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ACÓRDÃO Nº 96.

911
RECURSO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 2008.3.010483-8
RECORRENTE: MÁRIO HENRIQUE TUJI FONTENELLE
RECORRIDO: ACÓRDÃO Nº 81.177 DO CONSELHO DA MAGISTRATURA
RELATORA: DESEMBARGADORA MARIA DE NAZARÉ SAAVEDRA GUIMARÃES

EMENTA
RECURSO ADMINISTRATIVO –
OFICIAL DE JUSTIÇA – MANDADO
COM PRAZO EXPIRADO SEM
CUMPRIMENTO – AUSENCIA DE
JUSTIFICATIVA – PRELIMINARE DE
CERCEAMENTO DE DEFESA
REJEITADA - PENA DE DEMISSÃO
APLICADA PELA PRESIDÊNCIA DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO
DO PARÁ – CONDUTA CONFIGURADA
COMO DESIDIA EM CONSIDERAÇÃO
AOS ANTECEDENTES –
IMPERTINÊNCIA – INCIDENTES
PRESCRITOS – AUSÊNCIA DE
APLICAÇÃO DE QUALQUER
PENALIDADE ANTERIOR –
DESCARACTERIZADA A DESÍDIA –
CONFIGURADO O DESCUMPRIMENTO
INJUSTIFICADO DE PRAZO –
DESPROPORCIONALIDADE DA PENA
DE DEMISSÃO – PENALIDADE PUNIDA
COM PENA DE SUSPENSÃO –
DECURSO DE PRAZO SUPERIOR A
DOIS ANOS – PRESCRIÇÃO DA
PUNIBILIDADE – RETORNO AO
STATUS QUO ANTE – RETORNO AO
CARGO – DECISÃO REFORMADA -
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO
PELOS FUNDAMENTOS CONSTANTES
DO VOTO RELATOR – MAIORIA.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos autos de RECURSO ADMINISTRATIVO da
Comarca da Capital.
Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que integram o
órgão Pleno deste Tribunal de Justiça do Estado do Pará, por maioria de votos,
CONHECER DO RECURSO, DANDO-LHE PROVIMENTO nos termos do voto
relator da Desembargadora MARIA DE NAZARÉ SAAVEDRA GUIMARÃES.
Julgamento presidido pelo Desembargador RAIMUNDA GOMES
NORONHA.
Belém, 27 de abril de 2011.
Desa. MARIA DE NAZARÉ SAAVEDRA GUIMARÃES
Relatora
RELATÓRIO
Trata-se de RECURSO ADMINISTRATIVO interposto por MÁRIO
HENRIQUE TUJI FONTENELLE em face da decisão consubstanciada no V.
Acórdão nº 81.177, do Conselho de Magistratura que, confirmando a decisão
disciplinar da D. Corregedoria de Justiça do Interior, manteve a aplicação da pena
de DEMISSÃO ao oficial de justiça recorrente, por falta disciplinar prevista no
art.178, XVI, da Lei nº 5.810/94.
Constam dos autos que foi instaurado processo administrativo disciplinar
contra o recorrente, após o pedido de providencias do juízo da 5ª Vara Cível da
Comarca de Castanhal, fundado na constatação de que o oficial permaneceu com
mandado de intimação oriundo da Justiça Federal, por período superior a seis
meses (de 03.11.2004 até 17.05.2005), sem dar cumprimento a diligência e sem
apresentar justificativa plausível para tanto.
Determinada a instauração do PROCEDIMENTO DISCIPLINAR para
apuração e constituída a comissão processante, o indiciado foi citado a oferecer
defesa escrita, permanecendo inerte, fato que motivou declaração de revelia e
nomeação de defensor dativo que apresentou defesa conforme fls. 66-67.
A comissão processante em relatório de fls.68-73, concluiu que o ora
recorrente deixou de observar os prazos previstos no Provimento nº 003/1993-
TJEPA, que regula a atividade dos Oficiais de Justiça no Tribunal do Estado do
Pará, incorrendo na conduta vedada pelo art. 178, XVI da Lei nº 5.810/1994,
sugerindo à Corregedoria a aplicação da pena de SUSPENSÃO do servidor.
Em certidão de fls.27, a Senhora Secretaria da Corregedoria de Justiça
das Comarcas do interior, informa que o recorrente possui outros três procedimentos
instaurados, sem registro da aplicação de nenhuma penalidade.
Ás fls.77 consta relatório de Correição realizada na 4ª Vara Criminal de
Castanhal entre 10.04.2006 e 18.04.2006, onde registra que o Oficial de Justiça, ora
recorrente, mantinha 11 (onze) mandados em seu poder, com prazo de cumprimento
expirado.
O então Corregedor, Desembargador Constantino Augusto Guerreiro,
com fulcro no art.190, XIX, da Lei nº 5.810/94, entendeu que, de acordo com as
provas dos autos, o recorrente incidiu em comportamento desidioso, a ensejar a
pena de DEMISSÃO, em decisão cuja parte fundamental se transcreve abaixo:
“a gravidade da infração está consubstanciada na imagem negativa
demonstrada por essas atitudes descompromissadas com a finalidade do
serviço público, perante a Justiça Federal, (...) bem ainda, os antecedentes
funcionais do processado que indicam um servidor desajustado, (...)
contumaz na pratica infracional”.
Os autos foram encaminhados à Presidência do Tribunal (fls.78-84).
A então desembargadora Presidente, ALBANIRA BEMERGUY, em
decisão de fls. 86-89, acolheu a manifestação do Desembargador Corregedor e
ressaltando que o acontecimento suscitou a cobrança por parte da Justiça Federal,
do cumprimento da carta precatória, aplicou a pena de DEMISSÃO ao recorrente,
consubstanciando o ato com a Portaria nº 1627/2008 – GP (fls.90), publicada no
Diário da Justiça de 1º de setembro de 2008.
Da decisão da Presidência, o oficial de justiça interpôs recurso ao
Conselho da Magistratura, sendo o feito distribuído ao Desembargador Raimundo
Holanda Reis que remeteu os autos à Procuradoria de Justiça.
A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo improvimento do recurso e
a conseqüente manutenção da DEMISSÃO, considerando que os antecedentes do
recorrente indicam contumácia na pratica de retenção de mandados e que o fato
ensejou desgaste da imagem da Justiça Estadual perante a Justiça Federal.
Após o retorno dos autos da Procuradoria de Justiça, o então relator,
Desembargador Raimundo Holanda, em razão do termino de seu mandato no
Conselho da Magistratura, bem como o inicio do gozo de seu período de férias,
encaminhou os autos à redistribuição (fls.126).
Redistribuídos ao desembargador Constantino Guerreiro, este se
declarou impedido em razão de ter se manifestado pela demissão, na com condição
de corregedor (fls.128).
Assim os autos foram redistribuídos à desembargadora Luzia Nadja
Guimarães que, por sua vez, declinou da relatoria em razão do término de seu
mandato no Conselho (fls.131).
Por fim, o recurso administrativo, foi redistribuído, no âmbito do Conselho
da Magistratura, à desembargadora Maria Rita Lima Xavier que relatou o feito e
votou pelo seu conhecimento e improvimento, na esteira do parecer ministerial, no
que foi acompanhada pelos demais membros do Conselho reunidos em 13.05.2009
(fls.135-141).
O Acórdão lavrado sob o nº 81177 foi publicado no Diário da Justiça de
19.10.2009 (fls.142).
Inconformado com o Acórdão do conselho da magistratura, o recorrente
interpôs o presente recurso (23.10.2009, fls. 143-150) alegando a prescrição da
pena, a ausência de defesa técnica e a falta de razoabilidade da penalidade
aplicada, dado que exacerbada.
Distribuído o recurso administrativo, no âmbito do Pleno, à
desembargadora Maria do Carmo Araújo e Silva a então relatora declarou-se
suspeita por razão de foro intimo (fls.206).
Após, vieram os autos a esta relatora por redistribuição (fls.208).
Encaminhados os autos à Procuradoria de Justiça, manifestou-se o
Procurador Geral (fls.211-212) pelo conhecimento e improvimento do recurso,
ratificando o posicionamento do parecer exarado a quando do recurso administrativo
no âmbito do conselho, qual seja a manutenção da penalidade de demissão,
considerando caracterizada a desídia em razão do abalo da relação entre as
Justiças Federal e Estadual, bem como a contumácia do processado na prática
infracional.
É o relatório.

VOTO
Cinge-se a questão em verificar a existência de prescrição, de
cerceamento de defesa e da razoabilidade da penalidade de demissão aplicada em
razão de excesso de prazo para cumprimento de mandado de citação, por oficial de
justiça.

DA PREJUDICIAL DE MÉRITO - DA PRESCRIÇÃO.


Alega o recorrente que entre a data em que o juiz da comarca tomou
conhecimento do fato (16.05.2005) e a data da Portaria da instauração do PAD
(17.12.2007) decorreu lapso temporal superior a dois anos, ocorrendo assim a
prescrição da pretensão punitiva, antes da instauração do PAD, pois que a
penalidade adequada a ser aplicada em razão do ocorrido é a de suspensão que
prescreve em dois anos.
Observa-se que a alegação de prescrição se funda na argumentação de
que a penalidade adequada a ser aplicada é a de suspensão.
Considerando-se que a prescrição é analisada em relação à pena in
concreto, e que esta ainda não se encontra estabilizada – vez que constitui o mérito
do presente recurso a análise de qual infração surge dos atos praticados pelo
recorrente e, por conseqüência, qual a penalidade mais adequada -, reservo a
apreciação da prescrição, para momento posterior à analise da questão meritória.
DA PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA
Alega o recorrente que a defesa técnica foi incipiente, tão defeituosa que
equivaleu à ausência de defesa, razão porque entende ter ocorrido cerceamento de
defesa.
Ressalte-se que a garantia constitucional do contraditório e da ampla
defesa tem plena aplicação não apenas em relação aos processos judiciais, mas
também em relação aos procedimentos administrativos de forma geral, o que não
significa que deva ser observado o mesmo procedimento em ambas as esferas,
tampouco que seja indispensável o advogado, no âmbito administrativo, assim como
o é na esfera judicial.
A garantia constitucional do contraditório e ampla defesa não se resume a
simples manifestação no processo, mas à efetiva participação na construção da
tutela jurídica, que se dá quando manifestos os direitos expostos a seguir, segundo
ressalta o Ministro Gilmar Mendes, com base na doutrina alemã, no julgamento do
Recurso Extraordinário 434.059-3/ DF - que se constituiu em um dos precedentes da
sumula vinculante nº 05 do STF –:
“I – direito à informação, que obriga o órgão julgador a informar á parte
contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele
constantes;
II – direito de manifestação, que assegura ao defendente a possibilidade de
manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e
jurídicos constantes do processo (...);
III – direito de ver seus argumentos considerados (...), que exige do julgador
capacidade de apreensão e isenção de ânimo (...) para contemplar as
razões apresentadas (...).
Assim, se devidamente garantido o direito à informação, à manifestação e
à consideração dos argumentos manifestados, a ampla defesa terá sido exercida em
sua plenitude, preservando-se a garantia do art. 5º, LV da CF/88.
In casu, conforme consta dos autos (fls.45), o recorrente foi citado para
manifestar-se sobre o inteiro teor do indiciamento, sendo-lhe possibilitado a
constituição de patrono; declarada sua revelia (48), foi-lhe nomeada advogada
dativa (fls.60) que, inclusive comunicou ao juízo terem sido infrutíferas as suas
tentativas de comunicar-se com o indiciado (fls.65), apresentando defesa escrita às
fls.66-67.
No mais, após a decisão do desembargador Corregedor de não acatar o
relatório da comissão processante, procedendo à substituição da penalidade de
suspensão pela DEMISSÃO (fls.78-84), e o acatamento da pena mais severa pela
Senhora Desembargadora Presidente, Albanira Bemerguy (fls.86-90), o indiciado
constituiu advogado (fls.107) e recorreu ao conselho da magistratura, com vistas à
reforma da decisão da presidente, havendo o acórdão nº 81177, analisado todos os
argumentos da defesa.
Dessa maneira, verifica-se que, a ampla defesa foi-lhe efetivamente
garantida em todo o procedimento administrativo, com a citação pessoal, nomeação
de advogado dativo e depois de advogado constituído, bem como lhe foi propiciado
o direito à informação, manifestação e consideração de seus argumentos, de
maneira que impertinentes as alegações de cerceamento de defesa.
Preliminar rejeitada.
DO MÉRITO
Insurge-se o recorrente contra o acórdão nº 81.177, do Conselho da
Magistratura, cuja publicação data de 19.10.2009, de relatoria da desembargadora
MARIA RITA LIMA XAVIER, que, à unanimidade, e em consonância com o parecer
do Senhor Procurador Geral de justiça (fls116-124), conheceu do recurso negando-
lhe provimento, com a conseqüente manutenção da pena de DEMISSÃO conforme
aplicada pela então presidente deste Tribunal, Desembargadora Albanira Lobato
Bemerguy.
Sustenta que o acórdão deve ser reformado em razão de ter aplicado o
direito ao caso de forma indevida, pois que não reconheceu que a pena de demissão
é por demais severa não se adequando à infração reconhecida.
Ressalte-se que o recorrente não questiona o lapso que permaneceu sem
dar cumprimento à diligencia de intimação, limitando-se a questionar a
proporcionalidade e razoabilidade da penalidade aplicada.
Assim, urge verificar se a conduta do servidor deve ser considerada falta
grave punível com suspensão de até 90 dias ou de demissão.
Dispõe o art. 178, XVI:
Art. 178 - É vedado ao servidor:
XVI - deixar, sem justa causa, de observar prazos legais administrativos ou
judiciais;
Dispõe o art. 189 da Lei nº 5.810/94:
Art. 189 - A pena de suspensão, que não exceder a 90 (noventa) dias, será
aplicada em caso de falta grave, reincidência, ou infração ao disposto no
art. 178, VII, XI, XII, XIV e XVII. (grifo nosso)
Dispõe o art. 190, XIX, da Lei nº 5.810/94:
Art. 190 - a pena de demissão será aplicada nos casos de:
(...)
XIX- procedimento desidioso
A infração imposta efetivamente ao recorrente refere-se à pratica de ato
vedado pelo disposto no art. 190, XIX, da Lei nº 5.810/94. Note-se que a comissão
processante havia se manifestado pela caracterização do disposto no art. 178, XVI
do mesmo diploma legal, mas o Desembargador Corregedor enquadrou a conduta
no dispositivo anteriormente citado e o conselho da magistratura assim também o
entendeu, confirmando o posicionamento do Desembargador Corregedor e da
Desembargadora Presidente do Tribunal.
O regime jurídico do servidor veda a conduta de inobservância dos prazos
administrativos, que in casu, é de 30 dias nos moldes do provimento 003/93 do TJE-
PA, o que constitui falta grave sem previsão especifica de penalidade, restando,
portanto, a razoável aferição do julgador, em cotejo com os parâmetros
estabelecidos no art.184.
O art. 190 pune com demissão a pratica desidiosa.
A desídia é um termo jurídico indeterminado. A determinação de seu
conteúdo jurídico administrativo demanda a utilização de teoria do Direito Penal,
segundo a qual o tipo desídia possui dois elementos objetivos – o descumprimento
de uma obrigação e um prejuízo –, um elemento subjetivo (a intenção de eliminar ou
diminuir o esforço) e um elemento normativo (a proporcionalidade).
Desídia é a conduta do servidor público consistente em deixar de cumprir,
injustificadamente, as obrigações inerentes ao exercício da função pública, com a
finalidade de eliminar ou diminuir a sua carga de trabalho, reduzindo a quantidade
ou a qualidade do produto de sua atividade, afetando negativamente a eficiência do
serviço público.
Na lição de Mauro Roberto Gomes Mattos:
Não resta dúvida que a desídia decorre de um comportamento rebelde do
servidor público, voltado para uma negligência intencional. Esta é a desídia
habitual, onde o servidor causa transtornos ao andamento dos serviços,
com prejuízos verificados pelo mau desempenho ou pela má vontade.
(Mauro Roberto Gomes de Mattos. Lei nº 8.112/90 interpretada e
comentada. 2. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006, p. 573)
Segundo José Armando da Costa:
A objetividade jurídica tutelada pelo tipo é a normalidade do serviço público
vislumbrada sob o particular aspecto da intensidade e eficiência das tarefas
públicas postas em prática pelo servidor.
Daí por que o elemento material da conduta desidiosa do funcionário se
funda na baixa produtividade de suas atribuições e nos eventuais prejuízos
causados ao erário...
Para a caracterização da proibição disciplinar sub lite não basta, porém, que
se constate as conseqüências materiais referidas acima, sendo, também, de
rigor que ela resulte de uma conduta voluntária reveladora de negligência,
imprudência e imperícia (descaso, incúria, falta de zelo, etc) atribuída ao
funcionário. (COSTA, COSTA, José Armando. Direito administrativo
disciplinar. Brasília: Brasília Jurídica, 2004, p.397)
Dessa maneira, conforme as definições de desídia apresentadas, sua
caracterização envolve elementos de outras infrações de menor potencial ofensivo
como a falta de zelo, a insubordinação e o descumprimento da norma procedimental
– como no exemplo da conduta vedada no art. 178, XVI, do RJU -, de maneira que,
se ocorrer apenas a conduta do descumprimento do prazo configura-se a falta de
inobservância sem justa causa dos prazos administrativos do Provimento 003/94,
mas, se ao contrário, estiverem presentes os demais elementos caracterizadores do
tipo desídia, irrefutável sua tipificação.
O primeiro elemento objetivo da desídia é deixar de cumprir
injustificadamente as funções inerentes ao cargo público.
O segundo elemento objetivo é a redução da qualidade e quantidade
do serviço, que afeta a eficiência do serviço público (que se manifesta muitas vezes
em valores imateriais como a credibilidade da instituição perante a sociedade).
O elemento subjetivo é a finalidade de, com a conduta, eliminar ou
diminuir a carga de trabalho.
O elemento normativo é a proporcionalidade, aplicável para verificar se a
aplicação da pena de demissão é, no caso concreto, o meio adequado, necessário e
razoável ao fim almejado, que é a manutenção de um serviço público eficiente.
A forma de aferir a proporcionalidade da demissão por desídia no serviço
público está no cotejo da adequação, necessidade e razoabilidade.
In casu, o recorrente, enquanto na função de oficial de justiça deste
Tribunal, teve sob sua responsabilidade o cumprimento de diligência oriunda de
carta precatória da Justiça Federal, incumbência recebida em data de 04.11.2004,
permanecendo pendente com os deveres funcionais decorrentes até a data de
17.05.2005, portanto período superior a seis meses, sem que, nesse período fosse
apresentada qualquer escusa para tanto.
No presente recurso, alega o recorrente que esteve por diversas vezes no
endereço de cumprimento da diligência sem obter êxito, em razão de não localizar
as pessoas a quem se dirigia a intimação, encontrando-as apenas no dia
17.05.2005.
Dessa maneira, observam-se caracterizados o cumprimento injustificado
de sua função e a afetação da eficiência do serviço público que foi colocado a seu
encargo. No entanto, quanto aos dois últimos elementos, quais sejam a intenção de
escusar-se da sua carga de trabalho e a proporcionalidade, restam ainda algumas
arestas a serem observadas.
Note-se que a penalidade de demissão é a máxima imposta ao servidor
que comete falta grave, em prejuízo da administração. A conduta do recorrente de
certo constitui falta grave, no entanto, em cotejo com os 20 (vinte) anos de serviço
dedicados ao mister de suas funções, sem que se tenha noticias de antecedentes
consideráveis, vez que nenhum dos procedimentos instaurados contra o servidor
resultaram em aplicação de penalidade, não se pode negar que contribuiu para a
administração da Justiça, despendendo sua força de trabalho e dedicando tempo de
sua vida a este judiciário, período durante o qual somou seus esforços à consecução
dos fins desta instituição, executando muitas outras tarefas (afetas a sua função) de
maneira que, ao sobrepor em dois pratos da balança suas ações contributivas
efetivamente realizadas e o ocorrido que ensejou sua punição, haverá notório
declínio do lado de suas boas realizações.
Não traduz proporcionalidade a supervalorização de uma conduta em
total desprezo de todas as demais.
A proporcionalidade da pena de demissão se materializa quando a falta
implicar grave comprometimento da eficiência e a aplicação da referida pena, no
caso concreto, seja o meio adequado e necessário à manutenção do serviço
eficiente.
A demissão do oficial de Justiça não trouxe repercussão direta no
aumento da eficiência no cumprimento dos mandados na comarca de Castanhal,
tampouco constituiu-se em medida necessária, indispensável, para referido fim, pois
este, como é de conhecimento de todo colaborador do Poder Judiciário, bem como
de todo jurisdicionado deste país, deve ser alcançado pela racionalização do
serviço, com base na qualificação dos servidores; aumento do quadro funcional
existente e reaparelhamento da máquina judiciária.
É de sabença comum que a demanda pela prestação jurisdicional
aumentou em proporções manifestamente superiores à estrutura funcional e de
pessoal do judiciário, o que provoca um efeito cascata, de acúmulo de serviço que
não cabe apenas a um ator do tão conhecido roteiro.
Assim, o razoável, proporcional - aqui impreterivelmente entendido como
aquilo que de fato contribui para a eficiência do serviço e que não poderia ser
alcançado por outro meio - não resta caracterizado, de modo que ausente este
elemento normativo formador da desídia.
Diga-se ainda que os procedimentos anteriores movidos em face do
recorrente foram arquivados, inexistindo qualquer punição por parte deste Tribunal.
Conforme se depreende das informações constantes da certidão de fls.
27, o recorrente não possui antecedentes, vez que os processos disciplinares
anteriormente instaurados foram arquivados em razão da incidência da prescrição,
fenômeno que repercute na total impossibilidade de qualquer punição ao servidor,
inclusive anotações funcionais em seus assentamentos, vez que extinta a
punibilidade, extirpados seus efeitos reflexos.
Nesse sentido:
MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL.
INEQUÍVOCO CONHECIMENTO DOS FATOS PELA ADMINISTRAÇÃO,
MAS NÃO PELA AUTORIDADE COMPETENTE PARA APURAR A
INFRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRAZO
PRESCRICIONAL PREVISTO NO CPB, POR INEXISTÊNCIA DE AÇÃO
PENAL E CONDENAÇÃO EM DESFAVOR DO IMPETRANTE. APLICAÇÃO
DO PRAZO QUINQUENAL PREVISTO NA LEGISLAÇÃO
ADMINISTRATIVA (ART. 142 DA LEI 8.112/90). INSTAURAÇÃO DE PAD.
INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. REINÍCIO APÓS 140
DIAS. TRANSCURSO DE MAIS DE 5 ANOS. PRESCRIÇÃO DA
PRETENSÃO PUNITIVA. ORDEM CONCEDIDA, EM CONSONÂNCIA COM
O PARECER MINISTERIAL. VOTOS COM FUNDAMENTAÇÃO
DIVERGENTE, MAS ACORDES NA CONCLUSÃO.
1.omissis.
2.omissis.
3.omissis
4.omissis.
5.omissis.
6.omissis.
7. A prescrição tem o condão de eliminar qualquer possibilidade de
punição do Servidor pelos fatos apurados, inclusive as anotações funcionais
em seus assentamentos, já que, extinta a punibilidade, não há como
subsistir os seus efeitos reflexos.
8. omissis.
Regimental prejudicado.
(MS 14446/DF/ STJ/3ª TURMA /MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO/j. em 13.12.2010/ DJ 15.02.2011)
Desse modo não se verifica substanciado o elemento subjetivo de
intenção de diminuição da carga de trabalho, vez que – afastados os precedentes
em que se fundou a decisão que aplicou a pena de demissão, em razão de sua
imprestabilidade decorrente do fato de terem sido arquivados, deles não resultando
punição alguma - um único fato, referente a um único mandado, considerado no
universo de centenas em que um oficial de justiça cumpre em 20 anos, por certo não
apresenta tal envergamento.
Ressalte-se que, tanto com relação aos procedimentos instaurados
conforme noticia a certidão de fls. 27, quanto com relação às retenções referidas no
relatório correcional (fls.77), não há nos autos, registro de nenhuma punição.
No mais, em casos semelhantes e até mesmo de faltas mais graves,
como no caso de indevido cumprimento de mandado de busca e apreensão
distribuído a outro oficial, portando apenas cópia de mandado recolhido dois anos
antes, o Conselho da Magistratura deste Tribunal, em suas decisões mais recentes,
em clara postura de observação mais acurada da proporcionalidade, reconhecendo
exacerbada a pena aplicada, procedeu à redução e adequação de penalidade,
conforme se depreende dos julgados cujas ementas seguem transcritas:
EMENTA: PROCESSO ADMINISTARIVO DISCIPLINAR. EXTRAVIO DE
MANDADOS. INQUESTIONÁVEL O VERTIGINOSO AUMENTO DO
FLUXO PROCESSUAL PERANTE O JUDICIÁRIO ESTADUAL PARAENSE
E O CRESCIMENTO POPULACIONAL E TERRITORIAL DA REGIÃO
METROPOLITANA. INFLUÊNCIA NO FLUXO LABORAL DOS OFICIAIS DE
JUSTIÇA DE BELÉM. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E
PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO DA PENA IMPOSTA PELA
CORREGEDORIA DE JUSTIÇA DA REGIÃO METROPOLITANA DE
BELÉM DA PENA DE SUSPENSÃO POR 60 DIAS PARA 30 DIAS.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE. UNÂNIME.
REPUBLICAÇÃO POR INCORREÇÃO.
(Conselho da Magistratura TJPA / relatora Desembargadora Maria Rita Lima
Xavier julgado em 26.01.2011, DJ.14.03.2011).
EMENTA: RECURSO ADMINISTRATIVO. CONSELHO DA
MAGISTRATURA. PENA DE DEMISSÃO APLICADA PELA PRESIDÊNCIA
DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL. RECURSO ADMINISTRATIVO. EFEITO
SUSPENSIVO. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. CUMPRIMENTO DE
MANDADO SEM DISTRIBUIÇÃO. COMPROVAÇÃO DE FALTA
DISCIPLINAR GRAVE. PROCEDÊNCIA. SUBTRAÇÃO DE RODAS E
BATERIA DE AUTOMÓVEL. INDÍCIOS. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA
RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PENA DE DEMISSÃO
CONVERTIDA EM SUSPENSÃO POR 90 (NOVENTA) DIAS, CONFORME
ESTABELECE O ART. 189, DA LEI Nº 5.810/94 (RJU). RECURSO
CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.
(Conselho da Magistratura TJPA / relatora Desembargadora Maria Rita Lima
Xavier julgado em 08.09.2010, DJ.13.09.2010).
Assim, além de não substanciados os elementos normativo
(proporcionalidade) e subjetivo (intenção de redução da carga de trabalho) do tipo
desídia, caracterizada apenas a falta grave de descumprimento injustificado de
prazo, não se manifesta razoável a exacerbação da penalidade sugerida pela
comissão processante, vez que o fundamento utilizado para içar a penalidade de
suspensão para a de demissão – quais sejam os precedentes do recorrente – não
podem ser levados em consideração para fim algum.
Pelos fundamentos expostos, a despeito do respeitável entendimento da
então presidente deste Tribunal, confirmada pelo Conselho da Magistratura, bem
como do Parecer do Procurador de Justiça, que compreendem razoabilidade na
aplicação da pena de demissão, esta relatora, em franca e respeitosa divergência,
julga PROCEDENTE o presente recurso, para considerar tipificada a conduta
vedada no art. 178, XVI, do RJU - inobservância sem justa causa dos prazos
administrativos, cuja penalidade a ser aplicada corresponde à pena de suspensão
de 90 (noventa) dias, nos termos do art.189 do RJU/PA e afastando a penalidade de
demissão, por considerá-la exacerbada.
Nessa senda, considerando a procedência do recurso e a modificação da
penalidade aplicada em concreto, oportuna manifestação a respeito da prescrição.
Considerando o afastamento da penalidade de demissão e verificada a
aplicação da suspensão, que ora se procede, o prazo prescricional a ser
contabilizado é de dois anos, conforme norma incerta no inciso II, do art. 198, do
Regime Jurídico Único.
In casu, o prazo começou a correr da data em que o fato se tornou
conhecido, ou seja, em 16.05.2005, data em que o juiz da comarca de Castanhal
tomou conhecimento do ocorrido.
O pedido de providencias (oficio 366/2005, fls.02) da parte do juiz de
direito da Comarca de Castanhal, Senhor CLAUDIO HERNANDES DA SILVA LIMA,
datado de 18.05.2005, foi recebido no protocolo da Corregedoria do Interior em
1º.06.2005 (etiqueta fls.02).
A Corregedoria de Justiça do interior determinou a instauração do
Processo administrativo disciplinar, em decisão datada de 17.12.2007, publicada no
Diário da Justiça de 11.01.2008.
A Portaria nº 012/2008, da Corregedoria, autorizando a instauração do
PAD, pela autoridade local (juiz) datada de 17.01.2008, foi publicada no Diário da
Justiça de 29.01.2008.
O processo disciplinar, finalmente, foi instaurado exatamente na data de
11.02.2008, por meio da Portaria nº 002/2008 da lavra da Presidente da Comissão
Processante, juíza de direito da 5ª Vara da Comarca de Castanhal, Valéria Medeiros
Mendonça.
O termo inicial para a contagem do prazo prescricional é a data em que a
autoridade teve ciência do ocorrido, qual seja o dia 16.05.2005.
O Processo administrativo fora instaurado apenas em 11.02.2008,
havendo assim o transcurso de 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 26 (vinte e seis
dias), entre a ciência do fato e a instauração do processo administrativo, prazo
superior ao suficiente a tornar prescrita a punibilidade de falta em que se aplica a
suspensão, razão porque, com fulcro no inciso II, do art. 198, do Regime Jurídico
Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do Pará, DECLARO PRESCRITA A
PUNIBILIDADE ADMINISTRATIVA.
Por conseqüência, ressaltando que a prescrição tem o condão de eliminar
qualquer punição pelos fatos apurados, retorne o servidor ao status quo ante, com o
retorno ao cargo que ocupava, recebendo retroativamente os direitos e vantagens
do período em que permaneceu demitido.
É como voto.

Belém, 27 de abril de 2011.

Desembargadora MARIA DE NAZARÉ SAAVEDRA GUIMARÃES.

Relatora

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