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“Morte e Vida Severina,” escrito por João Cabral de Melo Neto, foi publicado em

1955, inserindo-se no contexto literário do Modernismo no Brasil. Esse


movimento, que teve seu auge nas décadas de 1920 e 1930, marcou uma ruptura
com as estéticas anteriores e refletiu as mudanças sociais, políticas e culturais
ocorridas no país.

Contexto Histórico:

- Modernismo Brasileiro:

O Modernismo foi uma resposta às transformações vivenciadas pelo Brasil na


transição do século XIX para o XX. A Revolução Industrial, o aumento da
urbanização e as mudanças nos padrões sociais instigaram uma busca por uma
expressão artística que refletisse a identidade nacional em evolução.

- Fases do Modernismo:

O Modernismo brasileiro é dividido em três fases. A primeira (1922-1930) é


marcada pela Semana de Arte Moderna de 1922, que trouxe inovações estéticas e
uma nova visão sobre a cultura brasileira. A segunda fase (1930-1945) foi
influenciada pela ascensão de Getúlio Vargas e reflete um engajamento social mais
pronunciado. A terceira fase (1945 em diante) é caracterizada pela consolidação
das conquistas das fases anteriores e pela diversidade estilística.

- Engajamento Social e Regionalismo:

Em meados do século XX, o Brasil experimentou transformações significativas


em sua estrutura social e econômica. O êxodo rural, a industrialização e as
mudanças na agricultura influenciaram a literatura, levando a um interesse
crescente nas questões sociais e no regionalismo. Autores como Graciliano Ramos
e José Lins do Rego exploraram a realidade nordestina, inspirando João Cabral de
Melo Neto.

- Realismo e Objetividade:

João Cabral de Melo Neto, pertencente à chamada Geração de 45, destacou-se por
sua busca por uma poesia mais objetiva e racional. Ele rejeitou o sentimentalismo e
optou por uma linguagem direta, enfatizando a precisão das palavras. “Morte e
Vida Severina” exemplifica essa abordagem ao retratar a vida difícil no sertão
nordestino.

- Nordeste Brasileiro:

O Nordeste, especialmente a região do sertão, foi um cenário recorrente na


literatura da época. Problemas como a seca, a pobreza e as migrações ganharam
destaque nas obras, refletindo a dura realidade enfrentada pelos habitantes dessa
parte do país.

- Intelectuais e Engajamento Social:

A década de 1950 foi um período de intensa efervescência intelectual e


engajamento social no Brasil. Os artistas e escritores estavam atentos às
desigualdades sociais, à luta pela terra e aos desafios enfrentados pela população
nordestina, temas que “Morte e Vida Severina” aborda de maneira contundente.

Em resumo, “Morte e Vida Severina” é produto desse contexto literário, refletindo


as preocupações e questionamentos sociais da época. João Cabral de Melo Neto
contribuiu para a consolidação de uma estética modernista mais racional e objetiva,
enquanto sua obra abraça as questões regionais e sociais do Brasil do pós-guerra.

Temporalidade em “Morte e Vida Severina”:


O poema de João Cabral de Melo Neto apresenta uma temporalidade não linear,
rompendo com a narrativa convencional. Ao começar com a chegada dos “irmãos
das almas” transportando o corpo de Severino, a obra incorpora flashbacks que
revelam eventos passados, entrelaçando diferentes momentos da vida e morte do
protagonista. Essa abordagem não linear amplifica a complexidade da história,
permitindo que o leitor explore a existência de Severino de maneira interconectada.

Espacialidade em “Morte e Vida Severina”:

A obra é profundamente enraizada na espacialidade do Nordeste brasileiro,


especialmente no sertão. O sertão é retratado como um ambiente árido e
desafiador, onde a vida é marcada pela escassez e pela resistência contra condições
adversas. As descrições minuciosas do ambiente, das condições climáticas e da
geografia contribuem para criar um cenário realista e, ao mesmo tempo, simbólico.

A jornada dos personagens se desenrola em um espaço geograficamente limitado,


mas carregado de significado social e cultural. A espacialidade vai além do cenário
físico, abrangendo as condições de vida, o impacto da seca, as lutas pela terra e os
desafios enfrentados pelos habitantes do sertão. Essa ênfase na espacialidade
intensifica a mensagem social e regionalista da obra, transformando o sertão não
apenas em um pano de fundo, mas em um elemento crucial para a compreensão
profunda da narrativa.

Resumo da obra:

No fragmento de “Morte e Vida Severina” de João Cabral de Melo Neto, lançado


em 1955 durante o movimento literário do Modernismo no Brasil, a narrativa
revela a história de Severino Lavrador, um retirante nordestino. O diálogo entre os
“irmãos das almas” desvenda a brutalidade de sua vida e morte.
A vida de Severino é marcada por desafios, representados pela aridez do sertão.
Suas tentativas de cultivar a terra se deparam com condições impraticáveis,
simbolizando a luta constante pela sobrevivência. O trecho evidencia a escassez de
recursos e a dura realidade enfrentada por esses trabalhadores.

A morte de Severino é tragicamente violenta, resultante de uma emboscada. A


discussão entre os “irmãos das almas” sobre as razões por trás do assassinato
aponta para questões sociais mais amplas, como a disputa por terras e recursos. O
poema revela um sertão onde a violência é intrínseca à vida.

A ambiguidade sobre a motivação da violência destaca a complexidade dessas


relações no contexto social do sertão nordestino. A figura de Severino se torna
representativa das tensões e desigualdades presentes nesse cenário.

O destino do corpo de Severino, levado ao cemitério de Torres (atual Toritama),


ilustra a continuidade da jornada mesmo após a morte. Esse detalhe ressalta a
persistência das dificuldades enfrentadas pelos retirantes, inclusive no pós-vida.

João Cabral de Melo Neto, por meio de uma linguagem concisa e direta, intensifica
a crueza da existência no sertão nordestino. O diálogo entre os personagens
amplifica a tragédia de Severino, proporcionando uma reflexão profunda sobre as
intricadas relações sociais, econômicas e existenciais nesse contexto específico.

Obra comentada:

“Morte e Vida Severina,” de João Cabral de Melo Neto, é uma obra que transcende
as fronteiras da poesia ao mergulhar nas realidades cruas do sertão nordestino. O
poema se destaca por sua linguagem objetiva e pela abordagem direta dos desafios
enfrentados pelos retirantes, representados pelo protagonista Severino Lavrador. O
autor, influenciado pelo Modernismo, rejeita o sentimentalismo em favor de uma
expressão mais racional e precisa.

Trechos Significativos:

1. ”Era grande sua lavoura, irmãos das almas, lavoura de muitas covas, tão
cobiçada?”

- Comentário: A ironia nesta passagem ressalta a difícil realidade do sertão, onde


a “lavoura” de Severino consiste em cavar covas, revelando a escassez de recursos
e a luta pela sobrevivência.

2. ”E foi morrida essa morte, irmãos das almas, essa foi morte morrida ou foi
matada?”

- Comentário: A indagação sobre a natureza da morte de Severino destaca a


violência inerente ao sertão, questionando se sua morte foi resultado de condições
naturais ou de ações humanas.

3. ”Ter uns hectares de terra, irmão das almas, de pedra e areia lavada que
cultivava.”

- Comentário: Descreve a terra árida e pouco produtiva que Severino tentava


cultivar, refletindo a luta contra as condições adversas do sertão.

4. “Mas que roças que ele tinha, irmãos das almas, que podia ele plantar na pedra
avara?”

- Comentário: Destaca a futilidade das tentativas de cultivo de Severino,


ressaltando as limitações impostas pela natureza hostil do sertão.
5. ”E o que guardava a emboscada, irmão das almas, e com que foi que o mataram,
com faca ou bala?”

- Comentário: A discussão sobre a emboscada revela a constante ameaça de


violência no sertão, enquanto a escolha entre faca e bala destaca a brutalidade dos
meios utilizados.

6. ”Este foi morto de bala, irmão das almas, mais garantido é de bala, mais longe
vara.”

- Comentário: Reflete a prevalência da violência armada como uma ameaça


constante e eficaz no sertão, enfatizando a distância que a bala pode alcançar.

7. ”E quem foi que o emboscou, irmãos das almas, quem contra ele soltou essa
ave-bala?”

- Comentário: A metáfora da “ave-bala” personifica a violência, sugerindo que


ela é lançada como uma ave de rapina, simbolizando a morte iminente.

8. ”Mas então por que o mataram, irmãos das almas, mas então por que o mataram
com espingarda?”

- Comentário: A pergunta sobre o motivo do assassinato ressalta as tensões


sociais subjacentes, enquanto o meio utilizado, a espingarda, reforça a ideia da
violência como parte integral da vida no sertão.

9. ”E agora o que passará, irmãos das almas, o que é que acontecerá contra a
espingarda?”

- Comentário: A incerteza sobre o futuro após a morte de Severino sugere a


persistência das ameaças e desafios representados pela espingarda e pela violência.
10. ”Partamos enquanto é noite, irmão das almas, que é melhor lençol dos mortos
noite fechada.”

- Comentário: O poema encerra com a urgência de partir durante a noite,


destacando a escuridão como um manto adequado para os mortos, simbolizando a
continuidade da jornada mesmo após a morte.

Esses trechos revelam a maestria de João Cabral de Melo Neto em explorar temas
como a aridez, a violência e a luta pela sobrevivência no contexto do sertão
nordestino, proporcionando uma reflexão profunda sobre a vida e a morte nessa
região.

Referência:

DIANA, Daniela. Morte e Vida Severina. Toda Matéria, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.todamateria.com.br/morte-e-vida-severina/>. Acesso em: 14 nov.
2023

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