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Scocuglia nos adverte para uma tendência das análises sobre a obra de
Paulo Freire que é a de fixar certas propostas, desconsiderando os múltiplos e
variados diálogos que o autor estabeleceu ao longo de sua produção
intelectual e sua própria inclinação a uma constante autocrítica. Esse
comentário nos abre, de forma bastante provocativa, algumas possibilidades
de interrogação sobre o legado freireano, como, por exemplo, perceber certos
traços que se conservam no seu pensamento a despeito dos diferentes autores
com os quais estabeleceu algum diálogo mais significativo. Destarte, compõe
uma marca singular no pensamento de Paulo Freire uma dialética entre
mudança e conservação que constitui um elemento indispensável àqueles que
se lançam a compreender a sua trajetória intelectual, sobretudo pelo fato dela
atravessar mais de três décadas. Mas não quaisquer trinta anos, e sim uma
etapa da história brasileira em que a construção da democracia viveu
momentos de euforia pré-revolucionária, de profundas incertezas e
autoritarismo e de uma revitalização dinâmica e repleta de contradições
conforme sublinha Coutinho (2002).
Freire mais uma vez apresenta um tema que é caro em sua trajetória
intelectual e expressa a dialética entre mudança e conservação em seu
pensamento. A desumanização em curso na sociedade ao longo da própria
trajetória do autor já se apresentou diante do espelho de diferentes formas: o
atraso cultural e econômico, o analfabetismo, a ditadura, a racionalidade
tecnicista e o projeto neoliberal. Não importa as diferentes feições da
desumanização social, ela sempre se opôs aos oprimidos, sempre obscureceu
sua dignidade. A educação humanizadora traz em “Pedagogia da Esperança”,
no reencontro que Freire provoca com a “Pedagogia do Oprimido”, um
significado extremamente relevante no marco da sociedade brasileira atolada
na mediocridade avassaladora do ideário neoliberal: a afirmação do sonho, de
sua condição transformadora. A marca da utopia em tempos de descrença. A
educação se faz ainda mais política na medida que reafirma no sentido
humanizador a capacidade de criação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
COUTINHO, Calos Nelson. A democracia na batalha das idéias e nas lutas políticas do Brasil de hoje. In:
FÁVERO, Osmar e SEMERARO, Giovanni (orgs). Democracia e construção do público no pensamento
educacional brasileiro. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
FALEIROS, Vicente de Paula. Metodologia e ideologia do trabalho social. 6 ed. São Paulo: Cortez, 1986.
FÁVERO, Osmar. Paulo Freire: primeiros tempos. In: VENTORIM, Silvana; PIRES, Marlene de Fátima;
OLIVEIRA, Edna de Castro (orgs). Paulo Freire, a práxis político-pedagógica do educador. Vitória: Ed.
UFES, 2000.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 20 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1991.
[1] Devemos aqui destacar o papel desempenhado pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e
as idéias defendidas por Álvaro Vieira Pinto sobre a importância da educação na difusão ideológica.
Segundo Fávero (2000) estas reflexões compunham um leque mais amplo de concepções que de modo geral
pretendiam enfatizar o papel da educação no processo de desenvolvimento econômico.
[2] A repercussão da produção de Paulo Freire no Serviço Social, por exemplo, se deu em dois momentos
distintos: o primeiro quando das experiências do próprio autor com os projetos de extensão em Recife no
início dos anos 60 e em um segundo momento em meados dos anos 70 a partir dos trabalhos de Vicente de
Paula Faleiros que também esteve exilado no Chile. Esta segunda influência foi mais decisiva do que a
primeira tendo em vista que se deu em pleno Movimento de Reconceituação do Serviço Social. Um
movimento essencialmente latino-americano e que redefiniu os rumos políticos e conceituais da profissão
em favor das classes subalternas e que alterou a nomenclatura profissional, ao menos nos países de língua
espanhola, para exatamente: trabalhadores sociais. A principal incorporação da obra de Freire foi em
relação à temática da conscientização como podemos ver nesta breve citação de Faleiros: “O termo
“conscientização” é bastante amplo e controvertido. Mas aqui o utilizamos como se vem destacando
ultimamente na ação pedagógica do trabalhador social e conotando fundamentalmente o processo de
reflexão crítica na ação, na luta cotidiana pelas mudanças e transformações sociais. Essa problemática vem
preocupando, de forma destacada, os trabalhadores sociais desde o início de 1960, e principalmente a partir
de 1963, quando alcançou grande repercussão o método Paulo Freire, no Nordeste do Brasil”. (1986: 96)