Você está na página 1de 82

Juizados Especiais

Juizados Especiais
Juizados Especiais
Marco Antônio G. L. Lorencini
Juizados Especiais
Marco Antônio G. L. Lorencini

3.ª edição / 2010


Marco Antônio Garcia Lopes Lorencini

Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da


Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Internacional pela USP.
Professor Universitário. Professor da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/
SP. Membro do Centro Brasileiro de Pesquisas Judiciais (CEBEPEJ). Advogado.
Sumário
Os Juizados Especiais Cíveis
e o acesso à justiça.......................................................................9
A influência do tema acesso à justiça no cenário brasileiro..........................................9
A revisita aos institutos processuais fundamentais....................................................... 11
Juizados Especiais Cíveis
e processo tradicional: convivência..................................................................................... 11
Juizados Especiais Cíveis
e processo tradicional: interdependência......................................................................... 13
Juizados Especiais Cíveis
e processo tradicional: fatores convergentes e divergentes...................................... 14
Fatores que restringem o acesso à justiça......................................................................... 14
Os entraves sociais..................................................................................................................... 15
Juizados Especiais Cíveis e a técnica processual............................................................. 17

Sujeitos e princípios processuais


nos Juizados Especiais Cíveis................................................ 21
Princípios processuais e critérios orientadores............................................................... 21
Princípios processuais e Constituição Federal (CF)........................................................ 23
Critérios orientadores............................................................................................................... 24
Sujeitos do processo e a tarefa estatal............................................................................... 25
O conciliador e a tarefa da conciliação............................................................................... 25
O momento da conciliação
e o seu papel na celeridade da solução da controvérsia............................................. 26
O juiz leigo.................................................................................................................................... 27
O árbitro e a solução arbitral.................................................................................................. 28
Sujeitos parciais do processo................................................................................................. 28
Institutos processuais
nos Juizados Especiais Cíveis................................................ 31
Jurisdição e competência........................................................................................................ 31
Competência de foro................................................................................................................ 33
Organização judiciária e juizado........................................................................................... 34
Ação, os elementos da demanda e suas condições....................................................... 34
Pressupostos de admissibilidade
do provimento jurisdicional................................................................................................... 36
Processo e procedimento........................................................................................................ 38
Cautelares e antecipação de tutela...................................................................................... 38
Procedimentos especiais e Juizados Especiais................................................................ 39

Aspectos procedimentais
nos Juizados Especiais Cíveis................................................ 41
Juizado Especial e audiência.................................................................................................. 41
A prova nos Juizados Especiais Cíveis................................................................................. 43
Os meios de prova específicos:
depoimento pessoal e oitiva das partes............................................................................ 44
Prova pericial e inquirição de técnico................................................................................. 44
A prova testemunhal e a documental................................................................................ 45
A inspeção judicial..................................................................................................................... 48
Atividade saneadora................................................................................................................. 48
A sentença e sua imunização................................................................................................. 49
Estrutura recursal....................................................................................................................... 52
Juizado Especial e recurso contra a sentença.................................................................. 52
Juizado Especial e agravo........................................................................................................ 54
Juizado Especial e recurso adesivo...................................................................................... 54
Juizado Especial e embargos de declaração.................................................................... 55
Juizado Especial e órgãos de superposição...................................................................... 56
Efetividade – a execução do Juizado Especial Cível...................................................... 58

Juizados Especiais
Cíveis Federais: Lei 10.259/2001.......................................... 61
Juizados Especiais Federais e aplicação
do modelo dos juizados em outros ramos....................................................................... 61
Juizados Especiais Cíveis
Federais e hipóteses de cabimento..................................................................................... 62
Juizados Especiais Federais e a regra de interpretação................................................ 63
Peculiaridades do Juizado Especial Federal...................................................................... 63
Sentença e estrutura recursal no Juizado Especial Cível Federal.............................. 70
Execução no Juizado Especial Cível Federal..................................................................... 74

Referências................................................................................... 77
Os Juizados Especiais Cíveis
e o acesso à justiça

O tema acesso à justiça envolve diferentes aspectos da prestação jurisdi-


cional e da solução de controvérsias.

Com a finalidade de atacar pontos sensíveis identificados por Cappelletti


e Garth (1988)1, tais como as custas judiciais, os poucos recursos financei-
ros das partes, a desinformação e a falta de aptidão dos cidadãos para saber
reconhecer o que lhe é devido e como reparar eventual lesão, fatores todos
ligados, portanto, aos aspectos econômico e sociocultural, aliados à necessi-
dade de mecanismos diferentes dos tradicionais, bem como pessoas (leia-se
operadores do direito) com mentalidade diferente para tratar de tais assuntos
– nosso ordenamento jurídico, seguindo a cartilha desses autores, endos-
sou as preocupações por eles externadas nas famosas ondas renovatórias,
ampliando a assistência judiciária aos pobres e instituindo um novo modo
de prestação jurisdicional para controvérsias até então não jurisdicionaliza-
das, ou jurisdicionalizadas, que, contudo, não chegavam ao Poder Judiciário
justamente em razão de barreiras de diferentes ordens, criando os Juizados
Especiais.

De fato, a partir da identificação de pontos sensíveis que dificultam a con-


cretização da promessa estatal de pacificação social, o enfoque de acesso à
justiça propôs atacar essas barreiras de forma coordenada, sugerindo, assim,
ideias condensadas no que se convencionou chamar de ondas renovatórias.

A influência do tema
acesso à justiça no cenário brasileiro
A grande virada doutrinária, portanto, foi a obra de Cappelletti e Garth
(1988), que logo ganhou eco no Brasil, ao passo que, do ponto de vista legis-
lativo, a Lei dos Juizados de Pequenas Causas (Lei 7.244/84) tornou direito
positivo parte do anseio de prestigiar a prestação jurisdicional sob a pers-

1
Se não pioneira, a obra foi propulsora entre nós da expressão e dos temas tratados pelos autores a esse propósito.
Os Juizados Especiais Cíveis e o acesso à justiça

pectiva do consumidor de justiça. Depois disso, a Constituição Federal (CF) de


1988 consolidou esses avanços ao içar vários dos conceitos contidos nessa ideia
ao status de norma constitucional. O último retoque a esse esforço foi comple-
tado com a Lei 9.099/95 e, posteriormente, com a Lei 10.259/2001, que instituiu o
Juizado Especial Federal.

O tema acesso à justiça pôs em relevo, de maneira clara e singela, uma preocu-
pação que os juristas recentes jamais abandonaram: fazer a prestação jurisdicio-
nal chegar a todos, apreciando toda sorte de conflitos.

As perguntas técnicas feitas a partir de constatações da realidade tinham res-


postas acadêmicas; inviáveis, contudo, na aplicação concreta em razão da ausên-
cia de um corpo legislativo que abraçasse essas concepções.

Não sendo mais possível esconder a existência de uma sociedade de massas e


uma relativa incapacidade do Estado soberano de entregar a prestação jurisdicio-
nal plena e tempestiva; e ainda que determinados direitos materiais tinham na
definição do titular em juízo um problema a ser solucionado; enfim, que mudan-
ças sociais e conflitos delas decorrentes estavam sendo ignorados, impôs-se então
a necessidade de uma regulamentação legal. Foi então que o que já era consenso
dentro da boa doutrina propiciou o surgimento de diversos diplomas legislativos,
atacando diferentes aspectos do acesso à justiça.

Além do advento da Lei da ação civil pública (LACP), do Código de Defesa do


Consumidor (CDC), do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei 7.244/84
introduziu a expressão pequenas causas nos tribunais pela porta da frente, tra-
zendo conflitos que até então não chegavam para a sua apreciação em razão de
diversos obstáculos.

Admitida a existência de uma litigiosidade contida, optou-se por introduzir,


mediante o diploma legal, um novo modo de pensar a prestação jurisdicional,
esforço indicado pela letra da lei. Esse modo de pensar apresentou pelo menos
duas perspectivas que merecem reflexão: em primeiro lugar, a coragem de admi-
tir que a prestação jurisdicional é influenciada por fatores externos ao fenômeno
processual e, a partir daí, ter buscado meios de identificá-los, entendê-los, consi-
derá-los e, dentro do possível, discipliná-los, ainda que muitos deles sejam imunes
ao tratamento legal; em segundo lugar, o reconhecimento de que os institutos
fundamentais e a técnica do processo tradicional nem sempre dão a resposta
necessária a esse modo de pensar; porque não cabem nas concepções e exigên-
cias desse novo cenário, ou, pelo menos, que merecem uma nova análise.

10
Os Juizados Especiais Cíveis e o acesso à justiça

Essa última perspectiva criou duas realidades distintas, a esta altura inexorá-
veis, que convivem lado a lado, interdependentes e com interpenetrações: de um
lado, a do Processo Civil tradicional, aqui entendido como aquele existente desde
o nascimento da ciência processual no século XIX, com seus institutos, sujeitos e
princípios fundamentais; e, de outro, aquela proposta pelos Juizados de Pequenas
Causas, hoje, com o advento da Lei 9.099/95, chamados Juizados Especiais.

A revisita aos institutos


processuais fundamentais
É verdade que o Processo Civil atual não é o mesmo que surgiu com a ciência
processual. Tampouco o Processo Civil brasileiro permaneceu inalterado desde
quando se desgarrou formalmente de sua origem lusitana. Contudo, o desenvol-
vimento da fase metodológica instrumentalista apresentou novos ingredientes
necessários para alcançar uma prestação jurisdicional integral e tempestiva, bem
como sugeriu novas reflexões acerca dos institutos fundamentais – jurisdição,
ação e a correlata exceção, e processo – dos princípios e sujeitos do processo.
A revisita a esses aspectos fundamentais da ciência processual foi motivada pela
necessidade de acomodar o Direito Processual às exigências do direito material,
que não encontrava na então conformação o melhor modo de ser concretizado.
O chamado Processo Civil de resultados exige essa postura, que implica um traba-
lho sem cessar de todos os preocupados com a prestação jurisdicional.

De certa forma, essa revisita concretizou-se com as pequenas causas, hoje trata-
das pelos Juizados Especiais. Por outro lado, é interessante investigar quanto dos
aspectos do processo tradicional foi abalado por essa revisita e o quanto os pilares
fundamentais encontram-se incólumes apesar desta nova realidade.

Juizados Especiais Cíveis


e processo tradicional: convivência
O Direito Processual contemporâneo não vive sem a noção de acesso à jus-
tiça. Foi essa noção que reavivou a ciência processual e deu novo vigor à função
jurisdicional. A fim de atualizar a missão que lhe cabe, essa função estatal reno-

11
Os Juizados Especiais Cíveis e o acesso à justiça

vou-se e ganhou neste tema mais uma forma de apresentar-se aos jurisdiciona-
dos, embora o tema acesso à justiça possa resvalar na não atuação da função
estatal, como ocorre com os meios extrajudiciais de resolução de controvérsias.

Boa parte dos assuntos ligados ao acesso à justiça remete à universalidade da


jurisdição, destacando-se a respeito dessa última os interesses coletivos e difusos
e as pequenas causas. A cada momento, com o fito de proteger o homem, novos
direitos surgem e daí a exigência de mecanismos para que a proteção seja efetiva.
De maneira sui generis, os Juizados Especiais propõem a busca de soluções de
conflitos via processo, porém absorvendo equivalentes jurisdicionais, o que, apa-
rentemente, poderia levar a supor que a função jurisdicional estaria enfraquecida
com essa opção. Contudo, é preciso ponderar que essa iniciativa não é exclusiva
dos Juizados Especiais, mas sim uma tendência do Direito Processual contempo-
râneo .

Em uma primeira ordem de ideias, é inegável que a tônica aos meios alterna-
tivos de resolução de controvérsias, como a conciliação e a mediação, resulta da
constatação de que o Estado, em um dado momento histórico, foi incapaz de lidar
com conflitos de determinada natureza.

Em uma segunda ordem de ideias, o reavivamento da conciliação tem raiz na


ineficiência da entrega da prestação jurisdicional. Porém, as vias alternativas de
solução de controvérsias só convivem e ganham força na medida em que o inte-
ressado esteja sempre ciente de que a via jurisdicional estatal existe e pode ser
utilizada, em que pesem todas as suas deficiências.. Postas de um lado e de outro
as vantagens e desvantagens de cada uma das formas de solução de controvér-
sias, a opção da via autocompositiva só faz sentido se claro estiver que outra forma
existia e não se quis2. Pelo menos é esse um dos elementos necessários para dar
aderência aos métodos alternativos de solução de controvérsia. Acrescente-se que
nem por isso o fim da controvérsia por intermédio de uma via autocompositiva
deixa de passar pelo crivo estatal3.

2
É o que adverte Ada Pellegrini Grinover (1988, p. 74) ao concluir os critérios orientadores para a eficácia da conciliação: “b.2) a
firme possibilidade de acesso à justiça, em caso de insucesso da conciliação; b.3) sua facultatividade, a fim de não obstaculizar
o livre acesso aos tribunais.”
3
Além de, obviamente, a conciliação endoprocessual, jurisdicional no processo tradicional e não jurisdicional nos Juizados
Especiais, a conciliação extrajudicial, de qualquer valor ou natureza, pode ser homologada pelo juízo dos Juizados Especiais
(Lei 9.099/95, art. 57), o que demonstra, pela sua abrangência, o relevo emprestado à conciliação, a operar não só nos Juizados,
como em todo o sistema.

12
Os Juizados Especiais Cíveis e o acesso à justiça

Juizados Especiais Cíveis


e processo tradicional: interdependência
O acesso à justiça e, dentro dele, os Juizados Especiais, é capítulo fundamental
do sistema processual civil atual, considerado em sua integralidade. De modo que
se referir ao sistema processual atual e negligenciar o método preconizado pelos
Juizados Especiais, concebido para atuar sobre controvérsias de pequena monta
ou complexidade, é ter uma visão apenas de parte do sistema processual atual.
De outro lado, resumir o sistema processual atual ao universo dos Juizados Espe-
ciais é tomar a parte pelo todo, o que é igualmente inconcebível.

No atual estágio, os Juizados Especiais não são a panaceia do sistema proces-


sual, pois visam atacar determinadas controvérsias mediante a admissão de pes-
soas específicas, embora algumas de suas soluções terão ou virão a ter aplicação
no processo tradicional. Outras, porém, sejam as que envolvem seus operado-
res, sejam as ligadas à técnica e aos institutos processuais que são de aplicação
remota no processo tradicional.

É inegável que a atuação do mecanismo dos Juizados sem a prévia noção de


Estado, jurisdição, ação, defesa, processo, princípios e sujeitos processuais seria
impossível.

Não há como desenvolver qualquer ideia de solução de controvérsia sem esse


pano de fundo. Esse cenário, quem oferece, é o Processo Civil tradicional, ainda
que o intuito seja o de, logo em seguida, questionar suas premissas ou o modo
pelo qual ele opera.4 Porém, a ideia de deformalização das controvérsias, enten-
dida como forma de evitar o processo judicial, atinge as duas esferas. A busca das
chamadas vias alternativas funciona como o filtro necessário para que tudo não
desemboque na solução jurisdicional via sentença estatal. De outro lado, a defor-
malização do processo atinge a esfera do Processo Civil tradicional e dos Juizados
Especiais de modo e intensidade diversos.5

4
O modo de operar tem a ver com a deformalização das controvérsias no sentido de deformalização do processo, tal como
preconizado por Ada Pellegrini Grinover (1998a).
5
Ada Pellegrini Grinover (1988, p. 280) esclarece que “o termo (deformalização das controvérsias) há de ser utilizado em duas
distintas acepções: de um lado, a deformalização do próprio processo, utilizando a técnica processual em busca de um processo
mais simples, rápido, econômico, de acesso fácil e direto, apto a solucionar com eficiência tipos particulares de conflitos de
interesses. De outro lado, a deformalização das controvérsias, buscando para elas, de acordo com sua natureza a equivalentes
jurisdicionais”.

13
Os Juizados Especiais Cíveis e o acesso à justiça

Juizados Especiais Cíveis e processo


tradicional: fatores convergentes e divergentes
O paralelismo entre processo tradicional e Juizados Especiais não pretende
demonstrar a excelência nem a supremacia de um modelo em face de outro. Não
se trata disso. Até mesmo porque ambos encontram-se inseridos e interagem no
sistema processual. Para atacar parte dos obstáculos que impedem de se tornar
realidade o acesso à justiça, o sistema processual brasileiro adotou a fórmula dos
Juizados Especiais, sem prejuízo de outras iniciativas para atacar outros aspectos
do problema. Desse modo, no contraste entre processo tradicional e Juizados
Especiais, trata-se, sim, de verificar as diferentes realidades que cada modelo atua
e a demonstração de que eles, respectivamente, adotaram mecanismos mais efi-
cientes para a finalidade de resolver as controvérsias afetas a cada um dos mode-
los, mediante o respeito ao devido processo legal. Claro está que no conjunto
integram o sistema processual e essa última noção depende de ambos.

Fatores que restringem o acesso à justiça


No aspecto externo, é possível identificar fatores políticos, sociais e econômi-
cos que restringem o acesso à justiça e atacam o sistema como um todo. O cenário
ofertado pelos Juizados Especiais leva à conclusão de que alguns desses fatores
foram por eles tratados, embora não os tenha dissipado. A nova proposta que os
Juizados Especiais encerram tem o nítido caráter de tentativa de neutralizá-los.

Porém, é equivocado pensar que a introdução do novo modelo tudo pode. No


aspecto político, a análise deve ser dupla. As funções estatais, por enfeixarem o
modo de convivência entre poder e liberdade, são equilibradas pelos poderes do
Estado. No que toca à função jurisdicional, a primeira análise passa pelo debate
em torno do controle do órgão encarregado de exercê-la, o Poder Judiciário, e sua
independência. O modelo dos juizados oferece um contraste flagrante com o pro-
cesso dito tradicional. A instituição dos conciliadores e juízes leigos não encontra
paralelo no Processo Civil tradicional e é sinal de que o clamor pelo arejamento do
Poder Judiciário e do exercício da função jurisdicional surtiu efeitos. Esse respaldo
institucional vem se somar a outras formas de intervenção popular.6

6
Acerca da intervenção indireta, Ada Pellegrini Grinover (1998b, p. 12) exemplifica: “A indireta configura o controle da função
jurisdicional pelos destinatários, ora mediante as relações justiça-informação (com a problemática inerente à publicidade dos
atos processuais, passando pelo controle dos meios de comunicação até o sigilo, como publicidade restrita às partes e a seus
procuradores); ora pela técnicas de responsabilização do juiz; ora pelos controles sobre a atuação e inércia dos órgãos da acu-
sação no processo penal.”

14
Os Juizados Especiais Cíveis e o acesso à justiça

Os entraves sociais
Entre os entraves sociais, o resultante da combinação entre falta de informação
e descrença no Judiciário é o que mais chama a atenção. A despeito do conteúdo
técnico de que são portadores o processo e as coisas da justiça, os operadores
do direito reforçam a aura de indecifráveis de ambos. O elemento mais evidente
desse fenômeno é a linguagem.7 Para quebrar essa distância, bem como fazer fluir
a informação e tirar o Judiciário do descrédito, é que o modelo dos juizados se
instaurou.8 Os seus critérios orientadores – notadamente a simplicidade, informa-
lidade e oralidade – revelam a proposta de aproximação do cidadão da Justiça.9
No capítulo relativo à educação e informação, é lícito dizer que o modelo dos jui-
zados é o único com a preocupação explícita de esclarecer e instruir. Ele assumiu
a tarefa, ao que parece de bom grado, de cartão de visita do Judiciário, seja para
os litigantes habituais seja para os eventuais.

O órgão encarregado de atuar a jurisdição por intermédio do processo,


método e caminho de sua atuação, sempre reforçou a ideia de que esta deve se
dar frente a um caso concreto. É conhecida a tradicionalíssima posição de que
o Judiciário não é órgão de consulta. Os juizados, pautados na ideia da justiça
coexistencial, não prescindem da jurisdição. Contudo, sua estrutura e orientação
voltadas a, sem medir esforços, pôr fim à controvérsia, ressaltam o lado de presta-
ção de esclarecimentos e conscientização do cidadão a respeito de seus direitos.
Tão importante quanto fazer atuar a jurisdição de forma correta e adequada, os
juizados se preocupam em disseminar a notícia acerca da existência de deter-

7
É inegável, como lembra Dinamarco (2000, p. 136), que “Mede-se o grau de desenvolvimento de uma ciência pelo refinamento
maior ou menor de seu vocabulário específico. Onde os conceitos estão mal definidos, os fenômenos ainda confusos e insatisfa-
toriamente isolados sem inclusão em uma estrutura adequada, onde o método não chegou ainda a tornar-se claro ao estudioso
de determinada ciência, é natural que ali também seja pobre a linguagem e as palavras se usem sem grande precisão técnica.”
Na verdade, o obstáculo natural da linguagem, comum a todas as ciências, tem no bacharelismo, em seu sentido pejorativo, o
seu lado perverso. Este merece ataque.
8
Nesse aspecto, a instituição dos Juizados de Pequenas Causas, hoje Especiais, demonstra que a proposta não caberia na mera
reformulação do procedimento sumário, do artigo 275, do CPC. Há uma dimensão bem maior a ser considerada que só o tempo
demonstrou ter sido correta a opção por um modelo exclusivo. Conferir Athos Gusmão Carneiro (1988, p. 333-345 e p. 338-
-341).
9
A respeito da informação que todo cidadão deve receber acerca de seus direitos, da educação que o Estado deve prover e da
descrença da população na justiça, Kazuo Watanabe (1988, p. 131) ressalta ser a participação, mais uma vez, a chave para tais
problemas: “A par das vantagens mais evidentes, que são a maior celeridade e maior aderência da Justiça à realidade social, a
participação da comunidade traz, ainda, o sentido pedagógico da administração da justiça, propiciando o espírito de colabora-
ção. Os que têm a oportunidade de participar conhecerão melhor a Justiça e cuidarão de divulgá-la ao segmento social a que
pertencem. Demais disso, a organização de uma Justiça com essas características, organizada para pessoas mais humildes, tem
a virtude de gerar, pela própria peculiaridade do serviço que presta e pela exigência das pessoas que a procuram, ordinaria-
mente pouco instruídas, um serviço paralelo, que é o de informação e orientação. ‘Paralelo’ é um modo de dizer, pois na verdade
é um serviço que se completa com o de solução de conflitos, formando um todo único. Juizados Informais de Conciliação e
Juizados Especiais de Pequenas Causas que não tenham o serviço de informação e orientação, além do serviço de assistência
judiciária, não estão completos e não cumprirão o relevante papel que lhes é destinado.”

15
Os Juizados Especiais Cíveis e o acesso à justiça

minado direito material violado e a possibilidade de o jurisdicionado obter uma


forma de reparação. Daí o perfeito casamento dos juizados com órgãos ligados à
administração ou centros universitários.

A presença do julgador, personificação do Estado-juiz, em ambiente diferente


do qual ele normalmente atua, é um elemento a mais no cenário, diluído entre
conciliadores, assistentes e funcionários. Desse modo, além de irradiadoras do
poder e função do Estado quando a jurisdição é chamada a atuar, tais unidades
são centro de referência e informação, prestando relevante serviço público. A juris-
dição, se necessário, é chamada a atuar, sem prejuízo de informar e educar.. Assim,
se, para o processo tradicional, o modo como a jurisdição cumpre seu escopo
social de educar e informar significa propiciar o acesso à justiça e demonstrar a
eficiência do sistema, o modelo dos juizados dá um passo a mais, pois propõe ir
ao encontro dos jurisdicionados, orientá-los, e ter a atuação da jurisdição como
uma das alternativas para a solução de eventual controvérsia: informação e solu-
ção da controvérsia andam lado a lado.

O entrave social mais evidente ao acesso à justiça é o que diz respeito à men-
talidade dos envolvidos na prestação jurisdicional. A despeito de a ideia de acesso
à justiça envolver todos os operadores de direito, costuma-se centrar na figura
do julgador as principais recomendações acerca da nova postura que o acesso
à justiça significa. Não são poucas as críticas reservadas aos que exercem a juris-
dição em nome do Estado. É comum acusar a magistratura de conservadora e
resistente a mudanças (GRINOVER, 1998b, p. 25). Por outro lado, a conduta acon-
selhada pelo acesso à justiça atinge o sistema processual como um todo. Não se
pode vislumbrar aí elementos dissonantes que afastam o processo tradicional do
modelo dos juizados. O juiz a atuar em um sistema e no outro deve ser, em essên-
cia, o mesmo. O processo aqui adjetivado de tradicional não impede que o seu
operador o maneje com os olhos do acesso à justiça, pois a ideia de acesso, a ideia
de justiça e de ordem jurídica justa passa por várias perspectivas.

Quando se faz referência a determinadas características que o juiz a atuar nos


juizados deve ter, certamente se quer pôr em relevo a dimensão social que o jul-
gador assume nessa modalidade de justiça. Os juizados são a explicitação de uma
das vertentes do acesso à justiça e da democracia participativa. Assim, ciente de
todas as implicações da expressão “ordem jurídica justa”, deve ele compreender:

 a importância da conciliação no quadro dos juizados e da óptica do consu-


midor de justiça;

16
Os Juizados Especiais Cíveis e o acesso à justiça

 a existência de determinados litigantes desacompanhados de advogados e


a necessidade de tratamento paritário;

 a informalidade dos atos processuais e do procedimento;

 a tônica sobre a simplicidade;

 a celeridade pautada na oralidade e na economia processual;

 a gratuidade e os desdobramentos da assistência judiciária;

 os juizados como centro de informação e referência.

Em razão das diferenças de concepções entre o processo tradicional e o dos


juizados, é possível identificar com maior nitidez o julgador não vocacionado
para sua missão no modelo dos juizados. O contato maior e mais direto com os
jurisdicionados e auxiliares, a maior liberdade na forma, obrigando-o a pautar-se
pelos princípios processuais com status constitucional ou não, a necessidade
de empenho na conciliação, são circunstâncias que o colocam à prova a todo o
momento, fazendo com que sua atuação fique mais exposta e, por consequên-
cia, sujeita a maior observação.10 Se o modelo dos juizados entregou ao julgador
maior liberdade de atuação, sem dúvida isso implicou igualmente em maior res-
ponsabilidade no tocante ao êxito do modelo dos juizados. De qualquer forma,
definitivamente, não há espaço para o julgador desinteressado ou fiel à crença na
divisão entre processo de primeira classe (tradicional) e de segunda classe (jui-
zado). Julgador com esse espírito não é o melhor indicado para atuar em ambos.

Juizados Especiais Cíveis e a técnica processual


No terreno da técnica processual é que o observador preocupado em enfatizar
as distinções entre um modelo e outro encontrará um campo mais fértil. Além
dos princípios processuais, analisados à luz dos critérios orientadores e dos ins-
titutos fundamentais, notadamente o processo, alterado por tais critérios típicos
dos juizados, é possível encontrar condutas e orientações que consubstanciam as
distinções.

Portanto, no campo das diferenças, podem ser elencadas: a parte estar ou


não representada por advogado; a intervenção de um juiz leigo e um conciliador

10
Luis Fux, (1997, p. 210): “na medida em que o juiz deixa de ser um mero espectador e passa a influenciar diretamente na solu-
ção do conflito, cresce também o seu compromisso e a sua responsabilidade pelo bom funcionamento da Justiça”.

17
Os Juizados Especiais Cíveis e o acesso à justiça

personificado em uma figura diversa da do juiz; o ônus de comparecimento sob


pena de revelia, seja para o autor, seja para o réu; a relativização dos atos fora
da comarca com carta precatória simplificada; produção da prova por qualquer
meio idôneo, não prolongamento na colheita das provas e repulsa às comple-
xas; meio peculiar na colheita da prova pericial e da oral; simplicidade na docu-
mentação dos atos processuais, mediante oralidade; vedação à ação rescisória;
não previsão acerca de recursos, como o de agravo e embargos infringentes
e, mais recentemente, a tendência em não se admitir recurso especial; e, final-
mente, gratuidade no caso de conformação com a sentença de primeiro grau.

Nesse rol exemplificativo atinente, principalmente ao processo de conheci-


mento, há orientações que são a explicitação dos critérios orientadores dos jui-
zados.

Como visto, a convivência entre processo tradicional e Juizados Especiais


Cíveis é muito rica e só contribui para o aperfeiçoamento das formas de solução
de controvérsias.

Ampliando seus conhecimentos


Indicamos a leitura da obra abaixo:

Acesso à Justiça, de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, Fabris Editor.

18
Sujeitos e princípios processuais
nos Juizados Especiais Cíveis

Princípios processuais
e critérios orientadores
Há diferentes modos de apresentar os princípios processuais e diferente é
a importância que os estudiosos atribuem a eles no cenário do sistema pro-
cessual. Em geral, a diferença entre uma análise e outra está na perspectiva, o
que implica dizer que uma não desmerece nem anula a outra. Assim, entre os
métodos de análise, dois merecem destaque: o que apresenta os princípios
informativos ou deontológicos. Arruda Alvim (1991, p. 7) anota, conforme,
ainda, Alcides Mendonça Lima (1994, p. 11), bem como Ada Pellegrini Grino-
ver (1975):
Os princípios de ordem técnica se denominam, tradicionalmente – a partir de uma classifi-
cação que vem da segunda metade do século passado, idealizada na Itália – de princípios
informativos. Diz-se que tais princípios informativos são: o lógico, o jurídico, o político e
o econômico. Há quem pretende serem eles destituídos de permeação ideológica maior,
pois que a carga ideológica diria respeito, apenas, aos princípios fundamentais, o que é
inexato. Se se deve ter presente que os chamados princípios fundamentais (pois que deno-
tam caráter eminentemente político) têm, por isso mesmo, decisiva permeação ideológica,
saliente-se, todavia, que, nem pela circunstância de os princípios técnicos (informativos)
aparentarem (e, realmente, nestes a “carga” ideológica é menor) menos este componente,
errôneo será considerá-los exclusivamente técnicos, no sentido de estarem desligados do
ambiente político-cultural em que foram editados, onde existem e funcionam. Consig-
ne-se que, os princípios informativos, em última análise, colimam, teleologicamente, criar
condições “técnicas” para a consecução de finalidades assumidas pelo Estado.

Também merece destaque o método relativo aos princípios fundamentais,


também denominados por alguns de gerais. Essa é a maneira tradicional de
apresentar os princípios processuais.

Ao lado dela, ganhou importância suprema analisar o Direito Processual


sob a óptica constitucional. Essa postura metodológica inovadora reforça a
importância da jurisdição, do processo e da ação, bem como seus postulados
e o acesso a eles como direito fundamental.
Sujeitos e princípios processuais nos Juizados Especiais Cíveis

As pequenas causas, no que foram seguidas pelo Juizado Especial, desde seu
surgimento, evitaram o termo “princípios” para delinear seus paradigmas. Pre-
feriram critérios orientadores. Seriam eles os que norteariam o modo de solução
de controvérsias trazidas aos Juizados Especiais. Assim, se no Direito Processual,
salvo uma ou outra diferença1, encontra-se consolidado quais são os tais prin-
cípios gerais, bem como os mais amplos que têm status constitucional, tarefa
instigante é lê-los a partir dos critérios orientadores propostos pelo modelo dos
Juizados Especiais Cíveis.

Os princípios são a cristalização de um modo de pensar e agir, fruto de uma


cultura e de um tempo2. São, assim, dotados de premissas cuja decorrência é a
consagração do próprio Direito Processual como ramo do Direito Público. O Di-
reito Processual, por sua vez, também comporta ramificações, entre elas a do
Direito Processual Civil.

Dentre os denominados princípios fundamentais, ditos gerais, há os que são,


antes de tudo, garantias e encontram-se consagrados constitucionalmente. Por
serem pontos de partida, não comportam modificação, o que não impede que
novas necessidades levem o observador atento à realidade a repensá-los, quando
não a propor interpretá-los segundo a necessidade do tempo atual.

Em linhas gerais, é possível adiantar – nem poderia ser diferente – que os prin-
cípios processuais têm plena aplicação no modelo dos Juizados Especiais. O que
ocorre é que a sua interação com os critérios orientadores e a própria mentalidade
e filosofia apresentadas pelos juizados autorizam uma releitura.

1
É normal que, dentro da doutrina, não haja exata coincidência entre os princípios fundamentais do Processo Civil enunciados
por cada autor. A doutrina brasileira não foge à regra. Por outro lado, é possível encontrar determinados princípios presentes
na grande maioria dos autores. A respeito de um panorama comparativo sobre os princípios fundamentais, conforme Wambier,
Correia de Almeida e Talamini, (1999, p. 62-70). Recentemente, Dinamarco (2001a, p. 196), destaca: “Existem inúmeras outras
regras técnicas de grande importância e prestígio, também geralmente indicadas como princípios, mas que não o são. É o caso,
p. ex., do chamado princípio da demanda, pelo qual a jurisdição só se exerce mediante provocação de parte (CPC, art. 2.º, art.
262); do princípio da correlação entre provimento e demanda, pelo qual o juiz não pode conceder ao autor senão o que foi
pedido, sendo também obrigado a pronunciar-se sobre o pedido todo (arts. 128, 560); do princípio do livre convencimento, que
dá ao juiz liberdade para examinar os resultados da prova segundo sua própria capacidade perceptiva e atento a que consta dos
autos motivando sua decisão (art. 131 c/c art. 458, II); do princípio da oralidade, que postula a preponderância do verbal sobre o
escrito no procedimento; do princípio dispositivo, da lealdade, da instrumentalidade das formas etc.”
2
Hans Walter Fasching, citado por Fernando Noal Dorfmann (1989, p. 8), exprime bem como os princípios processuais devem ser
entendidos: “Os princípios processuais não são – talvez com a única exceção do princípio do contraditório – de acordo com a sua
própria natureza, nem dogmas, tampouco axiomas, senão o resultado de uma experiência acumulada ao longo de muitos anos
com os diferentes modelos processuais, com a sua aplicação e com a sua finalidade. Esses princípios não devem se converter
em um fim em si mesmos, devem, ao contrário, manter confirmadas, sempre renovadas a sua aprovação e a legitimidade de sua
própria existência. Justamente o desenvolvimento do processo civil na prática das últimas décadas tem sido caracterizado pela
constatação de que o processo transformou-se num fenômeno de massas. As instituições tradicionais da Justiça e as formas
processuais assimiladas do passado são somente condicionalmente adequadas para superar a nova situação de maneira rápida,
econômica e satisfatória para aqueles que buscam a Justiça.”

22
Sujeitos e princípios processuais nos Juizados Especiais Cíveis

Princípios processuais
e Constituição Federal (CF)
Além de consagrar o próprio processo como método de solução de controvér-
sias ante o monopólio da jurisdição por parte do Estado, a CF contempla cláusu-
las, garantias e limites, verdadeiros substratos do Estado Democrático de Direito.
Como ressalta Dinamarco (2001a, p. 193-194):
[...] a percepção de que o Processo Civil é ramo do direito público constitui uma grande
premissa metodológica que conduz a colocá-lo como alvo de uma série de preceitos
e garantias na Constituição, os quais se traduzem um verdadeiro sistema de promes-
sas e limitações: promessas de dar solução aos conflitos e conduzir os sujeitos à ordem
jurídica justa e limitações consistentes em uma série de condicionamentos e restrições a esse
exercício. Tais limitações são ditadas com vista a assegurar às partes uma série de posições e
possibilidades no processo, que o juiz não pode desrespeitar.

E arremata (2001a, p. 194-195):


[...] mas a tutela constitucional do processo não seria efetiva se as grandes linhas mestras dese-
nhadas pela Constituição (princípios) não ganhassem eficácia imperativa mediante as corres-
pondentes garantias. Consistem as garantias constitucionais em preceitos dotados de sanção,
isso significando que sua inobservância afetará de algum modo a validade ou eficácia do ato
transgressor, o qual não pode prevalecer sobre os imperativos constitucionais. Por isso é que
geralmente os dispositivos constitucionais reveladores dos grandes princípios são encarados
como garantias, a ponto de ser usual o uso indiferente dos vocábulos princípios e garantia para
designar a mesma ideia.

Assomam, assim, os princípios constitucionais a orientar todo o sistema pro-


cessual e, por consequência, os processos sujeitos aos Juizados Especiais Cíveis.
O devido processo legal, a inafastabilidade da jurisdição, a igualdade, o contraditó-
rio, a ampla defesa, o juiz natural, a publicidade e a motivação das decisões dão os
contornos fundamentais ao processo brasileiro com a finalidade de possibilitar o
acesso à justiça.3 Por outro lado, é verdade que tais garantias e princípios têm a
matriz comum do devido processo legal.

Ao mesmo tempo, pode-se eleger o devido processo legal como ponto de


partida ou como ponto de chegada. Em outras palavras: o devido processo legal
pode ser o princípio maior do qual os outros (a inafastabilidade da jurisdição, a
igualdade, o contraditório, a ampla defesa, o juiz natural, a publicidade e a motiva-
ção das decisões) são desdobramentos; sob outro raciocínio, um dos princípios

3
É sempre Dinamarco (2001a, p. 197) que resume: “A Constituição formula princípios, oferece garantias e impõe exigências
em relação ao sistema processual com um único objetivo final, que se pode qualificar como garantia síntese e é o acesso à
Justiça”.

23
Sujeitos e princípios processuais nos Juizados Especiais Cíveis

a ele ligado desemboca no devido processo legal. De uma forma ou de outra, é


inegável que a expressão devido processo legal comporta uma amplitude muito
grande, razão pela qual ela é invocada para resumir todas as garantias fundamen-
tais, inclusive as que envolvem a prestação jurisdicional e seu modo de ser.

No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, todos os princípios e garantias acima


aludidos estão presentes e convivem com os demais princípios processuais e crité-
rios consagrados pelo modelo dos juizados. A busca da simplicidade e informali-
dade resulta na liberdade de formas; a oralidade, bem mais presente em atos se
comparada com o processo tradicional, persegue a celeridade.

Critérios orientadores
Justamente por encerrar ideias e conceitos, os princípios processuais e critérios
orientadores não se sujeitam a fórmulas. A amplitude de determinado princípio
ou critério, como visto, é a chave para a sua perenidade.

Por causa disso, explicar o que são os critérios orientadores não soluciona o
dilema de determinar todas as hipóteses e circunstâncias em que eles são aplica-
dos. Tampouco a sua convivência com os princípios processuais, constitucionais
ou não, bem como as regras jurídicas. O que é possível dizer é que, no modelo do
juizado, os critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual
e celeridade (Lei 9.099/95, art. 2.º) têm função sob dois aspectos:

 como modo inspirador, junto com os demais princípios processuais, de


determinadas regras consagradas legalmente; e

 como elemento de interpretação diante de ausência de norma específica,


de conteúdo vago ou de conflito.4

Há vários momentos em que essa última função dos princípios e critérios é


praticada. Exemplificativamente, são os princípios processuais e os critérios orien-
tadores que ditam a admissão ou não de pedido contraposto por pessoa jurídica,
a admissibilidade de interposição de recurso adesivo, a possibilidade de comple-
mentação de preparo no recurso, a admissão do agravo, de medidas cautelares e
tutela antecipada do processo monitório.

4
Como lembra José Carlos Barbosa Moreira (1997, p. 57), usamos mal um princípio “quando o pomos em prática sem levar
em conta os outros princípios que lhe servem de contrapeso e com ele precisam conjugar-se para assegurar o equilíbrio do
conjunto”.

24
Sujeitos e princípios processuais nos Juizados Especiais Cíveis

Sujeitos do processo e a tarefa estatal


À primeira vista, causa espécie que o sistema dos Juizados Cíveis, consagrando
o princípio da simplicidade, tenha introduzido outras figuras que auxiliem o juiz
togado e monocrático na tarefa de remover os impasses da vida que lhe são apre-
sentados, tenham eles o status de juiz investido ou não, praticando atividade
jurisdicional ou não.

Vista a questão com mais cuidado, fica patente que a introdução de novas figu-
ras pelo legislador do Juizado Especial não afeta o princípio da simplicidade que
ele consagrou, assim como a própria introdução do modelo do Juizado Especial
convivendo lado a lado com o sistema tradicional não compromete o princípio
do juiz natural.5

O conciliador e a tarefa da conciliação


A conciliação é, sem dúvida, o principal pilar no qual o modelo do Juizado
Especial se assenta. Tanto que destacou uma figura específica para desempenhar
essa função, embora o juiz leigo ou togado possam exercê-la. Contudo, a ênfase
atribuída à conciliação não é exclusividade do legislador dos Juizados Especiais.
Na história do Processo Civil brasileiro, a via conciliatória não é estranha; moderna-
mente, passou ela a ser a pedra de toque do Processo Civil tradicional6. No Juizado
Especial, para dar o devido destaque, bem como imprimir eficiência à atividade,
foi introduzida a figura do conciliador, pessoa diversa do juiz togado.

A escolha de pessoa diversa do julgador para esse mister teve tripla intenção.
Antes de tudo, a entrega dessa tarefa significa aumentar a capacidade de traba-
lho do julgador, que poderá, enquanto o conciliador estiver desempenhando

5
Com a confirmação da facultatividade de ajuizar ação perante os Juizados Especiais, algumas vozes se levantaram objetando
que a introdução dos Juizados Especiais feriria o princípio do juiz natural. O óbice é descabido. Ainda sob o pálio da Constituição
anterior, Grinover (1984, p. 39) observa que “[...] o princípio do juiz natural, entre nós, é tutelado por dupla garantia: consiste
a primeira na proibição de juízos extraordinários, constituídos ‘ex post facto’; e, a segunda, na proibição de subtração do juiz
constitucionalmente competente”. Portanto, com a introdução dos Juizados Especiais, não se trata de instituir um órgão depois
da ocorrência do fato (problema que se colocou apenas quando da introdução da lei) nem de subtrair a atribuição do juiz
competente. A existência de pluralidade de vias de acesso – Juizados Especiais, com renúncia ao crédito excedente, e Justiça
Comum – não macula o juiz natural, uma vez que ambos são previstos constitucionalmente. De todo modo, aconselhável seria
a exclusividade dos juizados no rol de hipóteses de sua competência. (Lei 9.009/95, art. 3.º).
6
O CPC brasileiro vigente, no início de sua vigência, trazia tão somente a incumbência do juiz de tentar a conciliação sobre
direitos disponíveis na abertura da audiência de instrução de julgamento (CPC, art. 477). A fim de enfatizar essa exigência, a
minirreforma não só introduziu a audiência preliminar, mas também a tentativa de conciliação em uma de suas etapas, como
ainda consagrou a tentativa de conciliação entre os deveres do juiz (art. 125, IV).

25
Sujeitos e princípios processuais nos Juizados Especiais Cíveis

sua função, julgar outros casos cuja tentativa de conciliação tenha sido infrutí-
fera. Além disso, de um lado, o conciliador, não sendo o juiz da causa, não corre
o risco do prejulgamento, isto é, de antecipar seu entendimento quanto à ques-
tão objeto de controvérsia, o que lhe possibilita desempenhar sua função sem
nenhuma amarra; a tarefa de conciliar e julgar concentrada em uma só pessoa é
uma verdadeira camisa de força, que resulta, a mais das vezes, em cautela no enca-
minhamento da solução conciliadora. É o que ocorre no Processo Civil tradicional.
De outro lado, a entrega da conciliação a uma pessoa diversa do julgador é uma
aposta na eficiência da especialidade: embora o juiz togado, hoje em dia, deva ter
uma técnica de conciliação apurada, pois do contrário não pode ser tido como
bom juiz, já que ele também exerce a tentativa de conciliação – é de se presumir
que uma pessoa com este fim único – conciliar – torne-se expert, desenvolva essa
habilidade, tratada ora como arte ora como ciência. Por óbvio, contudo, que a arte
de conciliar não se resume a conjugar habilidades no encaminhamento de ques-
tões de cunho econômico. Requer, mais do que nunca, sensibilidade no campo da
sociologia e da psicologia. Embora as questões levadas tenham um fundo patri-
monial, o caminho da conciliação não passa apenas por esse aspecto.

A lei esmerou-se em recrutar conciliadores preferencialmente entre os bacha-


réis de Direito (Lei 9.099/95, art. 7.º). Em que pese a nobreza e importância da
tarefa do conciliador, não cumpre ele função jurisdicional. Como é sabido, o
desempenho da jurisdição só se dá por quem é investido pelo Estado para tanto.
A investidura, por sua vez, implica certas garantias de independência e imparcia-
lidade. As regras de independência, ligadas ao Poder Judiciário, não se estendem
aos conciliadores.

O momento da conciliação e o seu papel


na celeridade da solução da controvérsia
O momento da conciliação tem profunda influência no seu êxito. Sensível a
isso, o legislador do Juizado Especial compreendeu esse ingrediente sutil para o
sucesso da conciliação e colocou sua realização logo depois de procedida a cita-
ção do réu, com a importante ressalva de que a audiência de tentativa de conci-
liação tem esse fim único, evitando que o réu já tenha que vir preparado com sua
defesa, oral ou escrita, na hipótese de fracasso da conciliação.

26
Sujeitos e princípios processuais nos Juizados Especiais Cíveis

Neste aspecto, distanciou-se da sucessão de atos previstos no procedimento


comum sumário do Processo Civil tradicional para valorizar a conciliação. Não
impediu, entretanto, em nome da celeridade processual, que a audiência de ins-
trução e julgamento, ocasião em que tradicionalmente a defesa é apresentada
no procedimento concentrado, ocorra imediatamente após a conciliação sem
sucesso, desde que não cause prejuízo à defesa. Deixou-se, portanto, o controle
do contraditório ao juiz, segundo as peculiaridades do caso: se a parte ré estiver
preparada para apresentar sua defesa oral ou escrita, a audiência de instrução e
julgamento pode ter lugar, fracassada a conciliação e afastada a via arbitral; do
contrário, ela é designada para os próximos 15 dias subsequentes.

O juiz leigo
Dentro do espírito de divisão de trabalho que preside o juizado, há previsão
legal quanto à condução do processo por juiz leigo. Juiz leigo é a denominação
atribuída àquele que exerce as funções primaciais de conduzir o processo – princi-
palmente na atividade de sanear, instruir e decidir – sem estar investido na função
jurisdicional.7 Como dito, o exercício da função jurisdicional é prerrogativa do juiz
togado, investido para fazer atuar esse poder do Estado e cercado de garantias de
independência e de imparcialidade.8

A figura do juiz leigo é justamente a consagração da ideia de deformalização


do processo. Recrutado entre advogados militantes, ele representa o arejamento
no perfil daquele que é, tradicionalmente, incumbido da função de julgar. Nessa
medida, é sempre saudável esta integração de pessoas na atividade de julgar e
necessária para que a vivência daquele que desempenha outras funções que não
a de juiz, aperfeiçoe o desempenho dessa função estatal.

No desempenho de suas funções, o juiz leigo é juiz, embora sua formação


tenha sido outra. Por tal razão, conduz o processo da mesma forma que o juiz to-
gado. Não há diferença entre o processo conduzido pelo juiz leigo e o juiz togado.
O liame que se estabelece com os polos da relação jurídica processual é o mesmo,
seja perante os juízes leigos, seja perante o juiz togado, porque, no fundo, ambos

7
É recrutado entre os advogados com mais de cinco anos de exercício profissional, na dicção do artigo 7.º da Lei 9.099/95.
8
Embora sejam auxiliares da justiça, a exemplo dos conciliadores, os juízes leigos, para que possam exercer sua função com isen-
ção, não podem advogar nos Juizados Especiais em que exercem o munus de juiz leigo (Lei 9.099/95, art. 7.º, parágrafo único).

27
Sujeitos e princípios processuais nos Juizados Especiais Cíveis

agem em nome do Estado. O primeiro, entretanto, por não ter investidura, sub-
mete sua decisão ao juiz togado para homologação, pois só este último é veículo
de manifestação do poder estatal pautado na definitividade e inevitabilidade,
atributos da jurisdição.

Sob o aspecto dos poderes no processo, portanto, o juiz leigo só tem subtraído
o poder de dar imperatividade à sua decisão; no mais, sempre sob a óptica dos
atos no processo, é juiz.

O árbitro e a solução arbitral


A arbitragem apresenta-se como um dos caminhos para que a controvérsia
levada ao Juizado Especial chegue a bom termo. Como em uma estrada com
bifurcação, o procedimento dos juizados, frustrada a conciliação, oferece às partes
dois caminhos: o julgamento pelo julgador ou o julgamento por arbitragem.
A escolha, como é óbvio, deve ser livre e no final, de um jeito ou de outro, o que
se busca é uma solução à controvérsia.

As partes fazem a escolha, portanto, na medida de sua conveniência, ao passo


que o Estado, pelos dois caminhos, estará dizendo o Direito, sem perder de vista o
escopo jurídico, político e social.

De outro lado, o modelo do juizado limita o universo de indivíduos habilitados


a funcionar como árbitros. Pela lei, apenas os juízes leigos podem desempenhar
a arbitragem.9

Sujeitos parciais do processo


Por se tratar de uma justiça voltada para o cidadão, apenas as pessoas físicas
podem figurar no polo ativo da demanda perante os Juizados Especiais Cíveis.

Admite-se, ainda, que o condomínio, desde que residencial, possa também


figurar no polo ativo com a exclusiva finalidade de cobrar quotas condominiais
em atraso. Não havendo interesse de incapazes, admite-se que o espólio possa
figurar no polo ativo da demanda, assim como em razão de legislação específica,
admite-se que as microempresas também possam.

9
Lei 9.099/95, artigo 24, parágrafo 2.º.

28
Sujeitos e princípios processuais nos Juizados Especiais Cíveis

Apesar da vedação legal quanto a figurar no polo ativo de uma demanda


perante os Juizados Especiais Cíveis, admite-se que a pessoa jurídica ré possa
apresentar pedido contraposto.

Por outro lado, proibidos de figurar, seja no polo ativo ou no polo passivo da
relação jurídica processual são, nos termos do artigo 8.º da Lei 9.099/95, o preso,
as pessoas de direito público, as empresas públicas da União10, a massa falida e o
insolvente civil.

Cumpre ainda assinalar que a presença do advogado, em causas de até 20


salários mínimos, é facultativa. Obrigatória é a sua intervenção no caso de inter-
posição de recurso contra a sentença proferida, seja qual for o valor.

Por último, cumpre observar que o Ministério Público pode intervir no pro-
cesso quando se tratar de interesses de réu incapaz.

Ampliando seus conhecimentos


Para aprofundar a matéria vista nesta aula, sugerimos a leitura dos seguintes
livros:

“A supremacia dos princípios nas garantias processuais do cidadão”, artigo de


José Augusto Delgado publicado em As Garantias do Cidadão na Justiça, de Sálvio
de Figueiredo Teixeira (Coord.), editora Saraiva.

“A experiência brasileira dos Juizados de Pequenas Causas”, artigo publicado


na Revista do Processo, n. 101, p. 175-189, 2001.

10
No polo passivo, o cenário sofreu mudança com a Lei 10.259/2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais
Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

29
Institutos processuais
nos Juizados Especiais Cíveis

É fato que os escopos das partes e do Estado-juiz não são coincidentes.


Partindo-se dessa premissa, a proposta dos Juizados Especiais Cíveis é, dentro
de direitos disponíveis, atingi-los com a prevalência do interesse das partes, e
não a imposição desmedida da vontade do Estado.

Longe de questionar a autoridade e a força do Estado, é possível dizer que


o escopo social do processo, com a introdução de meios alternativos de solu-
ção de controvérsias no seio do juizado, pode ser atingido com a conciliação
(as mais das vezes transação), com a decisão arbitral, ou mediante a decisão
judicial. Infelizmente, não se pode medir a prevalência de um meio ou de
outro. Porém, nos dias em que vivemos é de entregar aos diferentes meios
de resolução de controvérsias uma equivalência.

É sabido que o caminho que culminou com o monopólio da jurisdição


confunde-se com o aparecimento do que hoje chamamos Estado. É possível
que este, não mais temente de que seu poder possa ser desafiado, ou bem
em razão de sua recente incapacidade de responder às exigências cada vez
maiores do cidadão, ou ainda pelas duas razões, tenha passado a aceitar, com
maior naturalidade, esses equivalentes jurisdicionais. De qualquer modo, é
bem provável que o que se chama hoje de meio alternativo de controvérsia
perca o adjetivo “alternativo” no futuro, e esteja lado a lado com a jurisdição
estatal, a solucionar, cada vez mais, as controvérsias de direitos disponíveis
com mais vigor.

Jurisdição e competência
O primeiro ponto envolvendo a competência nos Juizados Especiais Cíveis
tem a ver com a facultatividade. O exercício de direito de ação é facultativo
para o autor no âmbito dessa forma de justiça. O autor cidadão1 pode optar
entre ajuizar uma demanda perante a justiça tradicional ou perante os Juiza-
dos Especiais. Mas a determinação da competência envolve uma conjugação
de critérios e fatores.

1
Como, em regra, a pessoa jurídica não pode ser autora no âmbito dos juizados, podem ser autores a microempresa e o
condomínio residencial. Mesmo este último para a cobrança de verbas relacionadas à razão de ele existir.
Institutos processuais nos Juizados Especiais Cíveis

O primeiro critério envolve a pessoa. Assim como não é qualquer pessoa


que pode figurar no polo ativo da demanda perante o Juizado Especial, tam-
pouco pode ela ser proposta em face de qualquer um, como preveem as hipó-
teses de cabimento.2

O segundo vem a ser a matéria. Explicitamente, há causas excluídas do Jui-


zado Especial, notadamente em razão da indisponibilidade do direito material
em debate, a inviabilizar a conciliação.3 Excluídas determinadas matérias, há, em
consequência, a exclusão de determinadas pessoas, como é o caso daquelas que
envolvam os interesses da Fazenda Pública.4

O procedimento vem a ser outro critério definidor da competência. Exceção


feita à ação possessória em bem imóvel no valor de até quarenta salários mínimos,
todas as demais hipóteses atinentes ao Juizado Especial Cível cuidam de espécie
semelhante a do procedimento comum do processo clássico, seja ele ordinário ou
sumário. Não há total equivalência com o procedimento comum do processo tra-
dicional porque este se biparte em comum ordinário e comum sumário, ao passo
que o do juizado é único, ora denominado de especialíssimo, ora de sumaríssimo.

Além disso, o procedimento previsto para o modelo do Juizado Especial Cível


não prevê, naquele que pede um provimento de cunho condenatório, um pro-
cesso de execução destacado. Ele reúne, no mesmo processo, cognição e execução,
isto é, uma ação executiva lato sensu, concepção adotada só depois pelo processo
tradicional. Dito de outra forma: reúne a atividade jurisdicional e jurissatisfativa, na
nomenclatura cara a Celso Neves (1997, p. 33). Assim, a ação a ser ajuizada, ainda
que preencha todas as demais condições, pode ser inviabilizada pelo óbice do

2
Além disso, dispõe o artigo 8.º da Lei 9.099/95:
Art. 8.º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as
empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.
§1.º Somente serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial:
I - as pessoas físicas capazes, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas;
II - as microempresas, assim definidas pela Lei no 9.841, de 5 de outubro de 1999;
III - as pessoas jurídicas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, nos termos da Lei no 9.790, de
23 de março de 1999;
IV - as sociedades de crédito ao microempreendedor, nos termos do art. 1º da Lei nº 10.194, de 14 de fevereiro de 2001.
§2.º O maior de dezoito anos poderá ser autor, independentemente de assistência, inclusive para afins de conciliação.
3
Lei 9.099/95, artigo 3.º, parágrafo 2.º:
Art. 3.º [...]
§2.º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da
Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de
cunho patrimonial.
4
É sempre bom lembrar que, mesmo neste âmbito, existe a Lei 10.259/2001, instituidora dos Juizados Especiais Cíveis Federais,
que traz algumas exceções a esta regra geral.

32
Institutos processuais nos Juizados Especiais Cíveis

procedimento, já que algo que só pode ser buscado por procedimento especial,
em regra, não tem como tramitar no Juizado Especial.

Há quem veja outro óbice na complexidade da prova.5 Em tais situações, o pro-


cesso deve ser extinto. Assim, antes mesmo de seu ajuizamento, se a questão a
ser deslindada indicar prova complexa, a causa não tem cabimento no juizado
(ROCHA, 2000, p. 24). Se ajuizada, a extinção é por sentença sem julgamento de
mérito (Lei 9.099/95, art. 51, II).

Um último aspecto que precisa ser levado em conta é o do valor em jogo. Na


generalidade dos casos, o autor não está vedado de ajuizar perante o modelo do
Juizado Especial Cível demanda que exceda quarenta salários mínimos. Contudo,
deve estar ciente de que a opção pelo procedimento previsto na lei importará em
renúncia ao crédito excedente ao limite de quarenta salários mínimos, excetuada a
hipótese de conciliação (Lei 9.099/95, art. 3.º, §3.º). Apesar disso, as causas cíveis
enumeradas no artigo 275, II, do Código de Processo Civil (CPC), e possíveis de tra-
mitar perante os Juizados Especiais por força do artigo 3.º da Lei 9.099/95, admi-
tem condenação superior a quarenta salários mínimos e sua respectiva execução,
perante o próprio Juizado Especial.

Competência de foro
No processo tradicional, competente é o foro do domicílio do réu. Essa é a
regra geral também com aplicação no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis (Lei
9.099/95, art. 4.º). Porém, ao lado dessa regra ampla, o autor, a seu critério, pode
também ajuizar sua demanda no local em que o réu exerça atividades profissio-
nais ou econômicas, ou mantenha estabelecimento, filial, agência, sucursal ou
escritório. Essa regra facilitadora para o demandante demonstra a real intenção
da lei de evitar que exista uma barreira para que as causas cheguem aos juiza-
dos, pondo em equivalência tanto o domicílio do réu como também um local em
que ele exerça suas atividades, ainda que não principais.

Ao lado disso, tratando-se de obrigação, competente é o juizado do foro do


lugar onde ela deve ser satisfeita, ao passo que nas ações para reparação de dano
de qualquer natureza, competente, ao lado da regra geral, é o do domicílio do autor
ou do local do ato ou fato.
5
Sobre o que entender por pequena complexidade, vide Ricardo Chimenti (1999, p. 31): “É a real complexidade probatória que
afasta a competência dos Juizados Especiais.” Lembra o autor que, ao tempo da instituição do mandado de segurança, tentou-se
confundir a complexidade ligada ao aspecto do direito. Daí que se decidiu, à época, com aplicação à atualidade: “As questões
de direito, por mais intrincadas e difíceis, podem ser resolvidas em mandado de segurança (RT 254:104)” A regra tem plena
pertinência no modelo do juizado.

33
Institutos processuais nos Juizados Especiais Cíveis

Por outro lado, o imperativo de celeridade fez com que o juizado impusesse a
extinção do processo sem julgamento de mérito no caso de incompetência absoluta
ou relativa. De fato, reconhecida a incompetência territorial ou a incompetência
absoluta, não há a remessa dos autos ao juízo competente.

Organização judiciária e juizado


Apesar de toda a mudança que o modelo do juizado representa, não se pode
ignorar que medidas na seara da organização judiciária dão concretude a esse
desiderato e que delas depende a eficácia de boa parte das iniciativas trazidas
pelo modelo. A mudança de mentalidade proposta implica a existência de fun-
cionários e julgadores vocacionados para atuar no modelo do juizado. Com isso,
se a intenção foi construir uma prestação jurisdicional em novas bases, é aconse-
lhável que os aspectos que a envolvem devam ser renovados. É desejável que o
local não se misture ao local em que a justiça tradicional é administrada. É preciso
que os funcionários e julgadores desempenhem suas funções exclusivamente no
juizado, isto é, não dividam seu tempo de trabalho entre juizado e vara da justiça
tradicional.

A autorização para que os atos processuais ocorram em horário além do que o


processo tradicional prevê teve a preocupação de não prejudicar a rotina dos que
trabalham, já que um atestado que justifique a ausência nem sempre resolve ou
traz de volta ao jurisdicionado a parte do dia dedicada às coisas da justiça, sem
dizer dos profissionais liberais, para quem as horas em audiência são horas não
trabalhadas. Para que a legitimidade seja plena, a preocupação deve ser também
com a acessibilidade às turmas recursais, cujos julgamentos, a exemplo dos pro-
feridos pelo juiz monocrático, devem se preocupar com que as pessoas possam
comparecer e entender como os recursos são julgados. Uma contribuição que
não pode ser desprezada é a profissionalização da administração do Poder Judi-
ciário.

Ação, os elementos da demanda e suas condições


Aparentemente, pouco haveria de se extrair do confronto entre os elementos
da demanda no processo tradicional e no modelo do juizado. É conhecida a utili-
dade de se identificar os elementos da demanda, pois isso traz várias consequên-
cias, principalmente reflexos sobre a coisa julgada e a litispendência.

34
Institutos processuais nos Juizados Especiais Cíveis

É preciso verificar que o Direito Processual Civil permaneceu intocado quanto


à iniciativa de apresentação da demanda: vige no modelo do Juizado Especial,
como vige, em regra, em todo o sistema processual, o princípio da demanda, que
impõe às partes a iniciativa de solicitar a atuação do poder estatal. A observação
a ser feita para o Juizado Especial é que a precisão dos fatos narrados e a funda-
mentação jurídica do pedido não podem ser analisadas pelo julgador com o rigor
da técnica processual, sob pena de contrariar tudo aquilo que o juizado significa
e determina, qual seja:

 oralidade acentuada (possibilidade de apresentação de petição inicial ver-


balmente);

 inexistência inicial de autos (transcrição dos fatos narrados em um breve


histórico);

 inexistência de despacho de recebimento;

 simplicidade;

 baixa complexidade dos direitos em jogo, entre outros.

Transportar mecanicamente os conceitos forjados na ciência processual para


o modelo do juizado, sem adaptações, é decretar sua morte, é operar esse novo
modo de fazer justiça de forma atécnica. Por outro lado, ser benevolente na exi-
gência de definição desses elementos também constitui erro grave.

Pelo modo como o modelo do juizado se apresenta, é possível distinguir duas


situações que têm relação com a apresentação da demanda, com a petição inicial
e o pedido:

 hipóteses nas quais a inércia da jurisdição é quebrada mediante a apresen-


tação de pedido formulado por um funcionário da Secretaria ou estagiário,
isto é, um não advogado, com base em fatos trazidos oralmente pelo autor,
que são reduzidos a um histórico por esse funcionário; e

 hipóteses nas quais o polo ativo movimenta a jurisdição por meio daquele
que tem capacidade postulatória, o advogado, um técnico, portanto, que
deverá observar os requisitos mínimos do modelo que opera.

A postura do ente estatal frente a essas duas situações distintas deve ser igual-
mente diversa. Não se pode ignorar esse aspecto fundamental, que diz respeito ao
Princípio da igualdade, notadamente à paridade de armas, o qual pode comprome-
ter aquilo que se aguarda da prestação jurisdicional e frustrar o jurisdicionado.

35
Institutos processuais nos Juizados Especiais Cíveis

Quanto ao pedido em si, ele pode ser oral ou escrito. Desde que não seja pos-
sível determinar, desde logo, a extensão da obrigação, é possível formular pedido
genérico (Lei 9.099/95, art. 14, §2.º), mas a sentença que o apreciar deve ser,
necessariamente, líquida (art. 38, parágrafo único). Nada impede que haja pedido
alternativo ou cumulação de pedidos, desde que os assuntos sejam conexos (art.
15), já que o limite apenas diz respeito ao valor dos quarenta salários mínimos
(art. 39) naquelas hipóteses em que a lei prevê.

A defesa, igualmente, pode ser apresentada de forma oral ou escrita, e sem


advogado nas causas até vinte salários mínimos. Nas causas em que o réu apre-
senta defesa sem o auxílio de um advogado, enfrenta as mesmas dificuldades que
o autor, sem advogado, enfrenta para apresentar o seu pedido inicial.

O pedido contraposto pode ser apresentado até mesmo por pessoa jurídica ré
e deverá estar fundado nos mesmos fatos que constituem o objeto da controvér-
sia (Lei 9.099/95, art. 31).

Pressupostos de admissibilidade
do provimento jurisdicional
As condições da ação, os pressupostos processuais e os pressupostos de regu-
laridade de procedimento são modernamente agrupados sob a denominação de
pressupostos de admissibilidade do provimento jurisdicional, já que todos consti-
tuem preliminares à análise do mérito.

Na prática, portanto, a ausência de um dos citados elementos das menciona-


das categorias impede a análise do meritum. No processo tradicional, a incom-
petência não é causa extintiva do processo, ao passo que no modelo do juizado,
seja ela absoluta ou relativa, é. O que merece nota é que o fenômeno processual,
que tanto pode ser estudado sob o ângulo de quem requer a tutela jurisdicional
como de quem é merecedor dela, implica, no modelo do juizado, uma análise
quase simultânea pelo órgão jurisdicional, conquanto no plano teórico seja pos-
sível divisar um e outro ângulo ou momento da análise. Explica-se: no processo
tradicional, a possibilidade de verificar a presença dos pressupostos de admissibi-
lidade do provimento jurisdicional ocorre ao longo da marcha processual, embora
tudo recomende que o julgador se pronuncie de pronto, na hipótese de verificar
a ausência de um pressuposto inviável de ser contornado, com a consequente
extinção do processo sem julgamento do mérito.

36
Institutos processuais nos Juizados Especiais Cíveis

Ao longo da marcha processual, porque o procedimento comum assim autoriza,


vez que ele se estende no tempo, implicando um maior número de oportunidades
de o juízo se pronunciar a respeito, é bem verdade que no procedimento comum
sumário essas oportunidades se reduzem em razão da sua concentração típica.
Porém, nada se compara com o que ocorre no procedimento especialíssimo que
preside o processo no modelo do juizado, já que a concentração é ainda maior.

Aquele que requer a tutela, portanto, seja perante o processo clássico, seja
perante o processo do juizado, tem plena convicção na apreciação do meritum
causae, pois ninguém apresenta demanda por puro exercício teorético. Assim, a
verificação da ausência de um pressuposto de admissibilidade do provimento juris-
dicional é motivo de frustração, já que o impasse da vida, com a decretação de
extinção do processo sem julgamento de mérito, permanece.

Embora o julgador, uma vez apresentada a demanda perante o juizado, possa


analisar a presença dos pressupostos de admissibilidade do provimento jurisdicional,
a verdade é que ele não toma contato com o pedido apresentado de imediato,
fazendo-o tão somente depois de frustrada a conciliação ou para homologá-la,
se frutífera. Além disso, a audiência de instrução e julgamento que pode seguir
imediatamente à de tentativa de conciliação, se frustrada esta, as mais das vezes,
não ocorre logo depois.

Em geral, a audiência de tentativa de conciliação, conduzida, em sua maioria,


por conciliador, não é seguida imediatamente da audiência de instrução e julga-
mento, embora o modelo assim autorize e disponha, salvo se isso não prejudicar
a defesa.

Assim, é inquestionável que o tempo que medeia entre a apresentação do


pedido e a análise por quem pode apreciar a presença dos pressupostos de admis-
sibilidade do provimento jurisdicional é considerável e, na hipótese de ausência de
um pressuposto, a incontornável extinção do processo virá muito tempo depois.
No caso de conciliação, como já referido, pode-se até cogitar de se deixar de lado
tal análise e dar força de lei ao acordo de vontades, o que é igualmente polêmico,
porém afinado com o espírito coexistencial do modelo. Contudo, superada a pos-
sibilidade de conciliação, o decreto de extinção por ausência de um pressuposto
ou condição da ação gera uma frustração enorme no jurisdicionado que se utiliza
do processo tradicional, maior ainda naquele que busca o modelo do juizado,
para quem a simplicidade e informalidade impediriam que isso acontecesse.

37
Institutos processuais nos Juizados Especiais Cíveis

Processo e procedimento
O procedimento é o desenho determinado pela lei para a prática dos atos
processuais. Ele deve ser respeitado pelo julgador, pois assim é transmitida às
partes a segurança necessária do que cada uma deve esperar do desenrolar do
processo.

A distribuição, em pé de igualdade, de faculdades e ônus, obviamente respei-


tada a posição de autor e réu que cada litigante respectivamente assume, tudo
mediante o estrito cumprimento, pelo juiz, da ordem de sucessão dos atos previs-
tos, é aplicação do devido processo legal no procedimento.

No Processo Civil brasileiro, o procedimento é rígido, embora a prática dos tri-


bunais mitigue a rigidez excessiva. O pilar dessa rigidez é a preclusão, fundamen-
tal para a superação das fases lógicas e o caminhar para frente do processo.

Também nessa seara, é rico o paralelo entre processo tradicional e juizado.

Assim é que as partes, em razão do ônus de comparecimento fixado pelo jui-


zado, caso não compareçam à audiência de tentativa de conciliação, põem tudo
a perder, com o autor tendo seu pedido extinto sem julgamento do mérito caso
seja ele o ausente, e o réu, em caso de revelia, veja o pedido do autor acolhido,
desde que do contrário não resulte dos autos.

Nos Juizados Especiais Cíveis, a concentração dos atos não admite que as
questões decididas em audiência fiquem cobertas pela preclusão, pois em tais
hipóteses, ainda que a audiência seja cindida no tempo, deve ser lembrado que
ela é um ato complexo, de modo que a questão decidida poderá ser atacada no
bojo do recurso que for interposto contra a sentença que fatalmente virá.

Cautelares e antecipação de tutela


O silêncio acerca do cabimento das medidas cautelares e da tutela antecipada
não significa que o modelo do juizado não as abone, já que com elas, constitu-
cionalmente, a promessa de apreciar toda lesão ou ameaça de lesão a um direito
torna-se completa. O Processo Civil moderno busca a aproximação entre os ins-
titutos da cautelar e do pedido de antecipação de tutela, com o intuito de operar
melhor o sistema. Ambas fazem parte do gênero tutela de urgência.
38
Institutos processuais nos Juizados Especiais Cíveis

Procedimentos especiais e Juizados Especiais


Ao consagrar para o processo de conhecimento um procedimento único, o
modelo do Juizado Especial Cível manteve-se fiel ao critério da simplicidade. Ou
seja, o procedimento do modelo do juizado, por alguns rotulado de sumaríssimo,
por outros de especialíssimo, é único em todas as acepções do termo.

Único porque é um só, já que na análise comparativa com o processo tradicio-


nal não existe, no modelo do juizado, a bipartição entre procedimento comum
e especial, tampouco a divisão em ordinário e sumário. Único também porque
é um procedimento exclusivo do juizado. Apesar de uma ou outra semelhança
com algum ato do procedimento comum sumário do processo tradicional, com
ele não se confunde e o procedimento do juizado tem uma identidade cujos atos
previstos remetem a tudo o que o modelo preconiza (oralidade, concentração,
informalidade, entre outros traços característicos). Daí ser voz corrente que os
procedimentos especiais não têm lugar no modelo do juizado, inclusive o pro-
cesso monitório. Há quem ressalve que a inviabilidade do prosseguimento de
demanda regida por procedimento especial só se dá se infrutífera a conciliação
(CHIMENTI, 1999, p. 36), em fidelidade ao real propósito buscado nesse modo de
fazer justiça.

Ampliando seus conhecimentos


Diagnóstico dos Juizados Especiais, disponível no site da Reforma do Judiciário
do Ministério da Justica: <www.mj.gov.br/reforma/>.

39
Aspectos procedimentais
nos Juizados Especiais Cíveis

Juizado Especial e audiência


O modelo do Juizado Especial Cível prefere a nomenclatura sessão de con-
ciliação para o momento em que a conciliação é tentada (Lei 9.099/95, art.
21), destacando-a da audiência de instrução e julgamento, momento subse-
quente na hipótese de frustrada a conciliação e não instituído o juízo arbitral
(art. 27). Não trabalha o juizado, portanto, com duas audiências. O certo é que
o modelo reconhece que a concentração ajuda para que haja celeridade e,
fiel a esse entendimento, inexitosa a sessão de conciliação e descartada a via
arbitral, autoriza a audiência de instrução e julgamento tão logo encerrada a
tentativa de compor o conflito. Mas o próprio modelo reconhece que a audi-
ência de instrução e julgamento que ocorra imediatamente depois da tenta-
tiva de conciliação pode prejudicar o direito das partes, notadamente o do
réu, razão pela qual ressalva que ela só tem lugar imediatamente depois da
sessão de conciliação desde que não resulte em prejuízo para a defesa. Desse
modo, fica aberta a possibilidade de haver a adaptação às peculiaridades
locais, decidindo-se se é caso de haver total concentração ou a distensão,
ainda que pequena, dos atos procedimentais no tempo. Acerca dessa disten-
são no tempo das duas audiências, é preciso ponderar que ela não é despro-
vida de lógica.

Existente desde a época dos Juizados de Pequenas Causas, a possibilidade


da sessão de conciliação e a audiência de instrução e julgamento ocorrerem
em dias distintos é a aposta no sucesso da conciliação e, portanto, no caráter
residual de que se reveste a audiência de instrução e julgamento. Se hou-
vesse a concentração da tentativa de conciliação e da audiência de instrução
e julgamento no mesmo dia, testemunhas, eventuais técnicos, para não dizer
a própria defesa do réu, poderiam ser inutilmente preparados e se fazerem
presentes, apesar do sucesso na conciliação.1

1
Nesse sentido, Dinamarco (2001b, p. 143). Ao tempo da lei das Pequenas Causas, Lauria Tucci (1985, p.189) era da opinião
que a concentração deveria ser a regra, com a realização, se o caso, de uma sessão de conciliação, instrução e julgamento.
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

Por outro lado, não raras vezes, a causa não reclama prova além da documen-
tal. Assim, frustrada a tentativa de conciliação, o processo reúne elementos para
o pronto julgamento, depois de ouvido o réu e ele ter apresentado sua resposta.
É fundamental, contudo, que o juizado tenha uma linha de comportamento, pois
se a concentração sugerida pelo texto legal for eventualmente seguida, ela deve
ser, na prática, cercada de cuidados, com as advertências às partes de quais serão
os atos possíveis de ocorrer se infrutífera a conciliação, seja para que tragam suas
testemunhas, seja para o réu providenciar sua resposta, enfim, para que ambos os
polos se preparem para a instrução e julgamento.

Antes da instrução, a causa passa por uma discussão, momento em que a res-
posta será apresentada. É verdade que a resposta pode comportar, além da defesa,
a apresentação de pedido contraposto, o que pode exigir a redesignação de nova
audiência para respondê-lo. Por outro lado, todos são responsáveis pelo pronto
desfecho da demanda, já que em tais situações a parte e o seu advogado devem
aquilatar se têm condições de responder ao pedido contraposto na mesma audi-
ência ou necessitam de uma nova. E essa sinceridade de propósito e verdadeira
concitação à pronta solução do impasse é que estão compreendidas na exigida
mudança de mentalidade das partes, para que não haja adiamentos desnecessá-
rios, o que igualmente exige a atenção do julgador para que, sem violar o contra-
ditório, coíba ele abusos.

É inegável, assim, que a tentativa de conciliação será renovada, que a apre-


sentação da defesa do réu deve segui-la, se as partes não se compuserem, depois
dela deve haver a instrução e, por fim, a sentença deve ser prolatada. O único
evento que pode interromper essa ordem lógica é a conciliação. Por outro lado,
o juizado dispensa os chamados debates porque, além de não previstos, eles se
revelam, em muitas oportunidades, inúteis.

Pode-se, assim, resumir o traço distintivo do Juizado Especial Cível se compa-


rado com o processo tradicional: a extrema concentração e o modo com que os
atos são praticados, graças aos critérios orientadores. Assim, a instalação dos tra-
balhos não é dotada de maiores formalidades, não há muitas vezes propriamente
um procedimento probatório, com a possibilidade de gravação dos atos por meio
magnético.

42
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

A prova nos Juizados Especiais Cíveis


Em essência, a admissibilidade dos meios de prova no Juizado Especial Cível
guarda similitude com os meios do processo tradicional. A exemplo do último, o
primeiro acolhe todos os meios “moralmente legítimos, ainda que não especifica-
dos em lei” (Lei 9.099/95, art. 32). A expressão deve ser entendida como aqueles
meios concebidos no modelo do Juizado Especial, bem como os outros, previstos
ou não em lei, desde que compatíveis com o modelo.

O direito à prova, garantia não consagrada explicitamente pelo texto consti-


tucional, se insere com esse status como decorrência do direito ao processo e ao
devido processo legal. Permitir que a parte prove e propiciar a ela todos os meios
disponíveis é capítulo fundamental do direito ao processo. Sem isso, este último
é incompleto.

No processo tradicional, a prova segue o itinerário da proposição, admissão e


produção. Em contrapartida, em linhas gerais, esses momentos da prova não exis-
tem no Juizado Especial Cível. É que a simplicidade e concentração, a fim de que
na audiência tudo ocorra em diálogo, não traçam a exigência de que a prova seja
pré-anunciada, deixando o deferimento e a produção daquelas deferidas para o
curso da audiência. A abolição do tradicionalmente denominado procedimento
probatório, portanto, é consentânea ao que o Juizado Especial preconiza. Os
impasses advindos dessa concentração e simplificação da prova são resolvidos,
em regra, na própria audiência. Mas se o impasse envolve algo que causa surpresa
a uma das partes (v.g. uma testemunha a ser ouvida cuja prova da contradita a
parte não tem como fazer no momento porque não sabia que essa pessoa seria
ouvida; um parecer técnico para rebater o da parte contrária ou os esclarecimen-
tos do técnico de confiança do juízo), o contraditório deve ser observado e, por
respeito a ele, nova audiência de instrução deve ser designada.

Além disso, em todo o ordenamento processual, é de se indagar a respeito


dos indícios, presunções, bem como o comportamento das partes e testemu-
nhas fora do processo ou no momento da colheita da prova. Eles não seriam
provas típicas. Ora, no Juizado Especial Cível esse aspecto ressalta de forma mais
evidente, pois o informalismo e a simplicidade preconizados para a colheita de
prova tenderiam a mostrar de forma mais verdadeira como as pessoas são, des-
pojadas do artificialismo e da solenidade que a audiência do processo tradicional
transmite. Por outro lado, sempre há o risco de o julgador se apoiar de forma

43
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

demasiada na prova rarefeita ou mesmo na ausência de prova, transformando-a


em verdadeira prova, no afã de fazer justiça, notadamente por força do dever
constitucional de motivação das decisões. Para a apreensão dos fatos, no entan-
to, o julgador não precisa ser jurista. A partir dessa constatação, encaixá-los nos
esquemas do raciocínio jurídico talvez seja uma tarefa mais leve e mais exata,
pois tal perspectiva implica partir do fato ocorrido para o encaixe jurídico, e não
o contrário.

Os meios de prova específicos:


depoimento pessoal e oitiva das partes
Assim é que no paralelo entre processo tradicional e Juizado Especial, con-
quanto haja silêncio acerca do depoimento pessoal neste último, ele ocorrerá,
principalmente se tomado depoimento pessoal na acepção de manifestação oral
da própria parte em audiência. O que sucederá é o seu desenvolvimento sob outra
roupagem. Ele não terá um momento marcado e tudo o que se desenrola em diá-
logo2 pode servir ao convencimento do juiz.3 Isso não impede que a colheita do
depoimento das partes seja determinada em certa altura da audiência de instru-
ção e julgamento, já que essa ordem na oitiva das partes pode organizar melhor
os fatos a elucidar. Além disso, não pode ser excluída a possibilidade de as partes
requererem o depoimento pessoal e por isso deverá ser reservado momento na
audiência para isso. De tudo resulta, pois, que se os fatos a serem elucidados pela
parte já vierem por meio do diálogo sugerido a ocorrer durante a audiência, isto
será bastante e nisto consistirá o depoimento pessoal.

Prova pericial e inquirição de técnico


De igual forma, a prova técnica no Juizado Especial toma a forma de inquiri-
ção de um técnico de confiança do juízo. O modelo inspirou-se, assim, no modelo
nova-iorquino. Com isso, concilia-se imediatidade, oralidade, simplicidade, celeri-
dade e informalismo na colheita da prova, ao autorizar que ela seja diretamente

2
Esse diálogo preconizado fez com que Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva (1999, p. 86), afirmasse, por força de expressão:
“É quase uma cross examination (instituto de direito anglo-saxão) feita pelo juiz de direito, que, afinal, é o destinatário da prova.”
3
“O que cada uma delas houver dito, inclusive confessando durante a fase conciliatória ou em qualquer outro momento, ficará
registrado em fita magnética (art. 1.º, §3.º) e, na medida em que influenciarem na formação do convencimento do juiz, essas
declarações serão referidas na sentença que for proferida.” É o que anota Dinamarco (2001b, p. 153).

44
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

colhida em audiência pelo julgador (oralmente, portanto) e que sirva de apoio


para ele se inteirar a respeito de algum aspecto técnico envolvendo um fato rele-
vante para o desfecho da demanda, aspecto técnico este que trate de um ramo
do conhecimento que o julgador não domine. Em consequência, o objetivo dessa
inquirição é o mesmo da prova pericial do processo tradicional.

Um aspecto que afeta esse meio de prova envolve o parecer técnico das partes.
Esse parecer técnico induz a pensar que ele virá sob a forma escrita, ao contrário
da inquirição do técnico de confiança do juízo em audiência. Entretanto, seria
inconcebível não admitir o parecer técnico oral. Assim, o técnico não pode ser
incluído no rol de testemunhas propriamente ditas da parte. A consequência
disso é que o limite de até três testemunhas a serem ouvidas no juizado por cada
parte, circunstância que restringe sobremaneira a prova testemunhal, se com-
parado com o processo tradicional, não deve levar em conta o depoimento do
técnico da parte para o cômputo deste limite.

Ademais, não faz sentido subordinar o parecer técnico à inquirição de técni-


co de confiança do juízo. Em outras palavras: para que o parecer técnico possa
servir de meio de prova não é preciso que ele seja trazido ou produzido pelas
partes em audiência apenas naqueles processos em que o juízo lance mão da
inquirição de técnico de sua confiança (DINAMARCO, 2001b, p. 157). O parecer
técnico se insere dentro da ideia ampla de trazer subsídios técnicos para melhor
esclarecer os fatos que envolvem a demanda. Se o julgador não tem dúvida
acerca do aspecto técnico que será esclarecido pelo parecer das partes, ele pode
rejeitar esse meio de prova. Contudo, nada impede que ele se fie no que o téc-
nico das partes informar, dispensando a inquirição de técnico de sua confiança.
Ou então confirme com o técnico de sua confiança o informado pelo técnico
das partes para tomar sua decisão. Ao contrário do que normalmente se dá no
processo tradicional, pode ocorrer que apenas o parecer técnico das partes in-
tegre o conjunto probatório e apenas nele se baseie o julgador para proferir sua
sentença, sem recorrer a alguém de sua confiança.

A prova testemunhal e a documental


Os meios de prova testemunhal e documental são responsáveis por boa parte
da demonstração dos fatos em que se funda a decisão. Muito embora exista o
escopo de simplicidade e informalismo em relação à prova no Juizado Especial

45
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

Cível, é inegável que a sua colheita é parte fundamental em qualquer processo.


Se depois de pedir e alegar cabe à parte provar, é fundamental que a colheita da
prova siga um itinerário de transparência e publicidade, como ainda de respeito
ao contraditório.

Diversamente do que sucede com o meio de prova documental, a produção


da prova oral requer uma ocasião especial e o encontro pessoal entre todos os
sujeitos do processo. Todos participam de sua confecção e vigiam os atos prati-
cados, cercando de legitimidade toda a colheita. Destarte, embora tudo pareça
indicar que o depósito prévio do rol de testemunhas seja formalidade sem lugar
no Juizado Especial, ele é fundamental não só na hipótese de se pretender a pré-
via intimação das testemunhas, mas também quando se quiser dispensar a prévia
intimação. É que o depósito prévio garante o contraditório porque não só as tes-
temunhas não causam surpresa à parte contrária, como ainda possibilita que esta
última, querendo contraditar alguém, leve a prova suficiente (oral ou escrita) para
fundamentar a contradita na audiência. Se o polo contrário não tem ciência de
antemão de quem se pretende ouvir, a contradita fica inviabilizada. Fácil concluir,
portanto, que as regras atinentes à suspeição e impedimento da testemunha têm
plena aplicação, assim como, por conseguinte, as regras de substituição de teste-
munha também merecem ser importadas do processo tradicional para aplicação
no Juizado Especial Cível.

Por outro lado, é de se admitir a oitiva de determinada testemunha ainda que


o prévio rol não tenha sido depositado. Caso ela seja suspeita ou impedida, isso
será argumento para as razões de recurso a ser interposto pela parte prejudicada
contra a sentença que fundar seu convencimento nesse depoimento viciado.

De igual forma, a simplicidade não exime a testemunha do compromisso com


a verdade. Tampouco pode ela deixar de comparecer injustificadamente. Quer
o juizado que a condução coercitiva ocorra no momento imediatamente após a
constatação de que a testemunha intimada negligenciou o chamado do Poder
Judiciário, a fim de que possa ser ouvida na própria audiência originalmente
designada na qual houve a ausência. Mais uma vez, a iniciativa, cuja aplicação à
risca também daria ótimos frutos no processo tradicional, muitas vezes esbarra
em formas de apoio eficiente para tornar essa orientação em realidade.

Quanto ao relacionamento entre prova documental e testemunhal, o modelo


do juizado deve se distanciar da regra do processo tradicional que não admite
a prova exclusivamente oral para contratos que excedam dez vezes o salário
mínimo vigente. Esse resquício do sistema da prova legal em nosso ordena-

46
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

mento, se aplicado no modelo do Juizado Especial Cível, corre o risco de gerar


várias injustiças. Há inúmeros contratos celebrados entre as pessoas cujo valor
extrapola o limite de dez salários mínimos e não são instrumentalizados. Nem
por isso o pedido deverá ser rejeitado se a prova for exclusivamente testemu-
nhal. O motivo é evidente. Além de pretender se desvencilhar de orientações
vetustas não mais condizentes com a atualidade, o Juizado Especial se propõe
a tratar daquelas questões de baixa complexidade e muitas vezes de pequeno
valor, o que, para o modelo, é considerado o valor de até quarenta salários míni-
mos. A baixa complexidade tem a ver com a forma de demonstrar o fato. E neste
sentido a prova exclusivamente testemunhal é extremamente simples, embora
ela se resuma, em geral, ao núcleo da relação de direito material que liga as
partes. É preciso ver que o modelo do Juizado Especial já demarcou seu âmbito
de incidência com critérios de valor e complexidade. Nele, toda prova condizente
com a demonstração da verdade deve ser levada em conta em razão do princípio
vigente do livre convencimento motivado do juiz. Além do mais, para os mais
aflitos com esse entendimento, é preciso lembrar que boa parte das causas sob
orientação do Juizado Especial tem o limite de quarenta salários mínimos, o que
é baliza suficiente para que se admita a prova exclusivamente testemunhal e essa
regra não se alastre para toda e qualquer circunstância.

É preciso registrar, ainda, a respeito da prova documental, que, além de sub-


metida ao regular contraditório, o que exige a vista recíproca em audiência dos
documentos trazidos pelas respectivas partes, os eventuais incidentes envol-
vendo sua autenticidade podem ser decididos na sentença. Quanto ao incidente
de falsidade, seria rigoroso demais não admiti-lo, apesar de sua instauração cons-
pirar contra a celeridade. Como se não bastasse, em algumas circunstâncias, defi-
nir a falsidade ou não de um documento constitui prova complexa. Contudo, o
interesse público existente em tais situações não pode ser deixado de lado.4 Mas
a possibilidade de ser arguida a falsidade de um documento não deve ser comba-
tida pelo julgador com a aplicação rigorosa de algumas disposições do Processo
Civil tradicional acerca da prova e que, mesmo nele, vêm sendo abandonadas.
Assim é que vai contra o modelo do Juizado Especial exigir como regra cópias
autenticadas de todo e qualquer documento, ou negativo, no caso da prova con-
sistir em fotografia.

4
Pela admissibilidade e a favor de sua solução perante o próprio Juizado Especial, Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva
(1999, p. 89-90). No mesmo sentido, Felippe Borring Rocha (2000, p. 133-134). O mesmo autor entende que o modo de arguição
não reclama peça separada.

47
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

Em tais casos, é fundamental que a parte que se sentir prejudicada suscite


alguma imperfeição no documento, embora o juiz possa, na fundamentação de
sua decisão, rejeitá-lo por não reputá-lo digno de fé.

A inspeção judicial
Tradicionalmente, a inspeção judicial é tratada como um meio de prova,
embora alguns não a vejam assim. No Processo Civil tradicional, ela pode ser pra-
ticada em qualquer fase do procedimento e pressupõe a verificação pessoal e
direta, icto oculi, de pessoas e coisas. A despeito de todas as vantagens que esse
contato sem intermediários propicia, não pode ficar sem nota o risco do envol-
vimento emocional e o quanto a percepção direta está sujeita a tromper les yeux.
Porém, no balanço, as vantagens preponderam, já que racionalmente utilizada, a
inspeção é economia de trabalho e tempo dentro do processo. Quebra ela com a
chamada oralidade protocolar.

Quer no processo tradicional, quer no Juizado Especial, a aplicação da inspe-


ção é distante da realidade. O acúmulo de serviço e as dificuldades de locomoção
nos grandes centros são enormes. Mais uma vez, o desafio não está nas soluções
processuais engendradas, mas na sua correta aplicação e na possibilidade de elas
serem implementadas.

Atividade saneadora
Até a audiência de instrução e julgamento, não há espaço nem oportunidade
para que o julgador tome alguma decisão interlocutória. Embora o julgador
possa vir a ser o conciliador e, no momento em que tenta aproximar as partes, ele
venha a indeferir o pedido inicial ou exigir alguma complementação, a verdade
é que o Juizado Especial Cível não está calcado nessa lógica. O pedido inicial
escrito, subscrito por advogado ou pelo próprio autor, assim como o oral, é apre-
sentado diretamente perante a Secretaria do Juizado e é ela a encarregada de
designar a sessão de conciliação (Lei 9.099/95, art. 14, caput e §3.º; e art. 16). Ou
seja, a primeira oportunidade do processo tradicional em que o julgador exerce a
atividade saneadora não existe no Juizado Especial Cível. Como tampouco existe
o saneamento nos moldes conhecidos pelo processo tradicional. Se no processo
tradicional, o saneamento, atividade do julgador de direção do processo em que
48
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

são aparadas arestas, deixando-o pronto a prosseguir, é um verdadeiro divisor


de águas da marcha processual, o Juizado Especial Cível segue a firme orienta-
ção de, em regra, decidir tudo por ocasião da sentença. Essa parcimônia com
os pronunciamentos judiciais evita que decisões interlocutórias sejam proferi-
das e, com isso, também se evita a discussão a respeito da eventual preclusão
de aspecto controvertido decidido, bem como a interposição de recurso para
afastar a preclusão acerca dessa decisão.

Desta forma, no Juizado Especial Cível não há o juízo positivo que declara o pro-
cesso livre de impurezas e apto a prosseguir com a colheita de prova e posterior
sentença. Esse contraste radical com o processo tradicional é compensado com
a extrema concentração concebida, de modo que o que não foi decidido recebe
a promessa de que logo será. Daí que, comumente, as questões envolvendo os
pressupostos de admissibilidade do provimento jurisdicional sejam analisadas no
momento decisório, depois da regular instrução. Essa afirmação precisa ser bem
compreendida: no processo tradicional, o órgão julgador tem o poder-dever de,
ao verificar a possibilidade de extinção do processo, decretá-la por sentença, sem
julgamento de mérito, por ausência de um pressuposto de admissibilidade do
provimento jurisdicional que foi o bastante para acarretar essa extinção.

Deste modo, dá-se cumprimento à orientação dos princípios da economia pro-


cessual e a instrumentalidade das formas, entre outros. No Juizado Especial Cível,
o mesmo ocorre. Sucede que, inexistindo a decisão saneadora, há uma irrefreá-
vel tendência, animada ainda mais com a almejada concentração, de analisar tais
questões depois de colhida a prova, o que não impede que, convicto o órgão jul-
gador de algum motivo para extinguir o processo por sentença sem julgamento do
mérito antes da colheita da prova, ele assim proceda. Por outro lado, por óbvio, o
silêncio do órgão julgador acerca dos aspectos que envolvem o que normalmente
é apreciado no saneamento não significa a presença dos citados pressupostos de
admissibilidade do provimento jurisdicional, pois nada obsta que, colhida toda a
prova, a sentença sobrevinda extinga o processo sem julgamento do mérito.

A sentença e sua imunização


Se no processo tradicional o modo normal de extinção do processo de conhe-
cimento é a sentença que aprecia o pedido, seja para acolhê-lo, seja para rejei-
tá-lo, no Juizado Especial Cível o modo normal é a sentença que homologa a con-
ciliação.
49
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

Em relação à conciliação, não pode ficar sem nota que o ato autocompositivo e
bilateral da transação, maneira pela qual normalmente a conciliação se consubs-
tancia, recebeu um tratamento diferente no ordenamento processual brasileiro
ao longo dos anos. Para o Código de Processo Civil (CPC) de 1939, a transação era
motivo de cessação da instância (art. 206), ou seja, extinção do processo sem jul-
gamento de mérito. O que norteava tal raciocínio era o fato, ainda verdadeiro, de
que ao submeter uma transação para homologação, o julgador, a rigor, não está a
se pronunciar acerca do mérito da causa. Ou seja, não julga nem aprecia o pedido
inicial, isto é, não emite nenhum juízo no sentido de dizer a quem cabe razão.

Com o fito de atribuir maior eficácia ao acordo de vontade entre as partes,


a transação no curso do processo passou a ensejar a extinção do processo com
julgamento do mérito, embora, a bem da verdade, aquele raciocínio que justifi-
cava o tratamento dado pelo CPC de 1939 continue com plena validade ainda
hoje. A homologação por sentença apenas dá cobertura jurisdicional ao ato que é
fruto da vontade das partes. O pedido inicial, no entanto, não é acolhido ou rejei-
tado. Mas sim, por meio desse equivalente jurisdicional, esse negócio, entre as
partes e superveniente ao ajuizamento da demanda, conjuga-se ao ato estatal de
homologação, para que assim seja formada a sentença de mérito hábil a extinguir
o processo. Bem analisada, a homologação nada decide sobre o pedido inicial
deduzido, embora devam passar pelo crivo do julgador de questões de ordem
pública para que este se resolva pela homologação ou rejeite a transação entre
as partes.

No Juizado Especial Cível, embora a sentença que aprecia a transação seja


considerada igualmente de mérito, o que significa dizer que, antes de homolo-
gar, deve o julgador verificar os aspectos de ordem pública envolvidos (verificar,
v.g., se o que é objeto de transação é disponível, ou seja, a capacidade e legitimi-
dade das partes para a transação), essa sentença não está sujeita à irresignação
recursal.

Estruturalmente, a diferença entre a sentença dos dois modelos reside no fato


de a sentença do juizado prescindir de relatório, ao mesmo tempo em que se
recomenda parcimônia no relato dos fatos relevantes ocorridos em audiência.
A esse respeito, é preciso lembrar que a prova de natureza oral não está sujeita
à redução a termo. A gravação em fita magnética é o modo aconselhado para
o registro. Ainda assim, apenas o essencial. Dispensar toda e qualquer forma
de registro da prova impede a correta apreciação pelo órgão ad quem no caso de
interposição de recurso. Nesse sentido, o registro mediante gravação não pode
50
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

ser tido como recurso meramente optativo no seio do juizado. Algum registro é
preciso haver e a gravação é o mais fiel e prático modo de fazê-lo.

Ademais, as hipóteses de extinção sem julgamento do mérito são mais exten-


sas que as do processo tradicional. É compreensível: sendo uma justiça feita sob
medida para o cidadão, haverá situações contempladas que não encontram cor-
respondência no processo tradicional. Assim acontece na hipótese envolvendo
pessoa não autorizada para figurar no juizado ou na inadmissibilidade de pros-
seguimento do feito após a conciliação se inviável o procedimento eleito (Lei
9.099/95, art. 51, II e IV). Mas há um outro grupo de hipóteses em que a opção
legislativa leva em conta a necessidade de celeridade e concentração que infor-
mam o modelo do juizado. Assim, diante de um incidente processual capaz de
desnaturar o procedimento concentrado e célere, prefere o legislador, em vez
de transigir com essas vicissitudes processuais, decretar a extinção do processo
sem julgamento do mérito. É o caso da ausência injustificada do autor a qualquer
das audiências, do reconhecimento da incompetência relativa, a morte do autor
se a habilitação depender de sentença ou esta não se der em 30 dias. Note-se que
em tais hipóteses a escolha foi radical: extinção do processo. Contudo, com tal
postura o juizado se fortaleceu, pois as hipóteses elencadas denotam situações
em que, as mais das vezes, a prestação jurisdicional se arrasta. Entre admitir que
o processo se arraste e dar por ele findo, o juizado prefere a segunda alternativa.
Com isso, ele reconhece os seus limites, ao mesmo tempo em que preserva a pro-
messa de justiça célere. Tanto é assim que o juizado dispensa a intimação prévia
da parte para a decretação da extinção por sentença.

É de se ver ainda que as hipóteses dispostas no artigo 51 da Lei 9.099/95 não


encerram numerus clausus, tendo em vista, na dicção do artigo 51 citado, os
outros “casos previstos em lei” (rectius: os do processo tradicional). É bem verdade
que a transposição automática das hipóteses previstas no processo tradicional
para a extinção do processo sem resolução de mérito é tarefa que requer cui-
dado. Porém, em regra, elas têm aplicação no juizado. Quanto à iniciativa em sus-
citar um desses motivos para a extinção do processo, há hipóteses que se ligam
à esfera exclusiva do réu (v. g., abandono da causa pelo autor, a incompetência
relativa etc.), muito embora a grande maioria envolva ordem pública, razão para o
conhecimento dessas questões pelo juízo de ofício.

Em essência, a coisa julgada material nos Juizados Especiais não destoa do que
ocorre no processo tradicional. É bem verdade que a ação rescisória é vedada no
primeiro, mas isso influi apenas no fato de a sentença soberanamente julgada
ocorrer de forma mais expedita.
51
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

Estrutura recursal
Quem se dispuser a analisar a estrutura recursal do processo tradicional terá
um guia seguro para isso. O artigo 496 do CPC elenca os principais recursos cabí-
veis no âmbito do Processo Civil, o que significa que os recursos ordinários e
extraordinários encontram-se arrolados no referido artigo de lei.

Há, em suma, uma taxatividade que confere segurança ao jurisdicionado.

É preciso lembrar, contudo, que o rol do mencionado artigo não encerra nume-
rus clausus dos recursos cabíveis porque há recursos previstos em leis extravagan-
tes e diferentes regimentos internos.

No âmbito do Juizado Especial Cível não há um guia seguro como aquele ofer-
tado pelo artigo 496 do CPC. O modelo do juizado reclama um esforço interpre-
tativo e integrativo de maior envergadura, de modo que é equivocado operar
o Juizado Especial apenas com o recurso nele previsto. Mais uma vez, o desafio
é verificar quais os recursos que o processo tradicional oferece, que podem ter
aplicação no Juizado Especial Cível à luz dos princípios e critérios orientadores.
Na seara recursal, a posição apriorística, segundo a qual recurso não previsto pelo
Juizado Especial Cível não é cabível, deve ser abandonada. Isso não quer dizer, por
outro lado, que, na dúvida, um recurso do processo tradicional deva ser admitido
no juizado, pois isso implicaria em infestar o Juizado Especial Cível com o cancro
que se quer extirpar: a profusão de recursos no ordenamento Processual Civil bra-
sileiro.

Como linha de princípio, portanto, o Juizado Especial foi concebido para admi-
tir apenas um recurso, qual seja, aquele contra a sentença final.

Juizado Especial
e recurso contra a sentença
A fim de dar concretude ao princípio do duplo grau de jurisdição, o modelo do
Juizado Especial contemplou a possibilidade de interposição de recurso contra as
sentenças nele proferidas, a ser apreciado por uma turma recursal (Lei 9.099/95,
art. 41). Esse recurso, assimilável à figura do recurso de apelação do processo tra-
dicional, se diferenciaria deste último por se revestir de um caráter de juízo de

52
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

retratação, embora na prática esse traço possa ser pouco notado. O elemento que
indicaria esse caráter de juízo de retratação seria o fato de a turma recursal res-
ponsável pelo julgamento do recurso não ser propriamente um órgão ad quem,
mas sim do próprio juizado. De qualquer modo, o recurso inominado interposto
em face da sentença proferida pelo juízo do Juizado Especial prestigia sobrema-
neira a sentença proferida.

Assim é que, em contraste com o processo tradicional, o efeito suspensivo ao


recurso interposto em face da sentença é exceção no Juizado Especial Cível; con-
sequência disso é que no juizado a execução provisória é ope iudicis. Deste modo,
é critério do julgador atribuir ou não efeito suspensivo ao recurso. O recorrente
que interpõe seu recurso em face de sentença proferida no Juizado Especial deve
atentar para esse aspecto.

Diferente do processo tradicional, não é toda e qualquer sentença que desafia


o recurso. As homologatórias de conciliação e de laudo arbitral são irrecorríveis.
O termo conciliação deve ser entendido como qualquer forma de autocomposi-
ção. Já em relação ao laudo arbitral, apesar do advento da Lei 9.307/96, o profe-
rido a partir da opção exercida no âmbito do Juizado Especial requer homologa-
ção por sentença e desta não cabe recurso.

A respeito do prazo recursal, o Juizado Especial houve por bem fixá-lo em


10 dias. Por outro lado, o benefício de prazo em dobro para o defensor público,
bem como para os litisconsortes com procuradores diferentes, tem aplicação no
modelo do juizado, apesar desse entendimento não colaborar com a celeridade.

O preparo, por outro lado, é tema que transigiu com o tempo. Ao contrário do
processo tradicional, a parte recorrente tem o prazo de 48 horas depois de inter-
posto o recurso para apresentar a petição comprovadora do preparo (Lei 9.099/95,
art. 42, §1.º). É paradoxal essa disposição legal justamente por se distanciar do
esforço de concentração e celeridade. O processo tradicional, por exemplo, prevê
o preparo concomitantemente com a interposição do recurso. Paradoxal ainda
mais se se pensar a resistência que o Juizado Especial Cível apresenta em admitir
a complementação do preparo quando o recolhimento for insuficiente, em con-
traste com o que dispõe o artigo 511 e seus parágrafos do CPC.

O conteúdo do recurso inominado não difere do processo tradicional, já que a


amplitude da matéria a suscitar é grande. Poderá versar tanto sobre error in proce-
dendo como error in judicando.

53
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

Juizado Especial e agravo


A verdadeira revolução de mentalidade que o modelo do juizado propõe faz
com que, em regra, o recurso de agravo não seja admitido. Com efeito, o agravo,
como simples meio de evitar a preclusão, não faz sentido no seio do Juizado
Especial, tendo em vista a concentração prevista no módulo procedimental.
Contudo, ele surge como recurso em caso de dano irreparável ou de difícil repa-
ração, já que em tais situações a história demonstra que é inútil proibir toda e
qualquer forma de irresignação. Em situações extremas, o jurisdicionado que se
sente injustiçado encontrará um modo de externar esse inconformismo e buscar
a reforma da decisão que lhe causa prejuízo, e o agravo pode se apresentar como
uma forma de manifestar essa irresignação, ao lado dos chamados sucedâneos
recursais, notadamente em situações extremas, como é o caso de prejuízo decor-
rente de medida de urgência.

Apesar disso, a tendência é não admitir o recurso de agravo no âmbito dessa


modalidade de justiça.

Juizado Especial
e recurso adesivo
No processo tradicional, ocorrida sucumbência recíproca e existindo recurso
da parte contrária conhecido, é viável a interposição de recurso adesivo. A admis-
são dessa forma, no regime do Juizado Especial, de interpor recurso, apesar do
silêncio do modelo a respeito, tem a ver com a razão de ser dessa forma de inter-
posição. Com efeito, assente que o duplo grau de jurisdição é princípio arraigado
em nosso direito processual; assente, ainda, que a parte pode ter acolhido apenas
parte daquilo que pediu; assente que aquele que não pretende se irresignar ante
uma sentença parcialmente desfavorável pode mudar de ideia em função do
comportamento da parte contrária, que venha a recorrer de parte da sentença
que atinge sua esfera jurídica; fácil concluir que o recurso adesivo, embora res-
salte o princípio da economia processual, milita contra a celeridade processual.

Com base nisso, é tendência a não admissão do recurso adesivo.

54
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

Juizado Especial e embargos de declaração


No processo tradicional, grassa a polêmica em torno da natureza recursal ou
não dos embargos de declaração. Nem mesmo o tratamento legal como recurso
foi capaz de debelá-la, com consequências no tratamento a que se dá ao instituto.
De uma forma ou de outra, é inegável que a decisão proferida é aclarada em razão
de obscuridade, contradição e omissão por intermédio dos embargos de declara-
ção. A dúvida, motivo para a oposição dos embargos no processo tradicional até
o advento da Lei 8.950/94, ainda resiste no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis.
Não tratá-los como recurso traz como consequência a possibilidade de serem
opostos pela própria parte contra a sentença carecedora de clareza cujo valor seja
de até vinte salários mínimos, já que a interposição de recurso é prerrogativa do
advogado nessa modalidade de justiça.

No ângulo procedimental, dois aspectos devem ser levados em conta na


comparação entre processo tradicional e Juizado Especial. Ao contrário do que
determinou a Lei 8.950/94, que aboliu a suspensão e instituiu a interrupção do
prazo com a interposição dos embargos de declaração no processo tradicional, a
oposição dos embargos no Juizado Especial suspende o prazo para a interposição
de recurso depois de esclarecida a sentença ou acórdão embargado. A finalidade
evidente dessa orientação é obter a celeridade, embora todas as incertezas em
relação à contagem dos prazos, existentes quando a regra no Processo Civil tradi-
cional era a suspensão e não a interrupção, voltem à baila.

O segundo aspecto diz respeito à possibilidade de ser ele oposto oralmente.


Assim, na própria audiência ou em Secretaria, é dada à parte a possibilidade, por
intermédio de seu advogado, de interpor embargos. Por não ser, no regime do Jui-
zado Especial, recurso, a exigência de que eles sejam interpostos exclusivamente
por meio de advogado deve ser temperada e aqueles embargos de declaração
eventualmente apresentados pela própria parte, ainda que sob a forma de pedido
de esclarecimentos, não podem ser rejeitados ou não conhecidos por ausência de
capacidade postulatória. Nessa linha, avulta um traço dos embargos de declara-
ção no seio do Juizado Especial Cível brasileiro: se eles, além do eixo calcado na
conciliação, além do compromisso (esgotadas todas as hipóteses de solução pela
via conciliativa) com a pronta solução do impasse da vida trazido a juízo, pretende
ser instrumento de aderência social, é fundamental que suas decisões sejam com-

55
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

preendidas. Em razão disso, aquela orientação forjada no processo tradicional, mas


muitas vezes distorcida porque confundida com a postura procrastinatória de
um eventual litigante, de que cumpre ao órgão julgador apreciar os embargos
de declaração com o espírito aberto, entendendo-os como meio indispensável à
segurança nos provimentos judiciais, deve ser levada às últimas consequências,
pois só assim o juizado estará cumprindo a finalidade de entregar a prestação
jurisdicional de forma completa e ao mesmo tempo o objetivo didático a que ele
se propõe.

Para o bom equilíbrio da orientação, é preciso admitir a eventual imposição


da multa prevista no processo tradicional no âmbito do juizado, pois só assim
aquele que pretender fugir da proposta que o juizado encerra terá seu abuso
refreado.

Juizado Especial
e órgãos de superposição
O controle da matéria infraconstitucional e constitucional realizada por órgãos
de superposição é capítulo importante do sistema recursal brasileiro. Contudo,
aplicada ao Juizado Especial, a possibilidade desse duplo controle, vê-se que, de
fato, apenas a matéria constitucional resiste, já que a unificação da interpretação
da matéria infraconstitucional foi recusada pelo órgão encarregado a respeito, o
Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Cabe notar que o esforço de homogeneidade na interpretação da matéria cons-


titucional é um dos atributos que empresta coesão à Federação. Por causa disso,
o vácuo criado pela ausência de controle da matéria infraconstitucional precisaria
ter sido melhor esclarecido, tendo em vista o argumento que impede a aprecia-
ção de recurso especial interposto contra acórdão julgado por turma recursal se
fixar apenas no alcance emprestado ao termo tribunal, do artigo 105 da Consti-
tuição Federal (CF).

O artigo 105, III, “a” e “c”, da CF, dispõe que é afeto ao STJ o julgamento de
recurso especial nas causas decididas, em única ou última instância, pelos Tri-
bunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e
Territórios, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-
-lhes vigência; ou bem der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja
atribuído outro tribunal.

56
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

De forma iterativa, o STJ sedimentou entendimento segundo o qual as deci-


sões das turmas e colégios recursais espalhados pelo país não emanam de tribu-
nal, o que impede o conhecimento de recurso especial interposto contra a deci-
são desses órgãos julgadores.

Seria compreensível que essa renúncia acontecesse na seara das causas afetas
ao Juizado Especial, se outro órgão ou mecanismo exercesse essa tarefa unifica-
dora que o STJ houve por bem não praticar. Nesse passo, há uma obra incon-
clusa, já que, no âmbito da Lei 9.099/95, não é exercido nenhum controle sobre
o entendimento a ser dado à matéria infraconstitucional. Ou seja, nem o STJ nem
nenhum outro órgão exerce esse controle. Tal situação deve-se, em parte, pelo
veto ao artigo 47 da Lei 9.099/95, o qual rezava que:
Art. 47. A lei local poderá instituir recurso de divergência desse julgamento ao Tribunal
de Alçada, onde houver, ou ao Tribunal de Justiça, sem efeito suspensivo, cabível quando
houver divergência com a jurisprudência do próprio Tribunal ou de outra turma de Juízes,
ou quando o valor do pedido julgado improcedente ou da condenação for superior a vinte
salários mínimos.

O risco de fazer viver esse dispositivo seria que, nessa hipótese, a demanda
seria julgada em última instância por um tribunal, viabilizando o recurso especial
porventura interposto a partir dessa decisão.

Sob o ponto de vista da sobrevivência e eficiência do Juizado Especial Cível,


é fundamental que o direito versado nas causas sob os seus cuidados conte com
um mecanismo unificador do entendimento do direito infraconstitucional federal
e, ao mesmo tempo, esse órgão não se desvie do princípio norteador da simplici-
dade e celeridade prestigiados por esse modo de fazer justiça.

Mecanismo engenhoso e coerente com esse imperativo do Estado de Direito


é o concebido pela Lei 10.259/2001, que prevê uma Turma de Uniformização, no
seio do mesmo Juizado Especial, sem descartar o pronunciamento do STJ no caso
de o entendimento da Turma de Uniformização divergir de entendimento do
mesmo STJ (art. 14, parágrafos).

De forma pacífica, o julgamento proferido pelo órgão de segundo grau do


Juizado Especial Cível pode desafiar o recurso extraordinário, previsto no artigo
102, III, da CF, cuja competência para julgamento é do Supremo Tribunal Federal
(STF). Realmente, o órgão guardião da Constituição deve, desde que prequestio-
nada a matéria constitucional na demanda, bem como preenchidos os demais
requisitos de admissibilidade, analisá-la sob o enfoque constitucional, a fim de
se aferir se algum artigo da Lei Maior foi inobservado. Diferente do artigo 105 da

57
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

CF, o artigo 102 não menciona o termo tribunal para exigir o conhecimento de
recurso extraordinário interposto em face de decisão proferida por turma, câmara
ou colégio recursal de Juizado Especial. Com isso, irrelevante esses órgãos de
segundo grau do Juizado Especial constituírem tribunais ou não, já que basta
para o mandamento constitucional que a decisão recorrida tenha sido proferida
por última ou única instância.

Efetividade – a execução
do Juizado Especial Cível
Todo o esforço voltado à tutela plena pode esbarrar em obstáculo da reali-
dade ou em fatores internos do processo que emperram a atuação da função
jurisdicional. A respeito da última, as regras processuais podem avançar sobre-
maneira, pois se se chegou ao ponto de o exequente procurar o concurso da
força estatal para satisfazer o seu crédito, o Estado deve entregar a prestação
jurisdicional da forma coincidente, ou pelo menos mais próxima daquela que
o exequente receberia caso a obrigação fosse espontaneamente cumprida.
Modernamente, além de a execução ser o instrumento mais evidente a demons-
trar a capacidade de o processo alterar em concreto a vida das pessoas, de
forma a que sintam uma diferença entre o momento anterior ao ajuizamento
da demanda e o posterior, ressai também como fundamental o aspecto tempo,
já que se aguarda que a manifestação e atuação do Estado ocorram dentro de
um prazo razoável. É verdade que para isso as regras processuais lançarão mão
de procedimentos adequados às obrigações assumidas para que esta maior
coincidência, entre o modo de satisfazer a obrigação naturalmente e a forma
estatal para isso, ocorra. Essa orientação, por óbvio, é concebida nos moldes da
garantia constitucional do processo, já que nada autoriza que elas ocorram só
no processo de conhecimento. Elas incidem no processo executivo.

O Juizado Especial Cível não alterou, em essência, a linha do processo tradi-


cional. Tanto é assim que, ao contrário de outras situações ao longo da matéria
tratada pelo Juizado Especial, há expressa referência à aplicação subsidiária do
CPC no âmbito do juizado. Isso fez com que houvesse muita parcimônia com o
tratamento legal do processo de execução, o que é objeto de críticas.

O que é importante ressaltar é que nem mesmo nessa fase processual o obje-
tivo de conciliar as partes foi abandonado. De modo que, opostos os embargos à
execução, a conciliação é tentada.
58
Aspectos procedimentais nos Juizados Especiais Cíveis

Ampliando seus conhecimentos


Juizados Especiais Cíveis, de José Eduardo Carreira Alvim, editora Forense.

59
Juizados Especiais Cíveis Federais:
Lei 10.259/2001

Juizados Especiais Federais


e aplicação do modelo dos juizados
em outros ramos
Quando se diz que o modelo dos Juizados Especiais é campo em que o
direito material, uma vez inobservado, pode receber tratamento jurisdicional
diferente do que tradicionalmente recebe, é porque as causas passíveis de
julgamento sob o mecanismo proposto, obviamente de lege ferenda, podem
ser alargadas.

De outro lado, é sempre preciso cautela para a eleição das hipóteses de


cabimento, já que o modelo aqui em estudo, como já frisado, não pode cair
em descrédito. Prever hipóteses de cabimento inábeis para serem tratadas
no seio dos Juizados Especiais arranha a imagem dessa forma de solução de
controvérsias e, em última análise, do próprio Poder Judiciário.

Por tais razões, o advento da Lei 10.259/2001, instituidora dos Juizados


Especiais Cíveis e Criminais, representa iniciativa corajosa. Com o fito de dis-
ciplinar as causas envolvendo entes federais, a Lei ousou ao abolir o reexame
necessário (art. 13), o ofício precatório (art. 17) e a prerrogativa dos prazos
processuais diferenciados dos entes federais (art. 9.º), ao mesmo tempo em
que dissipou eventuais dúvidas a respeito da facultatividade de sua utiliza-
ção pelo jurisdicionado ao dispor a respeito de sua competência exclusiva
onde houver instalada uma vara do Juizado Especial (art. 3.º, §3.º), restando
ao jurisdicionado a escolha, no caso de no foro competente não haver Vara
do Juizado Especial Federal instalada, da Vara do Juizado Especial mais pró-
xima, desde que federal, ou da Vara da Justiça “tradicional” federal, hipótese
em que se adotará a regra do processo tradicional (art. 20).
Juizados Especiais Cíveis Federais: Lei 10.259/2001

Juizados Especiais Cíveis


Federais e hipóteses de cabimento
O aumento do valor do teto para sessenta salários mínimos em causas de com-
petência dos Juizados Especiais Federais, que contrasta com o valor de até qua-
renta salários mínimos dos Juizados Especiais Cíveis da Lei 9.099/95, não deve
denotar uma falta de uniformidade de tratamento. Em seu início, as pequenas
causas mantiveram a coerência com o critério do valor, nos termos do que preco-
nizava a Lei 7.244/84. Os termos da Constituição Federal (CF) em vigor, reprisados
por Constituições Estaduais, entre elas a do Estado de São Paulo (CE, art. 54, VII e
VIII) afirmaram que existem, na verdade, Juizados Especiais e Juizados de Peque-
nas Causas. Todavia, embora o tratamento constitucional, seja da órbita federal1,
seja da estadual, de alguns Estados da federação, distinga Juizados de Pequenas
Causas de Juizados Especiais, a verdade é que o advento da Lei 9.099/95, que, aliás,
revogou expressamente a Lei 7.244/84, fez com que o conceito de baixa comple-
xidade trazido pelos Juizados Especiais absorvesse o critério exclusivo do valor
adotado pelo regime anterior do Juizado de Pequenas Causas, da Lei 7.244/84.

Assim, se o cenário atual autoriza dizer que Juizados Especiais e Juizados de


Pequenas Causas não se confundem, o que sucedeu foi que a distinção caiu em
inutilidade (CHIMENTI, 1999, p. 3), pois tudo o que era possível sob o critério do
baixo valor, contemplado pela Lei 7.244/84, é possível no regime da Lei 9.099/
95, que ampliou o critério, para não se restringir ao valor. Elegeu, assim, a baixa
complexidade, expressão que abrange as causas de pequeno valor, porém con-
templa outras.2 Com essa opção, foi aberta a porta para que os diplomas subse-
quentes calcados no modelo dos juizados não se prendessem ao valor. Entre-
tanto, a opção dos Juizados Especiais Cíveis Federais prendeu-se a esse critério.
O que vige, para estes últimos, é o teto de sessenta salários mínimos. Por ou-
tro lado, não há notícia de que a opção pelos sessenta salários mínimos tenha
sido antecedida de um estudo para a fixação nesse valor máximo.3 Esse aparen-

1
A propósito, ver artigo 24, X, e artigo 98, I, da CF, bem como a liminar concedida na ADIn 127-DF, referente à Lei 8.906/94 (Esta-
tuto da OAB), que igualmente admite a distinção entre Juizados de Pequenas Causas e Juizados Especiais.
2
Como observa Geísa de Assis Rodrigues (1997, p. 21): “Se a regra é que uma causa de pequeno valor quase sempre é de redu-
zida complexidade, o inverso nem sempre é verdadeiro. Podendo-se concluir, então parcialmente, que as causas cíveis de menor
complexidade têm uma maior abrangência quando cotejadas com as pequenas causas.”
3
A única indicação sobre o tema diz respeito a pronunciamento de juristas, entre eles o próprio Presidente do Superior Tribunal
de Justiça (STJ), segundo o qual “95% do total das causas previdenciárias (relacionadas às aposentadorias e benefícios do setor
privado) alcançam até 60 salários mínimos e serão processadas pelos juizados” in: Notícias do Superior Tribunal de Justiça, de 17
de setembro de 2001. Disponível em: <www.stj.jus.br>.

62
Juizados Especiais Cíveis Federais: Lei 10.259/2001

te detalhe pode comprometer qualquer iniciativa legislativa bem intencionada.


A questão apresenta-se da seguinte forma e se repetirá toda vez que envolver
a adoção do modelo dos Juizados Especiais para outras esferas: a pequena com-
plexidade é da essência dos Juizados Especiais desde que a Lei 9.099/95 subs-
tituiu o critério exclusivo do valor da Lei das Pequenas Causas (Lei 7.244/84).
Em outras palavras: as questões de competências dos Juizados Especiais tanto
podem envolver questões de até quarenta salários mínimos (Lei 9.099/95, art. 3.º,
I) ou questões, qualquer que seja o valor, previstas no artigo 275, II, do Código
de Processo Civil (CPC) (Lei 9.099/95, art. 3.º, II). O que há de comum entre as
duas hipóteses, portanto, não é o baixo valor, mas sim a pequena complexidade,
já que em uma ou outra hipótese a marcha processual pode não prosseguir e ser
extinto o processo em razão da complexidade da prova, que inviabiliza o procedi-
mento concebido para resolver a controvérsia (Lei 9.099/95, art. 51, II). Dizer, por-
tanto, como faz o diploma norteador dos Juizados Especiais Federais, que o valor
é divisor de águas entre processo tradicional e processo dos Juizados Federais é
ilusório, pois uma controvérsia que necessitar de prova complexa, em que pese o
valor dentro do limite, não poderá ser deslindada perante os Juizados Especiais.

Juizados Especiais Federais


e a regra de interpretação
A respeito da interpretação das normas processuais, os Juizados Especiais
Federais oferecem cenário instigante.

Por se tratar de modelo de Juizado Especial com aplicação na esfera federal,


é de se ver que, no caso de integração, o primeiro socorro deverá vir do modelo
do Juizado Especial, ou seja, atualmente, a Lei 9.099/95 (Lei 10.259/2001, art. 1.º).
Apenas em caso de omissão é que se pode cogitar em aplicar o Direito Processual
tradicional, desde que ele não se choque com os critérios orientadores do modelo
do juizado.

Peculiaridades do Juizado Especial Federal


Para delimitar as causas de competência do Juizado Especial Cível, foi usada a
técnica, como já dito, de combinar o baixo valor com a pequena complexidade.

63
Juizados Especiais Cíveis Federais: Lei 10.259/2001

Além disso, foram excluídas expressamente determinadas “causas” (sic), de


forma casuística, nos termos do parágrafo primeiro do artigo 3.º.4 Assim, ora é a
pessoa ou órgão estrangeiro que justificam a exclusão, ora o direito material em
jogo, ora ainda o pedido.

Por todas as circunstâncias envolvendo a instituição do Juizado Especial Fede-


ral, constata-se que ele tem endereço certo: ser o desaguadouro de demandas
previdenciárias de competência da Justiça Federal, bem como as envolvendo lan-
çamento fiscal, embora se reconheça a aplicação para outras demandas.

A inovação, portanto, não está na admissão de apenas pessoas físicas como


autoras, ao lado da microempresa e empresas de pequeno porte, assim definidas
em lei (Lei 10.259/2001, art. 6.º), pois seria natural que assim fosse para manter
as características de justiça preferencial do cidadão. Também não reside no polo
passivo, que é a própria razão de ser do Juizado Especial Federal, fazer figurar a
União e entes a ela ligados. A esse respeito, é preciso considerar que as empresas
públicas da União, admitidas explicitamente no polo passivo são pessoas jurídicas
de direito privado (Lei 10.259/2001, art. 6.º), daí a menção específica, o que se coa-
duna com a exclusão específica da Lei 9.099/95 (art. 8.º). A fundação, por sua vez,
não tinha sua abrangência no modelo do Juizado Especial Cível, da Lei 9.099/95,
já que tradicionalmente as causas atinentes a ela são da competência da Justiça
Federal. Diferente, portanto, das sociedades de economia mista que, pessoas jurí-
dicas de direito privado, são demandadas na Justiça Estadual e, por conseguinte,
podem ser rés no Juizado Especial Cível Estadual, da Lei 9.099/95.

Juizados Especiais Federais e meios de prova


Por não ignorar que a perícia, mais de uma vez, poderá ser fundamental para a
solução da controvérsia, o exame técnico, nome que essa modalidade de meio de

4
Em seu caput, o artigo 3.º da Lei 10.259/2001 faz menção a causas, porém alguns de seus incisos mencionam “ações”, aprovei-
tando nomenclatura questionável do ponto de vista processual, mas de larga utilização pelo legislador, seja o do CPC seja da
legislação extravagante. Dispõe, assim, o parágrafo 1.º do artigo 3.º da Lei:
Art. 3.º [...]
§1.º Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas:
I - referidas no art. 109, incisos II, III e XI, da Constituição Federal, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de
divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses
difusos, coletivos ou individuais homogêneos;
II - sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais;
III - para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal;
IV - que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares
aplicadas a militares.

64
Juizados Especiais Cíveis Federais: Lei 10.259/2001

prova leva no modelo do juizado, poderá ser apresentado até cinco dias antes da
audiência. Enigmática é a menção a que o referido exame poderá ser designado,
seja para conciliação ou ao necessário julgamento da causa, fazendo presumir
que o momento de sua determinação, na primeira hipótese, é o do despacho ini-
cial, e na segunda hipótese, tão logo frustrada a conciliação.

O direcionamento do Juizado Especial Federal para causas previdenciárias


fica evidente na medida em que o exame técnico é um dos pouquíssimos temas
tratado pelo modelo federal, no âmbito do processo de conhecimento. E causas
dessa natureza, as mais das vezes, requerem esse tipo de meio de prova.

O exame técnico também merece tratamento específico para autorizar a indi-


cação de assistente técnico e apresentação de quesitos.

A primeira observação acerca do tema é que o Juizado Especial Federal distan-


ciou-se do modelo do Juizado Especial Cível da Lei 9.099/95, sobre esse assunto,
já que o último não prevê a figura da prova pericial, mas tão somente a inquirição
de técnicos de confiança do juízo, além da própria inspeção de pessoas ou coisas,
procedida pelo julgador ou pessoa de sua confiança (Lei 9.099/95, art. 35).

Em segundo lugar, é de se ressaltar que o mecanismo proposto impõe ao jul-


gador sensibilidade para determinar o exame técnico no momento mais breve
possível, pois só assim a conciliação poderá muitas vezes ser encaminhada, e a
audiência de instrução, frustrada a via conciliativa, não ficará prejudicada. O pre-
juízo, nesse último caso, pode decorrer da necessidade de adiamento da audiên-
cia de instrução e julgamento, seja pela não apresentação do laudo em tempo
hábil, seja para evitar a inversão da prova, com a produção da prova oral antes da
pericial. A preocupação aqui externada não tem cabimento no seio do Juizado
Especial Cível porque o parecer técnico do modelo do Juizado Especial Cível ou
bem é trazido pelas partes, ou bem é substituído pela oitiva de pessoa de con-
fiança do juízo, sem prejuízo da inspeção de pessoa ou coisas, a ser efetivada pelo
julgador ou pessoa de sua confiança no momento da audiência de instrução e
julgamento (CARNEIRO, 2001, p. 150). A dubiedade da disposição concernente
ao momento em que a prova sucedânea da pericial deve ocorrer e a conse-
quência que esse fato tem na pronta resolução da controvérsia no modelo fede-
ral, relaciona-se a dois aspectos: o primeiro, a quem toma a iniciativa em requerer
ou determinar, conforme o caso, essa modalidade de meio de prova; o segundo,
a sua finalidade.

65
Juizados Especiais Cíveis Federais: Lei 10.259/2001

No caso da iniciativa probatória, vale rememorar que no caso do polo ativo, o


ideal, para não dizer o razoável, é que o exame técnico já seja prenunciado com a
petição inicial, com a indicação, caso haja o desejo, de assistente técnico e apre-
sentação de quesitos. Quanto ao outro sujeito parcial do processo, o réu, é bom
que se diga que o natural é que ocorra na oportunidade que coincida com a sua
defesa. Acontece que esta é apresentada na audiência de instrução e julgamento,
o que pode implicar, como já frisado, demora na entrega da prestação jurisdicio-
nal, o que fere de morte o intuito de celeridade buscado pelo modelo. Tratar-se-ia,
no caso, de uma falha na concepção do procedimento idealizado em lei, e não de
fatores externos que também dificultam a entrega do bem da vida perseguido,
v.g., o acúmulo de serviço e o número exíguo de funcionários.

Assim, se é inequívoco que existe um procedimento probatório e que este,


no que diz respeito ao meio de prova pericial, no processo tradicional, consiste
em um momento para propor sua efetivação, outro para deferi-la e, finalmente,
um terceiro momento para sua produção; se, ainda, a fim de fugir dos percalços
desse procedimento formal do processo tradicional, o modelo do Juizado Espe-
cial Cível simplesmente baniu a prova pericial, substituindo o que por ela pode-
ria ser provado pela inquirição de técnicos, ou mesmo a inspeção de coisa ou
pessoa, o seu reavivamento no seio do Juizado Especial Federal, admitida sob o
nome de exame técnico, ainda que sob o compromisso de ser apresentada cinco
dias antes da audiência, sem especificar qual e sem maiores detalhes acerca dos
pormenores que envolvem a sua proposição e admissão, compromete o modelo
do Juizado Especial para a esfera federal. Vilipendia a nobre bandeira dos Juiza-
dos Especiais mediante uma promessa de justiça mais célere com procedimento
mal concebido. A chave para resolver o impasse está nos poderes instrutórios que
são concedidos ao julgador. Com efeito, se o modelo do Juizado Especial Cível da
Lei 9.099/95 tem aplicação no âmbito federal, é preciso lembrar que o juiz, nesse
modelo, a fim de reforçar o que existe no Processo Civil tradicional, pode determi-
nar a prova a ser produzida.

A questão do exame técnico teria solução, portanto, na providência de o juiz


determinar, logo após apreciação do pedido inicial, a realização do exame neste
primeiro momento, ante o pedido inicial nesse sentido. Só assim teria encaixe
o exame técnico dentro do arco procedimental previsto; mesmo assim com o
inconveniente de, em última análise, o Juizado Especial Federal contemplar a
prova pericial, coisa que o modelo do juizado aboliu. A prova complexa é justa-
mente um dos traços distintivos, senão o maior do ponto de vista procedimental,
entre modelo do juizado e processo tradicional. Não que o exame técnico envolva

66
Juizados Especiais Cíveis Federais: Lei 10.259/2001

necessariamente a prova complexa. Mas sim que o exame técnico contemplado


no procedimento do Juizado Especial Cível Federal, uma vez que não é realizado
em audiência, traz de volta todos os inconvenientes que existem na prova pericial
do processo tradicional.

Resta ainda dizer a respeito do segundo aspecto, qual seja a finalidade. Sim,
pois o dispositivo que prevê o exame técnico é o mesmo que prevê que ele será
necessário à conciliação ou julgamento da causa. Ora, se é certo que a concilia-
ção é o ato primeiro uma vez completada a angularização processual, mais um
motivo para que o exame técnico ocorra desde o início. E aqui a questão volta à
baila: ocorra por iniciativa do polo ativo ou do julgador. A não ser que o disposi-
tivo tenha feito referência à conciliação que o julgador pode encaminhar na pró-
pria audiência de instrução. É evidente que a conciliação deve ser buscada e ten-
tada a qualquer tempo, razão pela qual não há nenhum inconveniente se assim
for. Contudo, tal incerteza decorre da dubiedade do dispositivo que, repita-se,
enxertou a prova pericial no modelo do juizado quando ela, reconhecidamente
uma das responsáveis pela morosidade dos feitos, havia sido extirpada.

Juizados Especiais e cientificação dos atos processuais


A disciplina que trata da comunicação dos atos processuais, se, por um lado,
manteve o concebido pelo modelo do Juizado Especial Cível, por outro, deu um
passo a mais ao prever a possibilidade de que a comunicação ocorra por meio
eletrônico.

A Lei 9.099/95 admite que as intimações ocorram por qualquer meio idôneo,
o que inclui o meio eletrônico. Idôneo deve ser entendido como seguro e hábil a
atingir a finalidade a que se presta: dar ciência do conteúdo da ordem judicial.

O que está por detrás da discussão envolvendo a admissibilidade do meio ele-


trônico para a prática de atos processuais é o grau de segurança que esse meio
pode oferecer. Determinar que todo ato processual cometido pela via eletrônica,
fator de comodidade para a parte ou seu advogado, seja válido desde que rati-
ficado pela via tradicional mediante petição escrita encaminhada depois de um
certo lapso de tempo, não contribui para que a celeridade processual ocorra.
Isso porque o ato seguinte da marcha processual, pelo mecanismo atualmente
adotado para iniciativas existentes no processo tradicional nesse campo (Lei
9.800/99), é sempre condicionado a essa ratificação, o que, diga-se, se por um
lado oferece segurança, por outro nada contribui para que o fator tempo deixe de

67
Juizados Especiais Cíveis Federais: Lei 10.259/2001

militar contra o andamento processual. Os Juizados Especiais Federais não fazem


a ressalva a respeito da aplicação da necessidade dessa ratificação. Aliás, é bom
que o modelo dos Juizados construa um mecanismo específico a fim de se liber-
tar das amarras da ratificação, o que só será plenamente possível com a maior
segurança que o meio eletrônico puder oferecer.

A abolição dos prazos diferenciados


Passo mais largo foi dado com a abolição do benefício de prazo dilatado para
pessoas jurídicas de Direito Público (Lei 10.259/2001, art. 9.º). Prerrogativa ou pri-
vilégio5, os inconvenientes a respeito do prazo diferenciado para os entes públi-
cos sempre foram sentidos.

A disciplina imposta pelas disposições acerca do benefício de prazo está cal-


cada na complexidade da administração pública e na alegada exiguidade de fun-
cionários para dar conta das inúmeras atribuições e processos que envolvem os
entes públicos. Tais justificativas, se é que um dia tiveram razão de ser, hoje não
mais se sustentam. Nos dias que correm, a administração pública, em razão dos
novos contornos que o Estado brasileiro tomou, vem empreendendo um grande
esforço em racionalizar os serviços públicos e torná-los eficientes em todas as esfe-
ras. A supressão do benefício de prazo é mais uma lufada em direção da moderni-
zação do Estado. Não compreende a supressão do benefício de prazo no domínio
do Juizado Especial Civil Federal para o Ministério Público (MP). É que o Ministério
Público Federal (MPF) não pode ser tido como pessoa jurídica de Direito Público.

Não há reexame necessário


O reexame necessário é outro instituto erradicado pelo Juizado Especial Cível
Federal (Lei 10.259/2001, art. 13). De origem lusitana, também chamado indevi-
damente de apelação ex officio, persiste em nosso ordenamento processual tra-
dicional por meio do artigo 475 do CPC e consiste em condicionar os efeitos da
sentença de primeiro grau proferida contra a União, Estado e Município, além
da que julgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública, à
confirmação pelo tribunal superior de segundo grau.

5
Vide, por todos, Barbosa Moreira, (1977) Sérgio Ferraz (1980, p. 38-43) e Nelson Nery Junior (1997, p. 45).

68
Juizados Especiais Cíveis Federais: Lei 10.259/2001

Essa remessa obrigatória, que em sua raiz histórica justificava-se como freio
ao juiz inquisitorial do direito intermédio, penetrou no direito lusitano por uma
Lei de 1355 e foi adotada pelas Ordenações Afonsinas e repetida a orientação nas
posteriores, vindo a integrar o direito brasileiro por uma Lei de 1831. Adotado
pelo CPC de 1939 e tratado como se recurso fosse, foi mantido no CPC de 1973.

O anacronismo é justificado pela eventual inépcia administrativa e a fali-


bilidade da sentença de primeiro grau que, ao errar, contraria os interesses da
Fazenda Pública em jogo.

Por ser automática e, portanto, distinguir-se do recurso, manifestação eminen-


temente voluntária, a remessa obrigatória e o consequente reexame necessário
são fatores que desequilibram a igualdade processual.

A conciliação e a transação
A concepção do Juizado Especial Cível Federal esmerou-se a autorizar, para
não inviabilizar o instituto da conciliação, os figurantes em ambos os polos da
demanda a conciliar, transigir e desistir (Lei 10.259/2001, art. 1.º).

Deste modo, foi removido eventual obstáculo que exigiria a regulamentação


da possibilidade de conciliar, transigir e desistir para a União Federal e cada uma
das autarquias, fundações e empresas públicas federais. A permissão outorgada
evita que o representante da parte, notadamente do polo passivo, se esquive de
transigir sob o argumento de que não está autorizado a isso por ser órgão público
federal, o que não a impede de assim proceder se o caso dos autos é visto pela
União ou órgão a ela ligado como não passível de transação. Com essa franquia
entregue pelo módulo do Juizado Especial Cível Federal, a União poderá dar mos-
tras se essa pecha tem razão de ser. O Juizado Especial Cível Federal, com a pro-
messa de uma prestação jurisdicional pronta e expedita, poderá atenuar os males
dos quais os jurisdicionados são vítimas caso essa litigância desenfreada da União
vier a persistir.6

6
Lucon (apud TUCCI, 1999, p. 119), com base em entendimento de Dinamarco, Privilégios do Estado em juízo, publicação do Con-
selho Superior de Orientação Jurídica e Legislativa da Fiesp, Fiesp/Ciesp, 1997, afirma que “O dia a dia forense tem demonstrado
que o maior fomentador dos litígios é o próprio Estado, que tem no mais das vezes se comportado como inimigo na voracidade
fiscal, no comportamento processual, muitas vezes eivado de má-fé, nos privilégios que a lei lhe confere em total violação ao
princípio da igualdade.”

69
Juizados Especiais Cíveis Federais: Lei 10.259/2001

Sentença e estrutura recursal


no Juizado Especial Cível Federal
Aproveitando a experiência tirada a partir dos percalços enfrentados pelo
modelo dos Juizados Especiais Cíveis, Lei 9.099/95 em seus aspectos práticos,
principalmente quanto à omissão a respeito de eventual impugnação de decisões
interlocutórias em determinadas situações pontuais, a concepção federal transi-
giu ao prever a possibilidade de recurso contra decisão que apreciar medida cau-
telar (Lei 10.259/2001, art. 4.º e 5.º).

Com esse modo de funcionamento, o modelo federal consagrou por meio de


norma algumas conclusões que a praxe forense estava a indicar, depois de anos
de vida do Juizado Especial Cível. A própria admissão expressa de medidas cau-
telares é um exemplo, assim como a possibilidade de impugnação das decisões
daí tiradas é outro. Sem mencionar a expressão agravo, o modelo federal passou a
admiti-lo em tais situações, já que o recurso por excelência no sistema processual
para ensejar a revisão de decisões incidentais dessa natureza é o agravo.

A forma, por se tratar de situação que envolve urgência, deve ser necessa-
riamente por instrumento, já que o modelo do Juizado Especial Cível adotou a
irrecorribilidade das interlocutórias e relegou toda discussão incidental para
a sentença. De modo que o recurso de agravo no modelo do Juizado Especial
Cível, como também a modalidade prevista para a esfera federal, tem como obje-
tivo evitar um dano, e não simplesmente afastar a preclusão. É preciso ver que a
preclusão não pode ter lugar no modelo do juizado, ainda que o procedimento
concentrado concebido seja desvirtuado. O agravo, nesse diapasão, visa remover
um prejuízo iminente ou presente que não pode aguardar o desfecho do pro-
cesso. Embora silente, o mesmo modelo federal deve admitir a tutela antecipada
por consistir em tutela de urgência. E, via de consequência, admitindo-a, admitir
ainda o recurso de agravo contra decisões que a apreciem. De fato, toda deci-
são cuja manutenção implicar dano irreparável ou de difícil reparação desafia o
recurso de agravo. O Juizado Especial não pode se afastar de sua vocação natural:
ser a justiça do cidadão que aguarda uma solução para aquilo que o fez procurar
o ente estatal. Se a solução conciliada fracassou e tudo aponta para a necessidade
de a jurisdição atuar pelo modo mais evidente e conhecido, indispensável que
o modelo conte com a tutela cautelar e tutela antecipada, tendo em vista o evi-
dente caráter instrumental de ambas.

70
Juizados Especiais Cíveis Federais: Lei 10.259/2001

Ao tratar da sentença e o seu modo de impugnação, o modelo federal res-


saltou que apenas a sentença definitiva desafia recurso (Lei 10.259/2001, art.
5.º). Para ficar restrito ao rol que o modelo do Juizado Especial Cível oferece (Lei
9.099/95, art. 51), o modelo federal não admite recurso contra sentença que
extinguir o processo:

 por ausência do autor;

 por incompatibilidade de procedimento, notadamente a decorrente de


prova complexa; e

 por ilegitimidade de parte.

Assim, as hipóteses previstas no processo tradicional para a extinção do


processo por sentença sem apreciação do mérito, acrescidas das previstas pelo
modelo dos Juizados Especiais Cíveis, formam a legião de hipóteses insuscetí-
veis a recurso inominado. É de se ver que houve o louvável desejo do modelo
federal de não fomentar a ilusão de que uma demanda, aos olhos do primeiro
julgador, inábil a ter o seu mérito apreciado, possa obter reversão no entendi-
mento. Com isso, o jurisdicionado recebe prontamente a manifestação do órgão
estatal, ainda que a situação lamentada não tenha desate. Contudo, esta pos-
tura de prestigiar a decisão monocrática mereceria temperanças, pois, se de um
lado o julgador deve evitar ao máximo que o processo seja extinto por sentença
sem julgamento do mérito, o autor, naquilo que está a seu alcance, com cer-
teza não pretende jamais ensejar tais situações. Por causa disso, a experiência
mostra que não raras vezes as situações em que o processo é extinto por sen-
tença sem julgamento do mérito são resultantes de mal-entendidos e “quipro-
quós”. É verdade que são contornáveis pela via dos embargos de declaração.
Contudo, outros requerem a apreciação de outro julgador, que não o prolator
da sentença. Assim, a radical opção de tornar irrecorrível a sentença termina-
tiva esbarra em tais situações. Sem dizer que o jurisdicionado representado por
advogado, ante situações flagrantes em que houver a extinção do processo sem
julgamento do mérito, sempre se servirá dos expedientes já conhecidos, outrora
utilizados para contornar a irrecorribilidade de um pronunciamento judicial.
A fim de evitá-los, é preciso mais uma vez frisar a missão do julgador no modelo
dos Juizados Especiais: pôr fim à situação lamentada pelo autor. Por óbvio, isso
não implica julgar procedente o pedido deduzido, mas sim ter o mérito apre-
ciado. Deste modo, as situações relativas aos requisitos para a apreciação do

71
Juizados Especiais Cíveis Federais: Lei 10.259/2001

mérito devem ser pesadas e sopesadas, analisadas e reestudadas, para que o


processo extinto sem julgamento do mérito não resulte no comportamento do
jurisdicionado de não mais procurar o órgão estatal, descrente que a situação
lamentada comporte solução.

Em suma, a sentença sem julgamento do mérito é anomalia, no processo tradi-


cional e no modelo do Juizado Especial. No último, é devido especial cuidado por
tudo o que o juizado representa. Redobrada atenção para aquelas hipóteses em
que o jurisdicionado não se encontra acompanhado de advogado. Em tais situa-
ções é ele e seu alegado direito digladiando com a técnica processual.

Um dos indicativos de que o modelo do Juizado Especial Cível pretendeu se


desvencilhar da trilha do processo tradicional é a quantidade de medidas ati-
nentes a consolidar a coisa julgada o mais breve possível. Fiel a esse espírito, o
modelo do Juizado Especial Cível repele os embargos infringentes, ao mesmo
tempo em que veda expressamente o cabimento de ação rescisória, de modo
que a coisa julgada ocorra simultaneamente com a coisa soberanamente julgada.
A inadmissão do recurso especial reforçou tal intento. Por outro lado, uma vál-
vula de escape deu-se com a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) de admitir o recurso extraordinário em causas envolvendo a violação de
norma constitucional.7 Repugnou à corte mais alta do Estado não poder exer-
cer o controle das normas constitucionais cogitadas em demandas do modelo
do Juizado Especial Cível da Lei 9.099/95. Com isso, o panorama dos meios de
impugnação no modelo do Juizado Especial Cível não guarda total equivalência
com o do processo tradicional. E mais: a apontada intenção de ter um regime
recursal próprio, ao se chocar com a mentalidade e o ordenamento jurídico
vigente, resultou em um modelo em que o aspecto constitucional em uma even-
tual demanda possa sofrer o controle da mais alta corte do Estado e responsável
pela interpretação das normas constitucionais, ao passo que a matéria infracons-
titucional não teve a mesma sorte. Nem por isso é exato dizer que o escopo de
uniformizar entendimento acerca de decisões emanadas desse modo de fazer
justiça passou ao largo do modelo do Juizado Especial Cível. Originalmente, esse
modelo previu a possibilidade de interposição de embargos de divergência por
lei estadual, a serem julgados por Tribunal de Justiça do Estado, providência que
não vingou, ante o veto ao dispositivo (Lei 9.099/95, art. 47). Mediante referido
dispositivo, seria possível buscar coerência entre julgados em uma mesma base

7
Sobre as peculiaridades de uma e outra posição, se tratará mais a frente.

72
Juizados Especiais Cíveis Federais: Lei 10.259/2001

territorial, leia-se Estado da Federação, ultimando assim o ciclo de recursos cabí-


veis no seio do modelo do Juizado Especial Cível, isolando-o, sob esse aspecto,
dos mecanismos existentes para o processo tradicional.

As decisões do modelo do Juizado Especial Cível, assim, aparentemente, com


o intuito de buscar um mínimo de unidade na interpretação a ser dada em casos
similares, estariam sob o crivo do Tribunal de Justiça. Contudo, o desejado isola-
mento não se revelaria, na medida em que o acórdão proferido em razão do jul-
gamento de tais embargos de divergência se caracterizaria como última decisão
do tribunal, o que ensejaria o recurso especial ou extraordinário.

O Juizado Especial Cível Federal impôs o mecanismo designado de pedido


de uniformização de interpretação de lei federal ante a divergência entre Turmas
Recursais, seja da mesma região, seja de regiões diferentes, para questões envol-
vendo direito material.

No primeiro caso, atribui, sob a presidência do Juiz Coordenador, a reunião das


Turmas divergentes para julgar e se pronunciar sobre qual interpretação deva ser
dada.

No segundo caso, bem como nos casos em que a interpretação de uma Turma
destoar de súmula ou entendimento predominante do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), atribui a uma Turma de Uniformização a ser criada, integrada por
juízes das Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal
(Lei 10.259/2001, art. 14). Eventual discrepância entre o entendimento da Turma
de Uniformização e a posição adotada pelo STJ recebe também tratamento, de
modo que faculta que este último possa se pronunciar, dirimindo definitivamente
a divergência (Lei 10.259/2001, art. 14, §4.º).

Todo o mecanismo acima descrito peculiar faz as vezes do recurso especial


para a parte, que assim poderá, desde que demonstrada a divergência, obter a
manifestação do STJ a respeito de um caso concreto à luz do entendimento da
corte responsável pela unidade do entendimento acerca da matéria infraconsti-
tucional.

Paralelamente a isso tudo, outro mecanismo sui generis foi introduzido: pedi-
dos de uniformização de conteúdo idêntico ao primeiro que forem levados a
apreciação ficarão suspensos até que o julgamento deste primeiro ocorra. As
partes desses respectivos pedidos subsequentes poderão se pronunciar no pri-
meiro, ainda que neste não sejam partes e, uma vez ele julgado, a decisão terá
repercussão nos demais pedidos de uniformização: se o entendimento preva-

73
Juizados Especiais Cíveis Federais: Lei 10.259/2001

lente for ao encontro do cogitado no pedido de uniformização, será possível ao


julgador exercer o juízo de retratação; caso contrário, o pedido de uniformização
será julgado prejudicado. Sem prejuízo disso tudo, pode ser também interposto
o recurso extraordinário, cuja apreciação está sujeita aos requisitos exigidos para
esse recurso.

Execução no Juizado Especial Cível Federal


A grande ruptura em relação ao Processo Civil tradicional deu-se com a extin-
ção do pagamento por precatório8. Esse instrumento típico brasileiro foi banido
nesse modelo de justiça. O modelo foi sensível à nova realidade do Estado brasi-
leiro e às transformações e flexibilizações que ele experimentou nos últimos anos.
A requisição expedida pelo julgador do Juizado Especial Cível Federal, uma vez
transitada em julgado a decisão final, seja ela fruto de homologação de transação
ou de julgamento de primeiro grau ou instância recursal, deve ser entregue em
qualquer agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou Banco do Brasil, e
cumprida em sessenta dias contados do recebimento (Lei 10.259/2001, art. 17).

Em que pese o nomen iuris, a obrigação de pagar quantia certa deve ser tratada
como verdadeira ordem, já que o intento do modelo foi se desvencilhar de todos
os óbices que o requisitório traz ao Processo Civil tradicional. Neste, o precatório é
expedido pelo julgador da execução e por ele remetido ao Presidente do Tribunal
de Justiça do Estado ou do Tribunal Regional Federal (TRF), conforme o caso, para
que este solicite ao órgão do Executivo que proceda ao pagamento estampado
no documento. Assim, o não atendimento à solicitação do presidente do tribu-
nal competente que expede o requerimento encontra nas figuras do sequestro e
no pedido de intervenção os instrumentos mais utilizados para obter, seja direta-
mente (sequestro), seja por via oblíqua (intervenção), a satisfação do exequente.

O modelo do Juizado Especial Cível Federal, ao prever o sequestro em caso


de não atendimento pelo ente federal, recalcitrante, inovou. É que o sequestro
constitucional (CF, art. 100, §2.º) apenas tem cabimento no caso de preterição na
ordem de pagamento9. Vale dizer: há que se distinguir o ato de omissão da auto-

8
Milton Flaks, (1980, p. 84 e seguintes).
9
Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva (1999, p. 124) lembra, sob o regime do precatório: “Não é demais frisar que o sequestro
constitucional depende, exclusivamente, de preterição na ordem do pagamento. Nenhuma outra causa pode justificá-lo. Dessa
maneira, mantida a ordem de pagamento, a falta de recursos orçamentários ou insuficiência do depósito, por si sós, não ensejam
o sequestro.”

74
Juizados Especiais Cíveis Federais: Lei 10.259/2001

ridade pública de não incluir verba específica do não pagamento em si. Escudado
em Vicente Greco Filho (1986, p. 91), as consequências para o primeiro caso são
penais, disciplinares e políticas. Assim, a medida satisfativa ou cautelar de seques-
tro10 encontrou no novel modelo do Juizado Especial Federal a possibilidade de
ele se efetivar em caso de desatendimento da requisição judicial. Essa orientação,
entretanto, só pode ganhar efetividade se acompanhada de uma leitura consen-
tânea com o intuito do modelo federal. Para isso, é preciso ter a requisição judicial
como verdadeiro comando, isto é, ordem judicial. Além da natureza jurisdicional
da determinação judicial, é preciso enxergá-la como provimento mandamental,
de modo que o eventual sequestro não iniba as outras consequências que o não
pagamento implica. Explica-se: se no regime do precatório, o momento da pre-
visão para pagamento distancia-se do efetivo cumprimento da obrigação; no
modelo instituído para as causas federais de pequena complexidade, previsão e
pagamento estão separados por sessenta dias, no máximo, o que dispensa ordem
cronológica. A requisição, isto é, a ordem, deve ser cumprida, e acaso desaten-
dida, o sequestro se impõe.

Ampliando seus conhecimentos


Juizados Especiais Federais, de José Eduardo Carreira Alvim, editora Forense.

Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais, de Fernando da Costa Tourinho


Neto e Joel Dias Figueira Júnior, Revista dos Tribunais.

10
É ainda Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva (1999, p.125-126) que arrola Barbosa Moreira e Araken de Assis como filiados ao
entendimento da natureza satisfativa do sequestro, no que é contrariado por Amílcar de Castro, Humberto Theodoro Júnior,
Willard de Castro Villar e Amaral Santos.

75
Referências

ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Princípios constitucionais na Constituição


Federal de 1988 e o acesso à justiça. Revista do Advogado da Associação
dos Advogados de São Paulo, São Paulo, n. 34, p. 5-22, 1991.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris


Editor, 1988.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Juizado de Pequenas Causas. In: WATANABE, Ka-


zuo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel (Coords.). Par-
ticipação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.

______. Vocabulário de Direito Processual. In: ______. Fundamentos do Pro-


cesso Civil Moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. Tomo 1.

______. Audiência de Instrução e Julgamento e Audiências Prelimina-


res. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e Prática dos Juizados Especiais Cíveis.


São Paulo: Saraiva, 1999.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 3.


ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

______. Instituições de Direito Processual Civil. 1. ed. São Paulo: Malheiros,


2001a. v. 1.

______. Manual dos Juizados Cíveis. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001b.

FERRAZ, Sérgio. Privilégios processuais da Fazenda Pública e princípio da iso-


nomia. Revista de Direito Público, n. 53-54, p. 38-43, jan./jun. 1980.

FLAKS, Milton. Precatório judiciário na Constituição de 1988. Revista de Pro-


cesso, São Paulo, n. 58, p. 84 e ss., 1980.

FUX, Luis. A ideologia dos Juizados Especiais. Revista de Processo, São Paulo,
n. 86, p. 204 e ss., 1997.

GRECO FILHO, Vicente. Da Execução contra a Fazenda Pública. São Paulo:


Saraiva, 1986.
Referências

GRINOVER, Ada Pellegrini. Os Princípios Constitucionais e o Código de Pro-


cesso Civil. São Paulo: Jorge Bushatsky, 1975.

______. O Processo em sua Unidade 2. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

______. A conciliação extrajudicial. In: WATANABE, Kazuo; GRINOVER, Ada Pel-


legrini; DINAMARCO, Cândido Rangel (Coords.). Participação e Processo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.

______. Deformalização do processo e deformalização das controvérsias. Revista


de Processo, São Paulo, n. 46, 1998a.

______. O Processo em Evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,


1998b.

LIMA, Alcides Mendonça. Os princípios informativos do Código de Processo Civil.


Revista de Processo, São Paulo, n. 34, 1994.

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Garantia do tratamento paritário das partes.
In: TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias Constitucionais no Processo Civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O benefício da dilatação do prazo para a Fazenda


Pública. Revista de Processo, São Paulo, n. 1, p. 51, 1977.

______. Miradas sobre o Processo Civil contemporâneo. In: Temas de Direito Pro-
cessual (6.ª série). São Paulo: Saraiva, 1997.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 4.


ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

NEVES, Celso. Estrutura Fundamental do Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro:


Forense, 1997.

ROCHA, Felippe Borring. Juizados Especiais Cíveis. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2000.

RODRIGUES, Geísa de Assis. Juizados Especiais Cíveis e Ações Coletivas. 1. ed.


Rio de Janeiro: Forense, 1997.

SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Lei dos Juizados Especiais Cíveis
Anotada. São Paulo: Saraiva, 1999.

SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Execução contra a Fazenda Pública. São
Paulo: Malheiros, 1999.

78
Referências

TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues; CORREIA DE ALMEIDA, Flávio


Renato. Curso Avançado de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 1999. v. 1.

TUCCI, José Rogério Cruz e (Coord.). Garantias Constitucionais do Processo


Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

TUCCI, Rogério Lauria. Manual do Juizado Especial de Pequenas Causas: anota-


ções à Lei 7.244/84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985.

WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: WATANABE, Kazuo;


GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel (Coords.). Participação
e Processo. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.

79
Juizados Especiais

Juizados Especiais
Juizados Especiais
Marco Antônio G. L. Lorencini

Você também pode gostar