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INVISBILIDADE E VULNERABILIDADE DOS REFUGIADOS NO BRASIL: O

ACESSO À SAÚDE SOB A PERSPECTIVA DA NOVA LEI DE IMIGRAÇÃO.

Rodrigo Pena Costa e Costa1

Palavras chaves: refugiados; invisibilidade; reconhecimento; direitos humanos.

No século passado, as duas grandes guerras mundiais provocaram


mudanças geopolíticas com impactos na economia, na política, nas relações interestatais
e no âmbito interno dos próprios Estados. Tais conflitos trouxeram consigo uma crise
humanitária global, na qual milhões de pessoas, fugindo dos conflitos armados, foram
obrigadas a deixarem seus lares e rumarem para lugares com culturas completamente
diferentes.

Hoje, os conflitos e dilemas do passado persistem, mas agora com


complexidades acentuadas pelas vicissitudes da pós-modernidade. Segundo dados da
Agencia da Organização da Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), conflitos
armados, violência e intolerâncias forçaram 68,5 milhões de indivíduos a deixarem seus
lares em 2017. Deste total, 25,4 milhões ganharam o status de refugiados ao cruzarem
as fronteiras de seus países de origem em busca de melhores condições de vida e,
sobretudo, de paz2.

Contudo, não bastasse os sofrimentos sofridos em seus países de origem, ao


chegarem em seus destinos encontram, na maioria das vezes, ambientes hostis e nada
receptivos aos estrangeiros.

No Brasil, isto não é diferente, uma vez que, por detrás do mito freyriano do
“homem cordial”3, o tratamento hostil e xenófobo aos refugiados se soma ao racismo,
machismo, sexismo e outros tipos de discriminação enraizados em nossas relações
sociais.

1
Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Advogado. e-mail:
rodrigopccosta.adv@gmail.com
2
Disponível em: <https://nacoesunidas.org/acnur-numero-de-pessoas-deslocadas-chega-a-685-milhoes-
em-2017/>. Acesso em: 24 de jun. 2018.
3
Sobre a construção do mito da “brasilidade” cf. SOUZA, Jessé. Ralé brasileira: quem é e como vive.
Colaboradores André Grillo ... [et al.]. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009, pp. 29-41.
Soma-se a essas dificuldades, o fato dos estrangeiros refugiados se
depararem com culturas completamente distintas das suas com valores e normas muitas
vezes ininteligíveis4.

Em nosso país, recentemente entrou em vigor a Lei 13.445/2017, elaborada


com a pretensão de se adequar com as normas de direito internacional que tratam do
assunto, especialmente a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos
Refugiados (Convenção de Genebra de 1951), e com o nítido intuito de superar o
arcaico Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980), editado durante a ditadura civil-
militar. Com a inovação legislativa, houve uma mudança de paradigma em relação ao
tratamento dado aos migrantes: se antes eram vistos como indivíduos hostis aos
interesses nacionais por influência da “doutrina da segurança nacional”, agora o novo
marco legal possui a pretensão de trata-los e considera-los como sujeitos de direito, com
o intuito de dar-lhes visibilidade.

Axel Honneth, filósofo e sociólogo alemão que tomaremos como marco


teórico para o presente trabalho, assevera que os mais diversos tipos de desprezo e
humilhação, aliados à privação dos direitos fundamentais mais elementares de certos
indivíduos, podem levar à destruição de suas identidades5.

O autor elenca três formas de desrespeito 6 que privam ou denegam aos


indivíduos o devido reconhecimento. Para os objetivos deste trabalho, a segunda
categoria elencada por Honneth tem especial importância, na medida em que se refere
“(...) aos modos de desrespeito pessoal, infligidos a um sujeito pelo fato de ele
permanecer estruturalmente excluído da posse de determinados direitos no interior de
urna sociedade.”7.

Destarte, a partir dos apontamentos teóricos de Honneth em sua clássica


obra Luta por reconhecimento, o objetivo geral do presente trabalho consistirá em uma

4
Carlos María Cárcova, em brilhante trabalho intitulado A opacidade do direito, nos brinda com uma
interessante análise da não compreensão do direito pelos indivíduos, especialmente da dificuldade que os
grupos marginalizados têm em assimilar e compreender o universo jurídico. O autor aborda, inclusive,
temas como migração, multicultura e pluralismo e suas relações com o (des)conhecimento do direito.
5
HONNETH, Axel. Integridad y desprecio: Motivos básicos de una concepción de la moral desde la
teoría del reconocimiento. Isegoría: Revista de Filosofía Moral y Política, p.78-92, ISSN 1130-2097, Nº
5, 1992. Disponível em: <http://isegoria.revistas.csic.es/index.php/isegoria/article/view/339/340>. Acesso
em: 24 jun. 2018. pp. 81-82.
6
Para uma descrição completa desta divisão feita pelo autor, cf. HONNETH, Axel. Luta por
reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003. pp. 213-224.
7
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo:
Editora 34, 2003. pp. 216.
análise da Lei 13.445/2017 a fim de compreendermos se, de fato, os migrantes e
refugiados gozarão do devido reconhecimento como sujeitos de direitos.

Diante da amplitude do tema, optaremos por tratar especificamente os


dispositivos da Lei de Migração que garantem o acesso aos serviços públicos de saúde8,
direito fundamental dos mais relevantes e que vem sendo reiteradamente negado por
parte dos poderes públicos, especialmente aos grupos marginalizados, nos quais se
incluem os refugiados.

A relevância do tema ultrapassa as fronteiras de nosso país. Por todas as


partes do mundo são negados os direitos fundamentais e humanos mais básicos aos
indivíduos que se encontram nas situações descritas alhures. Recentemente, o governo
dos Estados Unidos da América deixou o Conselho da ONU em meio à crise gerada
pela atitude desumana de apartar crianças de suas famílias que tentavam entrar no
território estadunidense. No Brasil, a crise migratória e humanitária na fronteira com a
Venezuela parece longe de uma solução.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017. Lei de Migração. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13445.htm>. Acesso
em: 22 jun. 2018.

CÁRCOVA, Carlos María. A opacidade do direito. Tradução: Edilson Alkmin Cunha.


São Paulo: Ltrr, 1998.

Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951. Disponível em:


<http://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Convencao_relativa_ao_
Estatuto_dos_Refugiados.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2018.

8
Exemplificativamente, o artigo 4º inciso VII, da Lei de Migração é taxativo ao garantir o acesso à saúde,
in verbis: Art. 4o  Ao migrante é garantida no território nacional, em condição de igualdade com os
nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem
como são assegurados:[...] VIII - acesso a serviços públicos de saúde e de assistência social e à
previdência social, nos termos da lei, sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição
migratória;
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais.
São Paulo: Editora 34, 2003.
______. Integridad y desprecio: Motivos básicos de una concepción de la moral desde
la teoría del reconocimiento. Isegoría: Revista de Filosofía Moral y Política, p.78-92,
ISSN 1130-2097, Nº 5, 1992. Disponível em:
<http://isegoria.revistas.csic.es/index.php/isegoria/article/view/339/340>. Acesso em:
24 jun. 2018.

SOUZA, Jessé. Ralé brasileira: quem é e como vive. Colaboradores André Grillo ... [et
al.]. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009

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