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Roniere Silva Menezes
RESUMO: Este trabalho visa a refletir sobre trabalhos realizados pela poetisa brasileira
Cecília Meireles e pela fotógrafa norte-americana Genevieve Naylor durante o período
da II Guerra Mundial. As duas vivenciaram o conflito internacional, mas vivenciaram
também, nos anos iniciais da década de 1940, uma outra guerra: a guerra cotidiana das
divisões sociais, do preconceito em relação aos negros. A fotógrafa e a poetisa
estiveram envolvidas com o projeto denominado “Política da boa vizinhança”. Cecília
trabalhou, para o DIP, órgão do Governo Vargas, como editora da revista Travel in
Brazil. Em 1941 viaja aos Estados Unidos para proferir palestras sobre cultura popular.
Em crônicas e poemas trata da questão negra. Genevieve chega ao Brasil em 1941,
permanecendo até 1942. Suas fotos ressaltam imagens relativas à cultura popular –
principalmente negra – e a convivências cotidianas. Os trabalhos das artistas ampliam as
imagens do Brasil de meados do século XX.
ABSTRACT: This paper aims to reflect upon the work of the Brazilian poet Cecília
Meireles and the North-American photographer Genevieve Naylor during the II World
War. Both women experienced the international conflict, but they have also experienced
other wars during the first years of the 1940s: the daily war of social hierarchies; racism.
The photographer and the poet were part of the program known as “The Good Neighbor
Policy”. Meireles used to work as the editor of the journal Travel in Brazil for the DIP,
an organ of Vargas’s government. In 1941 she traveled to the United States to conduct
lectures about popular culture. Meireles has also presented aspects of the Afro-Brazilian
culture on poems and other texts. Genevieve came to Brazil in 1940 and stayed here
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Doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (2008).
until 1942. Her photos show images related to the popular culture – especially
Afro-Brazilian – and to the daily life. Both artists amplify the images of Brazil during
the middle of the XX century.
Cecília Meireles
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Ainda não nos foi possível saber se existiu um provável encontro entre a poetisa e a fotógrafa em terras
cariocas ou mineiras.
Ao contrário de algumas cordas de isolamento atuais, utilizadas inclusive em
carnavais, o “cordão” funcionava para proteger a agremiação sambista que recebe esse
nome, indicando algo leve, movente, que contagia de alegria ao passar, imagem distante
de outros espaços duros ou soturnos, também presentes na obra de Cecília.
Em 1940, Cecília viaja aos Estados Unidos para proferir palestras sobre a cultura
popular brasileira. No livro Poemas de viagens (1940-1964), aparecem poesias escritas
sobre o país da América do Norte. Em diversas crônicas, publicadas inicialmente em
jornais, a poetisa trata da bomba atômica, do desarmamento, do pacifismo, da questão
negra, no Brasil e nos Estados Unidos.
Cecília assinala que o pastor agia como se fosse guiado por extrema inocência,
isso se realmente a figura portasse toda a “pureza de espírito que tanto exalta” – e que,
afinal, bem pode ser que exista mesmo.” (MEIRELES, 1998, p.34)
Em outra crônica, a autora relata ações desenvolvidas por mulheres dos Estados
Unidos, durante a Segunda Guerra. Recorda o Emblema da Vitória que recebeu de
uma associação feminina, simbolizando “todos os anelos da mulher norte-americana,
defensora dos ideais democráticos”. (MEIRELES, 1998, p. 35). O distintivo visava
valorizar pessoas que se destacavam a favor do panamericanismo. A crônica traz
alguns problemas, acredito, relacionados a certa visão a respeito do lugar da mulher na
sociedade. Mas, de modo geral, contribui para o debate sobre trabalhos realizados por
mulheres em períodos de conflitos internacionais, no caso, sobre atividades de
mulheres norte-americanas. Em certo momento do texto, Cecília nos apresenta sua
percepção do projeto, por meio de um olhar perspicaz, lírico e utópico:
Isso é o que enternece: multiplicam-se aviões, submarinos,
bombas, tanques de guerra e o número de mortos. Mas as
mulheres americanas pensam na resistência, na defesa, na
união de todas as mulheres de boa vontade (...).
Sem dúvida, os homens querem o mesmo: mas querem-nos aos
berros, berros de canhão, de altos explosivos, berros de
desespero, de sofrimento, de maldição. As mulheres falam com
mais brandura, e, em lugar de armas assassinas, aqui estão com
o seu broche índigo, branco, azul e ouro. Dizem as criaturas
que o céu é dos mansos. As mulheres serão mais ouvidas, por
falarem mais baixo; e a elas talvez se venha a dever um dia a
construção do céu neste mundo de dores. (MEIRELES, 1998,
p. 38)
Em 1942, Cecília viaja a Ouro Preto para realizar uma reportagem sobre a
Semana Santa. O texto, onde a escritora apresenta finas observações a respeito das
festividades religiosas ocorridas na cidade mineira, intitula-se “Holy Week in Ouro
Preto”. Foi publicado no volume 2, número 4, da revista Travel in Brazil, de 1942. As
crônicas que Cecília escreveu sobre o Carnaval Carioca e sobre a Santa de Ouro Preto
foram ilustradas, na revista Travel in Brazil por imagens de alguns fotógrafos.
Infelizmente não foram estabelecidos diálogos entre os trabalhos de Cecília e Genevieve
em algum livro, revista ou mesmo exposição, naquele período. Este ensaio, de certa
forma, tenta recuperar esse desejo de aproximação que parece ter existido entre as
próprias criações das autoras, que representaram, com engenho e arte, o Brasil do samba
e do Barroco, no início da década de 1940.
Genevieve Naylor
Entre os temas retratados por Genevieve Naylor, podem ser destacadas imagens
do Rio de Janeiro que, segundo Mauad, apresenta-se como “espaço no qual a
experiência multicultural brasileira se impõe pelo olhar da fotógrafa.” (MAUAD, 2014,
p. 146). Convivências inter-raciais, encontros comunitários, tudo recebe tratamento
cuidadoso nas lentes de Genevieve. Deve-se ressaltar que as fotografias trazem também
figuras de vendedores e vendedoras ambulantes, pescadores, funileiro, amolador de
faca, estivadores, feirantes, entregadores, operários urbanos, soldados, artistas de teatro
de revista, artistas de rua, moradores de cortiço: pessoas comuns ganham destaque na
série. Boa parte não são negros, mas pobres trabalhadores em simples ofícios. Essas
fotografias ganham maior relevância pois são apresentadas, sem nenhum sentido
hierárquico, ao lado de outras que retratam pessoas da alta sociedade, políticos, poetas,
intelectuais, paisagens, edifícios.
Os estudos de gesto e ritmo empreendidos por Cecília aguçam sua atenção para
as sutilezas de expressões afro-brasileiras ligados ao samba, ao batuque e à macumba,
movimentos que ela almeja fixar, por meio de desenhos e aquarelas. As gingas, as
cadências, a simplicidade sublime de negros e negras aparecem também nas fotografias
de Genevieve relativas ao carnaval. Em artigo intitulado “A última catedral”, publicado
no jornal A manhã, em 19 de outubro de 1941, Vinicius de Moraes escreve sobre
Genevieve:
Genevieve Naylor passou por sérios problemas no Brasil por desafiar as regras
sobre o que deveria e poderia ser fotografado: um bonito, pujante e hospitaleiro país
tropical. Equipamentos de trabalho de Naylor foram apreendidos, houve perseguições a
ela e ao marido, Misha Reznikoff, artista plástico que ajudou a criar o MAM-Rio. A
artista teve dificuldades no processo de liberação de fotos para exposição que realizara
no MoMa, em Nova York, aberta ao público entre os dias 27 de janeiro e 28 de
fevereiro de 1943, intitulada Rostos e lugares do Brasil, onde foram apresentadas 50
fotografias tiradas durante sua estada no país. Em 1990, foi publicado, nos Estados
Unidos, livro com as fotos brasileiras da artista. No Brasil, o livro Genevieve Naylor:
uma fotógrafa norte-americana no Brasil (1940-1942) saiu em 2013.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: