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PROF.

BRUNO ALMEIDA
História | Aula 07

OBJETO DE CONHECIMENTO:
CONQUISTA DA AMÉRICA. CONFLITOS ENTRE EUROPEUS E INDÍGENAS NA AMÉRICA COLONIAL
H4 - Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
H11 - Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H15 - Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.

1. O IMAGINÁRIO EUROPEU SOBRE O NOVO MUNDO O desconhecimento completo dos oceanos nos dá
uma medida dos riscos enfrentados pelos navegantes do
século XV, que ousaram desbravá-los em precários barcos,
com aproximadamente, 25 metros de comprimento.
As técnicas de navegação empregadas
tradicionalmente no mar Mediterrâneo, no Báltico e na costa
europeia eram insatisfatórias para as novas circunstâncias.
Foi com o objetivo de aprimorá-las que o Infante Dom
Henrique, filho do rei Dom João I de Avis, reuniu os mais
experimentados cartógrafos, astrônomos, construtores
navais e pilotos da Europa.
Ao contrário do que muito se pensou o processo de
Expansão Ultramarina europeia, que teve início no século XV
com Portugal, não foi um fenômeno ligado apenas às
transformações políticas e econômicas daquela época, mas
foi, sobretudo, influenciado pelas construções imaginárias do
período medieval ligadas aos valores pregados pela Igreja
Planisfério baseado na cosmografia de Claudio Ptolomeu, 1482. Católica. Imaginações essas recheadas de mitos, lendas e
superstições que acabaram servindo para que os
conquistadores europeus construíssem a imagem dos
territórios que denominaram de Novo Mundo.

A expansão do imaginário cristão europeu


A essência da mentalidade cristã que marcou a
primeiras impressões dos europeus sobre o Novo Mundo não
é originária do período que se convencionou chamar de
“moderno” (sécs. XV e XVI), mas está contida em um
imaginário medieval relacionado a diversas lendas e mitos
que provinham de estratos profundos da cultura popular da
Alta Idade Média (sécs. V ao XI).
Podemos afirmar que boa parte do imaginário
Mapa mundi de Martin Waldsmüller, 1507. cultural europeu formou-se ao longo do período medieval,
momento em que a cultura do continente esteve
O mapa do mundo de Ptolomeu impunha a ideia de substancialmente ligada à Igreja Católica. Durante o período
um continuum territorial da Europa ao extremo Oriente, medieval as mentalidades, ou seja, as formas de pensar e ver
estando a Ásia, além disso, unida à África. O desenho da o mundo, eram muito associadas á uma religiosidade muito
Europa e mesmo da Ásia era bastante próximo da realidade, forte e dominadora, o teocentrismo cristão católico.
mas a África era muito mal conhecida e representada de As mentalidades eram centradas no dualismo
maneira muito falha. Esse mapa mostra, também, que não constante: céu x inferno, Deus x diabo, espírito x carne, bem
existia então a menor suspeita da América. Segundo a teoria x mal. Esses valores chegaram mesmo a serem utilizados
de Aristóteles, o mesmo oceano banhava as colunas de pela Igreja Católica para justificar as desigualdades nas
Hércules (Estreito de Gibraltar) e Catai (China). relações sociais feudais como forma de manter as estruturas
BENASSAR, Bartolomé. Dos mundos fechados à abertura do mundo. In: NOVAES, Adauto
(Org.). A descoberta do homem e do mundo. São Paulo: Cia. Das Letras, 1998, p. 86.
de organização tradicionais.

Os aventureiros do mar tenebroso A espiritualidade dos cruzados foi, sem dúvida, o


Há muitos séculos o oceano Atlântico atraía a traço fundamental da formação de um imaginário cristão
curiosidade dos navegantes europeus mais ambiciosos. Mas sobre terras ainda pouco conhecidas do Oriente Médio e do
pouquíssimas expedições que se aventuraram no mar, Extremo Oriente. Na realidade a fronteira tênue entre o real e
voltaram. Essas tentativas malogradas criaram na o imaginário manifestou-se nos contatos entre europeus e as
Imaginação popular as mais fervilhantes fantasias acerca do terras que iam para além da Cidade Santa de Jerusalém,
oceano desconhecido: monstros marinhos, águas ferventes e onde a espiritualidade cristã católica passou a desenvolver
pedras-ímã, que puxavam as embarcações para o fundo, na visões imaginárias sobre a terra, a natureza e as sociedades
altura do Equador. como algo fantástico. Duas visões imaginárias foram
Por volta do ano 1400 não se conhecia o real formato formadas a partir das viagens dos cruzados ao Oriente: O
da Terra. Era senso comum considerá-la plana como uma Maravilhoso e o Monstruoso.
mesa, terminando em abismos sem fim. Mas havia aqueles
que a imaginavam redonda e finita.

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O maravilhoso • A exuberância da natureza: na fauna, na flora, na
A religiosidade cristã carregada pelos diversos fertilidade do solo e no clima tropical.
viajantes que atingiram regiões distantes do mundo oriental • A visão adâmica do índio: o contato com os primeiros
manifestou-se primeiramente através de uma visão nativos da terra, ainda no litoral americano, levou-os a
paradisíaca e edênica que remontam aos relatos bíblicos do descrever esses “índios” com o olhar adâmico, ou seja,
Paraíso criado por Deus: O Jardim do Éden. como sendo descendentes de Adão, desprovidos da
A crença na existência de um Paraíso Terrestre era vergonha da nudez, da malícia e da corrupção que
um fenômeno ao mesmo tempo imaginário e real o que destruía o homem europeu.
resultou na projeção desse imaginário para as terras orientais • A visualização da constelação do Cruzeiro do Sul: este
descritas pelos viajantes. fato era interpretado como a evidência da bênção de Deus
Essa visão maravilhosa também se manifestou na sobre a terra.
crença e busca por reinos de riquezas infinitas como o El • A existência de aves falantes, os papagaios:
Dorado e de bonanças fantásticas, imortalidade, e fartura constituía-se em mais um sinal da proximidade das novas
como o Reino da Cocanha ou Reino de Prestes João. terras com o Paraíso Terreal, onde os animais se
comunicavam com os homens.
O monstruoso
Esta visão imaginária que os europeus A demonização dos povos do novo mundo
desenvolveram sobre as terras desconhecidas do longínquo A conquista do Novo Mundo foi interpretada como o
oriente estava ligada a ideia do perigo, ou seja, o mundo acontecimento mais importante desde a encarnação de
oriental e o caminho até ele, o mar, seriam também locais Cristo. Para muitos, a história estava chegando ao seu fim. A
onde viveriam seres monstruosos, bestas e seres que descoberta de milhões de homens que habitavam a América
misturavam características humanoides e animalescas como e o estabelecimento de contatos frequentes com a África e a
clápodes (monópodes), ciclopes, cinocéfalos e blêmias Ásia eram vistos como a possibilidade de incorporar todos os
(representados respectivamente abaixo), entre outros. povos pagãos ao corpo da cristandade. Assim, vivia-se uma
época de preparação para o Juízo Final, de anúncio da
A Expansão Ultramarina dos séculos XV e XVI, que palavra de Deus. A justificativa para a Expansão Ultramarina,
foram caracterizados tradicionalmente pela transição do de alargamento das fronteiras da verdadeira fé e de
medievo para a modernidade, nos revela muitos aspectos catequese universal, ficava portanto confirmada.
imaginários relacionados ao período medieval que foram Muitos navegadores, a começar por Colombo,
reavivados no contexto do período moderno. imaginavam-se como auxiliares de Deus na obra da
Grande parte das informações obtidas pelos Redenção. A conversão de todos os povos, que haveria de
navegadores europeus tinha origem nos relatos de homens antecipar o Fim dos Tempos, segundo os livros bíblicos, foi
como Nicollo, Mateo e Marco Pólo que se aventuraram em levada adiante pela cruz e pela espada. Aos ingênuos,
épocas anteriores, mais especificamente no período àqueles considerados apenas ignorantes da verdade cristã,
medieval. foram apresentados os símbolos e os dogmas da religião dos
O projeto expansionista e colonizador dos Estados europeus. Aos pagãos, a todos os que cultuavam outros
Monárquicos europeus na modernidade restabeleceu o deuses e recusavam-se a abandonar suas crenças, ficou
contato com o desconhecido no Oriente e principalmente no reservado o combate pelas armas. Uma nova cruzada estava
Novo Mundo e, portanto, o imaginário cristão europeu em curso, dirigida principalmente pelos ibéricos, e tinha como
medieval foi projetado à essas regiões recém descobertas. metas combater os infiéis (muçulmanos e judeus), converter
os indígenas e purificar os pecadores (negros africanos).
Visões do paraíso: a edenização da América Todos esses elementos oriundos da religiosidade e
As viagens colombianas em direção ao poente do imaginário medieval concorreram para alterar as
também marcaram a mentalidade do medo que todos da representações dos conquistadores sobre os nativos e as
tripulação sentiam ao atravessar um mar amaldiçoado que terras da América que começaram a transformar-se na
era visto como o espaço das doenças e dos perigos que medida em que os colonizadores iam estreitando os laços
poderia levá-los para o inferno. Uma vez mais, o imaginário com os habitantes do Novo Mundo, tornando mais urgente
que fora relacionado ao Oriente se deslocava em direção à ainda a evangelização desses povos nativos.
América. A Expansão Ultramarina e a vida nas colônias
O imaginário do El Dorado também povoava a americanas reformularam as visões acerca do Novo Mundo.
cabeça de Colombo que buscava chegar a um Oriente repleto As travessias de mares e oceanos e o degredo eram vistos
de riquezas. como uma espécie de rito de passagem, no qual os
Essas visões culturais tenderam também a sofrimentos vividos serviam para a limpeza das almas.
desenvolver um imaginário ligado ao paraíso edênico, ligando Grande parte dos conquistadores portugueses, voluntários,
a nova terra descoberta ao Paraíso Terreal que por tanto fugidos ou degredados, tinha como objetivo retornar à
tempo fora procurado em diversas regiões orientais. Metrópole. Entre os elementos que compunham um cenário
Na realidade, a visão primeira que os portugueses demonizado, que se construiu simultaneamente às projeções
alimentaram sobre a América fora fruto da crença medieval paradisíacas, destacamos:
na existência de uma região ainda não corrompida pelos
males humanos e completamente preservada da ira divina. • Os costumes indígenas: com destaque para a
Essas primeiras impressões foram muito fortes antropofagia, o habito da nudez, a poligamia e as
devido ao grande impacto que a “nova terra” causara nos habitações coletivas;
recém chegados “visitantes”, os quais encontraram bases • A “promiscuidade” sexual na colônia;
materiais para afirmarem que teriam descoberto o tão • A natureza hostil e perigosa repleta de animais
procurado Éden terrestre. Entre os fatores que favoreceram a selvagens e peçonhentos, bem como doenças tropicais
edenização das novas terras, estão: desconhecidas do europeu;

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2. A CONQUISTA DA AMÉRICA HISPÂNICA A institucionalização da conquista
A Coroa espanhola não pretendia gastar muitos
Desde o final do século XV, europeus e ameríndios recursos com a ocupação do Novo Mundo. Assim, os
disputavam a posse do território americano. Se os nativos indivíduos interessados na atividade foram incentivados a
eram mais numerosos, os espanhóis tinham a vantagem de assinar contratos com a Monarquia para explorar as terras
estar mais bem equipados para um possível confronto. americanas com seus próprios investimentos. Essas pessoas
Cavalos, canhões, armas de fogo, tudo isso era desconhecido receberam o título de adelantados (“adiantados”, “os que vão
na América e teve forte impacto psicológico nas populações antes”), que existia desde a Idade Média e era concedido a
ameríndias. Esse foi apenas um dos fatores que contribuíram representantes do rei de Castela. Com o título vinham amplas
para a rápida conquista das principais civilizações prerrogativas jurídicas e militares, entre as quais o direito
americanas. vitalício de fundar núcleos de ocupação e construir fortalezas
Em 1519, um grupo de conquistadores liderados por na América. Em troca, deveriam promover a cristianização
Hernán Cortez teve o primeiro contato com o Império Asteca, dos índios e entregar ao Estado um quinto da produção das
cujo exército era estimado em 500 mil homens. Eles foram terras que explorassem.
bem recepcionados e receberam presentes, incluindo uma Se os adelantados dispunham de boa margem de
jovem escrava chamada Malinche. De origem nobre e falante autonomia na colônia, do outro lado do Atlântico a Coroa
das línguas maia e nahuatl, ela colaborou com Cortez na controlava, com extremo rigor, o monopólio de exploração
comunicação com os nativos e na conquista do México. mercantil. Em 1503 foi criada a Casa de Contratação, sediada
Os historiadores e cronistas da época tentaram em Sevilha, na Espanha. Cabia a esse órgão a gestão dos
desvendar por que motivo o imperador Montezuma não negócios coloniais, a garantia do monopólio do comércio e a
tentou resistir aos espanhóis comandados por Cortez. fiscalização da cobrança do quinto, imposto real que recaia
Existem muitas versões para esse fato, mas alguns sobre a mineração e todas as transações comerciais feitas
pesquisadores acreditam que, em um primeiro momento, os nas colônias. O órgão regulamentava a administração
astecas associaram os espanhóis a deuses que, segundo colonial, nomeava os funcionários e, além disso, funcionava
suas profecias, retornariam para dominar o império. como Supremo Tribunal de Justiça.
Aproveitando-se dessa situação, Cortez iniciou sua invasão a Na base do sistema comercial espanhol foi instituído,
Tenochtitlan. A capital asteca foi destruída em menos de três em 1503, o regime de porto único, que estabelecia a
anos. Para isso, ele contou com a ajuda de populações locais exclusividade do porto de Sevilha no comércio com as
submetidas ao Império Asteca, que estavam insatisfeitas com colônias. Posteriormente, a Casa de Contratação autorizou a
tal condição. passagem dos navios também pelo porto de Cádiz, na
Andaluzia, que passou a usufruir privilégios econômicos. O
regime de frotas e galeões surgiu em 1540. Tinha a finalidade
de obrigar os comerciantes a organizar comboios (navios
mercantes que navegam juntos, com uma escolta de naves
de guerra), com a obrigatoriedade de enviar, no mínimo, duas
frotas anuais à América. Tal medida visava principalmente
evitar os ataques de navios piratas.

Estruturas político-administrativas
No decorrer do século XVI, a Espanha aprimorou seu
controle sobre o Novo Mundo. Muitos adelantados foram
substituídos por magistrados. Criaram-se as Audiências,
instituições de competência administrativa e judiciária
instaladas nos centros mais importantes da colônia. Elas
estavam diretamente subordinadas ao Conselho das Índias,
criado em 1524, que centralizava a legislação e a
administração da América espanhola.
Gradualmente, os territórios controlados pelos
espanhóis foram divididos em Vice-reinos, que
representavam regiões de grande valor econômico. O
Montezuma, o imperador asteca, encontra-se com Hernán Cortez. Atrás de Cortez está a primeiro foi o da Nova Espanha (México), formado em 1535.
índia Malinche, que serviu de intérprete nos contatos entre o conquistador espanhol e os Veio a seguir o Vice-reinado do Peru (1543) e, no
Astecas. Lienzo de Tlaxcala, século XVI.
século XVIII, o da Nova Granada (Colômbia) e o do Rio da
Rupturas internas também ajudaram outro Prata. Pertencentes à alta nobreza, os vice-reis
representavam na colônia os interesses do rei da Espanha.
conquistador, o espanhol Francisco Pizarro, na conquista do
Império Inca. Pizarro chegou à região do Peru em 1532 e Eram responsáveis pelo controle das minas e da
encontrou o império mergulhado em uma crise política pela administração, supervisionavam a evangelização dos nativos
sucessão do governo. Ele entrou na cidade de Cajamarca e e presidiam as sessões das Audiências. Havia ainda
aprisionou o imperador Atahualpa. Muitos incas morreram Capitanias Gerais, a primeira foi a de Cuba, que forneceu
durante o confronto. Para obter a vitória, Pizarro contou com recursos para a conquista do México. Outras Capitanias
o apoio de chefes indígenas do império, da classe servil (os importantes foram a da Guatemala, da Venezuela e do Chile.
Yanas) da sociedade incaica e de povos subjugados
descontentes. Em 1533, o espanhol conquistou a capital dos
incas, a cidade de Cuzco.

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No entanto, o processo de mestiçagem foi
acompanhado por um considerável preconceito social:
surgiram bloqueios e resistências que até hoje ainda
dificultam a plena integração do mestiço nas sociedades
latino-americanas.
Os filhos originados do relacionamento entre brancos
e índios ou entre negros e brancos engrossavam as fileiras
dos excluídos sociais. Segundo estimativas, a porcentagem
de filhos bastardos declarados, nascidos na América
espanhola, aproximava-se de 40% no século XVI, chegando
a 70% entre 1640 e 1649. Geralmente essas pessoas,
quando do sexo masculino, optavam pela atividade militar e
se tornavam soldados. Mas eram proibidos de usar armas de
fogo ou cavalos e não tinham acesso ao sacerdócio.
A situação dos negros era ainda mais difícil que a dos
mestiços. As Américas foram palco de numerosas rebeliões
de escravos negros. Todas elas fracassaram, com a honrosa
exceção da revolta que, em 1791, tomou conta do Haiti – na
porção ocidental da ilha de Hispaniola, colônia francesa
desde 1697.

Interessada em consolidar sua hegemonia na colônia,


a Coroa desejava que na América se desenvolvesse uma
população espanhola mais estável e equilibrada. Por isso,
encorajou as mulheres, e mesmo famílias inteiras, a emigrar.
Os funcionários reais e os encomenderos foram encorajados
a se casar ainda na Espanha, ou a mandar buscar suas
Cargos da administração colonial esposas e parentes para que se lhes juntassem no Novo
Na prática, o poder nas colônias ficou nas mãos dos Mundo. A alta proporção de homens jovens, a maioria deles
altos funcionários enviados pela Coroa espanhola. Suas solteiros, que cruzavam continuamente o oceano frustrou
atividades escapavam a qualquer controle efetivo por parte esse objetivo político, pois significou que a crônica escassez
da burocracia metropolitana, devido à dificuldade e à lentidão de mulheres espanholas na América nunca foi preenchida.
nas comunicações. Em tais circunstâncias, os altos Pela mesma razão, iam-se consolidando relacionamentos
funcionários administrativos adquiriram grande autonomia, mais ou menos permanentes de homens espanhóis com
adotando uma desobediência polida em relação à Espanha, mulheres nativas americanas. O resultado foi a formação,
expressa na fórmula “obedeço, mas não cumpro”. dentro da população, de um estrato de mestiços.
BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina: América Latina Colonial, v. 2. São
Para cuidar dos problemas e das necessidades do Paulo/Brasília: Edusp/Fundação Alexandre de Gusmão, 2004. p. 36-37.
cotidiano dos municípios foram criados os Cabildos. Esse
órgão assemelhava-se às câmaras municipais, pois exercia o 3. A CONQUISTA DA AMÉRICA LUSITANA
poder local nas vilas e cidades. Os membros dos Cabildos
Até 1530 a América não tinha sido prioridade para a
eram escolhidos entre os criollos, filhos de espanhóis
Coroa de Portugal. Navegadores castelhanos, ingleses e
nascidos na América. Os criollos eram, em geral, grandes
franceses também extraíam pau-brasil ameaçando o domínio
proprietários de terras, de minas e criadores de gado. Apenas
pretendido pelos lusitanos. A defesa do extenso litoral ficara
os Cabildos podiam ser ocupados por americanos.
a cargo de expedições guarda-costas, ineficazes para deter o
Os demais cargos da administração colonial eram
assédio de conquistadores de outros Estados europeus. Os
exclusivos dos chapetones, como eram conhecidos os
pequenos povoados e feitorias, além de estarem à mercê das
indivíduos nascidos na Espanha. Além de ocuparem os mais
incursões de estrangeiros e de ataques de tribos indígenas,
altos cargos públicos, os chapetones possuíam negócios
eram desprovidos de organismos de justiça e de
importantes e, com os criollos, formavam a elite da América
administração. Nas disputas e conflitos entre os poucos
espanhola. Os privilégios dos espanhóis no exercício dos
europeus que se aventuravam a atravessar o Atlântico
cargos políticos mais importantes foram um dos fatores que
imperava a lei da espada. A economia baseava-se na
levaram os criollos, no inicio do século XIX, a liderar as lutas
extração de pau-brasil e em primeiras experiências de lavoura
pela independência.
canavieira, que devem ter sido iniciadas entre 1516 e 1519,
Abaixo dos chapetones e dos criollos estavam os
segundo estudos recentes.
mestiços, filhos de espanhóis com índios ou negros que não
Com o início da crise do comércio com o Oriente, o
tinham direitos políticos e exerciam funções de artesãos,
tratamento dispensado às terras americanas passou a ser
administradores ou capatazes das propriedades. Depois
outro. Para garantir a defesa do território, dar sustentação ao
deles vinham os índios, que trabalhavam na agricultura e nas
escambo do pau-brasil e empreender a descoberta de metais
minas, e os negros, empregados principalmente nas grandes
e pedras preciosas, o governo português iniciou sua política
propriedades agrícolas das Antilhas.
de povoamento. Era necessário tornar mais lucrativos os
domínios atlânticos.
Um mundo predominantemente mestiço
Ao final de 1530, Martim Afonso de Sousa, dotado
A colonização deu origem a novos tipos de relações
de amplos poderes judiciais, foi investido no cargo de capitão-
sociais, econômicas e políticas na América espanhola. A
mor de uma frota endereçada à América e encarregado de
miscigenação e as uniões inter-raciais foram praticadas em
iniciar a colonização efetiva das novas terras.
todos os níveis da população.

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As embarcações chefiadas por ele enfrentaram Apenas as capitanias de Pernambuco e São Vicente
navios franceses e exploraram a costa brasileira, buscando tiveram desempenho satisfatório, resultado da
acumular informações sobre as possibilidades de ocupação implementação mais sistemática do cultivo da cana-de-
do território e a existência de minas de metais preciosos. Em açúcar, o que já apontava a solução para o controle efetivo
1532, fundou a Vila de São Vicente, a primeira na América das novas possessões.
portuguesa, numa região próxima aos domínios castelhanos
do sul do continente, procurando inibir suas incursões nos
territórios lusos e, ao mesmo tempo, ameaçar o controle
espanhol sobre a região do Prata. Mudas de cana-de-açúcar
e colonos com experiência no seu cultivo e na produção do
açúcar foram trazidos para a América pelo capitão-mor.

O Sistema de Donatarias

El rei D. João III ordenou que se povoasse esta


província, repartindo as terras por pessoas que se lhe
ofereceram para as povoarem e conquistarem à custa de sua
fazenda, e dando a cada um cinquenta léguas por costa com
todo seu sertão, para que eles fossem não só senhores mas
capitães delas pelo que se chamam e distinguem por
Capitanias.
Deu-lhes jurisdição no crime de baraço e pregão,
açoutes e morte, sendo o criminoso peão, e sendo nobre até
dez anos de degredo [...] e ainda que os Donatários são
sesmeiros das suas terras e as repartem pelos moradores
como querem. [...] Pertence-lhes também a vintena de todo o
pescado que se pesca nos limites de suas Capitanias. [...] Os
engenhos de açúcar, pelos quais lhes pagam de cada cem
arrobas duas ou três, ou conforme se concertam os senhores
de engenho com eles ou com seus procuradores.
SALVADOR, Frei Vicente de.História do Brasil (Obra escrita no século XVII).
São Paulo: EDUSP, 1982, p. 103-104.

Glossário
• Baraço: corda para enforcamento.
• Pregão: proclamação pública.
• Sesmeiros: colonos portugueses que receberam lotes
dentro das capitanias.

Em 1534, a Coroa portuguesa resolveu lançar mão de


um sistema de colonização já desenvolvido nas ilhas dos
Açores e da Madeira, denominado capitanias hereditárias,
visando atrair investimentos privados. Nesse sistema,
particulares recebiam grandes extensões de terras, sendo
encarregados de promover o povoamento, realizar a
exploração econômica e exercer o governo, o comando militar
O Governo Geral
e os poderes de justiça. A posse desses direitos e das terras
concedidos ao capitão donatário eram indivisíveis, Em razão dos insucessos do sistema de ocupação,
exploração, adotado e por considerar excessivo o poder dos
hereditários e inalienáveis, mas ele podia conceder
donatários, a Coroa decidiu criar, em 1548, o governo-geral,
sesmarias, lotes de terras que deveriam ser desenvolvidos
numa tentativa de centralizar a política de exploração dos
economicamente por seus colonos.
domínios americanos. A instituição do governo-geral limitou o
O sistema de capitanias não garantiu aos portugueses
poder dos capitães donatários, que ficavam submetidos à
o domínio das novas terras. Conflitos com tribos indígenas e
nova instância administrativa. O governador-geral, escolhido
certo desinteresse demonstrado por alguns donatários, que
e nomeado diretamente pelo rei, era incumbido da defesa
sequer vieram conhecer suas capitanias, provocaram o
militar interna e externa, da Justiça, da arrecadação dos
fracasso da experiência colonizadora. Mas a principal
dificuldade estava em estabelecer uma atividade econômica tributos devidos à Coroa, do estímulo às atividades
econômicas e à fundação de vilas e povoações.
estável que sustentasse a ocupação e o povoamento. Muitos
Os governadores-gerais tiveram dificuldades para
donatários também não conseguiram administrar suas
impor sua autoridade, por causa da resistência dos capitães
capitanias, pois arcavam sozinhos com a responsabilidade da
donatários e dos fazendeiros e da extensão do território a ser
segurança, administração, entre outras. A extração de pau-
administrado. O dilema da centralização administrativa
brasil dependia da disposição do indígena, que tinha outras
repousava em que, além de atrair colonos e mantê-los nos
referências de cultura e de civilização. Por mais que o
domínios de além-mar, precisava ao mesmo tempo controlá-
trabalho eventual de derrubada das árvores de pau-brasil
estivesse integrado à vida dos nativos, em pouco tempo o los e governá-los. Assim, enquanto alguns poderes eram
retirados das mãos dos capitães donatários e fazendeiros,
recebimento de bugigangas europeias deixou de despertar
estabeleceram-se órgãos e instituições em que eles
seu interesse.

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pudessem participar do exercício da política e da
administração.
Nas vilas e cidades coloniais foram criadas as
Câmaras Municipais, encarregadas das funções
administrativas, judiciais, policiais e financeiras locais. Nas
eleições de seus ocupantes só podiam participar os
chamados “homens bons”, ou seja, homens de posses,
fazendeiros, clérigos, funcionários do Império e nobres.
Excluíam-se, portanto, mulheres, escravos, pobres, judeus,
estrangeiros e pessoas que desenvolvessem trabalhos
manuais. Com elevado grau de autonomia, as câmaras eram
o principal espaço de expressão dos interesses dos
poderosos dos municípios.
À medida que se ampliavam os negócios na
América, consequência do desenvolvimento da lavoura
açucareira, a ocupação lusitana progredia. A produção de
açúcar atraiu portugueses que vieram formar os primeiros
núcleos populacionais com a fundação de vilas e da cidade
de Salvador, sede do governo até 1763. A administração
colonial tornou-se, então, mais complexa e absolutamente
integrada aos demais organismos burocráticos do império
português. Gradativamente as capitanias hereditárias foram
incorporadas pela Coroa, recebendo o nome de capitanias
reais, e as funções do donatário passaram a ser exercidas por
um capitão-geral ou governador nomeado pelo rei. A primeira
capitania a retornar ao controle da Coroa foi a da Bahia, já em
1548, e a última, Porto Seguro, em 1759.

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