda aplicava
nominalmente a política da âncora cambial.
O acumulado das duas taxas de crescimento entre 2011 e 2012 não era,
até então, visto como totalmente ruim (3,91% + 1,92% = 5,83%). Em 2013
não haveria eleições. A inflação ultrapassara o centro da meta de 4,5%. O
governo então optaria por uma moderação dos instrumentos monetários a
seu dispor, aguardando um efeito sobre o produto interno bruto das deso-
nerações até então em curso.
Na primeira reunião do COPOM em 2013, a 172ª, decidiu-se manter
congelada a taxa do SELIC: “Considerando o balanço de riscos para a
inflação, que apresentou piora no curto prazo, a recuperação da atividade
doméstica, menos intensa do que o esperado, e a complexidade que ainda
envolve o ambiente internacional, o Comitê entende que a estabilidade das
condições monetárias por um período de tempo suficientemente prolon-
gado é a estratégia mais adequada para garantir a convergência da inflação
para a meta.”
O mesmo foi repetido em março. Em abril, o panorama traçado pelo
COPOM e comunicado à imprensa foi o seguinte: “O Comitê avalia que o
nível elevado da inflação e a dispersão de aumentos de preços, entre outros
fatores, contribuem para que a inflação mostre resistência e ensejam uma
resposta da política monetária. Por outro lado, o Copom pondera que
incertezas internas e, principalmente, externas cercam o cenário prospecti-
vo para a inflação e recomendam que a política monetária seja administra-
da com cautela.”
Assim, ao longo do ano foi se dando inversão da trajetória de queda
da taxa SELIC verificada desde outubro de 2011. A taxa do SELIC, saindo
de 0,5% ao mês em janeiro, chegaria a 0,8% ao mês em dezembro. O nível
dos compulsórios junto ao Bacen igualmente foi elevado, atingindo 386
85
bilhões de reais ao fim do ano. A anterior queda da dívida líquida do go-
verno central (incluindo a externa) estancara no primeiro semestre, apre-
sentando depois nova queda na segunda metade do ano. Por quê? O
BNDES, a Caixa Econômica e o Banco do Brasil contribuíram com divi-
dendos à União. O saldo das operações do Bacen também favorável, se-
guindo compras de LFT’s e LTN’s no mercado secundário (a Constituição
de 1988 proibia compra direta de papéis do Tesouro e funções de fomen-
to, mas não a compra no mercado secundário). O Banco Central elevou
substancialmente suas disponibilidades em moeda estrangeira (90% na
forma de papéis do Tesouro estadunidense).
Por outro lado, a arrecadação via CIDE praticamente fora zerada de-
pois de agosto de 2012. A arrecadação do IPI sobre automóveis caíra tam-
bém, a aproximados um terço dos valores previamente arrecadados desde
maio do ano de 2012. O recolhimento de IPI vinculado à importação não
diminuiu mas estancou. A COFINS igualmente estancava entre 15 e 17
bilhões. Enquanto isto, o agregado monetário M1 perfazia a mesma traje-
tória em termos do PIB vinda dos anos anteriores. A conta corrente do
balanço de pagamentos apresentaria resultados claramente mais negativos,
com os resultados da balança comercial em nítido estresse, à luz dos anos
anteriores. A porcentagem do comércio mundial abarcada pelas exporta-
ções brasileiras caía desde 2011, chegando a 1,32%, tendo alcançado o pico
de 1,4% em 2011. Tudo isto seria compensado por uma grande quantida-
de de investimento estrangeiro, 64 bilhões ao longo do ano, e mais 25
bilhões de investimento em carteira, com a dívida externa líquida atingindo
o pico da série histórica, de negativos 94 bilhões. Isto é, o país nunca acu-
mulara tantos haveres contra o exterior. Desde 2007 a capacidade líquida
de financiamento da economia era negativa, com a formação bruta de
capital fixo superando a poupança agregada mais o saldo líquido de envio e
recebimento de capital do exterior (incluindo também a variação de esto-
ques –ver anexo).
Mantega, no Encontro Nacional de Novos Prefeitos e Prefeitas em
Brasília, no dia trinta de janeiro afirmava (corretamente) que o crescimento
do PIB superaria o do ano anterior. Citou a mediana do relatório Focus,
que previa 3,1% para 2013; o FMI projetara 3,5% e as “projeções de mer-
cado” 4%. Com efeito, os resultados oficiais das contas nacionais trimes-
trais do IBGE permitiam ver que a formação bruta de capital fixo, incluin-
do residências, apresentava desde fins de 2012 uma queda progressiva para
baixo dos 20% do PIB. Ao Ministro Mantega, porém, cabia também de-
sempenhar este papel comum aos Ministros de Economia, de buscar, por
86
declarações otimistas, não afetar os “espíritos animais”, evitando mais pes-
simismo. Isto era inevitável num mundo de decisões de investimento que
dependiam, em primeiro lugar, do setor corporativo transnacionalizado e
do estado da economia mundial, ao qual o Brasil estava atrelado na condi-
ção de, em primeiro lugar, economia dependente e primário-exportadora.
A taxa de formação bruta de capital correspondente ao setor público co-
mo um todo (empresas da união, estaduais e municipais, junto dos gastos
do próprio governo) formava 4% do PIB em 2012. Assim, os aproxima-
damente 15% restantes cabiam a empresas e famílias (Ministério da Fa-
zenda, 2013, p. 12).
O Ministro da Fazenda afirmara que a economia norte-americana se
recuperaria, bem como a europeia e a chinesa. O comércio mundial, se-
gundo o FMI, crescera apenas 0,7% em 2012, contra 17% em 2011 e 19%
em 2010. Para 2013 esperava-se 3,9%. Mantega afirmou que a política
“anti-cíclica” não iria mudar, anunciando a mudança do indicador da dívi-
da municipal: seria adotado o menor índice entre a SELIC e o IPCA adici-
onado de 4%. Afirmou também que a inflação iria cair abaixo de 5,8%, o
que não se verificou, somando 5,91%. Mantega afirmava que o desempre-
go brasileiro (calculado em 4,9%) era menor que o norte-americano (7,7%)
e europeu (11,8%). A comparação sugeria que uma parte maior da força
de trabalho brasileira estava empregada em setores mais ou menos moder-
nos com uma relativamente alta produtividade do trabalho advinda do uso
de algum capital digno deste nome, comparativamente aos Estados Uni-
dos e Europa. A definição de “subdesenvolvimento”, a de uma condição
na qual há um excedente estrutural de trabalhadores com relação à capaci-
dade instalada industrial e de serviços, que Mantega conhecia, estava ob-
nubilada. Por que, afinal, a taxa de desemprego no Brasil era mais “baixa”?
Será que a metodologia era adequada? Será que o que se considerava “em-
prego” era realmente “emprego”, num sentido moderno? Por que o Brasil
tinha uma população economicamente ativa superior à alemã e apenas
uma fração de seu produto interno bruto?
Mantega, no encontro de prefeitos, enfatizou novamente os funda-
mentos da “Nova Matriz Macroeconômica”. Juros baixos, controle dos
preços, câmbio “competitivo” e flutuante, desoneração e redução de tribu-
tos (folha salarial, reforma do ICMS, IPI, PIS/Cofins). Que somaram, em
2012, 45 bilhões, ou 3% da arrecadação total do governo, que fora a um
trilhão e 253 bilhões em 2012. Mantega prometera a manutenção dos in-
vestimentos diretos ou indiretos pelo Estado, via PAC, concessões em
infraestrutura, nova legislação de parcerias público-privadas e concessões
87
na exploração do petróleo. A conta de luz seria reduzia em 18% para famí-
lias e 32% para empresas –o que era de certa forma surpreendente, devido
ao estresse hídrico em que já estavam entrando partes do Brasil, com au-
mento do custo do megawatt nas hidrelétricas; além das deficiências na
operação do sistema elétrico brasileiro não sanadas (ver Sauer e Rosa,
2003). Isto seria muito criticado depois, como uma decisão eleitoreira por
parte de Dilma. O país estaria logo depois fazendo uso intensivo da ener-
gia termelétrica pouco depois, muito mais cara e poluente, com uma forte
atualização corretiva dos preços em 2014, depois das eleições.
O documento Infrastructure in Brazil, projects, financing instruments and op-
portunities, de autoria do Ministério da Fazenda (2013) e distribuído a inves-
tidores internacionais em Nova York no fim de março, resumia otimista-
mente a trajetória da economia brasileira até ali, apresentando os resultados
que já apresentamos. Todavia, quanto ao câmbio, afirmava:
89
Em agosto, o Minifaz reconhecia que as manifestações “aumentaram a
incerteza”. O índice Bovespa caíra desde 2011 e trazia para baixo o “efeito
renda” do aumento das cotações. Isto ocorreu sem interrupção significativa
desde 2011. Não havia razões para pessimismo, porém. A Europa e a China
se recuperariam. A Petrobras realizava mais uma (controvertida por vários
motivos) licitação de petróleo e gás. O governo buscava mostrar que as
manifestações não haviam impactado no fluxo de capitais. Vieram medidas
novas: retirada do IOF sobre operações cambiais; leilões de swap cambial e
novas linhas de liquidez em dólar; novos leilões com títulos do Tesouro;
corte adicional de 10 bilhões em despesas correntes; e não prorrogação dos
aumentos das tarifas de importação a partir de setembro. Quanto aos swaps
cambiais, o Banco Central assim descreveu suas razões:
“A partir de maio [de 2013], o aumento da aversão ao risco e da volati-
lidade nos mercados financeiros, em cenário de incertezas quanto à an-
tecipação da redução dos estímulos monetários pelo Federal Reserve
(Fed), se traduziu em apreciação vigorosa do dólar dos EUA em rela-
ção às moedas de importantes economias emergentes. Nesse ambien-
te, o Banco Central anunciou, pelo Comunicado nº 24.370, de 22 de
agosto, o programa de oferta diária de liquidez no mercado de câmbio.
O programa, em vigor a partir de 23 de agosto e com duração origi-
nalmente prevista até, pelo menos, 31 de dezembro de 2013, introdu-
ziu leilões diários de swap todas as segundas, terças, quartas e quintas-
feiras, com oferta de US$500 milhões por dia, e leilão de venda de mo-
eda com compromisso de recompra às sextas-feiras, com ofertas de
US$1 bilhão por semana. Adicionalmente, previa a realização, caso o
Banco Central julgasse necessário, de operações adicionais para prover
proteção cambial aos agentes econômicos e liquidez ao mercado de
câmbio. Nesse cenário, a posição líquida do Banco Central em contra-
tos de swap cambial passou de zerada, ao final de maio, para US$75,1
bilhões (em valor nocional), ao final de 2013” (Banco Central, 2013,
p.77).
20. Ver também a entrevista de Ildo Sauer no Programa “Brasilianas”, da TV Brasil, em 29.10.2013.
91
alíquotas entre estados, com a criação de um fundo de desenvolvimento
regional como substituto da guerra fiscal e instrumento de atração de empre-
sas. O governo também buscava substituir o chamado Regime Tributário
Transitório, dada a “incompatibilidade da Legislação Tributária antiga com
os novos critérios contábeis adotados no Brasil, revelando a precariedade do
regime transitório de tributação”, tal como exposto pelo Secretário da Recei-
ta Federal, Carlos Barreto, em palestra no dia 16 de outubro.
Tabela 5
Governo Federal. Programa de concessões em infraestrutura para 2013.
Rodovias 9 lotes
Ferrovias 12 trechos
Portos 160 arrendamentos
Aeroportos Galeão e Confins
Geração de energia elétrica Eólica, hídrica e térmica
Transmissão de energia elétrica 40 lotes + Belo Monte
Petróleo Campo de Libra + partilha de produção
Fonte: Ministério da Fazenda.
Tabela 6
Brasil. Resultado de ofertas públicas de títulos. 14/01/2014.
Dia do Quantidade Quantidade Taxa Prazo
Título
comunicado ofertada aceita Média (dias)
NTB-B 13/01/2014 500.000 101.250 6,23 1.946
NTB-B 13/01/2014 500.000 187.550 6,48 3.407
NTB-B 13/01/2014 300.000 144.200 6,59 6.056
NTB-B 13/01/2014 300.000 48.450 6,60 9.709
NTB-B 13/01/2014 300.000 107.350 6,67 13.361
NTB-B 13/01/2014 - Nenhum aceito 7.790
NTB-B 13/01/2014 300.000 2.800 6,71 11.443
NTB-B 13/01/2014 - Nenhum aceito 6.056
NTB-B 13/01/2014 300.000 12.191 6,69 9.709
NTB-B 13/01/2014 300.000 82.000 6,71 13.361
Fonte: Banco Central – Departamento de Operações de Mercado Aberto.
22. Vários senadores, depois do impedimento em 2016, confessariam ao vivo, sem nenhum pudor,
que afinal Dilma não cometera crimes de responsabilidade, e que sua deposição se dera para que se
pudesse retomar a “governabilidade”!
101
Armadas, os centros de difusão de informação etc. Não faltavam cargos
para os aliados, mas tais cargos -Secretaria do Tesouro Nacional, IPEA,
empresas públicas etc. – eram “café pequeno”. Ou seja, o governo era acu-
sado pela direita de “aparelhamento” do Estado, mas de fato não o fazia
com eficiência, ficando só com o ônus político.
Depois de anos de crescimento e abafamento do conflito distributivo,
confiava-se na “solidez das instituições” brasileiras, “vivendo e deixando
viver”. Por exemplo, o canal público TV Brasil, ao longo da primeira gran-
de manifestação de junho de 2013, transmitia filmes do comediante Maz-
zaropi. Ministros chegavam a seus gabinetes às onze da manhã, terminan-
do às quatro seus expedientes. Leituras da Bíblia em grupo proliferavam
nos corredores dos Ministérios. Dilma chegou mesmo a comparecer à
inauguração do “Templo de Salomão” em 2014, do “Bispo” Edir Macedo,
numa derrota qualitativa vil de seus próprios princípios em favor do núme-
ro quantitativo de votos –que, viu-se, não são capazes, sem um trabalho
ideológico eficaz, de sustentar nas ruas um governo. Para piorar o quadro,
Dilma acumulava desavenças pessoais, oriundas do tratamento hostil que
conferia a certos desafetos, ou aos que lhe parecessem incompetentes.
Estas atitudes arrogantes e derrotistas para o campo que Dilma suposta-
mente representava são elementos que explicam, sem dúvida, outro tipo
de dificuldades que o governo tinha em seu dia-a-dia.
Em 2014, várias regiões viviam intenso estresse hídrico, em especial a
sudeste, com baixa no regime de chuvas. O governo paulista protelava via
Sabesp, de forma virtualmente suicida, um necessário rodízio mais severo
em São Paulo, já que buscava também (como Dilma) sua reeleição. O
governo paulista apostara numa melhoria do regime de chuvas em 2015 e
iniciou o rodízio meses depois das eleições, quando já era muito tarde. A
falta de água encarecia ou inviabilizava a produção agrícola em diversos
pontos do estado de São Paulo, desencadeando uma corrida privada por
abertura de poços artesianos. Enquanto os pequenos consumidores nos
bairros pobres ficavam dias sem água, a Sabesp incentivava o gasto dos
grandes produtores com redução tarifária mais que proporcional ao uso.
Não faltava água para o uso dos prédios de classe média e alta, seja por
política deliberada da Sabesp, seja pelo uso de poços privados, mas muitos
começaram a temer um risco explosivo de desabastecimento em 2015,
dada a situação sofrível dos reservatórios. O Exército fez simulações de
ocupação de tais reservatórios, preparando-se para a crise (El País, 27 de
Maio de 2015). O governo Alckmin apostava durante as eleições, contan-
do com uma eventual melhoria nos meses vindouros. Foi um movimento
102
arriscado e irresponsável. A maioria da população paulista, aparentemente
alheia a estes fatos, elegeria Alckmin.
Em agosto, o avião em que viajava o pré-candidato à presidência
Eduardo Campos (PSB) caía misteriosamente em Santos, matando-o.
Uma torcedora do Grêmio era flagrada ao vivo insultando de forma racista
jogador do time rival, Santos, numa partida em Porto Alegre. Uma onda
de ataques atribuída a traficantes de drogas em Santa Catarina incendiava
ônibus e atacava postos policiais. Em fins de agosto, alguns argumentavam
que o país entrava no que se definiu como “recessão técnica”, com dois
trimestres seguidos de queda no PIB. Em setembro, registrava-se o resul-
tado fiscal mais deficitário da história recente das finanças do governo
central, com um déficit primário de 20,39 bilhões.
Depois do período de campanhas eleitorais, nas quais tanto governo
como oposição foram em parte financiados com recursos de empresas
privadas, vieram as eleições. Esperava-se uma derrota do governo ou um
páreo duro. Dilma afinal seria eleita em segundo turno, em 26 de outubro,
por pequena margem (52% dos votos válidos, contra 48% de Aécio Ne-
ves). Nulos, brancos e abstenções somaram 29% do eleitorado, quase um
terço do total. Dilma não tinha, assim, apoio de quase dois terços do elei-
torado registrado total.
O governo continuou o ano culpando os efeitos da crise norte-
americana, europeia e da desaceleração chinesa, argumentando que “antes
da crise de 2008 a situação fiscal era sólida”. Defendeu que seu programa
“anticíclico” havia evitado uma queda ainda maior do produto. O Brasil
seria um país de “classe média”, a receber altos IEDs, com elevadas reser-
vas internacionais. Mirando a inflação e a permanência dos investimentos
em carteira, o governo levou o nível do SELIC a elevar-se atingir 0,9% em
dezembro de 2014, com impacto fiscal no pagamento de juros e na pró-
pria dívida pública. Juros maiores, desonerações, aumento dos gastos e
frustração de receitas: tudo isto conduziram então o governo a um déficit
primário em 2014 (o primeiro desde 1997) e ao aumento da dívida pública.
Ao longo do ano, a Comissão da Verdade identificava 377 criminosos
da ditadura militar, com o Clube Militar chamando o relatório como “cole-
ção de calúnias”. No fim do ano, Cuba e Estados Unidos iniciavam um
processo de restabelecimento de relações diplomáticas. O valor da taxa de
câmbio corrente do dólar chegava a 2,76 reais no início de dezembro. O
crescimento do PIB do ano somaria meros 0,1%, com a primeira queda
do PIB per capita (isto é, descontando-se a taxa de reprodução demográfica)
em muitos anos. A indústria regredia de novo: -0,91%; os serviços quase
103
estagnaram, com 0,36%; a agropecuária novamente crescia, a 2,0%. Po-
rém, no fim de 2013, esta última representava apenas 217 bilhões em valor
adicionado bruto para o total nacional de 4 trilhões e 203 bilhões, em valo-
res constantes. Não se podia esperar que o setor empurrasse sozinho o
PIB e a empregabilidade.
Como se comportaram ao longo de 2011 e 2014 as contas do gover-
no e a economia brasileira com um todo, em termos de valor setorial adi-
cionado ao PIB e estrutura de ocupação? Por que a desaceleração? Estes
são os problemas de investigação dos próximos dois capítulos.
104
5. As contas do governo
5.1. Introdução
24. “Todas as cidades de porte médio e grande estão apresentando congestionamentos devido à
avalanche de automóveis que entra nelas a cada dia. O consumo é incentivado pelos subsídios dados
pelo governo federal e alguns governos estaduais para a compra de automóveis” (Maricato 2015, p.43)
106
5.2. Receitas e despesas
Tabela 1
Brasil. Resultados do governo central em % do PIB e variação do PIB
(em %). 2003-2015.
Transf. a
Receita
Anos Receitas estados e Despesas Primário Juros Δ do PIB
líquida
munic.
2003 20,7 3,3 17,4 15,1 2,3 -5,9 1,14
2004 21,4 3,3 18,1 15,6 2,5 -4,1 5,76
2005 22,5 3,7 18,8 16,4 2,4 -5,9 3,2
2006 22,5 3,7 18,8 16,8 2 -5,2 3,96
2007 22,7 3,7 19,0 16,9 2,1 -4,4 6,07
2008 23 4,1 18,9 16,2 2,3 -3,1 5,09
2009 22,1 3,6 18,5 17,3 1,2 -4,5 -0,13
2010 23,6 3,5 20,2 18,1 2 -3,2 7,53
2011 22,6 3,7 18,9 16,7 2,1 -4,1 3,91
2012 22,1 3,6 18,5 16,9 1,8 -3,1 1,92
2013 22,2 3,4 18,7 17,3 1,4 -3,5 3,01
2014 21,5 3,5 18,0 18,3 -0,3 -4,4 0,1
2015 21 3,5 17,6 19,5 -1,9 -6,7 -3,8
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.
25. Os dados foram acessados em janeiro e fevereiro de 2016. Ver a tabela 4.1. das Tabelas “Séries
Históricas” da Secretaria do Tesouro Nacional. O resultado nominal informado pelo Tesouro é “abai-
xo da linha”, isto é, variação da dívida líquida total no período, e não do fluxo da diferença entre recei-
tas e despesas (“acima da linha”). Ver Banco Central, 2015a, p.3.
107
0,7% do PIB; com relação aos quatro anos, as receitas do governo central
diminuíram em 1,1% do PIB. Já as despesas não financeiras elevaram-se
sem cessar, de 16,7% do PIB a 18,3% entre 2011 e 2014, ou aumento de
1,6% do PIB entre os quatro anos. Note-se que os gastos com juros caíram
de 2011 a 2013, de 4,1% a 3,5% do PIB, o que por si só explica a irritação da
burguesia com o governo Dilma. (Não seria tal motivo, por si só, suficiente
para o desejo dos financistas de alijar a Presidenta do poder?) Para desespero
dos financistas, o superávit primário do governo central foi rebaixado em
2,4% do PIB no mesmo período, tendo saído de 2,1% do PIB em 2011 a -
0,3% em 2014 (atingiria -1,9% em 2015). Receitas em queda e aumento das
despesas obrigatórias levaram então o superávit primário a cair.26
Do ponto de vista das despesas primárias do governo central,27 houve
durante o período relativa estabilidade entre as rubricas. O Programa de
Aceleração do Crescimento, na rubrica de despesas de capital, foi um dos
que mais cresceu, praticamente dobrando do ponto de vista dos gastos
primários totais (6% a 12% entre 2011 e 2014). O Programa “Minha Casa,
Minha Vida”, cotado dentro do PAC, obteve participações erráticas, sendo
elevado no primeiro ano de mandato, diminuído drasticamente em 2012 e
posteriormente elevado em 2013, para cair novamente em 2014. Ficando
assim numa média de 4% dos gastos primários totais, na rubrica também
de despesas de capital. O Programa de Assistência à Agricultura Familiar
(política de preços agrícolas) não foi uma prioridade a partir de 2013, com
uma redução clara e sustentada. Em termos proporcionais, os gastos com
a Renda Mensal Vitalícia e Lei Orgânica de Assistência Social28 também
permaneceram estáveis em proporção dos gastos do Tesouro, em torno
de 6%, durante todo o período. As despesas com o Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT) também seguiram tal padrão estável. As despesas com
a Previdência Social formaram, de longe, o maior cômputo, seguidas pelos
26. Deve-se notar que os resultados de superávit primário para 2013 e 2014 abaixo dispostos são
maiores do que os recalculados após a revisão feita em 2016, que levou em consideração os seguintes
eventos ocorridos ao longo desses dois anos: os atrasos do pagamento da equalização das taxas de
juros do programa de sustentação do investimento ao BNDES; atrasos de repasse do crédito agrícola
ao Banco do Brasil; atraso do pagamento de tarifas à Caixa Econômica; dentre outros. Após a revisão,
os resultados primários em 2013 e 2014 tornaram-se menores respectivamente em 0,28% e 0,23% (em
termos do PIB) (“Banco Central faz a limpeza das pedaladas fiscais”, Valor Econômico, 04-04-2016).
27. Tabela 1.4. das Tabelas “Séries Históricas” da Secretaria do Tesouro Nacional.
28. “Segundo a Previdência Social, “garantia de um salário mínimo mensal ao idoso acima de 65 anos
ou ao cidadão com deficiência física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo, que o impossibilite
de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
Para ter direito, é necessário que a renda por pessoa do grupo familiar seja menor que 1/4 do salário-
mínimo vigente.”
108
gastos com pessoal e despesas discricionárias (principalmente Ministério da
Saúde, Educação e Desenvolvimento Social).
Gráfico 1
Brasil. Despesas primárias do Governo Central desagregadas (total
=1). Calculado a partir de reais correntes. 2011-2015.
1
0,8
0,6
0,4
0,2
-0,2
jan/11
jan/12
jan/13
jan/14
jan/15
out/12
out/14
out/15
jul/11
abr/11
out/11
jul/12
out/13
jul/14
abr/12
abr/13
abr/14
abr/15
jul/13
jul/15
LOAS-RMV Política de preços agrícolas
PAC Minha Casa Minha Vida
Previdência Despesas discricionárias
Pessoal
Fonte: Cálculo do autor a partir da tabela 1.4 das Séries Históricas da Se-
cretaria do Tesouro Nacional.
Gráfico 2
Brasil. Desonerações do Tesouro Nacional a partir de 2011. Em mi-
3.500,0 30.000,0
3.000,0
25.000,0
2.500,0
20.000,0
2.000,0
15.000,0
1.500,0
10.000,0
1.000,0
5.000,0
500,0
0,0 0,0
jan/10
jan/11
jan/12
jan/13
jan/14
jan/15
abr/10
abr/11
abr/12
abr/13
abr/14
jul/10
out/10
jul/11
out/11
jul/12
out/12
jul/13
out/13
jul/14
out/14
31. Tabela 1.3 das séries históricas fornecidas pela Secretaria da Tesouro Nacional, “Repasses à União”
32. Informações disponíveis no endereço eletrônico do banco, seção “Informações Financeiras”.
111
2013; em 2014 ambas as rubricas voltaram a elevar-se (Petrobras, Relatório
de Administração, 2014, p.3). O lucro líquido consolidado da empresa caiu
de 2011 a 2012, com um resultado negativo para 2014; foi de 33,3 bilhões
de reais a 21,1 entre 2011 e 2012, e de 23 a -21 bilhões de reais entre 2012 e
2014. Tanto o valor patrimonial quanto o acionário caíram ao longo do
período; no que toca ao ano de 2014, foram computados prejuízos adicio-
nais de 6,1 bilhões como resultado das operações criminosas havidas entre
2012 e 2014 apuradas pela Polícia Federal.33 A queda da arrecadação ori-
unda diretamente da diminuição da atividade da Petrobras explica uma
parte importante da queda das receitas do governo.
O gráfico a seguir ilustra o comportamento das contas do governo
Central no período, com relação particularmente aos juros.34
33. Aldemir Bendine, presidente da empresa desde 2015, assim afirmou em sua mensagem aos
acionistas da empresa no citado relatório administrativo de 2014: “Desenvolvemos uma metodologia
para estimar os gastos adicionais frutos do esquema de pagamentos indevidos revelado pela Operação
Lava-Jato. As baixas referentes a esses gastos adicionais impostos por esse esquema foram
reconhecidas no terceiro trimestre de 2014. Adicionalmente, mudanças no contexto dos negócios da
Petrobras, em função do declínio dos preços do petróleo, apreciação do dólar e necessidade de reduzir
o nível de endividamento, estimularam uma revisão das perspectivas futuras da Companhia e,
consequentemente, levaram à necessidade de redução no ritmo de nossos investimentos” (Petrobras,
2014, p.3). A empresa assim descreveu a natureza das operações investigadas pela “Operação Lava a
Jato” da Polícia Federal: “De acordo com depoimentos obtidos no âmbito de investigações criminais
conduzidas pelas autoridades brasileiras, que se tornaram públicos a partir de outubro de 2014, altos
executivos da Petrobras conspiraram com empreiteiras, fornecedores e outros envolvidos para
estabelecer um cartel que, entre 2004 e abril de 2012, sistematicamente impôs gastos adicionais nas
compras de ativos imobilizados pela Companhia. Dois ex-diretores da Companhia e um ex-gerente
executivo, que não trabalham para a Petrobras desde abril de 2012, estavam envolvidos nesse esquema
de pagamentos. Os valores pagos adicionalmente pela Companhia foram utilizados pelas empreiteiras,
fornecedores e intermediários agindo em nome dessas empresas para financiar pagamentos indevidos
a partidos políticos, políticos eleitos ou outros agentes políticos, empregados de empreiteiras e
fornecedores, os ex-empregados da Petrobras e outros envolvidos no esquema de pagamentos”
(Petrobras, 2014, p.24). Segundo a metodologia adotada pela empresa, que opina que os valores pagos
indevidamente “não deveriam ter sido incluídos no custo histórico dos ativos imobilizados”, totalizou
6,1 bilhões de reais entre 2012 e 2014.
34. Tabela 1.1. das Tabelas “Séries Históricas” da Secretaria do Tesouro Nacional.
112
Gráfico 3
Resultados do Governo Central. superávit primário, juros nominais e
resultados nominais. 2011-2015 (janeiro).
40.000,0
30.000,0
20.000,0
10.000,0
0,0
-10.000,0
-20.000,0
-30.000,0
-40.000,0
-50.000,0
-60.000,0
-70.000,0
jan/11
jan/12
jan/13
jan/14
jan/15
mar/11
mar/12
mar/13
set/12
mar/14
set/11
set/13
set/14
mai/11
nov/11
mai/12
nov/12
mai/13
nov/13
mai/14
nov/14
jul/11
jul/12
jul/13
jul/14
Juros nominais Resultados nominais Resultado primário
Os juros pagos pelo governo central com relação ao PIB caíram entre
2011 e 2012, indo de 4,1% a 3,1% do PIB, mas elevaram-se novamente a
partir de 2013, chegando a 4,4% do PIB em 2014 (em 2015 chegariam a
6,7%). O gráfico deixa ver os resultados primários, os gastos com juros (ju-
ros nominais) e os resultados nominais, definidos por (1+2). Estes resulta-
dos são expressos em reais correntes e não como porcentagem do produto
interno bruto. Nota-se que em termos correntes o superávit primário oscilou
em torno da linha média de dez bilhões ao mês, com este trajeto mantido
num nível mais ou menos estável ao longo dos anos 2011-2012.
A partir de janeiro de 2013 nota-se uma queda da poupança primária
do governo, que passa a oscilar, com exceção do fim de 2013, em torno de
seis ou sete bilhões mensais. Por sua vez, os juros nominais pagos oscila-
ram em torno de dezesseis e dezessete bilhões mensais (resultados negati-
vos expressando o pagamento de juros). No ano de 2012 diminuíram-se
os volumes de pagamentos, em parte como resultado da mencionada que-
da do SELIC. Houve então um novo aumento absoluto a partir de 2013,
expressando a retomada do aumento da taxa. Ao longo de 2014, houve,
portanto, um aprofundamento do pagamento absoluto de juros, chegando
este à casa dos quarenta bilhões em setembro de 2014.
113
O gráfico permite ver a queda do superávit primário do governo ao
longo do tempo. Nota-se que enquanto os superávits do governo apresenta-
ram resultado mais ou menos constante, em valores absolutos, os juros no-
minais foram maiores do que o resultado fiscal final (resultados nominais),
expressando uma menor necessidade de financiamento. Os resultados no-
minais negativos maiores do que os gastos de juros expressam a própria
queda do superávit primário; ou seja, uma situação na qual o governo reali-
zou déficit primário, caso no qual tal déficit soma-se aos juros para chegar a um
resultado nominal maior que os próprios juros. O maior gasto com juros
mostra, também, que uma maior despesa do governo é ligada, parcialmente,
à maior taxa do SELIC paga nos títulos de curto prazo.
A queda da poupança primária se deu sob a forma de (1) mais gastos
discricionários e (2) maior renúncia fiscal, ambos os fatores concorrendo
para um maior volume de gastos na economia. Em termos kaleckianos,
este movimento de queda da poupança primária do governo criou na eco-
nomia uma demanda agregada adicional. Mas, ela foi pequena, “kaleckia-
namente”, porque a diminuição não envolveu de fato valores tão significa-
tivos; a gritaria em torno do déficit primário era mera reverberação, consci-
ente ou não, dos interesses dos rentistas, e uma confissão de que o gover-
no não deveria tributar mais os ricos. Assim, o movimento de queda do
superávit primário foi intensamente criticado pela oposição e pelo empre-
sariado, defensores de “finanças sãs”, a não comprometerem o pagamento
dos volumosos juros da dívida pública por eles embolsados. Em condições
de maior aceitabilidade política do governo por estes mesmos agentes que
ganhavam de um lado com juros e de outro com as desonerações, este
nível de déficit teria ocasionado um efeito multiplicador muito maior, tal
como discutido no capítulo 2.
Poder-se-ia demonstrar a funcionalidade para a formação bruta de
capital das despesas reais do governo. A relação entre o consumo do go-
verno (gastos correntes com bens e serviços) tal como definido nas Contas
Trimestrais do IBGE, e a formação bruta de capital, atende a uma regres-
são linear que gera bons estimadores. 35 A partir da plotagem dos valores
de consumo como variável independente e a formação bruta de capital
como variável dependente, pode-se formular um modelo econométrico de
relação linear baseado no método dos mínimos quadrados. Este modelo
teria a seguinte forma:
35. Na tabela com os dados trimestrais em valores correntes disponibilizada eletronicamente pelo
IBGE, os dados referem-se às colunas “consumo do governo” e “formação bruta de capital”, iniciados
no terceiro trimestre de 2005. Os dados estão no apêndice.
114
fbc = a + congov b (1)
116
Gráfico 4
Brasil. Recolhimentos obrigatórios de instituições financeiras junto
ao Banco Central. 2007-2014. Saldo total em milhões de reais correntes.
466000
416000
366000
316000
266000
216000
166000
116000
ago/11
jan/07
jan/12
dez/09
dez/14
mar/11
set/13
set/08
jun/07
nov/07
mai/10
out/10
nov/12
jun/12
abr/08
fev/09
abr/13
fev/14
jul/09
jul/14
Fonte: Banco Central.
Gráfico 5
Brasil. Taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC),
porcentagem ao mês.
1,3
1,2
1,1
1,0
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
2007.06
2009.02
2010.10
2007.01
2007.11
2008.04
2008.09
2009.07
2009.12
2010.05
2011.03
2011.08
2012.01
2012.06
2012.11
2013.04
2013.09
2014.02
2014.07
2014.12
118
O impacto da elevação dos juros em 2013 foi significativo na dívida
de curto prazo (dois anos, principalmente detida por bancos). Se compa-
rarmos numa figura as despesas totais do governo central com as despesas
em juros pagos pelo governo, ver-se-á a extrema condição de financeiriza-
ção à qual chegou o governo no fim de seu primeiro período. Veja-se a
figura abaixo. 37 Enquanto o pagamento de juros tende à queda absoluta
até setembro de 2012, as despesas elevam-se e a relação juros/despesa
despencam, chegando a um nível mínimo de aproximados 7% em setem-
bro de 2012.
Gráfico 6
Resultados do Governo Central. Despesas totais, juros nominais e ju-
ros nominais divididos por despesas totais do governo central (eixo direi-
to). 2011-2014.
120000 0,45
0,4
100000
0,35
80000 0,3
0,25
60000
0,2
40000 0,15
0,1
20000
0,05
0 0
jan/11
jan/12
jan/13
jan/14
mar/11
set/11
mar/12
set/12
mar/13
set/13
mar/14
set/14
nov/11
nov/12
nov/13
nov/14
mai/11
mai/12
mai/13
mai/14
jul/11
jul/12
jul/13
jul/14
37. Tabela 1.1. das Tabelas “Séries Históricas” da Secretaria do Tesouro Nacional.
119
5.4. Interpretação
38. Em 31 de Dezembro de 2015, o Tesouro Nacional tinha depositado em sua conta única no Banco
Central nada menos que um trilhão e trinta e seis bilhões de reais, que apareciam no Balancete do
Banco Central discriminados como “Obrigações do Banco Central, Passivos em Moeda Local” (ver
Banco Central, Demonstrações Financeiras 2015e, p.1). Tais resultados são originados dos superávits
fiscais do Tesouro. O resultado primário do governo central de 2015 somou negativos 114 bilhões, e o
de 2014 positivos cinquenta e nove bilhões. Para ter-se uma ideia do volume relativo destes recursos na
Conta Única, em dezembro de 2014 o estoque total da dívida pública era de dois trilhões e duzentos e
noventa e cinco bilhões de reais (Tesouro Nacional, Relatório Mensal da Dívida Pública, Dezembro de
2014). Não há na lei de Responsabilidade Fiscal (2000) menções à operacionalidade de um eventual
uso de tais recursos. A economista Denise Gentil defendeu, em exposição na Universidade Federal do
ABC em 2016, o uso de tais recursos da Conta Única para uma política monetária mais ativa e inde-
pendente dos financiadores privados da dívida pública, atribuindo à ausência desta política o fracasso
da tentativa de manter os juros baixos em 2013. Esta explicação, se correta, não contradiz os argumen-
tos aqui perfilados.
122
Isto pode ser demonstrado pela observação do perfil dos leilões fei-
tos pelo Tesouro Nacional. Em 2011 e 2012, o governo conseguiu realizar
a venda de 50% de seus títulos no mercado. Mesmo quando o SELIC
voltou a subir em 2013, o governo conseguiu colocar apenas 48% das
ofertas. Esta porcentagem elevou-se a 54% em 2014. 39 O volume de en-
trada de investimentos em carteira, que caíra de 18,5 para 16,5 bilhões de
dólares entre 2011 e 2012, elevou-se a 34,7 bilhões em 2013. Por sua vez,
como parte dos recolhimentos compulsórios também era remunerada no
Bacen –caso dos encaixes de poupança e recursos a prazo, remunerados
respectivamente pela Taxa Referencial (TR) mais 3% ao ano e SELIC–, o
novo aumento dos recolhimentos compulsórios também atendeu aos
interesses dos bancos por mais colocações líquidas num ambiente de que-
da do endividamento geral na economia, particularmente famílias. De fato,
o endividamento das famílias como proporção da renda dos últimos doze
meses (excetuando crédito habitacional), chegou a um pico de 31% em
julho de 2012, passando a declinar depois (ver anexo).
5.5. Conclusão
124
6. O desempenho da economia
6.1. Introdução
40. “Desindustrialização: novas evidências, velhas dúvidas”. Regis Bonelli, Samuel Pessoa e Silvia
Mattos. Abril de 2012.
41. O que é errado. Em termos mais abrangentes, os dados do Banco Mundial (ver anexo) ilustram a
participação da indústria (transformação + extrativa) em termos do produto interno bruto de algumas
das principais economias do mundo, incluindo-se a brasileira. Note-se que a participação é mais alta do
que a brasileira na China, Alemanha, Coreia do Sul e Japão; veja-se também que, para os três primeiros,
ela tem sido estável ou mesmo crescente. Este é o mesmo caso da República Tcheca, Noruega e
Vietnã, dentre outros, segundo os dados agrupados pelo Banco Mundial. Para o caso brasileiro, note-se
a queda particularmente rápida pela qual passou o país no início dos anos 1990; vê-se o aumento da
participação da indústria ao longo dos anos 2000 e sua posterior queda. Para além do câmbio, vários
fatores explicam o desempenho da indústria no PIB: treinamento da força de trabalho, disciplina e
moderação de ganhos; disposição corporativa a acumular capital fixo e competir internacionalmente;
inovação tecnológica; políticas de “copia e faz”; restrições quantitativas; câmbio favorável. Não há
exatamente uma teoria suficiente para descrever todo o movimento acumulativo industrial em escala
global. De qualquer forma, como mostram os dados, certamente a queda da participação da indústria
no PIB não é uma fatalidade universal. Os dados estão disponíveis em <http://data.worldbank.org/>,
“Indicators”, “Industry”.
126
diferencial de custos internacionais, a concluir que “tomados pelo valor de
face, os resultados apontam para a necessidade de reduzir o peso da indús-
tria de transformação na economia brasileira. [...] Além de possivelmente
inevitável, a desindustrialização seria desejável” (2013, p.328). A produção
industrial no Brasil seria mais “cara” em termos internacionais (em termos
de algum padrão realista de comparação, à base da taxa de câmbio dada), e
não deveria existir ou deveria concentrar-se nos setores com maiores po-
tenciais (fala-se em “indústria do agronegócio”, por exemplo). Tais conclu-
sões são divididas entre outros autores da obra O futuro da indústria no Brasil
(Edmar Bacha e Monica Baumgarten (orgs.), 2013), em que este artigo foi
publicado.
Por outro lado, a partir de abordagens heterodoxas, o fenômeno da
desindustrialização pode adquirir uma conotação negativa se (1) estiver
ligado a uma perda rápida de empregos; (2) se estiver ocorrendo uma subs-
tituição da produção doméstica viável (técnica e economicamente) pela
internacional; (3) se a balança comercial estiver apresentando um déficit
constante, em termos absolutos ou por uma evolução desfavorável dos
termos de troca. A partir de então, estabelecer-se-ia um conjunto de ações
que esta economia poderia adotar para (1) internalizar parte da produção
importada com (2) ganhos de produtividade que diminuam as perdas im-
plícitas no processo de substituição de importações (isto é, computados os
preços dos bens virtualmente produzidos domesticamente com relação ao
custo aproximado dos importados substituídos). Assim, assume-se, a partir
da observação histórica de outros casos e da abordagem teórica de autores
como Nicholas Kaldor, que a transferência de recursos produtivamente
investidos para outro setor da economia poderia estar sendo um sinal de
um maior entesouramento e especulação com atividades rentistas. Nesse
sentido, nem toda a queda relativa da indústria se dá pela atuação dos pre-
ços relativos.
Oreiro e Feijó (2010) fizeram um balanço da literatura e analisaram os
dados de valor adicionado da indústria no PIB, afirmando estar ocorrendo
um processo de desindustrialização, intensificado, segundo eles, por um
câmbio valorizado e importação que substitui a produção local. Concluem
que: “Os dados a respeito da taxa de crescimento da indústria de trans-
formação apontam para a continuidade da perda de importância relativa da
indústria brasileira nos últimos 15 anos. Por fim, estudos recentes a respei-
to da composição do saldo comercial brasileiro e da composição do valor
adicionado da indústria brasileira mostram sinais inquietantes da ocorrên-
cia de ‘doença holandesa’, ou seja, de desindustrialização causada pela
127
apreciação da taxa real de câmbio que resulta da valorização dos preços das
commodities e dos recursos naturais no mercado internacional” (Oreiro e
Feijó, 2010, p.231).
A FIESP e a CNI também reconhecem as dificuldades que o setor
enfrentou nos últimos anos, inclusive durante o primeiro mandato de
Dilma, particularmente devido a um real valorizado no mercado de câm-
bio. Por motivos óbvios, não podem argumentar em favor da eliminação
da indústria doméstica. Afirmam a CNI e a FIESP, de posse dos dados da
Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física, do IBGE (não abertos à
pesquisa acadêmica), que o rendimento médio em reais dos trabalhadores
na indústria brasileira esteve acima da produtividade durante todo o perío-
do 2005-2015, e acima dos rendimentos internacionais, em geral. Alguns
autores, inclusive no campo heterodoxo, têm acompanhado tal argumento
em favor de uma moderação do nível salarial setorial, dada a discrepância
entre os salários na indústria e o resto da economia (como o próprio acima
citado Oreiro).42
Em nota econômica de janeiro de 2015, a CNI afirmava sobre o pe-
ríodo 2002-2012: “De 2002 a 2012, três fatores –salário, câmbio e produti-
vidade– contribuíram negativamente para a competitividade brasileira.
Entre os 12 países considerados, o Brasil registra o menor crescimento da
produtividade do trabalho, a maior apreciação cambial real e o segundo
maior aumento do salário médio real” (CNI, 2015, p.2).
Na teoria do valor marxista ou alguma de suas reinterpretações mo-
dernas (Michał Kalecki, Joan Robinson, Oskar Lange), a produtividade do
trabalho refere-se à economia de trabalho humano (em homens-hora) na
fabricação de determinada mercadoria (final ou bem de capital). Se a fabri-
cação de uma unidade de mercadoria é feita com menor tempo de traba-
lho, com auxílio de melhores maquinários e técnicas, o valor monetário
medido das horas de trabalho contidas em cada mercadoria tende a cair. Se
isto é repassado ou não ao consumidor, depende da estrutura de oferta, ou
“grau de oligopólio”, nos termos de Kalecki. Para muitas mercadorias
feitas sob condições de alta relação capital-produto este mecanismo é dire-
to, como por exemplo na indústria de bebidas; já a indústria de aeronaves
ou de maquinário pesado requer uma participação maior do trabalho na
montagem do bem a ser fabricado. Não há uma composição uniforme de
42. Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE de dezembro de 2015, o salário médio na
indústria de transformação somava 2.373 reais mensais em dezembro de 2014; na construção, 2.136
reais; no comércio, 1.889 reais; alojamento, transporte, limpeza urbana, 2.101 reais. Como veremos à
frente, porém, a receita líquida por unidade de emprego é na indústria muito maior que nos serviços.
128
relação capital/trabalho nas diversas linhas de produção, dificultando a
existência de uma taxa de retorno mais ou menos igual por volume de
capital investido.
Nos países que produzem muitos bens de capital, a queda do valor
unitário de cada mercadoria é compensada, assim, pela produção de um
fluxo constante de mercadorias, particularmente de bens de capital, que
mantém a produção industrial constante ou crescente em termos de PIB.
É esse fluxo que compensa o aumento da relação capital/produto pela
atuação dos preços relativos, diminuindo-se então, para a economia como
um todo, a relação capital/trabalho; é desta perda da capacidade de produ-
ção doméstica de bens de capital que se fala quando se menciona os males
da desindustrialização, aspecto ignorado pelos economistas liberais. Quan-
do uma parte importante da cadeia da produção industrial é mais ou me-
nos internalizada e/ou o país é grande exportador industrial, a produção de
bens de capital torna-se parte importante da produção doméstica. Por isto
a participação da indústria mantém-se nestes casos e a elevação da produ-
tividade nos setores produtivos não implicaria, necessariamente, na elimi-
nação total do fator trabalho.
Todavia, se os preços de fato cairão e os salários reais subirão, isto de-
pende do “grau de monopólio” das firmas. Se a indústria está numa posição
oligopólica, tais ganhos de produtividade não serão repassados tão livremen-
te, com o custo “lucro” ganhando uma proporção maior no valor total, e
consequentemente impedindo uma queda mais sustentada da indústria
quanto ao PIB. Com ganhos de produtividade, a indústria estará produzindo
mais valores físicos a preços unitários cadentes; mas ela pode ou não repas-
sá-los aos consumidores, de acordo com alguma política definida de pre-
ços.43 De forma geral, em mercados com alta concorrência, isto tende em
alguma medida a ocorrer, explicando-se em parte porque a participação da
indústria no PIB pode cair, em termos de valor agregado.
Já em situações de baixa concorrência e de permanência de preços
com viés altista (como no Brasil), o fato de que a participação dos setores
produtivos caiu é um indício de intensidade da queda de produção e em-
prego que o setor industrial está presenciando, no sentido de produzir,
simplesmente, uma menor quantidade, em termos físicos, de mercadorias,
com menor número de empregados (seja qual fora a relação capi-
43. “In an industrial economy, with given productive capacity, firms set their prices in a such a way as
to cover costs of production at a standard level of utilization and yield the flow of net profit that, in the
light of competitive conditions, is the most that they think it prudent to go for” (Robinson 1980,
p.199).
129
tal/produto). Se o setor industrial local está exposto a uma concorrência
internacional de produtores mais eficientes, e intensificada por um câmbio
valorizado, o caráter oligopolizado não será suficiente para manter posi-
ções industriais, num sistema de comércio mais ou menos livre. (A indús-
tria extrativa do minério de ferro e outros minerais abundantes no país,
naturalmente, não está sob o efeito mencionado; a queda de sua produção
se dá particularmente mediante a queda da demanda.) Já os serviços não
sofrem concorrência intensa em nível internacional, e por isto também
seus preços são pegajosos, num sentido ascendente, bem como sua parti-
cipação no PIB tende a elevar-se.
De forma geral, então, a participação da indústria e setores produtivos
no PIB dependerá de um comportamento inter-relacionado das seguintes
diferentes variáveis: o comportamento dos preços relativos; o aumento da
produtividade (produto físico/unidade de emprego); o desempenho do
comércio exterior e a propensão a importar da economia; a produção do-
méstica de bens de capital. A partir destas considerações, pode-se passar a
uma análise do desempenho da economia tendo-se como preocupação a
investigação não só dos fatores que levaram à queda do crescimento no
período, mas sim do tipo de crescimento que estava ocorrendo, particu-
larmente no que se refere ao desempenho do que chamamos de setores
produtivos.
131
Gráfico 1
Brasil. Taxas de utilização de capacidade instalada (%) em diver-
sos setores. 1970-2015.
97
92
87
82
77
72
67
62
57
52
47
3° Trim.1971
2° Trim.1975
4° Trim.1996
3° Trim.2000
2° Trim.2004
2° Trim.1970
4° Trim.1972
1° Trim.1974
3° Trim.1976
1° Trim.1978
2° Trim.1979
3° Trim.1980
4° Trim.1981
1° Trim.1983
2° Trim.1984
3° Trim.1985
4° Trim.1986
1° Trim.1988
2° Trim.1989
3° Trim.1990
4° Trim.1991
1° Trim.1993
2° Trim.1994
3° Trim.1995
1° Trim.1998
2° Trim.1999
4° Trim.2001
1° Trim.2003
3° Trim.2005
4° Trim.2006
1° Trim.2008
2° Trim.2009
3° Trim.2010
4° Trim.2011
1° Trim.2013
2° Trim.2014
3° Trim.2015
Geral Bens de consumo Bens de capital
132
Gráfico 2
Brasil. Taxas de utilização de capacidade instalada (%) em diversos
setores. 2011-2015.
95
90
85
80
75
70
65
Justamente, pode-se notar (ver gráfico no anexo) que a esta expansão dos
investimentos foi se dando uma queda da participação relativa dos excedentes
operacionais em termos do PIB, e um crescimento dos salários como um
todo, traduzindo-se em queda nominal da taxa de desemprego. Ou seja, um
perfil ascendente dos investimentos que vai, ao mesmo tempo, criando condi-
ções para que ele posteriormente decline, seja mediante um aumento da parti-
cipação dos salários na renda nacional, seja criando capacidade excedente a
deprimir a taxa de retorno. Assim, observando-se no longo prazo o compor-
tamento da economia brasileira, percebe-se o esgotamento de um perfil periódi-
co de expansão/retração, em meados do primeiro mandato de Dilma Rous-
seff, cuja trajetória parece atender a um polinômio de quarto grau. No que
toca particularmente ao período 2011-2014, a figura abaixo deixa ver as taxas
de utilização de capacidade instalada na indústria. Note-se como passam a cair
de forma nítida no fim do ano de 2014, momento de reeleição de Dilma.
Certamente este foi um “componente político” a adicionar-se e intensificar a
viragem cíclica estrutural.
133
Vê-se que até o quarto trimestre de 2013 as margens de utilização fo-
ram estáveis para todos os setores. Percebe-se depois uma queda pronun-
ciada da utilização em bens de capital e bens de consumo, setores nos
quais as importações brasileiras são sensíveis (ver seção abaixo). A produ-
ção de minerais não-metálicos e construção obtiveram diminuições menos
severas. Pode-se inferir que os efeitos da diminuição do setor industrial
com relação ao PIB foram intensos pelo fato de que o setor de bens de
capital mostrou uma perseverante diminuição em suas margens de capaci-
dade instalada, bem como de bens de consumo e mecânica. Tal como se
vê no gráfico, a própria baixa utilização de capacidade instalada nos setores
de bens de capital – a mais baixa entre todas – é um indicativo da magni-
tude da viragem do desempenho da indústria, já que a produção de bens
de capital é, em si mesma, o principal denotativo da capacidade industrial.
44. A plotagem dos valores correntes de PIB explicado em termos dos estoques não dá qualquer
relação definida, seja linear, seja exponencial, ou qualquer outra, com um baixo coeficiente de determi-
nação em termos de uma relação linear (R2 = 17%).
134
Gráfico 3
Brasil. Componentes da demanda agregada. 2007-2015. Em milhões
de reais correntes. Consumo no eixo direito.
350.000 1.000.000
300.000 800.000
250.000 600.000
200.000 400.000
150.000 200.000
100.000 0
50.000 -200.000
135
Tabela 1
Brasil. Componentes da formação bruta de capital fixo (total =1). Cal-
culado pelo autor a partir de valores correntes. 2010-2013.
45. Este critério poderia ser ainda mais rigoroso. Que parcela da taxa de formação bruta de capital
refere-se à produção de bens de luxo? De bens não essenciais? De armas? Que parcela da taxa de
136
O gráfico na sequência mostra a evolução setorial do PIB do Brasil
desde 1995, calculados a partir de preços correntes.46
Gráfico 4
Brasil. Componentes da demanda agregada como proporção do
PIB (calculado a partir de reais correntes). 1995-2015 (segundo trimestre).
0,25 0,70
0,20 0,68
0,15 0,66
0,10 0,64
0,62
0,05 0,60
0,00 0,58
-0,05 0,56
-0,10 0,54
1995
1996.IV
1997.IV
1998.IV
1999.IV
2000.IV
2001.IV
2002.IV
2003.IV
2004.IV
2005.IV
2006.IV
2007.IV
2008.IV
2009.IV
2010.IV
2011.IV
2012.IV
2013.IV
2014.IV
Consumo do governo Formação bruta de capital
Variação de estoques Exportação
Importação Consumo das famílias
Fonte: Contas Trimestrais – IBGE. Observação: consumo no eixo direto.
investimentos não se referia à produção de bens que, uma vez usados, serviriam para aumentar a
produtividade média da economia? Utilizando-se tal critério, perceber-se-ia que uma parte ainda mais
relevante do processo de investimento só o era no nome, sendo na verdade amontoamento improdu-
tivo do excedente gerado principalmente nos setores agrícola e de extração mineral. Apenas numa
economia socialista, porém, os investimentos podem ser contabilizados a partir destes critérios.
46. Os dados foram obtidos no endereço oficial do IBGE, campo “Sistema de Contas Nacionais
Trimestrais”. A justificativa para o uso de preços correntes reside no fato de que eles são os preços
pelos quais as mercadorias foram efetivamente realizadas (vendidas) por todos os setores.
137
vos até o início de 2011. Isto significava que a economia como um todo
durante o governo Lula estava a realizar um maior esforço relativo de inves-
timento, comprimindo o consumo em termos relativos, desmistificando o
período como marcado pelo aumento relativo do consumo; pelo menos até
2010, este se manteve bastante estável (em termos relativos).
Como dito, este movimento foi auxiliado pela exportação de recursos
naturais que o país não precisou produzir, mas sim apenas extrair. O con-
sumo do governo foi estável durante todo o período, incluindo o referente
ao governo Dilma: aproximados 20% do PIB. Ao aumento do consumo
depois de 2010 contrapõe-se a diminuição dos estoques, cujas oscilações
próximas a zero denotam comportamento just in time, com baixa estoca-
gem. Depois de 2011, porém, houve um claro aumento relativo do consu-
mo das famílias, já que as taxas de investimento e de exportações iniciaram
queda. Desde 2011, portanto, para um PIB que decrescia pelo lado das
exportações e investimentos, o consumo das famílias cresceu em termos
relativos, demonstrando menor elasticidade.
No que toca ao consumo agregado, a hipótese de que o período das
administrações petistas (2003-2016) foi acompanhado por uma melhoria
redistributiva parece confirmado por uma análise de regressão simples.
Lançando mão do conhecido modelo linear da função consumo, isto é, o
consumo das famílias explicado pelo comportamento do produto, tem-se
que a partir da segunda metade dos anos 2000, no qual se inclui a adminis-
tração de Rousseff, houve um aumento da propensão a consumir média
na economia.
Tenha-se o modelo:
con = a + pib b (1)
139
relativa ao PIB desde meados de 2004. 47 Por fim, a indústria de transforma-
ção apresentou aumento de sua participação relativa desde meados de 1999
até 2005. Este foi justamente o interlúdio no qual o real passou por desvalo-
rização progressiva, em termos reais, desvalorização que chegaria ao seu
cume em fins de 2002. Note-se, e isto é crucial em termos da argumentação
que buscamos aqui delinear, que este aumento da participação da indústria
de transformação em termos do PIB deu-se neste período de desvalorização
do real. O valor da indústria em termos do PIB atingiria o pico de 16% em
2004, momento a partir do qual o setor passou a cair de forma bastante
nítida, em paralelo, como se vê no anexo, a uma revalorização do real no
mercado cambial que iniciada em 2003. Por fim, após uma tendência, entre
1995 e 2004, de ascensão de 5 a 7% do PIB, o setor agropecuário oscilou
sempre em torno de 4 e 5% em termos de valor agregado na economia
nacional, a partir de então.
47. Há anos especialistas como Luiz Pinguelli Rosa e Ildo Sauer vêm denunciando o funcionamento
deficiente do sistema elétrico e a enorme perda para as empresas públicas geradoras de energia vinda
da operação efetiva do sistema. Há muitas críticas (ver Sauer 2011 e Sauer, Rosa et alii 2003). O país
tem usado continuamente termelétricas, mais caras e poluentes, com a construção de usinas
hidrelétricas e eólicas abaixo da necessária. As reposições de materiais necessárias para a modernização
não têm sido feitas. Os contratos com enormes taxas de retorno aos produtores ou transmissores
privados, da era Cardoso, não foram revistos nem no governo Dilma, nem no governo Lula. Eles
operam com relativa facilidade sobre a administração do sistema, impedindo um controle social. Há
uma diluição dos operadores do sistema, que causa uma anarquia em sua regulação (ANEEL, ONS,
Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico etc.). Mas a questão relativa aos subsídios reside no fato
de que as geradoras públicas (Furnas, São Francisco, Eletrosul, Cemig, Eletronorte) têm vendido
energia barata para os grandes “consumidores livres” (algo como mil e quinhentas grandes empresas
não-cativas, com 25% aproximadamente do consumo) abaixo do custo necessário para valorizar o
capital (público) investido ao longo dos anos anteriores. O fornecimento de energia abaixo do custo
total médio de 100 reais por MWh pelas empresas públicas onera-as e esteve na base das diminuições
tarifárias do governo Dilma, que, segundo eles, não reduziram o custo da energia, mas sim apenas
internalizaram as perdas. Enquanto isto, 2,5 milhões de indivíduos no país não possuem energia elétrica
em suas residências. O mercado cativo, os consumidores individuais, têm uma tarifa alta na qual se
embutem constantemente as perdas ocasionadas por má gestão, particularmente quando o sistema é
paralisado momentaneamente e as usinas “reserva” mais caras têm de ser contratadas. “Se o governo
tivesse cumprido sua obrigação — reformar o setor elétrico, recuperar o controle social sobre a
qualidade e os preços da energia, fazer inventário dos potenciais hidráulicos, eólicos, de cogeração com
bagaço de cana, de conservação de energia, para expandir a oferta futura, fazer os estudos sociais e
ambientais, ranqueá- los, escolher na ordem os que têm mais atributos favoráveis nem Santo Antônio e
Jirau, nem Belo Monte seriam necessários agora” (Sauer, 2011, p.10).
140
Gráfico 5
Brasil. Setores econômicos. Valor adicionado setorial/PIB (calculado
a partir de valores correntes). 1995-2014.
0,20 0,7
0,6
0,15 0,5
0,4
0,10
0,3
0,05 0,2
0,1
0,00 0
49. Os dados para cada um dos setores específicos podem ser obtidos em:
<http://www.sidra.ibge.gov.br/>, itens “Indústria” e “Serviços”. O ano de 2013 é o último disponível
da série.
142
Gráfico 6
Brasil. Receita líquida por unidade de emprego para indústria de ex-
tração, indústria de transformação e serviços. 2007-2013. A partir de reais
correntes. Serviços no eixo direito.
650 12
600
10
550
500
8
450
400 6
350
4
300
250
2
200
150 0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: PIA-IBGE. Nota: para serviços, “Receita operacional líquida”; para indús-
tria de extração e transformação, “Receita líquida”.
143
emprego na indústria de transformação também foi crescente de 2007 a
2013, porém mais estável.
De um ponto de vista dos setores agregados, os dados sugeririam
que, de forma geral, houve um aumento da produtividade do trabalho em
quase todos os setores. De fato, como sempre enfatizou Joan Robinson,
não é possível que o processo de acumulação se amplie sem que se dê um
progresso da técnica ao longo do tempo. A evidência empírica sugere que
a produtividade do trabalho se elevou no período, paralelamente a um
aumento dos próprios salários.
Somando-se a esta aparente elevação da produtividade por unidade
de emprego, a baratear a produção física sempre que as condições de es-
trutura de concorrência assim permitam, há o fato de que a variação de
preços do valor adicionado para os produtos industrializados foi uma das
menores registradas entre 2010 e 2013 (não há dados para 2014). Somou
apenas 9,6% para a indústria de transformação como um todo, ao passo
que para o setor de serviços somou 27%, e 32% especificamente para o
comércio, com 28% para saúde, educação e administração pública (IBGE
2015, tabela 12).
Tabela 2
Brasil. Variação de preços do valor adicionado bruto a preços básicos,
segundo os grupos de atividades - 2011-2013.
144
teoricamente no segundo capítulo, para além daquelas já colocadas por
uma política fiscal não muito expansiva. Uma economia com baixo capital
industrial instalado, baseada preponderantemente na expansão com
“economia de capital” – isto é, com ênfase em força de trabalho aplicada
nos serviços – é, assim, inerentemente inflacionária.
6.3.4. Expectativas
Gráfico 7
Brasil. Expectativas de mercado. Expectativas para o PIB anual no
momento da pesquisa. Média. As setas indicam a taxa de crescimento real
para o ano.
9,00
8,00
7,00
6,00
5,00
4,00
3,00
2,00
1,00
0,00
-1,00
-2,00
23/03/2009
26/05/2010
25/07/2011
21/09/2012
22/11/2013
02/01/2003
05/08/2003
09/03/2004
06/10/2004
14/05/2004
15/12/2004
19/07/2005
13/04/2006
16/11/2006
20/06/2007
21/01/2008
21/08/2008
22/10/2009
24/12/2010
23/02/2012
26/04/2013
27/06/2014
6.4. Ocupação
Gráfico 8
Brasil. Evolução do saldo de emprego por setor de atividade eco-
nômica. Estoque (admissões – demissões). 2002-2015. Em milhares de
trabalhadores.
1200
1000
800
600
400
200
-200
-400
-600
-800
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Comércio Serviços Construção Civil
Administração Pública Agricultura Indústria
148
O gráfico na sequência mostra o crescimento da economia no pe-
ríodo pela ótica da alocação da força de trabalho setorial, em milhares de
trabalhadores, nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Hori-
zonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Trata-se da estimação de
trabalho nas regiões metropolitanas da Pesquisa Mensal de Emprego do
IBGE, feita por amostras, e que abarca inclusive trabalho informal. 50
Podem-se notar as seguintes características nos movimentos aloca-
tivos da força de trabalho para as principais regiões metropolitanas, segun-
do a pesquisa. No início da década de 2000, os “outros serviços mais ou-
tras atividades”51 e a indústria de transformação empregavam aproxima-
damente o mesmo número de trabalhadores, aproximadamente três mi-
lhões de pessoas cada. A evolução destes dois setores foi semelhante até
aproximadamente 2008. A partir daí, o número de trabalhadores na indús-
tria de transformação estagnou, enquanto os outros serviços continuaram
evoluindo positivamente. “Comércio, reparação de veículos e de objetos
pessoais” mostrou um crescimento estável, ocupando a maioria dos traba-
lhadores, estando junto com “outros serviços” no fim da série. O grupo
de indivíduos ocupado na rubrica de “intermediação financeira e atividades
imobiliárias” situava-se acima apenas de “domésticos” e “construção” em
2002. Houve um crescimento desta rubrica bastante rápido no período,
atingindo um pico em 2014, que ultrapassa a indústria e iguala a adminis-
tração pública.
Esta última também passou por um grande crescimento ao longo dos
anos 2000, ultrapassando também a indústria a partir de 2012. A constru-
ção civil apresentou um crescimento estável, mas firme de 2004 a 2012,
passando a cair a partir de então. Os trabalhadores domésticos, em geral
mulheres, parecem ter atingido um pico em 2007, decaindo de forma no-
tável a partir de 2014. Provavelmente, houve muitas trocas deste tipo de
trabalho por outros com maior segurança laboral. Nota-se, porém, que o
declínio da série é interrompido em 2013, e que o número destes trabalha-
dores(as) passou a elevar-se novamente desde então, em contraposição aos
contratados nas indústrias das regiões metropolitanas. Denotando-se assim
o esgotamento da absorção de mão de obra nos outros setores e um reflu-
xo ao trabalho doméstico, caracteristicamente alimentado por aqueles em
50. As séries foram obtidas endereço do IBGE “Banco de dados agregados – Sistema de Recuperação
Automática – SIDRA”, no campo “Emprego”.
51. Segundo a definição da pesquisa mensal de emprego: alojamento e alimentação, transporte, arma-
zenagem e comunicações, limpeza urbana, atividades associativas, recreativas, culturais e desportivas,
serviços pessoais mais atividades não enquadradas nos outros grupos.
149
condições econômicas mais difíceis, a aceitarem informalização e salários
mais baixos.
Gráfico 9
Brasil. Pessoas de mais de dez anos de idade, ocupadas na sema-
na de referência. Por setor de atividade econômica. Em mil pessoas.
5000
4500
4000
3500
3000
2500
2000
1500
1000
jan/03
dez/05
jan/08
dez/10
jan/13
dez/15
jul/15
nov/03
jul/05
mai/06
nov/08
jul/10
mai/11
nov/13
ago/02
abr/04
ago/07
ago/12
set/04
fev/05
abr/09
abr/14
set/14
fev/15
mar/02
jun/03
out/06
mar/07
jun/08
set/09
fev/10
out/11
mar/12
jun/13
Indústria extrativa e de transformação
Construção
Comércio, reparação de veículos e de objetos pessoais e domésticos
Administração pública, defesa, seguridade social
Intermediação financeira e atividades imobiliárias
Serviços domésticos
Outros serviços mais outras atividades
52 Quanto à metodologia, a PIA refere-se a estabelecimentos que: estão em situação ativa no Cadastro
Central de Empresas - CEMPRE, do IBGE, que cobre as entidades com registro no Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ e constantes da Relação Anual de Informações Sociais - RAIS, do
Ministério do Trabalho e Emprego; têm atividade principal compreendida nas seções C Indústrias
Extrativas e D Indústrias de Transformação, da Classificação Nacional de Atividades Econômicas -
CNAE; estão sediadas em qualquer parte do Território Nacional; têm cinco ou mais pessoas ocupadas.
A PAS adota a seguinte metodologia: a empresa 1) tem que estar em situação ativa no Cadastro Central
150
Os resultados da PIA e PAS trazem informações complementares às in-
formações anteriores. Seus âmbitos de abrangência setorial são maiores,
ainda que apenas referentes ao trabalho formal. Até o presente momento,
não estavam disponíveis dados para o ano de 2014, não se notando a que-
da absoluta dos contratados a partir de então.
Gráfico 10
Brasil. Pessoal ocupado em 31/12 na indústria extrativa, de transfor-
mação e nos serviços. 2007-2013. Em número de trabalhadores. Extração
mineral no eixo direito.
30000025 250000
25000025 200000
20000025
150000
15000025
100000
10000025
5000025 50000
25 0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Serviços
Indústria de transformação
Indústria da extração mineral
Fonte: PIA e PAS – IBGE. Disponível em <http://www.sidra.ibge.gov.br/>.
de Empresas - Cempre, do IBGE, que cobre as entidades com registro no Cadastro Nacional da
Pessoa Jurídica - CNPJ; 2) deve ter atividade principal compreendida nos segmentos da CNAE 2.0,
apresentados no Quadro 1; 3) deve estar sujeita ao regime jurídico das entidades empresariais,
excluindo-se, portanto, órgãos da administração pública direta e instituições privadas sem fins lucrativos;
e 4) deve estar sediada no Território Nacional e, em particular, para as Unidades da Federação da
Região Norte (Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Tocantins), são consideradas
apenas aquelas que estão sediadas nos Municípios das Capitais, com exceção do Pará, onde são
consideradas aquelas que estão sediadas nos municípios da Região Metropolitana de Belém (Belém,
Ananindeua, Benevides, Marituba e Santa Bárbara do Pará).
151
trezentos mil entre 2013 e 2007. Porém, percebe-se sua evolução mais
lenta entre 2010 e 2013, com o saldo total para os três primeiros anos de
governo Dilma de apenas 289 mil novos trabalhadores, ao passo que nos
serviços o saldo ultrapassou um milhão. A indústria extrativa contratou
formalmente entre 2007 e 2013 setenta e seis mil novos trabalhadores, e
entre 2013 e 2011 apenas vinte e um mil, estando em situação similar de
baixo crescimento.
A tabela na sequência desagrega as taxas de variação do emprego seto-
rial no Brasil entre os três principais setores da economia, com dados da PIA
e PAS, em termos de empregabilidade (serviços, indústria de transformação
e de extração), para os períodos de 2013-2007 e 2013-2011.
Nota-se que a evolução do emprego na indústria de extração foi a
maior entre 2007 e 2013, embora em termos absolutos ela seja a que me-
nos emprega. Este crescimento esteve em linha com o desempenho do
setor exportador de recursos minerais e do crescimento da extração de gás
e petróleo, particularmente pela Petrobras (que, deve-se observar, terceiri-
zou parte de seus funcionários, assim como outros entes e órgãos públi-
cos). 53 Os serviços absorveram quase na mesma taxa que a extração mine-
ral, mas numa quantidade numérica muito superior, atingindo quase trinta
milhões de empregados em 2013. Destaca-se nesta expansão principal-
mente o número de empregos nas atividades imobiliárias (puramente im-
produtivos, segundo nossas premissas). Transportes e serviços prestados
às famílias também contrataram acima da média do setor de serviços.
Por sua vez, a taxa de variação de contratação de trabalhadores média
na indústria de transformação neste período (2007 a 2013) esteve abaixo
das outras duas acima mencionadas. É interessante destacar que a indústria
de alimentos e bebidas, bem como a produção de equipamentos de trans-
porte, e manutenção, foram as que mais se expandiram dentro do setor,
em termos de empregabilidade. Isto mostra como o crescimento visto no
período foi acompanhado de um melhor perfil distributivo, relacionando-
se também com os setores da indústria menos expostos à concorrência
externa, seja pela sua dimensão local, seja por dificuldades logísticas, como
é o caso da indústria de alimentos. Setores que particularmente não tive-
ram bom desempenho foram os de fumo, têxteis, artefatos de couro, pro-
dutos de madeira e equipamentos de informática; justamente, os mais “ex-
portáveis”.
53. “A Petrobras é a empresa que mais utiliza a terceirização de serviços no Brasil. No governo de
Fernando Henrique, eram 120 mil funcionários terceirizados. Nos dois governos Lula, este número
subiu para 200 mil e chegou a 360 mil na gestão Dilma” (Godeiro, 2015, p.7).
152
Tabela 3
Brasil. Variação do emprego por setor (pessoal ocupado em 31/12 no
ano final/pessoal ocupado em 31/12 no ano inicial). Indústria extrativa,
indústria de transformação e Serviços. 2013-2011.
153
[Continuação]
Serviços 1,09 1,50
Serviços prestados às famílias 1,12 1,55
Serviços de informação e comunicação 1,08 1,45
Serviços profissionais, administrativos e complementares 1,08 1,53
Transportes, serviços auxiliares aos transportes e correios 1,09 1,45
Atividades imobiliárias 1,14 1,68
Serviços de manutenção e reparação 1,12 1,42
Outras atividades de serviços 1,03 1,29
154
mação, se evitaram mais demissões, não conseguiram evitar que o setor da
indústria de transformação como um todo tivesse um desempenho muito
abaixo dos serviços, do ponto de vista do número de trabalhadores contra-
tados. Por outro lado, vários setores apresentaram uma variação positiva
de contratações, mas de forma insuficiente para fazer o número total do
emprego produtivo acompanhar o emprego nos serviços.
No fim do ciclo de crescimento pelo qual passava a economia brasi-
leira, em 2012, 19,1% do total de empregados na economia não possuía
carteira assinada, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
do IBGE (PNAD). Os empregados e trabalhadores domésticos totais
perfaziam 69% da força de trabalho disponível, sendo estes últimos 6,7%
deste total. Os que trabalhavam por conta própria somavam 20,7% da
força de trabalho total, e os empregadores 3,8%. A classe dos proprietários
continuava a ser minoria absoluta. Ao lado dos trabalhadores assalariados
havia uma ampla fração de trabalhadores “por conta própria”, não remu-
nerados e trabalhando para o próprio consumo, que, somados, chegavam
a 27,1% do total da força de trabalho. Somando-se os trabalhadores sem
carteira mais estes últimos grupos citados, tem-se 46% da força de trabalho
excluída das relações formais de trabalho assalariado.
Tabela 4
Brasil. Pessoas de 15 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de
referência, por Grandes Regiões e sexo, segundo a posição na ocupação e a
categoria do emprego no trabalho principal. 2013.
156
Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN)).54 Com relação a 2009, por
exemplo, dada a população economicamente ativa então registrada (99
milhões) e a taxa de desemprego de então (9%), se computarmos os (altos)
números de mortos por homicídio e presos na taxa de desemprego, ela se
elevaria em mais de 0,5%.
Ainda, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE (IBGE
2015, p.31), os jovens “nem-nem” (que nem estudam, nem trabalham) eram
21% do total de jovens de 15 a 29 anos do país em 2014; o total de jovens
no país perfazia 24% da população total em 2014. Isto gerava um número
aproximado de nove milhões e setecentos mil pessoas em 2014, ou aproxi-
madamente a mesma quantidade de desempregados no ano, segundo o
cálculo oficial. A taxa de desemprego no Brasil, entendida no sentido da
quantidade de pessoas que não contribui economicamente para a produção
material -tendo condições e idade para fazê-lo-, seria então mais do que o
dobro maior que as oficialmente reconhecidas; ela somaria, em 2014, apro-
ximadamente vinte milhões de pessoas. Adicionando-se os já mencionados
desistentes da busca por trabalho, a situação seria ainda pior. Neste sentido a
expressão “pleno emprego” utilizada pela Presidência da República era uma
peça de retórica reconfortante mas inadequada na luta contra os problemas
de uma economia (em suposto) “desenvolvimento”.
Por outro lado, e este é o ponto mais importante, a taxa de acumula-
ção que realmente existiu não foi suficiente para que os salários reais ofere-
cidos ultrapassassem a “desutilidade marginal do trabalho” a ponto de
estes indivíduos ociosos (ou trabalhadores informais, ou trabalhadores por
conta própria) abandonarem suas posições, por um motivo ou outro, para
assumirem trabalhos formais. Isto é: o ciclo de crescimento econômico
brasileiro recente esbarrou numa limitação parcial da oferta da força de
trabalho e não foi forte o suficiente para alterá-la estruturalmente. O que
denota a fraqueza de tal ciclo em engendrar mudanças qualitativas no perfil
formativo da força de trabalho. O crescimento do trabalho formal visto no
período não eliminou a ampla fração de trabalhadores informais e por
contra própria existentes na economia brasileira, que inclusive passou a
crescer depois de 2015.55
54. Dados fornecidos também pela CEPAL mostram que, entre 1995 e 2010, a população no Brasil
cresceu 1,2 vezes; a taxa de encarceramento cresceu 2,75 vezes. Ver Cepal-Stat, “Prison Population
Rate” e “Demographic and Social, Total Population by Sex”.
55. Se a metodologia de cálculo do desemprego levasse em consideração todos os que não estavam
buscando trabalho (população carcerária, trabalhadores domésticos ou simplesmente os que não
buscavam trabalho), e os desempregados “disfarçados” (vendedores ambulantes, atividades ilegais etc.),
a taxa de desemprego seria muito maior do que a oficialmente divulgada. Ela exclui os quase
157
Por fim, como se mencionou, deram-se aumentos reais do salário mí-
nimo. Porém, tal não induziu a um aumento da participação da pesquisa e
desenvolvimento na formação de capital, que se manteve estável em 3%
dela (IBGE, 2015, Tabela 8), denotando-se, como mencionado, a baixa
capacidade de inovação doméstica. Enquanto este perfil de crescimento
durou, o nível de vida da classe trabalhadora foi parcialmente favorecido por:
(i) um crescimento maior da demanda por trabalho, devido ao crescimento
mediante “economia de capital” nos setores de serviços; (ii) um crescimento
da fatia assalariada na renda nacional; (iii) um barateamento relativo do custo
de vida a partir da produção chinesa e do câmbio valorizado; (iv) menor
crescimento demográfico, a diminuir potencialmente o desemprego estrutu-
ral. Destes traços, por sua vez, têm que ser substituídos os efeitos negativos
de médio prazo de um processo de perda da participação da indústria e do
emprego industrial sobre a capacidade de crescimento da economia. Como
provável subproduto da continuada estagnação do setor industrial, onde os
níveis de sindicalização eram historicamente mais altos, deu-se uma estagna-
ção dos já baixos índices de sindicalização, que se mantiveram em torno em
16%, e a troca do sindicato pela Igreja como lugar de socialização da massa
trabalhadora. 56
novecentos mil indivíduos encarcerados e os aproximados sessenta mil mortos por ano homicídios
(ver Cepal-Stat e Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Departamento
Penitenciário Nacional (DEPEN)). Com relação a 2009 por exemplo, dada a população
economicamente ativa (99 milhões) e a taxa de desemprego de então (9%), se computarmos os altos
números de mortos por homicídio e presos na taxa de desemprego, ela se elevaria em mais de 0,5%.
Ainda, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE (IBGE 2015, p.31), os jovens “nem-nem”
(nem estudam, nem trabalham) eram 21% do total de jovens de 15 a 29 anos do país em 2014. O total
de jovens no país perfazia 24% da população total em 2014. Isto gerava um número aproximado de
nove milhões e setecentos mil pessoas em 2014, ou aproximadamente a mesma quantidade de
desempregados, segundo o cálculo oficial. A taxa de desemprego no Brasil, entendida no sentido da
quantidade de pessoas que não contribui economicamente para a produção material tendo condições e
idade para fazê-lo, seria então mais do que o dobro da oficialmente reconhecida; ela somaria
aproximados vinte milhões de pessoas. Adicionando os já mencionados desistentes da busca por
trabalho, a situação seria ainda pior. Neste sentido a expressão “pleno emprego” utilizada pela
Presidência da República era uma peça de retórica reconfortante e inútil na luta contra os problemas de
uma economia (em suposto) “desenvolvimento”.
56. Ver Cepal-Stat, ILO-Stat e Pochmann (2012).
158
6.5. Setor externo
159
Gráfico 11
Brasil. Exportações e importações, e saldo comercial. Em milhões de
dólares. 2003-2015.
30.000.000.000
25.000.000.000
20.000.000.000
15.000.000.000
10.000.000.000
5.000.000.000
0
-5.000.000.000
-10.000.000.000
set/03
set/05
set/07
set/09
set/11
set/13
set/15
jan/07
jan/11
jan/03
jan/05
jan/09
jan/13
jan/15
mai/06
mai/10
mai/12
mai/04
mai/08
mai/14
Importações Exportações Saldo
Gráfico 12
Países selecionados. China, Estados Unidos, Japão e União Euro-
peia. Produto interno bruto (%). 1978-2013.
16,0
14,0
12,0
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
-2,0
-4,0
161
partir de 2011, as importações vão crescendo. Isto corrobora outra de
nossas hipóteses aventadas na introdução.
Mencionamos nas premissas teóricas do trabalho as condições em
que opera um eventual boom numa economia subdesenvolvida, semi-
industrializada e em processo de valorização de sua moeda mediante a
exportação de recursos primários. Tal crescimento tende a traduzir-se do
ponto de vista de seu comércio exterior na dependência de importações de
bens manufaturados. De fato, a dependência da economia brasileira de
importações de manufaturados diminuiu apenas brevemente entre 2001 e
2008, para voltar a seu patamar original depois de 2009 (gráfico 21 do ane-
xo57). Segundo os dados fornecidos pela SECEX, o valor total oscilou em
torno de 80% das compras no exterior. Importa ressaltar que esta queda
relativa da participação dos bens manufaturados na pauta de importações
entre 2003 e 2009 parece corresponder mais ou menos nitidamente ao
aumento temporário da indústria de transformação no PIB, tal como visto
no gráfico acima relativo aos valores adicionados setoriais. Isto ajuda a
corroborar, também, nossa hipótese relativa aos impactos positivos da
indústria sobre o valor físico criado por unidade de emprego.
Do ponto de vista da composição das importações brasileiras no
período, a uma estrutura da renda fortemente concentrada, como a que
caracteriza a brasileira, correlaciona-se uma estrutura de oferta que se en-
caixa no perfil de demanda. Este é particularmente o caso dos automóveis
e seus componentes. Ao mesmo tempo, parte relevante das importações
refere-se a bens que de fato substituem produção local, inclusive os pró-
prios automóveis, dado o estado da técnica já alcançado pela produção
nacional, tal como brinquedos, calçados etc.
A tabela na sequência resume as exportações ao Brasil dos princi-
pais parceiros comerciais brasileiros em 2015. A observação do perfil das
importações brasileiras revela, para além daquelas realmente necessárias ao
desenvolvimento (saúde, consumo básico, transporte público etc.), o se-
guinte padrão: (1) alto predomínio em químicos, máquinas e material de
transporte; (2) predomínio de automóveis e peças de reposição; (3) peque-
no valor relativo em bens de consumo sem função econômica produtiva
(peles, brinquedos, objetos de arte); (4) grande presença de artigos que
poderiam ser produzidos localmente, sob o atual estado médio de conhe-
cimentos técnicos (“estado da arte”), tais como calçados, têxteis, brinque-
Tabela 5
Brasil. Importações por países selecionados, em porcentagem (%).
Obtidos a partir de valores em dólares (FOB). Ano de 2015.
163
vas também em bens químicos e industriais e aparelhos elétricos, mas não
em materiais de transporte.
A tabela permite inferir que parte importante do cômputo de importa-
ções feitas pelo Brasil não é complementária mas sim meramente substituti-
va da produção local. Nota-se que, para além de um câmbio valorizado, a
política de “disciplinar” a precificação dos produtores locais com as impor-
tações, se por um lado auxilia a política inflacionária do governo, por outro
conduziu a uma situação na qual o país importa parte de itens de consumo
ou investimento que poderiam ser produzidos internamente (evitando tam-
bém, obviamente, os custos de transporte e a poluição por este gerado no
caminho). Ao mesmo tempo, a continuidade dos subsídios ao transporte
individual sobre rodas cobra um espaço nas importações que o país realiza,
despejando poder de compra no exterior para manter um sistema de trans-
porte atrasado, energeticamente caro e de maior periculosidade.
Gráfico 13
Brasil. Importações totais. Valores FOB divididos por valores em
peso físico (quilos). Por grandes setores. 1997-2014.
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Manufaturados Básicos
Semi-manufaturados
Fonte: cálculo do autor a partir de dados da SECEX.
Gráfico 14
Brasil. Investimento estrangeiro direto e investimento estrangeiro
em carteira (líquidos). 2000-2014. Em milhões de dólares.
80000
70000
60000
50000
40000
30000
20000
10000
0
-10000
58. Ver “Indicadores econômicos consolidados” do Banco Central, tabela V-21, “Investimentos em
carteira – passivos”, disponível em <www.bacen.gov.br>.
59. Os dados são do Censo de Capitais Estrangeiros do Brasil, anos-base 2010-2013, quadro XII,
disponível em <www.bcb.gov.br> .
167
O Banco Central deixou de adquirir divisas depois de 2013, que
estacionaram em torno de 370 bilhões de dólares. O saldo em transações
correntes foi sendo sustentadamente declinante, por parte dos menores
saldos da balança comercial e dos saldos deficitários em serviços. Dado (1)
o estancamento da entrada de investimentos diretos e investimentos em
carteira, bem como (2) a diminuição dos superávits comerciais e transações
correntes deficitárias, o próprio resultado global do balanço de pagamen-
tos declinou marcadamente ao longo da primeira administração de Dilma.
O valor do dólar inclusive caiu ainda mais até junho de 2011, atingindo o
menor índice desde o Plano Real (1,55 reais por dólar). A partir daí, a taxa
de câmbio iniciou desvalorização, mas tímida. Com pequenos retrocessos,
o valor do dólar em reais alcançaria 2,68 reais no fim do período do pri-
meiro governo Dilma.
Gráfico 15
Brasil. Resultado global do balanço de pagamentos e saldo em
transações correntes. Em milhões de dólares.
50000
40000
30000
20000
10000
0
-10000
-20000
-30000
-40000
168
período 1994-1999, época da chamada “âncora cambial” (ver gráfico ane-
xo). Isto evitava uma perda maior do valor das exportações, contribuía
para a valorização dos salários reais, mas aguçava o aumento das importa-
ções, gastos com turismo no exterior e a pressão sobre a produção local.
Muito se fala do papel das “metas de inflação”, mas a verdade é que duran-
te todo o período o sistema cambial continuou fazendo disfarçadamente as
funções de um regime de “âncora cambial”. A conversão de reais em dóla-
res pelas multinacionais era também facilitada. Por isso, nas condições de
internacionalização neoliberal, o uso com recorrente prejuízo de recursos
do Banco Central para as operações de estabilização cambial (swaps), blin-
dando as posições em dólar das firmas locais, constituía uma das formas
hodiernas de um processo que Furtado uma vez definira como “socializa-
ção dos prejuízos”.
6.6. Interpretação
Tabela 6
Brasil. Participações relativas no PIB de setores selecionados. Em %
calculados a partir de valores correntes. 2011-2014.
2011 2012 2013 2014
Ind. Transformação 11% 11% 10% 9%
Construção 5% 5% 5% 5%
Exportações 10% 12% 12% 10%
Importações 11% 13% 14% 13%
Consumo 61% 61% 61% 63%
Formação bruta de capital 20% 21% 21% 19%
Fonte: IBGE, Contas Trimestrais.
61. Escutei o diretor de um importante banco situado no Brasil defender enfaticamente numa palestra
a urgência de um “novo movimento imigratório”. O que ele queria dizer, de fato, era que o exército
industrial de reserva no país era muito baixo e isso obrigava seu banco a elevar salários.
171
nos dados oficiais, em paralelo a um crescimento do cômputo da remune-
ração dos salários. (Como o índice de Gini caía de forma muito tímida,
este aumento da participação dos salários refere-se, em medida relevante,
aos salários de executivos e outras posições bem remuneradas. De qual-
quer forma, sendo uma dedução dos lucros, o aumento dos salários na
participação da renda nacional foi a contrapartida do crescimento obtido,
situação contrária àquela na qual a queda do crescimento diminui os salá-
rios reais pelo aumento do desemprego.)
Com relação aos mencionados setores cuja participação relativa não
caiu no PIB, o caso da construção civil e sua relação com a energia foi
particularmente importante, pois, como se mencionou, a Petrobras e as
grandes empreiteiras locais foram atingidas em cheio pelas operações con-
juntas do Ministério Público e da Polícia Federal a partir de março de 2014.
Isto agravou a queda do PIB que já vinha sendo desenhada pelos fatores estrutu-
rais acima mencionados. Estavam sendo impactados pela operação em
2014 parte destes 5% do produto interno bruto representados pela cons-
trução; ou, segundo outra ótica, estavam em questão parte dos 12% do
PIB ligados aos setores de energia de petróleo e gás, no qual a Petrobras é
a maior empresa. Segundo a consultoria 4E, em 2015, já no segundo man-
dato de Dilma, “da queda de 14% no investimento, o pior resultado em 20
anos, cerca de 6 pontos são consequência do freio que a Petrobras vem
fazendo em seus projetos desde 2014” (Época, 03/03/16). Como se não
bastasse, esta queda foi intensificada pela própria queda do preço do barril
de petróleo e pela crescente falta d’água no Sudeste no país, também ao
longo de 2014, encarecendo custos na agricultura e produção de forma
geral. De fato, poucas vezes na história econômica brasileira uma quanti-
dade tão numerosa de fatores depressivos estruturais e conjunturais não
ocorria concomitantemente num espaço relativamente tão curto de tempo.
É simplesmente uma tolice imputar apenas às políticas do primeiro gover-
no Dilma a responsabilidade por esta enorme desaceleração progressiva da
economia, que continua até o momento em que este trabalho está sendo
redigido (dezembro de 2016). Isto não significa que a política econômica
adotada tivesse sido a melhor, do ponto de vista da manutenção do em-
prego e renda.
A posse de Dilma dava-se ao sabor da crise europeia e do baixo cres-
cimento estadunidense, bem como da viragem chinesa, todas mais ou
menos dadas conjuntamente. Como passou a proceder o governo? Vimos
que depois da primeira metade de seu primeiro ano de mandato, o Bacen
passou a diminuir os compulsórios, estendendo-se esta política até 2013. O
172
Bacen também continuou com sua política de aquisição de dólares, reten-
do-os em maioria na forma de títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Os
salários mínimos continuaram a ser corrigidos dentro da legislação vigente.
Como vimos, devido à melhoria do perfil da dívida pública e aos ganhos
no mercado de bens corporativos, foi possível baixar a taxa do SELIC, que
iniciou queda desde outubro de 2011, ainda durante o primeiro ano de
governo. O governo lançou o chamado Plano Brasil Maior, para, supos-
tamente, defender a indústria instalada, com desonerações previdenciárias
e tributárias. Foi lançado também o PAC2. Em 2012 lançou-se o Plano
Brasil sem Miséria, com reajuste do Bolsa-Família. Cunhou-se o parcial-
mente falso termo “Nova Matriz Macroeconômica” e esboçaram-se me-
didas de “defesa cambial”, para, oficialmente, proteger a indústria, incluin-
do-se swaps cambiais que frequentemente levaram a perdas ao Banco Cen-
tral. O petróleo em alta suscitaria investimentos em exploração do petróleo
em alto mar e dele se esperavam “efeitos encadeadores para a frente e para
trás” sobre a própria indústria.
A partir de janeiro de 2012, o IPI dos automóveis e sobre importações
foi reduzido; a partir de outubro de 2012, o recolhimento da CIDE foi zera-
do. A dívida líquida do setor público parou de cair em maio de 2014 e iniciou
elevação que a jogou para os patamares de 2011. À medida que se deu a
inversão do otimismo e da taxa de crescimento, o governo foi aos poucos
mostrando redução do chamado superávit primário; não mais porque o
SELIC continuava baixo, mas porque a arrecadação começou a cair. O défi-
cit nominal em termos do PIB foi mantido estável até 2013, mas a partir
deste ano foi elevado rapidamente, particularmente no segundo semestre de
2014, quando haveria eleições, devido ao aumento conjunto dos juros, que-
da da arrecadação e aumento das despesas (rever a tabela 1 do capítulo 5).
Na prática, o governo não podia optar por arrecadar mais; podia optar por
não gastar mais, o que não fez: a queda da arrecadação entre 2011 e 2014 foi
de 1,1% do PIB; o aumento das despesas foi de 1,6% do PIB.
A presidenta Dilma e sua equipe sabem que de fato o aumento dos
gastos do governo teria um poder multiplicador expansivo quando há capa-
cidade ociosa ou quando a economia está ingressando num processo de
crise, podendo “esticar artificialmente” a “respiração” da economia. Em
termos puramente objetivos, quanto maior a poupança do governo num
período de desaceleração –como o que se iniciava claramente em 2012– pior
seria o desempenho da economia como um todo. Porém, esta despoupança
não foi bem articulada. Em tese, instrumentos de desoneração que facilitem
a contratação de trabalhadores e diminuam o custo do capital para investi-
173
mento também têm uma função positiva sobre a taxa de investimentos.
Neste sentido, o governo Dilma parecia atuar de modo coerente com as
premissas de uma expansão do produto, tal como seu programa de governo
defendia. Mas com um câmbio depreciando-se numa velocidade muito
lenta, ao sabor da contínua entrada de capital, das reservas cambiais e de
swaps que blindaram os oligopólios de variações bruscas do câmbio, a esta
política tributária e fiscal entrava em contradição com a política cambial; seu
resultado parcial foi o acima mencionado aumento do cômputo das impor-
tações quanto ao PIB, pressionando a indústria e a produção local. Teriam
de ser eleitos setores com baixa propensão a importar e esta deterioração
dos resultados fiscais aplicada neles, com uma desvalorização do câmbio, e
medidas adequadas de controle inflacionário. Isto, como se viu, não foi sus-
citado, por demasiadamente “heterodoxo”.
Quando o governo iniciou uma nova rodada de aumento de compul-
sórios e do SELIC a partir de abril de 2013, ele intensificou uma viragem
que estava começando bem ali. Vimos como foi nítida a interrupção do
crescimento da formação bruta de capital no terceiro trimestre de 2013.
Sugerimos que tal aumento não foi de todo uma responsabilidade do go-
verno; ele poderia tentar romper a “porta giratória” entre Bacen e bancos
privados, atacando os lobbies por juros altos, e usando as reservas da conta
única no Banco Central. Mas, como uma arrecadação em queda e nem
sinais de aumento da capacidade tributária (por exemplo, elevação do im-
posto de renda aos mais ricos...), por quanto tempo conseguiria o governo
rolar sua dívida? Talvez o conseguisse, diziam os mais corajosos. Mas o
governo não alterou nenhuma regra do jogo e assim cedeu ao que o mer-
cado queria: juros maiores, ou crise da dívida pública.
Assim, ainda que o comportamento do Copom deixasse ver um au-
mento autônomo de juros com base em sua leitura do processo inflacioná-
rio, outros fatores estavam a explicar o aumento do SELIC: um aumento
da própria necessidade de financiamento do governo para o qual contribu-
ía uma estagnação da entrada no país de recursos em carteira. Esta queda
dos juros e a aplicação de uma política anti-cíclica mais eficiente, com o
aumento da renúncia fiscal com maiores gastos discricionários e não por
maiores juros, só podia, como afirmamos, ser mantida tivesse o governo à
mão mais recursos tributários. O que era justamente o oposto do que esta-
va ocorrendo em 2013. O governo, ao elevar a renúncia fiscal com maio-
res desonerações, sem contrapartida na elevação de outros impostos que
não afetassem a produção, intensificou sua fragilidade fiscal diante dos
174
mercados e corroborou, em algum grau, o aumento do SELIC. Sua políti-
ca fiscal entrou em contradição com sua política tributária.
Para evitar um aumento de sua exposição aos financiadores da dívida
pública, o governo deveria ter realizado uma reforma tributária que ampli-
asse a produção doméstica e desonerasse seu próprio orçamento. O go-
verno (Executivo + Congresso) não tinha de fato muitas opções. Elas
oscilariam entre (1) ampliar o imposto sobre a renda e o patrimônio das
camadas mais privilegiadas com uma política tributária mais progressiva,
sem impactar diretamente sobre a taxa de investimentos privados; (2) am-
pliar a tributação sobre os bancos; (3) taxar as exportações em que o país
detém vantagens comparativas, sob um regime tarifário variável de acordo
com as cotações do mercado internacional; (4) aplicar medidas de restrição
quantitativa de importações.
Para proteger efetivamente a produção doméstica, deveria o governo
ter promovido particularmente uma sustentada desvalorização do real, por
algum mecanismo mais efetivo do que impostos discricionários sobre o
influxo de capital. Para uma política anti-inflacionária decorrente da desva-
lorização, o governo poderia ter aplicado uma mescla de políticas de renda,
com um aumento do número de preços monitorados e proibição das in-
dexações de contratos. A participação dos salários na renda nacional seria
mantida pela continuidade da valorização do salário mínimo em linha com
a inflação oficialmente medida.
Tecnicamente, uma virtual desvalorização do câmbio, conjugada com
uma elevação das restrições quantitativas, e um imposto variável às expor-
tações de primários, teria potencializado os efeitos das desonerações e
diminuído o ritmo das importações. A renda assalariada teria sido corroída
em parte, a incerteza teria sido elevada, mas, virtualmente, o mercado do-
méstico teria sido mais protegido e a produção privilegiada. Mas para tudo
isto, era necessária uma política de força. Um controle de rendas, de tipo
social-democrata, com limites a salários mais altos e aumento dos itens de
preços monitorados oficialmente, com eventual inclusão de alimentos,
habitação e saúde, teria também assegurado menores níveis de inflação
(induzido indiretamente a um aumento do mercado de consumo de mas-
sas em detrimento do de luxo).
Isto tudo, obviamente, pertence ao campo das sugestões derivadas do
campo teórico que assumimos neste trabalho. A Presidência da República
e seu Ministro da Fazenda de fato não cogitaram a adoção de tais medidas,
e tampouco elas seriam bem recebidas nos sempre retrógrados Congresso
e setores corporativos. Não se tendo realizado nem lutado por tais medi-
175
das tornou-se difícil impedir que a indústria de transformação regredisse
em termos do produto, com um câmbio desalinhado a promover crescen-
tes déficits em conta corrente e desonerações que iriam elevar a dívida
pública na ausência de um aumento da tributação. Regredindo-se a indús-
tria de transformação, tornava-se mais difícil obter um crescimento susten-
tado, devido ao seu poder multiplicativo perdido.
Neste panorama de deterioração dos fundamentos, outros problemas
agravaram-se, alimentando-se mutuamente. As representações patronais
denunciavam cada vez mais a escassez de mão de obra diante de “pleno
emprego”. Como vimos, este é um conceito relativo, ainda que importante
dentro das condições reais de demanda corporativa por trabalho. Alegou-se
um crescimento dos salários à frente da produtividade, dada a indexação do
salário mínimo à inflação e ao PIB, encarecendo-se a produção e dificultan-
do exportações. A diminuição dos saldos comerciais levou a uma menor
geração interna de rendas, assalariadas e patronais. A queda do volume de
comércio a partir daí levava a uma menor atividade econômica, e necessari-
amente a uma menor arrecadação de tributos. Por sua vez, as opções políti-
cas do governo rumo a mudanças diminuíram bruscamente depois dos
protestos de 2013. Somou-se às dificuldades o agravamento da seca em
diversos pontos do país, particularmente no Sudeste. Em 2014, o preço do
petróleo começou a cair bruscamente, atingindo o balanço da Petrobras,
maior empresa do país, balanço já prejudicado por corrupção e preços mo-
nitorados oficialmente.
Se Dilma tinha inicialmente a vitória das urnas, perderia depois a força
nas ruas. Sua eventual capacidade de mobilizar o Executivo para levar a
população a pressionar o Congresso, que aliás não tinha sido praticamente
usada em 2011 e 2012, foi a zero em 2013. Assim, as acima mencionadas
políticas necessárias para evitar uma queda ainda maior do crescimento
não foram realizadas, com exceção de ações tópicas cujo custo imediato
parecia ser pequeno, pois diluído ao longo do tempo em forma de maior
dívida pública. Em 2015, sob o calor de uma eleição disputada e contesta-
da em 2014 e de uma impaciência da oposição para com sua reeleição,
Dilma aplicaria medidas de ajuste fiscal com perdas de direitos trabalhistas.
Em 2015, a indústria de transformação demitiria 608 mil trabalhadores. O
país entraria então num grande enfrentamento político e radicalização da
direita, buscando derrubar o governo eleito. A recessão que se abateria
sobre a economia a partir de 2014 seria inédita em termos histórico-
econômicos.
176
7. Conclusão
62. A descoberta de novos campos de gás e petróleo ao longo da costa do sudeste brasileiro levou à
discussão, e posterior aprovação pelo Congresso, da aplicação obrigatória de parte dos recursos mone-
tizados oriundos da exploração do petróleo no sistema educacional do país. Mas esta discussão não foi
acompanhada de uma alteração das condições distributivas gerais. O extenso estoque de recursos
naturais pouco manufaturados manterá e poderá até mesmo ampliar os níveis de tributação sem
acarretar um aumento dos custos políticos. Tributando a natureza, pode-se manter o perfil distributivo
existente da renda, com o fator adicionalmente negativo das consequências ambientais da exploração
do petróleo; estas saídas distributivas às expensas dos recursos naturais tornaram-se bastante típicas do
atual “modelo brasileiro”.
188
Neste sentido, a dimensão absoluta de mercado interno local e o am-
plo estoque de recursos naturais não contrariam, mas sim explicam, as
bem-sucedidas estratégias dos setores locais dominantes em manterem seu
controle do poder e riqueza, sem arcarem com as tarefas que lhes corres-
ponderiam caso tais oportunidades não estivessem à mão. O caminho de
um crescimento expansivo doméstico com incorporação da classe traba-
lhadora ao mundo do trabalho fabril foi então evitado mediante políticas
de internacionalização rápida e assunção de tarefas rotineiras na Divisão
Internacional do Trabalho. Denotando-se ampla capacidade dos proprietá-
rios locais de riqueza em metamorfosear e diversificar suas carteiras de
ativos sem que isto acarretasse em transformações dinâmicas na sociedade.
O avanço dos serviços, do subemprego, das drogas etc., e sua tradução no
crescimento da religião e da anomia social é consequência de uma socieda-
de tornada “pós-industrial” e de desemprego estrutural.
Assim, os controladores dos aparelhos de gestão econômica e dos seg-
mentos aparentemente modernizados do Estado e economia local têm posto
de lado há décadas a persecução da construção de uma sociedade racional-
industrial, que passa necessariamente também pela estruturação do acesso
adequado à terra e à produção agrícola familiar e de um sistema nacional de
educação básica eficiente, do tipo coreano ou japonês. A que situação eles
conduziram o Brasil? A um quadro hiperurbanizado onde nunca se alterou a
velha estrutura latifundiária; ao desaparecimento de uma indústria nacional dig-
na deste nome; a um quadro de professores mal pagos e escolas precarizadas;
a um fosso social e geográfico entre negros e brancos; à comercialização de
entorpecentes como fator de acumulação de capital e estruturação do poder
político; a uma perda de controle técnico e/ou acionário de recursos naturais,
telecomunicações, serviços de inteligência e mesmo tecnologias das forças
militares. Não foi o sistema de navegação por satélite do Exército brasileiro
[GPS] fornecido pelos Estados Unidos? Não foi a própria Presidência da
República espionada em sua conta de endereço eletrônico? Não estão partidos
e movimentos políticos a ser financiados diretamente do exterior? Seria ocioso
multiplicar exemplos. Esta análise, porém, provavelmente seria definida como
“antipatriótica”.
A administração Dilma, com seu discurso de “governar para todos”,
pouco fez para mobilizar os que não tinham nada a perder, não os condu-
zindo à luta social consciente. Tampouco, sejamos honestos, construiu a
sua defesa própria, não articulando com sucesso sua defesa dentro das
Forças Armadas e do Judiciário, e não construindo um contrapoder midiá-
tico à altura daquele que a atacava diariamente. Neste sentido, ficou atrás
189
das próprias experiências dos vizinhos do Cone Sul. A ideia de governar
para todos era, simplesmente, uma mistificação, tamanha a oposição que
Dilma enfrentava, particularmente no Sul e Sudeste do país. Neste senti-
do, a segunda administração Dilma, cuja história ainda será contada, ficaria
desarmada diante do aguçamento da luta de classes e do imperialismo,
mais vivo do que nunca, como mostra a intervenção ou pressão da
OTAN sobre a Líbia, a Ucrânia, a Síria, a Rússia etc..
Mesmo com anos de crescimento, mantiveram-se os conflitos por
um acesso mínimo à riqueza, dentro e à margem da legalidade, como mos-
tram as taxas de encarceramento no período. As melhorias sociais ficaram
então na dependência da luta social, dificultada pela crise na educação pú-
blica, pela difusão das drogas, e pela distância esmagadora entre ricos e
pobres, a provocar a inveja nestes e seu desejo desesperado de pertenci-
mento ao grupo de consumidores. A queda da taxa de crescimento da
população no Brasil, diminuindo o “exército de reserva” disponível, a ine-
xistência de uma solução imigratória fácil e a dificuldade em gerar exceden-
te econômico nas condições da primarização e da crescente escassez dos
recursos naturais, dificultarão a manutenção do luxuoso padrão de vida da
elite local. Isto tenderá, ao que parece, a gerar formas cada vez mais autori-
tárias de controle social. Espera-se que este estudo tenha contribuído de
alguma forma para uma melhor compreensão destes fenômenos.
190
8. Anexo. Gráficos e Tabelas
Gráfico 1
Brasil. Salário mínimo real. Em reais. 2000-2015.
900
800
700
600
500
400
300
2003.01
2008.01
2013.01
2000.01
2001.01
2002.01
2004.01
2005.01
2006.01
2007.01
2009.01
2010.01
2011.01
2012.01
2014.01
2015.01
Fonte: IBGE.
Gráfico 2
Brasil. Nascimentos por ano. Em número de indivíduos. 2000-
2014.
4.000.000
3.500.000
3.000.000
2.500.000
2.000.000
1.500.000
1.000.000
500.000
0
2012
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2013
Fonte: IBGE.
191
Gráfico 3
Brasil. Dívida líquida do Tesouro Nacional/PIB. 2006-2014 (ou-
tubro). A partir de reais correntes.
0.3
0.28
0.26
0.24
0.22
0.2
0.18
ago/10
jan/06
jan/11
dez/08
dez/13
set/07
mar/10
set/12
abr/07
abr/12
fev/08
fev/13
jun/11
jun/06
nov/06
jul/08
mai/09
out/09
nov/11
jul/13
mai/14
out/14
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.
Tabela 1
Brasil. Metas de inflação, bandas e inflação efetiva (todos em %).
2003-2014.
Ano Meta Banda Efetiva (IPCA)
2003 3,5 2,5 9,3
2004 4 2,5 7,6
2005 5,5 2,5 5,69
2006 4,5 2 3,14
2007 4,5 2 4,46
2008 4,5 2 5,90
2009 4,5 2 4,31
2010 4,5 2 5,91
2011 4,5 2 6,50
2012 4,5 2 5,84
2013 4,5 2 5,91
2014 4,5 2 6,41
Fonte: Banco Central.
192
Gráfico 4
Brasil. Necessidades de financiamento do setor público (Gov. Fe-
deral, Bacen, empresas estatais, governos estaduais, municipais, e empre-
sas estaduais e municipais). 2011-2015 (julho). Em % do PIB.
0,1
0,05
0
-0,05
-0,1
Jan
Jan
Jan
Jan
Jan
Out
Out
Out
Abr
Abr
Abr
Abr
Out
Abr
Jul
Jul
Jul
Jul
Jul
2011 2012 2013 2014 2015
Déficit nominal em % do PIB
Resultado primário em % do PIB
Fonte: Secretaria da Receita Federal. Em reais correntes deflacionados pelo IPCA
(% anual).
Gráfico 5
Brasil. Reservas internacionais em poder do Banco Central. 2000-
2014. Em milhões de dólares.
400000
350000
300000
250000
200000
150000
100000
50000
0
2000
2010
2011
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2012
2013
2014
193
Gráfico 6
Brasil. Taxa de câmbio livre – dólar dos Estados Unidos. 1999-
2015.
4.5
3.5
2.5
1.5
Gráfico 7
Brasil. Índice de Taxa de câmbio real (IPCA). 1988-2015.
233
213
193
173
153
133
113
93
73
53
ago/97
nov/91
out/93
fev/09
set/95
jun/01
nov/14
abr/05
mai/03
mar/07
dez/89
dez/12
jan/88
jan/11
jul/99
194
Tabela 2
Brasil. Produto interno bruto. Em bilhões de reais correntes. 2000-
2014.
2000 1.199
2001 1.315
2002 1.488
2003 1.717
2004 1.957
2005 2.170
2006 2.409
2007 2.720
2008 3.109
2009 3.333
2010 3.885
2011 4.373
2012 4.805
2013 5.316
2014 5.687
Fonte: Banco Central.
Gráfico 8
Brasil. Taxa de desemprego – regiões metropolitanas (%). 2001-
2015.
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
Fonte: IBGE.
195
Gráfico 9
Brasil. Taxas de utilização de capacidade instalada em vários seto-
res (%). 2000-2015.
95
90
85
80
75
70
65
Gráfico 10
Brasil. Excedentes operacionais brutos e remuneração de empre-
gados como proporção do PIB. 2001-2013. Em reais correntes.
0,46
0,44
0,42
0,4
0,38
0,36
0,34
0,32
0,3
196
Gráfico 11
Brasil. Economia nacional/conta de acumulação: Capacidade (+)
ou necessidade (-) líquida de financiamento, dada por (1) poupança bruta
menos (2) formação bruta de capital fixo, variação de estoques e saldo de
transferências de capital com o resto do mundo. 2005-2013.
50000
-50000
-100000
-150000
-200000
-250000
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Gráfico 12
Comércio internacional. Commodities selecionadas. Cotação da
tonelada em dólares. 2000-2014.
3000
2000
1000
197
Tabela 3
Brasil. Índice de Gini. 2003-2013.
Anos Índice
2006 0,563
2007 0,556
2008 0,546
2009 0,543
2010 n.d.
2011 0,531
2012 0,530
2013 0,527
Fonte: IPEA.
Tabela 4
Brasil. Detentores dos títulos públicos federais (DPMFi). Em bi-
lhões de reais. 2013-2014.
Dezembro de 2013 Dezembro de 2014
Instituições financeiras 613 649
Fundos de investimento 439 442
Previdência 346 372
Não-residentes 326 406
Governo 132 124
Seguradoras 81 89
Outros 87 96
Total 2.028 2.183
198
Gráfico 13
Economia mundial. Dólares por barril de petróleo. 1986-2015.
116,00
96,00
76,00
56,00
36,00
16,00
-4,00
1995-01-01
2004-01-01
1986-01-01
1989-01-01
1992-01-01
1998-01-01
2001-01-01
2007-01-01
2010-01-01
2013-01-01
Fonte: U.S. Energy Information Administration (EIA).
Gráfico 14
Brasil. Produção de automóveis ao mês. 1993-2015.
390.000
340.000
290.000
240.000
190.000
140.000
90.000
40.000
jan/93
jan/94
jan/95
jan/96
jan/97
jan/98
jan/99
jan/00
jan/01
jan/02
jan/03
jan/04
jan/05
jan/06
jan/07
jan/08
jan/09
jan/10
jan/11
jan/12
jan/13
jan/14
jan/15
199
Gráfico 15
Brasil. Níveis de endividamento das famílias como porcentagem
da renda acumulada nos últimos doze meses. 2005-2015 (julho).
50
45
40
35
30
25
20
15
ago/09
jan/15
jan/05
jan/10
ago/14
dez/07
dez/12
set/06
mar/09
set/11
mar/14
out/13
jun/05
nov/05
fev/07
abr/06
mai/08
out/08
jun/10
nov/10
abr/11
fev/12
jul/12
jun/15
mai/13
jul/07
Gráfico 16
Brasil. Investimentos diretos no país e lucros e dividendos remeti-
dos ao exterior (em valores negativos). 2011-2014 (novembro). Em milhões
de dólares.
30000
25000
20000
15000
10000
5000
-5000
-10000
ago/03
jan/10
jan/03
ago/10
dez/05
dez/12
mar/04
mar/11
set/07
set/14
mai/05
abr/08
mai/12
fev/14
abr/15
fev/07
nov/08
jul/13
nov/15
out/04
jul/06
jun/09
out/11
200
Gráfico 17
Brasil. Índice Bovespa. Pontos. 2003-2014 (fevereiro).
80.000
70.000
60.000
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
Gráfico 18
Brasil. Investimentos em carteira. Títulos de renda fixa. Passivos,
negociados no mercado doméstico. 2003-2014 (setembro). Em milhões de
dólares.
18000
16000
14000
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0
ago/03
mar/04
mar/11
fev/07
ago/10
fev/14
dez/05
dez/12
abr/08
mai/05
nov/08
mai/12
jul/06
jun/09
jul/13
set/07
set/14
out/04
out/11
jan/03
jan/10
201
Gráfico 19
Brasil. Investimentos em carteira no Brasil. Ações em milhões de
dólares. 2003-2015 (novembro).
40000
35000
30000
25000
20000
15000
10000
5000
0
mar/04
ago/03
ago/10
mar/11
fev/07
fev/14
dez/05
dez/12
abr/08
abr/15
nov/08
nov/15
mai/05
mai/12
jun/09
jul/06
set/07
jul/13
set/14
out/04
out/11
jan/03
jan/10
Gráfico 20
Países selecionados. Participação da indústria no PIB. Em %.
1991-2014.
50
45
40
35
30
25
20
1994
1996
1998
2000
2002
1991
1992
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
202
Gráfico 21
Brasil. Importações por valor FOB com relação ao total de impor-
tações ( = 1). 1997-2014.
1
0,8
0,6
0,4
0,2
0
2001
2002
2007
2013
1997
1998
1999
2000
2003
2004
2005
2006
2008
2009
2010
2011
2012
2014
Básicos Semi-manufaturados
Manufaturados
Fonte: cálculo do autor a partir de dados da SECEX.
Gráfico 22
Brasil. Folha de pagamento real na indústria por trabalhador.
Número índice. 2001-2015.
115
110
105
100
95
90
ago/06
jan/13
ago/13
jan/06
dez/01
dez/08
dez/15
mar/07
mar/14
set/03
set/10
nov/04
nov/11
mai/15
fev/03
jul/02
mai/08
abr/11
abr/04
jul/09
fev/10
jun/05
out/07
jun/12
out/14
203
Gráfico 23
Brasil. Dívida líquida do Tesouro Nacional, em % do PIB. 2011-
2015 (outubro).
25,0%
24,0%
23,0%
22,0%
21,0%
20,0%
19,0%
18,0%
17,0%
jan/11
jan/12
jan/13
jan/14
jan/15
abr/12
abr/14
abr/11
jul/11
abr/13
jul/13
abr/15
jul/15
out/11
jul/12
out/12
out/13
jul/14
out/14
out/15
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.
Tabela 5
Brasil. Contas Trimestrais. Em valores correntes (reais). 1995-
2015.
Período Impostos PIB Consumo Consumo Formação Variação Exporta- Importa-
das do bruta de de ções ções
famílias governo capital estoques
1996.I 24.960 189.323 125.685 35.666 35.403 -4.964 12.306 14.773
1996.II 26.378 204.611 132.511 39.023 39.326 -3.355 14.576 17.470
1996.III 27.349 221.513 142.658 41.810 41.418 994 15.560 20.928
1996.IV 28.778 239.316 156.087 52.324 43.187 -4.417 15.085 22.949
1997.I 26.992 219.117 147.808 42.139 42.697 -7.355 13.162 19.333
1997.II 28.600 232.890 154.447 45.485 46.189 -8.063 17.402 22.570
1997.III 29.556 246.178 157.598 45.830 47.287 2.106 18.529 25.171
1997.IV 30.198 253.904 161.954 52.540 45.894 374 17.398 24.255
1998.I 29.259 235.701 157.103 46.994 45.595 -8.376 16.099 21.714
1998.II 30.797 251.936 159.194 49.307 48.379 -853 18.805 22.896
1998.III 30.027 258.043 163.447 49.839 47.636 3.701 18.786 25.366
1998.IV 30.324 256.671 163.187 55.037 44.249 1.743 16.781 24.326
1999.I 33.988 250.668 164.893 48.863 44.121 -3.515 22.153 25.847
1999.II 35.661 268.709 170.252 51.749 47.152 3.829 24.728 29.001
1999.III 36.910 274.126 178.811 53.944 46.383 312 27.646 32.971
1999.IV 39.234 294.208 189.576 60.623 47.432 3.434 29.511 36.368
2000.I 38.150 276.927 176.025 49.216 56.887 -497 26.402 31.107
2000.II 40.225 292.789 189.996 52.695 53.911 931 30.239 34.983
[Continua]
204
2000.III 43.715 308.896 200.012 54.588 53.879 6.805 33.768 40.155
2000.IV 45.675 320.481 208.493 68.544 54.811 -61 31.756 43.062
2001.I 47.018 312.470 203.369 55.190 61.689 1.547 33.576 42.902
2001.II 49.521 323.724 210.284 58.687 62.067 426 40.837 48.577
2001.III 49.308 332.524 211.486 59.988 60.427 6.445 45.701 51.523
2001.IV 49.487 347.038 218.362 80.645 58.153 -4.158 42.667 48.633
2002.I 50.916 342.297 215.913 65.697 62.806 1.804 34.812 38.735
2002.II 53.190 367.363 225.796 71.519 65.569 7.826 38.896 42.244
2002.III 55.008 379.795 233.655 68.751 67.912 -235 65.894 56.182
2002.IV 59.459 399.333 246.172 88.957 70.596 -16.499 72.262 62.154
2003.I 60.501 397.242 257.432 70.185 70.262 -5.652 63.031 58.016
2003.II 61.311 418.987 260.277 78.572 68.696 1.755 62.162 52.474
2003.III 61.202 439.350 267.445 82.553 71.785 5.204 66.754 54.391
2003.IV 64.220 462.372 277.306 96.431 74.519 3.021 68.852 57.759
2004.I 64.885 444.783 274.159 76.588 76.797 5.596 66.313 54.670
2004.II 71.613 481.795 284.833 84.760 83.337 9.433 82.950 63.518
2004.III 78.751 505.252 301.881 90.362 90.684 1.330 90.341 69.346
2004.IV 80.519 525.920 317.821 109.840 88.268 -4.763 84.321 69.567
2005.I 77.272 499.710 308.544 89.562 85.394 773 77.094 61.657
2005.II 79.887 535.557 321.752 95.935 92.729 7.349 82.694 64.902
2005.III 82.363 552.859 332.896 99.485 96.634 1.882 88.086 66.125
2005.IV 88.244 582.458 350.104 125.041 95.462 -6.777 83.005 64.378
2006.I 84.984 554.270 345.002 100.992 96.723 -1.707 76.049 62.788
2006.II 85.843 581.977 355.817 105.729 100.733 6.669 79.740 66.710
2006.III 89.958 617.848 368.734 111.875 108.368 6.820 98.608 76.558
2006.IV 99.376 655.355 386.663 140.138 108.850 2.824 91.945 75.063
2007.I 92.562 631.424 384.999 114.489 109.267 13.576 85.082 75.990
2007.II 96.590 670.655 400.752 123.655 119.167 15.016 89.593 77.527
2007.III 102.322 691.846 410.354 125.131 129.921 16.546 95.806 85.912
2007.IV 109.261 726.338 432.651 152.024 131.177 4.468 92.066 86.048
2008.I 112.393 712.053 433.751 128.394 132.371 23.503 80.423 86.390
2008.II 118.037 769.522 456.471 139.783 147.732 25.908 98.350 98.722
2008.III 124.860 812.602 480.468 144.805 168.886 17.307 115.427 114.290
2008.IV 128.036 815.626 486.820 172.887 153.856 2.757 126.681 127.375
2009.I 109.021 756.141 474.273 150.521 134.945 2.754 87.579 93.933
2009.II 113.854 803.589 504.229 150.885 147.362 -3.903 94.053 89.037
2009.III 121.456 852.842 534.397 157.480 172.382 -8.451 92.891 95.857
2009.IV 138.946 920.468 552.134 196.078 181.987 -594 87.157 96.294
2010.I 133.340 886.348 546.346 163.726 177.982 12.730 86.093 100.529
2010.II 142.132 944.095 568.526 172.803 193.391 15.313 104.085 110.023
2010.III 148.006 997.936 596.732 179.940 214.814 19.042 112.718 125.311
[Continua]
205
[Continuação]
2010.IV 159.529 1.057.469 628.562 222.497 211.760 2.134 114.374 121.859
2011.I 155.325 1.016.117 623.346 177.857 209.740 17.773 102.542 115.141
2011.II 160.479 1.086.257 648.371 199.099 220.697 24.074 123.712 129.697
2011.III 166.521 1.111.637 668.122 199.108 236.835 12.092 135.788 140.309
2011.IV 173.596 1.159.647 696.063 241.304 233.513 -664 139.759 150.327
2012.I 167.519 1.127.389 693.248 194.627 232.841 24.565 117.366 135.257
2012.II 174.803 1.180.791 716.290 215.611 243.770 19.544 144.370 158.793
2012.III 188.233 1.228.048 751.549 215.663 259.115 11.352 151.023 160.654
2012.IV 189.946 1.269.684 788.577 266.729 259.917 -22.042 150.714 174.212
2013.I 180.112 1.240.187 776.429 214.631 256.270 31.812 124.077 163.032
2013.II 192.524 1.320.768 804.048 247.191 279.234 15.538 154.745 179.988
2013.III 190.557 1.350.088 829.289 244.489 291.092 17.247 168.184 200.215
2013.IV 214.666 1.405.412 866.284 301.468 287.176 -23.038 173.071 199.550
2014.I 196.620 1.368.454 854.115 245.319 286.337 30.002 144.105 191.424
2014.II 196.410 1.400.631 865.640 269.868 281.672 11.500 161.842 189.892
2014.III 195.553 1.435.568 887.872 273.266 289.546 17.918 171.720 204.754
2014.IV 220.791 1.482.657 939.801 320.276 289.868 -20.213 158.563 205.639
2015.I 207.642 1.434.823 912.123 267.351 279.921 25.682 152.791 203.045
2015.II 209.149 1.456.502 915.771 293.148 267.299 -2.942 189.047 205.820
2015.III 214.184 1.481.380 937.195 289.137 268.430 -5.366 211.906 219.922
206
9. Fontes e Bibliografia
9.2. Bibliografia
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Brasil. Brasília. 2015c.
207
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O autor
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2ª edição, maio de 2018
Impressão: Renovagraf, SP
Fonte utilizada: Garamond 10 e 12
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