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O ALCOOLISMO E SUAS CONSEQUENCIAS NA ESTRUTURA FAMILIAR

THE ALCOHOLISM AND ITS CONSEQUENCES IN FAMILY STRUCTURE

Edna Miura Martins


Assistente Social pela Universidade Federal do Piauí. Especialista em Saúde Pública

Gilvo Farias Junior


Mestre pela Universidade Federal de Pernambuco – Nutricionista - UFPE.

RESUMO

O presente artigo trata da questão do alcoolismo, sua conceituação, as formas de alcoolismo. Trata
também da relação direta do álcool com a violência e seus reflexos dentro da família. Ilustra o problema
grave que é o alcoolismo através de uma estatística negativa, como apresenta também o modelo de
sistema de família, no caso da família alcoólica, definido por Steinglass. O ambiente familiar também pode
afetar a transmissão do alcoolismo aos filhos de alcoólicos. E mostra que as crianças de pais alcoólicos têm
mais probabilidades de se tornarem alcoólicos quando adultos. Faz uma reflexão sobre os problemas de
saúde, as questões sociais, e o risco no convívio familiar, resultantes do uso excessivo de bebidas alcoólicas,
quanto aos aspectos físicos, mentais e sociais. A realização deste estudo consiste em conceituar, por meio
de diferentes fontes, o fenômeno do alcoolismo e seus reflexos na família, que pode resultar em doenças,
conflitos e a co-dependência. Para tanto, buscou-se conceituar, traçar breve histórico do alcoolismo, a
partir da revisão bibliográfica.

Palavras-chave: Alcoolismo. Família. Violência. Estatística. Compreensão.

ABSTRACT
This article addresses the question of alcoholism, its conceptualization, the forms of alcoholism. It's also
relationshipp direct alcohol with the violence and its consequences within the family. Illustrates the major
problem and alcoholism through a statistically negative, as also presents the system model family, in the
case of the alcoholic family, defined by Steinglass. The family environment can also affect the transmission
of alcoholism to children of alcoholics. And it shows that children of alcoholic parents are more likely to
become alcoholics as adults. Makes a reflection on the problems of health, social issues, and risk in family
life, resulting from excessive use of alcoholic beverages, in the matters physical, mental and social. The
realization of this study is to conceptualize, through different sources, the phenomenon of alcoholism and
its effects on family, which can result in disease, conflict and co-dependency. Thus, it sought to
conceptualize, to deal with brief history of alcoholism, from the bibliographic review.

Key-Words: Alcoholism. Family. Violence. Statistics. Understanding.

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INTRODUÇÃO

O alcoolismo é um dos mais sérios problemas de saúde pública na atualidade,


despertando a atenção de autoridades médicas e sanitárias em diversos países. No Brasil,
segundo os dados do I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas no Brasil,
realizado em 1999, pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas
(CEBRID), da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), em conjunto com a Secretaria
Nacional Anti-drogas (SENAD), a prevalência da dependência do álcool é de 11,2% na
população brasileira, e a maior taxa de dependentes está na população cuja faixa etária é
a de 18 a 24 anos.
Outra pesquisa divulgada em 2007 pela Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD),
em parceria com a Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP), registrou que
27,6 milhões pessoas da população adulta têm ou já podem ter tido algum problema
relacionado ao uso do álcool.
Conforme preceitua Lino (2006), a primeira definição de alcoolismo surgiu com
Magnus Huss, em 1849, que definiu o alcoolismo como sendo: o conjunto de
manifestações patológicas do sistema nervoso, nas suas esferas psíquica, sensitiva e
motora, observado nos sujeitos que consumiram bebidas alcoólicas de forma contínua e
excessiva e durante longo período.
Conforme preceitua o estudioso Marins (2009) o alcoolismo é uma doença de
caráter progressivo, incurável e quase sempre fatal. O alcoolismo agudo (embriaguez) é
muitas vezes confundido com alcoolismo crônico.
O primeiro caso trata-se da ingestão única em grande quantidade de álcool, por
um dia ou por um espaço curto de tempo, podendo ter como consequência uma leve
tontura até coma alcoólico. (ZEIGLER et al., 2005).
Já o alcoolismo crônico acontece quando se ingere habitualmente bebidas
alcoólicas, com frequência, repartidas vezes ao longo do dia em várias doses, que vão
mantendo uma alcoolização permanente do organismo, nunca saindo do efeito do álcool.
(ZAGO, 1996).

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Segundo o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas - CEBRID - (2002),
pesquisas indicam que uma elevada parcela dos casos de violência domiciliar está
associada ao consumo de bebidas alcoólicas. Esse estudo também mostra que a violência
ocorre principalmente entre casais, sendo a mulher a principal vítima.
Segundo Minayo (2006) a violência acompanha toda a história da humanidade,
sua presença está registrada em vários documentos da antiguidade e é lembrada
inclusive em narrativas bíblicas.
No mundo atual, transformou-se em desafios para estudiosos e autoridades, por
ser uma das maiores ameaças deste novo milênio. Deixou de ser um fato exclusivamente
policial para ser um problema social, que afeta a sociedade como um todo independente
da classe social, cor, raça, credo etc.
O objetivo do presente artigo é compreender a maneira como o uso crônico do
álcool afeta a esfera da vida social da família. Para tanto, se investigou alguns conceitos
sobre o tema, traçando um breve histórico do alcoolismo e suas representações para as
diversas sociedades, a partir da revisão bibliográfica direcionada para a violência familiar
associada ao consumo de bebida alcoólica.
O presente estudo foi realizado através de estudos bibliográficos, onde se
englobou pontos pertinentes ao tema para melhor conhecê-lo, com o objetivo de deixá-lo
mais rico e agregar conhecimento aos trabalhos já existentes sobre esta temática.
Os critérios utilizados para selecionar a bibliografia consultada foram
estabelecidos a partir de padrões temáticos e de formato bibliográfico. Assim, a fonte de
dados desta pesquisa foi constituída basicamente pela produção científica sobre o tema:
“O alcoolismo e suas consequências no meio familiar”. O presente estudo aconteceu no
período compreendido entre agosto de 2009 a junho de 2010, se usou também na
bibliografia artigos publicados no site da SIELO.
A bebida alcoólica é uma substância psicoativa (modifica o funcionamento do
cérebro) que admite dependendo da dose, da frequência e das circunstâncias um uso
sem problemas. No entanto, sua utilização de forma inadequada pode trazer graves
problemas, tanto orgânicos como psicológicos e sociais. (OLIVENSTEIN: 1982).

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Na Classificação Internacional de Doenças, CID, da Organização Mundial de
Saúde, OMS (1993), o uso de todas as substâncias psicoativas são classificadas pelos
códigos de F10 a F19. A síndrome de dependência de álcool aparece na categoria F10.
Segundo o Dr. Alexandre Dietrich (www.alcoolismo.com.br,2005) o alcoolismo
não é um vício, é uma doença que qualquer pessoa pode desenvolver, independente de
idade. Os fatores genéticos são agravantes sim, mas os hábitos também podem ser
determinantes, dependendo da predisposição de cada um.
Em palestra realizada sobre o alcoolismo em fevereiro de 2010, por Odair José
Baldin, da “Vox Dei Casa de Apoio de São José do Rio Preto”. Baldin ressalvou que "Uma
pessoa que adquire o hábito de beber vai desencadear aquela série de etapas que
envolvem a dependência física e psicológica do álcool”. (BALDIN, 2010).
Para Pechansky, Szobot e Scivoletto(2004), o álcool já é a substância mais
consumida pelos jovens, havendo uma diminuição gradual da idade em que o adolescente
inicia seu uso, o que, por sua vez, está associado ao baixo desempenho escolar, ao
aumento de comportamentos de risco e prejuízo em seu desenvolvimento cognitivo e
emocional.
Segundo Bordin, Figlie, Laranjeira (2004) a evolução da ciência nas duas últimas
décadas mostram que a dependência é uma doença crônica e recorrente que resulta de
uma interação de efeitos prolongados da droga no cérebro. Entretanto, como muitas
outras doenças cerebrais, importantes aspectos sociais, culturais, educacionais e
comportamentais são partes integrantes desta doença.
A dependência física segundo Tiba (1995) é causada pelas drogas que funcionam
da forma em que entra no metabolismo do indivíduo, “fazendo parte das reações
bioquímicas”, de tal forma que o organismo já as tem como parte necessária para seu
funcionamento adequado, em falta o mesmo não consegue trabalhar direito
apresentando ansiedades, tremores, convulsões, etc. Além disso, o álcool libera no
organismo dopaminas e analgésicos naturais do organismo, as betas endorfinas, levando
à sensação de euforia e embriaguez devido à depressão do Sistema Nervoso Central
(SNC). Quando metabolizado, o álcool transforma-se em acetaldeído, que age sobre os

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neurotransmissores afetando o aproveitamento das proteínas e interferindo no material
genético das células.
A partir destes conceitos, percebe-se que a dependência do álcool é considerada
um conjunto de problemas relacionados ao consumo excessivo e prolongado, e as
consequências decorrentes. Tal uso tomou proporção de grave problema de saúde
pública no país e encontra ressonância nos diversos segmentos da sociedade, em função
de vários agravos sociais. (BERTOLOTE, 1997).
O certo é que não há ainda certeza do que leva uma pessoa a ser um dependente
em álcool, já que é um transtorno pessoal de quem a adquire, pois, o que é perceptível é
que cada pessoa reage de uma forma diferente e por diversas razões, contextos e
circunstâncias. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
Sendo assim, não existe nenhum fator que a determine de forma definitiva ou
que estabeleça que as pessoas se tornem dependentes, pois, o que se sabe é que uma
combinação de alguns fatores contribui para que algumas pessoas tenham maiores
chances de desenvolver problemas em relação às substâncias durante algum período de
suas vidas. Dessa forma, as dependências químicas não têm uma única causa, pois, são a
soma de vários fatores que atuam ao mesmo tempo tendo sempre mais de uma causa.
Por exemplo, existe uma predisposição física e emocional para a dependência, própria do
indivíduo. (VARGAS 2002).
Laranjeira, Duailibi & Pinsky (2005) apesar de reconhecerem que não existe uma
relação causal simples e única direção entre consumo de álcool e violência, apontaram
três modelos teóricos que são propostos para entender este fenômeno: o primeiro
modelo diz que o uso do álcool conduziria ao crime; o segundo que o crime conduziria ao
uso de álcool; e o terceiro que a relação seria coincidente ou explicada por uma
associação de causas comuns.
No primeiro modelo, o álcool levaria ao crime principalmente por suas
propriedades psicofarmacológicas. Do ponto de vista biológico, alguns efeitos da
intoxicação alcoólica, incluindo distorção cognitiva e de percepção, déficit de atenção,
julgamento errado de uma situação e mudanças neuroquímicas, poderiam originar ou

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estimular comportamentos violentos. A intoxicação crônica pode contribuir com
agressões por fatores como privação de sono, abstinência, prejuízo de funcionamento
neuropsicológico ou associação com transtornos de personalidade.
O segundo modelo explicaria melhor a relação entre crimes e drogas ilícitas,
podendo ser aplicado ao álcool. Está baseado na suposição de que os indivíduos que
cometem crimes são mais provavelmente expostos a situações socioculturais e
ambientais onde o beber pesado é perdoado ou encorajado. Desta forma, estudos
experimentais relatam que, em ambientes onde existirem maior expectativa de aceitação
da violência e menor receio das suas consequências sociais, físicas e legais, se teria um
maior índice de criminalidade e abuso de substâncias psicoativas.
O terceiro modelo pressupõe que a relação bebida-violência seja devida a causas
comuns, dentre as quais figurariam a personalidade, antecedentes familiares de
alcoolismo, fatores genéticos, características de temperamento, pobre relacionamento
com os pais, transtorno de personalidade antissocial e todas as circunstâncias sociais que
predisporiam ao crime e à bebida.
Outros estudos apontam que o abuso de álcool pelo alcoolista pode precipitar a
ocorrência de violência doméstica, uma vez que o álcool costuma alterar a percepção das
interações sociais, aumentando os riscos de desentendimento entre os participantes do
grupo familiar. Ao desinibir o comportamento, o álcool facilita a violência. (MOSCOVICI,
2003).
Cresce assustadoramente no Brasil as situações de violência, criminalidade,
acidentes de trânsito (originando pessoas com graves deficiências) ocasionados por
indivíduos alcoolizados. Portanto, estes fatos não deixam dúvida: o alcoolismo é também
uma doença cujos sintomas sociais devem ser alertados e prevenidos. Portanto, já há um
entendimento de que as questões de álcool constituem um problema de saúde pública,
desse modo, são alvos principais de ações das diversas políticas públicas.
Segundo Lima e Cols (2007), com o aumento crescente da incidência de
dependência do álcool, percebendo-se que seus efeitos prejudicam não apenas o sujeito
que bebe, mas também a sua família como um todo, fazem-se necessários estudos

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abrangendo não apenas o usuário dependente do álcool, como também as
consequências da mesma no seio familiar.
Nessa linha concordam também outros autores como Laranjeiras, Caldas, onde
afirmam que a dependência do álcool desencadeia vários conflitos no meio social onde se
insere o indivíduo viciado. Sendo assim, o álcool além de prejudicar o usuário, prejudica
também todos que de alguma forma gravitam em torno dele.
Segundo o estudo apresentado pelos autores Mello, Barrias & Breda (2001),
constatou-se que o alcoolismo é uma patologia e que, na maioria das vezes, seus
sintomas não se restringem apenas a fatores físicos; no geral, o indivíduo acaba buscando
ajuda médica apenas baseado em sintomas que são decorrentes do uso abusivo de álcool
e sem se preocupar muitas vezes com a causa do problema de dependência do álcool.
Em geral, as famílias num primeiro momento negam a doença, o que explica em
parte a demora em procurar ajuda de profissionais. No entanto, esta atitude acaba por
desencadear um processo de co-dependência, os membros acabam contribuindo de
alguma forma com o membro alcoolista.
Barros (1994) afirma que “o alcoolismo é considerado uma doença de evolução
crônica e progressiva acometendo todos os indivíduos, sem distinção de gênero, raça,
nível sócio-econômico, escolaridade e atividade laborativa”.
O uso de álcool e outras drogas surgem com cada vez maior frequência entre as
mulheres, relacionado à tentativa de se automedicar, eliminando a dor e o mal-estar
resultante das situações violentas e traumáticas no lar.
Estatísticas da Associação Brasileira de Álcool e Drogas (ABEAD) relatam que a
associação de álcool e direção é responsável por 75% dos acidentes de trânsito com
mortes; 39% das ocorrências policiais, e constitui-se a 3ª causa de absenteísmo,
respondendo por 40% das consultas psiquiátricas no Brasil. (ABEAD, 2008). Além disso,
dados do Ministério da Saúde do Brasil, demonstram que os Transtornos Mentais são a 4ª
causa de internação hospitalar, sendo suplantada apenas pelas internações por
problemas respiratórios, circulatórios e dos partos, sendo o álcool a razão principal em
20,6% dos casos. (DATASUS, 2004).

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Outros dados são apresentados Blume e Zilberman (2004), o uso de substâncias
pode estar envolvido em até 92% dos casos relatados de violência doméstica. Citando
vários estudos, os autores relatam que foram encontradas taxas de alcoolismo entre 67%
e 93% nos casos de maridos que já praticaram algum tipo de violência física contra suas
esposas. Entre indivíduos em tratamento para dependência do álcool, o índice de
ocorrência de violência relatada pelo agressor no ano anterior ao tratamento ficou entre
20% e 33%. Para Forselledo (1996), 97% dos casos reportados de violência doméstica se
associam a homens abusadores de álcool, na América Central. As tradições culturais
relacionadas com o abuso do álcool, segundo os pesquisadores, fazem que a violência
intrafamiliar em alguns países seja considerada natural e rotineira.
Apesar das diversas causas que podem provocar a violência familiar,
pode-se dividí-la os fatores de sua origem em dois grandes grupos: os fatores
intrafamiliares, onde estão localizados os relacionamentos familiares como um todo e o
uso da autoridade dos pais em particular; e os fatores sociais, entre eles, o uso de álcool e
drogas, fenômenos comuns na sociedade contemporânea. (FERRARI, 2002).
A violência intrafamiliar, apesar de conter muitos elementos da violência
doméstica, está mais ligada ao contexto relacional da família. Para Melo (2005), “as
relações e os comportamentos entre os membros da família terão na violência não só
uma inspiração, mas também a pedra sobre a qual serão construídos”.
Segundo Ramos & Bertolote (1997), os caminhos para o uso/abuso do álcool e
para a dependência podem ser muitos, pois o álcool é capaz de reduzir a ansiedade,
possibilitar efeitos estimulantes/euforizantes ou mesmo anestésicos. Igualmente, os
efeitos desinibidores do álcool têm sido relacionados com comportamentos agressivos
ou sexualmente liberados. (CHASIN & CARLINI-COTRIM, 2000; DUARTE & CARLINI-
COTRIM, 2000).
Ao se olhar a família pelo viés histórico de sua formação, observa-se que certos
padrões de comportamento de seus membros se repetem se acentuam ou diminuem em
relação ao comportamento de seus antepassados. Tais repetições poderão acontecer em
maior ou menor nível, mas de maneira geral, alteradas conforme a vivência e experiência

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pessoal de cada indivíduo. Portanto, existe a possibilidade de alterar, a partir de
conteúdos particulares, a herança do conteúdo psíquico das gerações anteriores ou,
simplesmente às repetir. O fato é que, na formação de uma família influenciam heranças
genéticas e psíquicas, e o alcoolismo, visto como um problema familiar é inserido neste
contexto, no qual cada membro da família participa, ao mesmo tempo com sua
individualidade e sua herança de gerações anteriores. (BERTIN, 2004 e BENNETT et. Al.,
apud BRASIL, 2004).
Em relação à família, algumas pesquisas sugerem que as reações da esposa e dos
familiares passam por uma sequência previsível de estágios. (JACKSON, 1954 apud
EDWARDS, 2005).
O alcoolismo dentro de uma família traz uma grande dose de estresse,
transformando-se rapidamente numa doença de todo o grupo familiar, como postulou
Jackson em 1954. Esse estresse é responsável pelo rompimento da estabilidade que, por
sua vez, conduz a família a um exagerado apego ao conhecido, cronificando atitudes
calcadas em mecanismos reguladores. (STEINGLASS, 1987). Sempre existe um vai e vem
entre o desejo da família de manter sua estabilidade e o desejo de mudar e crescer.
Em algumas famílias, a necessidade de estabilidade parece ser a que triunfa, e a
mudança só se produz em resposta a tremendas pressões. Em tais famílias, os
mecanismos morfoestáticos exercem um efeito tirânico, comprimem as aspirações de
desenvolvimento até que não seja possível contê-las, então explodem, ao menos na
forma de grande crise da família.
Em outras famílias parecem ocorrer constantes alterações e mudanças, descritas
como caóticas; estas famílias parecem desorganizadas, não reguladas e descontroladas. A
família sã é, segundo Steinglass, a que desenvolve um adequado equilíbrio entre a
morfogênese (processo de modelagem dos organismos, ou seja, do seu desenvolvimento
a partir do zigoto, através da formação dos tecidos, órgãos e sistemas) e a morfoestase
(manutenção da mesma forma através da correção dos desvios em relação a
funcionamento do sistema), sendo a chave uma adaptação coerente dos mecanismos
reguladores.

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Ainda segundo Steinglass et al (1989), baseados na teoria de sistemas, criaram o
termo “família alcoólica” como uma tentativa de caracterizar a profunda infiltração
estrutural que pode adquirir o álcool em uma família com um membro importante
dependente.
Resumidamente os autores consideram que toda família passará a funcionar
como um sistema alcoólico, cuja característica principal será o conservadorismo, ou seja,
a dificuldade em seguir naturalmente as fases do ciclo evolutivo familiar, que sempre
implicarão a necessidade de mudanças. (STEINGLASS ET AL 1989).
Serão necessárias grandes tensões e fortes ameaças, algumas relacionadas com
as consequências médicas do alcoolismo, para que uma família com essas características
se mobilize.
Edwards (2005) comenta que as evidências não apóiam que todas as esposas
passem pelo mesmo processo, com as mesmas reações, porém existem atitudes que, por
vezes, são reconhecíveis.
O autor descreve um padrão sequencial da maioria das mulheres casadas com
alcoolistas, com base nos fatores mais recorrentes de início vem à negação do problema,
em seguida as tentativas de controlar ou impedir o comportamento problemático de seu
esposo, a família vai se isolando dos contatos sociais, permanecendo a maior parte do
tempo em casa. Mais tarde, a esposa começa a perceber que suas tentativas e estratégias
para que o comportamento problemático de seu esposo desapareça não estão
funcionando. Possivelmente neste momento começa a temer pela própria sanidade por
vezes se sentindo desesperançada frente ao caos familiar.
O relacionamento sexual diminui ou cessa, e paira uma sensação geral e
continuada de distância, medo ou raiva. Neste momento, a esposa geralmente aconselha
o marido a procurar ajuda e, se ele não o faz, é grande a chance de o casamento chegar
ao fim ou, se continuar, entrar numa fase caracterizada por estratégias de impedimento.
(EDWARDS, 2005).
Os problemas que afetam a esposa de ordem tanto emocional quanto práticas,
ou seja, emocionalmente a vida da mulher pode passar por momentos de ansiedade,

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medo, desgosto, decepção, dúvida, raiva, sentimentos de culpa, sensação de fracasso,
carência emocional, baixa autoestima, etc.. (EDWARDS, 2005).
Na prática, os problemas podem estar vinculados aos aspectos financeiros, como
falta de pagamento do aluguel, escola dos filhos, despesas cotidianas relacionadas à
alimentação, transporte etc. Como aos danos físicos que podem ser causados por
atitudes violentas, transtornos com a vizinhança em função de desajustes de conduta,
ausências constantes e crises de ciúmes.
De acordo com Filizola et al (2006), as famílias demonstram pouco conhecimento
sobre o alcoolismo, desconhecendo conceitos importantes para a compreensão deste
problema de saúde e do seu tratamento. Quando o álcool está presente na família, todos
os membros acabam adoecendo de alguma forma. Constata-se que ocorre a
desestruturação da família que, em sua maioria, não reconhece o alcoolista como um
indivíduo doente.
O modelo de doença familiar considera o alcoolismo ou o uso nocivo de drogas
como uma doença que afeta não apenas o dependente, mas também a família. (FLIGIE,
2004).
Em famílias onde há um membro alcoolista, os filhos podem ter seu
desenvolvimento afetado pela situação a qual estão expostos. (TIBA, 2007). Filhos de pais
alcoolistas são muito mais passíveis de se tornarem também alcoolistas, os riscos destes
na idade adulta é três vezes maior do que aqueles cujos pais não são alcoolistas.

CONCLUSÃO

O estudo feito nos remeteu ao fato que o álcool é uma doença em escala
planetária, pois atinge indistintamente as pessoas. Destarte, os estudiosos sobre o
assunto em foco são unânimes na afirmativa de que essa substância química não afeta
apenas o corpo, mas também, a mente do ser humano e, pior, desestrutura famílias e
aumenta os problemas sociais em escala cada vez mais alarmante. Melhor mesmo seria se

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as pessoas não fossem estimuladas ao consumo de álcool, mas sim motivadas para sua
prevenção e tratamento. Dessa forma, certamente teríamos uma sociedade mais justa e
humana.
Esta consciência é algo a ser conquistado tanto no decorrer do tratamento do
alcoolista, conseguindo ele perceber o alcoolismo como doença e a importância do seu
tratamento, como na relevância que sua família possui para que o citado tratamento
atinja seu objetivo.
A família não é impotente diante do alcoolismo, mas peça fundamental no
combate do mesmo, sendo necessário o tratamento também dos membros familiares,
pois todos são afetados pela dependência. Desse modo, o tratamento familiar se faz
imprescindível para a harmonia familiar e a diminuição de dependentes químicos do
álcool.

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