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ANÁLISES – OBRAS LITERÁRIAS – UFPR 2019

ANÁLISES – OBRAS LITERÁRIAS – UFPR 2019


REUNIÃO E ORGANIZAÇÃO – PROF JOÃO AMÁLIO RIBAS
(JOÃOZINHO)
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MORTE E VIDA SEVERINA (Auto de Natal Pernambucano
JOÃO CABRAL DE MELO NETO

1. DADOS BIOGRÁFICOS
João Cabral de Melo Neto nasceu em Recife,
Pernambuco. Trabalhou como funcionário do
Departamento de Estatística, em 1940, em sua cidade
natal. Em 1947, mudou-se para o Rio de Janeiro e iniciou
carreira diplomática, percorrendo vários países da
Europa, sendo que destes a Espanha foi o país no qual
melhor se adaptou. João Cabral pertenceu à Academia
Brasileira de Letras e é considerado um dos maiores
poetas brasileiros do século XX. O autor de A Pedra do
Sono e O Cão sem Plumas faleceu em 1998.

2. CARACTERÍSTICAS DO AUTOR
q Antimusical, Antisentimental, Antilírico;
q Poesia Racional, Calculada (O Engenheiro);
q Versos forjados, fabricados;
q Linguagem substantiva, “de pedra”, sem adjetivos, sem adornos;
q Abafamento, distanciamento, anulação do “eu”;
q Crítica social não panfletária

As duas águas de João Cabral de Melo Neto


João Cabral de Melo Neto (Recife, 1920) dividiu sua obra em duas
"águas", duas facetas como as do telhado de uma casa: a primeira seria a da
comunicação restrita, elaborada e de difícil consumo; a segunda, uma poesia
mais popular, de compreensão mais imediata, de comunicação com um público
mais amplo e menos cultivado. Nesta última se incluem os seus "poemas em
voz alta", que foram escritos para serem lidos a um público ouvinte. O poema
dramático Morte e Vida Severina com certeza pertence à segunda ''água", pois,
embora tenha algumas características fundamentais do poeta cerebral que é
João Cabral como o rigor formal da metrificação variada e aproximativa e das
rimas toantes e o "falar com coisas", a utilização de imagens contundentes e
concretas foi escrito com o intuito de alcançar um público maior e recorre a
diversas fontes da poesia popular na sua elaboração.

3. PRINCIPAIS OBRAS
Pedra do Sono (1942); O Engenheiro (1945); O Cão sem Plumas (1950);
Educação pela Pedra (1975)

4. RESUMO DA PEÇA
Estrutura geral
Morte e Vida Severina é um poema dramático (peça de teatro em forma de
poema) que se divide em 18 cenas ou fragmentos poéticos, todos precedidos
por um título explicativo de seu conteúdo, praticamente resumos do que
encontramos nos poemas em si. Podemos separá-los em dois grandes grupos:
as primeiras 12 cenas descrevem a peregrinação de Severino. Trata-se do
Caminho ou Fuga da Morte. Nesta parte o poeta habilmente alterna monólogos
de Severino com diálogos que trava ou escuta no caminho; as últimas 6 cenas
apresentam O Presépio ou O Encontro com a Vida, em que é descrito o
nascimento do filho de José, mestre carpina, em clara alusão ao nascimento de
Jesus.

As cenas da morte
1. (Monólogo) - Severino se apresenta. Tem dificuldades para se diferenciar
dos outros "severinos", pois são "iguais em tudo na vida". Este Severino
representa a todos.

Cena 2: A morte de emboscada – Severino encontra dois homens (irmãos


das almas) carregando um defunto numa rede e trava com eles um diálogo.
Há uma denúncia contra os poderosos, mandantes de crimes, que ficam
impunes.

Cena 3: A morte da Natureza – o Rio-guia (Capibaribe) está seco. Neste


ponto há uma metáfora entre o caminho de Severino e um rosário. Severino
diz que as contas são as cidades pelas quais passa e ora a estrada ora o rio
é a linha imaginária que liga estas contas metafóricas.

Cena 4: O Velório – Severino ouve cantigas e pensa ser uma festa, no entanto
a música ouvida é o som das excelências (ladainhas entoadas em um
velório)

Cena 5: Pausa para procurar trabalho – Severino, num monólogo, reflete


sobre a sua viagem: “Só a morte tem encontrado/ quem pensava encontrar
vida,/ e o pouco que não foi morte/ foi de vida severina/ (aquela vida que é
menos/ vivida que defendida/ e é ainda mais severina/ para o homem que
retira)”.

Cena 6: Diálogo com a Rezadeira – Severino se dirige a uma mulher que está
“bem de vida”e se oferece para trabalhar. Diz o que sabe fazer: lavrar até em
pedra, fazer roçados, trabalhar no canavial...Mas o ofício que dá tanto lucro à
mulher é o de lidar com a morte, único negócio lucrativo no sertão: “Como aqui
a morte é tanta,/ só é possível trabalhar nessas profissões que fazem/ da morte
ofício ou bazar.../ Só os roçados da morte compensam aqui cultivar...”

Cena 7: Chegada à Zona da Mata: A terra é fofa, os rios não morrem, há


muito verde e muita riqueza. Severino sente esperança de nessa terra se fixar.
Entretanto, nota que o lugar está deserto e se pergunta onde estarão as
pessoas. Levanta, então, a hipótese de que estejam “feriando”, pois naquela
terra fértil não seria necessário: “trabalhar/ todas as horas do dia/ os dias
todos do mês/ os meses todos da vida”.

Cena 8: Funeral de um Lavrador - em contraste com a esperança de


Severino na cena anterior, surge abruptamente um dos momentos mais
contundentes da obra: o enterro de um trabalhador no qual há uma crítica
mordaz e irônica com relação às desigualdades do sertão.
Cena 9: As esperanças vão morrendo – Severino apressa o passo. A morte
é a mesma em toda a parte. Novamente reitera os propósitos de sua viagem.
Cena 10: Chegada a Recife: a conversa dos coveiros – ao parar para um
descanso, Severino ouve a conversa de dois coveiros. Ambos vivem à custa da
morte. Os cemitérios também são hierarquizados. Os retirantes morrem
“desclassificados” como viveram. “Esse povo lá de riba/ de Pernambuco, da
Paraíba,/ que vem buscar no Recife/ poder morrer de velhice,/ encontra só,
aqui chegando,/ cemitérios esperando/” o outro coveiro responde: “não é
viagem o que fazem,/ vindo por essas caatingas, vargens;/ aí está o seu
erro:/ vêm é seguindo seu próprio enterro.”

Cena 11: A descoberta do próprio enterro – No cais de um rio, Severino


constata que apesar de ter esperado não muito mais do que tinha, nem isto ele
conseguiria e a visão da própria morte adquire dimensões desesperadas, tanto
que Severino cogita o suicídio.

Cena 12: Diálogo com José, mestre carpina - num jogo de antíteses se
chocam o pessimismo de Severino com o otimismo de José.

O presépio: encontro com a vida

Cena 13: O Anúncio do Nascimento: uma mulher anuncia o nascimento do


filho de seu José.

Cena 14: Visitas – “aparecem e se aproximam da casa do homem vizinhos,


amigos, duas ciganas, etc.”

Cena 15: Os reis Magos – sertanejos repartem sua miséria, trazendo


presentes ao menino: caranguejos, leite, papel de jornal, água, canário,
bolacha, abacaxi, ostras, tamarindos, peixe, mangas...

Cena 16: As ciganas fazem previsões – a primeira prevê um futuro “negro


de lama” – a segunda prevê um futuro “negro de graxa”

Cena 17: Loas – os vizinhos cantam a beleza do recém-nascido. Criança igual


a todos: magra, franzina, pálida, pequeno, que se constituirá numa fonte de
vida.

Cena 18: Exaltação à vida – Mestre carpina, respondendo à pergunta que


Severino lhe fizera na cena 12/13: “não vale mais saltar fora da ponte e da
vida?” diz ao retirante:

5. CARACTERÍSTICAS DA OBRA
Gênese e história da obra
Morte e Vida Severina foi escrito em 1954/55, por encomenda de Maria Clara
Machado, então diretora do grupo O Tablado, que não pôde levar ao palco a
peça. Publicado inicialmente no livro Duas Águas (1956), o texto foi finalmente
montado pelo grupo do TUCA (Teatro da Universidade Católica de São Paulo),
dirigido por Roberto Freire e Silnei Siqueira, com música de Chico Buarque de
Holanda, e obteve sucesso mundial numa turnê em 1966. A partir daquele ano,
passou a integrar o volume Poemas em Voz Alta, que reúne a parcela mais
comunicativa da obra do "poeta engenheiro".

Um Auto de Natal Pernambucano - influências


O subtítulo do livro revela seu débito aos autos sacramentais da tradição
ibérica medieval, dos quais herda o teor poético e alegórico, assim como uma
tendência à justaposição das cenas e à sátira dos costumes. Além de se
inspirar na antiga poesia narrativa ibérica, os romances, João Cabral reelabora
parodicamente, nas cenas do presépio final a poesia do folclore
pernambucano. Outra influência clara na concepção do livro é o Regionalismo
de 30, com sua preocupação realista de observação, crítica e dunúncia social
que podemos encontrar em autores como José Américo de Almeida, Rachel de
Queirós e, principalmente, Graciliano Ramos.

O enredo: da morte à vida severina


A inversão do sintagma "vida e morte" no título da peça demonstra o percurso
do retirante Severino: parte da morte no Sertão para encontrar a vida em
Recife. Severino acompanha o rio Capibaribe e só vai encontrando pobreza e
morte pelo caminho. Chegando a Recife, foz do rio, o mesmo se repete.
Desesperançado, pensa em cometer suicídio atirando-se ao rio, quando
testemunha o nascimento de uma criança que devolve a esperança à vida
severina. Tanto morte quanto vida são "severinas", adjetivo neológico formado
a partir do nome próprio, pois ambas se aplicam a todos os "severinos" quase
anônimos do Sertão nordestino.
Texto de apoio por:Frederico Barbosa

PRÊMIOS e MÚSICA
Morte e Vida Severina, Auto de Natal Pernambucano, é, sem dúvida,
a obra mais popular de João Cabral de Melo Neto. Escrita em 1954 e
encenada pela primeira em 1965, com música de Chico Buarque, a peça em
seu ano de estréia, foi vencedora do Festival de Nancy na França. A partir de
então foram inumeráveis as reencenações, as releituras e os estudos críticos
realizados no mundo inteiro a respeito deste auto de João Cabral.

TEMÁTICA CENTRAL
O poema, segundo o próprio autor, “retrata a típica realidade do
Pernambucano que foge da seca em busca do Recife e acaba morando
numa favela ribeirinha”. Severino, o emigrante que sai da caatinga em
busca de uma vida melhor no litoral, é o estereótipo do nordestino oprimido
pela seca, pela fome e pela exclusão social. No caminho que perfaz,
seguindo o rio Capibaribe para chegar até a cidade de Recife, Severino desfia
um rosário metafórico de locais e fatos que trazem em comum o traço insigne
da morte.

REALIDADE NORDESTINA
Neste percurso, marcado por pequenas tragédias locais que,
encadeadas, apresentam um panorama duro e fiel da realidade do sertão
nordestino, Severino vê se perderem suas singelas esperanças de encontrar
um pouco de vida num lugar onde a morte é o mais marcante elemento da
paisagem local.
Quando, finalmente, chega em Recife, percebendo que sua história
não seria diferente da de seus irmãos severinos, o retirante pensa em
antecipar seu inevitável destino suicidando-se nas águas do Capibaribe.
Entretanto, neste momento da narrativa, com o nascimento do filho de Seu
José, mestre carpina, homem com o qual Severino falava a respeito do
suicídio, o discurso muda de tom. Seu José, à revelia das condições
desfavoráveis, faz um lírico e emocional elogio à vida.
Na fala do mestre carpina, observa-se um olhar de esperança (ainda
que circunspecta) e de deslumbre (ainda que contido) diante da vida. Mesmo
num lugar marcado pela morte e mesmo sendo o nascimento de seu filho a
pequena explosão de uma vida certamente severina como a dele, Seu
José não deixa de reconhecer a beleza do “espetáculo” da vida e da latente
força transformadora da sua presença.

VISÃO DE ESPERANÇA
Percebemos, então, que o conflito apresentado no título da obra é
dialeticamente abordado em toda a narrativa. Por exemplo, quando Severino
busca vida, durante toda sua viagem, quem lhe acompanha é a morte. No
entanto, quando o retirante pensa em se render ante domínio da morte, é
subitamente despertado pela explosão de uma vida que traz em si toda
uma carga de otimismo e esperança.

ESPERANÇA RELATIVIZADA
“Entretanto, apesar da fala otimista de seu José, as duas ciganas
profetizam um futuro não muito feliz para seu filho. Pode-se depreender da
fala duas ciganas que ‘o Severino será um massacrado, tanto na natureza
quanto em sociedade’” Portanto, se formos inquiridos sobre qual mensagem
se encerra no texto de João Cabral, se de otimismo ou pessimismo, o mais
prudente é optarmos pela ambigüidade, já que, como pudemos notar, esta
obra se constrói a partir de contrastes e oposições.

O AUTO
Auto: representação popular, medieval, de cunho religioso, mas que
trazia também elementos profanos como música, dança, cantorias, mímicas...
PEÇA DENTRO DA PEÇA
Auto dentro do Auto: dentro da encenação de Morte e Vida Severina,
temos a representação de um auto natalino, de um presépio. Veja as analogias

Estrela-guia = Rio-guia
Pastor(es) = Severino(s)
Mestre Carpina = S. José
Seu filho = Menino Jesus
Mocambo = Presépio

REGIONAL X UNIVERSAL
Observamos neste caso, um símbolo da cultura universal que é o
nascimento de Cristo retratado com as cores e os elementos locais do
nordeste. Nesta assimilação, uma mulher do povo assume o papel de anjo
da Anunciação, os vizinhos com seus presentes representam os reis magos,
o mocambo do mestre carpina é o presépio e Seu José retrata São José.Fica
então incorporada à cultura do folclore regional nordestino uma festa
eminentemente universal.
Inspiração na Literatura de Cordel: “O poema é simples. Escrevi-o
para os sujeitos analfabetos que ouvem literatura de cordel na Feira de Santo
Amaro, no Recife” (João Cabral) mostra o contraste apresentado pelo dilema
do(s) Severino(s) que busca a vida em meio à morte no sertão (“de velhice
antes dos trinta,/ de emboscada antes dos vinte,/ de fome um pouco por dia...”)
e quando está prestes a se render à morte, depara-se com a “explosão de
uma vida Severina”.

COMPOSIÇÃO POÉTICA
Composição: a peça é constituída de 18 cenas, compostas de 1241
versos, em sua maioria, heptassílabos ou redondilha maior (cadência
popular)

SEVERINO X SEVERINOS X SEVERINA


A situação conflituosa já se nos apresenta no início do poema, quando
Severino encontra dificuldades para diferenciar-se dos outros tantos
Severinos, filhos de tantas outras Marias, que, além de possuírem o mesmo
nome e biotipo, são também marcados pela mesma sina da seca,
oprimidos pela mesma realidade e fadados à mesma vida (e morte).
Severino não consegue estabelecer sua individualidade e seu nome
passa a designar todo e qualquer retirante que foge da seca. São todos
severinos com as mesmas origens e com o mesmo destino. Não há,
portanto, para quem vive uma vida severina, condições para estabelecer uma
identidade particular. Todos os sertanejos vão se tornando severinos, isto é,
adquirindo a mesma atitude de alheamento diante da realidade,
impotência diante da vida e impassividade diante da morte.

SEVERINO = substantivo próprio


severino = substantivo comum
severina = adjetivo
Cremos que João Cabral a partir desta tensão consegue retratar o quanto as
amarguras e o quadro de opressão da vida sertaneja podem desumanizar e
despersonalizar o homem do sertão.

ESPERANÇA X DESESPERANÇA “CLIMAX-ANTICLIMAX”


Quando Severino corta o rio = ouve excelências (morte)
Quando Severino chega à zona da mata = depara-se com o funeral de
um lavrador
Quando chega ao Recife = ouve a conversa dos coveiros (morte)
Contudo, quando a esperança parece finalmente sucumbir ante esta
seqüência de decepções, mais um contraste se apresenta: surge uma vida,
que encerra em si um otimismo latente. É a renovação do ciclo. Quando
tudo parece perdido, nasce mais uma vida severina que passará pelas
mesmas severinidades do Nordeste, que terá as mesmas esperanças e
sofrerá as mesmas desilusões...
6. TRECHOS DA OBRA

SEVERINO SE APRESENTA AO PÚBLICO


- O meu nome é Severino...
Somos muitos Severinos
Iguais em tudo na vida:
Na mesma cabeça grande
Que a custo é que se equilibra,
No mesmo ventre crescido
Sobre as mesmas pernas finas,
E iguais também porque o sangue
Que usamos tem pouca tinta.
E somos Severinos
Iguais em tudo na vida,
Morremos de morte igual,
Mesma morte severina:
Que é a morte severina:
Que é a morte de que se morre
De velhice antes dos trinta,
De emboscada antes dos vinte,
De fome um pouco por dia...
Somos muitos Severinos
Iguais em tudo e na sina:
A de abrandar essas pedras
Suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
Melhor Vossas Senhorias
E melhor possam seguir
A história de minha vida,
Passo a ser Severino,
Que em vossa presença emigra

O RETIRANTE TEM MEDO DE SE EXTRAVIAR POR SEU GUIA, O RIO


CAPIBARIBE, CORTOU COM O VERÃO
- Antes de sair de casa
aprendi a ladainha
das vilas que vou passar
na minha longa descida.
Sei que há muitas vilas grandes,
cidades que elas são ditas
sei que há simples arruados,
sei que há vilas pequeninas,
todas formando um rosário
cujas contas fossem vilas,
de que a estrada fosse a linha.
Devo rezar tal rosário
até o mar onde termina,
saltando de conta em conta,
passando de vila em vila.

CANSADO DA VIAGEM O RETIRANTE PENSA INTERROMPÊ-LA POR UNS


INSTANTES E PROCURAR TRABALHO ALI ONDE SE ENCONTRA
— Desde que estou retirando
só a morte vejo ativa,
só a morte deparei
e às vezes até festiva
só a morte tem encontrado
quem pensava encontrar vida,
e o pouco que não foi morte
foi de vida severina
(aquela vida que é menos
vivida que defendida,
e é ainda mais severina
para o homem que retira).

ASSISTE AO ENTERRO DE UM TRABALHADOR DE EITO E OUVE O QUE


DIZEM DO MORTO OS AMIGOS QUE O LEVARAM AO CEMITÉRIO
- Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a conta menor,
que tiraste em vida.

- É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
deste latifúndio.

- Não é cova grande,


é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.

- É uma cova grande


para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.

- É uma cova grande


para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.

— Viverás, e para sempre,


na terra que aqui aforas:
e terás enfim tua roça.
— Aí ficarás para sempre,
livre do sol e da chuva,
criando tuas saúvas.
— Agora trabalharás
só para ti, não a meias,
como antes em terra alheia.
— Trabalharás uma terra
da qual, além de senhor,
serás homem de eito e trator.
— Trabalhando nessa terra,
tu sozinho tudo empreitas:
serás semente, adubo, colheita.
— Trabalharás numa terra
que também te abriga e te veste:
embor a com o brim do Nordeste.
— Será de terra tua derradeira camisa:
te veste, como nunca em vida.
— Será de terra e tua melhor camisa:
te veste e ninguém cobiça.

— Terás de terra
completo agora o teu fato:
e pela primeira vez, sapato.
— Como és homem,
a terra te dará chapéu:
fosses mulher, xale ou véu.
— Tua roupa melhor
Ser de terra e não de fazenda:
não se rasga nem se remenda.
— Tua roupa melhor e te ficar
á bem cingida: como roupa feita é medida.
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu teu suor vendido).
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu o moço antigo).
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu tua força de marido).
—Desse chão és bem conhecido
(através de parentes e amigos).
—Desse chão és bem conhecido
(vive com tua mulher, teus filhos).
—Desse chão és bem conhecido
(te espera de recém nascido).

O RETIRANTE RESOLVE APRESSAR OS PASSOS PARA CHEGAR LOGO


AO RECIFE
— Nunca esperei muita coisa,
digo a Vossas Senhorias.
O que me fez retirar
não foi a grande cobiça
o que apenas busquei
foi defender minha vida
de tal velhice que chega
antes de se inteirar trinta
se na serra vivi vinte,
se alcancei lá tal medida,
o que pensei, retirando,
foi estendê-la um pouco ainda.
Mas não senti diferença
entre o Agreste e a Caatinga,
e entre a Caatinga e aqui a Mata
a diferença é a mais mínima.

O CARPINA FALA COM O RETIRANTE QUE ESTEVE DE FORA, SEM


TOMAR PARTE DE NADA
— Severino, retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.

QUESTÕES
01. (UEL) No poema Morte e vida severina, podem-se reconhecer as
seguintes características da poesia de João Cabral de Melo Neto:
a. sátira aos coronéis do Nordeste e versos inflamados.
b. experimentalismo concretista e temática urbana.
c. memorialismo nostálgico e estilo oral.
d. personagens da seca e linguagem disciplinada.
e. descrição da paisagem e intenso subjetivismo.

02. (PUC) No poema Morte e Vida severina:


a. Severino, em meio à retirada, desiste de permanecer por uns dias no
Recife, onde esperava readquirir as forças dos membros cansados.
b. a expressão "meu próprio enterro eu seguia" indica que, desde o início
de sua jornada pelo "rosário/ de cidades e de vilas", Severino estava
consciente do termo final de sua penitência.
c. o retirante chega a seu destino e vê desvanescerem-se no Recife as
esperanças já mínimas de uma vida melhor, substituídas agora por uma
trágica convicção.
d. o retirante resolve subitamente encerrar a viagem no Recife, certo de
que levaria sua maldição a qualquer lugar em que buscasse exercer seu
ofício de carpinteiro.
e. Severino chega, enfim, ao litoral, e sente que tinha razão em seus
fúnebres presságios – presságios que o leitor verá confirmar-se na fala
de Seu José, mestre carpina, ao fim do poema.

03. (PUC) As expressões "rosário / de vilas e cidades" e "meu próprio


enterro eu seguia" estão intimamente ligadas ao tema central do poema,
que é
a. a devoção religiosa dos nordestinos, marca profunda de uma cultura de
cuja linguagem o poeta extraiu diretamente o seu estilo.
b. a penitente retirada de um nordestino que, ao longo de sua viagem, só a
morte vê ativa, e ao chegar ao seu destino pensa não ter razões para viver.
c. a busca de esperanças nas condições mais adversas, apoiada na
significação do nascimento de Cristo e no confronto da prática religiosa.
d. a desmistificação das crenças populares, já que este "auto de natal
pernambucano" propõe, na verdade, soluções políticas para os problemas
sociais do Nordeste.
e. a reflexão mística sobre a morte a partir da cultura popular, representada
aqui pela figura do retirante nordestino.

04. (UFMG) Sobre o adjetivo severina, da expressão Morte e vida severina


que intitula a peça de João Cabral de Melo Neto, todas as afirmativas
estão certas, exceto:
01 Refere-se aos migrantes nordestinos que, revoltados, lutam contra o
sistema latifundiário que oprime o camponês.
02 Pode ser sinônimo de vida árida, estéril, carente de bens materiais e de
afetividade.
04 Designa a vida e a morte dos retirantes que a seca escorraça do sertão
e o latifúndio escorraça da terra.
08 Qualifica a existência negada, a vida daqueles seres marginalizados
determinada pela morte.
16 Dá nome à vida de homens anônimos, que se repetem física e
espiritualmente, sem condições concretas de mudança.

05. (U.F. Ouro Preto) Sobre Morte e vida severina é incorreto afirmar:
01 O auto utiliza-se de uma linguagem grandiosa, de tom eufórico, para
exaltar a capacidade de resistência do nordestino que a todas as privações
resiste sem sucumbir. O nordestino é visto aqui sobretudo como um forte e é
justamente esta sua qualidade que o texto de João Cabral celebra.
02 Severino retirante, em sua viagem, encontra sempre à morte, até que, já
em Recife, chega-lhe a notícia do nascimento de um menino, signo de que
ainda resiste à constante negação da existência "severina".
04 Os versos breves e concisos de Morte e vida Severina acentuam o que
tematicamente o poema enfoca: o sufocamento das "vidas severinas",
confinadas no horizonte estreito da vivência nordestina.
08 O auto realiza uma personalização dramática de um sujeito coletivo: os
"severinos" que a seca escorraça do sertão e que o latifúndio escorraça da
terra.
16 Pela fala final do mestre carpina, Seu José, o auto parece sugerir que a
"severinidade" não é condição, mas estado, não é permanente nem intrínseca
ao sujeito e, portanto, pode ser transformada.

06. (UFPR) A propósito de Morte e Vida Severina, auto de natal


pernambucano, é correto afirmar:
01 – Trata-se de um poema dramático, representativo de uma postura
participante da poesia do autor, que aborda questões sociais como a
mortalidade, a pobreza e o êxodo rural, decorrentes da questão agrária mal
resolvida no Nordeste brasileiro.
02 – O itinerário seguido pelo protagonista Severino acompanha o curso do rio
Capibaribe, iniciando nos arredores do Recife e terminando na caatinga
pernambucana.
04– Ao perguntar a Mestre Carpina sobre a validade de estar ou não vivo
diante de tanta miséria, Severino recebe deste a resposta de que a morte é a
única saída para escapar de uma vida severina.
08 – O subtítulo auto de natal pernambucano indica que os acontecimentos
relatados nessa obra se passam durante as festividades de natal e culminam
com a encenação do nascimento de Jesus em um dos mocambos que existem
nas margens do rio Capibaribe, no Recife.
16 – O retirante Severino é acompanhado pela morte, o que faz do itinerário
um longo cortejo fúnebre. No entanto, no percurso que vai da morte à vida, a
celebração desta última ao final acaba por dar ao poema uma visão afirmativa
da existência, ainda que em condições subumanas.

07. (PUC) Sobre Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, é
incorreto afirmar:
A) Trata-se de um poema dramático que tem como subtítulo “Auto de Natal
pernambucano”.
B) O contraste entre a vida e a morte ganha contornos paradoxais quando,
chegando ao Recife, Severino, em vez de se encantar com o rio que “não seca,
vai toda vida”, pensa em suicidar-se em suas águas.
C) No poema, o único espaço social em que ricos e pobres se igualam é o
cemitério.
D) O nascimento de uma criança, no final do poema, relativiza a idéia de que,
no Nordeste, a morte sempre se sobrepõe à vida.
E) Escrito na década de 50, o poema tem sido adaptado freqüentemente para
o teatro e a televisão, o que contribuiu grandemente para sua popularização.

08. (UP) Assinale a afirmação que não diz respeito à Morte e Vida Severina
de João Cabral de Melo Neto:
a) Trata-se de um Auto de Natal pela analogia com a festa maior da
cristandade.
b) Severino vai do sertão à zona da mata e daí para Recife, o litoral de lama.
c) A celebração da vida aparece no final da peça.
d) Severino descobre ao final da viagem que a miséria e a morte também
estão no litoral.
e) A família de retirantes expulsa pela seca muda-se para São Paulo.
09. (UP)
- É uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
- É uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.

a) Enfoque de problemas nordestinos, como a questão de terras.


b) Visão emocionada e pessoal dos dramas humanos.
c) Poesia da qual se elimina o “eu”.
d) A morte é uma constante na trajetória de Severino.
e) Linguagem seca, densa e contundente.

10. (UEPG) Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, é um auto
de natal pernambucano. Acerca dessa obra, assinale o que foi correto.
01) Ela conta a história de Severino, homem do agreste que, em busca do
litoral, defronta-se a cada parada com a morte.
02) Nela, João Cabral de Melo Neto pratica um lirismo confessional por
intermédio de uma linguagem grandiloqüente, característica bastante comum
de sua poética.
04) O título aponta para os movimentos que sustentam sua linha narrativa:
morte e vida.
08) Severino, personagem-protagonista, representa o retirante nordestino.
16) O autor procura mostrar como, apesar da suspeita de adultério, o amor
consegue superar tudo.

(FUVEST-SP)
Decerto a gente daqui
jamais envelhece aos trinta
nem sabe da morte em vida,
vida em morte, severina;
(João Cabral de Melo Neto, Morte e vida severina)

11. Neste excerto, a personagem do “retirante” exprime uma concepção


da “morte e vida severina”, ideia central da obra, que aparece em seu
próprio título. Tal como foi expressa no excerto, essa concepção só NÃO
encontra correspondência em:
a) “morre gente que nem vivia”.
b) “meu próprio enterro eu seguia”.
c) “o enterro espera na porta:
o morto ainda está com vida”.
d) “vêm é seguindo seu próprio enterro”.
e) “essa foi morte morrida
ou foi matada?”.
12. (CEFET) Assinale a alternativa INCORRETA sobre “Morte e Vida
Severina”:
a) Apesar das dificuldades que se anunciam para o filho do Seu José, a
perspectiva do final do poema é positiva em relação à vida.
b) Existe no poema um grande contraste causado pelo nascimento do filho do
Seu José em relação à figura da morte, presente em toda a obra.
c) O adjetivo Severina, do título, tanto se refere ao nome do personagem
central como às condições severas em que ele, como tantos outros, vive.
d) A indicação auto de natal não se refere somente ao sentido de religiosidade,
mas também à aceitação do poder de renovação que existe na própria
natureza.
e) Como em muitas outras obras de tendência regionalista, o tema central do
poema é a seca nordestina e a miséria por ela criada.

13. (CEFET) Leia as seguintes afirmações sobre Morte e Vida Severina:


I) O nascimento do filho do compadre José é antagônico em relação aos outros
fatos apresentados na obra, já que esses são marcados pela morte.
II) Podemos dizer que o conteúdo é completamente pessimista, considerando-
se que a jornada é marcada pela tragédia da seca, o que leva Severino à
tentativa de suicídio.
III) Mais do que a seca, as desigualdades sociais do Nordeste são o tema da
obra.
Assinale a alternativa correta sobre as afirmações:
a) Somente I e II estão corretas.
b) Somente I e III estão corretas.
c) Somente II e III estão corretas.
d) As três estão corretas.
e) As três estão incorretas.

14. (FUVEST) É correto afirmar que, em Morte e Vida Severina:


a) A alternância das falas de ricos e de pobres, em contraste, imprime à
dinâmica geral do poema o ritmoda luta de classes.
b) A visão do mar aberto, quando Severino finalmente chega ao Recife,
representa para o retirante aprimeira afirmação da vida contra a morte.
c) O caráter de afirmação da vida, apesar de toda a miséria, comprova-se pela
ausência da ideia desuicídio.
d) As falas finais do retirante, após o nascimento de seu filho, configuram o
“momento afirmativo”, porexcelência, do poema.
e) A viagem do retirante, que atravessa ambientes menos e mais hostis,
mostra-lhe que a miséria é a mesma, apesar dessas variações do meio físico.

15. (FUVEST) É correto afirmar que no poema dramático Morte e Vida


Severina, de João Cabral de Melo Neto:
a) A sucessão de frustrações vividas por Severino faz dele um exemplo típico
de herói moderno, cuja tragicidade se expressa na rejeição à cultura a que
pertence.
b) A cena inicial e a final dialogam de modo a indicar que, no retorno à terra de
origem, o retirante estarámunido das convicções religiosas que adquiriu com o
mestre carpina.
c) O destino que as ciganas preveem para o recém-nascido é o mesmo que
Severino já cumprira ao sua vida, marcada pela seca, pela falta de trabalho e
pela retirada.
d) O poeta buscou exprimir um aspecto da vida nordestina no estilo dos autos
medievais, valendo-se daretórica e da moralidade religiosa que os
caracterizam.
e) O “auto de natal” acaba por definir-se não exatamente num sentido religioso,
mas enquanto reconhecimento da força afirmativa e renovadora que está na
própria natureza.

16. (PUC) A leitura integral de Morte e Vida Severina, de João Cabral de


Melo Neto, permite a correta compreensão do título desse “auto de natal
pernambucano”:
a) Tal como nos Evangelhos, o nascimento do filho de Seu José anuncia um
novo tempo, no qual aexperiência do sacrifício representa a graça da vida
eterna para tantos “severinos”.
b) Invertendo a ordem dos dois fatos capitais da vida humana, mostra-nos o
poeta que, na condição “severina”, a morte é a única e verdadeira libertação.
c) O poeta dramatiza a trajetória de Severino, usando o seu nome como
adjetivo para qualificar asublimação religiosa que consola os migrantes
nordestinos.
d) Severino, em sua migração, penitencia-se de suas faltas, e encontra o
sentido da vida na confissão finalque faz a Seu José, mestre capina.
e) O poema narra as muitas experiências da morte, testemunhadas pelo
migrantes, mas culmina com a cena de um nascimento, signo resistente da
vida nas mais ingratas condições.

17. (UEL) Em Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, a


palavra "severino(a)" apresenta-se como substantivo próprio, substantivo
comum e adjetivo. Tal fato ocorre porque, nessa obra, a palavra
"severino(a)":
a) Designa aquele que fala, além de outras personagens que, em virtude das
dificuldades impostas pela vida, caracterizam-se por assumir a disciplina como
norma de conduta. O termo qualifica a existência como permanente cuidado de
não se expor a repreensões e censuras.
b) Designa a individualidade austera do protagonista e a individualidade flexível
de outros homens e mulheres escorraçados do sertão pela seca. O termo
qualifica a existência como busca constante de superação das dificuldades.
c) Designa o protagonista como ser inflexível, bem como outros retirantes que
também se caracterizam pela rigidez diante da vida. O termo qualifica a
existência como possibilidade de impor condições com rigor.
d) Designa aquele que fala, além de outros homens e mulheres que se
caracterizam pelo rigor consigo mesmos e com os outros. O termo qualifica a
existência humana como marcada pela austeridade nas opiniões.
e) Designa aquele que fala, o protagonista do auto, bem como os retirantes
que, como ele, foram escorraçados do sertão pela seca e da terra pelo
latifúndio. O termo qualifica a existência como realidade dura, áspera.
18. (UNIOESTE) Em relação à peça Morte e Vida Severina, de João Cabral
de Melo Neto, todas as afirmativas abaixo são válidas, EXCETO
a) O fato em Morte e Vida Severina que comprova o subtítulo “auto de Natal”
do poema-peça é o nascimento de um menino.
b) Em Morte e Vida Severina, João Cabral de Melo Neto apresenta uma atitude
de resignação e conformismo ante as desgraças e desesperos dos muitos
Severinos.
c) O êxodo do sertão em busca do litoral não é uma solução para o retirante,
pois na cidade grande encontra sempre a mesma morte severina, como
revelam os dois coveiros.
d) Na cidade grande, quando não encontra uma morte severina, tem que levar
uma vida severina, vivendo no meio da lama, comendo os siris que apanha em
mocambos infectos.
e) A problemática apresentada em Morte e Vida Severina é basicamente de
caráter social e envolve a caótica e degradante situação do homem nordestino,
vitimado pelas secas, pela fome e pela miséria.

CASA DE PENSÃO
ALUÍSIO AZEVEDO

1. DADOS DO AUTOR
Aluísio de Azevedo nasceu em São Luís, Maranhão em
1857 e faleceu em Buenos Aires, em 1913.
Transferiu-se para o Rio de Janeiro onde foi
caricaturista, e jornalista. Aluízio pode ser considerado
como um dos primeiros escritores profissionais da
literatura brasileira, já que viveu da publicação de suas
obras durante um bom tempo de sua vida, muitas vezes
lamentando os seus parcos proventos. Em virtude disso,
ao ingressar na carreira diplomática, Aluízio
abandonou a literatura sem a ela retornar até o final de
sua vida.
Por conta de suas necessidades materiais, Aluízio publicou muitas obras mais
comerciais, por assim dizer, como é o caso de seu primeiro romance Uma
lágrima de mulher, de 1880, e outros como Mistério da Tijuca – reeditado
com o nome de Girândola de amores e Memórias de um condenado –
reeditado com o nome de A condessa de Vésper. No entanto isso não o
impediu de realizar obras das mais importantes do nosso Naturalismo, como O
mulato, Casa de pensão e, especialmente, sua obra-prima, O cortiço.

2. CARACTERÍSTICAS DO AUTOR
Introdutor do Naturalismo no Brasil, Aluísio Azevedo, inspirado por Zola (1840-
1902) e Eça de Queirós (1845-1900), escreve romances para o cenário
brasileiro. Sua obra, marcada de altos e baixos, retrata o meio maranhense da
época, expõe preconceitos e satiriza os hábitos dos típicos moradores de São
Luís. A luta do escritor se volta contra o conservadorismo e a forte presença do
clero, responsável pela falta de ação dos habitantes maranhenses. Entretanto,
como não é mestre na análise do íntimo de suas personagens, não cria tipos,
mas dedica-se à descrição das massas, observando-as do exterior e
privilegiando o relato do pormenor. Suas narrativas se organizam em torno de
episódios e diálogos freqüentes, geralmente, comandados por narradores
oniscientes. Em O Cortiço, sua grande obra, reúne vários tipos da sociedade
do período: o português ganancioso, o negro, o mestiço e o fidalgo burguês.
Alfredo Bosi destaca como valores do escritor e legado ao romance de
costumes "o poder de fixar conjuntos humanos como a casa de pensão e o
cortiço dos romances homônimos". Contudo, lamenta o apego do escritor às
teorias darwinistas que o impediram de "manejar com a mesma destreza
personagens e enredos, deixando uns e outros na dependência de esquemas
canhestros".

3. PRINCIPAIS OBRAS
Folhetins Românticos e Romances
Uma Lágrima de Mulher (1880); O Mulato (1881); Memórias de um Condenado
(1802), (reed. A Condessa Véspes); Casa de Pensão (1884); Filomena Borges
(1884); O Homem (1887); O Coruja (1890); O Cortiço (1890), O Esqueleto
(1890), (em colaboração com Olavo Bilac); O Livro de uma Sogra (1895).

Contos e crônicas
Demônios (1893), (contos); O Touro Negro (1938), (crônica).
Teatro
Em colaboração com Artur Azevedo: Os Doidos (1879), (comédia); Flor de Lis
(1881), (opereta); Casa de Orates (1882), (comédia); Frizmark (1888), (revista);
A República (1890), (revista), Um Caso de Adultério (1891), (comédia); Em
Flagrante (1891), (comédia).
Em colaboração com Emílio Rouède: Venenos que Curam (1886), (comédia);
O Caboclo (1886), (drama).

4. CARACTERÍSTICAS DO NATURALISMO

CHAGAS SOCIAIS - PATOLOGIAS HUMANAS


O autor naturalista tem preferência pelos aspectos sórdidos, negativos
do homem e da sociedade. A pobreza, os crimes, as perversões, o egoísmo,
as mesquinharias, a violência e a brutalidade humana são temas
recorrentes das obras naturalistas.
"E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa,
começou a minhocar, e esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma
geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, a
multiplicar-se como larvas no esterco."
(O Cortiço, Aluísio de Azevedo)

HOMEM ANIMAL – ZOOMORFIZAÇÃO


São freqüentes nos romances naturalistas as descrições das personagens
comparadas aos animais. Para o escritor naturalista o homem é um ser
meramente biológico, instintivo e desprovido de livre arbítrio, um animal
como qualquer outro que, acuado, mata para sobreviver, mata para não morrer.
“Também cantou. E cada verso que vinha da sua boca de mulata era um
arrulhar de pomba no cio... Ele gemia com o mesmo gosto, grunhindo, ganindo,
miando, com todas as vozes de bichos sensuais, num desespero de luxúria...”.
(O Cortiço – Aluísio de Azevedo)
PERVERSÕES SEXUAIS
No Naturalismo são recorrentes as descrições de cenas de sexo.
Também se exploram nos romances naturalistas os aspectos mais pervertidos
da sexualidade humana: pederastia, pedofilia, onanismo, incesto...
"Ela saltou em meio da roda, com braços na cintura, rebolando as
ilhargas e bamboleando a cabeça (...) numa sofreguidão (...) carnal, num
requebrado luxurioso que a punha ofegante: já correndo de barriga empinada,
já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se fosse afundando
num prazer grosso que nem azeite em que se não toma pé e nunca se
encontra o fundo."
(O Cortiço – Aluísio de Azevedo)

CIENTIFICISMO
Os escritores realistas e também os naturalistas sofrem grande
influência das teorias científicas e filosóficas surgidas de meados para fins do
século XIX, como o Positivismo de Auguste Comte, o Evolucionismo de
Charles Darwin e, principalmente o Determinismo de Hipolyte Taine.

DETERMINISMO
O Determinismo era a aplicação na arte da teoria de que o homem seria
determinado por três forças condicionantes de seu comportamento, sendo elas:
o meio, a raça e o momento.
"E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos
de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. A sua casa perdeu aquele ar
sombrio e concentrado que a entristecia; já apareciam por lá alguns
companheiros de estalagem, para dar dois dedos de palestra nas horas de
descanso, e aos domingos reunia-se gente para o jantar. A revolução afinal foi
completa: a aguardente de cana substituiu o vinho; a farinha de mandioca
sucedeu à broa; a carne-seca e o feijão-preto ao bacalhau com batatas e
cebolas cozidas; a pimenta-malagueta e a pimenta-do-reino invadiram
vitoriosamente a sua mesa (...)"
(O Cortiço – Aluísio de Azevedo)

ROMANCE DE TESE
O autor naturalista se porta como se fosse um cientista e suas
personagens são tratadas como se fossem cobaias. Muitos romances
naturalistas tinham como objetivo comprovar as teses científicas e filosóficas
da época, como o positivismo, o darwinismo e o determinismo.
Nesse sentido existe um distanciamento entre narrador e personagens,
uma impessoalidade que consistia na vontade de se aproximar dos métodos
da observação científica para revelar a verdade social.
“A verdade, toda a verdade, nada mais que a verdade – Direito criminal”
(epígrafe de O cortiço)

LINGUAGEM E NARRADORES
Em consonância com essa postura cientificista, os autores naturalistas
optam na maioria das vezes por narradores em terceira pessoa e
observadores. Já a linguagem naturalista se mostra objetiva e descritiva,
por vezes incorrendo num excessivo detalhismo.
"Raimundo tinha vinte e seis anos e seria um tipo acabado de brasileiro, se não
foram os grandes olhos azuis, que puxara do pai. Cabelos muito pretos,
lustrosos e crespos; tez morena e amulatada, mas fina; dentes claros que
reluziam sob a negrura do bigode; estatura alta e elegante; pescoço largo, nariz
direito e fronte espaçosa. A parte mais característica de sua fisionomia eram os
olhos grandes, ramalhudos, cheios de sombras azuis; pestanas eriçadas e
negras, pálpebras de um roxo vaporoso e úmido; as sobrancelhas muito
desenhadas no rosto, como a nanquim, faziam sobressair a frescura da
epiderme, que, no lugar da barba raspada, lembrava os tons suaves e
transparentes de uma aquarela sobre papel de arroz."
(O Mulato, Aluísio de Azevedo).

AGRUPAMENTOS HUMANOS
Os romances naturalistas têm preferência por aglomerações humanas. Ao
contrário do Romantismo que privilegiava enredos ancorados em uma
personagem central como Iracema, Inocência e Isaura, no Naturalismo os
romances passam a dar ênfase a personagens coletivas: cortiços, casas de
pensão, colégios internos, navios...
"No confuso rumor que se formava, destacavam–se risos, sons de vozes
que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos,
cacarejar de galinhas. De alguns quartos saíam mulheres que vinham
dependurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à
semelhança dos donos, cumprimentavam–se ruidosamente, espanejando–se à
luz nova do dia". (O cortiço, p. 36)

AMBIENTES SÓRDIDOS
E estes agrupamentos humanos descritos nos romances naturalistas
geram ambientes nojentos, sujos, sórdidos. Os autores naturalistas tinham
gosto em chocar seus leitores com cenas repugnantes para a época.
"[...] uma preta velha, vergada por imenso tabuleiro de madeira, sujo, seboso,
cheio de sangue e coberto por uma nuvem de moscas, apregoava em tom
arrastado e melancólico: 'Fígado, rins e coração'. Era uma vendedeira de fatos
de boi. [...] os cães, estendidos pelas calçadas, tinham uivos que pareciam
gemidos humanos, movimentos irascíveis, mordiam o ar, querendo morder os
mosquitos."
(O Mulato – Aluísio de Azevedo)

Diferenças entre Realismo X Naturalismo


Realismo
1. Aspectos positivos e negativos da sociedade
2. Romance documental
3. Linguagem cuidada
4. Homem comum
5. Personagens com profundidade psicológica
Naturalismo
1. Aspectos negativos e doentios da sociedade
2. Romance “de tese”
3. Linguagem detalhista
4. Homem animal
5. Personagens sem vida interior
5. ANÁLISE DA OBRA
CASO REAL
O romance foi inspirado em um caso verídico, a Questão Capistrano, crime
que sensibilizou o Rio de Janeiro em 1876/77, envolvendo dois estudantes,
em situação muito próxima à da narração de Aluísio Azevedo.

FOCO NARRATIVO
O autor escolheu o seu ponto-de-vista narrativo: a terceira pessoa do
singular, um narrador onisciente e onipotente, fora do elenco dos
personagens. Como um observador atento e minucioso dentro das próprias
fórmulas apertadas do naturalismo. No caso deste romance, Aluísio Azevedo
trabalhou muito servilmente sobre os fatos absolutamente reais.

TEMPO
Em nenhum momento a história nos relata um tempo preciso, até porque
pressupõe que sendo uma história baseada em fatos reais, deduz que se
passe em 1876, data precisa do ocorrido que abalou a cidade carioca.

PERSONAGENS
Os personagens, sob nomes fictícios, escondem pessoas reais:

Amâncio da Silva Bastos e Vasconcelos - (João Capistrano da Silva)


estudante, acusado de sedução. Foi absolvido.
“Era de vinte anos, tipo do Norte, franzino,amornado, pescoço estreito, cabelos
crespos e olhos vivos epenetrantes, se bem que alterados por um leve
estrabismo.Vestia casimira clara, tinha um alfinete de esmeralda nacamisa, um
brilhante na mão esquerda e um grossa cadeia deouro sobre o ventre. Ao pés,
coagidos em apertados sapatinhosde verniz, desapareciam-lhe casquilhamente
nas amplasbainhas da calça.”

Amélia ou Amelita - (Júlia Pereira) a moça sedutora, interesseira e seduzida


por Amâncio, pivô da tragédia.
“O cabelo, denso e castanho, prendia-se-lhe no toutiço por um laço de seda
azul, formando um grande molho flutuante, que lhe caía elegantemente sobre
as costas O vestido curto, muito cosido ao corpo, enluvava-lhe as formas,
dando-lhe um ar esperto de menina que volta do colégio a passar férias com a
família. Era muito bem feita de quadris e de ombros. Espartilhada, como estava
naquele momento, a voltas enérgica da cintura e a suave protuberância dos
seios produziam nos sentidos de quem a contemplava de perto uma deliciosa
impressão artística. Sentia-se-lhe dentro das mangas do vestido a trêmula
carnadura dos braços; e os pulsos apareciam nus muito brancos,
chamalotados de veiazinhas sutis, que se prolongavam serpeando. Tinha as
mãos finas e bem tratadas, os dedos longos e roliços, a palma cor- de – rosa e
s a unhas curvas como um bico de papagaio.
Sem ser verdadeiramente bonita de rosto, era muito simpática e graciosa. Tez
macia de uma palidez fresca de camélia; olhos escuros, um pouco
preguiçosos, bem guarnecidos e penetrantes; nariz curto, um nadinha
arrebitado, beiços polpudos e viçosos, à maneira de uma fruta que provoca o
apetite e dá vontade de morder, Usava o cabelo cofiado em franjas sobre a
testa, e, quando queria ver ao longe, tinha de costume apertar as pálpebras e
abrir ligeiramente a boca.”

João Coqueiro - Janjão - (Antônio Alexandre Pereira, irmão da moça Júlia


Pereira e assassino de João Capistrano. Foi também absolvido).
“seus olhos, pequenos e de cor duvidosa, conservavam a mesma penetração e
a mesma fixidez incisiva de ave de rapina; sua boca estreita, bem guarnecida e
quase sem lábios, tinha o mesmo riso arqueado, mal seguro e frio, de quem
escuta e observa. Era de altura regular, compleição ética, rosto comprido, de
um moreno embaciado, pouca barba, pescoço magro , nariz agudo, mãos
pálidas e secas, voz doce e cabelo muito crespo, de colorido incerto, entre
castanho e fulvo. Tinha vinte e sete anos, mas aparentava, quando muito, vinte
e dois....O Coqueiro ,com a sua figurinha de tísico, o seu rosto chupado e
quase verde, os seus olhos pequenos e penetrantes, de uma mobilidade de
olho de pássaro, com a sua boca fria, o seu nariz agudo, o seu todo seco
egoísta, desenganado da vida, não era das coisa que, mais o atraíssem.”

Mme. Brizard - (D. Júlia Clara Pereira, mãe da moça e do rapaz, assassino) é
uma viúva, dona da casa de pensão: Era mulher de cinquenta anos, viúva de
uma afamadohoteleiro que lhe deixara muitas saudades e dúzia e meia
deapólices da dúvida pública, nascida em Marselha, a francesa,casara aos
quinze anos com um diplomata russo que morrera enão deixara filhos, estava
viúva aos vinte. Depois apareceu Mr.Brizard, a subida de Luís Felipe ao trono
fê-lo vir ao Brasil e setornar hoteleiro, amava o Brasil.Após casar com João
Coqueiro passa a ser a principalcúmplice nas tramoias para ludibriar o jovem
Amâncio.

Dr. Teles de Moura - (Dr. Jansen de Castro Júnior) advogado da família da


moça.
“O Teles era um advogado velho, muitorespeitado no foro; não pelo caráter,
que o não mostrava nunca,nem pela sua ciência, que a não tinha; nem
tampouco pelosseus cabelos brancos, que a estes nem ele próprio respeitava,
invertendo-lhes a cor; mas sim pela sua proverbial sagacidade,pelas suas
manhas de chicanista, pela sua terrível figura deraposa velha, pelos sues
olhinhos irrequietos e matreiros, peloseu nariz à bico de pássaro e pela sua
boca sem lábios, donde apalavra saía seca e penetrante como uma bala.
O passado do Teles era toda uma legenda de vitóriasjudiciais; atribuíam-
lhe anedotas mais antigas de que ele; muitoprocesso se anulou naquelas
unhas aduncas e tamanduá; muitocriminoso escapou às penas da lei por entre
as malhas das suaastúcia; muito inocente foi parar à cadeia ensarilhado nas
pontasde seus sofismas.”

Manoel Pedro Vasconcelos – Pai de Amâncio, homemmuito rude e severo


com filho, começa a demonstrar afeto pelofilho em uma carta que lhe envia
estando o rapaz na Corte,morre de Beriberi.

D. Ângela – Mãe de Amâncio, ama-o perdidamente.

Dr. Silveira – Advogado da família de Amâncio no Maranhãoque se aproveita


da situação da morte do chefe da família paraextorquir dinheiro de D. Ângela.
Pires – professor de Amâncio dos 7 aos 12 anos, homemcarrasco e que batia
nos alunos, era um ditador em sala, apersonagem central possui um trauma
muito grande em funçãodos maus tratos.

Luís Campos - Homem que comanda uma casa de negóciose hospeda


inicialmente o jovem universitário, sempre correto eético defende Amâncio
quando é preso, mas ao descobrir que orapaz assediava sua esposa se volta
contra ele.

D. Hortênsia – Esposa de Luís Campos, é assediada porAmâncio, que resiste


e depois da prisão do rapaz, arrepende-seperdidamente, mas o rapaz agora a
despreza.

D. Carlota – irmã de Hortênsia.

César e Nini – Filhos de Mme. Brizard, um de 12 anos e aoutra tinha


problemas mentais após a perda de um filho.

Os Hóspedes:
Nº 01: Dr. Tavares – Advogado, gostava de fazer discursos
inflamados e epopeicos, interessa-se em defender Amâncioquando está preso
e é um dos que ainda se mantem com afamília de Coqueiro quando eles saem
da casa de pensão paraSanta Tereza.

Nº 02: Fontes – Era um homem que havia ficado rico, masperdera todo seu
dinheiro, agora tentava se reerguer vendendomuamba pela cidade.

Nº 03 Piloto – Repórter do jornal Gazeta.

Nº 04 Campelo – Misterioso, pouco se sabe sobre ele.

Nº 05 Paula Mendes e Catarina – O marido era rabequista eela pianista,


vendem o piano para quitar dívidas na casa depensão.

Nº 06 O guarda-livros – Homem que paga sempre em diase troca com


Amâncio pelo gabinete no meio do livro.

Nº 07 Rapaz doente – Rapaz que definha dia após dia emorre nas mãos de
Amâncio.

Nº 08 Lúcia e Pereira – Lúcia era uma senhora interesseiraque tentou seduzir


Amâncio, e chegou até a delatar o plano dosdonos da casa de pensão, mas
João Coqueiro e Mme. Brizardmandaram-na embora. Pereira é um lento que
só dorme, pareceo Mr. Bean. Como se conheceram? Foi assim, essa história
seencontra no capítulo X, desde os 10 anos Lúcia vivia a andar nosbailes, aos
15 já pensava na morte, aos 20 caiu na lábia de umprimo que a engravidou e
foi embora.Depois disso sua missão fora encontrar alguém que aassumisse,
encontrou o Pereira, cujo tio diziam que tinha umaherança e seria o tal Pereira
a herdá-la, a moça começou a darindiretas e mais flertadas, e nada do rapaz
perceber, comosempre, fora um lento, até que um dia ela chegou para
eleobrigando-o a casar, o rapaz nada fez, só depois descobriu elaque ele já era
casado com uma velha desde os dezoito anos nopapel, mesmo assim Lúcia
ficou amancebada com ele.Pouco tempo depois a tio morrera após ver Lúcia
transandocom um estudante, e no testamento, só dividas, com isso
Lúciapassou a ser o homem da relação, e viviam de calote nas casasde
pensão da cidade carioca.Chegara a um tempo a engravidar, acredite, do
Pereira,Lúcia tentou abortar, mas não conseguiu, nascera dentro de umfábrica.
30 dias depois, felizmente, como diria o narrador, acriança morrera, como o
pai, abriu o olho uma só vez, na hora deexpirar.A casa de pensão do Coqueiro
já era a sexta por ondepercorriam com o seu suposto marido.

Nº 09 Melinho – Funcionário da Caixa.

Nº 10 Lambertosa – o Gentleman, homem metido aintelectual.

Nº 11 Dr. Correia – Médico, alugava o quarto só para estudar, mas não era
bem isso. Era uma fachada para encontros noturnos com mulheres.

ENREDO
Amâncio (Da Silva Bastos e Vasconcelos), rapaz rico e provinciano,
abandona o Maranhão e segue de navio para o Rio de Janeiro (a Corte) a fim
de se encaminhar nos estudos e na vida. É um provinciano que sonha com os
deslumbramentos da Corte. Chega cheio de ilusões e vazio de propósitos de
estudar... A mãe fica chorosa e o pai, indiferente, como sempre fora no trato
meio distante com o filho. O rapaz tinha que se tornar um homem.
Amâncio começa morando em casa do sr. Campos, amigo do Pai, e, forçado,
se matricula na Escola de Medicina. Ia começar agora uma vida livre para
compensar o tempo em que viveu escravizado às imposições do pai e do
professor, o implacável Pires.
Por convite de João Coqueiro, co-proprietário de uma casa de pensão,
junto com a sua velhusca mulher Mme. Brizard, muda-se para lá. É tratado com
as maiores preferências: os donos da pensão queriam aproveitar o máximo de
seu dinheiro e ainda arranjar o seu casamento com Amélia, irmã de Coqueiro.
Um sujo jogo de baixos interesses, sobretudo de dinheiro. Naquele ambiente,
tudo concorreria para fazer explodir a super-sensualidade do maranhense.
"Ele, coitado, havia fatalmente de ser mau, covarde e traiçoeiro: Na ramificação
de seu caráter e sensualidade era o galho único desenvolvido e enfolhado,
porque de todos só esse podia crescer e medrar sem auxílios exteriores."
A casa de pensão era um amontoado de gente, em promiscuidade
generalizada, apesar da hipócrita moralidade pregada pelo seu dono: havia
miséria física e moral, clara e oculta. Com a chegada de Amâncio, a pensão
passou a arapuca para prender nos seus laços o jovem, inesperto e rico
estudante: pegar o seu dinheiro e casá-lo com a irmã do Coqueiro. Para
alcançar o fim, todos os meios eram absolutamente lícitos. Amélia,
principalmente quando da doença do rapaz, se desdobrou nos mais íntimos
cuidados. Até que se tornou, disfarçadamente, sua amante. Sempre mantendo
as aparências do maior respeito exigido dentro da pensão pelo João
Coqueiro...
A casa de pensão traz personagens de todas as índoles, com uma
promiscuidade generalizada, apesar da falsa moralidade pregada pelo seu
dono. Com a chegada do rico estudante, ele tornou-se irresistível para Lúcia,
uma mulher interesseira que vive com o Senhor Pereira na casa de pensão.
Após engravidar do primo em segundo grau, este volta para o Rio Grande do
Sul e nunca mais retornou. Com a honra arruinada, Lúcia então decide viver
com Pereira, já que ele estava sempre na casa dos seus pais. Mas ao cobrar o
matrimônio, Pereira revela que já é casado. Lúcia então se diz casada para
manter as aparências e seu grande sonho é casar-se com um homem rico.
Amâncio é visto como sua grande chance.
Durante toda a narrativa, é perceptível como Amâncio é galante e se
enamora das mulheres facilmente. Encanta-se por Dona Hortência, mulher
de Campos, tem interesse também em Lúcia e depois de um tempo torna-se
amante de Amelinha, irmã de Coqueiro. Este, por outro lado, cada vez
mais começa a fazer de Amâncio o pagador de suas contas. A ganância por
dinheiro é retratada em vários momentos.
A grande reviravolta se dá quando Amâncio torna a se enamorar por
Dona Hortência. Chega-lhe a escrever uma carta apaixonada, declarando
seu amor, mas quem descobre a carta é Amelinha, que a esconde e
depois a entrega ao irmão. Todos então redobram os “cuidados” com o
maranhense, com medo de perderem a grande mina de ouro. O pai de
Amâncio morre no Maranhão. Ele pretendia voltar, a pedido da mãe para
vê-la e também para administrar os negócios que o pai deixara, logo que
terminassem os seus exames de medicina.
Com medo de perder a influência sobre Amâncio, Amelinha exige que
eles se casem, mas diante da negativa, o ameaça com a promessa de que
vai contar a todos que ele a desgraçou. Amâncio então prepara sua viagem
às escondidas, mas no dia do embarque é preso, ao ser acusado de sedutor e
de ter tirado a honra de Amelinha. João Coqueiro preparou toda a trama e
entregou o caso ao famoso e desonesto advogado Teles de Moura, que forja
duas testemunhas contra o rapaz.
Mas, no dia do embarque, um oficial e justiça acompanhado de policiais
o prende para apresentação à delegacia e prestação de depoimentos.
Começa o enredado processo: uma confusão de mentiras, de fingimentos, de
maucaratismo contra o jovem rico e desfrutável para os interesses pecuniários
de Mme. Brizard e marido. Há uma ressonância geral na imprensa e, na
maioria, os estudantes se colocam ao lado de Amâncio. O senhor Campos
prepara-se para ajudar o seu protegido, mas Coqueiro lhe faz chegar às mãos
uma carta comprometedora que Amâncio escrevera à sua senhora, D.
Hortênsia. E se coloca contra quem não soube respeitar nem a sua casa...
Três meses depois de iniciado o processo, Amâncio é absolvido. O rapaz é
levado em triunfo para um almoço, no Hotel Paris.
"Amâncio passava de braço a braço, afagado, beijado, querido, como
uma mulher famosa." Todo mundo olhava com curiosidade e admiração o
estudante absolvido. E lhe atiravam flores, Ouviam-se vivas ao estudante e à
Liberdade. Os músicos alemães tocaram a Marselhesa. Parecia um carnaval
carioca.
Em outro plano, Coqueiro, sozinho, vendo e ouvindo tudo. A alma
envenenada de raiva. Em casa o destampatório da mulher que o acusava de
todo o fracasso. As testemunhas reclamavam o pagamento do seu
depoimento. Um inferno dentro e fora dele. Chegaram cartas anônimas com
as maiores ofensas. Um homem acuado...
Pegou, na gaveta, o revólver do pai. E pensou em se matar. Carregou
a arma. Acertou o cano no ouvido. Não teve coragem. Debaixo da sua janela,
gritavam injúrias pela sua covardia e mau caráter... No dia seguinte, de manhã,
saiu sinistro. Foi ao Hotel Paris. Bateu no quarto II, onde se encontrava o
estudante com a rapariga Jeanete. Esta abriu a porta. Amâncio dormia,
depois da festa e da bebedeira, de barriga para cima. Coqueiro atirou a
queima-roupa. Amâncio passa a mão no peito, abre os olhos, não vê mais
ninguém. Ainda diz uma palavra: "mamãe" ... e morre.
Coqueiro foi agarrado por um policial, ao fugir. A cidade se enche de
comentários. Muitos visitam o necrotério para ver o cadáver de Amâncio.
Vendem-se retratos do morto. Um funeral grandioso com a presença de
políticos, notícias e necrológicos nos jornais, a cidade toda abalada. A tragédia
tomou conta de todos.
A opinião pública começa a flutuar, a mudar de posição: afinal, João
Coqueiro tinha lavado a honra da irmã...
Quando D. Ângela, envelhecida e enlutada, chega ao Rio de Janeiro,
se viu no meio da confusão, procurando o filho. Numa vitrine, ela descobriu o
retrato do filho"na mesa do necrotério, com o tronco nu, o corpo em sangue.
Uma legenda: "Amâncio de Vasconcelos, assassinado por João Coqueiro, no
Hotel Paris...”

ROMANCE DE PERSONAGEM X ROMANCE DE ESPAÇO


Casa de Pensão de Aluísio Azevedo é uma espécie de narrativa
intermediária entre o romance de personagem (O Mulato) e o romance de
espaço (O Cortiço). Como em O Mulato, todas as ações ainda estão
vinculadas à trajetória do herói, nesse caso, Amâncio de Vasconcelos. Mas,
como em O Cortiço, a conquista, ordenação e manutenção de um espaço é
que impulsiona, motiva e ordena a ação. Espaço e personagem lutam, lado
a lado, para evitar a degradação.

DETERMINISMO
As teses naturalistas, especialmente o Determinismo, alicerçam a construção
das personagens e das tramas.
No texto que transcrevemos a seguir, Aluísio Azevedo, ao descrever a
formação de Amâncio Vasconcelos, mostra os fatores que determinaram o
seu comportamento e o seu destino: a educação severa do pai e do
mestre-escola, a superproteção da mãe, a sífilis contraída da ama de leite,
que são as geratrizes de uma personalidade reprimida e hipócrita:

“… esses pequenos episódios de infância, tão insignificantes na aparência,


decretaram a diluição que devia tomar o caráter de Amâncio. Desde logo
habituou-se a fazer uma falsa ideia de seus semelhantes; julgou os homens por
seu pai, seu professor e seus condiscípulos. – E abominou-os. Principiou a
aborrecê-los secretamente, por uma fatalidade do ressentimento, principiou a
desconfiar de todos, a prevenir-se contra tudo, a disfarçar, a fingir que era o
que exigiam brutalmente que ele fosse.”
Inseguro, necessitado de proteção materna, Amâncio procura na pensão
carioca o substitutivo da família, incapaz de perceber as ciladas que lhe são
armadas pela proprietária, Mme. Brizard e pela sensual Amélia. O dinheiro
é a mola dessa sociedade corrupta e hipócrita. Observe o cinismo dos
pensamentos de João Coqueiro, refletindo sobre o comportamento que sua
irmã, Amélia, deveria simular, para envolver Amâncio:

“Amélia, desde que se convertesse numa necessidade para a vida de


Amâncio, este, com certeza, seria o mais interessado em fazer dela sua
esposa; por conseguinte, agora o que convinha era que a rapariga também
ajudasse de sua parte, empregando todo o jeito e boa vontade de que pudesse
dispor.- devia mostrar-se cordata, simples nos seus gostos, bem arranjadinha,
amiga do asseio, honesta, digna, enfim, de um marido!

CHAGAS SOCIAIS
Autor fiel à tendência naturalista difundida pelo realismo, Aluísio Azevedo
focaliza, nesta obra, problemas como preconceitos de classe, de raças, a
miséria e as injustiças sociais. Descreve a vida nas pensões chamadas
familiares, onde se hospedavam jovens que vinham do interior para estudar na
capital. Diferente do romantismo, o naturalismo enfatiza o lado patológico do
ser humano, as perversões dos desejos e o comporta-mento das pessoas
influenciado pelo meio em que vivem.

ESTILO
O naturalismo está plenamente representado em Casa de Pensão desde a
abertura do romance, quando Amâncio aparece marcado fatalisticamente
pela escola e pela família: uma e outra o encheram de revolta. Por causa de
um castigo justo ou injusto, "todo o sentimento de justiça e da honra que
Amâncio possuía, transformou-se em ódio sistemático pelos seus
semelhantes...". O leite que o menino mamou na ama negra também está
contagiado e irá marcá-lo. O médico dizia: "Esta mulher tem reuma no sangue
e o menino pode vir a sofrer para o futuro." Amâncio é uma cobaia, um
campo de experimentação nas mãos do romancista. Nele o fisiológico é
muito mais forte do que o psicológico. É o determinismo que vai
acompanhar toda a carreira do personagem.
Está presente também na obra o sentido documental e experimental do
romance naturalista, renunciando ao sentimentalismo e à evasão, procura
construir tudo sobre a realidade. Como já mencionado, a estória do romance se
baseia num caso real.

LINGUAGEM
Uma técnica comum ao escritor naturalista é o abuso dos
pormenoresdescritivo-narrativos de tal modo que a estória caminha
devagar, lerda e até monótona. É a necessidade de ajuntar detalhes para se
dar ao leitor uma impressão segura de que tudo é pura realidade. Essas
minúcias se estendem a episódios, a personagens e a ambientes. Num
episódio, por exemplo, há minúcias de tempo, local e personagens. E móveis
de uma sala até os objetos mais miúdos.
Não se pode dizer que a linguagem do romance é regionalista; pelo contrário, o
padrão da língua usada é geral e o torneio frasal, a estrutura morfo-sintática é
completamente fiel aos padrões da velha gramática portuguesa.
Como Machado de Assis, Aluísio Azevedo também usa alguns recursos
desconhecidos da língua portuguesa do Brasil, principalmente na língua oral.
Assim, por exemplo, o caso da apossínclise (é uma posição especial do
pronome oblíquo que não escutamos no Brasil, mas é comum até na língua
popular de Portugal). São exemplos de apossínclise: "Há anos que me não
encontro com o amigo." (Há anos que não me...) "Se me não engano, você
está certo." Em Casa de Pensão essa posição pronominal é um hábito comum.

TEMÁTICAS
Como em O Cortiço, Aluísio de Azevedo se torna excepcionalmente rico na
criação de personagens coletivos: a casa de pensão, tão comum ainda hoje,
no Brasil inteiro, tem vida, uma vida estudante, nas páginas do romance.
Aluísio conhecia, de experiência própria, esse ambiente feito de tantos
quartos e tantos inquilinos, tão numerosos e tão diferentes, nivelados pela
mediocridade e em fácil decadência moral. O autor faz alguns retratos com
evidentes traços caricaturais (a sua velha mania ou vocação para a
caricatura...), mas fiéis e verdadeiros. Tudo se movimenta diante do leitor: a
casa de pensão é um mundo diferente, gente e coisas tomam aspectos novos,
as pessoas adquirem outros hábitos, informadas ou deformadas por essa vida
comunitária tão promíscua. Aí se encontram e se desencontram, se
amontoam e se separam tantos indivíduos transformados em tipos,
conhecidos, às vezes, apenas pelo número do quarto. Em O Cortiço o meio
social é mais baixo; na Casa de Pensão é médio.
Às doenças morais (promiscuidades, hipocrisia, desonestidades,
sensualismos excitados e excitantes, ódios, baixos interesses, dinheiro...)
se misturam também doenças físicas (o tuberculoso do quarto 7 que morre
na casa de pensão, a loucura e histerismo de Nini...). Foi o que encontrou
Amâncio na Casa de Pensão de Mme. Brizard. Fora para o Rio de Janeiro,
para estudar. E, num ambiente como esse, quem seria capaz de estudar? É
verdade que o rapaz já trazia a sua mentalidade burguesa do tempo: o que
ele buscava não era uma profissão, mas apenas um diploma e um título de
doutor. Ele, sendo rico, não precisaria da profissão, mas, por vaidade, de um
status, de um anel no dedo e de um diploma na parede. Essa mania de
doutor, doença que pegou no Brasil, já foi magistralmente caricaturada em
deliciosa carta de Eça de Queirós ao nosso Eduardo Prado: "A nação inteira se
doutorou. Do norte ao sul do Brasil, não há, não encontrei senão doutores!
Doutores com toda a sorte de insígnias, em toda a sorte de funções!! Doutores
com uma espada, comandando soldados; doutores com uma carteira,
fundando bancos: doutores com uma sonda, capitaneando navios; doutores
com uma apito, comandando a polícia; doutores com uma lira, soltando carnes;
doutores com um prumo, construindo edifícios; doutores com balanças,
ministrando drogas; doutores sem coisa alguma, governando o Estado! Todos
doutores..." O próprio Aluísio de Azevedo abandonou a Província para buscar
sucessos na Corte (Rio de Janeiro) e, certamente também, um título de
doutor...
TRECHO DO LIVRO
“Amâncio fora muito mal-educado pelo pai, português antigo e austero,
desses que confundem o respeito com o terror. Em pequeno levou muita
bordoada; tinha um medo horroroso de Vasconcelos; fugia dele como de
um inimigo, e ficava todo frio e a tremer quando lhe ouvia a voz ou lhe sentia os
passos. Se caso algumas vezes se mostrava dócil e amoroso, era sempre
por conveniência: habituou-se a fingir desde esse tempo.
Sua mãe, D. Ângela, uma santa de cabelos brancos e rosto de moça,
não raro se voltava contra o marido e apadrinhava o filho. Amâncio agarrava-
se-lhe às saias, fora de si, sufocado de soluços.
Aos sete anos entrou para a escola.
O mestre, um tal de Antônio Pires, homem grosseiro, bruto, de cabelo
duro e olhos de touro, batia nas crianças por gosto, por hábito do ofício. Na
aula só falava a berrar, como se dirigisse uma boiada. Tinha as mãos grossas,
a voz áspera, a catadura selvagem; e, quando metia para dentro um pouco
mais de vinho, ficava pior.
Amâncio, já na corte, só de pensar no bruto, ainda sentia calafrios dos
outros tempos, e com eles vagos desejos de vingança. Um malquerer doentio
invadia-lhe o coração, sempre que se lembrava do mestre e do pai. Envolvia-os
no mesmo ressentimento, no mesmo ódio surdo e inconfessável.
Todos os pequenos da aula tinham birra ao Pires. Nele enxergavam o
carrasco, o tirano, o inimigo e não o mestre; mas, visto que qualquer
manifestação de antipatia redundava fatalmente em castigo, as pobres crianças
fingiam-se satisfeitas, riam muito quando o beberrão dizia alguma chalaça, e
afinal, coitadinhas! Iam-se habituando ao servilismo e à mentira.
Os pais ignorantes, viciados pelos costumes bárbaros do Brasil,
atrofiados pelo hábito de lidar com escravos, entendiam que aquele animal era
o único professor capaz de “endireitar os filhos”.
Elogiavam-lhe a rispidez, recomendavam-lhe sempre que “não passasse
a mão na cabeça dos rapazes” e que, quando fosse preciso, “dobrasse por
conta deles a dose de bolos”.
Ângela, porém, não era dessa opinião: não podia admitir que seu
querido filho, aquela criaturinha fraca, delicada, um mimo de inocência e de
graça, um anjinho, que ela afagara com tanta ternura e com tanto amor, que
ela podia dizer criada com seus beijos – fosse lá apanhar palmatoadas de um
brutalhão daquela ordem! “Ora! Isso não tinha jeito!”
Mas o Vasconcelos saltava-lhe logo em cima: Que deixasse lá o
pequeno com o mestre!... Mais tarde ele havia de agradecer aquelas
palmatoadas!
Assim não sucedeu. Amâncio alimentou sempre contra Pies o mesmo
ódio e a mesma repugnância(...)”

Curiosidades
– Os presentesque Amâncio recebe aos 12 anos foram: o pai dera-lhe um
relógio de ouro e a avó dera-lhe um escravo de nome Sabino, a quem o serviria
sempre.
– Os livros românticos que mais comovem o jovem é Graziella e Rafhael de
Lamartine.
– Uma curiosidade pertinente à ama é exatamente a questão do determinismo
posto na obra, o determinismo que era gerado pelo meio social, ou seja, a
educação traumática que adquirira, e o genético, o leite da escrava, o médico
até adverte o Vasconcelos: “Esta mulher tem reuma no sangue – dizia ele -, e o
menino pode vir a sofrer no futuro.” Como se a doença da ama passasse para
o menino, e isso é fato, pois após Amâncio se recuperar da Varíola, terá
problemas com o Reumatismo. “Com semelhante esterco não podia
desabrochar melhor no seu temperamento o leite escravo, que lhe deu de
mamar uma preta da casa.” Assim conclui o narrador em uma visão
determinista e zoomórfica.
– Os amores colecionáveis de Amâncio denunciavam seu vício, atente a eles: a
filha mais velha do Costa Lobo, a mulher de um comendador, amigo de seu
pai, uma viúva de um oficial do exército, esses eram os principais, mas tinham
outros: a Francisca de Vila do Paço, por exemplo, uma espanhola e uma
senhora gorda amasiada de um boticário.
– João estava no segundo ano da Politécnica e Amélia havia já se tornado
mulher.
– Hortênsia não dançava porque o marido não deixava, pois tinha ciúmes.
– Bexigas naquela época seria o mesmo que Catapora, prima da Varíola,
Catapora naquela época matava muita gente, nessa época não se tinha vacina,
pois o Brasil só irá conhecê-la em 1904, na tão conhecida Revolta da Vacina.
– O guarda-livros e dr. Tavares são os únicos que se mudam com Amâncio e a
família do Coqueiro.

QUESTÕES
01. Sobre o romance de Aluísio de Azevedo, é correto afirmar que a
educação que Amâncio recebera do pai foi baseada:
a) no respeito
b) no medo
c) no diálogo
d) no exemplo
e) no carinho

02. Ainda sobre o romance “Casa de pensão”, é uma característica da


personalidade de Amâncio conseqüente da educação recebida na
infância:
a) fingido
b) dócil
c) amoroso
d) mentiroso
e) violento

03. A escola representou para Amâncio


a) a proteção contra a violência do pai.
b) uma experiência de vida diferente.
c) uma continuidade do tipo de educação recebida em casa.
d) uma oportunidade de aprender e de crescer saudavelmente.
e) uma forma de escapismo e idealização.
04. Segundo as informações do trecho, as outras crianças da escola
a) apreciavam Antônio Pires.
b) implicavam com Amâncio.
c) eram antipáticas com o professor.
d) bajulavam Pires por temerem os castigos.
e) revoltavam-se ostensivamente

05. O narrador menciona os sentimentos semelhantes que Amâncio nutria


pelo pai e pelo mestre. Os sentimentos expressos no trecho que se
referem apenas ao mestre são
a) ódio surdo e medo.
b) medo e malquerer doentio.
c) repugnância e desejo de vingança.
d) ressentimento e ódio inconfessável.
e) admiração e afeto.

06. Em alguns momentos, o narrador expressa juízos de valor em relação


aos personagens e fatos. Podemos observar isso em
a) “Os pais ignorantes, viciados pelos costumes bárbaros do Brasil...”
b) “Na aula só falava a berrar como se dirigisse uma boiada.”
c) “Amâncio agarrava-se-lhe às saias, fora de si, sufocado de soluços.”
d) “Nele enxergavam o carrasco, o tirano, o inimigo e não o mestre;”

07. (UTFPR)“E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade


quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma
coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele
lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco.”
“Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas
a sua infinidade de portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de
quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam
ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite
antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro
de saudade perdido em terra alheia. A roupa lavada, que ficara de véspera nos
coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As
pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos
azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de
acumulações
de espumas secas.”
Com base nesses dois trechos do romance naturalista O Cortiço, de
Aluízio Azevedo, e do seu conhecimento a respeito, é correto afirmar, a
respeito do Naturalismo, que:
I) em consonância com uma visão cientificista, tece descrições como se fossem
diagnósticos médicos.
II) faz uso constante de prosopopéias, recurso lingüístico que confere a seres
inanimados comportamentos e/ou qualidades humanas.
III) apresenta alto teor de subjetividade, mediante a qual pode-se elaborar uma
imagem precisa do espaço e das personagens.
IV) relega a um segundo plano a sensorialidade, as impressões e sensações
colhidas pelos cinco sentidos, ou seja, cheiros, cores, luzes, sons, etc.
V) contrariando a idealização do Romantismo, detém-se em caracterizações
tão cruas e impiedosas, que chega a provocar náuseas.
VI) é nítida a objetividade com que o autor elabora suas descrições, o que
contribui para averossimilhança da narrativa.

Estão corretas somente as afirmações:


a) I, III, V e VI
b) I, II. III e VI
c) I, II, IV e V
d) II, IV, V e VI
e) I, II, V e VI

08. Sobre Aluísio Azevedo e o conjunto de sua produção, considere as


afirmativas abaixo.
I. Seus romances dividem-se em dois grupos: os melodramas, com um enredo
cheio de peripécias, seguindo o estilo romântico, e as obras sérias, dentro dos
moldes naturalistas, que analisavam criticamente a sociedade brasileira.
II. Aluísio Azevedo escreveu alguns de seus romances com o intuito maior de
alcançar boas vendas e sobreviver da atividade de escritor. Essa foi a razão
que o levou a produzir segundo os padrões do público e dos editores.
III.O Mulato é considerado o livro introdutor do Naturalismo no Brasil. Nele,
Aluísio enfoca a exploração do trabalho escravo.
IV. Este autor foi um excelente criador de tipos e ambientes. Adepto das
concepções deterministas, procurou justificar o comportamento de seus
personagens a partir da influência hereditária e da análise psicológica.
V.O Cortiço é considerado por muitos críticos a melhor obra de Aluísio. Nele,
as figuras humanas são descritas como se fossem animais, num processo de
zoomorfização, que busca mostrar a ação degradante do meio sobre os
indivíduos.

Estão corretas somente as afirmações:


a) I, III e VI
b) I, II e VI
c) I, II e V
d) I,II, IV, V
e) I, II, IIIIV e V

09. (UEM) Leia o fragmento a seguir e assinale o que for correto.


"Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e
bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa
sofreguidão de gozo carnal num requebrado luxurioso que a punha ofegante; já
correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer
toda, como se se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que
se não toma pé e nunca se encontra fundo.
[...]
O chorado arrastava-os a todos, despoticamente, desesperando os que não
sabiam dançar. Mas, ninguém como a Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o
mágico segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles
requebros que não podiam ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem
aquela voz doce, quebrada, harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante."
(Aluísio Azevedo, O cortiço)
Ilharga: cada uma das partes laterais e inferiores do baixo-ventre.
Luxurioso: sensual, libidinoso.
Despoticamente: tiranamente.

01) Pode-se afirmar sobre Aluísio Azevedo: a) é autor de uma produção


literária heterogênea que comporta romances românticos, como Uma lágrima
de mulher e Casa de pensão, e romances naturalistas, como O cortiço e O
mulato; b) seus romances naturalistas, escritos sob a influência de Émile Zola e
de Eça de Queiroz, caracterizam-se pelo forte conteúdo social, em que são
constantes as denúncias de preconceitos racial e de classe, a ambição
desenfreada, os problemas morais e as injustiças e misérias sociais.
02) Pode-se afirmar sobre o estilo de época em que se enquadra o romance O
cortiço: a) a objetividade, uma de suas características mais importantes, é
implementada por meio da escolha de um narrador que se coloca de forma
imparcial e impessoal diante dos fatos narrados; b) a linguagem é mais simples
que a linguagem utilizada pelos adeptos do Romantismo: os períodos são
curtos, de compreensão mais imediata, visando atingir um público mais amplo.
04) Pode-se afirmar sobre as personagens que integram o romance O cortiço:
a) as situações apresentadas privilegiam menos os aspectos psicológicos das
personagens e mais suas características exteriores; b) a ação das
personagens são condicionadas a fatores naturais (temperamento, raça, clima)
e a fatores sociais e culturais (ambiente e educação), apresentando relação de
causa e efeito; trata-se da influência do determinismo, uma das teorias
científicas da época que fundamentava ideologicamente o Naturalismo.
08) Pode-se afirmar sobre esse fragmento: a) é bastante significativo no
conjunto da obra: mostra a dança da mulata Rita Baiana, responsável por
despertar em Jerônimo a paixão e o desejo, que o fazem abandonar a esposa
e os princípios lusitanos para viver com ela; b) retrata Rita Baiana como sendo
uma mulher rude, libidinosa, sem recato ou pudor, portanto de características
completamente diferentes daquelas peculiares às heroínas românticas,
construídas como sendo educadas, meigas, frágeis e recatadas.

10. (UEM) Assinale o que for correto em relação a O cortiço, à obra de seu
autor e ao momento estético de sua produção.
01) O Naturalismo, no Brasil, sob a ótica dos preconceitos provincianos, surgiu
como uma literatura imoral que, anticlerical, investia, entre outros aspectos,
contra o puritanismo sexual, contra o preconceito racial, permitindo novas
configurações da identidade sócio–cultural do país.
02) A obra literária de Aluísio de Azevedo pode ser estudada sob dois
enfoques: de um lado, alinham–se os folhetins e romances de padrão artístico
discutível e, geralmente, considerados produtos de baixo valor estético; de
outro, encontram–se romances marcados pela intensidade de seus conflitos,
reveladores de uma estrutura social problemática e decadente. A obra mais
representativa desse segundo enfoque é O cortiço.
04) "No confuso rumor que se formava, destacavam–se risos, sons de vozes
que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos,
cacarejar de galinhas. De alguns quartos saíam mulheres que vinham
dependurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à
semelhança dos donos, cumprimentavam–se ruidosamente, espanejando–se à
luz nova do dia". (O cortiço, p. 36)
No texto transcrito, o narrador, ao enfatizar a semelhança do cortiço a um
organismo vivo, aponta a coexistência indiferenciada entre homens e animais,
sugerindo a decadência do mundo racional e a conseqüente valorização do
universo puramente instintivo. O processo que identifica homens e bichos
reduz ambos a meros agentes de ruído.
08) A preocupação com a exploração exaustiva do real, em busca da
compreensão de sua verdade, faz da descrição um elemento importantíssimo
na organização da narrativa naturalista.
16) No Realismo–Naturalismo, as causas da intriga, os porquês das ações das
personagens devem estar explícitos. Assim, em O cortiço e Casa de pensão, a
causa que move os cordéis do enredo é, além da luta contra o preconceito
racial, a conquista do poder pela aquisição de bens.

11.A opção que indica sob que ponto(s) de vista as personagens são
descritas, no naturalismo, é:
a) ... físico e social.
b) ...psicológico e social.
c) ...social somente.
d) ...físico e psicológico.
e) ...físico, psicológico e social.

12. Associe as personagens de Casa de Pensão com aspersonagens do


caso Capistrano, acontecimento base para acriação do livro.
(1) Amâncio da Silva Bastos e Vasconcelos
(2) Amélia (Amelita)
(3) Mme. Brizard
(4) João Coqueiro (Janjão)
(5) Dr. Teles de Moura

( ) Dr. Jansen de Castro Júnior: advogado da família da moça.


( ) João Capistrano da Silva: estudante, acusado de sedução.Foi absolvido.
( ) D. Júlia Clara Pereira: mãe da moça e do rapaz, assassino. Éuma viúva,
dona da casa de pensão.
( ) Antônio Alexandre Pereira: irmão da moça Júlia Pereira eassassino de João
Capistrano. Foi também absolvido.
( ) Júlia Pereira: a moça seduzida, pivô da tragédia.

RESPOSTA: 5 – 1 – 3 – 4 - 2

13. “Acho apenas que devia estender a sua teoria até o estudode certas
ciências... como a Medicina... Sim! (...)”. A partir dessetrecho do livro
Casa de Pensão, revela-nos que o autor observa:
a) que naquele momento, ou seja, no século XIX, estavamarcado pelo apogeu
da ciência. Todas as ciências ganharamimportância social. Só era levado em
consideração aquilo quepudesse ser provado pelas teorias e hipóteses
observáveis pelaciência.
b) que naquele momento, ou seja, no século XVIII, estavamarcado pelo apogeu
da ciência. Todas as ciências ganharamimportância social. Só era levado em
consideração aquilo quepudesse ser teorizado pelas filosofias ou hipóteses
observáveispela ciência.
c) a importância do aprofundamento intelectual por parte de cadaindivíduo
como forma de ascensão social e base paracapitalismo. Isso é retratado no
livro pelo interesse de JoãoCoqueiro pela medicina.
d) a importância do aprofundamento intelectual por parte decada indivíduo,
característico do Naturalismo, como forma deascensão social e base para
capitalismo. Isso é retratado no livropelo interesse de Amâncio Vasconcelos
pela medicina e suabusca pela faculdade no Rio de Janeiro para a sua
formação tãodesejada.
e) a critica feita à Ciência, uma vez que o que vigorava na épocaera o estudo
da Filosofia. Assim, o campo científico não tinhavalor. Todas as correntes
científico-filosóficas surgidas no séculoXIX, principalmente o Determinismo, são
criticadas no livro Casade Pensão

14. No trecho:“O mestre, um tal Antônio Pires, homem grosseiro,bruto, de


cabelo duro e olhos de touro, batia nas crianças porgosto, por um hábito do
ofício. Na aula só falava a berrar, comose dirigisse uma boiada. Tinha as mãos
grossas, a voz áspera, acatadura selvagem ; e quando metia para dentro um
pouco maisde vinho, ficava pior.”, revela-nos uma característica
fundamentaldos textos naturalistas:
a) A introspecção psicológica na descrição dapersonagem.
b) A comparação entre personagens com animais, aantropozoomorfização.
c) A descrição das personagens sem mostrar seusdefeitos físicos.
d) As qualidades dadas às personagens nunca são ruins.
e) Retoma os ideais românticos quanto à descrição.

15. “Desde esse instante, todo o sentimento de justiça e dehonra que Amâncio
possuía, transformou-se em ódio sistemáticopelos seus semelhantes. Ficou
fazendo um triste juízo doshomens.
- Pois se até seu próprio pai, diretamente ofendido na questão,abraçara a
causa do mais forte!...”

A partir do trecho acima, julgue em verdadeiro (V) ou falso (F)


asproposições a seguir:
I. A reflexão feita, surge após as palmatoadas queAmâncio recebe do professor
Pires.
II. Amâncio decepciona-se com sua mãe, pois ela o castiga após ter
desrespeitado oProfessor Pires.
III. O menino despreza a figura paterna, a partir domomento em que ele
“abraçara a causa do mais forte!...”
IV. O fato modifica profundamente o seu caráter e visão demundo, marcando
na obra uma das teses naturalistas: o homemé um produto do meio.
V. Para Amâncio, a figura paterna não perdeu o seu valor;aumentou, quando
este apoiou o professor Pires, pois o meninosabia que tudo aquilo era para a
formação de seu caráter.

A sequencia correta é:
a) F / F / V / F / V
b) V / F / V / F / V
c) V / F / V / V / F
d) F / V / F / F / F
e) F / F / V / V / F

16. “O quarto respirava todo um ar triste de desmazelo e boêmia.Fazia má


impressão estar ali: o vômito de Amâncio secava-se nochão, azedando a
ambiente; a louça, que servira ao últimojantar, ainda coberta de gordura
coalhada, aparecia dentro deuma lata abominável, cheia de contusões e
comida deferrugem”. A característica naturalista predominante nessetrecho
é:
a) Predileção por temas escabrosos;
b) Denúncia da sociedade burguesa;
c) Linguagem crua, chocante, sensorial e direta;
d) Legitimação do discurso literário pelo científico;
e) Determinismo.

17. “Na Casa de Pensão, tudo gira em torno da cupidez dacarne ou dodinheiro,
inoculada em todas as personagens pelaherança mórbida ou pela sociedade".
A partir da citação acima, pode-se concluir que:
a) Um dos fatores decisivos na corrupção final de Amâncioé o dinheiro fácil
com que ele se engolfa em farras e boêmias ese afasta dos livros;
b) Amâncio aparece sempre condicionado e pré-determinado para o seu final
trágico, por causa doextremo sensualismo É o erótico que Amâncio
consegueconquistar até a mulher de seu protetor, o Campos.
c) O autor aprofunda o seu estudo na psicologia demassa, e apresenta, com
bastantes detalhes um quadrointeressante e válido dos movimentos de massa.
d) Amâncio não se preocupa em ganhar dinheiro no Riode Janeiro, mas
apenas em estudar e se tornar um bomprofissional.
e) Tudo parte da filosofia positivista, onde o homem serevela a partir do meio
em que vive, do momento em que seencontra e por sua herança genética.

18. Sobre a linguagem de Casa de Pensão:


a) pode-se afirmar que predomina a linguagem regional.
b) não pode-se dizer que a lingua(gem) do romanceé regionalista; pelo
contrário, o padrão da língua usada é geral eo torneio frasal, a estrutura morfo-
sintática é completamente fielaos padrões da velha gramática portuguesa.
c) não existe imitação no modo de falar do português europeu.
d) a linguagem regionalista está presente em toda a obra, pois,trata-se da
mudança de um personagem da região Nordestepara o Sul do Brasil, o que
interfere na sua comunicação.
e) a linguagem do livro é científica, pois a obra é Naturalista, ecom pouco teor
literário.

19. Em Casa de Pensão, os personagens, na sua totalidade, sãoretratados


sob o ângulo patológico: são casos anormais. Aalternativa que não
condiz com essa característica é:
a) Amâncio aparece como um super-excitado sexualmente,condicionando
proximamente pelo ambiente da casa de pensãoe remotamente pelo sangue e
pela educação;
b) Mme. Brizard e Coqueiro se apresentam como gananciosos aponto de
fazerem negócio à base da cunhada e irmã;
c) Nini sofre de crises agudas de loucura histérica,estrebuchando e caindo
diante de Amâncio. Lúcia e o marido semostram também tipos esquisitos, ela
pelo sexo e ele porestranho alheamento;
d) Amélia também se mete, de cambulhada, nessa enxurrada desujeiras
tentando um bom negócio de sexo e dinheiro... A própriaD. Hortênsia, mulher
do Campos, manifesta sinais deinsatisfação sexual: apesar das negativas
iniciais diante daspropostas;
e) Amélia é descrita em determinado momento comoencantadora. Vestida de
um fustão branco, sarapintado depequenas flores cor-de-rosa. O cabelo, denso
e castanho,prendia-se-lhe no toutiço por um laço de seda azul,formando
umgrande molho flutuante, que lhe caía elegantemente sobre ascostas.

20. Sobre o livro Casa de Pensão, veja as proposições:


I. Amâncio só mantém relações amorosas com Amélia;
II. Existe uma afeição amorosa entre Amâncio e a Sra.Hortênsia;
III. Janete, irmã de um dos seus colegas de faculdade, é ogrande amor de
Amâncio;
IV. D. Ângela é retratada muitas vezes como uma mulhersensual;
V. Existe uma afeição amorosa entre Lúcia e Amâncio.

Está(ao) correta(s):
a) I, III e VI
b) II, IV e V
c) II e V
d) V
e) III, IV e V

21. Dê a soma dos itens corretos:


(01) O narrador-observador, em 3ª pessoa, intercala fatos jáacontecidos com
comentários próprios sobre as ações daspersonagens; em algumaspassagens
esses ‘comentários’ semanifestam com linguagem bastante irônica.
(02) O protagonista, Amâncio, acadêmico de medicina no Rio deJaneiro, evita
com veemência dedicar-se à leitura dos textoscientíficos, mas lê romances de
José de Alencar e desejaproduzir poesias byronianas,
(04) Não há preocupação em descrever o cotidiano deagrupamentos humanos,
porque a motivação deste enredo sebaseia em um fato verídico que abalou o
Rio de Janeiro em1876, conhecido como a “Questão Capistrano”.
(08) Amâncio esbofeteia um colega de classe, sendo por isto severamente
castigado.Este fato modifica profundamente o seu caráter e visão demundo,
marcando na obra uma das teses naturalistas: o homemé um produto do meio.
(16) A carta do velho Vasconcelos, recebida por Amâncio napensão,
desencadeia uma reação extremamente emotiva norapaz, até então movido
por um profundo desprezo pela figurapaterna, decidindo, em seguida, deixar a
Corte para rever seus pais.
(32) O senhor Campos prepara-se para ajudar o seu protegido,mas Coqueiro
lhe faz chegar às mãos uma cartacomprometedora que Amâncio escrevera à
sua senhora, D.Hortênsia. E se coloca contra quem não soube respeitar nem a
sua casa.

22. O romance Casa de pensão, de Aluísio Azevedo, é tradicionalmente


considerado como pertencente à estética naturalista.
A esse respeito, é CORRETO afirmar:
a. As personagens são sempre remanescentes do meio rural e encontram-se
desajustadas pelos vícios herdados da vida no campo.
b. A heroína do romance é concebida como um ser angelical e ao mesmo
tempo demoníaco, resgatando, no final do século XIX, as convenções do amor
cortês.
c. O narrador apresenta-se claramente na primeira pessoa do singular,
justificando, assim, o privilégio que o Naturalismo atribui ao individualismo.
d. O meio social é preponderante, visto que sua influência é decisiva na
conduta e na formação do caráter das personagens, haja vista a lascívia que
domina o protagonista da obra.
e. A família é apresentada como uma entidade sagrada, protegida dos riscos
iminentes que determinados comportamentos desviantes podem provocar.

23. Assinale o texto que, pela linguagem e pelas idéias, pode ser
considerado como representante da corrente Naturalista.
a. "... essa noite estava de veia para a coisa; estava inspirada; divina!
Nunca dançara com tanta graça e tamanha lubricidade! Também cantou.
E cada verso que vinha de sua boca [...] era um arrulhar choroso de
pomba no cio. E [...], bêbado de volúpia, enroscava-se todo ao violão; e
o violão e ele gemiam com o mesmo gosto, grunhindo, ganindo, miando,
com todas as vozes de bichos sensuais, num desespero de luxúria que
penetrava até ao tutano com línguas finíssimas de cobra."
b. "Na planície avermelhada dos juazeiros alargavam duas manchas
verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e
famintos, [...] Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos
juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala."
c. "vivia longe dos homens, só sedava bem com animais. Os seus pés
duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra. Montado,
confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem
cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia."
d. "Do seu rosto irradiava singela expressão de encantadora ingenuidade,
realçada pela meiguice do olhar sereno [...] Ao erguer a cabeça para
tirar o braço de sob o lençol, descera um nada a camisinha de crivo que
vestia, deixando nu um colo de fascinadora alvura, em que ressaltava
um ou outro sinal de nascença."
e. "Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. A
pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou
parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas
palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos,
descansando sobre a espenda da sela."
24. “Defronte dele, com uma gravidade oficial, empilhavam-se grandes livros de
escrituração mercantil. Ao lado, uma prensa de copiar, um copo d água, sujo
de pó, e um pincel chato; mais adiante, sobre um mocho de madeira preta,
muito alto, via-se o Diário deitado de costas e aberto de par em par. Tratava-se
de fazer a correspondência para o Norte. Mal, porém, dava começo a uma
nova carta, lançando cuidadosamente no papel a sua bonita letra, desenhada e
grande,[...] (p.01) ”

Nesse trecho do livro Casa de Pensão, podese afirmar que:


a) existe um desprezo pela técnica descritiva.
b) predomina a descrição sobre a narração no trecho “Tratava-se de fazer a
correspondência para o Norte.”
c) é clara na passagem “Ao lado, uma prensa de copiar, um copo d’ água, sujo
de pó, e um pincel chato” a presença da zoomorfização.
d) o fragmento é revestido pela técnica narrativa descritiva, característica
marcante nos textos Realistas/Naturalistas.
e) predomina a narração sobre a descrição no trecho “Ao lado, uma prensa de
copiar, um copo d água, sujo de pó, e um pincel chato”.

RELATO DE UM CERTO ORIENTE


MILTON HATOUM
1. DADOS DO AUTOR
Nasceu em Manaus, AM, em 19/081952. Professor, tradutor,
contista e romancista colecionador de prêmios literários. Até o
momento todos os seus livros são premiados: Relato de um
certo Oriente (1990); Dois irmãos (2000); e Cinzas do norte
(2005) receberam o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do
Livro, como melhores romances do ano, sendo que o último
recebeu também o Prêmio Portugal Telecom Literatura. São
livros que já venderam mais de 200 mil exemplares e foram
traduzidos em oito paises. Sobre o livro mais recente: Órfãos
do Eldorado (2008) ainda não temos noticia de premiação, mas
já foi eleito pelo publico, vendendo mais de 10 mil exemplares
logo após o lançamento. Em suas obras, o autor costuma falar
de lares desestruturados com uma leve tendência política.
Quanto ao estilo, é conhecido por misturar experiência e
lembranças pessoais com o contexto sócio-cultural da Amazônia e do Oriente. Sobre o
primeiro livro, assim ele explica: "No Relato de um certo Oriente há um tom de confissão, é um
texto de memória sem ser memorialístico, sem ser autobiográfico; há, como é natural,
elementos de minha vida e da vida familiar. Porque minha intenção, do ponto de vista da
escritura, é ligar a história pessoal à história familiar: este é o meu projeto. Num certo momento
de nossa vida, nossa história é também a história de nossa família e a de nosso país (com
todas as limitações e delimitações que essa história suscite)”. Descendente de imigrantes
libaneses, o autor já morou em diversas cidades, além de Manaus, sua fonte de inspiração.
Aos 15 anos muda-se para Brasília, onde concluiu os estudos secundários, e depois para São
Paulo, onde se fez Arquiteto pela USP. Em 1980 mudou-se para a Espanha como bolsista do
Instituto Iberoamericano de Cooperación. Em seguida passa a viver em Paris onde fez sua pós-
graduação na Universidade de Paris III. Retorna à Manaus, onde passa a lecionar literatura
francesa e brasileira. Em fins da década de 1990 volta à São Paulo para concluir seu
doutoramento em Teoria Literária na USP, onde se encontra estabelecido.
http://www.tirodeletra.com.br/biografia/MiltonHatoum.htm
2. OBRAS DO AUTOR
• Relato de um Certo Oriente (romance), 1989.
• Dois Irmãos (romance), 2000.
• Cinzas do Norte, 2005
• Orfãos do Eldorado, 2008

3. CARACTERÍSTICAS DA OBRA
TEMPO NARRATIVO
Relato de um certo Oriente, primeiro romance de Milton Hatoum, se
passa nas primeiras décadas do século XX. O fio condutor da narrativa se
movimenta num fluxo de lembranças que não se colocam na ordeira da
linearidade, mas sim, na da sucessão fragmentária, mais peculiar à linha de
um tempo psicológico que à da construção de uma narrativa em flashback.

NARRADOR (ES)
O título do romance remete-nos à interação entre o contar e o ouvir,
reciprocidade dialógica que se efetiva pela magia de um narrador que nos
conta parte de sua história de vida, ouvindo-a, em grande parte, de outros
narradores
As primeiras páginas reforçam a sensação de estarmos entrando, com
um narrador inominado, num universo de lembranças que ele pretende
compartilhar com o irmão que se encontra em Barcelona. Não em forma de
monólogo, como poderia acontecer num livro de memórias autobiográficas,
mas em tom de diálogo, esse narrador em primeira pessoa, ao comunicar-
se com o irmão distante, e ao dar voz a outros narradores, abre um leque de
diferentes vozes, que se efetivam através do discurso indireto livre,
favorecendo a presentificação do passado e uma melhor percepção desse nar-
rador, que é também um ouvinte atento.
Assim, em Relato, a narradora passa a palavra a Tio Hakim, que, por
sua vez, introduz o discurso de Dorner, o fotógrafo, que introduz o relato do
marido de Emilie, e, assim, de narrador em narrador, forma-se um elo
narrativo que vai revelando a saga da protagonista, de sua família e amigos,
num movimento vagaroso que convém ao exercício da recuperação de
lembranças do passado.

ESPAÇO
A tropical Manaus, com suas mangueiras, seus casarões, seus barcos
que transitam pelo grande rio, cidade flutuante que adentra os mistérios da
floresta, é o espaço físico que abriga a loja Parisiense e o sobrado de Emilie,
núcleos espaciais do romance

PERSONAGENS PRINCIPAIS
Uma família de imigrantes libaneses que transportaram, do Oriente
para esse novo espaço, seus costumes e suas tradições, sua culinária,
religião, forma de ver e de perceber a vida que, no Brasil, mesclaram-se aos
costumes locais, sem, contudo, perderem a marca da terra natal: Oriente
plantado em novas terras, revivido na prática, em muitas situações, mas
recriado do imaginário, em outras tantas.
No entanto, dentre estas vozes a que mais ecoa é a da matriarca
Emilie, mulher que protege em segredo a dor de suas lembranças, e que
mantém um conflito religioso com seu marido, homem generoso e que gostava
da solidão, mas que não aceitava a religiosidade católica da mulher, preferindo
manter-se ligado às suas tradições orientais.
Simbolizando um elo entre o Amazonas e o Líbano está o tio Hakim,
filho mais velho de Emilie que nasce em terras brasileiras, sendo por isso o
escolhido para aprender a língua árabe, porém em Hakim esta língua materna
lhe causa estranhamento, e embora fique fascinado pela forma da escrita
árabe afirma o seguinte, "embora familiar, soava como a mais estrangeira das
línguas estrangeiras" (p. 50). Tal reconhecimento é na verdade o embate de
sentir-se estrangeiro dentro do próprio cerne familiar, fazendo parte de um
universo híbrido, ou melhor, de um outro oriente.

ENREDO
Ao retornar a Manaus, a narradora parece ter ido em busca da re-
memoração de valores como família e solidariedade, entre outros, que não só
contribuíram para sua mundividência, mas também foram constitutivos da visão
de mundo de seu irmão, a quem relata o que está ali vivenciando, espaço que
a faz reviver, na imaginação, o cenário e o ambiente de sua infância e
adolescência.
Em Relato de um certo Oriente, uma mulher visita a cidade de sua
infância depois de ter passado quase 20 anos fora. E, a partir dos
acontecimentos que se desenrolam após sua chegada, ela vai relembrando e
descobrindo histórias do seu passado e da família que a criou.
Ao retornar a Manaus, após ter permanecido internada em uma clínica
de repouso em São Paulo, a narradora chega justamente na noite que precede
o dia da morte de Emilie, sua mãe adotiva.
Inicia-se, então, um outro trabalho, o de recuperar Emelie através da
memória, não apenas a sua, mas também a de outros personagens que
entrelaçaram seu percurso de forma significativa ao daquela família: o filho
mais velho, o único a aprender o árabe e que também irá se distanciar de
todos, ao mudar-se para o sul; o alemão Dorner, amigo da família e fotógrafo;
o marido de Emelie, recuperado, mesmo depois de morto, através da memória
de Dorner, e Hindié Conceição, amiga sempre presente, a partilhar com a
conterrânea a solidão da velhice. Muitas vozes a compor um mosaico, nem
sempre ordenado, nem sempre claro naquilo que revela, mas sobretudo rico
em pequenos detalhes de extrema significação.
No intuito de enviar uma carta ao irmão, que se encontra em Barcelona,
a fim de lhe revelar a morte de Emilie, acaba escrevendo um relato com
depoimento de membros da família e de amigos, conforme o irmão lhe
pedira na última correspondência que lhe enviara. Esses testemunhos
proporcionam uma verdadeira viagem à memória, com regresso à infância e
aos fatos marcantes da vida familiar.
Logo no primeiro capítulo, a narradora nos descreve uma parte da casa
na qual acabara de acordar, em Manaus. A descrição das duas salas
contíguas é repleta de marcas identificatórias do Oriente, indicando uma
representação estilizada desse território: tapete de Isfahan, elefante indiano e
reproduções de ideogramas chineses são alguns dos objetos de consumo dos
ocidentais, tomados como símbolos, que estão presentes nos cômodos.
Em Relato de um certo Oriente as histórias falam das possibilidades e
das dificuldades do trabalho com a memória, das tensões e da convivência de
culturas, religiões, línguas, lugares, sentimentos e sentidos diferentes das
personagens em relação ao mundo. A casa de Emilie, matriarca da família na
narrativa do Relato, é um microcosmo onde estas tensões aparecem e são
vividas cotidianamente.
O que mantêm a tensão no romance é a narrativa centrada em
incidentes – o atropelamento de Soraya Ângela, o afogamento de Emir.

4. TEMAS DA OBRA
FAMÍLIA: Relato de um certo Oriente debruça-se sobre um tema bastante
comum: a família e seus dramas. A procura por mostrar as dificuldades
presentes na convivência diária de familiares e amigos entre si, com seus
diferentes segredos e comportamentos, faz deste um grande enredo.

MEMÓRIA: o romance mostra que o refúgio da memória é a interioridade


do indivíduo, reduzido e isolado na sua própria história, quase que
incomunicável com outro mundo que não seja o dele. A memória, a
identidade e a reconstituição de lembranças são os temas deste romance. A
personagem protagonista de Relato de um certo Oriente consegue, por meio
da rememoração de seu passado e com a ajuda das lembranças de outros,
enriquecer sua vida, dar sentido e valor à sua origem.
Em Relato de um Certo Oriente a (re)construção do passado é
interessante, pois a narradora utiliza de diferentes recursos para reanimá-lo.
Seja um odor, seja uma voz, seja um lugar, não importa. Esses e outros
recursos serão utilizados como modos de recuperar a memória perdida.

TRADIÇÃO ORAL: A obra é um relato composto de outros relatos


(metarrelatos), distribuídos em oito capítulos, os quais se assemelham ou
resgatam a forma oral do narrar, em que uma história é evocada para
completar outras à medida que é um ou outro narrador quem detém a posse de
certa informação que vai esclarecer uma outra apontada anteriormente, ou
outra que ainda virá. Fala-se em narrativa de encaixe porque se vão reunindo
pequenos relatos para que o todo seja/esteja completo.

HIBRIDISMO CULTURAL: A trama se passa numa cidade marcada pelo


hibridismo cultural e atravessada pelas idéias de fronteira e trânsito: Manaus,
uma capital que se separa da floresta pelas águas fluviais e se situa num
estado que faz divisa com três outros países. Ela também é a cidade natal do
escritor. No livro também estão presentes a diversidade de costumes,
línguas, e a convivência entre indivíduos de diferentes nacionalidades.
FONTES: http://www.passeiweb.com/estudos/livros/relato_de_um_certo_oriente

5. ANÁLISE DE "RELATO DE UM CERTO ORIENTE"


Andréa Francisca da Luz
O romance conta episódios de uma história que se inicia em Manaus no
final do século 19, e termina em anos mais recentes. Tal obra recupera a
tradição oral das "Mil e uma noites", onde o contador de histórias narra fatos e
experiências passadas, sendo sua tessitura pautada pela reconstrução da
memória que visa preencher as lacunas do esquecimento, bem como serve
para atualizar o próprio discurso histórico-literário.
O processo de relembrar é como o encontro de alguém que após vários
anos de ausência volta para casa, mas observa que embora a casa seja a
mesma lhe é um objeto estranho porque este alguém também é outro, o que é
justificável porque "no processo de rememorar ocorre um esforço de
reordenação das imagens passadas condicionadas pelo presente do
sujeito"[1]. Há na narrativa um vislumbramento onde cada objeto passa a ter
um significado maior caracterizando uma consciência exótica da alteridade,
onde o tempo será a grande metáfora da vida.
Em "Relato de um certo Oriente", a personagem principal, que não é
nomeada, relembra fatos de sua infância ao escrever uma carta para seu irmão
que mora em Barcelona, na Espanha. Essa narradora-testemunha busca
recompor o passado através da memória, porém numa atuação coadjuvante,
pois a mesma era impossibilitada de agir dentro deste passado, uma vez que
não era reconhecida "oficialmente" pela família, daí o motivo de sua ida para
São Paulo favorecida pelo marido de Emilie, e de sua internação em uma
clínica psiquiátrica. Voltar para Manaus após este período de internação
significava recompor o próprio Eu, que fora fragmentado pela ilusão de se ter
um modelo tradicional de família, desejo que a narradora não teve o privilégio
de usufruir quando criança.
Como todo contador de histórias, a protagonista enfatiza tanto os objetos
e a decoração da casa, servindo estes de elementos sinestésicos que
conduziriam ao passado, como é o caso do relógio de parede adquirido por
Emilie, como sobressaltar os fatos que mais marcaram sua infância, como o
acidente com sua prima Soraya Ângela, em que o acidente é narrado como a
parte mais dolorosa de suas lembranças.
A tessitura da obra entrelaça dois universos mnemônicos da
protagonista: o exotismo da natureza amazônica e o orientalismo libanês
de sua família, ambos compondo as múltiplas vozes que povoavam a infância
da personagem, criando desta forma um "certo oriente", que não é mais o
oriente libanês da família de Emilie, mas um novo oriente, o oriente imaginado
pela personagem, onde Trípoli e Manaus são análogas porque ambas se
guiam no tempo através da claridade solar e da movimentação do dia.
A descrição de um ambiente com traços orientais se espraia por todo o
texto, sendo o já referido relógio de parede aquele que mais é retomado na
narrativa. O próprio relógio serve de objeto de fascínio de Soraya Ângela que
fixava o olhar neste observando o transcorrer do tempo. Mesmo para Emilie
que não era guiada pelo tempo, o relógio tinha a função de ligá-la com seu
passado num momento de silêncio e meditação, sendo este objeto o
representante de sua existência na história. Afora esses objetos que remete a
"um certo oriente", há também na narrativa alusão acerca do misticismo
árabe, como o fato de ler o destino no fundo da xícara de café, e a utilização
de palavras em francês simbolizando a influência desta língua no mundo árabe.
Admirador da obra de Jorge Luis Borges, a qual teve seu primeiro
contato quando cursou algumas disciplinas do curso de Letras da USP, Milton
Hatoum mirando-se na linguagem borgeana que combina imaginação e
exatidão, ou exatidão na imaginação, busca em sua obra a reconstrução de um
novo Oriente através do diálogo entre culturas e da inovação da linguagem.
Assim como Borges que ao comentar algumas traduções das "Mil e uma
noites" critica o orientalismo e reinventa algumas noites, que são ao mesmo
tempo orientais e borgeanas, Milton Hatoum reinventa o Líbano, sendo este
oriental e ocidental ao mesmo tempo, ou como afirma o próprio Milton acerca
das vozes que reconstroem este oriente, "Mas essa voz é também plural:
diálogo de vozes entre narradores do Ocidente e do Oriente que me ajudaram
a inventar, ao longo de vários anos, uma história de um certo oriente". Porém,
tal história só terá significação quando o leitor, através da leitura, realiza uma
elaboração produtiva do texto, e faz com que a obra torne-se um outro com o
qual necessariamente ele estabelece um diálogo.

6. TRECHOS DA OBRA
Quando abri os olhos, vi o vulto de uma mulher e o de uma criança. As
duas figuras estavam inertes diante de mim, e a claridade indecisa da manhã
nublada devolvia os dois corpos ao sono e ao cansaço de uma noite mal
dormida. Sem perceber, tinha me afastado do lugar escolhido para dormir e
ingressado numa espécie de gruta vegetal, entre o globo de luz e o
caramanchão que dá acesso aos fundos da casa. Deitada na grama, com o
corpo encolhido por causa do sereno, sentia na pele a roupa úmida e tinha as
mãos repousadas nas páginas também úmidas de um caderno aberto, onde
rabiscara, meio sonolenta, algumas impressões do vôo noturno. Lembro que
adormecera observando o perfil da casa fechada e quase deserta, tentando
visualizar os dois leões de pedra entre as mangueiras perfiladas no outro lado
da rua.

A mulher se aproximou de mim e, sem dizer uma palavra, afastou com o


pé uma boneca de pano que estava entre o alforje e o meu rosto; depois
continuou imóvel, com o olhar perdido na escuridão da gruta, enquanto a
criança apanhava o corpo de pano e, correndo em ziguezague, alcançava o
interior da casa. Eu procurava reconhecer o rosto daquela mulher. Talvez em
algum lugar da infância tivesse convivido com ela, mas não encontrei nenhum
traço familiar, nenhum sinal que acenasse ao passado. Disse-lhe quem eu era,
quando tinha chegado, e perguntei o nome dela.- Sou filha de Anastácia e uma
das afilhadas de Emilie - respondeu.

Com um gesto, pediu para eu entrar. Já havia arrumado um quarto para


mim e preparado o café da manhã. A atmosfera da casa estava impregnada de
um aroma forte que logo me fez reconhecer a cor, a consistência, a forma e o
sabor das frutas que arrancávamos das árvores que circundavam o pátio da
outra casa. Antes de entrar na copa, decidi dar uma olhada nos aposentos do
andar térreo. Duas salas contíguas se isolavam do resto da casa. Além de
sombrias, estavam entulhadas de móveis e poltronas, decoradas com tapetes
de Kasher e de Isfahan, elefantes indianos que emitiam o brilho da porcelana
polida, e baús orientais com relevos de dragão nas cinco faces. A única parede
onde não havia reproduções de ideogramas chineses e pagodes aquarelados
estava coberta por um espelho que reproduzia todos os objetos, criando uma
perspectiva caótica de volumes espanados e lustrados todos os dias, como se
aquele ambiente desconhecesse a permanência ou até mesmo a passagem de
alguém. A fachada de janelões de vidro estava vedada por cortinas de veludo
vermelho; apenas um feixe de luz brotava de um pequeno retângulo de vidro
mal vedado, que permitia a incidência da claridade. Naquele canto da parede,
um pedaço de papel me chamou a atenção. Parecia o rabisco de uma criança
fixado na parede, a pouco mais de um metro do chão; de longe, o quadrado
colorido perdia-se entre vasos de cristal da Bohemia e consolos recapeados de
ônix. Ao observá-lo de perto, notei que as duas manchas de cores eram
formadas por mil estrias, como minúsculos afluentes de duas faixas de água de
distintos matizes; uma figura franzina, composta de poucos traços, remava
numa canoa que bem podia estar dentro ou fora d'água. Incerto também
parecia o seu rumo, porque nada no desenho dava sentido ao movimento da
canoa. E o continente ou o horizonte pareciam estar fora do quadrado do
papel.

Foi nesse instante que a coisa aconteceu com uma precisão incrível; mal
posso afirmar se houve um intervalo de um átimo entre as pancadas do relógio
da copa e o trinado do telefone. Os dois sons surgiram ao mesmo tempo , e
pareciam pertencer à mesma fonte sonora . A coincidência de sons durou
alguns segundos; no momento em que o telefone emudeceu, a criança
arremessou a cabeça da boneca de encontro às hastes do relógio, provocando
uma sequência de acordes graves e desordenados, como os sons de um piano
desafinado. As duas hastes ainda se chocavam quando ouvi a última pancada
do sino da igreja. Só então corri para atender o telefone, mas nada escutei,
senão ruídos e interferências. (2004, p. 12)

RESUMO DA OBRA “RELATO DE UM CERTO ORIENTE”, DE MILTON


HATOUM
Publicado 23 de agosto de 2017 | Por Célia Iarosz Frez
Relato de um certo Oriente, de 1989, é um relato composto de outros relatos
distribuídos em oito capítulos, os quais se assemelham ou resgatam a forma
oral do narrar, em que uma história é evocada para completar outras à medida
que é um ou outro narrador quem detém a posse de certa informação que vai
esclarecer uma outra apontada anteriormente ou outra que ainda virá.
A trama se passa numa cidade marcada pelo hibridismo cultural e
atravessada pelas idéias de fronteira e trânsito: Manaus, uma capital que se
separa da floresta pelas águas fluviais e se situa num estado que faz divisa
com três outros países. No livro também estão presentes a diversidade de
costumes, línguas, e a convivência entre indivíduos de diferentes
nacionalidades.
Uma mulher visita a cidade de sua infância depois de ter passado quase
20 anos fora, e a partir dos acontecimentos que se desenrolam após sua
chegada, ela vai relembrando e descobrindo histórias do seu passado e da
família que a criou. Ao retornar a Manaus, após ter permanecido internada em
uma clínica de repouso em São Paulo, a narradora chega justamente na noite
que precede o dia da morte de Emilie, sua mãe adotiva.
Inicia-se, então, um outro trabalho, o de recuperar Emelie através da
memória, não apenas a sua, mas também a de outros personagens que
entrelaçaram seu percurso de forma significativa ao daquela família: o filho
mais velho, o único a aprender o árabe e que também irá se distanciar de
todos, ao mudar-se para o sul; o alemão Dorner, amigo da família e fotógrafo; o
marido de Emelie, recuperado, mesmo depois de morto, através da memória
de Dorner, e Hindié Conceição, amiga sempre presente, a partilhar com a
conterrânea a solidão da velhice. Muitas vozes a compor um mosaico, nem
sempre ordenado, nem sempre claro naquilo que revela, mas sobretudo rico
em pequenos detalhes de extrema significação.
No intuito de enviar uma carta ao irmão, que se encontra em Barcelona,
a fim de lhe revelar a morte de Emilie, acaba escrevendo um relato com
depoimento de membros da família e de amigos, conforme o irmão lhe pedira
na última correspondência que lhe enviara. Esses testemunhos proporcionam
uma verdadeira viagem à memória, com regresso à infância e aos fatos
marcantes da vida familiar.
Logo no primeiro capítulo, a narradora nos descreve uma parte da casa
na qual acabara de acordar, em Manaus. A descrição das duas salas contíguas
é repleta de marcas identificatórias do Oriente, indicando uma representação
estilizada desse território: tapete de Isfahan, elefante indiano e reproduções de
ideogramas chineses são alguns dos objetos de consumo dos ocidentais,
tomados como símbolos, que estão presentes nos cômodos.
As histórias falam das possibilidades e das dificuldades do trabalho com
a memória, das tensões e da convivência de culturas, religiões, línguas,
lugares, sentimentos e sentidos diferentes das personagens em relação ao
mundo. A casa de Emilie, matriarca da família na narrativa do Relato, é um
microcosmo onde estas tensões aparecem e são vividas cotidianamente.O que
mantêm a tensão no romance é a narrativa centrada em incidentes – o
atropelamento de Soraya Ângela, o afogamento de Emir.
A obra, em sua estrutura e estratégia de composição, parece transitar e
oscilar entre a narração, em que a figura do narrador é extremamente
importante e o relato é feito principalmente com base nas tradições orais, como
uma tentativa de rememoração das experiências coletivas do passado, e o
romance, que apareceria como um gênero literário decorrente das
transformações da sociedade capitalista, que destrói cada vez mais a
possibilidade que a experiência comum viva e se revele no relato dos
narradores.

QUESTÕES
Leia o fragmento abaixo do romance de Milton Hatoum, Relato de
um certo Oriente, e responda às questões.
“[...] por detrás dos troncos, da folhagem que lambia a terra, fingindo
encontrá-la, aceitando absurdamente a hipótese de que ela teria ido ao pátio
ver os animais, banhar-se na fonte, pular a cerca do galinheiro e gesticular
furiosamente diante do poleiro para que, em pânico, as aves passassem do
sono à debandada caótica, soltando as asas, ciscando a terra e o ar,
debatendo-se, encurraladas entre a cerca instransponível e a figura lânguida
que com seus excessos de contorções sequer as ameaçava; mas essa
encenação matinal, presenciada com espanto e comiseração por todos nós,
talvez fosse uma festa [...]”.

01. Marque a alternativa correta. No enunciado “da folhagem que lambia a


terra” o autor apresenta uma figura de linguagem, utilizada para dar mais
literalidade ao romance. A figura empregada denomina-se:
a) pleonasmo.
b) personificação.
c) metonímia.
d) eufemismo.
e) hipérbole.
02. O trecho acima revela parte dos transtornos causados por uma cidade
ilhada por um rio e, também pela Floresta Amazônica, local em que morou
uma família de libaneses. Assinale o fragmento em que o narrador se
insere nos fatos narrados por ele.
a) “fingindo encontrá-la, aceitando absurdamente a hipótese”;
b) “ela teria ido ao pátio ver os animais, banhar-se na fonte”;
c) “presenciada com espanto e comiseração por todos nós, talvez fosse uma
festa”;
d) “em pânico, as aves passassem do sono à debandada caótica”;
e) “ciscando a terra e o ar, debatendo-se, encurraladas entre a cerca
instransponível”.

03. Identifique a alternativa correta. Essa personagem, que leva à


debandada as aves
do galinheiro porque gesticula furiosamente, é
a) Emilie.
b) Anastácia Socorro.
c) Samara Délia.
d) Soraya Ângela.
e) Hindiê Conceição
04. Assinale a alternativa correta sobre Relato de um certo Oriente seu
autor, Milton Hatoum.
a) Em Relato de um certo Oriente, após longos anos de ausência, parte dos
quais passada num hospital psiquiátrico, uma narradora não nominada, criada
sem mãe, retorna à casa da infância em Manaus, para o funeral dos avós.
b) A cada capítulo de Relato de um certo Oriente, um novo narrador toma a
palavra, dentre os quais o patriarca Hanna, primeiro a vir para o Brasil, antes
da Primeira Guerra Mundial; suas histórias misturam fatos reais e contos das
Mil e uma noites.
c) Aos dezesseis anos, Samara Délia foi mãe solteira de uma menina surda-
muda, que viveu poucos anos, condenando Samara a uma longa existência de
solidão e de renúncias.
d) Um exemplo de cristianismo no livro é Lobato, tio de Anastácia Socorro e
amigo pessoal da narradora.
e) Além de Relato de um certo Oriente, Milton Hatoum publicou também as
obras Dois irmãos e Lavoura arcaica.

Texto para questão 05.


“Ela ensinava sem qualquer método, ordem ou sequência. Ao longo
dessa aprendizagem abalroada eu ia vislumbrando, talvez intuitivamente, o
halo do ‘alifebata’, até desvendar a espinha dorsal do novo idioma: letras
lunares e solares, as sutilezas da gramática e da fonética que luziam em cada
objeto exposto nas vitrinas ou fisgado na penumbra dos quartos. (...) Passei
seis anos exercitando esse jogo especular entre pronúncia e ortografia (...)”.

05. Este fragmento de Relato de um certo Oriente faz parte do Capítulo 2,


no qual o narrador é o único filho de Emilie a aprender o árabe. Ele se
chama:
a) Hakim.
b) Dorner.
c) Tacumã.
d) Hanna.
e) Salim.

“Quando abri os olhos, vi o vulto de uma mulher e o de uma criança. As


duas figuras estavam inertes diante de mim, e a claridade indecisa da manhã
nublada devolvia os dois corpos ao sono e ao cansaço de uma noite mal
dormida. Sem perceber, tinha me afastado do lugar escolhido para dormir e
ingressado numa espécie de gruta vegetal, entre o globo de luz e o
caramanchão que dá acesso aos fundos da casa. Deitada na grama, com o
corpo encolhido por causa do sereno, sentia na pele a roupa úmida e tinha as
mãos repousadas nas páginas também úmidas de um caderno aberto, onde
rabiscara, meio sonolenta, algumas impressões do vôo noturno. Lembro que
adormecera observando o perfil da casa fechada e quase deserta, tentando
visualizar os dois leões de pedra entre as mangueiras perfiladas no outro lado
da rua”.

HATOUM, M. Relato de um certo Oriente. São Paulo: Companhia das Letras,


1989. (Fragmento)

06. (UFPA) Ao final da década de 80, o amazonense Milton Hatoum


surpreende o mundo das letras com a excelência de seu romance de
estréia, Relato de um certo Oriente, hoje traduzido para várias línguas.
Abaixo, encontram-se trechos de críticos e teóricos literários,
relacionados à obra em questão ou à narrativa em geral. Leia com
atenção o Texto 5 e selecione, abaixo, a alternativa que pode ser
corretamente associada a esse fragmento, no que concerne à narrativa:
(A) As complicações da narrativa são ainda mais intensificadas pelo encaixe de
histórias dentro de outras histórias, de modo que o ato de contar uma história
se torna um acontecimento na história [...] (CULLER, J. Teoria literária. uma
introdução. São Paulo: Beca Produções Culturais Ltda., 1999)
(B) Faz-se presente [...] uma linguagem que revela vacilos, titubeios, uma vez
que a narradora expõe sua dúvida na forma de organizar as vozes do passado.
(CHIARELLI, S. Vidas em trânsito; as ficções de Samuel Rawet e Milton
Hatoum. São Paulo: Annablume, 2007).
*(C) No caso do “eu” como testemunha, o ângulo de visão é, necessariamente,
mais limitado. [...] ele narra da periferia dos acontecimentos, não consegue
saber o que se passa na cabeça dos outros, apenas pode inferir, lançar
hipóteses, servindo-se também de informações, de coisas que viu ou ouviu [...]
(LEITE, L. O foco narrativo. São Paulo: Ática, 2000)
(D) [...] É possível que o reconhecimento de certas manifestações culturais
como sendo ou não literatura só seja possível quando o aparato crítico da
teoria da literatura bem como os procedimentos e valores da crítica se tenham
refinado o suficiente para uma (ainda que tênue) percepção da alteridade.
(LAJOLO, M. Regionalismo e história da literatura: quem é o vilão da história?.
In: FREITAS, M. (org.) Historiografia brasileira em perspectiva.
6. ed. São Paulo: Contexto, 2007)
(E) Essa concepção empenhada, quem sabe devida às circunstâncias da sua
vida, nos leva a perguntar de que maneira as suas convicções e sentimentos
se projetam na visão do homem e da sociedade, e em que medida afetam o
teor da sua realização como escritor. [...]. (CANDIDO, A. A educação pela noite
& outros ensaios. São Paulo: Ática, 1989)

07. (ENEM)
A lavadeira começou a viver como uma serviçal que impõe respeito e não mais
como escrava. Mas essa regalia súbita foi efêmera. Meus irmãos, nos
frequentes deslizes que adulteravam este novo relacionamento, geram
dardejados pelo olhar severo de Emilie; eles nunca suportaram de bom grado
que uma índia passasse a comer na mesa da sala, usando os mesmos talheres
e pratos, e comprimindo com os lábios o mesmo cristal dos copos e a mesma
porcelana das xícaras de café. Uma espécie de asco e repulsa tingia-lhes o
rosto, já não comiam com a mesma saciedade e recusavam-se a elogiar os
pastéis de picadinho de carneiro, os folheados de nata e tâmara, e o arroz com
amêndoas, dourado, exalando um cheiro de cebola tostada. Aquela mulher,
sentada e muda, com o rosto rastreado de rugas, era capaz de tirar o sabor e o
odor dos alimentos e de suprimir a voz e o gesto como se o seu silêncio ou a
sua presença que era só silêncio impedisse o outro de viver.
HATOUM. M. Relato de um certo Oriente. São Paulo: Cia das Letras, 2000.

Ao apresentar uma situação de tensão em família, o narrador destila,


nesse fragmento, uma percepção das relações humanas e sociais
demarcada pelo
a) predomínio dos estigmas de classe e de raça sobre a intimidade da
convivência.
b) discurso da manutenção de uma ética doméstica contra a subversão dos
valores.
c) desejo de superação do passado de escassez em prol do presente de
abastança.
d) sentimento de insubordinação à autoridade representada pela matriarca da
família.
e) rancor com a ingratidão e a hipocrisia geradas pelas mudanças nas regras
da casa.
É correta a opção [A], pois o incômodo provocado pela presença da índia
durante as refeições familiares derivava do preconceito de classe e de raça dos
irmãos do narrador relativamente à escrava que, embora fosse serviçal na casa
grande, se sentava à mesa com eles.

08. (UDESC) Assinale a alternativa correta em relação à obra Relato de um


certo Oriente, Milton Hatoum, e ao texto.
a) O uso do sinal gráfico da crase é opcional em “abafadas às vezes” (linha 6),
assimcomo em “davam lugar a confidências” (linhas 5 e 6).
b) Em “Os filhos de Emilie éramos proibidos de participar dessas reuniões”
(linhas 2 e 3)há a figura de linguagem chamada silepse de pessoa.
c) As palavras “áraque” (linha 2), “confidências” (linha 6), “lamúrias” (linha 6)
e“prenúncio” (linha 10) são acentuadas por serem paroxítonas terminadas em
ditongo.
d) Infere-se da leitura da obra, que o nome de Emir, filho mais novo de Emilie,
quasenunca era mencionado nos encontros familiares porque há muito
abandonara afamília, causando mágoa.
e).Infere-se da leitura da obra, que os empregados, principalmente as
mulheres, eramtratados com muita regalia, pois participavam de todos os
encontros e de todas asatividades festivas da família de Emilie.

09. (UDESC) Assinale a alternativa incorreta em relação à obra Relato de


um certo Oriente, Milton Hatoum, e ao texto.
a) Em relação ao tempo, tem-se a predominância do tempo psicológico, pois a
obra énarrada por meio das lembranças de uma narradora que busca se
encontrar.
b) Na narrativa, um dos momentos de tensão e uma das lembranças mais
dolorosas é orelato da morte prematura de Soraya Ângela, filha de Samara
Délia.
c) Em “dispersasse o ambiente festivo, arrefecendo os gestos dos mais
exaltados,chamando-os ao ofício que se inicia com a aurora” (linhas 8 a 10) os
vocábulosdestacados são, na morfologia, sequencialmente: artigo definido,
artigo definido,pronome oblíquo e artigo definido.
d) O romance é uma narrativa que traz à tona as lembranças familiares da
época em queEmilie e seus filhos viveram em Trípoli, no Oriente.
e) Em “como uma intrusa que silencia as vozes calorosas da noite” (linha 8) as
palavrasdestacadas podem ser substituídas por assim como e a qual,
respectivamente, semalteração de sentido do texto.

10. (UDESC) Analise as proposições em relação à obra Relato de um certo


Oriente, Milton Hatoum, e ao texto, e assinale (V) para verdadeira e (F)
para falsa.
( ) Em “eram alimentados pelas mãos de Emilie” (linha 13), a expressão
destacada é,sintaticamente, objeto indireto.
( ) Da leitura do período “arrefecendo os gestos dos mais exaltados” (linha 9),
infere-se queem todas as reuniões familiares havia muita discussão e muitas
brigas, ocasionadaspelos mais fanáticos que sempre envolviam o nome de
Deus nas suas exclamações.
( ) Em “assistiam “à agonia dos carneiros” (linha 12), a oração pode ser assim
reescrita:assistiam-lhe, e mantém-se a forma correta em relação à regência
verbal.
( ) No período “Mas, em algumas reuniões de sextas-feiras, o prenúncio da
manhã” (linhas10 e 11), a conjunção adversativa ressalta a linha argumentativa
e o argumento daoração em relação à antecedente: “que se inicia com a
aurora” (linha 10).
( ) A expressão destacada em “uma algazarra de alimárias” (linha 12) é,
morfologicamente,locução adverbial.
Assinale a alternativa correta, de cima para baixo.
a) V – F – V – F – F
b) F – F – F – V – V
c) V – V – F – F – F
d) F – F – F – F – F
e) V – F – V – V – F

11. (ENEM)
TEXTO I
Voluntário
Rosa tecia redes, e os produtos de sua pequena indústria gozavam de boa
fama nos arredores. A reputação da tapuia crescera com a feitura de uma
maqueira de tucum ornamentada com a coroa brasileira, obra de ingênuo
gosto, que lhe valera a admiração de toda a comarca e provocara a inveja da
célebre Ana Raimunda, de Óbidos, a qual chegara a formar uma fortunazinha
com aquela especialidade, quando a indústria norte-americana reduzira à
inatividade os teares rotineiros do Amazonas.
SOUSA, I. Contos amazônicos. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

TEXTO II
Relato de um certo oriente
Emilie, ao contrário de meu pai, de Dorner e dos nossos vizinhos, não tinha
vivido no interior do Amazonas. Ela, como eu, jamais atravessara o rio. Manaus
era o seu mundo visível. O outro latejava na sua memória. Imantada por uma
voz melodiosa, quase encantada, Emilie maravilha-se com a descrição da
trepadeira que espanta a inveja, das folhas malhadas de um tajá que reproduz
a fortuna de um homem, das receitas de curandeiros que veem em certas
ervas da floresta o enigma das doenças mais temíveis, com as infusões de
coloração sanguínea aconselhadas para aliviar trinta e seis dores do corpo
humano. “E existem ervas que não curam nada”, revelava a lavadeira, “mas
assanham a mente da gente. Basta tomar um gole do líquido fervendo para
que o cristão sonhe uma única noite muitas vidas diferentes”. Esse relato
poderia ser de duvidosa veracidade para outras pessoas, mas não para Emilie.
HATOUM, M. São Paulo: Cia. das Letras, 2008

As representações da Amazônia na literatura brasileira mantêm relação


com o papel atribuído à região na construção do imaginário nacional.
Pertencentes a contextos históricos distintos, os fragmentos diferenciam-
se ao propor uma representação da realidade amazônica em que se
evidenciam
a) aspectos da produção econômica e da cura na tradição popular.
b) manifestações culturais autênticas e da resignação familiar.
c) Valores sociais autóctones e influência dos estrangeiros.
d) formas de resistência locais e do cultivo das superstições.
e) costumes domésticos e levantamento das tradições indígenas.
Em ambos os textos há referências à atividade econômica dos personagens.
No primeiro, a tecelagem de redes é mencionada no relato das atividades de
Rosa e Raimunda (“Rosa tecia redes”, “Ana Raimunda, de Óbidos, a qual
chegara a formar uma fortunazinha com aquela especialidade”). No segundo,
são as atividades ligadas a medicinas alternativas que ganham importância na
representação da realidade amazônica (“trepadeira que espanta a inveja, das
folhas malhadas de um tajá que reproduz a fortuna de um homem”). Assim, é
correta a opção [A].

12. (UFSC 2015)


[...] Outras vezes, como naquela manhã, ela brincava com a boneca de pano
confeccionada por Emilie. Lembro-me perfeitamente do rosto da boneca; tinha
os olhos negros e salientes, umas bochechas de anjo, e se prestasses atenção
aos detalhes, verias que apenas as orelhas e a boca estavam sem relevo,
pespontadas por uma linha vermelha: artimanha das mãos de Emilie. Soraya
nunca largava a boneca; enfeitava-1lhe a cabeça com as papoulas 6que colhia,
oferecia-2lhe pedaços de frutas, dirigia-3lhe os mesmos gestos com a mão,
com o rosto, passava-4lhe água-de-colônia no corpo, acariciava-5lhe os
cabelos de palha ou arrancava-os num momento de fúria, montava com ela no
dorso das ovelhas e deitavam juntas, abraçadas. Foram dias de exaltação, de
descobertas. Soraya, 7que parecia uma sonâmbula assustada, começou a
abstrair; desenhava formas estranhas, geralmente sinuosas, na superfície de
pano 8que cobria a mesa da sala; reproduzia formas idênticas nas paredes,
nos mosaicos rugosos que circundavam a fonte, 9e na carapaça de Sálua onde
o nome de Emilie ainda não se apagara.
HATOUM, Milton. Relato de um certo Oriente. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 13.

Com base na variedade padrão escrita da língua portuguesa, na leitura do


texto, no romance Relato de um certo Oriente, lançado em 1989, e no
contexto de publicação desta obra, é CORRETO afirmar que:
01) o vocábulo “lhe” (refs. 1, 2, 3, 4 e 5) tem a mesma função sintática e o
mesmo referente em todas as ocorrências em que aparece destacado no texto.
02) a palavra “que”, em destaque nas referências 6, 7 e 8 do texto, poderia ser
substituída, sem que houvesse prejuízo do sentido, por “as quais”, “a qual” e “o
qual”, respectivamente.
04) o vocábulo destacado em “[...] e na carapaça de Sáluaonde o nome de
Emilie ainda não se apagara.” (ref. 9) foi utilizado no texto como elemento de
coesão e estratégia do autor para que não se repetisse, mais uma vez, o
vocábulo “que”, pois esta seria a palavra mais adequada para o contexto,
segundo a gramática normativa.
08) o excerto evidencia a relação íntima e afetuosa estabelecida entre Soraya e
sua boneca: renegada pela família materna desde a gestação, a menina só
verbaliza seus segredos diante do brinquedo.
16) o texto diz respeito a fatos que aconteceram repetidamente na vida da
menina, o que pode ser observado pelo uso de formas verbais como
“brincava”, “largava”, “enfeitava”, “dirigia”, “desenhava”, “cobria” e “reproduzia”,
entre outras.
32) Relato de um certo Oriente é um texto híbrido, soma de vozes dispersas
reproduzidas com rigor, como afirma a narradora, a filha adotiva de Emilie,
responsável pela metódica transcrição de depoimentos e relatos coletados em
entrevistas com parentes e amigos da família.
64) a obra evoca a problemática da imigração no processo de formação cultural
brasileiro, destacando a presença de árabes no Norte do Brasil. A Parisiense,
loja do marido de Emilie, evidencia a maneira como se fixaram, prosperaram,
enriqueceram e conseguiram superar o sentimento de deriva e deslocamento.
ÚLTIMOS CANTOS
GONÇALVES DIAS

1. DADOS DO AUTOR
Gonçalves Dias (Antônio G. D.), poeta,
professor, crítico de história, etnólogo, nasceu em
Caxias, MA, em 10 de agosto de 1823, e faleceu
em naufrágio, no baixio dos Atins, MA, em 3 de
novembro de 1864. É o patrono da Cadeira n. 15,
por escolha do fundador Olavo Bilac.
Era filho de João Manuel Gonçalves Dias,
comerciante português, natural de Trás-os-
Montes, e de Vicência Ferreira, mestiça.
Perseguido pelas exaltações nativistas, o pai
refugiara-se com a companheira perto de Caxias,
onde nasceu o futuro poeta. Casado em 1825
com outra mulher, o pai levou-o consigo, deu-lhe
instrução e trabalho e matriculou-o no curso de latim, francês e filosofia do prof.
Ricardo Leão Sabino. Em 1838 Gonçalves Dias embarcaria para Portugal,
para prosseguir nos estudos, quando faleceu-lhe o pai. Com a ajuda da
madrasta pôde viajar e matricular-se no curso de Direito em Coimbra. A
situação financeira da família tornou-se difícil em Caxias, por efeito da
Balaiada, e a madrasta pediu-lhe que voltasse, mas ele prosseguiu nos
estudos graças ao auxílio de colegas, formando-se em 1845.
Em Coimbra, ligou-se Gonçalves Dias ao grupo dos poetas que
Fidelino de Figueiredo chamou de "medievalistas". À influência dos
portugueses virá juntar-se a dos românticos franceses, ingleses, espanhóis e
alemães. Em 1843 surge a "Canção do exílio", um das mais conhecidas
poesias da língua portuguesa.
Regressando ao Brasil em 1845, passou rapidamente pelo Maranhão
e, em meados de 1846, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde morou até
1854, fazendo apenas uma rápida viagem ao norte em 1851. Em 46, havia
composto o drama "Leonor de Mendonça", que o Conservatório do Rio de
Janeiro impediu de representar a pretexto de ser incorreto na linguagem; em 47
saíram os Primeiros cantos, com as "Poesias americanas", que mereceram
artigo de elogios do escritor português Alexandre Herculano; no ano seguinte,
publicou os Segundos cantos e, para vingar-se dos seus gratuitos censores,
conforme registram os historiadores, escreveu as Sextilhas de frei Antão, em
que a intenção aparente de demonstrar conhecimento da língua o levou a
escrever um "ensaio filológico", num poema escrito em idioma misto de
todas as épocas por que passara a língua portuguesa até então. Em 1849,
foi nomeado professor de Latim e História do Colégio Pedro II e fundou a
revista Guanabara, com Macedo e Porto Alegre. Em 51, publicou os Últimos
cantos, encerrando a fase mais importante de sua poesia.

2. PRINCIPAIS OBRAS:
§ Primeiros cantos, poesia (1846);
§ Leonor de Mendonça, teatro (1847);
§ Segundos cantos e Sextilhas de Frei Antão, poesia (1848);
§ Últimos cantos (1851);
§ Os Timbiras, poesia (1857);
§ Dicionário da língua tupi (1858)
3. CARACTERÍSTICAS DO AUTOR
A melhor parte da lírica dos Cantos inspira-se ora da natureza, ora da
religião, mas sobretudo de seu caráter e temperamento. Sua poesia é
eminentemente autobiográfica. A consciência da inferioridade de origem, a
saúde precária, tudo lhe era motivo de tristezas. Foram elas atribuídas ao
infortúnio amoroso pelos críticos, esquecidos estes de que a grande paixão do
Poeta ocorreu depois da publicação dos Últimos cantos. Em 1851, partiu
Gonçalves Dias para o Norte em missão oficial e no intuito de desposar Ana
Amélia Ferreira do Vale, de 14 anos, o grande amor de sua vida, cuja mãe
não concordou por motivos de sua origem bastarda e mestiça. Frustrado,
casou-se no Rio, em 1852, com Olímpia Carolina da Costa. Foi um casamento
de conveniência, origem de grandes desventuras para o Poeta, devidas ao
gênio da esposa, da qual se separou em 1856. Tiveram uma filha, falecida
na primeira infância.
Nomeado para a Secretaria dos Negócios Estrangeiros, permaneceu na
Europa de 1854 a 1858, em missão oficial de estudos e pesquisa. Em 56,
viajou para a Alemanha e, na passagem por Leipzig, em 57, o livreiro-editor
Brockhaus editou os Cantos, os primeiros quatro cantos de Os Timbiras,
compostos dez anos antes, e o Dicionário da língua tupi. Voltou ao Brasil e,
em 1861 e 62, viajou pelo Norte, pelos rios Madeira e Negro, como membro da
Comissão Científica de Exploração. Voltou ao Rio de Janeiro em 1862,
seguindo logo para a Europa, em tratamento de saúde, bastante abalada, e
buscando estações de cura em várias cidades européias. Em 25 de outubro de
63, embarcou em Bordéus para Lisboa, onde concluiu a tradução de A noiva de
Messina, de Schiller. Voltando a Paris, passou em estações de cura em Aix-
les-Bains, Allevard e Ems. Em 10 de setembro de 1864, embarcou para o
Brasil no Havre no navio Ville de Boulogne, que naufragou, no baixio de
Atins, nas costas do Maranhão, tendo o poeta perecido no camarote, sendo a
única vítima do desastre, aos 41 anos de idade.
Todas as suas obras literárias, compreendendo os Cantos, as Sextilhas,
a Meditação e as peças de teatro (Patkul, Beatriz Cenci e Leonor de
Mendonça), foram escritas até 1854, de maneira que, segundo Sílvio Romero,
se tivesse desaparecido naquele ano, aos 31 anos, "teríamos o nosso
Gonçalves Dias completo". O período final, em que dominam os pendores
eruditos, favorecidos pelas comissões oficiais e as viagens à Europa,
compreende o Dicionário da língua tupi, os relatórios científicos, as traduções
do alemão, a epopéia Os Timbiras, cujos trechos iniciais, que são os melhores,
datam do período anterior.
Sua obra poética, lírica ou épica, enquadrou-se na temática
"americana", isto é, de incorporação dos assuntos e paisagens brasileiros
na literatura nacional, fazendo-a voltar-se para a terra natal, marcando assim
a nossa independência em relação a Portugal. Ao lado da natureza local,
recorreu aos temas em torno do indígena, o homem americano primitivo,
tomado como o protótipo de brasileiro, desenvolvendo, com José de Alencar
na ficção, o movimento do "Indianismo". Os indígenas, com suas lendas e
mitos, seus dramas e conflitos, suas lutas e amores, sua fusão com o
branco, ofereceram-lhe um mundo rico de significação simbólica. Embora não
tenha sido o primeiro a buscar na temática indígena recursos para o
abrasileiramento da literatura, Gonçalves Dias foi o que mais alto elevou o
Indianismo. A obra indianista está contida nas "Poesias americanas" dos
Primeiros cantos, nos Segundos cantos e Últimos cantos, sobretudo nos
poemas "Marabá", "Leito de folhas verdes", "Canto do piaga", "Canto do
tamoio", "Canto do guerreiro" e "I-Juca-Pirama", este talvez o ponto mais
alto da poesia indianista. É uma das obras-primas da poesia brasileira, graças
ao conteúdo emocional e lírico, à força dramática, ao argumento, à
linguagem, ao ritmo rico e variado, aos múltiplos sentimentos, à fusão do
poético, do sublime, do narrativo, do diálogo, culminando na grandeza da
maldição do pai ao filho que chorou na presença da morte.
Pela obra lírica e indianista, Gonçalves Dias é um dos mais típicos
representantes do Romantismo brasileiro e forma com José de Alencar na
prosa a dupla que conferiu caráter nacional à literatura brasileira.
Academia Brasileira de Letras

4. DIVISÃO DA OBRA
POESIA LÍRICA:
Apresenta profundos traços de subjetivismo e visível influência de seus
vários casos amorosos, principalmente seu amor frustrado por Ana Amélia; são
poemas marcados pela dor e sofrimento, chegando a beirar o ultra-romantismo
em alguns momentos. O poeta buscava "casar o pensamento com o
sentimento, a paixão com a idéia", embora a razão sempre perdesse terreno
para o coração. Entre seus poemas líricos mais famosos temos: "Se se morre
de amor", "Ainda uma vez - adeus!", "Como, és tu?" e "Não me deixes".

POESIA MEDIEVAL:
Reunidos sob o título de "Sextilhas de frei Antão", são uma série de
poemas escritos em português arcaico, à moda dos trovadores medievais.

POESIA NACIONALISTA:
Apresenta uma poesia que ora exalta a pátria distante, ora idealiza a
figura do índio. Os poemas saudosistas exaltam a natureza brasileira, sem
nunca se referirem ao elemento humano, pois, se citassem o homem brasileiro,
teriam de se referir às crises vividas pela nossa sociedade. Entretanto, é no
indianismo que atinge o máximo de sua obra (é o representante maior da
poesia indianista brasileira). Apesar de idealizado, seu índio está mais próximo
da realidade quando comparado ao índio de José de Alencar. Seus versos
indianistas, além de exaltar a natureza, desenham um índio portador de
sentimentos e atitudes artificiais, extremamente europeizado. Destacam-se
pela carga lírica, dramática e épica. Formalmente caracterizam-se pela perfeita
utilização dos vários recursos da métrica, da musicalidade e do ritmo. Entre os
poemas indianistas destacam-se: "I - Juca Pirama"; "Marabá"; "O canto do
piaga"; "Canção do tamoio"; "Leito de folhas verdes"; e "Os timbiras" (poema
épico inacabado).

POESIAS AMERICANAS
O poeta chamou de “Poesia americana” todo o conjunto de seus poemas
indianistas e nacionalistas que foram encaixados nos livros de poesia que
chamou Cantos; a poesia americana principal se encontra em Primeiros Cantos
e Últimos Cantos.
5. DEDICATÓRIA DO LIVRO ÚLTIMOS CANTOS
MEU CARO E SAUDOSO AMIGO DR. ALEXANDRE THEOPHILO DE
CARVALHO LEAL

Eis os meus últimos cantos, o meu ultimo volume de poesias soltas, os


últimos arpejos de uma lira, cujas cordas foram estalando, muitas aos balanços
ásperos da desventura, e outras, talvez a maior parte, com as dores de um
espírito enfermo,— fictícias, mas nem por isso menos agudas,— produzidas
pela imaginação, como se a realidade já não fosse por si bastante penosa, ou
que a espírito, afeito a certa dose de sofrimento, se sobressaltasse de sentir
menos pesada a costumada carga.
No meio de rudes trabalhos, de ocupações estéreis, de cuidados
pungentes, — inquieto do presente, incerto do futuro, derramando um olhar
cheio de lagrimas e saudades sobre o meu passado — percorri este
primeiro estagio da minha vida literária. Desejar e sofrer — eis toda a minha
vida neste período; e estes desejos imensos, indizíveis, e nunca satisfeitos,—
caprichosos como a imaginação,— vagos como o oceano, — e terríveis como a
tempestade; — e estes sofrimentos de todos os dias, de todos os instantes,
obscuros, implacáveis, renascentes,— ligados a minha existência,
reconcentrados em minha alma, devorados comigo,— umas vezes me deixarão
sem força e sem coragem, e se reproduzirão em pálidos reflexos do que eu
sentia, ou me forçarão a procurar um alivio, uma distração no estudo, e a
esquecer-me da realidade com as ficções do ideal.
Se as minhas pobres composições não foram inteiramente inúteis ao
meu país; se algumas vezes tive o maior prazer que me foi dado sentir — a
mais lisonjeira recompensa a que poderia aspirar,— de as ouvir estimadas
pelos homens da arte, daqueles, que segundo o poeta, porque a entendem, a
estimam, e repetidas por aquela classe do povo, que só de cor as poderia
ter aprendido, isto é, dos outros que a compreendem, porque a sentem,
porque a adivinham — paguei bem caro esta momentânea celebridade com
decepções profundas, com desenganos amargos, e com a lenta agonia de
um martírio ignorado.
Melhor que ninguém o sabe: podes a teu grado sondar os arcanos da
minha consciência, e não te será difícil descobrir o segredo das minhas
tristes inspirações. Os meus primeiros, os meus últimos cantos são teus: o
que sou, o que for, a ti o devo,— a ti, ao teu nobre coração, que durante os
melhores anos da juventude bateu constantemente ao meu lado,— a aragem
benfazeja da tua amizade solícita e desvelada,— a tua voz que me animava e
consolava,— a tua inteligência que me vivificava — ao prodígio de duas Índoles
tão assimiladas, de duas almas tão irmãs, tão gêmeas, que uma delas
rematava o pensamento apenas enunciado da outra, e aos sentimentos
uníssonos de dois corações, que mutuamente se falavam, se interpretavam,
se respondiam sem o auxilio de palavras. Duplicada a minha existência, não
era muito que eu me sentisse com forças para abalançar-me a esta empresa; e
agora que em parte a tenho concluído, é um dever de gratidão, um dever para
que sou atraído por todas as potências da minha alma, escrever aqui o teu
nome, como talvez seja o derradeiro que escreverei em minhas obras, o
último que os meus lábios pronunciem, se nos paroxismos da morte se
poder destacar inteiramente do meu coração.
Ser-me-ia doloroso não cumprir os teus desejos,— não satisfazer as
esperanças, que em mim tinhas depositado,— não realizar a expectação da tua
desinteressada amizade. Entrei na luta, e procurei disputar ao tempo uma fraca
parcela da sua duração, não por amor do orgulho, nem por amor da gloria; mas
para que, depois da morte de ambos, uma só que fosse das minhas
produções superasse o esquecimento, e por mais uma geração
estendesse a memória tua e minha. Assim passa a onda sobre um navio que
soçobra, e atira a praias desconhecidas os destroços de um mastro
embrulhado nas vestes dos navegantes.
Entrei na luta, e por mais algum tempo continuarei nela, variando apenas
o sentido dos meus cantos. A fé e o entusiasmo, o óleo da lâmpada que
alumia as composições do artista, vão se esfriando dentro do peito; eu o
conheço e o sinto; se pois ainda persisto nesta carreira é por teu respeito:
continuarei até que satisfeito dos meus esforços que digas: basta! — Então, já
to hei dito, voltarei gostoso à obscuridade, donde não devera ter saído, e
— como um soldado desconhecido — contarei os meus triunfos pelas
minhas feridas, voltando a habitação singela, onde me correram, não
felizes, mas os primeiros dias da minha infância.
Minha alma não está comigo, não anda entre os nevoeiros dos
Órgãos, envolta em neblina, balouçada em castelos de nuvens, nem
rouquejando na voz do trovão. Lá está ela! — lá está a espreguiçar-se nas
vagas de S. Marcos, a rumorejar nas folhas dos mangues, a sussurrar nos
leques das palmeiras: lá está ela nos sítios que os meus olhos sempre viram,
nas paisagens que eu amo, onde se avista a palmeira esbelta, a cajazeira
coberta de cipós, e o pau d'arco coberto de flores amarelas.
Ali sim, — ali está — desfeita em lágrimas nas folhas das bananeiras
— desfeita em orvalho sobre as nossas flores, desfeita em harmonia sobre
os nossos bosques, sobre os nossos rios, sobre os nossos mares, sobre
tudo que eu amo, e que em bem veja eu em breve! Aí, outra vez remoçado e
vivificado de todos os anos que desperdicei, poderei enxugar os meus vestidos,
voltar aos gozos de uma vida ignorada, e do meu lar tranquilo ver outros mais
corajosos e mais felizes que eu afrontar as borrascas desencadeadas no
oceano, que eu houver para sempre deixado atrás de mim.
Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1850
A. GONÇALVES DIAS

6. FRAGMENTOS DA OBRA

CANÇÃO DO TAMOIO (NATALÍCIA)


I
Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.
II
Um dia vivemos!
O homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma presa, VII
Quer seja tapuia, E a mão nessas tabas,
Condor ou tapir. Querendo calados
Os filhos criados
III Na lei do terror;
O forte, o cobarde Teu nome lhes diga,
Seus feitos inveja Que a gente inimiga
De o ver na peleja Talvez não escute
Garboso e feroz; Sem pranto, sem dor!
E os tímidos velhos
Nos graves concelhos, VIII
Curvadas as frontes, Porém se a fortuna,
Escutam-lhe a voz! Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
IV Do inimigo falaz!
Domina, se vive; Na última hora
Se morre, descansa Teus feitos memora,
Dos seus na lembrança, Tranqüilo nos gestos,
Na voz do porvir. Impávido, audaz.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte! IX
Não fujas da morte, E cai como o tronco
Que a morte há de vir! Do raio tocado,
Partido, rojado
V Por larga extensão;
E pois que és meu filho, Assim morre o forte!
Meus brios reveste; No passo da morte
Tamoio nasceste, Triunfa, conquista
Valente serás. Mais alto brasão.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fragueiro, X
Brasão dos tamoios As armas ensaia,
Na guerra e na paz. Penetra na vida:
Pesada ou querida,
VI Viver é lutar.
Teu grito de guerra Se o duro combate
Retumbe aos ouvidos Os fracos abate,
D'imigos transidos Aos fortes, aos bravos,
Por vil comoção; Só pode exaltar.
E tremam d'ouvi-lo
Pior que o sibilo
Das setas ligeiras,
Pior que o trovão.
LEITO DE FOLHAS VERDES aqui, contempla a cor local com
Por que tardas, Jatir, que tanto a custo grande vigor poético na cena da
À voz do meu amor moves teus passos? índia que, com resignação
Da noite a viração, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja. renovada, espera pelo amado, que
partira para lutar em terras
Eu sob a copa da mangueira altiva distantes. Os olhos, os lábios e as
Nosso leito gentil cobri zelosa mãos, imagens tradicionais da
Com mimoso tapiz de folhas brandas, comunhão carnal, ampliam-se para
Onde o frouxo luar brinca entre flores.
um erotismo mais explícito trazido
Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco, pela arasóia (o saiote de penas
Já solta o bogari mais doce aroma! usado pela índia), da qual o amado
Como prece de amor, como estas preces, deveria despir quando chegasse em
No silêncio da noite o bosque exala. casa.
Brilha a lua no céu, brilham estrelas,
Correm perfumes no correr da brisa, MARABÁ
Eu vivo sozinha, ninguém me procura!
A cujo influxo mágico respira-se
Acaso feitura
Um quebranto de amor, melhor que a vida! Não sou de Tupá!
Se algum dentre os homens de mim não se esconde:
A flor que desabrocha ao romper d'alva — "Tu és", me responde,
"Tu és Marabá!"
Um só giro do sol, não mais, vegeta:
Eu sou aquela flor que espero ainda — Meus olhos são garços, são cor das safiras,
Doce raio do sol que me dê vida. — Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
— Imitam as nuvens de um céu anilado,
— As cores imitam das vagas do mar!
Sejam vales ou montes, lago ou terra,
Onde quer que tu vás, ou dia ou noite, Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
Vai seguindo após ti meu pensamento; "Teus olhos são garços",
Outro amor nunca tive: és meu, sou tua! Responde anojado, "mas és Marabá:
"Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
"Uns olhos fulgentes,
Meus olhos outros olhos nunca viram, "Bem pretos, retintos, não cor d'anajá!"
Não sentiram meus lábios outros lábios,
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas — É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
— Da cor das areias batidas do mar;
A arazóia na cinta me apertaram.
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar.
Do tamarindo a flor jaz entreaberta,
Já solta o bogari mais doce aroma Se ainda me escuta meus agros delírios:
— "És alva de lírios",
Também meu coração, como estas flores, Sorrindo responde, "mas és Marabá:
Melhor perfume ao pé da noite exala! "Quero antes um rosto de jambo corado,
"Um rosto crestado
Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes "Do sol do deserto, não flor de cajá."
À voz do meu amor, que em vão te chama!
— Meu colo de leve se encurva engraçado,
Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil — Como hástea pendente do cáctus em flor;
A brisa da manhã sacuda as folhas! — Mimosa, indolente, resvalo no prado,
— Como um soluçado suspiro de amor! —

"Eu amo a estatura flexível, ligeira,


Comentário: O indianismo foi Qual duma palmeira",
Então me respondem; "tu és Marabá:
duramente criticado por "Quero antes o colo da ema orgulhosa,
historiadores irritados com a Que pisa vaidosa,
"Que as flóreas campinas governa, onde está."
excessiva europeização do índio.
Um deles, João Francisco Lisboa, — Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
— O oiro mais puro não tem seu fulgor;
afirmava que o indianismo, de um — As brisas nos bosques de os ver se enamoram
modo geral, era uma distorção da — De os ver tão formosos como um beija-flor!

realidade indígena. Este poema, Mas eles respondem: "Teus longos cabelos,
injustamente, não escapou das "São loiros, são belos,
"Mas são anelados; tu és Marabá:
críticas, tendo sido chamado de "Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
“rendez vous do mato”. O poeta, "Cabelos compridos,
"Não cor d'oiro fino, nem cor d'anajá," São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d'acácia na fronte de um homem IV
Jamais cingirei:
Meu canto de morte,
Jamais um guerreiro da minha arazóia Guerreiros, ouvi:
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha, Sou filho das selvas,
Que sou Marabá! Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Comentário: “Marabá” em
Da tribo Tupi.
tupi significa mestiço de europeu
Da tribo pujante,
com índio. A jovem protagonista
Que agora anda errante
desse poema narra sua procura de
Por fado inconstante,
um amado entre os de sua tribo.
Guerreiros, nasci;
Sua condição de mestiça, marcada
Sou bravo, sou forte,
pela cor loira do cabelo e pelos
Sou filho do Norte;
olhos claros, impede qualquer
Meu canto de morte,
aproximação amorosa, pois os
Guerreiros, ouvi.
jovens da tribo querem moças
Já vi cruas brigas,
morenas, altas e selvagens. Daí sua
De tribos imigas,
tristeza e solidão.
E as duras fadigas
O poeta, além da busca do
Da guerra provei;
amor, discute aqui a relativização do
Nas ondas mendaces
conceito de beleza para indígenas e
Senti pelas faces
europeus. A mestiça solitária nada
Os silvos fugaces
mais quer do que um noivo para
Dos ventos que amei.
sentir igual às outra mulheres,
Andei longes terras,
diante de Deus e da tribo, que
Lidei cruas guerras,
estabelece o casamento para as
mulheres. Todo o seu desamparo e
VIII
solidão aparecem numa bonita “Tu choraste em presença da morte?
alternância de versos curtos e Na presença de estranhos choraste?
longos, que reproduzem tristemente Não descende o cobarde do forte;
um diálogo entre a moça e os Pois choraste, meu filho não és!
rapazes da tribo. Possas tu, descendente maldito
Ao fim do poema, pode-se De uma tribo de nobres guerreiros,
pensar que aqui também o poeta Implorando cruéis forasteiros,
deixa ver um pouco da violência da Seres presa de vis Aimorés.
colonização, pois ser mestiça é
trazer na pele e no destino essa IX
evidência. Isto dizendo, o meserando velho
A quem Tupã tamanha dor, tal fado
Já nos confins da vida reservara,
Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias
I-JUCA PIRAMA Da sua noite escura as densas trevas
I Palpando. - Alarma! alarma! - O velho para.
No meio das tabas de amenos verdores, O grito que escutou é voz do filho,
Cercadas de troncos — cobertos de flores, Voz de guerra que ouviu já tantas vezes
Alteiam-se os tetos d’altiva nação; Noutra quadra melhor. - Alarma! alarma!
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes, — Esse momento só vale apagar-lhe
Temíveis na guerra, que em densas coortes Os tão compridos transes, as angústias,
Assombram das matas a imensa extensão. Que o frio coração lhe atormentaram
São rudos, severos, sedentos de glória,
Já prélios incitam, já cantam vitória,
De guerreiro e de pai: - vale, e de sobra.
Já meigos atendem à voz do cantor: Ele que em tanta dor se contivera,
Tomado pelo súbito contraste, Quebrando a solidão,
Desfaz-se agora em pranto copioso,
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
X São meigos infantes, gentis, engraçados
Um velho Timbira, coberto de glória, Brincando a sorrir.
guardou a memória São meigos infantes, brincando, saltando
Do moço guerreiro, do velho Tupi! Em jogo infantil,
Inquietos, travessos; — causando tormento,
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava Com beijos nos pagam a dor de um momento,
do que ele contava, Com modo gentil.
Dizia prudente: - “Meninos, eu vi!
“Eu vi o brioso no largo terreiro Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
cantar prisioneiro Assim é que são;
Seu canto de morte, que nunca esqueci: Às vezes luzindo, serenos, tranqüilos,
Valente, como era, chorou sem ter pejo; Às vezes vulcão!
parece que o vejo,
Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco,
Que o tenho nest’hora diante de mim.
Tão frouxo brilhar,
“Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!
Que a mim me parece que o ar lhes falece,
Pois não, era um bravo; E os olhos tão meigos, que o pranto umedece
Valente e brioso, como ele, não vi! Me fazem chorar.
E à fé que vos digo: parece-me encanto
Que quem chorou tanto, Assim lindo infante, que dorme tranqüilo,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!” Desperta a chorar;
Assim o Timbira, coberto de glória, E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
guardava a memória Não pensa — a pensar.
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
Nas almas tão puras da virgem, do infante,
E à noite nas tabas, se alguém duvidava Às vezes do céu
do que ele contava, Cai doce harmonia duma Harpa celeste,
Tomava prudente: “Meninos, eu vi!” Um vago desejo; e a mente se veste
De pranto co'um véu.
Comentário: I-Juca pirama (que em
Quer sejam saudades, quer sejam desejos
tupi significa: o que há de ser morto, Da pátria melhor;
e que é digno de ser morto) é o Eu amo seus olhos que choram em causa
herói tupi feito prisioneiro pelos Um pranto sem dor.
Timbiras, guerreiros ferozes e Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
canibais. Antes de ser morto, De vivo fulgor;
exigem que o guerreiro tupi entoe o Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia,
seu canto de morte, cantando seus Com tanto pudor.
feitos, sua bravura e suas
aventuras, pois a sua coragem de Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
guerreiro e a sua honra - Eu amo esses olhos que falam de amores
acreditavam os Timbiras - Com tanta paixão.
passariam para todos que, depois
do rito de morte, comessem as A CONCHA E A VIRGEM
partes do seu corpo. Linda concha que passava,
Boiando por sobre o mar,
Junto a uma rocha, onde estava
SEUS OLHOS Triste donzela a pensar,
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir, Perguntou-lhe: — "Virgem bela,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir; Que fazes no teu cismar?"
— "E tu", pergunta a donzela,
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, "Que fazes no teu vagar?"
Têm meiga expressão,
Mais doce que a brisa, — mais doce que o
nauta
De noite cantando, — mais doce que a frauta
Responde a concha: — "Formada Sobre a líquida extensão,
Por estas águas do mar, Levam naus os seus ditames
Sou pelas águas levada, Da peleja entre os horrores;
Nem sei onde vou parar!" Vis escravos, crus senhores,
Preito e menagem lhe dão.
Responde a virgem sentida,
Que estava triste a pensar: Vive tu teu viver simples,
— "Eu também vago na vida, Mimosa e gentil donzela,
Como tu vagas no mar! Dentre todas a mais bela,
Flor de candura e de amor!
"Vais duma a outra das vagas, Coroa melhor eu te ofereço,
Eu dum a outro cismar; De ouro não, mas de poesia,
Tu indolente divagas, Coroa que a fronte alumia
Eu sofro triste a cantar. Com divino resplendor!

"Vais onde te leva a sorte,


Eu, onde me leva Deus:
Buscas a vida, — eu a morte;
Buscas a terra, — eu os céus!

URGE O TEMPO
Urge o tempo, os anos vão correndo,
Mudança eterna os seres afadiga!
O tronco, o arbusto, a folha, a flor, o espinho,
Quem vive, o que vegeta, vai tomando
Aspectos novos, nova forma, enquanto
Gira no espaço e se equilibra a terra.

Tudo se muda, tudo se transforma,


O espírito, porém, como centelha,
Que vai lavrando solapada e oculta,
Até que enfim se torna incêndio e chamas,
Quando rompe os andrajos morredouros,
Mais claro brilha, e aos céus consigo arrasta
Quanto sentiu, quanto sofreu na terra.

Tudo se muda aqui! somente o afeto,


Que se gera e se nutre em almas grandes,
Não acaba, nem muda; vai crescendo,
Com o tempo avulta, mais aumenta em forças,
E a própria morte o purifica e alinda.
Semelha estátua erguida entre ruínas,
Firme na base, intacta, inda mais bela
Depois que o tempo a rodeou de estragos.

DUAS COROAS
Há duas coroas na terra,
Uma d′ouro cintilante
Com esmalte de diamante,
Na fronte do que é senhor;
Outra modesta e singela,
Coroa de meiga poesia,
Que a fronte ao vate alumia
Com a luz d′um resplendor.

Ante a primeira se curvam


Os potentados da terra:
No bojo, que a morte encerra,
QUESTÕES
01. (F.C.CHAGAS)
"Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá."
Nestes versos de Gonçalves Dias, escritos em Portugal, o poeta
vive um momento marcado por:
a. solidão, devaneio e idealização nacionalista.
b. melancolia, tédio e ironia;
c. amor a Portugal, devaneio e idealização nacionalista;
d. saudades, ânimo satírico e pessimismo;
e. alívio, expectativa e otimismo.

02. (UFRN) Sobre Gonçalves Dias, é correto afirmar:


a. natural do Ceará, escreveu obras indianistas como A Confederação dos
Tamoios e Ubirajara.
b. poeta gaúcho, destacou-se, dentro do Romantismo, pela poesia lírica e
sentimental como, por exemplo, Lira dos Vinte Anos e A Noite na Taverna.
*c. poeta maranhense, um dos principais representantes do Romantismo,
escreveu poesias sentimentais e poemas de enaltecimento do índio como, por
exemplo, Timbiras.
d. natural de Minas Gerais, foi um dos representantes do Pré-Modernismo
ao escrever Inspirações do Claustro.
e. poeta paulista, pertencente ao Parnasianismo, ficou famoso com a obra
Conferências Literárias.

03. (UFES)
"Minha terra não tem palmeiras...
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há."
(Mário Quintana)
O texto deve ser considerado uma:
01) reafirmação da estética romântica e seus principais dogmas.
02) negação da estética romântica, questionando seu olhar que se detém mais
na paisagem que no social.
04) paródia de um texto tradicional da nossa Literatura, bem ao gosto
modernista, como já fizera Oswald de Andrade com o mesmo texto, num
poema que assim se inicia: "minha terra tem palmares/ Onde gorjeia o mar.".
08) releitura acrítica da célebre "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias.
16) intertextualidade moderna que vai na contramão das estéticas nacionalistas
e sentimentalistas das primeiras décadas do século XIX, quando o Brasil se
estabelecia como nação independente.

04. (FAU-SP) Leia as afirmativas sobre o indianismo de nossos poetas


românticos e em seguida responda:
I. Foi uma forma de apresentar o índio em toda a sua realidade objetiva; o índio
como elemento étnico da futura raça brasileira.
II. Foi um meio de reconstruir o grave perigo que o índio representava durante
a instalação das capitanias e do reino português em terras brasileiras.
III. Tratou-se de uma adaptação e uma espécie de resposta ao modelo de arte
europeia que vigorava na época, apresentando a valorização de elementos e
costumes locais, tomados como símbolo metonímico da nação nascente.
IV. Constituiu um meio de eternizar liricamente a aceitação, pelo índio, da nova
civilização que se instalava.
V. Apresentou-se como uma forma de apresentar o índio como motivo estético;
idealização com simpatia e piedade; exaltação da bravura, do heroísmo e de
todas as qualidades morais superiores.
Estão corretas:
a. Apenas I e II
b. Apenas II e III
c. Apenas III e IV
d. Apenas III, IV e V
e. Apenas III e V

05. (UFMG) Leia as afirmativas corretas sobre a poesia indianista e


americana de Gonçalves Dias e responda:
I. Caracteriza-se pela adequação do ritmo e da métrica ao assunto enfocado.
II. Destaca o heroísmo e a honradez que caracterizam o herói romântico.
III. Mostra a rivalidade existente entre diversas tribos indígenas.
IV. Ressalta a dramaticidade dos assuntos ao deixar de lado o lirismo
romântico.
V. Revela uma preocupação antropológica ao mostrar usos e costumes dos
indígenas.
Estão corretas:
a. Apenas I e II
b. Apenas II e III
c. Apenas III e IV
d. Apenas I, II, III e V
e. I, II, III, IV e V

06. Com relação ao poema I Juca-Pirama, de Gonçalves Dias, leia as


afirmativas e, posteriormente, assinale o que for correto.
I. Relata o drama vivido por I Juca-Pirama, último descendente da tribo Tapuia,
que é feito prisioneiro pelos Aimorés.
II. Trata-se de uma composição épico-dramática em que o autor maneja vários
tipos de metros e ritmos.
III. Nele, os sentimentos, presentes no texto e cultuados pelos românticos,
apelam para o heroísmo, a honra e a generosidade.
Estão corretas:
a. Apenas I
b. Apenas II
c. Apenas III
d. Apenas II e III
e. I, II e III

07. Ainda com relação ao poema I Juca-Pirama, de Gonçalves Dias, leia as


afirmativas e, posteriormente, assinale o que se pede.
I. No poema, reduzido aos padrões de cavalaria medieval, o índio representa o
herói das grandezas, em luta pela mulher amada.
II.. A figura do índio constitui, no poema e na obra de Gonçalves, o símbolo
para a realização da pesquisa lírica e heróica do passado.
*III. A narrativa daquele "que há de ser morto" chega ao leitor através da
enunciação de um velho timbira.
Estão corretas:
a. Apenas I
b. Apenas II
c. Apenas III
d. Apenas II e III
e. I, II e III

08. Gonçalves Dias vale-se, em alguns poemas, de uma estrutura épica


popular que valoriza a história, trans¬mitida oralmente, de povos extintos.
Aponte o excerto que melhor representa este mecanismo de
transmis¬são.
a) Eu vivo sozinha; ninguém me procura! Acaso feitura
não sou de Tupá?
Se algum dentre os homens de mim não se esconde.
- “Tu és”, me responde
“Tu és Marabá”. (Marabá)
b) Aqui na floresta
De ventos batida
Façanhas de bravos
Não geram escravos,
Que estimem a vida
Sem guerra e lidar... (O Canto do Guerreiro)
c) Ó Guerreiros da Taba sagrada
Guerreiros da Tribo Tupi,
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Guerreiros, meus cantos ouvi. (O Canto do Piaga)
d) Tupã, O Deus Grande! Cobriste o teu rosto
Com denso velâmen de penas gentis;
E jazem teus filhos clamando vingança
Dos bens que lhes deste da perda infeliz!
(Deprecaçlo)
e) Um velho Timbira, coberto de glória, guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava do que ele contava,
Dizia prudente: - “Meninos, eu vi”. (I-Juca-Pirarna)

09. (UEL) Gonçalves Dias se destaca no panorama da primeira fase


romântica pelas suas qualidades superiores de artista. Nele:
a) a pátria é retratada de maneira que se tenha um registro fiel da sua fauna e
flora, sem interferência da emoção do poeta, como em “Canção do Exílio”.
b) a persistência de traços do espírito clássico impede o exagero do
sentimentalismo, encontrado, por exemplo, em Casimiro de Abreu.
c) o indianismo é fiel à verdade da vida indígena, não apresentando a distorção
poética observada em outros escritores.
d) protótipo do byroniano, convivem lado a lado o humor negro e o extremo
idealismo.
e) predomina a poesia lírica de recuperação da infância, com acentuado tom
saudosista, tão evidente em “Meus Oito Anos”.

10. (Unifesp) Gonçalves Dias consolidou o romantismo no Brasil. Sua


“Canção do exílio” pode ser considerada tipicamente romântica porque
a) apóia-se nos cânones formais da poesia clássica greco-romana; emprega
figuras de ornamento, até com certo exagero; evidencia a musicalidade do
verso pelo uso de aliterações.
*b) exalta a terra natal; é nostálgica e saudosista; o tema é tratado de modo
sentimental, emotivo.
c) utiliza-se do verso livre, como ideal de liberdade criativa; sua linguagem é
hermética, erudita; glorifica o canto dos pássaros e a vida selvagem.
d) poesia e música se confundem, como artifício simbólico; a natureza e o tema
bucólico são tratados com objetividade; usa com parcimônia as formas
pronominais de primeira pessoa.
e) refere-se à vida com descrença e tristeza; expõe o tema na ordem
sucessiva, cronológica; utiliza-se do exílio como o meio adequado de referir-se
à evasão da realidade.

11. (FUVEST-SP) Tomada em conjunto, a obra de Gonçalves Dias


apresenta:
01) total repúdio à linguagem clássica,
02) a dignidade do homem natural, a exacerbação das paixões e a crítica a
certos aspectos da colonização
04) um painel de estilos diversificados, criando livremente sua linguagem,
rimas e metros
08) tão preocupado com a exaltação dos amores e do índio como também com
a afirmação dos ideais abolicionistas e republicanos.
16) refletiu as tendências à subjetividade, ás paixões, ao intimismo e à
morbidez de alguns poetas europeus.
32) cultuou a memória da Antigüidade clássica sobretudo nos versos
decassílabos, undecassílabos e alexandrinos.

12. (UFPR – 2018) A respeito dos poemas que compõem o livro Últimos
Cantos (1851), do maranhense Gonçalves Dias, assinale a alternativa
correta.
a) O nacionalismo romântico se expressa no antológico poema “Canção do
exílio”, que abre o livro com um tom laudatório: “Nosso céu tem mais estrelas, /
Nossas várzeas têm mais flores, / Nossos bosques têm mais vida, / Nossa vida
mais amores”.
b) O embate entre tribos indígenas, com a consequente prisão de um guerreiro,
é narrado em “I-Juca-Pirama”, poema marcado por variedade métrica: “O
prisioneiro, cuja morte anseiam, / Sentado está, / O prisioneiro, que outro sol no
ocaso / Jamais verá!”.
c) A pureza racial dos indígenas brasileiros é exaltada no poema “Marabá” por
meio da descrição da personagem-título: “— Meus olhos são garços, são cor
das safiras, / — Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar; / — Imitam as nuvens
de um céu anilado, / — As cores imitam das vagas do mar!”.
d) O aspecto fúnebre das lendas românticas é representado no poema “O
gigante de pedra”, em que se destaca a monstruosidade do personagem:
“Gigante orgulhoso, de fero semblante, / Num leito de pedra lá jaz a dormir! /
Em duro granito repousa o gigante, / Que os raios somente puderam fundir”.
e) O lirismo romântico prefere temas delicados, como as brincadeiras inocentes
da criança em “Mãe-d’água”: “Minha mãe, olha aqui dentro, / Olha a bela
criatura, / Que dentro d’água se vê! / São d’ouro os longos cabelos, / Gentil a
doce figura, / Airosa leve a estatura; / Olha, vê no fundo d’água / Que bela
moça não é!”.

13. (UFPR – 2017) Sobre o livro de poesia Últimos Cantos, de Gonçalves


Dias, considere as seguintes afirmativas:
1. A métrica em “I-Juca-Pirama” é variável e tem conexão com a progressão
dos fatos narrados, o que permite dizer que o ritmo se ajusta às reviravoltas da
narrativa.
2. “Leito de folhas verdes” e “Marabá” tematizam a miscigenação brasileira ao
apresentarem dois casais inter-raciais.
3. A “Canção do Tamoyo” apresenta o relato de feitos heroicos específicos
desse povo para exaltar a coragem humana.
4. O poema “Hagaar no deserto” recria um episódio bíblico e apresenta uma
escrava escolhida por Deus para ser mãe de Ismael, o patriarca do povo árabe.
Assinale a alternativa correta.
a) Somente as afirmativas 1 e 3 são verdadeiras.
b) Somente as afirmativas 2 e 3 são verdadeiras
c) Somente as afirmativas 1 e 4 são verdadeiras.
d) Somente as afirmativas 1, 2 e 4 são verdadeiras.
e) Somente as afirmativas 2, 3 e 4 são verdadeiras.

14. (UFRJ)
I-Juca-Pirama
"Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!"
Nos versos do poema acima, vê -se a indignação do velho índio Tupi, ao
saber que o filho pedira aos inimigos Aimorés que lhe poupassem a vida.
Neles, Gonçalves Dias apresenta um dos traços mais caros ao
Romantismo, que é o
a) culto a valores heroicos como herança da era medieval.
b) subjetivismo que se revela através da poesia em primeira pessoa.
c) gosto pelas metáforas.
d) escapismo que faz o romântico criar um mundo próprio e idealizado.
e) gosto pelo mistério que se traduz num masoquismo.

15. (PUC)
"Do tamarindo a flor jaz entreaberta,
Já solta o bogari mais doce aroma;
Também meu coração, como estas flores,
Melhor perfume ao pé da noite exala!"
("Leito de folhas verdes")
"Ação tão nobre vos honra,
Nem tão alta cortesia
Vi eu jamais praticada
Entre os Tupis - e mas foram
Senhores em gentileza."
("I - Juca Pirama")

Os excertos dos poemas anteriormente indicados, dos ÚLTIMOS


CANTOS, exemplificam esta afirmação sobre a poesia de Gonçalves Dias:
a) A contemplação da natureza leva à expressão de convicções religiosas,
assim como os valores cristãos sobrepõem-se sutilmente à rudeza da vida
selvagem.
b) Não se distingue a donzela branca da amante indígena, tanto quanto não se
opõe a bravura do índio à bravura de um cavaleiro medieval.
c) O amor da índia espelha a força da própria natureza, mas código de conduta
dos guerreiros indígenas reflete os valores dos fidalgos medievais.
d) A sublimação do amor implica a idealização da morte, assim como o código
de conduta dos guerreiros indígenas idealiza os valores dos fidalgos medievais.
e) O amor da índia espelha a força da própria Natureza, tanto quanto se
apresentam com naturais e próprios os valores de conduta do guerreiro
indígena.

16. (UFPR 2019- ADAPTADA) - Segundo Antonio Candido:


Gonçalves Dias é um grande poeta, em parte por encontrar na poesia o veículo
natural para a sensação de deslumbramento ante o Novo Mundo [...]. O seu
verso, incorporando o detalhe pitoresco da vida americana ao ângulo romântico
e europeu de visão, criou (verdadeiramente criou) uma convenção poética
nova. Esse cocktail de medievismo, idealismo e etnografia fantasiada nos
aparece como construção lírica e heroica, de que resulta uma composição
nova para sentirmos os velhos temas da poesia ocidental.
(Formação da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Itatiaia (8. ed.) vol. 2, 1975, p. 73.)
Considerando o trecho citado e a leitura integral do livro Últimos Cantos,
de Gonçalves Dias, assinale a alternativa correta.
a) A representação dos povos indígenas descreve as tradições coletivas
dessas comunidades, mas nunca apresentar os sentimentos individuais e
particulares de alguns de seus membros, como nos poemas “I-Juca Pirama” e
“Leito de folhas verdes”.
b) Gonçalves Dias demonstra em sua poesia americana o interesse de se
distanciar da tradição indianista, apresentando temas universais, nos quais o
gosto pelo exótico e pela tematização do nacional não deveria predominar.
c) A tema da miscigenação entre índios e brancos e, por conseguinte, do que
podemos chamar de preconceito, em termos atuais, é abordado em poemas
como “Marabá”.
d) O emprego exclusivo de poemas narrativos longos demonstra que o livro
pretende ser uma epopeia que cultua os valores heroicos e descarta a
expressão lírica amorosa.
e) A diversidade de temas e de modelos formais se contrapõe ao emprego da
mesma medida métrica em todos os poemas.
O URAGUAI
BASÍLIO DA GAMA

1. DADOS DO AUTOR
Basílio da Gama (1741-1795) foi um poeta
brasileiro, autor do poema épico “Uruguai”,
considerado a melhor realização no gênero
épico no Arcadismo brasileiro. É patrono da
cadeira n.4 da Academia Brasileira de Letras.
José Basílio da Gama (1741-1795) nasceu no
arraial de São José dos Rios da Morte, hoje
Tiradentes, em Minas Gerais, no dia 08 de
abril de 1741. Ficando órfão muito cedo, foi
educado no Colégio dos Jesuítas, no Rio de Janeiro. Era noviço e pretendia
ingressar na carreira eclesiástica.
Em 1759, após a expulsão dos padres da Companhia de Jesus dos
domínios portugueses, pelo Marques de Pombal, Basílio da Gama viaja
para a Itália para completar seus estudos. Em Roma, construiu uma carreira
literária e em 1768 ingressou na Arcádia Romana, assumindo o pseudônimo
de Termindo Sipílio, uma conquista única entre os brasileiros da época.
Em 1765, Basílio da Gama escreve “Ode a Dom José I”, rei de
Portugal. Em 1767, voltou ao Rio de Janeiro e no ano seguinte foi preso,
acusado de ter amizade com os jesuítas. De acordo com um decreto
recente, qualquer pessoa que tivesse mantido comunicação com os jesuítas,
deveria ficar exilada durante oito anos em Angola, na África.
Preso, Basílio da Gama foi levado para Lisboa, mas livra-se da pena
ao escrever um poema exaltando o casamento da filha do Marques de
Pombal “Epitalâmio às Núpcias da Sra. D. Maria Amália” (1769), onde
elogia o ministro e ataca os jesuítas. Com isso, muda o rumo do processo e
passa a ser favorecido por Pombal, que lhe concede carta de fidalguia e o
nomeia Secretario do Reino.
Nesse mesmo ano publica a poesia épica “Uruguai” (1769), uma
obra-prima em que se encontram alguns dos mais apreciáveis versos da língua
portuguesa, que tem como tema a luta de portugueses e espanhóis contra os
índios de Sete Povos das Missões do Uruguai, instalados nas missões jesuítas
no atual Rio Grande do Sul, que não queriam aceitar as decisões do Tratado
de Madri, que delimitava as fronteiras do sul do Brasil.
Basílio da Gama soube como poucos transformar política em poesia. Em
1776 publica “Os Campos Elíseos” um poema em que se exaltam supostas
virtudes cívicas de membros da família de Sebastião José. Com a morte do
rei em 1777, Pombal não se mantem no cargo, é duramente atacado e
vários de seus atos são anulados. Basílio da Gama permanece-lhe fiel e
chega a escrever em sua defesa. Em 1788, lastima a morte de Dom José, em
“Lenitivo da Saudade”.
Basílio da Gama foi admitido na Academia das Ciências de Lisboa, e
sua última publicação foi “Quitúbia” (1791), um poema épico celebrando um
chefe africano que auxiliou a colônia na guerra contra os holandeses.
Basílio da Gama faleceu em Lisboa, Portugal, no dia 31 de julho de
1795.
Por Dilva Frazão
2. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO POEMA
Poema épico composto em versos decassílabos brancos (sem rimas)
e dividido em cinco cantos, a obra retrata a guerra travada por portugueses
e espanhóis contra índios e jesuítas pela conquista da Colônia de Sete
Povos das Missões, na região do Uruguai (ou Uraguai). O general do
exército português Gomes de Andrade e Catâneo (chefe das tropas
espanholas) marcham até o local do conflito com seus soldados, e
imediatamente encontram dois índios que vinham fazer negociações de paz:
Sepé e Cacambo, sendo este último o chefe dos índios. Falha a tentativa e o
combate começa. Apesar da honrosa valentia e força dos indígenas, muitos
deles perecem. Entre os cadáveres está Sepé, amigo de Cacambo.
As tropas européias descansam à beira de um rio. O índio Cacambo,
cansado, dorme não muito longe dali. Em sonho, vê a figura de Sepé que lhe
pede para vingar sua morte provocando um incêndio no acampamento dos
brancos. O incêndio acontece e deixa o acampamento em cinzas. Cacambo
volta para junto dos índios, jesuítas e sua bela esposa Lindóia. No entanto, o
chefe guerreiro não contava com o surgimento de mais um inimigo: Balda, o
jesuíta administrador da colônia. Este o coloca na prisão e o mata com
uma bebida misteriosa, sem que a bela esposa saiba da verdade. Aparece em
cena Tanajura, uma índia detentora de artimanhas de feitiçaria, que leva
Lindóia para uma gruta e lhe mostra, através de visões, o terremoto que
deixaria Lisboa em ruínas, a reconstrução por parte do Marquês de
Pombal e a derrota e a expulsão dos jesuítas. Também lhe é revelada a
morte de Cacambo, o que causa profunda comoção. Lindóia suicida-se com
uma picada de serpente e é encontrada pelo irmão Caitutu. O indígena
retorna para junto dos seus e comunica o fato a Balda e os outros. Acusando
a velha Tanajura de assassina, tencionam matá-la. As tropas dos
portugueses e espanhóis se aproximam perigosamente. Balda diz ao povo
que provoquem um forte incêndio na sede, e o corpo de Tanajura é a
primeira coisa a ser queimada, enquanto indígenas e jesuítas fogem. Os
portugueses chegam às terras conquistadas e, em perseguição, prendem
os jesuítas, inclusive Balda.

3. RESUMO DO ENREDO
O Uraguai, poema épico de 1769, critica drasticamente os jesuítas,
antigos mestres do autor Basílio da Gama. Ele alega que os jesuítas apenas
defendiam os direitos dos índios para ser eles mesmos seus senhores. O
enredo em si, é a luta dos portugueses e espanhóis contra os índios e os
jesuítas dos Sete Povos das Missões. De acordo com o tratado de Madrid,
Portugal e Espanha fariam uma troca de terras no sul do país: Sete Povos
das Missões para os espanhóis, e Sacramento para os portugueses. Os
nativos locais recusam-se a sair de suas terras, travando uma guerra. Foi
escrito em versos brancos decassílabos, sem divisão de estrofes e divididos
em cinco cantos, e por muitos autores, foi o início do Romantismo.
No Canto I, o poeta apresenta já o campo de batalha coberto de
destroços e de cadáveres, principalmente de indígenas, e, voltando no tempo,
apresenta um desfile do exército luso - espanhol, comandado por Gomes Freire
de Andrada.
No Canto II, relata o encontro entre os caciques Sepé e Cacambo e o
comandante português. Gomes Freire de Andrada à margem do rio Uruguai. O
acordo é impossível porque os jesuítas portugueses se negavam a aceitar a
nacionalidade espanhola. Ocorre então o combate entre os índios e as tropas
luso-espanholas. Os índios lutam valentemente, mas são vencidos pelas armas
de fogo dos europeus. Cepé morre em combate. Cacambo comanda a retirada.
No Canto III, o falecido Sepé aparece em sonho a Cacambo sugerindo o
incêndio do acampamento inimigo. Cacambo aproveita a sugestão de Sepé
com sucesso. Na volta da missão Cacambo é traiçoeiramente assassinado por
ordem do jesuíta Balda, o vilão da história, que deseja tornar seu filho Baldeta
cacique, em lugar de Cacambo. Observa-se aqui uma forte crítica aos jesuítas.
No Canto IV, o poeta apresenta a marcha das forças luso-espanholas
sobre a aldeia dos índios, onde se prepara o casamento de Baldeta e Lindóia.
A moça, entretanto, prefere a morte. Com a chegada das tropas de Gomes
Freire, os índios se retiram após queimarem a aldeia.
No Canto V, o poeta expressa suas opiniões a respeito dos jesuítas,
colocando-os como responsáveis pelo massacre dos índios pelas tropas luso -
espanholas. Eram opiniões que agradavam ao Marquês de Pombal, o todo
poderoso ministro de D. José I. Nesse mesmo canto ainda aparece a
homenagem ao general Gomes Freire de Andrada que respeita e protege os
índios sobreviventes.

4. ANÁLISE DA OBRA
O TRATADO DE MADRI
Pelo Tratado de Madri, celebrado entre os reis de Portugal e de
Espanha, as terras ocupadas pelos jesuítas, no Uruguai, deveriam passar da
Espanha a Portugal. Os portugueses ficariam com Sete Povos das Missões e
os espanhóis, com a Colônia do Sacramento. Sete Povos das Missões era
habitada por índios e dirigida por jesuítas, que organizaram a resistência à
pretensão dos portugueses.

A GUERRA
O poema narra o que foi a luta pela posse da terra, travada em
princípios de 1757, exaltando os feitos do General Gomes Freire de Andrade.
Basílio da Gama dedica o poema ao irmão do Marquês de Pombal e combate
os jesuítas abertamente.

PERSONAGENS
General Gomes Freire de Andrade (chefe das tropas portuguesas);
Catâneo (chefe das tropas espanholas); Cacambo (chefe indígena); Cepé
(guerreiro índio); Balda (jesuíta administrador de Sete Povos das Missões);
Caitutu (guerreiro indígena; irmão de Lindóia); Lindóia (esposa de Cacambo);
Tanajura (indígena feiticeira).

RESUMO DA NARRATIVA
A pobreza temática impele Basílio da Gama a substituir o modelo camoniano
de dez cantos por um poema épico de apenas cinco cantos, constituídos por
versos brancos, ou seja, versos sem rimas.
Canto I: Saudação ao General Gomes Freire de Andrade. Chegada de
Catâneo. Desfile das tropas. Andrade explica as razões da guerra. A primeira
entrada dos portugueses enquanto esperam reforço espanhol. O poeta
apresenta já o campo de batalha coberto de destroços e de cadáveres,
principalmente de indígenas, e, voltando no tempo, apresenta um desfile do
exército luso-espanhol, comandado por Gomes Freire de Andrade.

Canto II: Partida do exército luso-castelhano. Soltura dos índios


prisioneiros. É relatado o encontro entre os caciques Cepê e Cacambo e o
comandante português, Gomes Freire de Andrade, à margem do rio Uruguai. O
acordo é impossível porque os jesuítas portugueses se negavam a aceitar a
nacionalidade espanhola. Ocorre então o combate entre os índios e as tropas
luso-espanholas. Os índios lutam valentemente, mas são vencidos pelas armas
de fogo dos europeus. Cepé morre em combate. Cacambo comanda a retirada.

Canto III: O General acampa às margens de um rio. Do outro lado,


Cacambo descansa e sonha com o espírito de Cepê. Este incita-o a incendiar o
acampamento inimigo. Cacambo atravessa o rio e provoca o incêndio. Depois,
regressa para a sede. Surge Lindóia. A mando de Balda, prendem Cacambo e
matam-no envenenado. Balda é o vilão da história, que deseja tornar seu filho
Baldeta, cacique, em lugar de Cacambo. Observa-se aqui uma forte crítica aos
jesuítas. Tanajura propicia visões a Lindóia: a índia “vê” o terremoto de Lisboa,
a reconstituição da cidade pelo Marquês de Pombal e a expulsão dos jesuítas.

Canto IV: Maquinações de Balda. Pretende entregar Lindóia e o


comando dos indígenas a Baldeta, seu filho. O episódio mais importante: a
morte de Lindóia. Ela, para não se entregar a outro homem, deixa-se picar por
uma serpente. Os padres e os índios fogem da sede, não sem antes atear fogo
em tudo. O exército entra no templo. O poema apresenta então um trecho lírico
de rara beleza:
"Inda conserva o pálido semblante
Um não sei que de magoado e triste
Que os corações mais duros enternece,
Tanto era bela no seu rosto a morte!"
Com a chegada das tropas de Gomes Freire, os índios se retiram após
queimarem a aldeia.

Canto V: Descrição do Templo. Perseguição aos índios. Prisão de


Balda. O poeta dá por encerrada a tarefa e despede-se. Expressa suas
opiniões a respeito dos jesuítas, colocando-os como responsáveis pelo
massacre dos índios pelas tropas luso-espanholas. Eram opiniões que
agradavam ao Marquês de Pombal, o todo-poderoso ministro de D. José I.
Nesse mesmo canto ainda aparece a homenagem ao general Gomes Freire de
Andrade que respeita e protege os índios sobreviventes.

ASPECTOS FORMAIS
O poema é escrito em decassílabos brancos, sem divisão em
estrofes, mas é possível perceber a sua divisão em partes: proposição,
invocação, dedicatória, narrativa e epílogo. Abandona a linguagem
mitológica, mas ainda adota o maravilhoso, apoiado na mitologia indígena.
Foge, assim, ao esquema tradicional, sugerido pelo modelo imposto em
língua portuguesa, Os Lusíadas.

CRÍTICA AOS JESÚÍTAS


Por todo o texto, perpassa o propósito de crítica aos jesuítas, que
domina a elaboração do poema.

CARACTERÍSTICAS ÁRCADES
A oposição entre rusticidade e civilização, que anima o Arcadismo,.
Assim, apesar da intenção ostensiva de fazer um panfleto anti-jesuítico para
obter as graças de Pombal, a análise revela, todavia, que também outros
intuitos animavam o poeta, notadamente descrever o conflito entre a
ordenação racional da Europa e o primitivismo do índio.

PRÉ-ROMANTISMO
Convém ressaltar que O Uraguai, além das características árcades, já
apresenta, algumas tendências românticas na descrição da natureza
brasileira e não poderia deixar de favorecer, no Brasil, o advento do índio
como tema literário.
Variedade, fluidez, colorido, movimento, sínteses admiráveis
caracterizam os decassílabos do poema, não obstante equilibrados e serenos.
Ele será o modelo do decassílabo solto dos românticos.

RIQUEZA LITERÁRIA
Há, no poema, uma grande sensibilidade plástica, o poeta apreende
o mundo sensível com verdadeiro prazer dos sentidos. Recria o cenário natural
sem que a notação do detalhe prejudique a ordem serena da descrição.

O CHOQUE DE CULTURAS
Senso da situação: o poema deixa de ser a celebração de um herói
para tomar-se o estudo de uma situação: o drama do choque de culturas.

SIMPATIA PELO ÍNDIO E PELO NEGRO


Simpatia pelo índio, que, abordado inicialmente por exigência do
assunto, acaba superando no seu espírito o guerreiro português, que era
preciso exaltar, e o jesuíta, que era preciso desmoralizar. Como filho da
“simples natureza”, ele aparece não só por ser o elemento esteticamente mais
sugestivo, mas por ser uma concessão ao maravilhoso da poesia épica.
Devido ao tema do índio, durante todo o Romantismo, o nome de Basílio
da Gama foi talvez o mais freqüente, quando se tratava de apontar precursores
da literatura nacional. Convém, entretanto, distinguir neste poeta o nativismo do
interesse exterior pelo exótico, havendo mesmo predomínio deste, pois o
indianismo não foi para ele uma vivência, foi antes um tema arcádico
transposto em linguagem pitoresca.
O preto africano lhe feriu a sensibilidade também, tendo sido o primeiro
a celebrá-lo no poemeto Quitúbia, mostrando que a virtude é de todos os
lugares.

LIBERDADE ESTÉTICA
Basílio foi poeta revolucionário com seu poema épico. Enquanto Cláudio
trazia ao Brasil a disciplina clássica, Basilio, sem transgredi-la muito, mas
movendo-se nela com maior liberdade estética e intelectual, levava à Europa o
testemunho do Novo Mundo.

PRESENÇA DO MARQUÊS DE POMBAL:


No episódio em que a índia Lindóia, sabendo morto o amado Cacambo,
procura a morte, mas a feiticeira Tanajura conduz a jovem a uma gruta e a
desvia do triste intento, suscitando em seu espírito a visão de Lisboa,
reconstruída pelo Marquês.
Material de apoio: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/o/o_uraguai

5. TRECHOS DA OBRA
CANTO PRIMEIRO
Fumam ainda nas desertas praias
Lagos de sangue tépidos e impuros
Em que ondeiam cadáveres despidos,
Pasto de corvos. Dura inda nos vales
O rouco som da irada artilheria.
MUSA, honremos o Herói que o povo rude
Subjugou do Uraguai, e no seu sangue
Dos decretos reais lavou a afronta.
Ai tanto custas, ambição de império!
E Vós, por quem o Maranhão pendura

CANTO SEGUNDO
Aqui não temos. Os padres faziam crer aos índios que os
portugueses eram gente sem lei, que adoravam o ouro.
Rios de areias de ouro. Essa riqueza
Que cobre os templos dos benditos padres,
Fruto da sua indústria e do comércio
Da folha e peles, é riqueza sua.
Com o arbítrio dos corpos e das almas
O céu lha deu em sorte. A nós somente
Nos toca arar e cultivar a terra,
Sem outra paga mais que o repartido
Por mãos escassas mísero sustento.
Podres choupanas, e algodões tecidos,
E o arco, e as setas, e as vistosas penas
São as nossas fantásticas riquezas.
Muito suor, e pouco ou nenhum fasto.
Volta, senhor, não passes adiante.
Que mais queres de nós? Não nos obrigues
A resistir-te em campo aberto. Pode
Custar-te muito sangue o dar um passo.
Não queiras ver se cortam nossas frechas.
Vê que o nome dos reis não nos assusta.
O teu está muito longe; e nós os índios
Não temos outro rei mais do que os padres.
Acabou de falar; e assim responde
O ilustre General: Ó alma grande,
Digna de combater por melhor causa,
Vê que te enganam: risca da memória
Vãs, funestas imagens, que alimentam
Envelhecidos mal fundados ódios.

CANTO TERCEIRO
Não de outra sorte o cauteloso Ulisses,
Vaidoso da ruína, que causara,
Viu abrasar de Tróia os altos muros,
E a perjura cidade envolta em fumo
Encostar-se no chão e pouco a pouco
Desmaiar sobre as cinzas. Cresce entanto
O incêndio furioso, e o irado vento
Arrebata às mãos cheias vivas chamas,
Que aqui e ali pela campina espalha.
Comunica-se a um tempo ao largo campo
A chama abrasadora e em breve espaço
Cerca as barracas da confusa gente.
Armado o General, como se achava,
Saiu do pavilhão e pronto atalha,
Que não prossiga o voador incêndio.
Poucas tendas entrega ao fogo e manda,
Sem mais demora, abrir largo caminho
Que os separe das chamas. Uns já cortam
As combustíveis palhas, outros trazem
Nos prontos vasos as vizinhas ondas.
Mas não espera o bárbaro atrevido.
A todos se adianta; e desejoso
De levar a notícia ao grande Balda
Naquela mesma noite o passo estende.
Tanto se apressa que na quarta aurora
Por veredas ocultas viu de longe
A doce pátria, e os conhecidos montes,
E o templo, que tocava o céu co’as grimpas.
Mas não sabia que a fortuna entanto
Lhe preparava a última ruína.
Quanto seria mais ditoso! Quanto
Melhor lhe fora o acabar a vida
Na frente do inimigo, em campo aberto,
Ou sobre os restos de abrasadas tendas,
Obra do seu valor! Tinha Cacambo
Real esposa, a senhoril Lindóia,
De costumes suavíssimos e honestos,
Em verdes anos: com ditosos laços
Amor os tinha unido; mas apenas
Os tinha unido, quando ao som primeiro
Das trombetas lho arrebatou dos braços
A glória enganadora. Ou foi que Balda,
Engenhoso e sutil, quis desfazer-se
Da presença importuna e perigosa
Do índio generoso; e desde aquela
Saudosa manhã, que a despedida
Presenciou dos dous amantes, nunca
Consentiu que outra vez tornasse aos braços
Da formosa Lindóia e descobria
Sempre novos pretextos da demora.
Tornar não esperado e vitorioso
Foi todo o seu delito. Não consente
O cauteloso Balda que Lindóia
Chegue a falar ao seu esposo; e manda
Que uma escura prisão o esconda e aparte
Da luz do sol. Nem os reais parentes,
Nem dos amigos a piedade, e o pranto
Da enternecida esposa abranda o peito
Do obstinado juiz: até que à força
De desgostos, de mágoa e de saudade,
Por meio de um licor desconhecido,
Que lhe deu compassivo o santo padre,
Jaz o ilustre Cacambo - entre os gentios
Único que na paz e em dura guerra
De virtude e valor deu claro exemplo.
Chorado ocultamente e sem as honras
De régio funeral, desconhecida
Pouca terra os honrados ossos cobre.
Se é que os seus ossos cobre alguma terra.
Cruéis ministros, encobri ao menos
A funesta notícia. Ai que já sabe
A assustada amantíssima Lindóia
O sucesso infeliz. Quem a socorre!
Que aborrecida de viver procura
Todos os meios de encontrar a morte.
Nem quer que o esposo longamente a espere
No reino escuro, aonde se não ama.
Mas a enrugada Tanajura, que era
Prudente e exprimentada (e que a seus peitos
Tinha criado em mais ditosa idade
A mãe da mãe da mísera Lindóia),
E lia pela história do futuro,
Visionária, supersticiosa,
Que de abertos sepulcros recolhia
Nuas caveiras e esburgados ossos,
A uma medonha gruta, onde ardem sempre
Verdes candeias, conduziu chorando
Lindóia, a quem amava como filha;
E em ferrugento vaso licor puro
De viva fonte recolheu. Três vezes
Girou em roda, e murmurou três vezes
Co’a carcomida boca ímpias palavras,
E as águas assoprou: depois com o dedo
Lhe impõe silêncio e faz que as águas note.
Como no mar azul, quando recolhe
A lisonjeira viração as asas,
Adormecem as ondas e retratam
Ao natural as debruçadas penhas,
O copado arvoredo e as nuvens altas:
Não de outra sorte à tímida Lindóia
Aquelas águas fielmente pintam
O rio, a praia o vale e os montes onde
Tinha sido Lisboa; e viu Lisboa
Entre despedaçados edifícios,
Com o solto cabelo descomposto,
Tropeçando em ruínas encostar-se.
Desamparada dos habitadores
A Rainha do Tejo, e solitária,
No meio de sepulcros procurava
Com seus olhos socorro; e com seus olhos
Só descobria de um e de outro lado
Pendentes muros e inclinadas torres.
Vê mais o Luso Atlante, que forceja
Por sustentar o peso desmedido
Nos roxos ombros. Mas do céu sereno
Em branca nuvem Próvida Donzela
Rapidamente desce e lhe apresenta,
De sua mão, Espírito Constante,
Gênio de Alcides, que de negros monstros
Despeja o mundo e enxuga o pranto à pátria.
Tem por despojos cabeludas peles
De ensangüentados e famintos lobos
E fingidas raposas. Manda, e logo
O incêndio lhe obedece; e de repente
Por onde quer que ele encaminha os passos
Dão lugar as ruínas. Viu Lindóia
Do meio delas, só a um seu aceno,
Sair da terra feitos e acabados

Vistosos edifícios. Já mais bela


Nasce Lisboa de entre as cinzas - glória
Do grande conde, que co’a mão robusta
Lhe firmou na alta testa os vacilantes
Mal seguros castelos. Mais ao longe
Prontas no Tejo, e ao curvo ferro atadas
Aos olhos dão de si terrível mostra,
Ameaçando o mar, as poderosas
Soberbas naus. Por entre as cordas negras
Alvejam as bandeiras: geme atado
Na popa o vento; e alegres e vistosas
Descem das nuvens a beijar os mares
As flâmulas guerreiras. No horizonte
Já sobre o mar azul aparecia
A pintada Serpente, obra e trabalho
Do Novo Mundo, que de longe vinha
Buscar as nadadoras companheiras
E já de longe a fresca Sintra e os montes,
Que inda não conhecia, saudava.
Impacientes da fatal demora
Os lenhos mercenários junto à terra
Recebem no seu seio e a outros climas,
Longe dos doces ares de Lisboa,
Transportam a Ignorância e a magra Inveja,
E envolta em negros e compridos panos
A Discórdia, o Furor. A torpe e velha
Hipocrisia vagarosamente
Atrás deles caminha; e inda duvida
Que houvesse mão que se atrevesse a tanto.
O povo a mostra com o dedo; e ela,
Com os olhos no chão, da luz do dia
Foge, e cobrir o rosto inda procura
Com os pedaços do rasgado manto.
Vai, filha da ambição, onde te levam
O vento e os mares: possam teus alunos
Andar errando sobre as águas; possa
Negar-lhe a bela Europa abrigo e porto.
Alegre deixarei a luz do dia,
Se chegarem a ver meus olhos que Ádria
Da alta injúria se lembra e do seu seio
Te lança - e que te lançam do seu seio
Gália, Ibéria e o país belo que parte
O Apenino, e cinge o mar e os Alpes.
Pareceu a Lindóia que a partida
Destes monstros deixava mais serenos
E mais puros os ares. Já se mostra
Mais distinta a seus olhos a cidade.
Mas viu, ai vista lastimosa! a um lado
Ir a fidelidade portuguesa,
Manchados os puríssimos vestidos
De roxas nódoas. Mais ao longe estava
Com os olhos vendados, e escondido
Nas roupas um punhal banhado em sangue,
O Fanatismo, pela mão guiando
Um curvo e branco velho ao fogo e ao laço.
Geme ofendida a Natureza; e geme
Ai! Muito tarde, a crédula cidade.
Os olhos põe no chão a Igreja irada
E desconhece, e desaprova, e vinga
O delito cruel e a mão bastarda.
Embebida na mágica pintura
Goza as imagens vãs e não se atreve
Lindóia a perguntar. Vê destruída
A República infame, e bem vingada.
CANTO QUARTO (fragmento)
A Morte de Lindoya
Não faltava,
Para se dar princípio à estranha festa,
Mais que Lindoya. Há muito lhe preparam
Todas de brancas penas revestidas
Festões de flores as gentis donzelas.
Cansados de esperar, ao seu retiro
Vão muitos impacientes a buscá-la.
Estes de crespa Tanajura aprendem
Que entrara no jardim triste, e chorosa,
Sem consentir que alguém a acompanhasse.
Um frio susto corre pelas veias
De Caitutú, que deixa os seus no campo;
E a irmã por entre as sombras do arvoredo
Busca co'a vista, e teme de encontrá-la.
Entram enfim na mais remota, e interna
Parte de antigo bosque, escuro, e negro,
Onde ao pé de uma lapa cavernosa
Cobre uma rouca fonte, que murmura,
Curva latada de jasmins, e rosas.
Este lugar delicioso, e triste,
Cansada de viver, tinha escolhido
Para morrer a mísera Lindoya.
Lá reclinada, como que dormia,
Na branda relva, e nas mimosas flores,
Tinha a face na mão, e a mão no tronco
De um fúnebre cipreste, que espalhava
Melancólica sombra. Mais de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia, e cinge
Pescoço, e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem de a ver assim sobressaltados,
E param cheios de temor ao longe;
E nem se atrevem a chamá-la, e temem
Que desperte assustada, e irrite o monstro,
E fuja, e apresse no fugir a morte.
Porém o destro Caitutú, que treme
Do perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes
Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira, e o temor. Enfim sacode
O arco, e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindoya, e fere
A serpente na testa, e a boca, e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.
Açouta o campo co'a ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
Leva nos braços a infeliz Lindoya
O desgraçado irmão, que ao despertá-la
Conhece, com que dor! no frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito.
Os olhos, em que Amor reinava, um dia,
Cheios de morte; e muda aquela língua,
Que ao surdo vento, aos ecos tantas vezes
Cotou a larga história de seus males.
Nos olhos Caitutú não sofre o pranto,
E rompe em profundíssimos suspiros,
Lendo na testa da fronteira gruta
De sua mão já trêmula gravado
O alheio crime, e a voluntária morte.
E por todas as partes repetido
O suspirado nome de Cacambo.
Inda conserva o pálido semblante
Um não sei quê de magoado, e triste,
Que os corações mais duros enternece.
Tanto era bela no seu rosto a morte!

CANTO QUINTO
Sossegado o tumulto e conhecidas
As vis astúcias de Tedeu e Balda,
Cai a infame República por terra.
Aos pés do General as toscas armas
Já tem deposto o rude Americano,
Que reconhece as ordens e se humilha,
E a imagem do seu rei prostrado adora.
Serás lido, Uraguai. Cubra os meus olhos
Embora um dia a escura noite eterna.
Tu vive e goza a luz serena e pura.
Vai aos bosques de Arcádia: e não receies
Chegar desconhecido àquela areia.
Ali de fresco entre as sombrias murtas
Urna triste a Mireo não todo encerra.
Leva de estranho céu, sobre ela espalha
Co’a peregrina mão bárbaras flores.
E busca o sucessor, que te encaminhe
Ao teu lugar, que há muito que te espera.
http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaBrasileira/ArcadisPreromant/O_URAGUAI_trechos.htm

QUESTÕES
01. (CEV) A intensidade com que o poeta Basílio da Gama descreve cenas
de guerras em O Uraguai aparece já nos versos iniciais do poema:
I. Pode-se afirmar que, com isso, o poema atualiza uma das marcas do épico,
gênero poético que costuma apresentar violentas e realçadas cenas dos
campos de batalhas.
II. Pode-se afirmar que, com isso, Basílio da Gama tenta traçar um paralelo
também entre sua obra e a famosa obra grega, transferindo aos seus heróis
indígenas toda a glória celebrada aos heróis dos poemas antigos.
III. Pode-se afirmar que, com isso, Basílio da Gama ridiculariza a figura do índio
brasileiro, apresentado como guerreiro derrotado ou covarde.
a) Todas as afirmações estão corretas.
b) As afirmações I, II estão corretas e a III errada.
c) As afirmações I e III estão corretas e a II errada.
d) A afirmação I está errada e as afirmações II e III estão corretas.
e) Todas as afirmações estão erradas.

02. (CEV) O Canto quinto do poema O Uraguai é composto como a


descrição de uma suntuosa pintura que o leitor do poema é convidado a
observar. Segundo o poema, o quadro teria sido pintado na entrada
principal de uma igreja, construída na região onde se passa o conflito
histórico de que trata o texto. Nessa imagem são descritas paisagens de
outros países colonizados pela Companhia de Jesus, cenas de outras
guerras e relatos de morte:
Pela leitura desse canto, pode-se afirmar que:
a) O poema celebra a grandeza do empreendimento missionário dos padres
jesuítas no Brasil e no mundo.
b) Os cetros, as coroas, as tiaras e as púrpuras são imagens dos presentes
que os portugueses trouxeram no início da colonização do Brasil.
c) O poeta confunde poesia e pintura, pois não é possível fazer este tipo de
paralelo entre uma obra poética e uma pintura num poema.
d) A imagem descrita no poema mostra toda a cobiça material e o desejo de
poder, os erros cometidos e as ações espúrias com que os jesuítas realizaram
a colonização do Brasil e de outras partes do mundo católico, segundo o
poema O Uraguai.
e) Os versos 5 e 9 dão testemunhos patentes da generosidade da Companhia
de Jesus.

03. Na história da literatura brasileira, encontra-se um conjunto de obras


literárias que formam, consolidam e desenvolvem, por meio de visões ou
interpretações diferentes, a linha temática do indianismo. A alternativa em
que todas as obras indicadas integram essa linha temática é:
a) O guarani, Triste fim de Policarpo Quaresma, O ateneu, Jubiabá.
b) Caramuru, O Uraguai, Iracema, Macunaíma, Quarup, Maíra.
c) O guarani, Os timbiras, A escrava Isaura, O seminarista, No Urubuquaquá
no Pinhém, Quarup.
d) O Uraguai, Iracema, Canaã, Cobra Norato, Tutaméia, Campo geral.
e) Caramuru, O tronco do ipê, Inocência, Sargento Getúlio, A pedra do reino.

04. Assinale a alternativa INCORRETA a respeito de O Uraguai, de Basílio


da Gama:
a) Dividido em quatro cantos, segue parcialmente o andamento épico.
b) Tenta conciliar heroísmo indígena com louvação ao Marquês de Pombal.
c) No argumento, é destacado o par amoroso Lindóia e Cacambo.
d) A natureza, associada ao inferno, é pouco salientada no poema.
e) Focaliza episódios referentes a europeus, indígenas e jesuítas.
05. (UFSM-RS) O poema épico O Uraguai, de Basílio da Gama, é uma:
a) composição que narra as lutas dos índios de Sete Povos das Missões, no
Uruguai, contra o exército espanhol, sediado lá para pôr em prática o Tratado
de Madri.
b) das obras mais importantes do Arcadismo no Brasil, pois foi a precursora
das Obras Poéticas de Cláudio Manuel da Costa.
c) exaltação à terra brasileira, que o poeta compara ao paraíso, o que pode ser
comprovado nas descrições, principalmente do Ceará e da Bahia.
d) crítica a Diogo Álvares Correia, misto de missionário e colono português, que
comanda um dos maiores extermínios de índios da história.
e) exaltação à índia Lindóia, que morre após Diogo Álvares decidir-se por
Moema, que ajudava os espanhóis na luta contra os índios.

06. (UFRS) Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas


do texto abaixo:
____________________, de Basílio da Gama, apresenta a disputa
pelo território onde se encontravam as ____________________ e narra,
entre outros episódios, uma batalha crucial em que se enfrentaram as
forças luso-espanholas e a milícia indígena, entre cujos líderes
encontrava-se o célebre ____________________.
a) O Uraguai – missões jesuíticas – Gomes Andrada.
b) Caramuru – edificações portuguesas – Gupeva.
c) O Uraguai – edificações portuguesas – Cacambo.
d) Caramuru – missões jesuíticas – Sepé Tiaraju.
e) O Uraguai – missões jesuíticas – Catâneo.

07. (USC) Por sua temática, O Uraguai, de Basílio da Gama, pode ser
considerado um poema:
a) épico;
b) lírico;
c) satírico;
d) de escárnio;
e) de profecia.

08. (UM-SP) Sobre o poema O Uraguai, é correto afirmar que:


a) herói do poema é Diogo Álvares, responsável pela primeira ação
colonizadora na Bahia.
b) índio Cacambo, ao saber da morte de sua amada, Lindóia, suicida-se.
c) escrito em plena vigência do Barroco, filiou-se à corrente cultista.
d) os jesuítas aparecem como vilões, enganadores dos índios.
e) segue a estrutura épica camoniana, com versos decassílabos e estrofes em
oitava rima.

09. (UFRS) Considere as seguintes afirmações.


I. Sua obra foge dos artificialismos pastoris comuns ao Arcadismo, destacando-
se nela o poema épico "O Uraguai", que trata da guerra entre portugueses,
espanhóis e indígenas nos Sete Povos das Missões.
II. é considerado um poeta de transição por realizar uma síntese entre a
herança barroca, os ideais arcádicos e as solicitações do sentimento nativista,
como acontece na "Fábula do Ribeirão do Carmo" e, posteriormente, no poema
épico "Vila Rica".
III. Sua produção poética demonstra sintonia com a tradição árcade da vida
simples, apego à vida pastoril e divinização da mulher, sobretudo nas "Liras",
que retratam o seu amor pela noiva Maria Joaquina.

As afirmações referem-se, respectivamente a:


a) Thomás Antônio Gonzaga, Basílio da Gama e Cláudio Manuel da Costa
b) Basílio da Gama, Manuel Botelho de Oliveira, Thomás Antônio Gonzaga
c) Frei Santa Rita durão, Cláudio Manuel da Costa e Thomás Antônio Gonzaga
d) Cláudio Manuel da Costa, Manuel Botelho de Oliveira e Basílio da Gama
e) Basílio da Gama, Cláudio Manuel da Costa e Thomás Antônio Gonzaga

10. (UEL)
"Fumam ainda nas desertas praias
Lagos de sangue, tépidos e impuros,
Em que ondeiam cadáveres despidos,
Pasto de corvos."
Os versos acima são excerto do poema que concilia louvações dirigidas
ao Marquês de Pombal e exaltação de heroísmo indígena. Trata-se da
obra:
a) Caramuru, de Santa Rita Durão.
b) Uraguai, de Basílio da Gama.
c) Vila Rica, de Cláudio Manuel da Costa.
d) Glaura, de Silva Alvarenga.
e) Cartas chilenas, de Thomás Antônio Gonzaga

11. (ESAN-SP) Assinale a alternativa correta quanto a autores e obras


neoclássicas ou arcádicas:
a) Vila Rica (1839), poema épico que trata da descoberta do ouro em Minas
Gerais e a fundação de Vila Rica.
Autoria: Cláudio Manuel da Costa.
b) "Minha bela Marília, tudo passa:
A sorte deste mundo é mal segura;
Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraça."
Fragmento de Marília de Dirceu (1792).
Autoria: Tomás Antônio Gonzaga.
c) Frei Santa Rita Durão, a exemplo de Os Lusíadas, de Camões, compõe
Caramuru (1781), em dez cantos, em oitava rima, observando as unidades
tradicionais: proposição, invocação, dedicatória, narrativa e epílogo.
d) O Uraguai (1769) é poema épico escrito por Basílio da Gama. rompe o
modelo camoniano, pois está dividido em cinco cantos, com estrofação livre e
versos brancos.
e) Todas são corretas.

12. (MACK-SP) Sobre o Arcadismo no Brasil, é incorreto afirmar que:


a) Cláudio Manuel da Costa, um de seus autores mais importantes, escreveu
obras como Vila Rica e Obras Poéticas - introdutora do movimento no Brasil.
b) Em Liras de Marília de Dirceu, Tomás Antônio Gonzaga não segue aspectos
formais rígidos, como o soneto e a redondilha em todas as partes da obra.
c) Nas Cartas Chilenas, o autor satiriza Luís da Cunha Menezes por sua
arbitrariedades como governador da capitania de Minas.
d) Basílio da Gama, em O Uraguai, seguiu a rígida estrutura camoniana de Os
Lusíadas, usando versos decassílabos em oitava rima.
e) Caramuru tem, como tema principal, o descobrimento da Bahia por Diogo
Álvares Correia, apresentando, também, os rituais e as tradições indígenas.
13. (UFPR-2019) O Uraguai foi publicado pela primeira vez antes da
independência do Brasil, em 1769, e narra as disputas entre espanhóis e
portugueses pelos territórios do sul do continente, envolvendo os índios
e os jesuítas. No fragmento abaixo, podemos conferir um trecho da fala
do comandante português:

O nosso último rei e o rei de Espanha


Determinaram por cortar de um golpe,
Como sabeis, neste ângulo da terra,
As desordens de povos confinantes,
Que mais certos sinais nos dividissem.
(GAMA, Basílio da. “Canto Primeiro”. O Uraguai. Porto Alegre: L&PM, 2009, p.
47.)

O talento de Basílio da Gama, que transforma o árido assunto em matéria


literária, recebe, cem anos depois, o elogio de Machado de Assis. Ao compará-
lo com seu contemporâneo, Tomás Antônio Gonzaga, o escritor afirma: “Não
lhe falta, também a ele, nem sensibilidade, nem estilo, que em alto grau possui;
a imaginação é grandemente superior à de Gonzaga, e quanto à versificação
nenhum outro, em nossa língua, a possui mais harmoniosa e pura”
(MACHADODE ASSIS. A nova geração. In. Obras completas. Rio
de Janeiro: José Aguilar Editora, 1973. p.815).

Sobre o poema de Basílio da Gama, considere as seguintes afirmativas:


1. O contexto histórico trabalhado no poema de Basílio da Gama é fundamental
para o seu entendimento: a descentralização do poder colonial, protagonizada
pelo Marquês de Pombal, e a disputa de territórios coloniais entre Espanha e
Portugal, mediada e pacificada pelos jesuítas, na segunda metade do século
XVIII.
2. Ao longo dos cinco cantos de O Uraguai, compostos em decassílabos sem
rima, podemos perceber a marca da epopeia, na narração da guerra e dos
feitos dos heroicos portugueses, e a presença da sátira, na caricatura dos
jesuítas, particularmente na figura do Padre Balda.
3. O grande destaque dado aos índios e à defesa da sua terra, a exaltação
lírica da natureza e a centralidade do par amor/morte, presente na relação de
Lindoia e Cacambo, deram ao poema de Basílio da Gama o lugar de
inaugurador do romantismo em todos os manuais de história da literatura
brasileira.
4. Para narrar acontecimentos reais da ação de portugueses e espanhóis na
disputa dos territórios delimitados pelo rio Uruguai, que hoje correspondem ao
noroeste do Rio Grande do Sul e ao norte da Argentina, Basílio da Gama
toma o cuidado de inserir apenas personagens ficcionais no seu poema, para
não se comprometer.
Assinale a alternativa correta.
a) Somente a afirmativa 1 é verdadeira.
b) Somente a afirmativa 2 é verdadeira.
c) Somente as afirmativas 2 e 3 são verdadeiras.
d) Somente as afirmativas 1, 3 e 4 são verdadeiras.
e) As afirmativas 1, 2, 3 e 4 são verdadeiras.

CLARA DOS ANJOS


LIMA BARRETO
1. DADOS DO AUTOR
Afonso Henriques de Lima Barreto
nasceu no Rio de Janeiro, em 13 de maio
de 1881 - ano da publicação de Memórias
Póstumas de Brás Cubas, de Machado
de Assis e de O Mulato, de Aluísio
Azevedo. Mulato, pobre, socialista convicto,
atormentado pela loucura do pai, não pôde
completar um curso universitário.
O pai de Lima Barreto, João
Henrique, era tipógrafo. Sua mãe, Amália Augusta, professora, dirigia em sua
casa um pequeno colégio para meninas, o Santa Rosa, que foi fechado na
época do nascimento do escritor, devido à situação econômica da família e do
estado de saúde de sua mãe, que contraíra tuberculose. Em 1887, Amália
morreu, deixando cinco filhos.
Estudante brilhante, Lima Barreto ingressou na Escola Politécnica, em
1897. Teria sido um excelente aluno, não fosse o preconceito racial que sofria
dentro da escola, que fez com que se isolasse dos colegas e sofresse a
perseguição explícita do professor Licínio Cardoso. Sofria constantes
reprovações injustas e, para agravar ainda mais a sua situação, seu pai
enlouqueceu. Para cuidar do pai e sustentar os irmãos, ele abandonou o
curso antes da formatura e foi trabalhar no funcionalismo público, em 1903.
Sentindo-se frustrado profissionalmente, começa a beber e a freqüentar cafés,
livrarias e redações de jornais do Rio de Janeiro. Ingressa no jornalismo
profissional em 1905, com uma série de reportagens no Correio da Manhã. Na
mesma época inicia sua militância política, participando no comitê do Partido
Operário Independente, de Pausílipo da Fonseca.
Em 1909, publica o seu primeiro romance, Recordações do Escrivão
Isaías Caminha, elogiado no ano seguinte por José Veríssimo. Animado com o
sucesso, Lima Barreto passa a trabalhar intensamente. Esta fase, porém,
também é marcada por muita pobreza e desgostos familiares, que o levam à
primeira internação no hospício, em agosto de 1914. Quando sai, está
completamente dominado pelo álcool.
Revoltado contra as injustiças e os preconceitos de que também era
vítima, dedica sua obra a desmascarar a falsidade dos poderosos: políticos,
intelectuais, burocratas, jornalistas, militares, etc. Em 1917, foi um dos
primeiros intelectuais brasileiros a saudar a Revolução Russa, e passou a
defender o comunismo com ardor. Rejeitado pela Academia Brasileira de
Letras, foi acusado de ser um escritor semi-analfabeto, por insistir em utilizar
uma linguagem coloquial, distante da norma culta parnasiana. Alcoólatra,
depressivo, viveu, por vezes literalmente, na sarjeta e foi internado duas
vezes no Hospício Nacional. A boêmia e o alcoolismo parecem não ter
prejudicado seu trabalho intelectual, mas o levaram à morte prematura. Em 1o
de novembro de 1922, morreu, aos 41 anos, de colapso cardíaco, em
completa miséria. Dois dias depois seu pai, João Henrique, também faleceu.
Por ironia do destino, Lima Barreto morreu exatamente no ano da explosão do
modernismo no Brasil, de que foi o maior precursor e que viria a provar o
seu valor.
O abandono do modo artificial e erudito de escrever, dominante em
seu tempo, foi a principal contribuição de Lima Barreto para a literatura
contemporânea. Adotou em seus romances a informalidade estilística própria
do jornalismo e da fala cotidiana, colaborando para a soltura e descontração
da frase, o que agradou parte dos escritores modernistas da Semana de Arte
Moderna, de 1922. Registrou com riqueza de detalhes muitos aspectos da vida
social e política do Rio de Janeiro no tempo da Primeira República,
compondo, em suas obras, um interessante painel das pessoas remediadas do
Rio de Janeiro.
A obra de Lima Barreto revela forte influência do naturalismo de Aluísio
Azevedo, assim como de Machado de Assis, a quem dizia não admirar,
Dostoievski e dos positivistas franceses, como Taine e Brunetière. Apesar
dessas influências, é um dos autores mais independentes de nossa ficção.
Partilhava da idéia de que a literatura devia expressar diretamente os
sentimentos e as idéias pessoais do escritor. Por isso, quase todos os seus
romances possuem lances autobiográficos. Julgava, ainda, que a função
primordial da literatura é unir os homens e desmascarar os falsos valores e as
instituições que exploram a inconsciência popular.

02. OBRAS DO AUTOR


§ Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909)
§ Triste fim de Policarpo Quaresma (1915)
§ Numa e ninfa (1915)
§ Os bruzundangas (1923)
§ Clara dos Anjos (1948)
§ Diário Íntimo (1953)

03. CONTEXTO HISTÓRICO E LITERÁRIO


Durante as primeiras duas décadas do século XX, enquanto a Europa se
via invadida pelos movimentos da vanguarda modernista, a literatura brasileira
ainda se encontrava dominada pelos estilos surgidos no século anterior.
Parnasianismo e simbolismo predominavam na poesia, realismo e naturalismo
na prosa.
Alguns escritores, no entanto, rompiam com estas quatro tendências, e,
ainda que muito diferentes, não comungando de um estilo comum,
antecipavam, cada um a seu modo, as inovações que seriam propagadas pelos
modernistas de 1922, problematizando a realidade social e cultural brasileira.
Entre estes escritores, destacam-se Graça Aranha (1868-1931), Simões
Lopes Neto (1865-1916), e, principalmente, Euclides da Cunha (1866 - 1909),
Augusto dos Anjos (1884 - 1914), Lima Barreto (1881 - 1922) e Monteiro
Lobato (1882 - 1948).
04. CARACTERÍSTICAS DA OBRA
Concluído em 1922, ano da morte de Lima Barreto, o romance Clara
dos Anjos é uma denúncia áspera do preconceito racial e social, vivenciado
por uma jovem mulher do subúrbio carioca.
O grande historiador e crítico literário Sérgio Buarque de Holanda, já
apontava, escrevendo sobre Clara dos Anjos, que é muito difícil “escrever
sobre os livros de Lima Barreto sem incorrer um pouco no pecado do
biografismo”. Poucos escritores brasileiros foram tão obsessivos na
investigação da temática do preconceito quanto Lima Barreto. Mulato, nasceu
em 1881, mesmo ano em que o também mulato Machado de Assis introduzia o
Realismo na literatura nacional com a publicação de Memórias Póstumas de
Brás Cubas e Aluísio Azevedo inaugurava a Naturalismo no Brasil com o
romance O Mulato. Não são apenas coincidências. A questão do preconceito
contra a mestiçagem, já denunciada no obra de Aluísio Azevedo, será
fundamental no pensamento nacional entre a implantação do Naturalismo e a
do Modernismo, em 1922, ano da morte de Lima Barreto. Até por razões
pessoais, e por viver exatamente nesse período, sempre retratando-o de forma
crítica e até ressentida, o autor de Clara dos Anjos seria o escritor que mais
sentiria (na pele) o preconceito e o retrataria com tintas mais ácidas na
nossa literatura. É ainda Sérgio Buarque de Holanda que melhor resume como
essa temática se apresenta em Clara dos Anjos:
"Em Clara dos Anjos relata-se a estória de uma pobre mulata, filha de
um carteiro de subúrbio, que apesar das cautelas excessivas da família, é
iludida, seduzida e, como tantas outras, desprezada, enfim, por um rapaz de
condição social menos humilde do que a sua. É uma estória onde se tenta
pintar em cores ásperas o drama de tantas outras raparigas da mesma cor e do
mesmo ambiente. O romancista procurou fazer de sua personagem uma figura
apagada, de natureza "amorfa e pastosa", como se nela quisesse resumir a
fatalidade que persegue tantas criaturas de sua casta: "A priori", diz, "estão
condenadas, e tudo e todos parecem condenar os seus esforços e os dos seus
para elevar a sua condição moral e social." É claro que os traços singulares,
capazes de formar um verdadeiro "caráter" romanesco, dando-lhe relevo
próprio e nitidez hão de esbater-se aqui para melhor se ajustarem à regra
genérica. E Clara dos Anjos torna-se, assim, menos uma personagem do que
um argumento vivo e um elemento para a denúncia."

O ENREDO
Clara é uma mulata pobre, que vive no subúrbio carioca com seus pais,
Joaquim e Engrácia, mulher “sedentária e caseira.” Joaquim era carteiro,
“gostava de violão e de modinhas. Ele mesmo tocava flauta, instrumento que já
foi muito estimado em outras épocas, não o sendo atualmente como outrora”.
Também “compunha valsas, tangos e acompanhamentos de modinhas.” Além
da música, a outra diversão do pai de Clara era passar as tardes de domingo
jogando solo com seus dois amigos: o compadre Marramaque e o português
Eduardo Lafões, um guarda de obras públicas.

MARRAMEQUE E AS RODAS LITERÁRIAS


Poeta modesto, semiparalisado, Marramaque freqüentara uma pequena
roda de boêmios e literatos e dizia ter conhecido Paula Nei e ser amigo pessoal
de Luís Murat. A descrição dessa figura revela a crítica de Lima Barreto a
vários aspectos da vida literária brasileira:
"Embora atualmente fosse um simples contínuo de ministério, em que
não fazia o serviço respectivo, nem outro qualquer, devido a seu estado de
invalidez, de semi-aleijado e semiparalítico do lado esquerdo, tinha, entretanto,
pertencido a uma modesta roda de boêmios literatos e poetas, na qual, a par
da poesia e de coisas de literatura, se discutia muita política, hábito que lhe
ficou. (…)
A sua roda não tinha ninguém de destaque, mas alguns eram
estimáveis. Mesmo alguns de rodas mais cotadas procuravam a dele.
Quando narrava episódios dessa parte de sua vida, tinha grande garbo e
orgulho em dizer que havia conhecido Paula Nei e se dava com Luís Murat.
Não mentia, enquanto não confessasse a todos em que qualidade fizera parte
do grupo literário. Os que o conheciam, daquela época, não ocultavam o título
com que partilhava a honra de ser membro de um cenáculo poético. Tendo
tentado versejar, o seu bom senso e a integridade de seu caráter fizeram-lhe
ver logo que não dava para a coisa. Abandonou e cultivou as charadas, os
logogrifos, etc. Ficou sendo um hábil charadista e, como tal, figurava quase
sempre como redator ou colaborador dos jornais, que os seus companheiros e
amigos de boêmia literária, poetas e literatos, improvisavam do pé para a mão,
quase sempre sem dinheiro para um terno novo. Envelhecendo e ficando semi-
inutilizado, depois de dois ataques de apoplexia, foi obrigado a aceitar aquele
humilde lugar de contínuo, para ter com que viver. Os seus méritos e saber,
porém, não estavam muito acima do cargo. Aprendera muita coisa de ouvido e,
de ouvido, falava de muitas delas. (…)
Tendo vivido em rodas de gente fina — como já vimos — -, e não pela
fortuna, mas pela educação e instrução; tendo sonhado outro destino que não
o que tivera; acrescendo a tudo isto o seu aleijamento — Marramaque era
naturalmente azedo e oposicionista."
Lima Barreto denuncia, na figura de Marramaque, a influência das rodas
literárias, grupos fechados que abundam no Brasil; a cultura da oralidade, dos
que aprendem “muita coisa de ouvido e, de ouvido, falava de muitas delas”,
tendo um cultura superficial, de verniz; e o azedume dos que não conseguem
brilhar nas “rodas de gente fina”.

CLARA: A “NATUREZA ELEMENTAR”


Clara era a segunda filha do casal, “o único filho sobrevivente…os
demais…haviam morrido.” Tinha dezessete anos, era ingênua e fora criada
“com muito desvelo, recato e carinho; e, a não ser com a mãe ou pai, só saía
com Dona Margarida, uma viúva muito séria, que morava nas vizinhanças e
ensinava a Clara bordados e costuras.”
O autor reitera sempre a personalidade frágil da moça – sua “alma
amolecida, capaz de render-se às lábias de um qualquer perverso, mais ou
menos ousado, farsante e ignorante, que tivesse a animá-lo o conceito que os
bordelengos fazem das raparigas de sua cor” – como resultado de sua
educação reclusa e “temperada” pelas modinhas:
“Clara era uma natureza amorfa, pastosa, que precisava mãos fortes
que a modelassem e fixassem. Seus pais não seriam capazes disso. A mãe
não tinha caráter, no bom sentido, para o fazer; limitava-se a vigiá-la
caninamente; e o pai, devido aos seus afazeres, passava a maioria do tempo
longe dela. E ela vivia toda entregue a um sonho lânguido de modinhas e
descantes, entoadas por sestrosos cantores, como o tal Cassi e outros
exploradores da morbidez do violão. O mundo se lhe representava como
povoado de suas dúvidas, de queixumes de viola, a suspirar amor.”
Essa “natureza elementar” de Clara se traduzia na ausência de ambição
em melhorar seu modo de vida ou condição social por meio do trabalho ou do
estudo:
“Nem a relativa independência que o ensino da música e piano lhe poderia
fornecer, animava-a a aperfeiçoar os seus estudos. O seu ideal na vida não era
adquirir uma personalidade, não era ser ela, mesmo ao lado do pai ou do futuro
marido. Era constituir função do pai, enquanto solteira, e do marido, quando
casada. (…) Não que ela fosse vadia, ao contrário; mas tinha um tolo escrúpulo
de ganhar dinheiro por suas próprias mãos. Parecia feio a uma moça ou a uma
mulher.”
A descrição de Clara reforça os malefícios da formação machista,
superprotetora, repressiva e limitadora reservada às mulheres na nossa
sociedade. Ecoa, portanto, a descrição de Luísa, do romance O Primo Basílio,
de Eça de Queirós, ou a Ana Rosa de O Mulato, de Aluísio de Azevedo.
Todas são, na verdade, herdeiras diretas da figura de formação débil, educada
nas leituras dos romances românticos, que é Emma Bovary, criada por
Gustave Flaubert no romance inaugural do Realismo, Madame Bovary (1857).

CASSI: O CORRUPTOR
Por intermédio de Lafões, o carteiro Joaquim passa a receber em casa o
pretendente de Clara, Cassi Jones de Azevedo, que pertencia a uma posição
social melhor. Assim o descreve Lima Barreto:
“Era Cassi um rapaz de pouco menos de trinta anos, branco,
sardento, insignificante, de rosto e de corpo; e, conquanto fosse conhecido
como consumado "modinhoso", além de o ser também por outras façanhas
verdadeiramente ignóbeis, não tinha as melenas do virtuose do violão, nem
outro qualquer traço de capadócio. Vestia-se seriamente, segundo as modas
da rua do Ouvidor; mas, pelo apuro forçado e o degagé suburbanos, as suas
roupas chamavam a atenção dos outros, que teimavam em descobrir aquele
aperfeiçoadíssimo "Brandão", das margens da Central, que lhe talhava as
roupas. A única pelintragem, adequada ao seu mister, que apresentava,
consistia em trazer o cabelo ensopado de óleo e repartido no alto da cabeça,
dividido muito exatamente ao meio — a famosa "pastinha". Não usava topete,
nem bigode. O calçado era conforme a moda, mas com os aperfeiçoamentos
exigidos por um elegante dos subúrbios, que encanta e seduz as damas com o
seu irresistível violão.”
O padrinho Marramaque, que já lhe conhecia a fama, tenta afastá-lo de
Clara quando percebe seu interesse. Na festa de aniversário da afilhada,
provoca Cassi e deixa claro que ele não é bem-vindo ali e que seria melhor que
se retirasse. Cassi vinga-se de modo violento: junta-se a um capanga e ambos
assassinam Marramaque. Clara, que já suspeitava das ameaças do rapaz ao
padrinho, passa a temê-lo, mas ele consegue seduzi-la, principalmente ao
confessar seu crime, dizendo que matou por amor a ela.
Malandro e perigoso, Cassi já havia se envolvido em problemas com a
justiça antes, mas sempre fora acobertado pela sua família, especialmente sua
mãe, que não queria que fosse preso. Assim, conseguia subornar a polícia e
continuar impune, mesmo depois de ter levado a mãe de uma de suas vítimas
ao suicídio e da perseguição da imprensa.
O exagero narrativo de Lima Barreto torna-se patente ao descrever a
figura do sedutor. Branco, sardento e de cabelos claros, é a antítese de Clara.
Como o apontou Lúcia Miguel Pereira: “Até os animais da predileção de Cassi,
os galos de briga, são apresentados com visível má vontade: ‘horripilantes
galináceos’ de ‘ferocidade repugnante’.”

O DESFECHO
Clara engravida e Cassi Jones desaparece. Convencida pela vizinha,
dona Margarida, que procurara na tentativa de conseguir um empréstimo e
fazer um aborto, ela confessa o que está acontecendo à sua mãe. É levada a
procurar a família de Cassi e pedir “reparação do dano”. A mãe do rapaz
humilha Clara, mostrando-se profundamente ofendida porque uma negra quer
se casar com seu filho. Clara “agora é que tinha a noção exata da sua situação
na sociedade. Fora preciso ser ofendida irremediavelmente nos seus melindres
de solteira, ouvir os desaforos da mãe do seu algoz, para se convencer de que
ela não era uma moça como as outras; era muito menos no conceito de todos.”
O autor representa, na figura de Clara e no seu drama, a condição social
da mulher, pobre e negra, geração após geração. No final do romance,
consciente e lúcida, Clara reflete sobre a sua situação:
“O que era preciso, tanto a ela como às suas iguais, era educar o
caráter, revestir-se de vontade, como possuía essa varonil Dona Margarida,
para se defender de Cassi e semelhantes, e bater-se contra todos os que se
opusessem, por este ou aquele modo, contra a elevação dela, social e
moralmente. Nada a fazia inferior às outras, senão o conceito geral e a
covardia com que elas o admitiam...”
E, na cena final, ao relatar o que se passara na casa da família de Cassi
Jones para a sua mãe, conclui, em desespero, como se falasse em nome dela,
da mãe e de todas as mulheres em iguais condições: “— Nós não somos nada
nesta vida.”

O UNIVERSO SUBURBANO
O romance passa-se no subúrbio carioca e Lima Barreto descreve o
ambiente suburbano com riqueza de detalhes, como os vários tipos de “casas,
casinhas, casebres, barracões, choças” e a vida das pessoas que ali vivem.
Nas palavras de Sérgio Buarque de Holanda:
"Ao oposto de Machado de Assis, que saído do Morro do Livramento
procuraria os bairros da classe média e abastada, este homem, nascido nas
Laranjeiras, que se distinguiu nos estudos de Humanidades e nos concursos,
que um dia sonhou tornar-se engenheiro, que no fim da vida ainda se gabava
de saber geometria contra os que o acusavam de não saber escrever bem,
procurou deliberadamente a feiúra e a tristeza dos bairros pobres, o avesso
das aparências brancas e burguesas, o avesso de Botafogo e de Petrópolis."

OS “BÍBLIAS”
Ao descrever o subúrbio, Lima Barreto aborda o advento dos “bíblias”,
os protestantes que alugam uma antiga chácara e passam a conquistar novos
fiéis para seu culto:
“Joaquim dos Anjos ainda conhecera a "chácara" habitada pelos
proprietários respectivos; mas, ultimamente, eles se tinham retirado para fora e
alugado aos "bíblias"… O povo não os via com hostilidade, mesmo alguns
humildes homens e pobres raparigas dos arredores freqüentavam-nos, já por
encontrar nisso um sinal de superioridade intelectual sobre os seus iguais, já
por procurarem, em outra casa religiosa que não a tradicional, lenitivo para
suas pobres almas alanceadas, além das dores que seguem toda e qualquer
existência humana.”
E reflete sobre a nova seita:
“Era Shays Quick ou Quick Shays daquela raça curiosa de yankees
fundadores de novas seitas cristãs. De quando em quando, um cidadão
protestante dessa raça que deseja a felicidade de nós outros, na terra e no céu,
à luz de uma sua interpretação de um ou mais versículos da Bíblia, funda uma
novíssima seita, põe-se a propagá-la e logo encontra dedicados adeptos, os
quais não sabem muito bem por que foram para tal novíssima religiãozinha e
qual a diferença que há entre esta e a de que vieram.”
A crítica às “novas seitas cristãs” revela também a ojeriza de Lima
Barreto à influência americana no Brasil. Como o colocou Antônio Arnoni
Prado, o autor de Clara dos Anjos “interessou-se pelos Estados Unidos, em
virtude do tratamento desumano que este país dispensava aos seus cidadãos
de cor. (…) Censurou duramente a discriminação racial americana, assim como
o expansionismo imperialista dos ‘yankees’, que, através da diplomacia do
dólar, ia, a seu ver, convertendo o Brasil num autêntico protetorado.” Nada
mais profético.

A HERANÇA NATURALISTA
O Realismo-naturalismo aparece por volta de 1870 como uma derivação
do realismo. Recebeu profunda influência de algumas das teorias e doutrinas
que estavam no auge naquele momento, sobretudo do materialismo e do
determinismo. O Naturalismo considerava a vida do homem resultado de
fatores externos (raça, ambiente familiar, classe social, etc.). Influenciado pelas
ciências experimentais, o escritor naturalista tentava demonstrar, com rigor
científico, que o comportamento humano está sujeito a leis semelhantes às que
regem os fenômenos físicos. Se o realismo pretendia ser objetivo e imitar a
realidade, o Naturalismo desejava fazer uma análise histórica, social e
psicológica da realidade, um estudo profundo a partir de uma ampla
documentação prévia.
O Realismo-naturalismo, que tanto influenciou Lima Barreto na
composição de Clara dos Anjos, é cientificista e determinista, considerando
que as ações humanas são produtos de leis naturais: do meio, das
características hereditárias e do momento histórico. Portanto, os romances
naturalistas procuravam, através da representação literária, demonstrar teses
extraídas de teorias científicas. Para isso, o Naturalismo buscou compor um
registro implacável da realidade, incluindo seus aspectos repugnantes e
grotescos. São exatamente esses os aspectos que mais chamam à atenção na
narrativa exagerada de Clara dos Anjos.

CORES AUTOBIOGRÁFICAS
Lima Barreto produziu romances, contos, crônicas, sátiras políticas,
críticas literárias e um livro de memórias. Entre suas obras, destacam-se:
Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909); Triste Fim de Policarpo
Quaresma (1915); Numa e Ninfa (1915); Vida e Morte de M.J. Gonzaga de
Sá (1919); Histórias e Sonhos (contos, 1920); Os Bruzundangas (sátira
política, 1923); O Cemitério dos Vivos (romance autobiográfico sobre sua
experiência no hospício, 1953). Nem tudo o que Lima Barreto escreveu foi
publicado em vida. Boa parte dos escritos que formam os 17 volumes de sua
obra completa teve de ser coligida dos jornais e das revistas em que colaborou.
O romance Clara dos Anjos, por exemplo, embora tenha sido concluído em
1922, só foi publicado em volume em 1948. Na sua obra, sempre explora
temas ligados à sua própria vida, como o preconceito da sociedade para com
os mestiços e pobres. Seus romances apresentam a indignação contra a
insensibilidade dos ricos, a superficialidade dos burocratas, a corrupção dos
políticos, a esterilidade dos falsos artistas.
Esse caráter autobiográfico dos seus textos foi assim demonstrado pelo
crítico literário Sérgio Buarque de Holanda, tomando como exemplo o romance
Clara dos Anjos
"As confissões a que alude surgem abertamente, "com um mínimo de
disfarce, às vezes disfarce algum", pois não são contidas por nenhum
sentimento de frustração. E é indiferente que se exprimam ora diretamente pela
boca do autor, ora pela palavra e até pela figura dos personagens. Quem, entre
os que se recordam de Lima Barreto, não reconhecerá imediatamente muitos
dos seus traços no retrato do poeta Leonardo Flores, personagem de Clara
dos Anjos? E mesmo no empolado das frases em que o poeta repele
indignado a encomenda de uns versos, que lhe é feita por intermédio do amigo
Meneses, entraria realmente alguma intenção irônica? "Nasci pobre, nasci
mulato...", diz Leonardo. E, num longo desabafo, onde se fala na fidelidade à
própria vocação, no sacrifício às coisas proveitosas, como o dinheiro, as
posições, a respeitabilidade, nas humilhações padecidas e enfim no sofrimento
resignado, exclama: "Pairei sempre no ideal; e se este me rebaixou aos olhos
dos homens, por não compreenderem certos atos desarticulados da minha
existência, entretanto elevou-me aos meus próprios, perante a munha
consciência, porque cumpri o meu dever, executei a minha missão, fui poeta!
Para isso fiz todo o sacrifício. A Arte só ama a quem a ama inteiramente, só e
unicamente; e eu precisava amá-la, porque ela representava não só a minha
redenção, mas toda a dos meus irmãos, na mesma dor."
Por Frederico Barbosa e Sylmara Beletti

QUESTÕES
01. (UFRGS-RS) Uma atitude comum caracteriza a postura literária de
autores pré-modernistas, a exemplo de Lima Barreto, Graça Aranha,
Monteiro Lobato e Euclides da Cunha. Pode ela ser definida como:
a) a necessidade de superar, em termos de um programa definido, as estéticas
românticas e realistas.
b) pretensão de dar um caráter definitivamente brasileiro à nossa literatura, que
julgavam por demais europeizada.
c) a necessidade de fazer crítica social, já que o realismo havia sido ineficaz
nessa matéria.
d) uma preocupação com o estudo e com a observação da realidade brasileira,
em seus aspectos problemáticos e, muitas vezes, negligenciados pela
Literatura.
e) aproveitamento estético do que havia de melhor na herança literária
brasileira desde suas primeiras manifestações.

02. (FUVEST) A obra de Lima Barreto:


a) Reflete a sociedade rural do século XIX, podendo ser considerada
precursora do romance regionalista moderno.
b) Tem cunho social, embora esteja presa aos cânones estéticos e ideológicos
românticos, e influenciou fortemente os romancistas da primeira geração
modernista.
c) É considerada pré-modernista, uma vez que reflete criticamente a vida
urbana paulista antes da década de 1920.
d) Gira em torno da influência do imigrante estrangeiro na formação da
nacionalidade brasileira, refletindo uma grande consciência crítica dessa
problemática.
e) É pré-modernista, refletindo forte reflexão sobre sentimento nacional e
grande consciência crítica de problemas brasileiros.

03. (Unimontes) Sobre o livro Clara dos Anjos, de Lima Barreto, é correto
afirmar:
01) A narrativa expressa a desgraça individual e coletiva da gente de cor e
pobre no Brasil.
02) O livro privilegia os desconcertos da classe burguesa, do início do século
XX.
04) A novela dissimula as simpatias e predileções sociais do romancista
brasileiro.
08) A obra representa um enfoque da situação do negro e seus descendentes
posteriormente à abolição da escravidão no Brasil.
16) Podemos dizer que há uma relação de maniqueísmo dentro do romance,
entre protagonista e vilão.

04. (Unimontes) Some a(s) alternativa(s) CORRETA(S) sobre Clara dos


Anjos:
01) Clara dos Anjos aproxima-se da expressão lírica, pois expõe a
subjetividade das relações entre pobres e ricos.
02) Clara dos Anjos é um romance de Lima Barreto que expõe, de forma
realística, os dramas dos moradores do subúrbio.
04) O romance pertence ao gênero narrativo, entretanto, a linguagem utilizada
por Lima Barreto aproxima-se muito da crônica jornalística .
08) O livro concentra-se no drama vivido pelo casal de protagonistas e suas
famílias sem fazer menção a outros grupos que integram a vida suburbana do
Rio de Janeiro.
16) Podemos dizer que tanto Cassi quanto Clara são personagens esféricas,
psicologicamente profundas, que a todo tempo refletem a medida e
consequência de suas ações.

05. (UEL) Sobre a obra de Lima Barreto, é correto afirmar:


01) É uma obra memorialista, cujos narradores e personagens relatam de
modo saudosista, os momentos de juventude.
02) Constitui, como no romance Triste Fim de Policarpo Quaresma, do mesmo
autor, uma obra de análise social, cujo tema principal é a crítica ao sistema
político do início do século XX, pautado na corrupção e no empreguismo.
04) É uma das principais obras do Pré Modernismo brasileiro da década de 20,
sendo precursora de muitas inovações estéticas propostas pelos modernistas,
como a desestruturação do academicismo literário e a instituição da linguagem
coloquial como forma estética. Tal antecipação valeu ao autor o
reconhecimento em vida feito pelos autores da 1a geração do nosso
Modernismo.
08) Apesar de suas antecipações modernistas, a obra de Lima Barreto também
pode ser considerada com traços realistas e naturalistas. Do Realismo carrega
o intuito de ataque às instituições sociais e do Naturalismo, certas propensões
inatas das personagens, como a de Clara dos Anjos à sensualidade fora de
medida.
16) É uma obra que, através de traços autobiográficos, expõe, de forma realista
e crítica, a existência, no Rio de Janeiro do início do século XX, de uma
sociedade classista e preconceituosa, alimentada por uma imprensa bajuladora
e de uma justiça complacente.

06. (UEL) Leia o trecho abaixo.


“Para um artista militante, sua função não é exclusivamente produzir
uma obra de arte esteticamente válida, mas, e sobretudo, realizar uma obra
que contenha um sentido revolucionário do ponto de vista social. Sua posição
consiste em afirmar não unicamente o caráter ideológico da obra literária, mas,
e principalmente, em afirmar a necessidade de que ela atue como veículo de
conscientização e de esclarecimento do público.”
(FANTINATI, Carlos Erivany. O profeta e o escrivão: estudo
sobre Lima Barreto. São Paulo: Hucitec, 1978. p. 3.)

Com base no comentário transcrito acima e na obra do autor, sobre Lima


Barreto, é correto afirmar:
01) Enquanto escritor militante, que via na literatura um meio de levar à
mudança social, Lima Barreto narras suas histórias no sentido de mostrar que
toda literatura engajada deve partir apenas de fatos reais, comprovados
historicamente, e não de fatos fictícios, como se pode observar em Clara dos
Anjos.
02) Visando o engajamento social, Lima Barreto, na obra Clara dos Anjos e
outras, utiliza-se de referências históricas para construir suas tramas ficcionais,
sendo seus livros considerados obras de rico teor sociológico.
04) A postura militante de Lima Barreto encontra-se nas reflexões e nas críticas
feitas por ele à sociedade da época do final do século XIX e começo do século
XX. Nesse contexto, o autor faz uma radiografia dos excluídos, suburbanos,
como na figura de Clara e no seu drama: a condição social da mulher, pobre e
negra, geração após geração.
08) O aspecto revolucionário do autor encontra-se, sobretudo, no trabalho
dispensado à linguagem, devido às influências de princípios estéticos das
vanguardas européias do início do século XX, como o Futurismo e o Cubismo.
Em seus romances Lima Barreto rompe com as normas da sintaxe tradicional,
quebra a linearidade do enredo, como nos vai e vens temporais de Clara dos
Anjos, passando a utilizar-se de um vocabulário pouco erudito, próximo ao falar
cotidiano do homem comum.
16) Ao discutir a posição do negro, Lima Barreto, dentro da sociedade carioca
do começo do século XX, resgata o tema da escravidão, o que revela o caráter
social da literatura, a postura engajada do escritor, ainda que sem ligações
diretas com a sua própria trajetória.

07. (UEM 2005) "A política da república, como toda a gente sabe, é paternal e
compassiva no tratamento das pessoas humildes que dela necessitam; e,
sempre, quer se trate de humildes, quer de poderosos, a velha instituição
cumpre religiosamente a lei. Vem-lhe daí o respeito que aos políticos os seus
empregados tributam e a procura que ela merece desses homens, quase
sempre interessados no cumprimento das leis que discutem e votam."
(Lima Barreto. "O 'homem' chegou". In: Melhores Contos)

"Em uma dessas manhãs, em que a preta foi levar o chocolate à


sobrinha de Mr. George, com grande surpresa sua, não a encontrou no quarto.
Em começo, pensou que estivesse no banheiro; mas havia passado por ele e o
vira aberto. Onde estaria? Farejou um milagre, uma ascensão aos céus, por
entre nuvens douradas; e a miss bem o merecia, com o seu rosto tão
puramente oval e aqueles olhos de céu sem nuvens...tempos depois a
adoração nublou-se quando soube que Miss Edith e Mr. George não eram
parentes "
(Lima Barreto. "Miss Edith e seu tio". In: Melhores Contos)

Sobre os trechos acima e os contos aos quais eles pertencem, é correto


afirmar que
01) o primeiro trecho é retirado de um texto que tem como tema a Velha
República. Lima Barreto escreve sobre o passado bom, quando o Brasil tinha
esperanças de futuro, asseguradas por um governo honesto e competente.
02) o primeiro trecho é retirado de um texto extremamente ingênuo, contado
por um narrador de primeira pessoa brutalizado.
04) o primeiro trecho é retirado de um texto irônico, mostrando, em tom jocoso,
a ignorância e o desrespeito aos direitos dos cidadãos. Essa referência
elogiosa que o parágrafo faz ao respeito às leis deve ser lida, no contexto do
trecho, com o sentido oposto do que suas palavras parecem dizer.
08) o segundo trecho é retirado de um conto que mostra a fascinação dos
brasileiros pelos estrangeiros, a quem consideram superiores, pelo simples fato
de serem estrangeiros. Lima Barreto ironiza brutalmente essa fascinação. No
livro Clara dos Anjos essa antipatia pelo estrangeiro, especialmente o
americano, se mostra nas personagens intituladas "os bíblias", protestantes
norte-americanos.
16) o segundo trecho é retirado de um conto que mostra a atração homoerótica
da pobre criada de quarto Angélica pela inglesa Edith; a pureza da jovem, ao
mesmo tempo em que inspira ternura e respeito, também provoca fantasias na
criada. Em Clara dos Anjos, pode se observar esse tipo de fantasia erótica na
relação de seu padrinho Marrameque para com a afilhada.
32) os dois trechos têm em comum: a ironia; o fato de ambos falarem de algo
(no primeiro trecho, a República; no segundo, Edith) que é aparentemente
bom, mas que, no decorrer posteriormente, mostra-se corrupto; o fato de
ambos estarem em textos que evidenciam um certo cinismo na visão de
mundo.
64) os dois trechos têm em comum: o tom de exaltação (da República, de
Edith); a ingenuidade de seus narradores; o fato de pertencerem a contos em
que Lima Barreto mostrava as qualidades brasileiras, contrastadas, explícita ou
implicitamente, com as qualidades morais e culturais de outras nações.

08. (UEM) Sobre o conjunto da obra e, especialmente o romance Clara dos


Anjos, de Lima Barreto, assinale o que for correto.
01) Clara dos Anjos, de Lima Barreto, é uma obra que exemplifica bem certas
características do escritor. Os lances do enredo são, em sua maioria, cômicos,
levando o leitor a rir dos costumes da província, evidenciando a tendência de
Lima Barreto a valorizar a vida na cidade grande – mais especificamente no
Rio de Janeiro – como sinônimo de civilização, em oposição à ignorância, à
superstição e à pretensão dos habitantes dos vilarejos interioranos.
02) Em relação ao modo de construção das personagens, existe um jogo
interessante de possíveis significações: caracterizados de forma
propositadamente ambígua, como é o caso de Clara e, principalmente, Cassi.
04) A personagem Clara é uma sátira cruel à mocinha idealizada pelo padrão
romântico. Linda, acreditando-se predestinada a um casamento "de conto de
fadas", sua imagem, no entanto, é destinada a provocar a repugnância do
leitor, mostrando que as criaturas aparentemente mais belas, podem praticar
os atos mais horrendos.
08) A personagem Clara é uma releitura pré-modernista da heroína romântica.
Linda, com idéias avançadas, independente, Clara poderia ser um ícone da
"nova mulher"; mas, obcecada pela idéia do casamento, ela joga seu potencial
fora, ao ceder à tentação de ir ao encontro de Cassi, tornando-se objeto do
desejo dele.
16) Clara dos Anjos, de Lima Barreto, é um romance que exemplifica bem as
características mais marcantes desse autor, que enfatizam o lado mais baixo
da natureza humana, como a cobiça e a capacidade para mentira e para
hipocrisia. Lima Barreto é considerado um pessimista, fazendo,
sistematicamente, uma denúncia cínica da sociedade brasileira.
32) Clara dos Anjos apresenta traços que a individualizam, fazendo com que
sua história em nada se pareça com outras mulheres de sua idade, cor e
condição social.

09. Sobre as personagens de Clara dos Anjos some a(s) afirmativa(s)


correta(s):
01) Os pais de Clara representam dois lados igualmente nocivos para a
educação da filha: o desdém do pai, mais interessado na música e no jogo de
cartas com os amigos; e a super-proteção da mãe, que em vez do diálogo,
recorria às proibições e ao enclausuramento domiciliar.
02) Algo que também serve para desencaminhar a personagem Clara é o
mundo das modinhas e suas letras de amor, que fazem com que a moça
fantasie viver o que ouvia nas canções.
04) Marrameque é o padrinho de Clara, poeta frustrado e deficiente físico, é
uma personagem que, em oposição a Cassi, se mostra de conduta e caráter
retos.
08) O personagem Cassi Jones também tem na educação, por parte de seus
pais, um acobertamento e potencialização de sua índole torta e de suas
atitudes más
16) O personagem Lafões pode ser interpretado como o ingênuo útil, já que,
enganado por Cassi, acaba contribuindo de maneira não intencional para a
perdição da filha do amigo..

10. (UFPR – 2018) No romance Clara dos Anjos, de Lima Barreto, o


narrador tece considerações generalizantes a respeito da sociedade de
sua época, ao mesmo tempo em que narra a vida da protagonista, de sua
família e a malandragem de Cassi Jones. A respeito de aspectos da
construção de Clara ou de fatos de que ela participa, assinale a
alternativa correta.
a) A afirmação “é próprio do nosso pequeno povo fazer uma extravagante
amálgama de religiões e crenças de toda a sorte, e socorrer-se desta ou
daquela, conforme os transes e momentâneas agruras de sua existência”
(capítulo I) explica a frequência de Clara a igrejas e templos de diferentes
religiões.
b) A frase “A gente pobre é difícil de se suportar mutuamente; por qualquer
ninharia, encontrando ponto de honra, brigando, especialmente as mulheres”
(capítulo VII) alude às provocações que Clara desferia contra suas vizinhas.
c) A ponderação “Cada um de nós, por mais humilde que seja, tem que
meditar, durante a sua vida, sobre o angustioso mistério da Morte, para poder
responder cabalmente, se o tivermos que o fazer, sobre o emprego que demos
a nossa existência” (capítulo VIII) refere-se à cena da morte de Clara.
d) O comentário “O seu ideal na vida não era adquirir uma personalidade, não
era ser ela, mesmo ao lado do pai ou do futuro marido. Era constituir função do
pai, enquanto solteira, e do marido, quando casada. Não imaginava as
catástrofes imprevistas da vida” (capítulo VIII) prenuncia as dificuldades que
Clara enfrentou no seu casamento com Cassi.
e) A análise “A educação que recebera, de mimos e vigilâncias, era errônea.
Ela devia ter aprendido da boca dos seus pais que a sua honestidade de moça
e de mulher tinha todos por inimigos, mas isto ao vivo, com exemplos,
claramente...” (capítulo X) denuncia a frágil educação recebida por Clara como
responsável pelo seu destino.
11. (UFPR – 2017) A respeito dos romances Clara dos Anjos, de Lima
Barreto, e Fogo Morto, de José Lins do Rego, assinale a alternativa
correta.
a) Clara dos Anjos é um romance memorialístico, no qual os acontecimentos
rememorados permitem compreender a origem da família da protagonista;
Fogo Morto é um romance intimista que dá a conhecer a vida de um núcleo
familiar aristocrático ao longo da década de 1930.
b) Os pontos de vista narrativos desses romances diferem um do outro, porque,
em Clara dos Anjos, o narrador participa da trama como personagem, narrando
acontecimentos de que participou, enquanto, em Fogo Morto, o narrador é
onisciente, dedicando-se a investigar a alma dos personagens.
c) Nos dois romances, as mulheres pobres não recebem educação formal e
são submetidas a uma rotina de violência familiar. Seu destino é o
enlouquecimento, como acontece com Marta e Neném em Fogo Morto, ou a
insubmissão, como acontece com Clara dos Anjos, que abandona a casa dos
pais.
d) Nos dois romances, a cultura popular aparece representada pela música,
que agrada a diferentes personagens: em Clara dos Anjos, a modinha
aproxima Cassi Jones da família de Clara; em Fogo Morto, as histórias
cantadas por José Passarinho ecoam o sofrimento dos personagens.
e) Nos dois romances, observa-se a geografia suburbana, com favelas
construídas em torno da linha férrea, com aglomerados humanos miscigenados
e também com o subemprego dos personagens, como o carteiro Joaquim dos
Anjos e o seleiro José Amaro.

12. (UFU 2015)


- Mamãe, Mamãe!
- Que é minha filha?
- Nós não somos nada nesta vida.
Todos os Santos – Rio de Janeiro – Dezembro de 1921–janeiro de 1922.
BARRETO, Lima. Clara dos Anjos. Tecnoprint/Ediouro, s/d. p. 77.
De acordo com o trecho acima, assinale a alternativa correta.
a) O diálogo entre dona Engrácia e sua filha Clara simboliza de forma alegórica
a desumanização da mulher negra e pobre, numa sociedade regida por D.
Pedro I, mas manipulada por uma elite branca preconceituosa.
b) Este pequeno diálogo pode ser considerado uma metáfora de uma classe
social típica da Primeira República: indivíduos escravos, sem perspectiva de
ascensão econômica, os quais lutavam pela assinatura da Lei Áurea.
c) O diálogo entre Clara e sua mãe, Engrácia, que aparece ao final do romance
Clara dos Anjos, publicado em plena Monarquia, simboliza a falta de
perspectiva da mulher negra, analfabeta e pobre.
d) Este pequeno diálogo, que fecha o final do romance Clara dos Anjos, pode
ser considerado uma metáfora do sofrimento de uma classe social que, mesmo
com a assinatura da Lei Áurea, continuava estigmatizada etnicamente.

13. (UEPB 2014) Considere as afirmações:


I. Os pensamentos de Clara revelam as dificuldades da mulher em geral, negra
em particular, nas últimas décadas do século XIX e primeiras décadas do
século XX, em ter seus direitos assegurados num país que se transforma mas
ainda mantém velhas estruturas oligárquicas de exclusão: “Ela devia ter
aprendido da boca dos seus pais que a sua honestidade de moça e de mulher
tinha todos por inimigos”.
II. As trajetórias de Cassi e Clara demonstram ao longo do romance como, a
despeito de serem ambos da pequena burguesia sem posses, as relações
sociais não deixaram de ser ainda fortemente racializadas: “Ora, uma
mulatinha, filha de um carteiro!”
III. Em Clara dos Anjos, em meio a seus muitos tipos humanos, aparecem na
narrativa personagens nos quais sobressai uma espécie de força moral
incorruptível, humana e solidária, como D. Margarida: “O que era preciso, tanto
a ela como as suas iguais, era educar o caráter, revestir-se de vontade, como
possuía essa varonil D. Margarida, para se defender de Cassis e semelhantes,
e bater-se contra todos os que se opusessem, por este ou aquele modo, contra
a elevação dela, social e moralmente”
a) Nenhuma está correta.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I e II estão corretas.
d) Apenas I está correta.
e) Todas estão corretas.

14. (UEPB 2014) Considere o fragmento de Clara dos Anjos para


responder à questão.
A educação que recebera, de mimos e vigilâncias, era errônea. Ela devia
ter aprendido da boca dos seus pais que a sua honestidade de moça e de
mulher tinha todos por inimigo, mas isto ao vivo, com exemplos, claramente...
O bonde vinha cheio. Olhou todos aqueles homens e mulheres... Não haveria
um talvez, entre toda aquela gente de ambos os sexos, que não fosse
indiferente à sua desgraça... Ora, uma mulatinha, filha de um carteiro! O que
era preciso, tanto a ela como as suas iguais, era educar o caráter, revestir-se
de vontade, como possuía essa varonil D. Margarida, para se defender de
Cassis e semelhantes, e bater-se contra todos os que se opusessem, por este
ou aquele modo, contra a elevação dela, social e moralmente. Nada a fazia
inferior às outras, senão o conceito geral e a covardia com que elas o
admitiam...
Chegaram em casa; Joaquim ainda não tinha vindo. D. Margarida
relatou a entrevista, por entre o choro e os soluços da filha e da mãe.
Num dado momento, Clara ergueu-se da cadeira em que se sentara e abraçou
muito fortemente a mãe, dizendo, com um grande acento de desespero:
- Mamãe! Mamãe!
- Que é minha filha?
- Nós não somos nada nesta vida.

Assinale a alternativa correia:


a) Clara dos Anjos é ambientado em uma cidade imaginária, na qual a
estrutura agrária do Brasil colonial e de suas relações sociais tradicionais não
permitia casamentos entre brancos e negros.
b) Em Clara dos Anjos e em suas principais obras, a linguagem de Lima
Barreto é o português parnasiano, no qual o trabalho retórico com a linguagem
tinha prioridade sobre sua comunicabilidade.
c) O romance Clara dos Anjos é narrado em terceira pessoa por um narrador
que emite opiniões e juízos de valor sobre as personagens e as cenas que
narra.
d) Os personagens de Clara dos Anjos são pobres que, à força de viverem em
uma sociedade de privilégios, sucumbem, sem exceção, à corrupção e à
miséria.
e) Clara dos Anjos é um romance de resignação, que nos ensina a nos
conformarmos com o lugar que nos é previamente reservado em nossa
sociedade, sem lutar por condições humanas mais dignas nem por cidadania
plena.

15. (Enem 2010)


Texto I
Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria
revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este
amor assim absoluto e assim exagerado e partilhado por todos vos. Nós somos
irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos
povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia,
mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. E este mesmo o
sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida,
resiste as idades e as épocas.
RIO. J. A rua. In: A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 (fragmento).
Texto II
A rua dava-lhe uma forca de fisionomia, mais consciência dela. Como se
sentia estar no seu reino, na região em que era rainha e imperatriz. O olhar
cobiçoso dos homens e o de inveja das mulheres acabavam o sentimento de
sua personalidade, exaltavam-no ate. Dirigiu-se para a rua do Catete com o
seu passo miúdo e solido. [...] No caminho trocou cumprimento com as
raparigas pobres de uma casa de cômodos da vizinhança.
[...] E debaixo dos olhares maravilhados das pobres raparigas, ela
continuou o seu caminho, arrepanhando a saia, satisfeita que nem uma
duquesa atravessando os seus domínios.
BARRETO, L. Um e outro. in: Clara dos Anjos. Rio de Janeiro: Editora Mérito (fragmento).

A experiência urbana e um tema recorrente em crônicas, contos e


romances do final do século XIX e início do XX, muitos dos quais elegem
a rua para explorar essa experiência. Nos fragmentos I e II, a rua é vista,
respectivamente, como lugar que
a) desperta sensações contraditórias e desejo de reconhecimento.
b) favorece o cultivo da intimidade e a exposição dos dotes físicos.
c) possibilita vínculos pessoais duradouros e encontros casuais.
d) propicia o sentido de comunidade e a exibição pessoal.
e) promove o anonimato e a segregação social.

NOVE NOITES
BERNARDO DE CARVALHO
1. DADOS DO AUTOR
Bernardo Teixeira de Carvalho (Rio de Janeiro RJ
1960). Romancista, contista, jornalista e tradutor. No
ano de 1983 forma-se jornalista pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ).
Ainda na década de 1980 radica-se na cidade de São
Paulo e a partir de 1986 trabalha na Folha de S.Paulo,
jornal no qual exerce função de diretor do suplemento
de ensaios Folhetim, é correspondente internacional
em Paris e posteriormente em Nova York e, entre
1998 e 2008, colunista fixo do caderno de cultura
Ilustrada. Com dissertação a respeito da obra de Wim
Wenders, obtém grau de mestre em cinema pela Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) no ano de 1993, quando
também lança a coletânea de contos Aberração, que marca sua estreia na
literatura. Seu primeiro romance sai em 1995 e, desde então, tem publicado
traduções e exercido a função de crítico literário.
2. OBRA COMPLETA
§ 1993 Aberração (coletânea de contos)
§ 1995 Onze (romance)
§ 1996 Os Bêbados e os Sonâmbulos (romance)
§ 1998 Teatro (romance)
§ 1999 As Iniciais (romance)
§ 2000 Medo de Sade (romance)
§ 2002 Nove Noites (romance)
§ 2003 Mongólia (romance)
§ 2007 O Sol se Põe em São Paulo (romance)
§ 2009 O Filho da Mãe (romance)
§ 2013 Reprodução (romance)
§ 2016 Simpatia pelo demônio (romance)

3. PRINCIPAIS PRÊMIOS:
§ 2003 – Prêmio Portugal Telecom – 1º lugar(Nove Noites)
§ 2003 – Prêmio APCA – Categoria Romance(Mongólia)
§ 2004 – Prêmio Jabuti – Categoria Romance(Mongólia)
§ 2014 - Prêmio Jabuti por Reprodução, categoria romance

4. CARACTERÍSTICAS DA OBRA
Nove Noites desconstrói as estratégias da narrativa realista e propõe um
jogo com o real, jogo no qual, além de desconstruir as estratégias da narrativa
realista, este romance desafia os modos nos quais a cultura de massas
"consome" realidade.

ASSUNTO e ORIGEM DO LIVRO


A princípio, o principal assunto do livro refere-se a um fato real: o
suicídio do antropólogo americano Buell Quain, entre os índios Krahôs, em
1939, no Brasil. Esse caso, ainda tendo sido um tabu para a antropologia
brasileira, foi logo esquecido, mesmo porque não foi difundido para o público.
A partir de um artigo de jornal, ao tomar conhecimento da história por
acaso, o narrador desse romance decide investigar as razões do suicídio,
sessenta e dois anos depois.
Porém, o que vemos no transcorrer da narrativa é que a história trágica desse
promissor antropólogo, perdida nos anos e na memória, torna-se apenas o
ponto de partida da narrativa de Bernardo Carvalho.

DOCUMENTOS, CARTAS, FOTOS


Como recurso literário, o autor projeta em seu texto fotos e personagens
da década de 30, retratando pessoas reais e imaginárias, localizadas em
espaços geográficos e temporais diversos.
Buell Quain deixou sete cartas impressionantes, mas que nada explicam. Ele
deixou cartas para os Estados Unidos, para o Rio de Janeiro, para o Mato
Grosso e duas para a cidade de Carolina, uma para o capitão, delegado de
polícia, Ângelo Sampaio e outra para o narrador.
Em relatos (redigidos com a ajuda do próprio narrador) para evitar um inquérito
sobre a morte/suicídio,
ENREDO
O antropólogo americano Buell Quain suicidou-se em 1939, aos 27
anos, poucos dias após deixar uma aldeia indígena no interior do Brasil. No
fim dos anos 60, um menino de seis anos de idade, contrariado, freqüenta a
região do Xingu, onde o pai comprou uma fazenda. Mais de 30 anos depois,
o menino se transformou num escritor empenhado em reconstruir a trajetória
de Quain e, por conseqüência, passagens da própria infância.

ARQUITETURA DO LIVRO – 2 NARRATIVAS e 3 HISTÓRIAS


Nove Noites trata-se de uma obra que apresenta uma estrutura
arquitetônica complexa, pois se assenta na alternância de duas narrativas,
diferenciadas, inclusive por traços gráficos utilizados por Bernardo Carvalho.

NARRATIVA 1: A primeira narrativa (escrita em itálico) é conduzida por


um narrador-personagem, um engenheiro-sertanejo, morador de Carolina,
contemporâneo e amigo do antropólogo americano Buell Quain. A escrita
desse narrador pode ser caracterizada como uma espécie de carta-
testamento, endereçada a alguém que não sabemos quem seja e cuja
chegada é esperada. Essa narrativa epistolar é na maioria das vezes
introduzida pela frase “Isto é para quando você vier”, enunciado esse que
gera suspense em torno da personalidade de um destinatário particular e
ausente. Já no primeiro instante, o leitor entra numa trama de suspense com
relação a esse “você”: quem seria e quando viria?
A carta-testamento foi escrita pelo narrador-sertanejo em meados dos
anos 40, quando relembra as “nove noites” em que passara com Buell
Quain. Foram nove noites que compreendem um intervalo de cinco meses,
desde o dia em que os dois se conheceram até à última viagem à aldeia
Krahô. Trata-se de uma carta alusiva e sinuosa, remetendo a fatos não
conhecidos ou simplesmente imaginados: “O que agora lhe conto é a
combinação do que ele me contou e da minha imaginação ao longo de
nove noites”.

NARRATIVA 2: A outra narrativa é conduzida pelo trabalho de


pesquisa e investigação empreendido por um narrador-repórter disposto a
descobrir a verdade sobre o suicídio de Buell Quain. Para isso, ele não
poupa esforços na busca de pistas (cartas perdidas, jornais, fotos e
depoimentos de contemporâneos) que possam conduzi-lo a um desfecho.
Esse narrador-jornalista visita o Xingu, misturando-se com os índios em busca
de informações sobre o convívio do antropólogo com os índios Krahô, e, ainda,
viaja para os Estados Unidos tentando encontrar algum parente e mais
verdades sobre o suicida.
A escrita do romance articula-se a partir do encontro de duas
narrativas: a carta-testamento (escrita pelo sertanejo Manoel Perna) e a
investigação (poço de suposição não comprovada) feita pelo narrador-
jornalista.

FICÇÃO e REALIDADE
A história de Quain é verdadeira. O autor soube dela por um artigo no
"Jornal de Resenhas", da "Folha de S. Paulo", escrito pela antropóloga Mariza
Corrêa, em que o caso era citado de passagem.
A história do escritor, ao menos em parte, também procede: na orelha do
livro há uma foto de Carvalho, aos seis anos, ao lado de um índio do
Xingu, região onde seu pai de fato fora proprietário de terras (em edições mais
recentes esta foto constitui a capa da obra). O resto permanece em suspense
- e nem o próprio autor parece disposto a separar fato de ficção.
Mas as armadilhas do texto, que transita entre o documentário e o
ficcional, entre o subjetivo e o histórico, e mistura tudo, não oferecem ao
leitor nenhuma possibilidade de confiar.
Tendo como base o caso fatídico de Buell Quain, Bernardo Carvalho vai
entrelaçando história e ficção, histórias mais ou menos documentadas, numa
visão parcial. Diante da impossibilidade de apreender a realidade na sua
totalidade, a literatura, em sua estruturação ficcional, ganha o território do
incerto e do inquietante, do que ainda não foi. Em “Agradecimentos”, final de
Nove Noites, o autor deixa evidente o caráter fictício de sua narrativa.

A METALINGUAGEM
Trata-se de um texto que se apresenta como um relato ou meta-relato,
ou seja, como uma narrativa ficcional assinada por Bernardo Carvalho.

TÍTULO
Buell Quain passou nove noites na companhia do narrador personagem,
Manoel Perna.

A HISTÓRIA DE MANNOEL PERNA


O narrador Manonel Perna nos informa que o antropólogo americano Buell
Quain, seu amigo, morrera na noite de 2 de agosto de 1939, aos vinte sete
anos. Trata-se de suicídio, uma morte marcada por uma violência
assustadora, pois o antropólogo se cortou e se enforcou, sem explicações
aparentes. Diante do horror e do sangue, os dois índios que o
acompanhavam na sua última jornada de volta da aldeia para Carolina fugiram
apavorados.
O narrador-personagem nos relata sobre o dia da chegada do
antropólogo à cidade (chamada de morta nas cartas), em maio de 1939.
Quando o hidroavião da Condor chegou, todos correram para o rio. O ilustre
etnólogo foi fotografado ao lado dos índios e do piloto, num momento
extraordinário que foi rapidamente esquecido por todos, menos pelo narrador
O etnólogo apresentava-se por trás de uma elegância, imprópria para
o lugar e a ocasião. Usava um chapéu branco, camisa branca, bombachas e
botas, como se fosse o capitão de um navio.
O narrador-personagem, humilde sertanejo, amigo dos índios, quando foi
apresentado ao etnólogo pelo representante da Condor, nem fora notado
pelo mesmo. Algum tempo depois, os dois tornaram-se aliados e amigos e,
no período que antecedia a tragédia, o narrador já via nos olhos de Buell o
desespero que tentava dissimular e nem sempre conseguia.
O silêncio do sertanejo era a prova de sua amizade que ia conquistando
Quain. O narrador conviveu com os índios desde criança e os apreciava muito,
mesmo sendo considerado, por eles, um pouco louco (todos os brancos eram
considerados como tal). A mesma amizade que o sertanejo dedicou aos índios
também dedicou a Quain, pois tanto os índios quanto ele estavam sós e
desamparados.
Nenhum fato abalou mais o narrador do que a morte de Buell, mesmo
quando foi destituído das funções de encarregado do posto indígena Manoel
da Nóbrega pelo Senhor Caldo Meireles, inspetor do Serviço de Proteção aos
índios, três anos depois da tragédia. Esse cargo, em defesa dos índios, havia
sido conquistado com a ajuda do Dr. Buell, graças às cartas de
recomendação que enviou ao Rio de Janeiro.
Após o suicídio, o narrador lamenta o massacre da aldeia de Cabeceira
Grossa, preparado pelos fazendeiros, que poderia ter sido impedido por
Quain, caso estivesse vivo.
No dia 9 de agosto, de 1939, cinco meses depois que Buell tinha
chegado a Carolina, no final da tarde, uma comitiva de vinte índios entrou a
cidade, trazendo a triste notícia e a bagagem pessoal do Dr. Buell.
O narrador, muito emotivo, conferiu os objetos do etnólogo. Entre
roupas, sapatos, livros de músicas e uma Bíblia, havia um envelope com
fotografias, com retratos dos negros do Pacífico.
Para os índios, Quain não falou sobre nenhuma doença, pois não queria
assustá-los. Já para os brancos, relatou uma doença contagiosa, pedindo-
lhes que desinfetassem as cartas antes de lê-las.
Os homens ilustres que assediaram e mandaram convidar Quain para a festa
de fundação da Casa Humberto de Campos, agora mal se lembravam do
seu nome ou de sua passagem pela cidade.
Durante as nove noites em que Quain passou na companhia de Manoel Perna,
o etnólogo falou sobre uma ilha no Pacífico, onde os índios são negros, e do
tempo que passou entre esses índios e de uma aldeia, chamada Nakoroka,
onde cada um decidia o que queria ser, escolhendo, inclusive, sua própria
família. Tratava-se de uma sociedade com leis e regras rígidas, cabendo aos
indivíduos a escolha de seus papéis na mesma. Uma aldeia com traços
genealógicos desconhecidos e identidades eletivas. Quain queria, num
primeiro momento, estudar zoologia, interessando-se, depois, pela
antropologia.
Em março de 1931, na comemoração do final de semestre, o etnólogo e um
grupo de amigos beberam muito e foram ao cinema. Na tela, assistiram a
uma história de amor no Pacífico Sul, proibida pelas leis de uma sociedade
de nativos. A partir desse episódio, Quain trancou sua matrícula da
faculdade e embarcou num cargueiro para Xangai, disposto a encontrar a
ilha encantada do filme.
Como o narrador apresentava dificuldades para vislumbrar as
descrições, Quain mostrou-lhe uma fotografia e um desenho ou retratos de
dois negros muito fortes, que posaram para ele com o torso nu.
Buell Quain passou meses entre os Trumai, entre agosto e novembro
de 1938. Depois, foi chamado de volta ao Rio, seguindo para Cuiabá a
Simões Lopes, no Mato Grosso.
O antropólogo americano tinha pavor de ser confundido com as
culturas que observava: “nada podia-lhe causar maior repulsa do que ter que
viver como os índios, comer sua comida, participar da vida cotidiana e dos
rituais, fingindo se um deles. Tentava manter-se afastado e, num círculo
vicioso, voltava a ser observador”.
Na aldeia Trumai, Quain se aproximou mais das crianças,
observando seus jogos sexuais que envolviam adultos. Segundo o
narrador, o sexo assombrava a solidão de Buell. Os Trumai vivenciavam um
processo coletivo de autodestruição, pois, mesmo estando em vias de extinção,
continuavam fazendo abortos e matando recém-nascidos. Para Quain, “os
Trumai vêem na morte uma saída e uma libertação dos seus temores e
sofrimentos”. O narrador reflete sobre a identificação que o etnógrafo
apresentava com os Trumai.
O narrador nos relata a inquietação existencial de Buell Quain, achando que
estava sendo perseguido ou vigiado onde quer que estivesse: “Achava que
existia uma rede de informações no Brasil. Não era só a polícia no Rio ou os
inspetores do SPI na selva que o assombravam. Dizia que todos os seus
passos eram observados desde que havia pisado no Brasil. Nunca vi ninguém
tão só.”
Quando voltou a Carolina, no final de maio, falou sobre uma ilha que
conheceu adulto. Falou sobre uma casa com vários quartos ocupados por
amigos. Uma certa vez, quando chegou de um passeio solitário foi
surpreendido por um desconhecido que sacou de uma máquina
fotográfica e registrou a sua imagem. Quain confessou ao narrador que
viera ao Brasil com a missão de contrariar a imagem revelada naquele
retrato. “Havia sido traído pelo intruso e sua câmera. Não podia admitir que
aquela fosse a sua imagem mais verdadeira: a expressão de espanto diante do
desconhecido.”
O desconhecido fotógrafo tornou-se amigo de Quain e, um dia antes
do etnólogo embarcar para a selva da América do Sul, ele foi até seu
apartamento disposto a fotografá-lo novamente.
Agora nós leitores nos deparamos com a revelação de que esse
desconhecido é o destinatário oculto das cartas de Buell. O narrador nos
relata que Buell Quain sentiu-se traído pelo homem desconhecido. Parece que
o antropólogo tinha um envolvimento sexual com uma mulher (na
verdade, uma prostituta, das muitas com quem Quain tivera relações
antes de vir para o Brasil) e o fotógrafo também se envolveu com essa
pessoa. O antropólogo e o fotógrafo eram amantes e a presença da mulher
surgia como uma ameaça ao relacionamento dos dois.
Diante disso, Quain resolve partir para o Brasil e o desconhecido
(destinatário) foi à sua casa na cidade, determinado a fazer os retratos que
ficariam como a única lembrança do amante. Em momentos de maior
distração e melancolia, Quain falava muito sobre uma mulher, sem deixar claro
se era a sua própria esposa ou a mulher que propiciara o seu desentendimento
com o fotógrafo.
Porém, o etnólogo, mesmo tendo registrado em documentos de
identificação na chegada ao Brasil ser casado, Quain havia dito ao narrador
que era solteiro.
Quain tinha uma imaginação muito fértil e sempre que desejava revelar uma
coisa importante apelava para a sua criatividade.
Buell tinha uma cicatriz na barriga e dizia aos índios que era uma
conseqüência de uma doença antiga, uma doença que estava voltando e
se resolvia na febre. Certa vez, Quain declarou que seu pai era médico-
cirurgião e o narrador, em uma conclusão própria, entendeu que o amigo
tivesse sido operado na infância pelo próprio pai.
Nessa noite, em que estava conversando com o narrador, Buell dizia estar
muito doente. Quando o dia amanheceu, levantou-se primeiro do que o amigo
e já tinha preparado tudo para partir a pé com os índios, enquanto o
narrador voltaria sozinho para Carolina. O narrador chega à conclusão de que
as nove noites que passara com Quain foram uma grande confissão ou a
preparação para a própria morte do etnólogo. Segundo ele, Quain talvez
tenha se matado para inocentar os índios, pois a sua presença na aldeia já
os incriminava.

A HISTÓRIA DE QUAIN
O narrador-autor deparou-se com a atraente história de Buell Quain
quando leu um artigo de jornal, na manhã de 12 de maio de 2001, um
sábado, quase sessenta e dois anos depois da morte desse antropólogo, às
vésperas da Segunda Guerra. O artigo relatava a história do antropólogo, que
havia morrido entre os índios do Brasil, Buell Quain, que se suicidou entre
os índios Krahô.
O narrador procurou a antropóloga que havia escrito o artigo e
demonstrou sua curiosidade pelo caso do etnólogo suicida. A partir das
primeiras pistas indicadas por essa mulher, o narrador começa a montar um
quebra-cabeça, na tentativa de investigar a biografia e o suicídio de Buell
Quain. Buell Quain se matou na noite de 2 de agosto de 1939, no ano de
abertura da Segunda Guerra.
Q uain, “quando se matou, tentava voltar a pé da aldeia de Cabeceira
Grossa para Carolina, na fronteira do Maranhão com o que na época ainda
fazia parte de Goiás e hoje pertence ao estado do Tocantins. Tinha vinte e
sete anos.”
Quain, nas últimas horas que precederam o suicídio, escreveu aos
prantos pelo menos sete cartas. Essas cartas foram endereçadas:

§ orientadora, Ruth Benedict, Universidade Columbia, Nova York;


§ Heloísa Alberto Torres, diretora do Museu Nacional, RJ;
§ Manoel Perna, um engenheiro de Carolina, que se tornara amigo,
§ delegado de polícia da cidade Ângelo Sampaio.

Outras cartas que o narrador não teve aceso foram endereçadas


§ pai, Dr. Eric P. Quain, médico, recém-divorciado;
§ missionário americano instalado em Taunay, em Mato Grosso,
§ cunhado Charles C. Kaiser, marido de Marion, irmã de Quain.

O conteúdo das cartas lidas pelo narrador retratava a tentativa do


etnólogo de constituir seus executores testamentários e instruí-los sobre a
disposição de seus bens, bem como o desejo de isentar os índios de
qualquer culpa relacionada ao suicídio.
Buell Quain chegou ao Brasil em fevereiro de 1938 e um ano e cinco meses
depois estava morto. Chegou às vésperas do carnaval, no Rio de Janeiro, e
foi morar numa pensão da Lapa, reduto de vícios, malandragem e prostituição.
Em princípio, Quain chegou ao país com o propósito de estudar os já
conhecidos e aculturados Karajá. Mudou de planos ao conhecer um desafio
maior: a realidade dos inacessíveis índios trumai, do rio Coliseu, no alto
Xingu, que estavam em vias de extinção.
Porém, um golpe abalou o já instável estado de espírito do etnólogo, quando
sua expedição solitária
Em 31 de maio de 1912, nasceu Buell Haivor Quain, filho de Eric P.
Quain (41 anos) e Fannie Dunn Quain (38 anos) e irmão mais novo de Marion.
A mãe (também médica) e o pai se separaram pouco antes do suicídio de
Quain.
O pai, inconformado, queria que a morte do filho fosse investigada, mas
o processo não ia adiante, devido à constatação do suicídio. A mãe, com o
auxílio de Ruth Benedict e do fundo deixado pelo filho, empenhou-se na
publicação das notas que ele tomara em Fiji: além de Flight of the Chiefs, foi
publicado outro relato sobre os dez meses passados entre os indígenas de
Vanua Levu. Ela, também estudou lingüística para preparar os manuscritos que
o filho havia elabora
do sobre a língua dos Krahô. Era uma mulher aflita e solitária que morreu aos
setenta e seis anos.

O antropólogo mencionou em suas cartas “questões familiares”,


dois meses antes de se matar. Tais questões o obrigavam a interromper o
trabalho com os índios e voltar aos Estados Unidos.
No Brasil, Quain, assim como os outros antropólogos americanos, eram
amparados por Heloísa Alberto Torres, principal responsável pelo acordo
entre a Universidade Columbia e o Museu Nacional.
Em uma carta endereçada a dona Heloísa, Buell dizia que estava
morrendo de uma doença contagiosa e pedia que a carta fosse
desinfetada quando recebida. O etnólogo pedia-lhe desculpas por não
conseguir terminar sua pesquisa e cuidados com relação aos índios Krahô.
Segundo os dois índios, João e Ismael, que acompanharam Quain,
guiando-o ao sair da aldeia no dia 31 de julho, sua prostração era
psicológica e já se prolongava por dias. Contaram a Manoel Perna, o
engenheiro de Carolina e único amigo do etnólogo na cidade, que o Buell não
mostrava nenhum sintoma de doença física e que sua prostração
manifestava-se desde que recebera a última correspondência de casa.
Numa carta que mandou para dona Heloísa, o engenheiro afirma que o
suicídio estaria vinculado às questões familiares, quando Quain mostrara-
se muito contrariado com as notícias recebidas.
O narrador-investigador desconfia que a morte de Quain tenha sido
passional: “Devia haver outra pessoa envolvida. Ninguém pode estar
totalmente só no mundo. Tinha que haver uma carta que ele revelasse os seus
desejos e sentimentos.”
O narrador descobre que o etnólogo teve um flerte com Maria Júlia
Pourchet, embora se apresentasse como “casado”, mesmo não havendo
nenhum indício ou referência a mulher alguma em nenhum outro documento ou
correspondência anterior ou posterior à sua morte.
Quain era um tipo muito bonito, alto, moreno, diferente do americano
normal. Numa carta à amiga Ruth Landes parecia esconder algo sobre a sua
personalidade. O narrador entrevista o professor Luiz de Castro Faria, uma
das últimas pessoas vivas que conheceram Quain em sua passagem pelo
Brasil. Castro Faria retratou a frieza dos americanos diante da morte de Quain,
assim como as “excentricidades” do colega americano, principalmente, seus
conflitos com o dinheiro.
Depois da morte de Buell Qauin, quase toda a correspondência entre
dona Heloísa, Manoel Perna, Ruth Benedict, a mãe e a irmã girava em torno do
dinheiro deixado pelo morto. De uma forma inverossímil, Ruth Benedict foi
acusada por inimigos de ter mandado Quain para o Brasil com a perspectiva de
herdar sues bens, como se previsse a morte do aluno e tivesse o conhecimento
prévio da decisão dele de doar seu dinheiro para um fundo de pesquisa por ela
administrado.
O narrador continuava suas investidas para saber se Quain era ou não
casado. Segundo Castro Faria, talvez o etnólogo não fosse casado, porque do
contrário teria levado uma mulher consigo para as aldeias, pois certas áreas da
cultura indígena não estavam abertas aos homens. Ao invés de uma mulher,
Quain, quando chegou em Cuiabá, a primeira coisa que fez foi procurar um
piano. Ele era um musicólogo. Buell afirma ter sido influenciado “pelo
contato com Lévi-Strauss” ao produzir o relatório sobre os índios Krahô.
Quain e Lévi-Strauss, autor do grande clássico da antropologia Tristes
trópicos, foram contemporâneos. Esse antropólogo francês, de formação
filosófica, e Buell passaram noites conversando, em Cuiabá, o que explica o
fato de o jovem americano ter procurado Strauss para desabafar quando mais
precisou. Quain achava que tinha contraído sífilis em conseqüência de
uma aventura casual com uma “pessoa” que teria encontrado durante o
Carnaval no Rio e foi incentivado pelo colega francês a se tratar.
Segundo Castro Faria, ninguém podia esperar que um antropólogo moço
e já consagrado fosse se suicidar no Brasil. Castro Faria ainda diz que talvez o
suicídio não tenha tido nenhuma repercussão nacional e nem mesmo foi
surpreendente, nem traumatizante para as pessoas locais, exceto para os
índios.
Quando Quain esteve com os mirrados e temidos Trumai, achava-os
chatos, sujos e entediados, diferentemente dos nativos musculosos com que
convivera em Fiji e que transformara num modelo de reserva e dignidade. Os
Trumai chamavam Quain de capitão. Esse, quando chegou na aldeia raspou a
cabeça e as sobrancelhas. Mal falava a língua, e não entendia as relações de
parentescos e a organização social da aldeia. Os índios roubaram todas as
suas roupas, como proteção contra os mosquitos, e ele teve de improvisar
“trajes sumários” como um mosqueteiro. Na aldeia, a violência física não era
permitida, mas uma vez, Quain quase desencadeou uma comoção social ao
bater na mão de um menino que lhe roubava farinha e ao pisar sem querer no
pé do outro.
Buell Quain, de volta a Cuiabá, sofreu um ataque de malária. Em sua
convivência com os Trumai, o antropólogo relata: “Toda morte é assassínio.
Ninguém espera passar da próxima estação das chuvas. Não é raro haver
ataques imaginários. Os homens se juntam aterrorizados no centro da aldeia –
o lugar mais exposto de todos – e esperam ser alvejados por flechas que virão
da mata escura.”

A HISTÓRIA DO NARRADOR JORNALISTA (CARVALHO?)


O narrador começa a relatar suas experiências na selva durante a
infância, bem como a história e a morte de seu próprio pai.
Trata-se do final dos anos 60, sendo o narrador ainda uma criança que viaja
com o pai fazendeiro pelo alto Xingu. Nessas viagens, o menino aterroriza-
se com os vôos precários, com as aventuras e as promiscuidades do pai e com
o contato com os índios.
Os pais do narrador eram separados e tinham chegado a um acordo
na justiça sobre a sua guarda e o seu sustento. Em Mato Grosso e Goiás, o pai
do narrador articulava a compra de dois latifúndios no sertão, por meio de
títulos definitivos do governo, na tentativa de implantar um projeto agropecuário
que vigorou a partir de 1970.
O narrador fala sobre episódio que viveu em agosto de 2001, quando foi
levado por um antropólogo até os índios Krahô, pouco depois de ter lido
pela primeira vez sobre o suicídio de Quain no artigo de jornal. Na busca por
informações sobre os Krahô, o narrador encontrou um casal de antropólogos
que, tendo estudado e vivido entre eles por mais dois anos, decidiu criar uma
organização independente de assistência aos índios, com subsídios nacionais
e internacionais.
O narrador parte para Carolina e chegando nessa cidade tinha o objetivo de
conversar com o velho Diniz, “o único Krahô vivo que conhecera Quain,
quando ainda era menino, e que podia me falar sobre o local em que o
etnólogo fora enterrado.”
Como o velho não vivia na aldeia onde o narrador seria levado, a
oportunidade seria única para entrevistá-lo. O velho Diniz disse que os índios
chamavam Buell Quain de “Cãmtwyon”. Alguns índios disseram ao narrador
que “Twyon” quer dizer lesma, o caracol e seu rastro. O antropólogo,
estudioso dos Krahôs, já havia tido que “cãm” era o presente, o aqui e o agora,
mas a combinação das duas palavras não apresentava um sentido.
Buscando uma relação desse nome com a pessoa de Quain, o narrador
chegou à seguinte interpretação: Na época de Quain entre os Krahô, Diniz era
um menino que, curiosamente, acompanhava os passos do antropólogo.
Segundo Raimunda, a filha mais velha de Manoel Perna, que vivia em
Miracema do Tocantins, a razão do suicídio de Quain estaria vinculada à
descoberta de que a mulher o teria traído com o cunhado.
Entre as cartas que o etnólogo deixou ao se matar, havia uma para o
marido da irmã e nenhuma para a própria e nem para mãe. Dentre algumas
citações, o narrador desconfiava que Quain tivera uma relação ambígua com a
irmã, Marion Quain Kaiser.
Na aldeia, o narrador ficou hospedado na casa de um Krahô chamado José
Maria Teinõ. Na convivência com os Krahô sentia-se constrangido e
ingênuo, tímido e amedrontado diante dos hábitos dos mesmos. Diante da
convivência nada harmônica do narrador com os costumes alimentares,
com os rituais dos Krahôs, o mesmo chegou à seguinte conclusão: “Se para
mim, com todo o terror, foi difícil não me afeiçoar a eles em apenas três dias,
fico pensando no que deve ter sentido Quain ao logo de quase cinco meses
sozinho entre os Krahô.”
Assim como Quain não gostava da idéia de se tornar nativo, o narrador
também resistia à cultura e aos rituais indígenas. “Jurei que não me
esqueceria deles. E os abandonei, como todos o brancos.”
Morreu em 1946, Manoel Perna, afogado no rio Tocantins, durante uma
tempestade, quando tentava salvar a neta. O engenheiro de Carolina e
encarregado do posto indígena Manoel da Nóbrega, segundo seus dois filhos
mais velhos, não deixou nenhum papel ou testamento sobre Buell Quain.
Manoel Perna foi enterrado e esquecido como o etnólogo e não tendo deixado
nenhum testamento o narrador imaginou a oitava carta.
O narrador relata a vida e a morte de seu pai. Trata-se do início dos
anos 90, quando o pai foi afetado por uma doença raríssima e fatal, a
síndrome de Creutzfeld-Jakob, e seu cérebro estava se tomando uma
esponja. Nessa época, o narrador vivia em Paris e voltou para o Brasil para,
juntamente com sua irmã, tomar conta do pai que tinha mais de sessenta
anos.
O pai sempre tivera uma vida desregrada e boêmia, com muitas mulheres e
gastos. Chegou até mesmo a morar nos Estados Unidos com uma amante,
uma funcionária cubana que cuidava de sua conta bancária. Diante das
aventuras ilícitas do marido, a cubana pediu o divórcio e ficou com todos os
bens americanos.
O pai voltou para o Brasil, e, sozinho no Rio, passou a beber e tomar
antidepressivos e calmantes ao mesmo tempo. Foi quando conheceu uma
vizinha libanesa e passou a viver com a mesma relação tumultuada que
abalou sua saúde.
Os filhos, com a ajuda de um médico, tiraram o pai do convívio com
a libanesa e o internaram em São Paulo. Instalado em uma semi-UTI, o pai
dividia o quarto com um outro doente que estava à morte. Três meses
depois da internação, com a falência progressiva das funções e dos órgãos, o
pai morria. O outro paciente, companheiro de quarto do pai, era um homem
sozinho e raramente recebia visitas. Trata-se de um norte-americano, como
Buell Quain, que desperta a atenção do narrador. Um rapaz, contratado pela
instituição de caridade que mantinha o asilo de onde viera o velho (uma
sociedade criada ou missionários americanos), às vezes aparecia e lia
sempre as mesmas coisas ou debatia e dizia que esperava por uma pessoa
que podia chegar a qualquer instante. Segundo o rapaz-leitor:
Uma vez, quando o narrador estava no leito do pai, resolveu observar o
leito do americano e perguntou em inglês se ele necessitava de alguma
coisa. Num processo convulsivo, o velho apertou a mão do narrador e,
alucinadamente começou a pronunciar:
Após a morte do pai, o narrador ficou três anos fora e depois voltou para
São Paulo. Ao ler o nome de Buell Quain num artigo de jornal e fazendo as
devidas correções ortográficas, ele desconfia de quem o velho americano no
hospital, quem era a pessoa a que ele se referia e que havia esperado por
tento tempo, “Bill Cohen”.
De acordo com as sondagens empreendidas pelo narrador e com o
depoimento de Rodrigo (o rapaz que lia para o velho), o americano
chamava-se Andrew Parsons e era um fotógrafo que tinha vindo para o
Brasil, por volta de 1940. O velho fotógrafo tinha deixado um único filho nos
Estados Unidos. O narrador, em suas empreendidas, manda muitas cartas
para americanos, tentando desvendar o vínculo do fotógrafo com Buell Quain.
Suas correspondências não tiveram êxito, pois os americanos estavam
vivenciando uma época de pânico, com a derrubada das duas torres do
World Trade Center e por causa das remessas de antraz em cartas
anônimas enviadas pelo correio a personalidades da mídia e da política
americana e até mesmo a pacatos cidadãos.
O narrador vai para Nova York, na tentativa de encontrar o filho do
velho americano e caso não conseguisse, estava disposto a transformar suas
pesquisas e investigações em um romance, uma ficção. Já em Nova York, o
narrador em contato com Schlomo Parsons (filho do fotógrafo) observa
diversas fotos do Brasil nos anos 50 e 60: “Ele me mostrou os retratos de
alguns índios. Pareciam Krahô, mas podia ser de qualquer outra tribo. ‘Meu pai
era fotógrafo. Passou a vida no Brasil. São índios brasileiros. Você não os
reconhece?”
Diante das investigações, o narrador aceita que não havia nada que
provasse uma ligação entre Quain e o fotógrafo.
No avião, de volta para o Brasil, o narrador veio ao lado de um
rapaz que lia um livro. Quando sobrevoavam a região onde Quain havia se
matado, o rapaz disse que era a sua primeira vez na América do Sul e
entusiasmado disse que ia estudar os índios do Brasil.
“Virei para o outro lado, e contrariando a minha natureza, tentei dormir,
nem que se fosse só para calar os mortos.”

GÊNERO DA OBRA
Nove Noites trata-se de uma narrativa que se apresenta como um misto
de romance-reportagem e de romance-policial; uma escrita que se apóia
numa obsessão investigativa, na tentativa de averiguar fatos ocultos, na busca
incessante pela verdade.
O texto é intrigante, promovendo a inquietação e desconfiança de
seus narradores e leitores. No final das contas a obra é uma espécie de
simulacro dos gêneros policial, reportagem, documentário, enfim, daquilo
que se pode chamar da literatura-verdade, já que a investigação, no fim das
contas termina como começa, isto é, a dúvida que gera o livro permanece
ao final dele. Tanto para os leitores comuns de romances policiais ou de obras
documentais o final de Nove Noites se mostra frustrante, pois as pistas, a
investigação e a busca de provas factuais não esclarecem a verdadeira razão
do suicídio de Quain. Temos, por fim, que o romance mais de que do que
sobre uma resposta é sobre a história de uma busca. Uma busca pelo outro
que acaba sendo em última instância uma busca de si.

NARRATIVA PSEUDO-POLICIAL
A pesquisa sobre a morte de Quain vai construindo uma trama pseudo-
policial no romance, mas se revela menos como caminho à verdade do que
como elaboração de uma hipótese, ou mesmo de uma ficção. Porque cada um
dos documentos que o narrador encontra ao mesmo tempo que revelam,
encobrem.
As cartas que documentam aspectos da história teriam sido duvidosamente
traduzidas, sobre elas se constrói o testamento, que sabemos falso.
O narrador vai em busca do filho do velho que morrera no hospital,
achando que esse velho poderia ter sido o fotografo amigo de Quain, mas
quando o encontra, acha que seus traços se parecem não aos do velho mas
aos de Quain.
Outra característica de suspense policial da narrativa é que apenas
no final da narrativa há como identificar o destinatário da carta de Perna
com um fotógrafo antigo “amigo” de Quain, que teria sido seu amante.

CARTA-TESTAMENTO FICTÍCIA
Assim, o testamento de Manoel Perna, o amigo que passara "nove
noites" com Quain, que é um documento chave da pesquisa, no entanto, é
escrito – inventado - pelo próprio narrador (segundo ele próprio confessa,
quase no final do romance, desestabilizando completamente o estatuto de
verdade dos fatos narrados).
Ou seja, a "prova" principal, o fio narrativo da historia de Quain, é declarada
falsa "na cara" do leitor. E, apesar da decepção, o interesse se mantém, e até
aumenta depois dessa revelação, pois o que interessa é mais a própria
pesquisa do que alguma suposta verdade sobre Quain: interessa a relação do
narrador com essa história e aonde ela o conduzirá.
Esse personagem, o Manoel Perna, é uma espécie de desejo do autor
de resolver as lacunas que não são resolvidas pela pesquisa.
Nas palavras de Bernardo Carvalho: “Várias pistas me induziam a certas
conclusões, mas eu não tinha certeza. Precisava de um negócio que fechasse.
E a única pessoa que podia ter visto era ele. Por isso logo no início percebi que
ele seria um dos narradores. No livro ele aparece como engenheiro. Na
verdade, ele era barbeiro. Mas achei que ia ficar muito inverossímil, ele
escrevendo daquele jeito empolado com essa profissão. Foi a única coisa que
eu mudei com relação a ele”.
Através do olhar ou da imaginação do narrador-epistolar, tem-se explicitada a
intimidade do antropólogo, bem como um efeito de cumplicidade entre esse
narrador e o destinatário ausente.

PERSONAGEM-LEITOR
A escrita se torna totalmente paranóica ao ponto que nada mais parece
confiável. A "realidade" da ficção se desmancha. As histórias dependem
antes de tudo da confiança de quem as ouve (p. 8), diz o narrador. Bernardo
Carvalho, além do mistério, também produz uma ambigüidade semântica
atrelada ao dêitico “você”. O pronome de tratamento refere-se ao destinatário
secreto ao mesmo tempo em que se dirige a qualquer um que poderia ter
acesso à carta ou à narrativa e, nesse caso, o “você” passa a ser o leitor,
grande personagem que tenta desvendar os enigmas do texto.

A VISÃO SOBRE O ÍNDIO


Na obra de Bernardo Carvalho a figura do mártir está ausente, e o
romance se desvia assim de uma trilha traçada por toda uma tradição de
romances que mostraram o índio como vítima: Quarup, Maíra, entre outros.
Pelo contrário, em Nove Noites os índios exercem uma certa "violência"
(psicológica) sobre os brancos, digamos que o encontro do branco com o
índio constitui, no romance um trauma.

MEMÓRIA
No livro uma experiência traumática se configura como uma máquina
de tempo, que relaciona momentos da história nacional. Assim, a história do
suicídio de Bell Quain acaba mexendo com o trauma do próprio narrador.
Quando ele está no hospital acompanhando o pai no seu leito de morte,
testemunha a última hora de um velho desconhecido, que ocupa a cama do
lado, e que está morrendo em solidão. O velho, no seu delírio, chama o
narrador de "Bill Cohen", confundindo-o com um amigo de juventude. Muitos
anos depois, o nome de "Buell Quain", mencionado num jornal, traz no
narrador a reminiscência daquele outro nome que ouvira pronunciado pelo
velho. Mas não é o mesmo nome, o narrador o deixa bem claro: de repente me
lembrei de onde o tinha ouvido antes e, fazendo a devida correção ortográfica
na minha cabeça, descobri de quem falava o velho americano no hospital (p.
147) (...)em momento nenhum deixei de desconfiar da possibilidade, ainda
que pequena, de uma confusão ou de um delírio da minha parte. Podia ter
ouvido errado, os meses que precederam a morte do meu pai foram
especialmente tensos, e eu não andava com a cabeça no lugar (p.153). Ou
seja, a leitura do nome do antropólogo no jornal se torna disparador da
experiência traumática, entendendo por ela a resposta a um evento ou
eventos violentos inesperados ou arrebatadores, que não são
inteiramente compreendidos quando acontecem, mas que retornam mais
tarde em flashbacks, pesadelos e outros fenômenos repetitivos.
Em Nove noites o passado não deixa de retornar (na estrutura em abismo,
na qual um tempo contém o passado e o futuro), retornam os rostos, as
lembranças, as experiências.

A METÁFORA DO CARACOL
Nesse sentido da memória é importante relembrar do nome que Quain recebe
entre os índios, que significa um caracol junto com o rastro que o mesmo
deixa.

QUAIN x CARVALHO
Em Nove Noites, o personagem histórico "biografado" – o Bell Quain - e o
narrador "biógrafo" não se relacionam alegoricamente, mas sim
metonimicamente. A obsessão pelo suicídio do antropólogo no Xingu revela um
trauma do próprio narrador, que teria convivido na infância com os índios: a
representação do inferno (...) fica no Xingu da minha infância (p. 60). Na busca
de dados sobre Quain, o narrador volta ao Xingu para ouvir o que os índios
lembram do Quain. Mas não consegue nenhuma informação, e em troca é ele
quem lembra da infância, quando acompanhava o pai nas viagens pelas
suas fazendas de Mato Grosso e Goiás.
Alegórica ou metonimicamente, a subjetividade do autor-narrador se
coloca no texto através de um mergulho numa outra subjetividade com a
qual o narrador estabelece um jogo. E em ambos os casos o que relaciona
essas duas subjetividades é um trauma: o trauma dos intelectuais na
ditadura, num caso, e o trauma da morte no outro.
Há também a relação de ambos com as populações indígenas:
(...) Mas se para Quain, que saía do Meio-Oeste para a civilização, o exótico foi
logo associado a uma espécie de paraíso (...) para mim as viagens com o meu
pai proporcionaram antes de mais nada uma visão e uma consciência do
exótico como parte do inferno. (p.64)
Quain vivia em busca de si mesmo ou se escondendo. Buscava um
ponto de vista que não estivesse no campo de sua própria visão, vivendo como
um estrangeiro para si mesmo. Buell Quain sempre teve fascínio pelas ilhas,
pelos universos isolados. Bernardo também isola-se da família, indo morar
em outros países, assim como Quain também possui relações familiares
complexas e, principalmente, assim como o antropólogo vindo ao Brasil, o
escritor parece com o livro buscar também um pouco de si, de sua
identidade e de seu passdo.
SUBSTITUIÇÃO e DESLOCAMENTO
A morte do pai, que ocorrera estando ele ausente, apenas é
relatada: era o dia da minha partida. Minha vida seguiu o seu rumo. Meu pai
morreu três meses depois. Fiquei três anos fora. Até a própria sintaxe - seca,
mínima - desloca a importância do fato da morte do pai. No entanto, se o
narrador chega – na imaginação do velho - como substituto de Quain; em troca
o velho oferece a possibilidade de testemunhar sua morte, em substituto
da morte do pai, que ocorrera quando ele já tinha partido. Essa troca de
papéis (a morte do velho substituindo a do pai, a chegada do narrador
substituindo a do velho amigo Quain) funciona como um deslocamento, que
pode explicar por que o mistério da morte de Quain provoca uma obsessão,
uma vez que ele remete à cena misteriosa de primeira vez que o narrador
vira um homem morrer e, é claro, ao mistério da morte silenciosa do pai.

SEGREDO COMO HERANÇA


O narrador e sua irmã têm disputado a herança do pai com a última
mulher dele, que é quem acaba ficando com tudo: o pai só deixa aos filhos seu
silencio como herança. Como disse o testamento de Manoel Perna, único
amigo de Quain no Brasil: o segredo, sendo o único bem que se leva para o
túmulo, é também a única herança que se deixa aos que ficam, como você e
eu, à espera de um sentido, nem que seja pela suposição do mistério, para
acabar morrendo de curiosidade (p. 7).

LIVRO SOBRE PATERNIDADE


Segundo Bernardo Carvalho, um dos principais temas do livro é a questão
da paternidade. Nas palavras do autor: Quando eu entreguei o livro, as
pessoas disseram que eu me expunha muito. Engraçado. Eu não me senti
assim. Não acho confessional. Não me senti exposto em nada, me senti
totalmente à vontade. De todos que escrevi, talvez esse seja o livro em que eu
me sinto menos constrangido. Como se nesse tivesse menos verdade que nos
outros. Os outros são mais eu do que “Nove Noites”. Tem também uma coisa
que eu só percebi depois: o livro é sobre a paternidade.
Todo mundo está à procura de um pai. Os índios estão querendo um
pai, pois de alguma maneira são órfãos da civilização. O Quain tinha uma
relação complicadíssima com o pai, e ao mesmo tempo faz o papel de pai com
os índios. O narrador, do mesmo modo, contrapõe a história do antropólogo
com a do próprio pai. Tudo gira em torno da linhagem paternal. É curioso. É
uma ficção que tem a ver com antropologia e que acaba sendo sobre as
relações de parentesco.

A QUESTÃO SEXUAL
Perpassa o livro, entre outros mistérios ou informações nebulosas
que envolvem a vida de Quain, a questão de sua sexualidade. São várias as
pistas, insinuações e relatos sobre sua vida sexual e amorosa e o quanto isso
teria sido decisivo nas suas escolhas durante a vida. Uma das dúvidas é sobre
se ele era ou não casado, apesar de ter afirmado isso na sua chegada ao
Brasil, nada confirma tal informação. Também é a ambigüidade que marca os
relatos sobre suas relações sexuais e amorosas, ao final do que se é colhido
na narrativa temos que ele mantinha relações com prostitutas, também há
uma sugestão de homossexualidade na sua relação com os índios negros
que conhecera em sua viagem a Fijii, também na relação com o amigo
fotógrafo e até nos contatos com Manuel Perna e o antropólogo Levis-
Strauss. A sua relação com a prostituta que seria sua esposa-namorada-
amante e que suspeita-se ter tido um caso com seu amigo fotógrafo.

O SUICÍDIO
Obviamente que o suicídio se faz uma temática central dentro da narrativa
mesmo porque tal tema não se restringe apenas a Quain, mas também aos
próprios índios trumai que o antropólogo estudava.

NASCIMENTO DA ANTROPOLOGIA - ESTADO NOVO


Dois são os contextos mais relevantes presentes no romance, durante a
vida de Quain no Brasil são o surgimento da antropologia aqui e no mundo, a
referência a antropólogos reais, como o grande antropólogo francês Claude
Lévi-Strauss. Há ainda referência relevante ao contexto do Estado Novo de
Getúlio Vargas, bem como à repressão e vigilância da política ditatorial de
Getúlio, inclusive para com os intelectuais.
Outro evento importante mencionado na segunda parte do romance é o ataque
terrorista às torres gêmeas do World Trade Center, nos EUA.
Fonte de apoio: https://www.passeiweb.com/estudos/livros/nove_noites
https://www.vestibulandoweb.com.br/analise_obra/resumo-nove-noites.pdf

5. ENTREVISTA COM O AUTOR


O que é fato e o que é ficção em “Nove Noites”?
Bernardo Carvalho: A indistinção entre fato e ficção faz parte do suspense do
romance. Por isso não vejo sentido em dizer o que é real e o que não é. Isso
tem a ver com meus outros livros. Também neles há um dispositivo labiríntico,
em que o leitor vai se perdendo ao longo da narração. Nesse caso isso fica
mais nítido porque existem referências a pessoas reais. Mas mesmo as partes
em que elas aparecem podem ter sido inventadas. Em última instância, é tudo
ficção.
Quando eu mostrei o livro à editora, eles ficaram apreensivos com a
possibilidade de alguém me processar. Então consultaram um advogado. Ele
leu o livro e disse que apenas uma pessoa poderia entrar na justiça contra
mim. Mas esse perigo eu não corria, porque, de todas as que ele analisou,
aquela era a única que tinha sido inventada. Foi aí que percebi que o livro
estava funcionando como ficção.
Tem mais um ponto a esse respeito. Você nunca sabe se os índios estão
inventando ou dizendo a verdade. Não dá para confiar em nada. O cara te diz
uma coisa hoje, depois é outra completamente diferente. É uma forma de
narrar estranha, você não sabe se ele está querendo agradar, se está dizendo
aquilo só porque acha que você quer ouvir. O fato é que você nunca sabe onde
está pisando. De certa maneira, esse livro é uma literatura à maneira dos
índios, pois mantém essa dúvida para o leitor.

A idéia inicial era fazer uma biografia de Buell Quain?


Carvalho: Eu queria fazer um romance, não queria fazer um livro de
jornalismo. Foi como se, retrospectivamente, a história de Buell Quain desse
sentido ao que eu já tinha na cabeça. As coisas se encaixam. Conforme eu ia
fazendo, percebia que talvez a história já estivesse pronta. Mas só tive certeza
que seria ficção quando percebi que não encontraria a família dele. Ao longo
do processo, porém, muitas cartas que eu tinha enviado começaram a ser
respondidas. Então fiquei morrendo de medo: se a família aparecesse, ferrava
com a minha história. Eu nunca tinha feito pesquisa desse jeito.

A maneira como os índios aparecem na história não é das mais


abonadoras. Você não acha que a abordagem pode ser considerada
leviana, principalmente para um livro que fala de temas ligados à
antropologia?
Carvalho: Não tinha nada previsto em relação à antropologia. Até porque a
relação com os índios faz parte do meu passado. Tem até uma espécie de mito
na família ligado ao assunto, que é o Rondon, meu bisavô. Eu não considero a
abordagem leviana. Deve ser leviana do ponto de vista de um antropólogo. Eu
só não quero ser paternalista. Quero tratar o índio de igual para igual. E não
tem nenhuma mentira com relação aos índios.
Se você for numa aldeia, vai ver a mesma coisa. Fico muito irritado com
paternalismo. É curioso você se propor a fazer uma coisa científica, se propor a
ter uma liberdade intelectual que, no limite, bate num aspecto moral que
impede você de pensar. E eu acho que a relação cotidiana dos antropólogos
com os índios costuma ser paternalista. É estranho se portar dessa maneira
com relação a um objeto de estudo. Mas não é sempre assim. O Lévi-Strauss,
por exemplo. Ele não tem nenhum tipo de paternalismo. Ele não gosta dos
índios. Dá para ver que ele não tem amizade por eles, nem fica feliz em estar
no meio do mato. Ele gosta é do estudo dele. E fica totalmente focado naquilo.

“Nove Noites” tem uma linguagem mais simples do que seus outros
livros. É uma mudança que deve vigorar?
Carvalho: Não diria. Eu gosto dos outros, eu gosto da frase labiríntica. O que
eu acho é que, nos outros, é como se a linguagem estivesse à procura da
história, ao passo que no “Nove Noites” a história está a priori. Por isso o livro
parece mais um relato. A idéia era ele se aproximar do espírito de um livro de
jornalismo. Mas apenas se aproximar. As partes em itálico, por exemplo. Muita
gente veio me dizer que tinha achado lindos aqueles trechos. Quando na
verdade eu nunca teria coragem de escrever daquele jeito. Acho brega. O
personagem que escreve aquilo, o Manoel Perna, é um popular dos anos 40
tentando ser literato. Por isso a linguagem é floreada daquele jeito. Mas, no
contexto geral, é verdade. Esse livro tem uma linguagem mais simples que os
outros.

Mas não havia nele um lado meio desajustado também?


Carvalho: Sem dúvidas. Assim como os colegas dele que vieram para o Brasil
na mesma época. Imagino que isso pode ter a ver com a Ruth Benedict, que
era orientadora do trabalho deles. Ela era gay. Era uma pessoa que não estava
no eixo da cultura americana. E eu não sei se isso era intencional ou não, mas
as pessoas que se reuniam em torno dela eram pessoas que saíam da linha.
A Ruth Landes, por exemplo, que estava na Bahia naquela época e se
correspondia com o Quain. Ela era uma judia de Nova York que gostava de
transar com negros. Uma judia de Nova York transar com negros nos anos 30
era um absurdo. Antes de estudar antropologia, ela morou um tempo no
Harlem. Só depois resolveu vir à Bahia estudar candomblé.
6. TRECHO DO LIVRO
Isto é para quando você vier. Ele voltou a Carolina sem sapatos. Queria
passar o aniversário na cidade. Naquela noite, me falou de outra ilha. Me disse
que eu não podia imaginar. Eu já não tinha imaginado antes, quando me falara
da ilha onde havia passado dez meses entre os nativos do Pacífico, já fazia
quatro anos, do outro lado do mundo. Agora, já não falava da mesma.
Não era a ilha em que adormecera sob as estrelas, embalado pelas
histórias que um nativo lhe contava do crepúsculo à aurora, ao longo de
semanas ininterruptas. Me lembro de vê-lo rindo pela primeira vez da própria
história, quando chegou a Carolina, quando me falou da ilha no Pacífico, ainda
na primeira noite em que bebemos juntos, fazia mais de dois meses,
comentando as cutucadas que o nativo lhe dava em vão, para mantê-lo
acordado, e de como fiquei sem graça quando ele de repente parou de rir para
assumir uma expressão grave e prosseguir o relato, dizendo que o nativo,
diante da inutilidade das tentativas de mantê-lo desperto, terminava por se
deitar ao seu lado também.
Fiquei constrangido com a idéia de que pudesse pensar que eu estava
cansado de suas histórias e de que, sem perceber, ele insinuasse alguma
coisa ao me contar aquela.
Quando o etnólogo acordava na sua ilha do Pacífico, o sol já estava alto
e o contador de histórias tinha ido embora. Quando voltou a Carolina no final
de maio, me mostrou orgulhoso a foto e o desenho que fizera de próprio punho,
retratos de negros enormes e fortes, para que eu pudesse ter um a idéia do
que me dizia. Eu não podia ter imaginado que a aldeia não ficava na praia, mas
morro acima, até ele me falar da Floresta Interior, governada por um chefe que
mantinha um dente de baleia pendurado no peito como símbolo de poder.
Na ilha, os chefes eram sagrados, assim como tudo que eles tocavam.
As aldeias na costa foram aculturadas pelos invasores de outras ilhas, que por
sua vez foram influenciados pelos europeus. Só os nativos do interior
mantinham intacto aquilo que ele procurava: uma sociedade em que, a
despeito da rigidez das leis, os próprios indivíduos decidiam os seus papéis
dentro de uma estrutura fixa e de um repertório predeterminado.
Havia um leque de opções, embora restrito, e uma mobilidade interna.
Foi o que ele me disse. sempre teve fascínio pelas ilhas. São universos
isolados. Arrumou o primeiro emprego com apenas quinze anos e foi trabalhar,
durante as férias de 1928, como " controlador do tempo e das horas" – foi
nesses termos canhestros que ele tentou me explicar, com o auxílio de gestos,
a sua tarefa no canteiro de obras de uma estrada de ferro numa região
inexplorada no coração do Canadá, com a poesia involuntária dos que não
conhecem a língua em que tentam se exprimir.
Aproveitava os dias de folga para explorar as ilhas da região,
rascunhando mapas que mandava para casa no lugar de cartas e que
mostravam a sua posição no mundo. Avançava por rochedos e florestas de
abetos, horas a fio a desbravar regiões desérticas em sua fantasia de pioneiro
solitário, a embrenhar-se na natureza até não restar outra fronteira para sua
liberdade além dos limites do próprio corpo, até nada além do corpo impedir a
fusão com a paisagem em que já se dissolvera em espírito.
Eram territórios que trilhava sozinho no verão ártico, infestado de
mosquitos, e cujos mapas eram uma indissociável combinação da sua
experiência e da sua imaginação. Assim como o que tento lhe reproduzir agora,
e você terá que perdoar a precariedade das imagens de um humilde sertanejo
que não conhecendo o mundo e nunca viu a neve e já não pode dissociar a
sua própria imaginação do que ouviu. Mas não foi de nenhuma dessas ilhas
que ele me falou quando voltou a Carolina descalço e humilhado no final de
maio. Foi de uma outra, à qual se chegava de balsa, depois de duas horas de
trem, vindo da cidade. Uma ilha que conheceu adulto. Falou de uma casa com
vários quartos, todos ocupados por amigos. Já não se expressava com tristeza
nem com alegria. E eu não saberia dizer que sentimentos guardava daquela
lembrança.
Contou de uma tarde em que, voltando de uma caminhada solitária
pela praia, onde abandonara os colegas, deparou com a casa
excepcionalmente vazia e um homem sentado na cozinha. E que, antes de
poder se apresentar, o estranho, saindo da sombra, sacou de uma máquina
fotográfica e registrou para sempre o espanto e o desconforto do antropólogo
recém-chegado de um passeio na praia, surpreendido pelo desconhecido.
Numa das noites em que veio à minha casa durante a sua passagem por
Carolina, no final de maio, o dr. Buell confessou que viera ao Brasil com a
missão de contrariar a imagem revelada naquele retrato.
Como um desafio e uma aposta que fizera consigo mesmo. Havia sido
traído pelo intruso e sua câmera. Não podia admitir que aquela fosse a sua
imagem mais verdadeira: a expressão de espanto diante do desconhecido.
Havia sido pego de surpresa pelo fotógrafo, antes de poder dizer qualquer
coisa. E embora depois tenham se tornado amigos, por muito tempo o estranho
não conseguiria tirar outra foto dele. Até irromper um dia em seu apartamento,
sem avisar, decidido a fotografá-lo de qualquer jeito, depois de ter sabido que
ele estava de partida para o Brasil.
Queria uma lembrança do amigo antes de embarcar para a selva da
América do Sul. Eu só sei que esse estranho era você.

QUESTÕES
01. A partir da leitura da obra Nove noites, é INCORRETO afirmar que:
a) O relato do narrador-jornalista desdobra-se em três tempos diferentes
articulados pelo enigma da morte de Buell Quain.
b) O narrador-epistolar apresenta uma escrita fidedigna com relação aos
depoimentos do antropólogo americano.
c) O engenheiro sertanejo escreve em meados dos anos 40, quando pressente
a iminência da própria morte e relembra as “nove noites” em que estivera com
o etnólogo.
d) O jornalista que escreve em 2002 não é o único a ocupar a posição de
narrador.

02. Todas as alternativas apresentam características de Nove noites, de


Bernardo Carvalho, EXCETO:
a) Virtualmente, o “você” a quem a carta se dirige inclui não apenas o esperado
amante de Quain, como também qualquer um que esteja em posição de lê-la.
b) Nessa narrativa tudo é ou se torna suspeito; todas as personagens
aparentam saber mais do que dizem e toda a investigação parece estar fadada
a não descobrir e sim e encobrir.
c) O narrador-jornalista é o único personagem que apresenta um discurso
verossímil, isento de suspeitas e de motivos secretos.
d) Esse romance retrata a morte violenta e inexplicável que se impôs o jovem
antropólogo Buell Quain.

03. Com base na leitura de Nove noites, de Bernardo Carvalho, é


INCORRETO afirmar que, nessa obra, a linguagem:
a) Reflete uma alternância de fragmentos jornalísticos e tons memorialísticos.
b) Manifesta-se através de tempos que coexistem, num ritmo quebrado e não
linear.
c) Apresenta-se em diversas passagens como descritiva e objetiva.
d) Afirma-se na teatralidade que veicula o comportamento das personagens.

04. A partir da leitura da obra Nove noites, de Bernardo Carvalho, é


INCORRETO afirmar que:
a) O suicídio de Buell Quain trata-se do ponto de partida dessa narrativa: um
caso trágico, perdido nos anos e na memória.
b) O autor insere fotos e personagens da década de 30 na história, como
pessoas reais e de um fato real e registrado.
c) Buell Quain é personagem do mundo real, etnólogo reconhecido que deixou
estudos antropológicos e documentação importante sobre a língua Krahô,
falada por indígenas brasileiros.
d) Buell Quain conviveu com os mais ilustres antropólogos que lhe foram
contemporâneos, como o Professor Castro Faria e Lévi-Strauss..

05. Sobre a narrativa Nove noites, é INCORRETO afirmar que:


a) Os três tempos do relato do narrador-jornalista não absorvem aspectos que
marcam a vida do antropólogo americano.
b) Em seu primeiro parágrafo uma advertência ao leitor ou ao pesquisador que
decidiu investigar as razões do suicídio do antropólogo: trata-se de um território
do indiferenciado, em que falso e verdadeiro combinam.
c) O narrador-repórter, em busca de respostas sobre a morte de Quain,
entrevistou parentes e antropólogo, pesquisou documentos e concluiu que
imigrar do jornalismo para a ficção era uma saída honrosa.
d) Ao procurar traços da identidade de Quain, o narrador-jornalista expõe a
própria intimidade e os mecanismos da criação literária.

06. Todas as alternativas retratam questões abordadas pela obra Nove


noites, de Bernardo Carvalho, EXCETO:
a) Choque cultural.
b) Memorialismo.
c) Nacionalismo xenófobo.
d) Verdade e mentira.

07. Todas as alternativas apresentam uma relação corretamente


estabelecida entre as personagens de Nove noites e suas características
principais, EXCETO:
a) Manoel Perna – o silêncio do sertanejo era a prova de sua amizade que ia
conquistando Quain.
b) Ruth Landes – jovem geógrafa que estava no Brasil com o objetivo de
estudar os rios e florestas da região norte.
c) Professor Pessoa – traduziu uma das cartas, em inglês, deixada por Buel e
acalmou os índios, garantindo que eles não tinham nenhuma responsabilidade
na tragédia.
d) Buell Quain – achava que estava sendo perseguido ou vigiado onde quer
que estivesse e era marcado por uma inquietação existencial.

08. Sobre o enredo de Nove noites, todas as alternativas estão corretas,


EXCETO:
a) O antropólogo se cortou e se enforcou, sem explicações aparentes. Diante
do horror e do sangue, os dois índios que o acompanhavam na sua última
jornada de volta da aldeia para Carolina fugiram apavorados.
b) Na bagagem pessoal de Quain, o narrador encontrou roupas, sapatos, livros
de música e uma Bíblia. Havia, também, um envelope com fotografias, com
retratos dos negros do Pacífico Sul e dos Trumais do alto Xingu.
c) Quain, antes do suicídio, alegou ter recebido más notícias de casa e
comunicou aos índios a sua decisão de não mais ficar na aldeia.
d) Quain, em momentos de maior distração e melancolia, falava muito sobre a
sua mulher e seus filhos.

09. Todas as alternativas contêm afirmações corretas sobre a história de


Buell Quain, EXCETO:
a) O antropólogo se matou na noite de 2 de agosto de 1939, no ano de
abertura da Segunda Guerra.
b) Quain, nas últimas horas que precederam o seu suicídio, escreveu aos
prantos pelo menos sete cartas.
c) Buell Quain chegou ao Brasil em fevereiro de 1938 e cinco meses depois
estava morto.
d) Buell chegou ao Brasil às vésperas do Carnaval, no Rio de Janeiro, e foi
morar numa pensão da Lapa, reduto de vícios, malandragem e prostituição.

10. Todas as passagens, do romance Nove noites, evidenciam uma


combinação entre memória e imaginação, EXCETO:
a) “O que agora lhe conto é a combinação do que ele me contou e da minha
imaginação ao longo de nove noites.”
b) “Mas a idéia de uma relação ambígua com a irmã, embora imaginária, nunca
mais me saiu da cabeça, como uma assombração cuja verdade nunca poderei
saber.”
c) “Assim como o que tento lhe reproduzir agora, e você terá que perdoar a
precariedade das imagens de um humilde sertanejo que não conhece o mundo
e nunca viu a neve e já não pode dissociar a sua própria imaginação do eu
ouviu.”
d) “Meu pai morreu há mais de onze anos, às vésperas da guerra que
antecedeu a atual e que de certa forma a anunciou. Hoje, as guerras são
permanentes.”

11. Assinale a opção INCORRETA sobre Nove noites:


a) Ao procurar traços da identidade de Buell Quain, o Autor embarca numa
expedição paranóica, expondo a própria intimidade e os mecanismos da
criação do próprio romance.
b) Em busca de respostas, o Autor entrevistou antropólogos e a própria família
do suicida, pesquisou documentos e arquivos, participando, inclusive, de uma
expedição à aldeia dos índios Krahô.
c) Paralelamente ao relato do narrador, o romance apresenta uma espécie de
carta deixada por um engenheiro, Manoel Perna, cujo destinatário,
supostamente, estaria a par dos motivos do suicídio de Quain.
d) As personagens, na maioria das vezes, aparentam saber mais do que
dizem; toda a investigação parece estar fadada a não descobrir, mas
determinada a deliberadamente encobrir.

12. Há momentos, em Nove noites, em que o narrador (Autor) tece


comentários sobre o tipo ou o gênero de sua própria narrativa, como
exemplificam todas as passagens abaixo, EXCETO:
a) “Tentei lhe explicar que pretendia escrever um livro e mais uma vez o que
era um romance, o que era um livro de ficção (e mostrava o que tinha nas
mãos), que seria tudo historinha, sem nenhuma conseqüência na realidade.”
b) “As minhas explicações sobre o romance eram inúteis. Eu tentava dizer que,
para os brancos que não acreditavam em deuses, a ficção servia de mitologia,
era o equivalente aos mitos dos índios, e antes mesmo de terminar a frase, já
não sabia se o idiota era ele ou eu.”
c) “Duas vezes entrevistei Lévi-Strauss em Paris, muito antes de me passar
pela cabeça que um dia viria a me interessar pela vida e pela morte de um
antropólogo americano que ele conhecera em sua breve passagem por Cuiabá,
em 1938.”
d) “Tomei o avião para Nova York com pelo menos uma certeza: a de que, não
encontrando mais nada, poderia por fim começar a escrever o romance. No
estado de curiosidade mórbida em que eu tinha me enfiado, acreditava que a
figura do filho do fotógrafo podia por fim me desencantar.”

13. Em todas as alternativas, o medo e o clima de terror referidos


ajuntam-se a uma mesma época histórica, EXCETO:
a) “Numa carta de março de 1939 a Ruth Benedict, Landes diz que vive num
estado de absoluta solidão emocional de duas semanas de horror. Menciona
uma carta anterior em que teria relatado à orientadora a história de
espionagem na Bahia. Se você não as recebeu, ela deve ter se extraviado,
mais ou menos deliberadamente.”
b) “E por uma infeliz coincidência, toda essa correspondência chegou aos
destinatários justamente no momento em que os Estados Unidos entraram em
pânico por causa das remessas de antraz em cartas anônimas enviadas pelo
correio a personalidades da mídia e da política americana até mesmo a
pacatos cidadãos.
c) “A vésperas da guerra, havia também um forte sentimento antiamericanista
no ar, e os jovens antropólogos de Columbia, já muito mais acuados,
desamparados e solitários”.
d) “A situação dos estrangeiros no Brasil do Estado Novo era delicada. A
impressão era que estavam vigilância permanente.”
14. Em todas as passagens, extraídas de Nove noites, os termos em
destaque são de procedência indígena, EXCETO em:
a) “Seu rosto lembrava o dos índios sul-amercianos mal-encarados das
aventuras do Timtim”. b) “...não me lembrei de ligar o gravador quando o velho
Diniz respondeu: Cãmtwyon”
c) “Me chamavam de branco: Cupen, cupen”.
d) “...apareceu com uma bola besuntada de urucum nas mãos...”

15. No decorrer da narrativa de Nove noites, são aventadas várias


hipóteses sobre a(s) causa(s) do suicídio de Buell Quain, EXCETO:
a) A suposta desilusão sofrida por uma traição amorosa.
b) A suspeita de ter contraído uma doença contagiosa e incurável.
c) O estado de desespero e de terror que dele parece ter tomado conta.
d) A possível decepção com os resultados de suas pesquisas.

16. A leitura de Nove noites, só NÃO permite depreender que Buell Quain
era um sujeito
a) Arredio.
b) Desprendido.
c) Introspectivo.
d) Ganancioso.

17. NÃO se verifica, na composição de Nove noites,


a) Recorrência do flash-back.
b) Uso de termos chulos e coloquialismos.
c) Utilização do discurso direto.
d) Linearidade narrativa.

18. Assinale a alternativa que apresenta um comentário INCORRETO


sobre a narrativa de Bernardo Carvalho:
a) Em Nove noites, as ameaças de uma guerra prestes a acontecer, o arbítrio
do governo de Vargas e, finalmente, a intranqüilidade dos tempos em que a
narrativa é construída dão um tom de medo e opressão a circular o relato.
b) Na construção desse relato ficcional de histórias reais, aparece toda uma
série de reflexões sobre temores e culpas, sobre os mistérios da vida e da
morte, sobre as razões que tornam o viver muito perigoso.
c) No decorrer da narrativa, feita a partir de dois pontos de vista, os fragmentos
de um e de outro relato vão se configurando e se ajustando até que, ao final,
uma espécie de quebra-cabeça é completado pelo leitor.
d) A narrativa, sinuosa e repleta de ambigüidades, propõe múltiplos graus de
compreensão, oferecendo ao leitor várias camadas de leitura, convidando-o a
completar o texto com o seu próprio repertório.

19. Em todas as alternativas, há elementos relevantes na narrativa de


Nove noites, EXCETO em:
a) Conflitos conjugais.
b) Repressão política.
c) Questionamento existencial.
d) Diversidades culturais.
20. Assinale a alternativa que apresenta um comentário inadequado sobre
Nove noites:
a) A narrativa apresenta-se como um misto de romance-reportagem e de
romance policial, selada pela obsessão investigativa e pelo suspense do
andamento das descobertas, que é, em parte, sustentado pelo minucioso
balizamento das datas e das circunstâncias da investigação. b) O romance é
muitas vezes marcado pela ótica introspectiva: o narrador revela o protagonista
em meio às suas fragilidades, aos seus dramas interiores, vivenciando
situações limite, de abandono, de profunda angústia e depressão, com intensa
carga sentimentalista.
c) O relato do jornalista, embora caracterizado pela circunspeccão, apresenta
momentos marcados pelo humor e pela ironia, particularmente nos episódios
em que rememora a sua infância com o pai aventureiro e naqueles passados
junto ao Krahô.
d) A narrativa estrutura-se, basicamente, em torno de frases simples e
objetivas, sem artificialismos: à linguagem é dado um tratamento informal,
ausente, portanto, de experimentações e preciosismos.

SAGARANA
JOÃO GUIMARÃES ROSA

1. DADOS BIOGRÁFICOS
João Guimarães Rosa nasceu em Codisburgo (MG) e
morreu no Rio de Janeiro em 1967. Filho de um
comerciante do centro-norte de Minas, fez os primeiros
estudos na cidade natal, vindo a cursar Medicina em
Belo Horizonte. Formado Médico, trabalhou em várias
cidades do interior de Minas Gerais, onde tomou
contato com o povo e o cenário da região, tão
presentes em suas obras. Autodidata, aprendeu
alemão e russo, e tornou-se diplomata, trabalhando
em vários países. Veio a ser Ministro no Brasil no ano
de 1958, e chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras, tratando de dois
casos muito críticos de nosso território: o do Pico da Neblina e das Sete
Quedas. Seu reconhecimento literário veio mesmo na década de 50, quando
da publicação de Grande Sertão: Veredas e Corpo de Baile, ambos de 1956.
Eleito para ocupar cadeira na Academia Brasileira de Letras no ano de 1963,
adiou sua posse por longos anos. Tomando posse no ano de 1967, morreu
três dias depois, vítima de um enfarte.

2. CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS
Guimarães Rosa é figura de destaque dentro do Modernismo. Isso se
deve ao fato de ter criado toda uma individualidade quanto ao modo de
escrever e criar palavras, transformando e renovando radicalmente o uso da
língua.
Em suas obras, estão presentes os termos coloquiais típicos do sertão,
aliados ao emprego de palavras arcaicas que já estão praticamente em
desuso. Há também a constante criação de neologismos nascidos a partir de
formas típicas da língua portuguesa, denotando o uso constante de
onomatopéias e aliterações. O resultado disso tudo é a beleza de palavras
como "refrio", "retrovão", "levantante", "desfalar", etc., ou frases brilhantes
como: "os passarinhos que bem-me-viam", "e aí se deu o que se deu – o isto
é".
A linguagem toda caracterizada de Guimarães Rosa reencontra e
reconstrói o cenário mítico do sertão tão marginalizado, onde a economia
agrária já em declínio e a rusticidade ainda predominam. Os costumes
sertanejos e a paisagem, enfocada sob todos os seus aspectos, são
mostrados como uma unidade, cheia de mistérios e revelações em torno da
vida. A imagem do sertão é, na verdade, a imagem do mundo, como se
prega em Grande Sertão: Veredas. O sertanejo não é simplesmente o ser
humano rústico que povoa essa grande região do Brasil. Seu conceito é
ampliado: ele é o próprio ser humano, que convive com problemas de ordem
universal e eterna. Problemas que qualquer homem, em qualquer região,
enfrentaria. É o eterno conflito entre o ser humano e o destino que o espera,
a luta sem tréguas entre o bem e o mal dentro de cada um, Deus e o diabo, a
morte que nos despedaça, e o amor que nos reconstrói, num clima muitas
vezes mítico, mágico e obscuro, porém muitas vezes contrastando com a
rusticidade da realidade. Seus contos seguem também, de certa forma, a
mesma linha desenvolvida dentro de seu único romance.

3. PRINCIPAIS OBRAS
Romances
Grande Sertão: Veredas (1956).
Contos
Sagarana (1946); Corpo de Baile (1956); Primeiras Estórias (1962);
Tutaméia – Terceiras Estórias (1967); Estas Estórias (1969); Ave, Palavra
(1970).
4. RESUMOS DOS ENREDOS
O livro principia por uma epígrafe, extraída de uma quadra de desafio,
que sintetiza os elementos centrais da obra : Minas Gerais, sertão , bois
vaqueiros e jagunços , o bem e o mal:

"Lá em cima daquela serra,


passa boi , passa boiada,
passa gente ruim e boa
passa a minha namorada".

Sagarana , compõe-se de nove contos, com os seguintes títulos:

1. "O BURRINHO PEDRÊS"


2. "A VOLTA DO MARIDO PRÓDIGO"
3. "SARAPALHA"
4. "DUELO"
5. "MINHA GENTE"
6. "SÃO MARCOS"
7. "CORPO FECHADO
8. "CONVERSA DE BOIS"
9. "A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA"
Em sua primeira versão, os contos de Sagarana foram escritos em 1937,
e submetidos a um concurso literário (o prêmio) "Graça Aranha", instituído
pela Editora José Olympio, onde não obtiveram premiação, apesar de
Graciliano Ramos, membro do júri, ter advogado para o livro de Rosa (sob o
pseudônimo de Viator) o primeiro lugar (ficou em segundo).
Com o tempo, Guimarães Rosa foi depurando ("enxugando") o livro, até
a versão que veio à luz em 1946, reduzindo-a das quinhentas páginas originais,
para cerca de trezentas na versão definitiva.
O título do livro, Sagarana, remete-nos a um dos processos de invenção
de palavras mais característicos de Rosa - ohibridismo. Saga é radical de
origem germânica e significa "canto heróico", "lenda”;rana vem da língua
indígena e quer dizer "à maneira de" ou "espécie de".
As estórias desembocam sempre numa alegoria e o desenrolar dos fatos
prende-se a um sentido ou "moral", à maneira das fábulas. As epígrafes
que encabeçam cada conto condensam sugestivamente a narrativa e são
tomadas da tradição mineira, dos provérbios e cantigas do sertão.

O BURRINHO PEDRÊS
A trama desse conto, como nas demais narrativas de Guimarães Rosa,
é relativamente simples. O velho burrinho Sete-de-Ouros, por falta de outras
montarias, é engajado para levar uma boiada vendida pelo dono da fazenda, o
major Saulo. Durante a viagem, ficamos sabendo que o vaqueiro Silvino quer
matar o vaqueiro Badu, por causa de uma moça. Francolim, que é uma espécie
de ajudante-de-ordens do major, denuncia a briga ao patrão, mas nada é feito
para evitá-la.
Silvino chega a provocar um acidente, com o intuito de fazer os bois
atropelarem Badu. Quando vê que não consegue matá-lo desta forma, planeja
fazê-lo pessoalmente, na viagem de volta, depois de atravessarem o ribeirão
cheio pelas chuvas. Nesse retorno, Badu está bêbado. Por isso, os demais
vaqueiros deixam-no com o burrinho Sete-de-Ouros. Ao atravessarem o
ribeirão, morrem na enchente oito vaqueiros, inclusive Silvino. Badu é salvo
heroicamente pelo Sete-de-Ouros, que consegue chegar à outra margem e ao
descanso merecido. Traz, vitorioso, o bêbado apaixonado na sela e Francolim
agarrado no rabo...

A VOLTA DO MARIDO PRÓDIGO


LalinoSalathiel é um mulatinho descarado: simpático, malandro,
enganador e esperto. Não é só da grei dos sapos, mas também pertence à
tribo de Leonardo, de Memórias de um sargento de milícias, e de Macunaíma:
os heróis sem nenhum caráter. Sabe como poucos contar uma estória. A chave
para entendê-lo melhor está em suas contínuas alusões a peças de teatro,
quase sem Ter visto nenhuma. Ele parece constantemente representar, em
tudo o que faz ou fala.
Sua esposa, Maria Rita, abandonada por ele, passa a morar com o
espanhol Ramiro. Quando volta das aventuras no Rio de Janeiro, Lalino
consegue recuperá-la das mãos do espanhol, que afugenta para longe.

SARAPALHA
Há uma narrativa principal, que é bem simples: dois primos (Argemiro e
Ribeiro), atacados pela febre terçã, recusam-se a sair de onde estão, a fazenda
de Ribeiro. Enquanto esperam chegar os acessos da febre, vão lamentando a
doença e a partida da esposa de Ribeiro. Em certo momento, Argemiro revela
que havia se apaixonado pela esposa do outro, mas sem ter faltado com o
menor respeito a eles, já que nunca contara o fato a ninguém. Ao saber disso,
Ribeiro o expulsa da fazenda, e Argemiro vê-se obrigado a enfrentar o mato,
todo enfeitado, tremendo também com a sezão (febre).
A outra história que aparece no conto é a da partida da esposa de
Ribeiro, que o abandonou por um vaqueiro. Ribeiro, entretanto, prefere ouvir
uma história em que ela é raptada pelo diabo...

DUELO
Turíbio Todo é um seleiro papudo, vagabundo, vingativo e mau, nas
palavras do narrador. E sua esposa não parece Ter melhor caracterização,
uma vez que trai o marido e depois finge aceitá-lo de volta, sem se desligar do
amante.
O militar Cassiano, um Don Juan, amante da esposa de Turíbio, é
surpreendido (sem saber) em flagrante pelo marido traído. Para vingar o
adultério, Turíbio pensa assassinar o rival, mas descobre que matara na
verdade o irmão dele. Inicia-se aí uma Segunda vingança: não mais um marido
buscando o amante da esposa, mas um homem (Cassiano) buscando o
assassino do irmão.
Turíbio, então, passa de perseguidor a perseguido e, embora ao alvejar
o homem errado tenha demonstrado incompetência, consegue escapar às
perseguições de Cassiano, querendo cansá-lo. O militar sofria do coração e,
com o esforço da perseguição, poderia encontrar a morte, por causa da
doença.
Até esse ponto, Turíbio acerta. O coração fraco de Cassiano leva-o à
morte, mas o destino tece armadilhas totalmente inesperadas. A vingança de
Cassiano se completa pelas mãos de um capiau, que, de acordo com o quer
prometera ao militar, em seu leito de morte, encontra Turíbio e
inesperadamente o mata.

MINHA GENTE
O protagonista-narrador vai passar uma temporada na fazenda de seu tio
Emílio, no interior de Minas Gerais. Na viagem é acompanhada por Santana,
inspetor escolar, e José Malvino. na fazenda, seu tio está envolvido em uma
campanha política. O narrador testemunha o assassinato de Bento Porfírio,
mas o crime não interfere no andamento da rotina da fazenda. O narrador tenta
conquistar o amor da prima Maria Irma e acaba sendo manipulado pro ela e
termina casando-se com Armanda, que era noiva de Ramiro Gouvea.
Maria Irma casa-se com Ramiro. Histórias entrecruzam-se na narrativa: a
do vaqueiro que buscava uma rês desgarrada e que provocara os
marimbondos contra dois ajudantes; o moleque Nicanor que pegava cavalos
usando apenas artimanhas; Bento Porfírio assassinado por Alexandre Cabaça;
o plano de Maria Irma para casar-se com Ramiro.
Mesmo contendo os elementos usuais dos outros contos analisados até
aqui, este conto difere no foco narrativo na linguagem utilizada nos demais. O
autor utiliza uma linguagem mais formal, sem grandes concessões aos
coloquialismos e onomatopéias sertanejas. Alguns neologismos aparecem:
suaviloqüência, filiforme, sossegovitch, sapatogorof - mas longe da melopéia
vaqueira tão gosto do autor.
A novidade do foco narrativo em primeira pessoa faz desaparecer o
narrador onisciente clássico, entretanto quando a ação é centrada em
personagens secundárias – Nicanor, por exemplo - a onisciência fica
transparente.
É um conto que fala mais do apego à vida, fauna, flora e costumes de
Minas Gerais que de uma história plana com princípios, meio e fim. Os
"causos" que se entrelaçam para compor a trama narrativa são meros
pretextos para dar corpo a um sentimento de integração e encantamento com a
terra natal.

SÃO MARCOS
Há duas histórias neste conto. Uma delas, bem menor, é inserida no
meio da outra, que conta a desavença entre o narrador e um feiticeiro. Por ter
ridicularizado o negro Mangalô. José, o protagonista, torna-se alvo de uma
bruxaria. Mangalô constrói um boneco-miniatura do inimigo, e coloca uma
venda em seus olhos, o que faz José ficar cego, perdendo-se no meio do mato.
Para conseguir achar o caminho de volta, mesmo sem enxergar, ele reza a
oração de São Marcos, sacrílega e perigosa.
-Em nome de São Marcos e de São Manços, e do Anjo Mau, seu e meu
companheiro...
-Ui! Aurísio Manquitola pulou para a beira da estrada, bem para longe de
mim, se persignando, e gritou:
-Pára, creio-em-Deus-padre" Isso é reza brava...
Com o poder dado pela oração, mesmo cego José encontra a casa de
Mangalô, ataca o negro e o obriga a desfazer a feitiçaria.
A outra história, dentro desta, constitui um pequeno episódio no qual
José fala de um bambual onde ele e um desconhecido travam um duelo
poético; o desconhecido fazendo quadrinhas populares, e ele colocando
poemas como nomes de reis babilônicos.

CORPO FECHADO
Esta é uma história de valentões e de espertos, de violência e de
mágica: Manuel Fulô (aliás, Manuel Viga, ou Manuel Flor, ou Mané das Moças,
ou Mané-minha-égua) era dono de uma bela mulinha, na qual se exibia todo
orgulhoso. Por conviver algum tempo com os ciganos, aprendeu deles toda a
sorte de truques possíveis, envolvendo animais de montaria. Quando decide
casar, Targino, um dos valentões (aliás, um dos últimos) da cidade cisma em
ter para si a noite de núpcias:
-Escuta, Mané Fulô: a coisa é que eu gostei da Das Dor, e venho visitar
sua noiva, amanhã...Já mandei recado, avisando a ela...(...) um dia só, depois
vocês podem se casar...Se você ficar quieto, não te faço nada...
Para enfrentar o valentão, Manuel faz uma troca com uma espécie de
curandeiro da vila: dá-lhe sua mulinha e em troca o outro faz um feitiço para lhe
fechar o corpo. Então, Manuel sai à rua a fim de enfrentar Targino, com a
reprovação de todos. Acontece que este erra todos os tiros e Manuel o mata
com sua faquinha.
CONVERSA DE BOIS
O conto Conversa de Bois está inserido entre aqueles que compõem o
primeiro livro do autor: é o penúltimo entre os nove contos que se encontram
em SAGARANA, livro publicado em 1946.
A marca roseana de contador de "causos" aparece logo no primeiro
parágrafo: "Que já houve um tempo em que eles conversavam, entre si e com
os homens, é certo e discutível, pois que bem comprovado nos livros das fadas
carochas ( ..) "
O narrador abre a história contando um fato: houve um tempo em que os
bichos conversavam entre eles e com os homens e põe em dúvida se ainda
podem fazê-lo e serem entendidos por todos : "por você, por mim, por todo
mundo, por qualquer filho de Deus?!"
Manuel Timborna diz que sim, e indagado pelo narrador se os bois
também falam, afirma que "Boi fala o tempo todo", dispondo-se a contar um
caso acontecido de que ele próprio sabe notícia. Onarrador dispõe-se a escutá-
lo, mas " só se eu tiver licença de recontar diferente, enfeitado e acrescentando
pouco a pouco." Timborna concorda e inicia sua narração.
O narrador nos dirá que o fato começou na encruzilhada de Ibiúva, logo
após a cava do Mata-Quatro, em plena manhã, por volta das dez horas,
quando a irara Risoleta fez rodopiar o vento. A cantiga de um carro de bois
começou a chegar, deixando ouvir-se de longe.
Tiãozinho, o menino guia, aparece na estrada: "(...) um pedaço de gente,
com a comprida vara no ombro, com o chapéu de palha furado, as calças
arregaçadas, a camisa grossa de riscado, aberta no peito(...) Vinha triste, mas
batia ligeiro as alpercatinhas, porque, a dois palmos da sua cabeça,
avançavam os belfos babosos dos bois de guia - Buscapé, bi-amarelo (...)
Namorado, caracúsapiranga, castanho-vinagre tocado a vermelho.(...) Capitão,
salmilhado, mais em branco que amarelo, (...) Brabagato, mirim malhado de
branco e de preto. ( ...) Dançador, todo branco (...) Brilhante, de pelagem
braúna, ( ...) Realejo, laranjo-botineiro, de polainas de lã branca e Canindé,
bochechudo, de chifres semilunares(...)." O carreiro Agenor Soronho,
"Homenzarrão ruivo, (...) muito mal encarado" é apresentado aos leitores. Lá
vai o carro de bois, carregado de rapaduras, dirigido por Soronho que tinha um
orgulho danado de nunca ter virado um carro, desviado uma rota. Quem ia
triste era Tiãozinho, fungando o tempo inteiro, semi-adormecido pela vigília do
dia anterior, deixava um fio escorrendo das narinas. Ia cabisbaixo e infeliz: o
pai morrera na véspera e estava sendo levado de qualquer jeito:
"Em cima das rapaduras, o defunto. Com os balanços, ele havia rolado
para fora do esquife, e estava espichado, horrendo. O lenço de amparar o
queixo, atado no alto da cabeça, não tinha valido nada : da boca, dessorava
um mingau pardo, que ia babujando e empestando tudo. E um ror de moscas,
encantadas com o carregamento duplamente precioso, tinham vindo também."
Os bois conversam, tecem considerações sobre os homens: "- O homem
é um bicho esmochado, que não devia haver." Para os bois, Agenor é um bicho
: "homem-do-pau-comprido-com-o-marimbondo-na-ponta". Comentam dele as
covardias e despropósitos, sabem que não é tão forte quanto um boi.
O carreiro Soronhopára para conversar com uns cavaleiros, entre eles uma moça,
que ficam sabendo sobre a morte do pai do menino. Tiãozinho, que já começara a
espantar a tristeza, recebe-a toda de volta. Despedem-se e Agenor usa de novo o
aguilhão contra os animais. Os bois recomeçam a conversa : "Mas é melhor não pensar
como o homem..."
Reconhecem que Agenor Soronho é mau; o carreiro grita com eles.
Começam a distinguir como trata o menino ( "Falta de justiça, ruindade só.").
Encontram João Bala que teve o carro acidentado no Morro do Sabão; a falta
de fraternidade de Soronho não permite que o outro carreiro seja ajudado.
Tiãozinho, debaixo do sol escaldante, agora se recorda do pai: há anos
vinha cego e entrevado, por cima do jirau: "Às vezes ele chorava , de noite,
quando pensava que ninguém não estava escutando. Mas Tiãozinho, que
dormia ali no chão, no mesmo cômodo da cafua, ouvia, e ficava querendo
pegar no sono, depressa, para não escutar mais... Muitas vezes chegava a
tapar os ouvidos, com as mãos. Mal-feito! Devia de ter, nessas horas, puxado
conversa com o pai, para consolar... Mas aquilo era penoso... Fazia medo,
tristeza e vergonha, uma vergonha que ele não sabia nem por que, mas que
dava vontade na gente de querer pensar em outras coisas... E que impunha,
até, ter raiva da mãe... ( ...) Ah, da mãe não gostava! Era nova e bonita, mas
antes não fosse... Mãe da gente devia de ser velha, rezando e sendo séria, de
outro jeito... Que não tivesse mexida com outro homem nenhum... Como é que
ele ia poder gostar direito da mãe? ... "
O leitor compreenderá , então, na continuidade do Discurso Indireto Livre
que a mãe de Tiãozinho era amante de Agenor Soronho: "Só não embocava
era no quartinho escuro, onde o pai ficava gemendo; mas não gemia enquanto
o Soronho estava lá, sempre perto da mãe, cochichando os dois, fazendo
dengos... Que ódio!..." Os bois se apiadem daquele "bezerro- de- homem" tão
judiado e sofredor. Órfão, sozinho, a recordação da mãe não traz conforto. O
carreiro, que já fora patrão do pai e seria o patrão do menino, exige-lhe muito
mais que suas forças podiam oferecer: "- Entra p¹ra o lado de lá, que aí está
embrejando fundo... Mais, dianho!... Mas não precisa de correr, que não é
sangria desatada!... Tu não vai tirar o pai da forca, vai?... Teu pai já está morto,
tu não pode pôr vida nele outra vez!... Deus que me perdoe de falar isso, pelo
mal de meus pecados, mas também a gente cansa de ter paciência com um
guia assim, que não aprende a trabalhar... Oi, seu mocinho, tu agora mesmo
cai de nariz na lama! ... - E Soronho ri, com estrépito e satisfação."
Os bois observam, conversam, tramam. Resolvem matar Soronho,
livrando, portanto, o menino de toda a injustiça futura": "- E o bezerro-de-
homem-que-caminha-sempre-na-frente-dos-bois? - O bezerro-de-homem-que-
caminha-sempre-adiante vai caminhandodevagar... Ele está babando água dos
olhos..."
Percebendo que Soronho está dormindo, que descansa o aguilhão ao seu
lado, combinam derrubá-lo do carro, num solavanco repentino. Matam o
carreiro, livram o menino. Quase degolado pela roda esquerda, lá está o
carreiro: menos força que os bois, menos inteligência que eles. Tiãozinho está
livre, Agenor quase degolado jaz no chão.

A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA


“A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, por sua estrutura narrativa, pela
riqueza de sua simbologia e pelo tratamento exemplar concedido à luta entre o
bem e o mal, e às angústias que essa luta provoca em cada homem durante
toda a existência, é considerado por muitos críticos como o conto mais
importante da obra.
A personagem central da narrativa, motivo do conto todo, é Matraga,
que, no decorrer da história e de acordo com o momento em que está vivendo,
aparece como Nhô Augusto, Augusto Esteves e Augusto Matraga.
No início, Nhô Augusto aparece como um fazendeiro valentão, que
gosta muito de brigar, de debochar de todos, de tirar as namoradas e as
mulheres dos outros e que, para completar suas características de homem
voltado para o mal, não se importa nem com a mulher nem com a filha. Essa
etapa de sua vida chega ao final quando a mulher o abandona para viver em
companhia de outro, e seus capangas, com exceção de Quim Recadeiro, a
serviço de seu maior inimigo – Major Consilva -, lhe dão uma grande surra
marcando-o a ferro e deixando-o quase morto.
Auxiliado por um casal de pretos, Matraga vai viver num lugar
afastado, recupera-se e começa uma nova vida voltada para a penitência, para
o bom comportamento e para a ferrenha vontade de tudo fazer para merecer o
céu. Trabalhando duramente de manhã à noite, reza muito, arrepende-se de
sua vida anterior e apega-se ao lema: “Pra o céu vou, nem que seja a
porrete.”- o que demonstra que o valentão não estava morto, mas apenas
adormecido e fazendo força para deixar viver seu lado humilde, pacífico, bem-
intencionado e preocupado com a alma.
Mas, um dia, chega ao lugar onde Matraga tentava penitenciar-se de sua
vida desregrada o bando do temido jagunço Joãozinho Bem-Bem, que é
imediatamente por ele recebido e tratado com todas as honras da hospitalidade
sertaneja. Antes de ir embora, o chefe dos Jagunços reconhece em Matraga o
valente que ele tentava esquecer e esconder e o convida para fazer parte do
bando. Matraga vence a tentação, recusa, mas, curiosamente, sonha neste dia
com um “Deus valentão”. Recuperado fisicamente e munido de vontade de
ganhar o céu a qualquer preço, sente que deve encontrar seu caminho e um
dia despede-se dos negros que o acolheram e caminha sem rumo
preestabelecido. Chega a um lugarejo onde, por coincidência, estava seu
Joãozinho Bem-Bem e seu bando, prontos para executar uma vingança. Como
um elemento do grupo havia sido morto e o assassino fugira, os jagunços
resolveram vingar o companheiro matando alguém da família do matador.
Augusto Matraga, se opõe à vingança, pede que o inocente não seja
executado e tendo seu pedido negado, acaba duelando com Joãozinho Bem-
Bem. No duelo ambos morrem, mas não sem que Augusto Matraga seja
reconhecido por um parente, recuperando a identidade de Nhô Augusto
Esteves das Pindaíbas.

5. CARACTERÍSTICAS DA OBRA
Neste livro, um conjunto de sagas - histórias épicas, folclóricas, de amor,
mistério e aventura - universaliza o sertão, mistura o popular e o erudito,
fecunda de vida o mundo primitivo e mágico dos Gerais.
Sagarana reúne nove contos nos quais estão presentes os temas
básicos de João Guimarães Rosa: a aventura, a morte, os animais
metaforizados em gente, as reflexões subjetivas e espiritualistas. Cinco
deles - O burrinho pedrês, Duelo, São Marcos, A hora e a vez de Augusto
Matraga e Corpo fechado - trazem para os sertões de Minas Gerais peripécias
de antigas histórias épicas ou heróicas. O lirismo dos temas do amor e da
solidão transparece em Sarapalha e Minha gente. Em A volta do marido
pródigo há uma espécie de heroísmo gaiato, enquanto que as reflexões sobre
o poder e a fraqueza centralizam-se em Conversa de bois.

NARRADORES
O narrador dos contos de Sagarana muitas vezes caracteriza como
folclóricas as histórias que conta, inserindo nelas quadrinhas populares e
dando-lhes um tom épico e/ou de histórias de fada. Por exemplo, temos o
Era uma vez que inicia o conto O burrinho pedrês (Era um burrinho pedrês).
Neste conto, assim como em Conversa de bois e em A volta do marido pródigo,
os animais se transformam em heróis, questionando o saber dos homens
com o seu suposto não saber.
A onisciência do narrador dos contos em terceira pessoa
O burrinho pedrês,
A volta do marido pródigo,
Sarapalha,
Duelo,
Conversa de bois
A hora e vez de Augusto Matraga
é propositalmente relativizada, dando voz própria e encantamento às
narrativas e acentuando sua dimensão mítica e poética. Percebemos, ainda,
a alternância de focos narrativos no diálogo de instrumentos - uma
clarineta insinuante, fanhosa e meio fraca (associada ao personagem Turíbio) e
uma tuba solene, penetrante, mas arquejando pelo esforço (associada ao
personagem Cassiano) - em Duelo. Em Sarapalha, o contraponto de tempos
verbais, passado e presente - o passado relacionado à impotência e à
saudade da esposa de um dos protagonistas, o presente ao momento da
doença vivido pelos dois primos - contribui para reforçar a atmosfera de dor e
isolamento, de claustrofobia, em que se encontram os personagens.
Nos contos em primeira pessoa
São Marcos
Minha gente
Corpo fechado
evidencia-se o universo primitivo e fantástico de Guimarães Rosa. O
personagem-narrador de São Marcos, por exemplo, se diz avesso à
feitiçaria e às outras artes mas se refere a elas constantemente e as acaba
utilizando. Outro exemplo é o matuto Manuel Fulô, de Corpo fechado, que
conta as suas histórias do sertão ao homem da cidade (como Riobaldo, em
Grande sertão: veredas).
Finalmente, em Minha gente, um dos contos mais bem tramados do
livro, a história principal é emendada, alterada, recontada por pequenos
detalhes e elementos dados pouco a pouco ao leitor. O foco narrativo
ilumina os passos do protagonista, mas também revela certas sutilezas que
servem para esclarecer o sentido mais profundo da história. Há uma partida de
xadrez, narrada no início, que mostra como se deve entender o enredo em si:
um xeque, dado pelo protagonista, acaba se virando contra ele próprio. Assim,
a narração insinua ao leitor que as aparências dos fatos escondem, mais
que revelam, sua verdadeira intenção.
Repletos de histórias dentro de histórias, de digressões filosóficas e
de monólogos interiores que desvendam o universo dos homens, dos
bichos e das coisas, os contos de Sagarana nos permitem uma espécie de
ritual de iniciação, ao longo da leitura. Esta iniciação ocorre se conseguirmos
compreendê-los em sua simbologia, na cosmovisão alógica, mágica, mítica
e poética que humaniza em sentido profundo os protagonistas -
aparentemente apenas sertanejos dos Gerais - e universaliza o sertão. O
sertão é o mundo, diz o Riobaldo de Grande sertão: veredas. De Sagarana,
podemos afirmar o mesmo, como veremos a seguir.

TEMAS E CARACTERÍSTICAS
O burrinho pedrês
Desde o primeiro conto, O burrinho pedrês, estão presentes os
elementos fundamentais para compreendermos os contos de Sagarana. O
nome do burrinho, Sete-de-Ouros, por exemplo, é recoberto pela magia de um
número místico (sete) e pela força simbólica doouro, indicador de
superação e de transcendência para os alquimistas.
Um burrinho velho e resignado assume, assim, uma dimensão
fantástica intensificada pelo tom de história de fada da narrativa (Era um
burrinho pedrês) e pelo heroísmo que adquire graças ao acaso - outro
elemento constante nestes contos - que o faz salvar Badu, o vaqueiro
perseguido, e Francolim, da enchente e da morte. As quadrinhas
folclóricas que povoam a narrativa, as estórias contadas pelos vaqueiros (a
do boi Calundu e a do pretinho triste) iluminam a travessia do burrinho
pedrês, de uma a outra margem do rio.A travessia, a superação de
obstáculos por ocultos caminhos é uma imagem freqüente em Guimarães
Rosa, como também a presença de forças mágicas, da natureza, atuando
sobre o mundo e mostrando as possibilidades de os fracos se tornarem
fortes, de se saber uma vida no resumo exemplar de apenas um dia...É o
caso do Sete-de -Ouros, que, depois de agigantar-se sem perceber, farejou
o cocho. Achou milho. Comeu. Então rebolcou-se, com as esponjadelas
obrigatórias, dançando de patas no ar e esfregando as costas no chão. Comeu
mais. Depois procurou um lugar qualquer, e se acomodou para dormir, entre
a vaca mocha e a vaca malhada, que ruminavam, quase sem bulha, na
escuridão. O burrinho voltou ao anonimato e à apatia da velhice, depois de
gesto surpreendentemente heróico.

Conversa de bois
Conversa de bois é também uma história que conta a travessia, a
superação da fraqueza convertida em força, através da união dos bois e
de um menino maltratado: juntos, conseguem matar o bandido com a força
da magia que animiza os bois, para melhorarem o mundo dos homens.

Corpo fechado
Em Corpo fechado temos uma temática semelhante, na qual o
instrumento da vitória, um curandeiro, fecha o corpo e assim anula a
fragilidade do protagonista que, imantado pela fé, vence o vilão, brutal e
valente, mas sem o amparo do sagrado.
São Marcos
Em São Marcos, à feitiçaria que pode punir e também serve como
reação à punição, enfatiza-se o dom e a magia da palavra cujo canto e cuja
plumagem são celebrados no conto.

Minha gente e A volta do marido pródigo


Nos contos Minha gente e em A volta do marido pródigo a esperteza
é tematizada: a de Maria Irma (Minha Gente) e a de LalinoSalãthiel, o herói
gaiato de A volta do marido pródigo.

Duelo
Em Duelo, o acaso decide favoravelmente a Cassiano, permitindo-lhe
que se vingue de Turíbio Todo.

Sarapalha
Sarapalha, por sua vez, enfoca a solidão, o abandono e a decadência
de dois personagens, que sofrem a doença física da maleita, e que não
podem consolar-se mutuamente, devido á doença do coração - a saudade e
o ciúme - que os separa, tornando-os mais isolados, mais sozinhos. Os
protagonistas de Sarapalha representam o homem em desgraça, sem
esperança nem horizonte.

A hora e vez de Augusto Matraga, finalmente, é uma história de


redenção e espiritualidade, uma história de conversão.
Ao longo do seu enredo o protagonista, Augusto Matraga, passa do mal
ao bem, da perdição à salvação. O agente desta passagem é o jagunço
Joãozinho Bem-Bem. Podemos associar a ele o ditado: Deus escreve certo
por linhas tortas, pois é o malvado Joãozinho Bem-Bem que permite a
morte gloriosa e salvadora de Matraga. A dualidade entre o bem e o mal
parece marcar esse mundo de jagunços e fazendeiros, no qual há a
possibilidade de conversão quando chega a vez e a hora certa das pessoas,
como ocorreu com Matraga.

PERSONAGENS
Nesta multiplicação de acasos movida pela necessidade, transitam os
personagens de Sagarana, em seus encontros e desencontros: um burrinho
velho salvando os vaqueiros da enchente (O burrinho pedrês), os bois salvando
o menino dos maltratos (Conversa de bois), os feiticeiros salvando os fracos
dos valentões (Corpo fechado), as artimanhas devolvendo a esposa ao marido
(A volta do marido pródigo) ou corrigindo os erros do destino (Minha gente).
Assim, todas essas histórias têm um tom épico, heróico, embora não
grandiloqüente, mas lírico.
Osdesencontros de Duelo e de Sarapalha parecem tão providenciais
quanto os encontros nos contos mencionados: a mesma razão exterior aos
atos humanos que realiza a inesperada vingança de Cassiano contra Turíbio
Todo (Duelo) parece desencadear o isolamento e a decadência dos
personagens de Sarapalha.
Tal razão é alógica e mágica, conforme dissemos, e portanto aqueles
em quem incide - os personagens de Sagarana - são os bichos, as crianças,
os loucos, os bêbados, os homens rudes e simples. Trata-se dos seres em
disponibilidade, à margem da produção econômica e por isso propensos
ao devaneio, à aventura.
Neste contexto, podemos compreender os sucessos do Sete-de-Ouros,
dos bois, do matuto Manuel Fulô, de José, o narrador-protagonista de São
Marcos, que com este nome _ Estremeci e me voltei, porque, nesta história, eu
também me chamarei José - sintetiza e resume o que queremos dizer: no
homem comum está a divindade, no pecador a salvação, como nos mostra
Augusto Matraga.

LINGUAGEM
Não é de estranhar que se compare ou se associe a linguagem de
Guimarães Rosa ao estilo Barroco, pois em ambos encontramos os jogos de
palavras, o prazer lúdico, quase infantil, dos trocadilhos, das associações
inesperadas de imagens, do trabalho sonoro e poético com a prosa.
A pontuação das frases de Guimarães Rosa também está ligada a esta
preocupação lúdica com a linguagem, que lembra o estilo Barroco: trata-se
sempre de associar o jogo de palavras aos elementos da narrativa
(personagens, narrador, enredo, etc.) Com a pontuação, ele busca um ritmo
que só pode ser encontrado na poesia do sertão, na marcha das boiadas, na
passagem lenta e imperceptível do tempo, no bater das asas dos periquitos, no
balançar sinuoso das folhas do buriti.
Guimarães Rosa é, em conclusão, o criador de uma obra em que
elementos da cultura popular e elementos da cultura erudita se mesclam
para reinventar a força da linguagem sertaneja e mineira. Conhecedor de
pelo menos dezoito idiomas, ao lado das palavras que traz do vocabulário
sertanejo há várias construções importadas do latim, do francês, do inglês
e do alemão em seus livros. Poucos como ele têm a capacidade de reunir a
erudição das reflexões filosóficas à transposição do imaginário popular,
sem menosprezar as primeiras, e simplificando o segundo.
É o que vemos ao ler alguns trechos de Sagarana, onde percebemos o
ritmo, a cadência, a fecundidade e o mistério, difícil de decifrar, de sua
linguagem.
O volume revolve o mundo regional dos "causos" veiculados pela
tradição oral, vazados em uma linguagem híbrida em que se fundemo
coloquial e o refinamento da linguagem erudita, requintada e criativa de
Guimarães Rosa.

O REGIONAL DE MINAS
O volume é composto de um conjunto de nove históriasligadas
entre si pelo espaço em que transcorrem as ações, focalizando o regional
mineiro, captando os aspectos físicos, sociológicos e psicológicos do
homem e do meio interiorano.
As novelas apresentam a fixação de costumes e aspectos
marcantes da vida regional: a miséria física e psicológica dos doentes de
maleita, em um diálogo arrastado e entremeado por surtos da febre
("Sarapalha"); a crônica dos valentões que burlam a lei e tornam-se
intocáveis, mas que podem ter a sorte revertida se houver a interferência
de forças sobrenaturais ("Corpo fechado"); o caso de feitiçaria que cega
momentaneamente o protagonista e lhe serve de aprendizado ("São
Marcos"); as malandragens de um ladino cabo eleitoral que vende a
esposa e depois a recupera de graça ("Traços Biográficos de
LalinoSalãthiel"); casos de amor e de articulação política ("Minha Gente")
e duas histórias que envolvem perseguições ("O Duelo" e "A Hora e Vez
de Augusto Matraga"), essa última considerada a mais perfeita realização
do volume.

LOCALIZAÇÃO DA OBRA NO ESTILO DE ÉPOCA


Publicado em 1946, Wilson Martins coloca Sagarana como uma das
três grandes estréias da prosa de ficção pós-modernista ou, como
querem outros, neomodernista.
Para a crítica, o Pós-Modernismo representa o incontido desejo de
superar as formas modernistas em busca, principalmente, de
originalidade e expressividade, não só no concernente à linguagem, onde
se explora a sua plumagem e o seu canto, para usar as mesmas
expressões de Guimarães Rosa, como também a ânsia do universal.
Deste modo, procurando transcender o estritamente regional, o escritor
pós-modernista parte sempre de um plano vertical para, assim, chegar a
uma dimensão metafísica, universal do homem.
Embora seja o livro de estréia de Guimarães Rosa, não é difícil ver em
Sagarana esses elementos inovadores que caracterizam o Pós-
Modernismo. Com efeito, a pesquisa lingüística e a ânsia do metafísico -
que superam o estritamento local e regional - têm sido uma das grandes
características pós-modernistas, e aqui, especialmente, de Guimarães
Rosa. Entretanto, esses elementos apenas vislumbram em Sagarana,
despontando intensa e desconcertantemente no monumental romance -
Grande Sertão: Veredas (1956). Diríamos que Sagarana foi uma espécie
de rascunho que Guimarães Rosa usou para a elaboração de Grande
Sertão: Veredas. Na comparação não vai nenhuma subestimação do
primeiro livro de Guimarães que, pelo fato de ter sido rascunho, não deixa
de ser obra-prima.
Como sugere o título, Sagarana é uma coletânea de contos
estruturados a partir de uma visão moderna dessa espécie literária, pois,
embora apresentem os seus elementos tradicionais, os contos de
Guimarães Rosa são portadores de “um sopro renovador”, como observa
o crítico Massaud Moisés: “Numa linguagem mesclada de tipismos
mineiros, eruditismos e arcaísmos, traz para a literatura regionalista um
sopro renovador, um senti¬do de epicidade e profundo conhecimento da
alma humana, que fazem dele, desde logo, um escritor de lugar
definitivamente marcado” (Massaud Moisés).
Como já ressaltamos atrás, Guimarães Rosa foi um dos primeiros
entre nós que logrou captar o mundo regional através de um prisma
universal: a sua obra veio concretizar a nova dimensão que o
regionalismo estava esperando: a dimensão do espírito e do mistério das
coisas.

TRECHOS DOS CONTOS


O burrinho pedrês
“E, ao meu macho rosado,
carregado de algodão,
preguntei :p’ra donde ia?
P’ra rodar no mutirão.” (Velha cantiga, solene, da roça.)

Era um burrinho pedrês, miúdo e resignado, vindo de Passa-Tempo,


Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e
já fora tão bom, como outro não existiu e nem pode haver igual. Agora, porém,
estava idoso, muito idoso. Tanto, que nem seria preciso abaixar-lhe a maxila
teimosa, para espiar os cantos dos dentes. Era decrépito mesmo à distância:
no algodão bruto do pêlo — sementinhas escuras em rama rala e encardida;
nos olhos remelentos, cor de bismuto, com pálpebras rosadas, quase sempre
oclusas, em constante semi-sono; e na linha, fatigada e respeitável — uma
horizontal perfeita, do começo da testa à raiz da cauda em pêndulo amplo, para
cá, para lá, tangendo as moscas. Na mocidade, muitas coisas lhe haviam
acontecido. Fora com prado, dado, trocado e revendido, vezes, por bons e
maus preços.

A volta do marido pródigo


“Negra danada, siô,
é Maria: ela dá no coice,
ela dá na guia,
lavando roupa na ventania.
Negro danado, siô,
é Heitô: de calça branca,
de paletó, foi no inferno,
mas não entrou!” (Cantiga de batuque, a grande velocidade.)
Nove horas e trinta. Um cincerro tilinta. É um burrinho, que vem sozinho,
puxando o carroção. Patas em marcha matemática, andar consciencioso e
macio, ele chega, de sobremão. Pára, no lugar justo onde tem de parar, e
fecha imediatamente os olhos. Só depois que o menino, que estava esperando,
de cócoras, grita: — “Íssia!. . . — “ e pega-lhe na rédea e o faz Volver
esquerda, e recuar cinco passadas. Pronto, O preto desaferrolha o taipal da
traseira, e a terra vai caindo para o barranco. Os outros ajudam, com as pás.
Seis minutos: o burrinho abre os olhos. O preto torna a aprumar o tabuleiro no
eixo, e ergue o tampo de trás, O menino torna a pegar na rédea: direita, volver!
Agora nem é preciso comandar:
— “Vamos!”... — porque o burrico já saiu no mesmo passo, em rumo
reto; e as rodas cobrem sempre os mesmos sulcos no chão. No meio do
caminho, cruza-se com o burro pêlo-de-rato, que vem com o outro carroção. É
o décimo terceiro encontro, hoje, e como ainda irão passar um pelo outro, sem
falta, umas três vezes esse tanto — do aterro ao corte, do corte ao aterro—
não se cumprimentam. No corte, a turma do seu Marra bate rijo, de picareta,
atacando no paredão pedrento a brutalidade cinzenta do gneiss. Bom trecho,
pois, remunerador. Acolá, a turma dos espanhóis cavouca terra mole, xisto
talcoso e micaxisto; e o chefe Garcia está irritado, porque, por causa disso, vão
receber menos, por metro quadrado e metro cúbico. Adiante, uns homens
colocando os paus do mata-burro. Essa outra gente, à beira, nada tem
conosco: serviço particular de seu Remígio, dono das terras, que achou e está
explorando uma jazida de amianto. E, mais adiante, o pessoal do Ludugéro,
acabando de armar as longarinas da ponte.
Sarapalha
“Canta, canta, canarinho, ai, ai, ai...
]Não cantes fora de hora, ai, ai, ai...
A barra do dia aí vem, ai, ai, ai...
Coitado de quem namora!...”
(O trecho mais alegre, da cantiga mais alegre, de um capiau beira-rio.)

Tapera de arraial. Ali, na beira do rio Pará, deixaram largado um


povoado inteiro: casas, sobradinho, capela; três vendinhas, o chalé e o
cemitério; e a rua, sozinha e comprida, que agora nem mais é uma estrada, de
tanto que o mato a entupiu. Ao redor, bons pastos, boa gente, terra boa para o
arroz. E o lugar já esteve nos mapas, muito antes da malária chegar. Ela veio
de longe, do São Francisco. Um dia, tomou caminho, entrou na boca aberta do
Pará, e pegou a subir. Cada ano avançava um punhado de léguas, mais perto,
mais perto, pertinho, fazendo medo no povo, porque era sezão da brava da
“tremedeira que não desamontava — matando muita gente. — Talvez que até
aqui ela não chegue... Deus há-de... .
Mas chegou; nem dilatou para vir. E foi um ano de tristezas. Em abril,
quando passaram as chuvas, o rio — que não tem pressa e não tem margens,
porque cresce num dia mas leva mais de mês para minguar — desengordou
devagarinho, deixando poços redondos num brejo de ciscos: troncos,ramos,
gravetos coivara; cardumes de mandis apodrecendo; tabaranas vestidas de
ouro, encalhadas, curimatãs pastando barro na invernada; jacarés, de
mudança, apressados; canoinhas ao seco, no cerrado; e bois sarapintados,
nadando como búfalos, comendo o mururê -de-flor-roxa flutuante, por entre as
ilhas do melosal. Então, houve gente tremendo com os primeiros acessos da
sezão. —Talvez que para o ano ela não volte, -vá s’embora...
Ficou. Quem foi s ‘embora foram os moradores:

Duelo
E grita a piranha cor de palha,
Irritadíssima:
— Tenho dentes de navalha,
e com um pulo de ida-e-volta
resolvo a questão Exagero...
— diz a arraia —
eu durmo na areia,
de ferrão a prumo,
e sempre há um descuidoso
que vem se espetar.
Pois, amigas,
murmura o gimnoto,
mole, carregando a bateria
nem quero pensar no assunto:
se eu soltar três pensamentos elétricos,
bate-poço, poço em volta,
até vocês duas boiarão mortas... (Conversa a dois metros de
profundidade.)
Turíbio Todo, nascido à beira do Borrachudo, era seleiro de profissão,
tinha pêlos compridos nas narinas, e chorava sem fazer caretas; palavra por
palavra: papudo, vagabundo, vingativo e mau. Mas, no começo desta estaria,
ele estava com a razão.
Aliás, os capiaus afirmam isto assim peremptório, mas bem que no caso
havia lugar para atenuantes. Impossível negar a existência do papo: mas papo
pequeno, discreto, bilobado e pouco móvel — para cima, para baixo, para os
lados — e não o escandaloso “papo de mola, quando anda pede esmola”...
Além do mais, ninguém nasce papudo nem arranja papo por gosto: ele resulta
das tentativas que o grande percevejo do mato faz para se tornar um animal
doméstico nas cafuas de beira-rio, onde há, também cúmplices, camaradas do
barbeiro, cinco espécies, mais ou menos, de tatus. E, tão modesto papúsculo,
incapaz de tentar o bisturi de um operador, não enfeava o seu proprietário:
Turíbio Todo era até simpático: forçado a usar colarinho e gravata, às vezes
parecia mesmo elegante.
Não tinha, porém, confiança nesses dotes, e daí ser bastante
misantropo, e dali ter querido ser seleiro, para poder trabalhar em casa e ser
menos visto. Ora, com a estrada-de-ferro, e, mais tarde, o advento das duas
estradas de automóvel, rarearam as encomendas de arreios e cangalhas, e
Turíbio Todo caiu por força na vadiação.

Minha Gente
“Tira a barca da barreira,
deixa Maria passar:
Maria é feiticeira,
ela passa sem molhar.”
(Cantiga de treinar papagaios)
Quando vim, nessa viagem, ficar uns tempos na fazenda do meu tio
Emilio, não era a primeira vez. Já sabia que das moitas de beira de estrada
trafegam para a roupa da gente umas bolas de centenas de carrapatinhos, de
dispersão rápida, picadas milmalditas e difícil catação; que a fruta mal ma dura
da cagaiteira, comida com sol quente, tonteia como cachaça; que não valia a
pena pedir e nem querer tomar beijos às primas; que uma cilha bem apertada
poupa dissabor na caminhada; que parar à sombra da aroeirinha é ficar com o
corpo empipocado de coceira vermelha; que, quando um cavalo começa a
parecer mais comprido, é que o arreio está saindo para trás, com o respectivo
cavaleiro; e, assim, longe outras coisas. Mas muitas mais outras eu ainda tinha
que aprender.
Por aí, logo ao descer do trem, no arraial, vi que me esquecera de
prever e incluir o encontro com Santana. E tinha a obrigação de haver previsto,
já que Santana que era também inspetor escolar, itinerante, com uma lista de
dez ou doze municípios a percorrer — era o meu sempre-encontrável, o meu
“até.. as-pedras-se-encontram” — espécie esta de pessoa que todos em sua
vida têm.

São Marcos
“Eu vi um homem lá na grimpa do coqueiro, ai-ai,
não era homem, era um coco bem maduro, oi-oi.
Não era coco, era a creca de um macaco, ai-ai,
não era a creca, era o macaco todo inteiro, oi-oi.”
(Cantiga de espantar males.)

Naquele tempo eu morava no Calango-Frito e mm acreditava em


feiticeiros. E o contra-senso mais avultava, porque, já então — e excluí da
quanta coisa-e-sousa de nós todos lá, e outras cismas corriqueiras tais: sal
derramado; padre viajando com a gente no trem; não falar em raio: quando
muito, e se o tempo está bom, “faísca”; nem dizer lepra; só o “mal”; passo de
entrada com o pé esquerdo; ave do pescoço pelado; risada renga de suindara;
cachorro, bode e galo, pretos; e, no principal, mulher feiosa, encontro sobre
todos fatídico; — porque, já então, como ia dizendo, eu poderia confessar, num
recenseio aproximado: doze tabus de não-uso próprio; oito regrinhas ortodoxas
preventivas; vinte péssimos presságios; dezesseis casos de batida obrigatória
na madeira; dez outros exigindo a figa digital napolitana, mas da legítima,
ocultando bem a cabeça do polegar; e cinco ou seis indicações de ritual mais
complicado; total: setenta e dois — noves fora, nada.
Além do falado, trazia comigo uma fórmula gráfica: treze consoantes
alternadas com treze pontos, traslado feito em meia. noite de sexta-feira da
Paixão, que garantia invulnerabilidade a picadas de ofidios: mesmo de uma
cascavel em jejum, pisada na ladeira da antecauda, ou de uma jararaca-
papuda, a correr mato em caça urgente. Dou de sério que não mandara
confeccionar com o papelucho o escapulário em baeta vermelha, porque isso
seria humilhante; usava-o dobrado, na carteira. Sem ele, porém, não me
aventuraria jamais sob os cipós ou entre as moitas, E só hoje é que realizo que
eu era assim o pior-de-todos, mesmo do que o Saturnino Pingapinga, capiau
que — a história é antiga — errou de porta, dormiu com uma mulher que não
era a sua, e se curou de um mal-de-engasgo, trazendo a receita médica no
bolso, só porque não tinha dinheiro para a mandar aviar.
Mas, feiticeiros, não. E me ria dessa gente toda do mau milagre:

Corpo fechado
“A barata diz que tem sete saias de filó...
E mentira da barata: ela tem uma só.”
(Cantiga de roda.)

José Boi caiu de um barranco de vinte metros; ficou com a cabeleira


enterrada no chão e quebrou o pescoço. Mas, meio minuto antes, estava
completamente bêbado e também no apogeu da carreira: era o “espanta-
praças”, porque tinha escaramuçado, uma vez, um cabo e dois soldados, que
não puderam reagir, por serem apenas três. —Você o conheceu, Manuel Fulô?
— Mas muito!... Bom homem... Muito amigo meu. Só que ele andava
sempre coçando a cabeça, e eu tenho um medo da nado de piolho...
— Podia ser sinal de indecisão...
— Eu acompanhei até o enterro. Nunca vi defunto tão esticado de
comprido... Caixão especial no tamanho: acho que levou mais de peça e meia
de galão...
— E quem tomou o lugar dele?
— Lugar? O sujeito não tinha cobre nem p’ra um bom animal de sela.., O
que ganhava ia na pinga... Mão aberta...
— Mas, quem ficou sendo o valentão, depois que ele morreu?
— Ah, isso teve muitos: o Desidério...
— Cuera?
— Cabaça... Sé que era bruto como ele sé, e os outros tinham medo
dele. Cavalo coiceiro... Comigo nunca se engraçou!
— Como acabou?
— Acabou em casa de grades. Foi romper aleluia na cidade, e os
soldados abotoaram o filho da mãe dele... Não voltou aqui, nunca mais...

Conversa de bois
— Lá vai! Lá vai! Lá vai!...
Queremos ver...
Queremos ver...
— Lá vai o boi Cala-a-Boca
fazendo a terra tremer!...”
(Coro do boi bumbá.)

Que já houve um tempo em que eles conversavam, entre si e com os


homens, é certo e indiscutível, pois que bem comprovado nos livros das fadas
carochas. Mas, hoje- em-dia, agora, agorinha mesmo, aqui, aí, ali, e em toda
parte, poderão os bichos falar e serem entendidos, por você, por mim, por todo
o mundo, por qualquer um filho de Deus?!
— Falam, sim senhor, falam!.. —, afirma o Manuel Timborna, das
Porteirinhas, filho do Timborna velho, pega- dor de passarinhos, e pai dessa
infinidade de Timborninhas barrigudos, que arrastam calças compridas e
simulam todos o mesmo tamanho, a mesma idade e o mesmo bom-parecer; —
Manuel Timborna, que, em vez de caçar serviço para fazer, vive falando
invenções só lá dele mesmo, coisas que as outras pessoas não sabem e nem
querem escutar.
— Pode que seja, Timborna. Isso não é de hoje’ Visa sub
obscurumnoctispecudesquelocutae.Infandum!.. . Mas, e os bois? Os bois
também?...
— Ora, ora! ... Esses é que são os mais!... Boi fala o tempo todo. Eu até
posso contar um caso acontecido que se deu.

A hora e vez de Augusto Matraga


“Eu sou pobre, pobre, pobre,
vou-me embora, vou-me embora ......................................................
Eu sou rica, rica, rica,
vou-me embora, daqui!...”
(Cantiga antiga.)

“Sapo não pula por boniteza, mas porém por percisão.”


(Provérbio capiau.)

Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Estêves. Augusto


Estêves, filho do Coronel AfonsãoEstêves, das Pindaíbas e do Saco-da-
Embira. Ou Nhô Augusto — o homem — nessa noitinha de novena, num leilão
de atrás da igreja, no arraial da Virgem Nossa Senhora das Dores do Córrego
do Murici.
Procissão entrou, reza acabou. E o leilão andou depressa e se extinguiu,
sem graça, porque a gente direita foi saindo embora, quase toda de uma vez.
Mas o leiloeiro ficara na barraca, comendo amêndoas de car tucho e
pigarreando de rouco, bloqueado por uma multidão encachaçada de fim de
festa. E, na primeira fila, apertadas contra o balcãozinho, bem iluminadas pelas
candeias de meialaranja, as duas mulheres-à-toa estavam achando em tudo
um espírito enorme, porque eram só duas e pois muito disputadas, todo-o-
mundo com elas querendo ficar.
Beleza não tinham: Angélica era preta e mais ou menos capenga, e só a
outra servia. Mas, perto, encostado nela outra, um capiau de cara romântica
subia todo no sem-jeito; eles estavam se gostando, e, por isso, aquele povo
encapetado não tinha — pelo menos para o pobre namorado — nenhuma
razão de existir. E a cada momento as coisas para ele pioravam, com o
pessoal aos gritos:

QUESTÕES
01. (USF-SP) A respeito de Guimarães Rosa é correto afirmar que:
a. transmitiu ao nosso regionalismo valores universais, ao abordar dúvidas
do próprio homem, numa linguagem recriada poeticamente.
b. continuou a tradição das obras regionalistas anteriores, especialmente
as do ciclo da cana-de-açúcar, que denunciam a injustiça social.
c. foi mais valorizado como poeta, pela retomada dos recursos expressivos
da língua, com sua linguagem plena de sonoridades e figuras literárias.
d. retomou a influência científica e a linguagem objetiva e enxuta de
Euclides da Cunha, autor de Os sertões, para explicar a psicologia do
sertanejo.
e. foi um autor de vanguarda que procurou mostrar as várias regiões do
país, a partir de uma visão subjetiva e extremamente poética.

02. (F.Objetivo-SP) Sobre Guimarães Rosa podemos afirmar que:


a. foi autor regionalista, seguindo a linha do regionalismo romântico.
b. inovou sobretudo nos temas, explorando tipos inéditos.
c. escreveu obra política de contestação à sociedade de consumo.
d. sua obra se revela intimista com raízes surrealistas.
e. inovou sobretudo o aspecto lingüístico, revelando trabalho criativo na
exploração do potencial da língua.

03. (FUVEST) João Guimarães Rosa, em Sagarana, permite ao leitor


observar que:
a) explora o folclórico do sertão.
b) em episódios muitas vezes palpitantes surpreende a realidade nos mais
leves pormenores e trabalha a linguagem com esmero.
c) limita-se ao quadro do regionalismo brasileiro.
d) é muito sutil na apresentação do cotidiano banal do jagunço.
e) é intimista hermético.

04. (PUCCAMP)Sobre A hora e a vez de Augusto Matraga é incorreto


afirmar:
a. Depois de apanhar até quase morrer, Nhô Augusto passa a viver uma
vida de penitências e duros trabalhos, numa tentativa de, pelo esforço do
corpo, purificar a alma, comportamento típico de mártires e santos.
b. Nhô Augusto volta a sentir a sedução da violência quando depara-se
com o bando de Seu Joãozinho Bem-Bem, mas resiste, ainda que a duras
penas, para não comprometer seu plano de salvação.
c. No duelo final com Seu Joãozinho Bem-Bem percebe-se, como, em
determinados momentos, as intenções e desejos mais egoístas podem se
transformar em instrumentos de redenção do egoísmo e doação de si mesmo:
Nhô Augusto faz o bem (ao salvar a família do velho da vingança de Seu
Joãozinho Bem-Bem) – o que garantiria a salvação de sua alma – por meio da
violência destruidora que sempre o fascinou.
d. Os jagunços no conto de Guimarães Rosa são irracionais e arbitrários e
praticam a violência única e exclusivamente para satisfazer seus impulsos
sangüinários.
e. A transformação de Nhô Augusto depois da surra pode ser interpretada
como uma morte para a vida de maldades e um renascimento para a vida
devota e contrita. Neste sentido, pode ser compreendida simbolicamente como
parte de um rito de passagem, como o batismo cristão.
05. (FUVEST) Dentre os contos de Sagarana existe um em que o narrador
sustenta um duelo literário com outro poeta, chamado Quem Será, e no qual se
fazem várias considerações sobre a natureza da poesia. Numa metáfora do
condicionamento do homem, resistente à aceitação do novo e diferente, o autor
leva a personagem a passar por um período de cegueira. A partir daí a
personagem descobre a mutilação dos sentidos, que agora se abrem a outras
vertentes da realidade.
Em qual dos contos abaixo se discute essa questão?
A)"A hora e a vez de Augusto Matraga".
B)"Duelo".
C)"Conversa de bois".
D)"São Marcos".
E)"Corpo fechado".

06. (FUVEST)
"Canta, canta, canarinho, ai, ai, ai...
Não cantes fora de hora, ai, ai, ai...
A barra do dia aí vem, ai, ai, ai...
Coitado de quem namora!..."
Esta quadrinha é a epígrafe do conto Sarapalha. Ela aponta para o clímax
da estória que se dá por ocasião:
a) da eleição de seu Major Vilhena: tiroteio com três mortes.
b) da confissão de Argemiro e sua expulsão da casa de Ribeiro.
c) do casamento de Luísa com o boiadeiro e despedida dos primos;
d) da morte do boiadeiro, que Argemiro mata em respeito ao primo.
e) da declaração de Ribeiro e ruptura deste com o boiadeiro.

07. (CEFET-PR) Sobre os contos de Sagarana é INCORRETO afirmar:


A) A volta do marido pródigo demonstra, no comportamento do protagonista, o
poder criador da palavra, dimensão da linguagem tão apreciada por Guimarães
Rosa.
B) Tanto em Corpo fechado quanto em Minha gente o espaço é variado,
deslocando-se a ação de um lugar para outro.
C) Em Duelo e Sarapalha figuram personagens femininas cujos traços não
aparecem nas mulheres de outros contos.
D) O burrinho pedrês, Conversa de bois e São Marcos trabalham com a
mudança de narradores.
E) A hora e a vez de Augusto Matraga não apresenta a inserção de casos ou
narrativas secundárias.

08. (UPF) Nos contos de Sagarana, Guimarães Rosa resgata,


principalmente, o imaginário e a cultura:
A) da elite nacional
B) dos proletários urbanos
C) dos povos indígenas
D) dos malandros de subúrbio
E) da gente rústica do interior

09. (UEL) O trabalho com a linguagem por meio da recriação de palavras e a


descrição minuciosa da natureza, em especial da fauna e da flora, são uma
constante na obra de João Guimarães Rosa. Esses elementos são recursos
estéticos importantes que contribuem para integrar as personagens aos
ambientes onde vivem, estabelecendo relações entre natureza e cultura.
Em Sarapalha, conto inserido no livro Sagarana, de 1946, referências do
mundo natural são usadas para representar o estado febril de Primo Argemiro.
Com base nessa afirmação, assinale a alternativa em que a descrição da
natureza mostra o efeito da maleita sobre a personagem Argemiro:
A) “É aqui, perto do vau da Sarapalha: tem uma fazenda, denegrida e
desmantelada; uma cerca de pedra seca, do tempo de escravos; um rego
murcho, um moinho parado; um cedro alto, na frente da casa; e, lá dentro uma
negra, já velha, que capina e cozinha o feijão.”
B) “Olha o rio, vendo a cerração se desmanchar. Do colmado dos juncos, se
estira o vôo de uma garça, em direção à mata. Também, não pode olhar muito:
ficam-lhe muitas garças pulando, diante dos olhos, que doem e choram, por si
sós, longo tempo.”
C) “É de-tardinha, quando as mutucas convidam as muriçocas de volta para
casa, e quando o carapana mais o mossorongo cinzento se recolhem, que ele
aparece, o pernilongo pampa, de pés de prata e asas de xadrez.”
D) “Estava olhando assim esquecido, para os olhos... olhos grandes escuros e
meio de-quina, como os de uma suaçuapara... para a boquinha vermelha,
como flor de suinã....”
E) “O cachorro está desatinado. Pára. Vai, volta, olha, desolha... Não entende.
Mas sabe que está acontecendo alguma coisa. Latindo, choramingando,
chorando, quase uivando.”

10. (PUC-SP) O conto Conversa de bois integra a obra Sagarana, de João


Guimarães Rosa. De seu enredo como um todo, pode afirmar-se que:
A) os animais justiceiros, puxando um carro, fazem uma viagem que
começa com o transporte de uma carga de rapadura e um defunto e
termina com dois.
B) a viagem é tranqüila e nenhum incidente ocorre ao longo da jornada, nem
com os bois nem com os carreiros.
C) os bois conversam entre si e são compreendidos apenas por Tiãozinho, guia
mirim dos animais e que se torna cúmplice do episódio final da narrativa.
D) a presença do mítico-lendário se dá na figura da irara, “tão séria e moça e
graciosa, que se fosse mulher só se chamaria Risoleta” e que acompanha a
viagem, escondida, até à cidade.
E) a linguagem narrativa é objetiva e direta e, no limite, desprovida de poesia e
de sensações sonoras e coloridas.

11. (FUVEST)
"Foi seis meses em-antes-de ela ir-s'embora..."
"Desde que ela se foi, não falaram mais no seu nome. Nem uma vez. Era
como se não tivesse existido."
Estas duas passagens fazem referência explícita ao motivo central da
narrativa:
a. Primo Ribeiro é casado com Luísa por quem Argemiro se apaixona, a ponto
de matar o primo.
b. Primo Argemiro é casado com Luísa por quem Ribeiro se apaixona, a ponto
de provocar a morte do primo.
c. Luísa é casada com Ribeiro, mas apaixona-se por um boiadeiro que
Argemiro mata, em consideração ao primo.
d. Luísa é casada com Ribeiro; o Primo Argemiro é apaixonado por ela, mas
ela foge com um boiadeiro.
e. Um boiadeiro, que passa duas vezes pela casa dos primos Ribeiro e
Argemiro, casa-se com Luísa, que morava com eles.

12. (PUCSP) Em carta escrita a João Condé, revelando os segredos de


"Sagarana", João Guimarães Rosa elenca as doze histórias que
comporiam a obra. De uma delas afirma: "Peça não-profana, mas sugerida
por um acontecimento real, passado em minha terra, há muitos anos: o
afogamento de um grupo de vaqueiros, num córrego cheio". Tal
afirmação refere-se ao conto
a. "O burrinho pedrês", cujo personagem Francolim desempenha um papel
relativamente importante na história.
b. "Conversa de bois", cujo enredo envolve, também, a morte de um carreiro,
provocada pelos bois e pelo menino-guia.
c. "A hora e vez de Augusto Matraga", cujo personagem principal é marcado a
ferro com um triângulo inscrito numa circunferência, como se fosse gado do
Major.
d. "Sarapalha", que também narra a partida da esposa de Ribeiro que o
abandonou por um vaqueiro ou foi raptada pelo diabo.
e. "Minha gente", cuja ação e trama ocorrem no local chamado Todo-Fim-É-
Bom.

13. Enumere os parênteses estabelecendo a correspondência entre o


conto de Sagarana e a caracterização apresentada:
I- Mostra a desolação de um lugar que teve certo progresso, mas está em
ruínas. Ali se vive do passado, de nostalgia, de lembranças.
II- A escolha de um ex-militar como a personagem que imporá sua justiça
particular pela violência é sintomática da ausência de instituições oficiais com
autoridade para criar leis que imponham limites ao indivíduo e às ações do
próprio estado.
III- A saga se fecha com a luta apocalíptica de duas personagens que se
revestem de entidades mitológicas: eles se matam trocando demonstrações de
cordialidade e de amizade.
IV- A narrativa traz outras narrativas, entre as quais casos contados por
vaqueiros, que constituem explanação minuciosa sobre as relações dos seres
no estado de natureza e com as forças da natureza.

( ) “O burrinho pedrês”
( ) “A hora e vez de Augusto Matraga”
( ) “Sarapalha”
( ) “Duelo”
Assinale a opção que indica a sequência CORRETA:
a. III, II, IV, I
b. IV, II, I, III
c. II, III, IV, I
d. IV, III, I, II

14. Assinale a alternativa que apresenta uma particularidade CORRETA,


considerando os contos que compõem a obra Sagarana, de Guimarães
Rosa.
a. A vida de imigrantes holandeses perseguidos pelo governo transparece em
“Sarapalha”.
b. O mito e a fantasia brotam sob formas de superstições e premonições em
“São Marcos”.
c. Conflitos políticos e a corrupção do meio urbano são a base para a história
dramática de “Minha gente”.
d. O ser humano é criticado em sua brutalidade e descontrolada crueldade em
“Conversa de bois”.

15. Assinale a alternativa em que se percebe uma


relação INCORRETAentre o conto citado da obra Sagarana e o respectivo
comentário da narrativa.
a. (O burrinho pedrês) “Os animais se transformam em heróis, questionando o
saber dos homens com o seu suposto não saber”.
b. (Duelo) “Enquanto os homens se perdem na busca de seus objetivos, de um
fim, algo superior dispõe o contrário, o imprevisto”.
c. (Corpo fechado) “A narrativa do conto se expõe como uma espécie de
entrevista onde se destaca a história de valentões das gerais e a vida de
ciganos”.
d. (A hora e a vez de Augusto Matraga) “O conto exibe um mundo em ruínas e
decadente, que sofre os efeitos deletérios da Malária”.

16. Em abril de 1946, por ocasião da publicação de Sagarana, o crítico


Álvaro Lins assim se manifestou em artigo no jornal Correio da Manhã:
“Pelos assuntos e pelo material da construção ficcionista, pela
abundância documental, pelo estilo de artista pela riqueza e pela ciência do
vocabulário, pela capacidade descritiva e pela densidade das situações
dramáticas, seria impossível classificar Sagarana como obra de principiante, e
do seu autor, com efeito, ela transmite a impressão de alguém que já se
encontra no completo domínio dos recursos literários e com uma requintada
experiência pessoal na arte da ficção.”
(ROSA, J. Guimarães. Coleção Fortuna Crítica. Coletânea organizada por Eduardo de Faria Coutinho. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira/ INL, 1983. p.238)

A passagem extraída do conto NÃO corresponde ao aspecto


apontado pelo crítico em:
a. Densidade da situação dramática:Havia uma cachoeira no rego, com a
bica de bambu para o tubo de borracha. Experimentei regar: uma delícia! Com
um dedo, interceptava o jato, esparzindo-o na trouxa verde meio aberta dos
repolhos, nas flácidas couves oleosas, nos rufos arrepiados dos carurus, nos
quebradiços tomateiros, nos cachos da couve-flor granulosos, e nas folhas
cloríneas, verde-aquarela, das alfaces, que davam um ruído gostoso de
borrifo.(“Minha Gente”)
b. Construção ficcionista:E assim se passaram pelo menos seis ou seis
anos e meio, direitinho deste jeito, sem tirar e nem pôr, sem mentira nenhuma,
porque esta aqui é uma estória inventada, e não é um caso acontecido, não
senhor.(“A hora e vez de Augusto Matraga”)
c. Capacidade descritiva:Mas, as imbaúbas! As queridas imbaúbas jovens,
que são toda uma paisagem!... Depuradas, esguias, femininas, sempre
suportando o cipó-braçadeira, que lhes galga o corpo com espirais constrictas.
De perto, na tectura sóbria – só três ou quatro esgalhos – as folhas são
estrelas verdes, mãos verdes espalmadas; mais longe, levantam-se das grotas,
como chaminés alvacentas; longe-longe, porém, pelo morro, estão moças cor
de madrugada, encantadas, presas, no labirinto do mato.(“São Marcos”)
d. Prosa poética:As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e
touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa embolada, com
atritos de couros, estralos de guampas, estrondos e baques, e o berro queixoso
do gado Junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos
campos, querência dos pastos de lá do sertão...(“O burrinho pedrês”)

17. O escritor Rinaldo de Fernandes organizou uma antologia de autores


contemporâneos que reescreveram narrativas de Guimarães Rosa. Por
exemplo, o mineiro Sérgio Fantini, em “A pele da alma”, incorpora em seu
texto uma passagem da narrativa “A hora e vez de Augusto Matraga”:
“Não é maravilhoso? E assim fui seguindo. No primeiro dia li umas
cinquenta páginas. No segundo dia também abri uma página ao acaso:
‘Procissão entrou, reza acabou. E o leilão andou depressa e se extinguiu, sem
graça, porque a gente direita foi saindo embora, quase toda de uma vez.’”
(FERNANDES, R. – Org. - Quartas histórias: contos baseados em narrativas de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006. p.312)
Entre as passagens dos contos recriados de Sagarana, assinale a
que apresente um estilo radicalmente diferente do original:
a. E aquela figura enfezada e meio ridícula, metro e sessenta e tanto, do
Manezinho, nascido encorujado, meio bobo-defazenda... e tinha de existir uma
Beija-Fulô – ou Maria Dasdor, quem sabe, mas desta pouco se falou pra dizer
a verdade, não sei se é estranho, mas a besta, aquela Beija-Fulô ou o que sei
lá, a besta é que foi a peça importante – se não fosse ela...(Cecília Prada,
“Mané Fulô”)
b. Muito tempo fiquei mesmo sem quê, e tinha gente que estranhava, como
que eu, com esse jeito meu e os olhos, que muitos ignoram, e outros chamam
de olho de cabra tonta, eu, Silivana, mulher de Turíbio Todo, teúda e manteúda
na sua casa, inventei de aceitar o arrastado de asa de Cassiano
Gomes. (Luzilá Gonçalves Feirreira, “Duelo”)
c. Agora, que ela reina e campeia, ficamos nós dois, eu e o primo Ribeiro, aqui
sentados nesse banco do alpendre, engolindo golfadas de calor, vendo o
mundo tremer na nossa frente como se fosse se desmanchar, aguentando a
sede e a fome que agente nunca consegue saciar de um todo, pensando
nela. (Geraldo Maciel, “Os primos”)
d. Neguinho falando que o Lalino era o cara, que o Lalino era foda, porra, os
caras tudo lá, porque o Lalino, porra. Aí Neguinho já armou as parada toda da
eleição com o Major, o Major já garantiu a parada dele, o cara, aí, ia ser tipo o
cara do movimento na política, tipo representante da comunidade do
movimento na Assembleia, aí, sacou. Sacou colé? O Lalino lá, na maior, mó
moral, aí. (André Sant’Anna, “Lalino tá na área”)

18. Leia a seguir trecho de “A hora e vez de Augusto Matraga”, do


livro Sagarana, de Guimarães Rosa.
Seu Joãozinho Bem-Bem pigarreou, e falou: - Lhe atender não posso, e
com o senhor não quero nada, velho. É a regra... Senão, até quem é mais que
havia de querer obedecer a um homem que não vinga gente sua, morta de
traição?... É a regra.
(ROSA, J. G. Sagarana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969. p.361)
De acordo com a regra moral vigente no meio em que os contos têm
lugar, é justo que haja a vingança, sendo lícito, por exemplo, que o marido
traído queira vingar-se do amante, como ocorre em “Duelo”, narrativa na qual
essa ideia é endossada pelo narrador na seguinte passagem:
a. E, enquanto pois, Cassiano continuava se encontrando com a mulher fatal
da história, aquela mesma que tinha os olhos cada vez maiores, mais pretos e
mais de cabra tonta.
b. Todavia, como o bom, o legítimo capiau, quanto maior é a raiva tanto melhor
e com mais calma raciocina. Turíbio Todo dali se afastou mais macio ainda do
que tinha chegado, e foi cozinhar o seu ódio branco em panela de água fria.
c. – Ele vai como veado acochado, mas volta como cangussu... No meio do
caminho a gente topa, e quem puder mais é que vai ter razão...
d. Turíbio Todo, nascido à beira do Borrachudo, era seleiro de profissão, tinha
pêlos compridos nas narinas, e chorava sem fazer caretas; palavra por palavra:
papudo, vagabundo, vingativo e mau. Mas, no começo desta estória, ele estava
com a razão.

19.Para o crítico Franklin de Oliveira, as epígrafes


de Sagarana “descobrem ou indicam o ideário do autor astuciosamente
oculto na trama da narrativa”.
(OLIVEIRA, F. A dança das letras. Rio de Janeiro: Topbooks, 1991. p.56)
Identifique, nas alternativas a seguir, a relação INCORRETA entre a
epígrafe e o respectivo conto, entre parênteses:
a. “Canta, canta, canarinho, ai, ai, ai.../ Não cantes fora da hora, ai,
ai, ai.../ A barra do dia aí vem, ai, ai, ai.../ coitado de quem namora!...”
(“Sarapalha”)
b. “Sapo não pula por boniteza,/ mas porém por percisão” (“A hora e vez de
Augusto Matraga”)
c.“E, ao meu macho rosado,/ carregado de algodão,/ preguntei: p’ra donde ia?/
P’ra rodar no mutirão” (“O burrinho pedrês”)
d. “– Lá vai! Lá vai! Lá vai!.../ – Queremos ver... Queremos ver.../ – Lá vai o boi
Cala-a-Boca/ fazendo a terra tremer.” (“São Marcos”)

20. (UEL)Leia o texto, a seguir, extraído do conto "A hora e vez de


Augusto Matraga", e responda à questão.
Já Nhô Augusto, incansável, sem querer esperdiçar detalhe, apalpava os
braços do Epifânio, mulato enorme, de musculatura embatumada, de
bicipitalidade maciça. E se voltava para o Juruminho, caboclo franzino,vivono
menor movimento, ágil até no manejo do garfo, que em sua mão ia e vinha
como agulha de coser:
– Você, compadre, está-se vendo que deve de ser um corisco de chegador!...
E o Juruminho, gostando.
– Chego até em porco-espinho e em tatarana-rata, e em homem de vinte
braços, com vinte foices para sarilhar!... Deito em ponta de chifre, durmo em
ponta de faca, e amanheço em riba do meu colchão!... Está aí nosso chefe,
que diga... E mais isto aqui... E mostrou a palma da mão direita, lanhada de
cicatrizes, de pegar punhais pelo pico, para desarmar gente em agressão.
Nhô Augusto se levantara, excitado:
– Opa! Oi-ai!... A gente botar você, mais você, de longe, com as clavinas... E
você outro, aí, mais este compadre de cara séria, p’ra voltearem... E este
companheirinhochegador, para chegar na frente, e não dizer até-logo!... E
depois chover sem chuva, com o pau escrevendo e lendo, e arma-de-fogo
debulhando, e homem mudo gritando, e os do-lado-de-lá correndo e pedindo
perdão!... Mas, aí, Nhô Augusto calou, com o peito cheio; tomou um ar de
acanhamento; suspirou e perguntou:
– Mais galinha, um pedaço, amigo?
– ’Tou feito.
– E você, seu barra?
– Agradecido... ’Tou encalcado... ’Tou cheio até à tampa!
Enquanto isso, seu Joãozinho Bem-Bem, de cabeça entornada, não tirava os
olhos de cima de Nhô Augusto.
E Nhô Augusto, depois de servir a cachaça, bebeu também, dois goles, e pediu
uma daspapo-amarelo, para ver:
– Não faz conta de balas, amigo? Isto é arma que cursa longe...
– Pode gastar as óito. Experimenta naquele pássaro ali, na pitangueira...
– Deixa a criaçãozinha de Deus. Vou ver só se corto o galho... Se errar, vocês
não reparem, porque faz tempo que eu não puxo dedo em gatilho...
Fez fogo.
– Mão mandona, mano velho. Errou o primeiro, mas acertou um em dois...
Ferrugem em bom ferro!
ROSA, J. G.Sagarana.71.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p.394-395.)

A partir da leitura do texto, considere as afirmativas a seguir.


I. A passagem registra o momento que antecede a entrada de Nhô Augusto no
bando de Joãozinho Bem-Bem, a convite do próprio chefe jagunço.
II. Apegado ao lema “P’ra o céu eu vou, nem que seja a porrete!”, Nhô Augusto
tem, ao lado de Joãozinho Bem-Bem e seu bando, a oportunidade de ver seu
lema concretizado.
III. Os comentários de Nhô Augusto bem como sua familiaridade com “uma das
papo-amarelo” caracterizam--no como um homem “bom de briga” aos olhos de
Joãozinho Bem-Bem.
IV. Por um dado momento, a presença de Joãozinho Bem-Bem e seu bando
reacende, em Nhô Augusto, o antigo lado jagunço, duramente combatido
através da penitência.

Assinale a alternativa correta.


a. Somente as afirmativas I e II são corretas.
b. Somente as afirmativas I e IV são corretas.
c. Somente as afirmativas III e IV são corretas.
d.Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
e.Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.

21. (UFU) Mas, de supetão, uma espécie de frango esquisito, meio carijó,
meio marrom, pulou no chão do terreiro e correu atrás da garnisé
branquinha, que, espaventada, fugiu. O galo pedrês investiu, de porrete.
Empavesado e batendo o monco, o peru grugulejou. A galinha choca
saltou à frente das suas treze familiazinhas. E, aí, por causa do bico
adunco, da extrema elegância e do exagero das garras, notei que o tal
frango era mesmo um gavião. Não fugiu: deitou-se de costas, apoiado na
cauda dobrada, e estendeu as patas, em guarda, grasnando ameaças com
muitos erres.
Para assustá-lo, o galo separou as penas do pescoço das do
corpo, fazendo uma garbosa gola; avançou e saltou, como um
combatente malaio, e lascou duas cacetadas, de sanco e esporão. Aí o gavião
fez mais barulho, com o que o galo retrocedeu. E o gavião aproveitou a folga
para voar para a cerca, enquanto o peru grugulejava outra vez, com
vários engasgos.
- Nunca pensei que um gavião pudesse ser tão covarde e idiota... - eu disse.
Maria Irma riu.
- Mas este não é gavião do campo! É manso. É dos meninos do Norberto...
Vem aqui no galinheiro, só porque gosta de confusão e algazarra. Nem come
pinto, corre de qualquer galinha...
- Claro! Gavião civilizado...
- U’lalá... Perdeu duas penas...
O sorriso de Maria Irma era quase irônico. Não me zanguei, mas também não
gostei.
ROSA, Guimarães. Minha gente. In: Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 241-242. (fragmento)

No trecho acima, a briga entre as aves remete ao seguinte tema


desenvolvido no conto Minha Gente:
a. A humilhação da mulher em uma sociedade machista, não lhe restando mais
do que obedecer aos homens, o que pode ser exemplificado pela prima Maria
Irma, que se submete aos desejos dos homens da casa.
b. A frivolidade dos amores do narrador, que, mesmo apaixonado por sua
prima, em alguns momentos percebe-lhe modos bastante desagradáveis,
motivo pelo qual, ao final, a troca por outra mulher.
c. A violência nas sociedades rurais, especialmente o assassinato de Bento
Porfírio, testemunhado pelo narrador e considerado um fato corriqueiro pela
prima Maria Irma, o que o leva a afastar-se da região.
d. O contraste entre o narrador e “suas gentes” do sertão, uma vez que
suas habilidades de homem da cidade não lhe garantem conhecimentos
suficientes para compreender e se situar naquela sociedade de feição rural.

22. (UEL) Leia o texto, a seguir, extraído do conto "A hora e vez de
Augusto Matraga", e responda à questão.
A esse respeito e com base no texto, considere as afirmativas a seguir.
I. O termo “bicipitalidade” é um exemplo de neologismo. Colocado ao lado do
adjetivo “maciça”, expressa aideia da grande força muscular de Epifânio.
II. O trecho “com o pau escrevendo e lendo” constitui um exemplo de recriação
de um dito popular, “escreveu, não leu, pau comeu”, procedimento muito
comum na linguagem do autor.
III. A expressão “Ferrugem em bom ferro!” caracteriza-se como uma
construção poética que exprime, atravésdos termos “ferrugem” e “ferro”, uma
sonoridade poética da aliteração.
IV. As expressões “chover sem chuva” e “homem mudo gritando” configuram-
se como exemplos de inadequação vocabular, e seu uso revela o baixo nível
cultural do protagonista.

Assinale a alternativa correta.


a.Somente as afirmativas I e II são corretas.
b.Somente as afirmativas I e IV são corretas.
c.Somente as afirmativas III e IV são corretas.
d. Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
e.Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.

23. (UNEMAT) Com relação à obra Sagarana, de Guimarães Rosa, leia as


afirmações e assinale a alternativa correta.
I. A tendência regionalista assume caráter de experiência estética universal,
fundindo o real e o mítico.
II. A invenção linguística parte de estudos e levantamento minucioso da língua
portuguesa.
III. O sertão é redimensionado para além da geografia, ainda que dele se
extraia a matéria-prima.
IV. O pitoresco e o heróico ganham força pela revisão da tradição ficcional
regionalista, que Guimarães inaugura com essa obra.
a.Apenas I e II estão corretas.
b.Apenas I, II e III estão corretas.
c.Apenas I e IV estão corretas.
d.Apenas I e III estão corretas.
e. Todas estão corretas.
24. (PUC-RS) Leia o excerto de “O burrinho pedrês”, de João Guimarães
Rosa.
Era um Burrinho Pedrês, miúdo e resignado, vindo de Passa-Tempo,
Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e
já fora tão bom, como outro não existiu e nem pode haver igual. Agora, porém,
estava idoso, muito idoso. Tanto, que nem seria preciso abaixar-lhe a maxila
teimosa, para espiar os cantos dos dentes. Era decrépito mesmo a distância:
no algodão bruto do pelo – sementinhas escuras em rama rala e encardida;
nos olhos remelentos, cor de bismuto, com pálpebras rosadas, quase sempre
oclusas, em constante semissono; e na linha, fatigada e respeitável – uma
horizontal perfeita, do começo da testa à raiz da cauda em pêndulo amplo, para
cá, para lá, tangendo as moscas. Na mocidade, muitas coisas lhe haviam
acontecido. Fora comprado, dado, trocado e revendido, vezes, por bons e
maus preços.
Em cima dele morrera um tropeiro do Indaiá, baleado pelas costas.
Trouxera, um dia, do pasto – coisa muito rara para essa raça de cobras – uma
jararacussu, pendurada do focinho, como linda tromba negra com diagonais
amarelas, da qual não morreu porque a lua era boa e o benzedor acudiu
pronto. Vinha-lhe de padrinho jogador de truque a última intitulação, de baralho,
de manilha; mas, vida a fora, por anos e anos, outras tivera, sempre
involuntariamente. (...) De que fosse bem tratado, discordar não havia, pois lhe
faltavam carrapichos ou carrapatos, na crina - reta, curta e levantada, como
uma escova de dentes.

Com base no excerto de “O burrinho pedrês” e no contexto da obra


de Guimarães Rosa, leia as seguintes afirmativas:
I. Guimarães Rosa é autor conhecido pelo uso de neologismos, e o excerto
apresenta exemplos desse recurso.
II. O espaço rural em “O burrinho pedrês” é uma exceção na ambientação das
narrativas de Guimarães Rosa.
III. Grande sertão: veredas, Sagarana, TutameiaeCorpo de Baile são algumas
das obras da biografia de Guimarães Rosa.

Está/Estão correta(s) apenas a(s) afirmativas:


a.I.
b.II.
c.III.
d.I e III.
e.II e III.
GABARITO 12) (02) + (16) 7) B
MORTE E VIDA 8) D
1) D ÚLTIOS CANTOS 9) C
2) C 1) A 10 D
3) B 2) C 11) B
4) (02) + (04) + (08) + (16) 3) (04) + (16) 12) C
5) (02) + (04) + (08) + (16) 4) E 13) B
6) (01) + (16) = 17 5) D 14) A
7) C 6) D 15) D
8) E 7) D 16) D
9) D 8) E 17) A
10) (01) + (04) + (08) = 13 9) B 18) C
11) E 10) B 19) A
12) E 11) (02) + (04) + (32) 20) B
13) B 12) B
14) E 13) C SAGARANA
15) E 14) A 01) A
16) E 15) C 02) E
17) E 16) C 03) B
18) B 04) D
O URAGUAI 05) D
CASA DE PENSÃO 1) B 06) B
1. B) 2) D 07) C
2. A) 3) B 08) E
3. C) 4) A 09) B
4. D) 5) A 10) A
5. C) 6) A 11) D
6. A) 7) A 12) A
7. E) I, II, V e VI 8) D 13) D
8. C) I, II e V 9) E 14) B
9. 02+04+08 10) B 15) D
10. 01+02+04 11) E 16) A
11. A) 12) D 17) D
12. 5 – 1 – 3 – 4 - 2 13) B 18) D
13. A) 19) D
14. B) CLARA DOS ANJOS 20) E
15. C) V / F / V / V / F 1) D 21) D
16. C) 2) E 22) D.
17. B) 3) (01) + (08) + (16) 23) E
18. B) 4) (02) + (04) + (08) 24) D
19. E) 5) (08) + (16)
20. C) II e V 6) (02) + (04)
21. 02+08+32 7) (04) + (08) + (32)
22. D 8) (02) + (16)
23. A 9) (02) + (04) + (16)
24. D 10) E
11) D
RELATO 12) D
1) B 13) E
2) C 14) C
3) D 15) D
4) C
5) A NOVE NOITES
6) B 1) B
7) A 2) C
8) B 3) D
9) D 4) B
10) D 5) A
11) A 6) C

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