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TOC 112 - Julho 2009

C o n t a b i l i d a d e

Activos intangíveis e seu tratamento


numa concentração de actividades empresariais
Por Alexandra C. R. Domingos, Rui D. Domingos
e S í l v i a F. A r s é n i o

Na sequência do «Projecto de linhas de orientação para um novo modelo de normali-


zação contabilística», foi criada a NCRF 6. Quando entrar em vigor, Portugal passará a
dispor de uma norma específica para tratar os «activos intangíveis», o que não aconte-
ce neste momento. Contudo, a NCRF 6 é em tudo semelhante à IAS 38.

c o n t a b i l i d a d e
O
s activos intangíveis são a e, supletivamente, a própria IAS 38 – Activos
«nova fonte de riqueza» intangíveis, emitida pelo IASB (International Ac-
das entidades em detri- counting Standards Board).
mento dos activos tangíveis, sendo Na sequência do «Projecto de linhas de orienta-
uma das suas principais fontes de ção para um novo modelo de normalização con-
criação de valor e têm tendência a tabilística»(1), foi criada a NCRF (2) 6 – Activos
Alexandra Margarida C. R. cada vez mais se assumirem como intangíveis, que tem por base a IAS 38. Quando
Domingos
Mestranda em Contabilidade
um factor de grande importância. esta norma entrar em vigor, Portugal passará a
pelo ISCAL Actualmente, os activos intangíveis dispor de uma norma específica para tratar os
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ainda são pouco considerados nas «activos intangíveis», o que não acontece nes-
demonstrações financeiras, tendo o te momento. Da análise efectuada, verificámos
seu reconhecimento contabilístico que, em termos de conteúdo a NCRF 6 é, no seu
vindo a gerar alguma controvérsia da- todo, semelhante à IAS 38.
das as características particulares que A característica mais importante dos activos intan-
lhe estão associadas: a dificuldade gíveis tem a ver com o alto grau de incerteza em re-
em identificá-los devido à sua natu- lação à obtenção de benefícios económicos futu­ros
reza não física e a sua difícil mensu- que os mesmos podem proporcionar. A definição
ração. É o caso das marcas próprias, dada a nível nacional e pelo IASB é a seguinte:
Rui Manuel Delgado Domingos da carteira de clientes, do
Assistente do 1.º triénio
e mestrando pelo ISCAL know-how, etc. Alguns Portugal IASB
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destes elementos, como POC (capítulo 12) NCRF 6 IAS 38
por exemplo, as marcas, se
Imobilizado incorpóreo: são imobiliza-
resultarem de aquisições já (Parágrafo 8) São activos não
ções intangíveis, englobando nomeada-
poderão integrar o activo. mente, direitos e despesas de constituição,
monetários, identificáveis, sem
Assim, a contabilização substância física.
arranque e expansão.
dos activos intangíveis, e
em especial do goodwill,
será um assunto cuja importância irá Comparativamente, o POC permite a inclusão em
crescer nos próximos anos, tendo em imobilizado incorpóreo de direitos e despesas de
Sílvia Marina Fialho Arsénio
conta que a quantidade de activos constituição, arranque e expansão, o que não é
Mestranda em Contabilidade
pelo ISCAL
intangíveis passou a ter um maior aceite pela IAS 38. Para além disso, a norma do
TOC n.º 70 575 peso nas demonstrações financeiras IASB não permite a capitalização de gastos na
das entidades. fase da pesquisa enquanto a DC n.º 7 admite a
Em termos normativos, o referencial contabilís- capitalização de despesas na fase de pesquisa,
tico português actual que trata o tema, compre- em circunstâncias excepcionais, em que seja as-
ende o POC, a DC n.º 7 - Contabilização das segurada, de forma inequívoca, a existência de
despesas de investigação e de desenvolvimento benefícios futuros. (3)

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Por outro lado, a IAS 38 identifica com clareza Ainda de acordo com a IAS 38, o custo de um
a definição de activos intangíveis, dando ainda a activo intangível pode ser obtido de uma das
definição de activo e activo monetário. seguintes formas: aquisição separada, aquisição
De acordo com a IAS 38 (parágrafos 9 a 17), os por meio de um subsídio do Governo, troca de
activos intangíveis possuem as seguintes caracte- activos, activos intangíveis gerados internamen-
rísticas: inexistência de substância física, identifi- te e aquisição como parte de uma concentração
cabilidade, controlo sobre o recurso e existência de actividades empresariais. É sobre este último
de benefícios económicos futuros. tipo de aquisição que iremos efectuar uma breve
No seu parágrafo 18, a IAS 38 refere que o reco- análise.
nhecimento de um item como activo intangível Uma concentração de actividades empresa-
deve satisfazer: a definição de activo intangível e riais é a junção de entidades ou actividades
o critério de reconhecimento. Já o parágrafo 21 empresariais separadas numa única entida-
desta norma refere que um activo intangível deve de que relata (IFRS 3, parágrafo 4). A IAS 38
ser reconhecido se, e apenas se: for provável que (parágrafo 33) e a legislação portuguesa são
fluam para a entidade os benefícios económicos coincidentes no que respeita à sua mensura-
futuros esperados atribuíveis ao activo e o seu ção inicial:
custo poder ser determinado de modo fiável:
Portugal IASB
Figura 1 – Reconhecimento de activos intangíveis
Recurso Não DC 1(4) NCRF 6 IAS 38
intangível?
Pelo custo Pelo custo
Sim Pelo custo (justo valor na (justo valor na
Não (justo valor na data de aquisição) data de aquisição)
Identificável? data de aquisição
correspondente à
Sim percentagem de
Não participação adqui- IFRS 3 – Con-
Não
Controlado? reconhecer rida pela empresa- NCRF 14 – Concen- centrações de
-mãe). trações de activida- actividades em-
Sim des empresariais presariais
Capaz de gerar benefícios Não
económicos futuros?
Sim Reconhecer Assim, de acordo com o parágrafo 34 da IAS
38, que remete para a IFRS 3 (parágrafo 45),
Mensurado com Não
confiança? a adquirente reconhece à data da aquisição:
• o goodwill adquirido numa concentração de
Sim
actividades empresariais como um activo;
• separadamente um activo intangível da
Verificamos, assim, que o referencial contabilís- adquirida, apenas se esse activo satisfizer
tico português actual é um normativo desactuali- a definição de activo intangível da IAS 38
zado em relação ao tema «intangíveis». e se o seu justo valor puder ser mensurado
Já no que respeita à mensuração inicial de activos com fiabilidade. Isto significa que a adqui-
intangíveis, na data de reconhecimento, toda a le- rente reconhece como um activo separada-
gislação portuguesa e a IAS 38 são coincidentes: mente do goodwill um projecto de pesquisa
e desenvolvimento em curso
Portugal IASB da adquirida, caso o projec-
POC NCRF 6 IAS 38
to corresponda à definição de
Ponto 5.4.1 Parágrafo 24 activo intangível e o seu valor
(critérios de valorimetria) possa ser fiavelmente mensu-
Custo de aquisição ou
rável.
custo de produção Custo Vejamos o tratamento do goodwill
de acordo com a IFRS 3:

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  IFRS 3

Definição É o pagamento feito pela adquirente em antecipação de benefícios económicos futuros de activos
(parágrafo 52) que não sejam capazes de ser individualmente identificados e separadamente reconhecidos.

Mensuração Pelo seu custo, que é o excesso do custo da concentração de actividades empresariais acima
inicial do interesse da adquirente no justo valor líquido dos activos, passivos e passivos contingentes
(parágrafo 51) identificáveis reconhecido de acordo com o parágrafo 36 da mesma norma.

Mensuração
subsequente Custo - perdas por imparidade acumuladas
(parágrafo 54)

Esta é a grande diferenças do IASB para Portugal e a grande alteração da IFRS 3 em relação à IAS 22. (5)
A DC 1 (ponto 3.2.5) considera que o goodwill deve ser reconhecido e amortizado numa base sistemática, num período que
não exceda os cinco anos ou, no limite, 20 anos se a vida útil for mais extensa. Já o IASB refere que o goodwill não é amor-
tizado, mas testado anualmente quanto à imparidade.

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De forma resumida, o custo de aquisição numa O goodwill evidenciado deve-se ao facto da entidade
concentração de actividades empresariais é de- “Y” deter uma quota de mercado sólida e rentável no
terminado da seguinte forma: nicho de mercado de calçado para desportos radicais.

Figura 2 – Determinação do custo de aquisição por parte da adquirente

Valor contabilístico dos activos


Valor e passivos reconhecidos
contabilístico
Preço dos activos
compra e passivos Ajustamento para reconhecer os
Custo de reconhecidos activos e passivos ao justo valor
aquisição
por parte da
adquirente Activos intangíveis identificáveis
Custos
directamente Excedente
atribuíveis Goodwill

Complementemos com o seguinte exemplo prático: Os activos e passivos à data de aquisição eram
O grupo “X” adquiriu cem por cento do capital da os seguintes:
entidade “Y”, a qual é especializada na produção
de calçado para desportos radicais. O valor de Unidade: milhares de euros

aquisição foi de cinco milhões 950 mil euros.   Justo Quantia


Os detalhes dos activos líquidos adquiridos e do   valor escriturada
goodwill são os seguintes: Caixa e equivalentes 195 195
Imóveis, instalações e equipamentos 29 056 28 234
Marcas registadas (marketing related) 1 000 0
Unidade: milhares de euros Licenças (contract based) 700 0
Relações com clientes (customer
Informações da compra 1 850 0
related)
– Valor pago 5 950 Direitos de utilização (contract based) 800 0
Inventários 995 495
– Custos directos relacionados com a aquisição 150 Clientes 855 855
Valores totais relacionados com a aquisição 6 100 Fornecedores -9 646 -9 646
Outras obrigações -1 401 -781
Justo valor dos activos adquiridos (ver abaixo) -5 145
Empréstimos -19 259 -19 259
Goodwill 955 Valor líquido dos activos adquiridos 5 145 93

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Como efectuar o registo dos activos Contabilisticamente:


e passivos da entidade adquirida
por parte da adquirente? Unidade: milhares de euros

Descrição Débito Crédito


De acordo com o parágrafo 24 da IFRS 3, o IFRS 3
Goodwill 955
valor total relacionado com a aquisição da parágrafo 51
adquirente, além de compreender o preço Caixa e equivalentes 195
da compra, contempla também quaisquer Imóveis, instalações
29 056
custos directamente atribuíveis à compra. e equipamentos
Conhecendo este valor e o justo valor dos IFRS 3 Marcas registadas
1 000
activos adquiridos, conseguimos determinar parágrafo 45 (marketing related)
o valor do goodwill, ou seja, valor de aquisi- IFRS 3
Licenças (contract based) 700
parágrafo 45
ção – justo valor (activos – passivos).
IFRS 3 Relações com clientes
Os activos e passivos identificáveis da ad- 1 850
parágrafo 45 (customer related)
quirida que satisfaçam os critérios de re- IFRS 3 Direitos de utilização
800
conhecimento do parágrafo 37 da IFRS 3 parágrafo 45 (contract based)
devem ser reconhecidos na data de aquisi- Inventários 995
ção, ao justo valor. Clientes 855
As marcas, licenças, direitos de utilização e Fornecedores 9 646
relações com clientes não reconhecidas an-
Outras obrigações 1 401
teriormente como activos intangíveis foram
Empréstimos 19 259
agora alvo de capitalização, de acordo com
o parágrafo 45 da IFRS 3. De acordo com a Caixa e equivalentes   6 100
IAS 38, parágrafo 63 todos os activos intan-
gíveis gerados internamente não podem ser
capitalizados. No entanto, como estes activos (Texto recebido pela CTOC em Março de 2009)
foram alvo de aquisição numa concentração
de actividades empresariais, já podem ser re- Bibliografia
conhecidos como tal.
O custo de aquisição da entidade “Y” é, assim, Disponível para consulta no site da CTOC (www.ctoc.pt).
composto da seguinte forma:

93
93 Valor contabilístico dos activos
(Valor e passivos reconhecidos
5 950
(Preço contabilístico
6 100 dos activos 702
compra)
e passivos Ajustamento para reconhecer os
Custo de reconhecidos) activos e passivos ao justo valor
aquisição da
K&Co. 4 350
150 Activos intangíveis identificáveis
(Custos
directamente 6 007
(Excedente) 955
atribuíveis) Goodwill

(1) Aprovado pelo Conselho Geral da CNC, em 15 de Janeiro de 2003.


(2) Norma Contabilística e de Relato Financeiro.
(3) DC n.º 7, ponto 3.
(4) Tratamento contabilístico de concentração de actividades empresariais.
(5) Concentrações de actividades empresariais (revista em 1998) – [substituída pela IFRS 3].

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