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ANA PAULA SOUZA SANTOS

DIEGO DA SILVA
WELINGTON JUNIOR JORGE
Organizadores

POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL: UM OLHAR INTERDISCIPLINAR

Maringá – Paraná
2019
2019 Uniedusul Editora

Copyright da Uniedusul Editora


Editor Chefe: Profº Me. Welington Junior Jorge
Diagramação e Edição de Arte: André Oliveira Vaz
Revisão: Os autores

Conselho Editorial
Alexandra Fante Nishiyama – Faculdade Maringá
Aline Rodrigues Alves Rocha – Pesquisadora
Ana Lúcia da Silva – UEM
André Dias Martins – Faculdade Cidade Verde
Brenda Zarelli Gatti – Pesquisadora
Carlos Antonio dos Santos – Pesquisador
Cleverson Gonçalves dos Santos – UTFPR
Constanza Pujals – Uningá
Delton Aparecido Felipe – UEM
Fabio Branches Xavier – Uningá
Fábio Oliveira Vaz – Unifatecie
Gilmara Belmiro da Silva – UNESPAR
João Paulo Baliscei – UEM
Kelly Jackelini Jorge – UNIOESTE
Larissa Ciupa – Uningá
Marcio Antonio Jorge da Silva – UEL
Márcio de Oliveira – UFAM
Pâmela Vicentini Faeti – UNIR/RM
Ricardo Bortolo Vieira – UFPR
Rodrigo Gaspar de Almeida – Pesquisador
Sâmilo Takara – UNIR/RM

doi.org/10.29327/53722
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SUMÁRIO

CAPÍTULO 1......................................................................................................................................6
A ESCRITA DE VERBETES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO E SUAS
CONTRIBUIÇÕES À FORMAÇÃO DOCENTE
GABRIELLA ELDERETI MACHADO
PATRÍCIO CERETTA
JULIANA CORRÊA DE LIMA
IVANIO FOLMER
LAISA DE CASTRO ALMEIDA
TAINAN SILVA DO AMARAL
MARIA DOS REMÉDIOS LIMA SILVA
LIZIANY MÜLLER MEDEIROS
NATALIA DE OLIVEIRA
DOI 10.29327/53722-1

CAPÍTULO 2....................................................................................................................................14
A POLÍTICA PÚBLICA DA HORA-ATIVIDADE NO ESTADO DO PARANÁ: CAMINHOS E
COLHEITAS
NILCEIA BUENO DE OLIVEIRA
DOI 10.29327/53722-2

CAPÍTULO 3....................................................................................................................................26
AS COTAS RACIAIS PARA O INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS PARA A
PERMANÊNCIA DE ALUNOS COTISTAS NA UEMG
JOSIMAR MENDES AMARAL
ADELINO FRANCKLIN
DOI 10.29327/53722-3

CAPÍTULO 4....................................................................................................................................43
CONSCIÊNCIA AMBIENTAL: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE GESTÃO AMBIENTAL
EMPRESARIAL
JÚLIO CÉSAR DOS SANTOS LIMA
PAULO AUGUSTO ZAITUNE PAMPLIN
DOI 10.29327/53722-4

CAPÍTULO 5....................................................................................................................................52
POLÍTICAS PÚBLICAS DE LEITURA NO BRASIL E O DESAFIO NA FORMAÇÃO DE LEITORES1
NELZIR MARTINS COSTA
MÁRCIO ARAUJO DE MELO
DOI 10.29327/53722-5
CAPÍTULO 6....................................................................................................................................66
POLÍTICAS PÚBLICAS EM SANEAMENTO BÁSICO NO ESTADO DO PARANÁ E OS
REBATIMENTOS NOS INDICADORES DE MORTALIDADE INFANTIL E DA INFÂNCIA
GRACIELI APARECIDA WOLFART
RICARDO RIPPEL
LUIZ ALBERTO CYPRIANO
DOI 10.29327/53722-6

CAPÍTULO 7....................................................................................................................................80
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO IDOSA NO BRASIL: UM “ESTADO”
DEGENERATIVO
BIANCA NUNES PIMENTEL
ELENIR FEDOSSE
DOI 10.29327/53722-7
CAPÍTULO 1
A ESCRITA DE VERBETES SOBRE POLÍTICAS
PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO E SUAS CONTRIBUIÇÕES
À FORMAÇÃO DOCENTE

GABRIELLA ELDERETI MACHADO contextos educacionais e as políticas que definem


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA as ações nas instituições. Utilizamos como base
inicial do percurso do estudo os conceitos apre-
PATRÍCIO CERETTA sentados em documentos da UNESCO, no Plano
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA Nacional de Educação (PNE), e as 20 Metas do
Plano Nacional de Educação, e a partir deles am-
JULIANA CORRÊA DE LIMA pliamos o embasamento teórico da pesquisa. Esse
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA exercício com as palavras e conceitos na produ-
ção de verbetes facilita a contextualização crítica
IVANIO FOLMER e criativa dos debates promovidos no âmbito aca-
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA dêmico sobre as Políticas Públicas em Educação.
Palavras-chave: Formação de professores; Polí-
LAISA DE CASTRO ALMEIDA
ticas públicas; Verbetes.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

TAINAN SILVA DO AMARAL


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
ABSTRACT: The present work was built from
the studies carried out in the space of the disci-
pline entitled: “Public Policies, Knowledge and
MARIA DOS REMÉDIOS LIMA SILVA
Teacher Training” of the UFSM Graduate Pro-
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO
gram in Education. In this exercise of knowledge
RIO GRANDE DO SUL
and concepts through the entries was sought to
provide a discussion on the national and interna-
LIZIANY MÜLLER MEDEIROS
tional policies that guide the Brazilian Education,
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
in order to establish approximations and identify
the challenges between the educational contexts
NATALIA DE OLIVEIRA
and the policies that define the actions in institu-
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
tions. We used as initial base of the course of the
study the concepts presented in UNESCO docu-
ments in the National Plan of Education (PNE),
RESUMO: O presente trabalho foi construído
and the 20 Goals of the National Plan of Educa-
a partir dos estudos realizados no espaço da dis-
tion, and from them we expanded the theoretical
ciplina intitulada: “Políticas Públicas, Saberes e
basis of the research. This exercise with words
Formação Docente” do Programa de Pós-Gradua-
and concepts in the production of entries facili-
ção em Educação da UFSM. No qual buscou-se
tates the critical and creative contextualization of
neste exercício dos saberes e conceitos através debates promoted at the academic level on Public
dos verbetes proporcionar uma discussão sobre Policies in Education.
as políticas nacionais e internacionais que orien-
tam a Educação Brasileira, de modo a estabelecer Keywords: Teacher training; Public policy; Ver-
aproximações e identificar os desafios entre os betes.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar 6


INTRODUÇÃO

Está escrita foi construída a partir dos estudos realizados na disciplina intitulada: “Políticas
Públicas, Saberes e Formação Docente” do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM.
Na referida disciplina buscou-se refletir e discutir sobre as políticas nacionais e internacionais que
orientam a Educação Brasileira, de modo a estabelecer aproximações e identificar os desafios entre
os contextos educacionais e as políticas que definem as ações nas instituições. Após um processo
coletivo e colaborativo foi sugerido a construção de verbete que definissem muitas das palavras,
que aparecem nas normativas, mas que por vezes não são definidas em sua essência. O que provoca
muitos equívocos na sua interpretação.

Sendo assim, a partir de verbetes visou-se atribuir uma discussão significativa contextualizando
a relação de alguns conceitos apresentados em documentos da UNESCO1, no Plano Nacional de
Educação (PNE), e as 20 Metas do Plano Nacional de Educação, com o contexto atual da educação
no País. Este trabalho com verbetes efetiva-se também como um registro atual da educação, pois
algumas palavras escolhidas estão contidas, por exemplo, na Medida Provisória do Ensino Médio,
no qual se institui uma reforma no sistema educacional, fato este que se contrapõe a alguns pontos
contidos nos documentos mundiais e nacionais citados acima.

O PNE se configura como um instrumento que orienta o planejamento e a execução das


políticas públicas na área da educação, por meio de diretrizes e metas que priorizam a valorização
dos profissionais da educação, melhorias em relação à qualidade da educação, e problemas históricos
como o erradicar o analfabetismo. Dessa forma, o PNE é alicerçado em quatro instâncias que formam
sua base estrutural e gestora, de financiamento, e funcional, sendo elas: Ministério da Educação
(MEC); Comissões de Educação da Câmara dos Deputados e Comissão de Educação, Cultura e
Esporte do Senado Federal; Conselho Nacional de Educação (CNE); Fórum Nacional de Educação
(BRASIL, 2014).

A essas instâncias cabe analisar e propor políticas públicas para assegurar a implementação
das estratégias e o cumprimento das metas, assim como a revisão do percentual de investimento
público em educação (BRASIL, 2014). Já as 20 Metas do Plano Nacional de Educação são um meio
prático de assegurar o cumprimento do que traz o PNE, com sua estrutura organizada para assegurar
o direito à educação básica de qualidade, e a ampliação do acesso à educação (MEC/SASE, 2014).

No presente trabalho, iremos trabalhar com os seguintes verbetes: custo-aluno-qualidade,


gestão democrática, diversidade cultural, notório saber, itinerário formativo, igualdade de acesso,
senso comum, base nacional comum, financiamento da educação. Objetivando ampliar os estudos
realizados na disciplina, buscando na utilização de verbetes dinamizarem as reflexões sobre as
Políticas Públicas.

1  Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 1 7


METODOLOGIA

A escolha dos verbetes ocorreu da seguinte forma: inicialmente procedemos com a leitura
e discussão das Políticas Públicas para formação de professores; documentos da UNESCO; Plano
Nacional da Educação; Planos Municipais de Educação e alguns artigos relacionados aos temas.
Posteriormente os grupos escolheram alguns verbetes que se destacaram nessas leituras, e a partir
disto procede-se com suas contextualizações.

Levamos em conta neste trabalho com verbetes, a pesquisa em alguns documentos que estão
em evidência no cenário da educação atualmente, como por exemplo, a Medida Provisória do Ensino
Médio; a Lei da Mordaça e a Escola Sem Partido; e a PEC 55 que limita e congela os investimentos
em educação, saúde e assistência social por vinte anos.

VERBETES ESCOLHIDOS E SUA CARACTERIZAÇÃO ATRAVÉS DAS POLÍTICAS PÚ-


BLICAS EM EDUCAÇÃO

Custo-aluno-qualidade

Relaciona-se ao financiamento da educação, que é descrito tanto no Plano Nacional da


Educação (PNE) delineado com mais detalhes na Meta 20 do mesmo (MEC/SASE, 2014). Onde são
determinados que por meio do percentual destinado a partir do PIB, será minimamente destinado
7% do PIB a investimentos na educação pública. Assim a garantia de políticas públicas educacionais
que efetivam o financiamento de melhores condições para a educação no País torna-se fundamentais,
sendo a base para alcançar as metas propostas pelo PNE em todos os níveis e etapas escolares.

Alguns instrumentos constitucionais aliam-se para a efetivação dessas propostas, como por
exemplo, a Constituição Federal de 1988, onde no art. 212, afirma o investimento nos estados, e
municípios, através da receita resultante de impostos. Já no art. 214 da Constituição Federal, dispõe
a tarefa de que o PNE deve estabelecer metas de aplicação de recursos públicos em educação.
Garantindo dessa forma, por meio de metas, e instrumentos constitucionais que seja efetivado o
custo-aluno-qualidade por meio da garantia da educação e de seu financiamento público (BRASIL,
2014).

Diversidade cultural

Define-se como os diferentes costumes da sociedade, agregando a culinária, religião,


costumes de cada região do País, diferenças climáticas, econômicas e sociais. A diversidade cultural
é assegurada no Art. 8º do PNE, no qual determina que estados, o Distrito Federal, e os municípios
devem elaborar seus planos de educação levando em conta estratégias que assegurem a articulação
com diversas demandas sociais, e dessa forma garantindo a diversidade cultural (BRASIL, 2014).

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 1 8


Igualdade de acesso

Segue a premissa de que todos os cidadãos possuem o direito à educação, independente do


gênero, etnia, condição social e econômica, etc. Com isto, é um dever do Estado assegurar que todas
as crianças, adolescentes, possuem o direito ao acesso a escola, e a condições de permanência na
mesma, com o respeito às diferenças de cada um (PORTAL BRASIL, 2009).

Notório saber

O termo Notório Saber ganhou grande destaque a partir da Medida Provisória Nº 746, de 22
de Setembro de 2016, a qual busca instituir a política de fomento à Implementação de Escolas de
Ensino Médio em Tempo Integral. Alterando assim, a Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e a Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que
regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação, voltando-se a busca de outras providências.

O Notório Saber é tratado no Inciso IV, que reconhece os profissionais com notório saber
aqueles que são reconhecidos pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas
afins à sua formação, com o propósito para atender o disposto no Inciso V do caput do art. 36.

O qual traz que o Ensino Médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por
itinerários formativos específicos, os quais serão definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas
seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional, em linguagens, matemática, ciências da
natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional.

Nesse caso, um engenheiro formado, poderia lecionar em uma Escola, na área de matemática,
por exemplo. Pois, de acordo com a Medida Provisória, ele tem o conhecimento necessário para atuar
na Educação no que se refere a esta área, no entanto necessitária somente de uma autorização da
instituição.

Esclarecendo então, que esse profissional não tem e não teria disciplinas da área da educação,
como por exemplo, didática, psicologia da educação, metodologia e entre outras inúmeras disciplinas
fundamentais ao ensino.

Bem Comum
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em
edição nomeada de “Repensar a educação: rumo a um bem comum mundial?” (UNESCO, 2016),
propõem que educação e o conhecimento sejam considerados Bens Comuns. Isso significa que
o processo de conhecimento, sua aquisição, sua validação e sua utilização são comuns a todas as
pessoas, devendo ser então vistos como parte de um esforço coletivo da sociedade.

Assim, a noção de Bem Comum se deve a considerar a diversidade de contextos, conceitos

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 1 9


de bem-estar e ambientes de conhecimento, sendo o conhecimento uma parte inerente do patrimônio
comum da humanidade. Portanto, ao considerar a necessidade de assegurar o desenvolvimento
sustentável em um mundo cada vez mais interdependente, educação e conhecimento deveriam ser
vistos como bens comuns mundiais.

Finaliza-se o documento propondo que se dê mais atenção aos conhecimentos em políticas


de educação e aos modos como tais conhecimentos são criados, adquiridos, validados e utilizados.
Propõe-se, ainda, que considerar a educação e o conhecimento como bens comuns mundiais poderia
ser uma abordagem útil para reconciliar o propósito e a organização da aprendizagem como um
esforço coletivo da sociedade em um mundo em plena mudança (UNESCO, 2016, p.90).

Base Nacional Comum Curricular

A Base Nacional Comum Curricular (BNC) é prevista na Constituição para o Ensino


Fundamental e foi ampliada no Plano Nacional de Educação, sendo este que é um documento que está
em desenvolvimento. O qual tem como seu principal intuito, nortear os conhecimentos essenciais aos
quais todos os estudantes brasileiros têm o direito de ter acesso e se apropriar durante sua trajetória
na Educação Básica, ano a ano, desde o ingresso na Educação Infantil até o final do Ensino Médio.

Assim este documento reúne direitos e objetivos de aprendizagem relacionados às quatro


áreas do conhecimento – Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Linguagens e Matemática
– e seus respectivos componentes curriculares para todas as etapas da educação básica. Prevendo
algumas modificações, sendo essas a primeira se refere, a formação tanto inicial quanto continuada
dos nossos professores, que necessitará de mudança e segunda, faz menção ao material didático, o
qual deverá passar por mudanças significativas, tanto pela incorporação de elementos audiovisuais (e
também apenas áudio, ou apenas visuais) quanto pela presença dos conteúdos específicos que as redes
autônomas de educação agregarão.

Gestão Democrática

Após longos anos de repressão a democracia começa a ser vivenciada no Brasil em meados
da década de 80, com mais intensidade em 1990. A possibilidade da sociedade inferir sobre assuntos
políticos, sociais, educativos e sobre o próprio processo de repressão vivido por anos, se constitui e
vem se constituindo hodiernamente. A primeira conquista nacional foi a constituição federal de 1988,
Constituição Cidadã, que prevê direitos e necessidades básicas para a população, também pensando
nos aspectos econômicos e ecológicos do país. A constituição de 1988 determina a liberdade como
direito inviolável de todo ser humano e marcou o período de redemocratização, após décadas de um
regime militar autoritário.

Nesse período de redemocratização e de internacionalização, nos vimos em meio as


orientações internacionais que indicam como devemos proceder para alcançar metas estabelecidas
pelos organismos econômicos internacionais. A tão conhecida “Educação para todos” (1990) trouxe

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 1 10


contribuições ao país através do apoio financeiro para ampliação da educação pública para crianças,
jovens e adultos das camadas populares. Também a EPT orientou diretrizes para a qualidade da
educação pública incentivando desde a oferta e permanência dos estudantes na escola até processos
de formação de professores e organização do espaço-tempo escolar.

Nacionalmente em 1996, a democracia caminhava a pequenos passos, estruturava-se a vigente


lei de diretrizes e bases educacionais até os referenciais de qualidade, e normativas que norteassem
a oferta e organização da escola, do currículo, da formação de professores e da própria prática
pedagógica. A partir da lei 9394/96, citada anteriormente, institui-se à união a tarefa de elaborar
um Plano com metas para dez anos, em parceria com entes federados, e em consonância com a
Declaração da Educação para Todos de 1990.

A lei 9394/96 instituiu vários avanços para a educação brasileira, que foram se delimitando
no decorrer dos anos, mas que também sofrem retrocessos e desacordos em relação as necessidades
e os contextos educacionais. Entre os princípios que fundamenta a educação brasileira destaca-se
a gestão democrática nas instituições de ensino. A respeito da educação democrática é necessário
compreender, que o processo de democracia no país ainda não é pleno, o que dificulta o cumprimento
do princípio estabelecido legalmente.

Os documentos seguintes como planos nacionais da Educação (PNE), plano de metas:


compromisso todos pela educação, plano de desenvolvimento da Educação (PDE), Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Básica, Diretrizes curriculares Nacionais para os cursos
de graduação, técnicos e tecnológicos, e todas as demais normativas da educação brasileira estão
fundamentadas na gestão democrática, ou seja na constituição de processos de democratização e
participação de todos nas decisões institucionais.

Na obra “Gestão Educacional: uma questão paradigmática”(LÜCK, 2010), a autora nos


direciona a repensar sobre a gestão escolar, indicando que há a necessidade de dar espaço para
a participação da comunidade na construção das ações cotidianas do espaço escolar. Segundo as
palavras de Lück (2010),

[...]corresponde a dar vez e voz e envolver na construção e implementação do seu projeto


Político pedagógico, funcionários, alunos, pais e até mesmo a comunidade externa da escola,
mediante a uma estratégia aberta de diálogo e construção do entendimento de responsabilidade
coletiva pela educação (p.81).

Desta forma, torna-se claro o papel da gestão escolar como promotora de espaços dialógicos
onde se possa problematizar as dificuldades, necessidades e potencialidades da instituição e dos
sujeitos. Nesse sentido, a gestão democrática, trata-se de um processo de gerir as instituições
educativas, em consonância com as orientações das políticas públicas educacionais e com o princípio
da democracia, da participação, da tomada de decisões conjuntamente e da transparência pública de
processos e resultados.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 1 11


Financiamento da Educação

Outro elemento importante relacionado a gestão democrática, e que se encontra os referidos


documentos, é o financiamento da educação, sob responsabilidade do poder público. Destaca-se que
se vivemos um movimento de gestão democrática, sendo assim é direito da comunidade saber os
recursos e gastos da instituição, a partir do princípio da transparência pública. Ocorre que no país é
comum não sabermos o direcionamento dos impostos pagos pela população, assim como não ocorre a
participação na tomada de decisões acerca dos investimentos, que os recursos arrecadados do trabalho
da população.

Sobre o financiamento da educação é importante ressaltar que a Constituição Federal de 1988,


definiu como responsabilidade da união aplicar, não menos que, dezoito por cento, e os municípios,
estados e distrito federal vinte e cinco por cento da receita resultante do recolhimento de impostos.
Ainda, a carta magno institui através da Emenda constitucional 53/06 e da Lei 11494/07 o FUNDEB
– Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica, que substituiu o FUNDEF - – Fundo
Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental, o FUNDEB ampliou as possibilidades de
investimentos na educação pública para além do ensino fundamental, compreendendo todas as etapas
da educação básica. Assim compreende-se como objetivos do FUNDEB a universalização da
Educação Básica: Infantil, Fundamental e Médio, a valorização os profissionais da Educação e a
qualidade da Educação Básica.

O atual plano nacional de educação, que define vinte metas para a década (2014 – 2024) prevê
a ampliação do investimento do financiamento da educação básica no Brasil, através do valor de
sete por cento do Produto Interno Bruto do pais até o quinto ano de vigência do plano e, no mínimo,
dez por cento no final de período de vigência do plano. Porém o que vemos no cenário nacional é a
tentativa, de um governo ilegítimo, de reduzir por vinte anos os investimentos em educação. Trata-
se de um roubo às escolas, institutos de educação e universidades. O corte que prevê vinte anos de
estagnação e retrocessos não considera princípios básicos de apoio a população e por isso não merece
apoio e respeito. Trata-se para além de uma injustiça, trata-se de um golpe contra todos os brasileiros,
pois fere os direitos conquistados através de anos de luta.

Itinerários formativos

O conceito itinerário formativo é citado na medida provisória 746 de 22 de setembro de


2016, que modifica a oferta e organização do Ensino Médio, instituindo o Ensino Médio em tempo
integral e com o viés profissionalizante. Anterior a medida provisória as discussões acerca de
itinerários de formação partem dos documentos do ensino profissional e superior, compreendendo o
percurso histórico e formativo do estudante. A compreensão sobre itinerário está relacionada a ideia
de trajetória vivenciada pelo estudante e/ou profissional na sua formação, nas experiências e práticas
ao longo do oficio (JOSSO, 2002).

Ainda sobre trajetos formativos é necessário expressar que trata-se de um processo auto(trans)
formativo permanente que perpassa as escolhas pessoais e profissionais nos diferentes tempos e

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 1 12


espaços no qual o estudante e/ou profissional interage. Porém o que a medida provisória indica não
compreende os fundamentos e bases de itinerários de formação (JOSSO, 2002), pois restringe as
experiências dos estudantes as ofertas do sistema de ensino e exime o Estado da função de promover
processos educativos dentro de uma compreensão ampla, e não restrita, de educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditamos que a produção de verbetes contextualiza de uma forma crítica e criativa os


debates realizados sobre as Políticas Públicas em Educação, sistematizando os conhecimentos de
diversas áreas.

A realização deste movimento de buscar compreender os termos que discutimos no decorrer


dos encontros e transformá-los em conceitos/verbetes, propiciou a reflexão sobre os fundamentos e
bases dos termos citados nos textos da lei e, ainda, o quanto que os termos realmente estão (ou não)
relacionados a base epistemológica do conceito.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Plano Nacional de Educação – PNE, Lei Federal n.º 13.005, de 25 de junho de 2014. Brasília:
Centro de Documentação e Informação; Coordenação Edições Câmara, 2014. (Documento Referência). Dis-
ponível em: < http://www.observatoriodopne.org.br/uploads/reference/file/439/documento-referencia.pdf>.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação. Proposta Preliminar; Segunda Versão;
Abril, 2016. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio> Acessado em: 28. Nov.
2016
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF,: Senado, 1988.
_____. Lei nº. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece diretrizes e bases da educação brasileira, Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 20 de dez. 1996.
BRASIL. Constituição (1988). Emenda constitucional n.53 , de 19 de dezembro de 2006.
BRASIL. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos profissionais da educação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20
de jun. de 2007.
BRASIL. Medida provisória n.º 746, de 22 de setembro de 2016. Diário Oficial União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 22 de set. 2016.
 JOSSO, M. C. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2002.
LÜCK,H. Gestão Educacional: uma questão paradigmática/Heloisa Lück. 9.ed.- Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
MEC/SASE. Planejando a Próxima Década. Conhecendo as 20 Metas do Plano Nacional de Educação.
Brasília: Ministério da Educação; Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino, 2014. Disponível em
<http://pne.mec.gov.br/images/pdf/pne_conhecendo_20_metas.pdf>.

PORTAL BRASIL. Acesso à educação. 2009. Disponível em <www.brasil.gov.br>. Acesso em: 13/11/2016.
UNESCO. Repensar a educação: rumo a um bem comum mundial?. Brasília: UNESCO Brasil, 2016.
DOI 10.29327/53722-1

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 1 13


CAPÍTULO 2

A POLÍTICA PÚBLICA DA HORA-ATIVIDADE NO


ESTADO DO PARANÁ: CAMINHOS E COLHEITAS

NILCEIA BUENO DE OLIVEIRA pública na contribuição de uma educação de


(SEED-PR/UEL-PG/CAPES) qualidade.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas públicas;


RESUMO: Já se vão quase vinte anos que a Paraná; hora-atividade.
hora-atividade teve sua implantação gradativa na
escola pública paranaense e o tema já faz parte
do dia-a-dia das escolas. Fazer uso desse espaço- ABSTRACT: It is almost twenty years since
tempo é uma rotina do ambiente educacional the activity hour had its gradual implementation
na prática dos professores (OLIVEIRA, 2016), in the public school of Paraná and the theme
uma prática a qual é fruto de grande luta da is already part of the daily life of schools.
comunidade educacional em prol da implantação Making use of this space-time is a routine of
da política pública da hora-atividade. Diante the educational environment in the practice of
desse quadro, a pesquisa tem como tema a teachers (OLIVEIRA, 2016), a practice which is
hora-atividade na educação pública do Paraná, the result of the great struggle of the educational
cujo objetivo de valorizar a importância dessa community for the implementation of the public
política pública para a transformação da prática policy of the hour-activity. Given this situation,
nas instâncias educacionais e o potencial campo the research has as its theme the hour-activity
de investigações dentro da escola pública, in public education of Paraná, whose the
indicando caminhos para o aperfeiçoamento do objective of valuing the importance of this public
espaço-tempo da hora-atividade com o intuito de policy for the transformation of the practice in
fortalecer práticas que contribuam para ganhos educational instances and the potential field of
muito mais que quantitativos, mas sim qualitativos investigation within the public school, indicating
para a educação publica paranaense; e ainda fazer ways for the improvement of the space-time of
um mapeamento do estado da arte das produções the activity-hour in order to strengthen practices
sobre o tema, com foco no contexto paranaense, that contribute to much more than quantitative,
produzidas no ambiente das universidades but qualitative gains for public education in
e em outros suportes de disseminação do Paraná; and also make a mapping of the state of
conhecimento. A pesquisa do tipo documental the art of the productions on the theme, focusing
se apoia em produções bibliográficas sobre a on the Paraná context, produced in the university
hora-atividade tais como artigos, comunicações, environment and other knowledge dissemination
produção de material didático, capítulos de media. Documentary research relies on
livros, dissertações e teses; e em documentos bibliographical productions about hour-activity
oficiais sobre a implantação da hora-atividade no such as articles, communications, production of
Estado do Paraná (PARANÁ, 2001, 2002, 2013, teaching material, book chapters, dissertations
2015, 2017). Para finalizar, esse artigo procura and theses; and in official documents on the
fomentar o tema hora-atividade como um terreno implementation of the hour-activity in the state
fértil para pesquisas futuras sejam “desbravadas” of Paraná (PARANÁ, 2001, 2002, 2013, 2015,
e possam legitimar a importância dessa política 2017). To conclude, this article seeks to foster the

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar 14


theme of activity-time as a breeding ground for future research to be “pioneered” and can legitimize
the importance of this public policy in contributing to quality education.

KEYWORDS: Public policy; Paraná; hour-activity.

1. INTRODUÇÃO

Já são quase duas décadas de implantação, mesmo que gradativa, da hora-atividade, pela
Secretaria de Estado da Educação do Paraná. A hora atividade é uma política pública faz parte de uma
luta histórica do magistério paranaense desde os anos 80, sendo esta pauta de lutas e mobilizações.
Mas só em 2001, após um longo período de greve dos professores do Paraná, o governo implantou a
hora-atividade como parte das atividades docentes, por meio do Decreto 3479, onde ficou estabelecido
o percentual de 10% da carga-horária do professor para dedicação à hora-atividade. Em 2002, pela
aprovação da Lei 13.087/2002 o percentual da hora atividade foi aumentado para 20%, ocorrendo sua
implantação em 2003. Em 2008 foi aprovada em instância federal a Lei do Piso Salarial Profissional
nº 11.738/2008 – art. 2°, onde o professor deve perfazer um total de no máximo 2/3 de sua jornada
com interação com o aluno em sala de aula.

No Paraná, o aumento deu se somente no início de 2013, quando os professores passaram a


contar com 25% da carga horária para hora-atividade. Em 2015, os professores ocorreu a implantação
de 35% do total de sua carga-horária, cumprindo plenamente com o artigo 2º, como prevê a Lei do
Piso Salarial Profissional nº 11.738/2008. Uma vitória para a educação paranaense e o encerramento
de um ciclo de lutas da APP-Sindicato pela implantação da hora-atividade como parte das práticas
pedagógicas dos professores de escolas públicas. Um avanço importante para a qualidade da educação,
pois garante que o professor possa refletir e agir sobre o seu fazer pedagógico.

Infelizmente, a partir de 2017, a hora-atividade na escola pública paranaense teve um retrocesso.


Os professores passaram a ter o direito de somente 25% da carga horária (cinco horas semanais)
para a realização desta tarefa, de acordo com a Resolução 113/2017, para a tristeza da categoria.
Foram muitos os esforços para a volta da porcentagem anterior, todavia essa política continua estável,
aquém da Lei maior, que é a do Piso Salarial Profissional nº 11.738/2008, a qual determina 33% da
carga-horária do professor para a hora-atividade. Diante dessa situação, corroboro com as palavras de
SCHOLOCHUSKI (2018, p. 156). Para a pesquisadora:

“A hora-atividade não é um benefício concedido pelo governo para os professores, e muito


menos uma espécie de “descanso” remunerado semanal inserido na carga-horária docente,
ao contrário, a hora-atividade é também trabalho docente e existe para que a população tenha
acesso a um ensino de qualidade”.

Mesmo com uma quantidade menor, os professores, em unanimidade, concordam, conforme


a pesquisa da autora, que a hora-atividade melhora “as condições de trabalho docente e a qualidade
de ensino ofertada à população” (idem, ibidem, p. 159). Dessa forma, a esperança e a luta continuam.

A hora-atividade dos professores de escolas públicas do Paraná acontece de forma concentrada,

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 2 15


ou seja, há um dia na semana previsto para que todos dos professores, daquele curso ou área, estejam
fazendo hora-atividade. A concentração de um dia específico para que os professores do núcleo comum
possam estar juntos na instituição, de forma que este momento não seja apenas de cumprimento do
horário, mas sim de trocas entre o grupo de professores da disciplina em comum. De acordo com
os documentos oficiais, a hora-atividade na escola pública é conceituada como um tempo para o
professor cumprir na escola, mas fora de sala de aula, para que o mesmo possa realizar atividades
relacionadas ao pedagógico tais como atendimento aos responsáveis pelo aluno, planejamento de
suas aulas, pesquisas, elaboração e correção de provas.

A meu ver, já não bastam os ganhos quantitativos dessa política pública; é necessário pensar em
questões relacionadas à qualidade dessa importante prática em prol do ensino-aprendizagem. Portanto,
a política pública da hora-atividade nos exige certo esforço no sentido de compreender os determinantes
e as condições nas quais este espaço/tempo do professor e da escola vem sendo implementado, tendo em
vista um movimento histórico e político muito mais amplo relativo ao sistema educacional no Brasil. Para
ocupar esse nicho, a pesquisa contribui revelando o estado da arte da pesquisa sobre a hora-atividade
da escola pública do Paraná por meio de um levantamento bibliográfico das produções sobre o tema
até o presente momento.

2. A HORA-ATIVIDADE COMO ESPAÇO DE APRIMORAMENTO DO FAZER


PEDAGÓGICO

A implantação da carga-horária semanal dos professores para dedicação à hora atividade


significa um ganho não só para o professor, visto que terá mais tempo para planejar o seu fazer
docente, mas também para o aluno, fato que pode resultar em ganhos significativos de qualidade
na educação. Hoje, em meio a avanços e retrocessos sobre o percentual da hora-atividade, a escola
pública do Paraná conta com 25% da carga-horária do professor para essa prática.

Entendo que hora-atividade deve ser um espaço-tempo de movimento, de negociação, um lugar


que o professor se engaja na ação política como estratégia discursiva de produção de alternativas. O
espaço-tempo da hora-atividade é um espaço de preparação de aula, de trocas e formação continuada
(OLIVEIRA, 2016), pois possibilita o surgimento de outras posições, pois estabelece novas estruturas
de autoridade e novas iniciativas. O contexto da hora-atividade, com bem aponta Mateus (2013, p.
29), “é tomado como, o lugar no qual indivíduos constroem uma compreensão de si mesmos e suas
experiências”. A hora-atividade concentrada de professores de línguas, neste sentido, colabora para
a construção de práticas sociais baseadas na ética e na democracia bem como o estabelecimento de
parcerias colaborativas, focos que merecem atenção durante este espaço-tempo, e que certamente
acarretarão práticas de letramento e de sentimento de grupo, de estabelecimento de parcerias positivas
que poderão proporcionar interações e reflexões de suma importância para o ensino-aprendizagem de
línguas na escola pública do Paraná e isso gera um ganho enorme para a educação.

Conforme pesquisa de Oliveira (2016), a hora-atividade é prioritariamente um momento de


realizações de atividades burocráticas, as quais fazem parte da prática docente. As professoras estão
muito mais preocupadas em fazer algo, cumprir as tarefas que em atividades que estão mais para o

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 2 16


campo teórico, tais como estudo, como pode ser percebido na questão em que deveriam definir a
hora-atividade. Todavia, também é um espaço de possibilidades, uma vez que permite que o coletivo
docente tome consciência das diferenças que o compõem e que tal heterogeneidade pode levá-lo á
construção de valores éticos e estéticos por meio da interação dos sujeitos. Desta forma, a hora-
atividade cumpre um grande objetivo da educação contínua de professores, cujo objetivo é “auxiliar
professores como profissionais críticos, conscientes de suas práticas, capazes de analisá-las à luz dos
objetivos a serem alcançados e do conhecimento construído por alunos e professores” (CELANI e
COLLINS, 2003, p. 70).

Sem dúvida alguma, a implantação da hora atividade pode resultar em ganhos significativos
de qualidade na educação. No entanto, é preciso ir além do exercício de preparação de aulas, produção
e correção de provas. Nesse sentido, advogo que a hora-atividade seja um espaço ação, de eventos e
práticas de letramentos, a qual pode levar o grupo de participantes não só a uma reflexão maior sobre o
ensino-aprendizagem bem como pode fortalecer o espírito de grupo, de comunidade colaborativa entre
os parceiros e ser, desta forma, um espaço-tempo norteador das ações dos professores, possibilitando
um avanço pedagógico num sentido transformador. Essa transformação não significa desfazer a
trama do tecido que já se está tecendo. Pelo contrário, significa aprofundar a consciência das opções
diante dos rumos possíveis. E uma delas de dá através da reflexão sobre sua prática de ontem e de hoje
para que possa melhorá-la futuramente (OLIVEIRA, 2016).

Ela pode ser um espaço de crescimento, de discussões coletivas do processo de ensino-


aprendizagem dentro de uma perspectiva crítica, a fim de promover a tomada de consciência sobre
o trabalho do professor e resgatar o sentido da formação humana por meio de uma abordagem
colaborativa de trabalho dentro do grupo. O fazer pedagógico do professor no espaço-tempo da hora-
atividade promove também de sua formação humana, a qual pode ser promovida através de práticas
colaborativas. Trata-se de um momento de interação entre os professores da mesma disciplina e que
constitui um espaço de discussão e mediação das questões pedagógicas.

Conforme Jordão (2010), a hora-atividade é um lugar de movimento, negociação, um lugar


híbrido de tradução, de contingência que o professor se engaja na ação política como estratégia
discursiva de produção de alternativas, cuja meta principal levar o sujeito participante a “desenvolver
e construir possibilidades de agência (racional e emocional) sobre as práticas sociais, sobre seus
posicionamentos na sociedade e sobre seu funcionamento” (p. 435), pois, segundo a autora, as
relações de poder que se estabelecem entre as concepções de mundo “dependem da legitimidade
conferida às hierarquias e valores construídos localmente e conferidos diferentemente a diferentes
formas de saber” (idem, ibidem, p. 436).

A hora-atividade, nesse sentido, torna-se espaço propício para esse processo, pois as práticas
sociais dos professores permitem-lhes reflexão e intervenção no contexto social da escola pública,
tornando possível para eles uma atuação como agentes de mudança em seus contextos profissionais.
As interações sociais “mediadas pela linguagem, estabelecem a ponte entre o indivíduo e o outro,
apresentando-se como aspecto constitutivo tanto das práticas colaborativas humanas, como da
identidade destes indivíduos” (MATEUS & PICONI (2011, p. 275).

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 2 17


3. AS PESQUISAS SOBRE A HORA-ATIVIDADE NA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

Podemos perceber nitidamente a relevância do tema para o desenvolvimento da educação. No


entanto, mais que políticas públicas que assegurem as ações dentro do espaço escolar, é necessário
criar condições dignas e favoráveis para que as mesmas realmente se efetivem na prática, e cumpram
o seu papel social, que é colaborar para a melhoria do ensino-aprendizagem na escola paranaense. È
nesse panorama que as pesquisas sobre a hora-atividade vêm colaborar para validar sua importância
para o desenvolvimento educacional. As iniciativas ainda são incipientes. O tema começou a ser tema
de pesquisa há cerca de dez anos e ainda há muito a que se investigar sobre a hora-atividade. Nesse
período, foram produzidos artigos científicos, materiais didáticos, e o tema foi levado para discussão
em eventos da área de educação em várias regiões por meio de comunicações orais, resumidas no
quadro a seguir:

Quadro 1: Obras produzidas sobre a hora-atividade na escola pública paranaense. Org: A


autora

Título Autora(s) Evento/periódico/tipo de produção


A hora-atividade como processo de Cristhyane Ramos Anais do IX ANPED Sul (artigo) - 2012
formação continuada. Haddad; Daniel Vieira
da Silva
A hora-atividade e a organização do Nádia Artigas SEED/PR – PDE (material didático) - 2013
trabalho educativo didático
Tempo de pensar, de planejar, de agir: Nádia Artigas e Maria Os desafios da escola pública paranaense na
a hora-atividade [é?] pra valer? T. C. Soares perspectiva do professor PDE – SEED/PR.
(artigo) - 2013
Hora atividade interativa: a Elisandra Angrewski; XI Congresso Nacional de Educação
experiência de um debate Monica Bernardes de (EDUCERE) – PUC-PR – CURITIBA-PR -
Sobre educação ambiental na web com Castro Schreiber; 2013
professores da Ionara Marcondes;
Rede estadual de ensino do Estado do Marileusa Araújo
Paraná Siqueira
A hora-atividade concentrada de Nilceia Bueno de I Fórum da Profissionalização Docente –
professores de línguas: um estudo Oliveira UEL – Londrina – comunicação oral - 2014
crítico do discurso
Hora-atividade concentrada como Marilâine Budzinski Os desafios da escola pública paranaense na
espaço de formação continuada de Pinto perspectiva do professor PDE – SEED/PR.
professores de língua portuguesa (Produção didático-pedagógica) - 2014

(Re) significações da hora-atividade Nilceia Bueno de CIELLI – UEM – Maringá – 2014 –


concentrada de professores de língua Oliveira Comunicação oral
inglesa nas escolas públicas do Paraná
O trabalho do pedagogo e a hora- Carmen A. Munchen SEED/PR – PDE (material didático) - 2014
atividade: quais as possibilidades Froehlich
de construção de uma prática
transformadora?
O discurso de professores em/sobre a Nilceia Bueno de III Congresso de Estudos da Linguagem-
hora-atividade de língua estrangeira: Oliveira CONELIN – UENP – Cornélio Procópio –
um estudo crítico comunicação oral - 2015

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 2 18


Discursos, práticas discursivas e Nilceia Bueno de Edição Inaugural do Congresso Internacional
sociais na hora-atividade de uma Oliveira da Linguística Aplicada Crítica (ICCAL) –
escola pública: ação e (trans)formação Brasília-DF - 2015
de professores de línguas
A hora-atividade de professores de Nilceia Bueno de Congresso Latino-Americano de Formação
línguas de uma escola pública e a Oliveira de Professores de Línguas (CLAFPL) –
possível implantação de um laboratório Universidade Federal de Goiás – Goiânia –
de mudança comunicação oral - 2015
Práticas de Transformação Social de Nilceia Bueno de Educação Crítica de Profissionais da
Professores de Línguas no Espaço- Oliveira Linguagem para Além-mar: Políticas
Tempo da Hora-Atividade: Um estudo Linguísticas, Identidades, Multiletramentos e
Crítico Transculturalidade. (capítulo de livro) - 2016
A prática da hora-atividade: entre os Estela M. R. da Os desafios da escola pública paranaense na
limites e as possibilidades vislumbrados Conceição Gomes; perspectiva do professor PDE – SEED/PR.
na experiência do Col. Profª Rosilda de Leziany Silveira (artigo) - 2016
Souza Oliveira – Piraquara/PR Daniel
A hora-atividade concentrada de Nilceia Bueno de Seminário de Pesquisas em Ciências Humanas
professores de línguas como espaço- Oliveira (SEPECH) – UEL – Londrina – comunicação
tempo de agência oral - 2016
Discutindo a hora-atividade dos Virgínia do C. P. Anais do XIII EDUCERE - Congresso
professores através de um breve Scholochuski Nacional de Educação. (artigo) - 2017
levantamento bibliográfico
A hora-atividade das escolas estaduais Virginia do C. P. Anais do VII Seminário Internacional de
do Paraná: possibilidades para a Scholochuski Educação de Pinhais. (artigo) - 2017
melhoria da prática pedagógica


Já em nível de mestrado, a dissertação pioneira sobre a hora-atividade da escola publica
paranaense foi produzida em 2008, com créditos para a pesquisadora Rejane Aparecida Czekalski.
Na pesquisa, ela debruçou sobre a hora-atividade do estado e o resultado da investigação intitulou-se
“Apropriação da hora-atividade como espaço para a formação de professores em serviço: um estudo
sobre a organização do trabalho docente em Telêmaco Borba – PR”. A pesquisa foi defendida em
2008 no Curso de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Londrina. Nesse trabalho, a
autora pesquisou a hora-atividade como espaço de formação continuada em serviço dos professores
da Educação Básica. Para coleta de dados, a pesquisadora realizou entrevista com professores e
membros da equipe pedagógica de uma escola pública a fim de verificar como a hora-atividade se
materializa no contexto investigado e que avaliação os entrevistado s fazem da mesma. A autora
concluiu que os professores participantes da pesquisa estabelecem relação entre a hora-atividade e a
formação continuada, todavia entendem como imprescindível a ampliação da hora-atividade para que
se possa nela realizar todo o trabalho docente necessário à concretização de um trabalho pedagógico
de melhor qualidade. È importante salientar que durante a realização dessa pesquisa, os professores
do Paraná tinham 20% da carga-horária destinada à hora-atividade.

No ano de 2011, Cristhyane Ramos Haddad, defendeu sua dissertação no Curso de Mestrado
em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná com o título: “A hora-atividade: espaço de alienação
ou humanização do trabalho pedagógico?” O objetivo geral da pesquisa foi o de investigar se a hora
atividade tem se efetivado como momento de leituras e estudos nas escolas. Para obter tais dados
foram selecionadas dez escolas da rede estadual de ensino no município de Curitiba. O método de
pesquisa escolhido para análise foi o Materialismo Histórico e o instrumento utilizado foi a entrevista

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 2 19


estruturada com pedagogas das escolas selecionadas. Os dados evidenciaram que a hora atividade
não tem sido utilizada como momento de formação dos professores tendo em vista que os pedagogos
raramente conseguem acompanhá-la. Desta forma, conclui-se que se torna necessário a ampliação da
carga horária da hora atividade, e que o foco da gestão da escola esteja voltado para o acompanhamento
do processo pedagógico e que as leituras e estudos devem subsidiar o professor nesse processo.

A pesquisa de Nádia Artigas teve como título “A política da hora-atividade na rede estadual
de educação do Estado do Paraná: diferentes ângulos de uma mesma foto” e foi defendida no Curso
de Mestrado em Educação da Universidade Federal do Paraná em 2013. No trabalho investigativo,
a autora buscou analisar a hora-atividade com o intuito de compreender os determinantes e as
condições nas quais esse espaço/tempo do professor e da escola vem sendo implementado no
Estado do Paraná.Coletando dados por meio de análise de documentos e da legislação referente à
hora-atividade, somados aos dados obtidos, entre informações coletadas junto às escolas públicas
estaduais, a pesquisadora, partir do referencial teórico do ciclo de políticas, buscou analisar como
ocorreu o processo de implantação da política para a hora-atividade no Estado do Paraná, no sentido
de investigar e compreender como esta política foi e ainda está sendo conduzida pelo Estado, diante
das suas relações com a sociedade. A autora, além de analisar aspectos conceituais, históricos,
políticos e legais sobre a hora-atividade no Paraná, buscou fundamentar a elaboração de subsídios
que contribuam para analisar a implantação da hora-atividade como espaço destinado ao trabalho
pedagógico e formativo para além da sala de aula.

E a investigação da pesquisadora Virgínia do Carmo Pabst Scholochuski, cujo nome é “O


trabalho docente no espaço-tempo da hora-atividade nas escolas públicas estaduais do município
de Almirante Tamandaré”, foi defendida no Curso de Mestrado em Educação da Universidade Tuiuti
do Paraná, em 2018, teve como objetivo analisar como o tempo do trabalho docente destinado à
hora-atividade é utilizado pelos professores dentro das escolas estaduais do município de Almirante
Tamandaré. A abordagem metodológica escolhida foi a da pesquisa qualitativa por meio de entrevistas
semi-estruturadas (com professores e pedagogos), observação participante (do espaço tempo da
hora-atividade) e análise documental, duas Instituições escolares do Fundamental II do município
de Almirante Tamandaré – PR. Os dados evidenciaram péssimas condições físicas e estruturais das
escolas para a realização da hora-atividade e que os professores dedicam a grande maioria do seu
trabalho nesse espaço-tempo para realizar atividades imediatistas, voltadas ao planejamento das aulas
e às burocracias cristalizadas no seu cotidiano de trabalho e, que, dificilmente estudam na hora-
atividade. O pedagogo, por sua vez, não consegue organizar momentos de estudos e reflexão durante
o espaço-tempo da hora-atividade. Verificou-se, também, que o retrocesso do percentual da hora-
atividade desmotivou os docentes e aumentou a quantidade de trabalho desse profissional, e que para
dar conta de tudo, muitas vezes, leva trabalho para realizar em casa.

Somando-se às pesquisas acima relatadas, está em processo de defesa a primeira tese sobre a
hora-atividade das escolas públicas do Estado do Paraná, investigação produzida Curso de Doutorado
em Estudos da Linguagem na Universidade Estadual de Londrina. Uma realização não só profissional,
mas também pessoal, que é a proposição novos caminhos para uma política pública já instituída, com
vistas à transformação social.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 2 20


A escolha do tema ocorreu de forma bastante testemunhal. No ano de 2011, me mudei para
Joaquim Távora, cidade do Norte do Paraná e fui transferida para o Colégio Estadual Miguel Dias.
Lá conheci uma prática nada familiar no contexto de trabalho do qual eu fazia parte anteriormente: a
da hora-atividade concentrada de professores da área. Naquele semestre da adaptação, fui tomando
conhecimento aos poucos de como ocorria essa atividade pedagógica por meio da própria prática
da hora-atividade. Novata na escola e no grupo de professores, fui aprendendo, aos poucos, a
compreender os discursos que circulavam nessa prática e a gostar dos encontros com as professoras
de línguas portuguesa e inglesa.

A partir de 2013, a hora-atividade teve uma estruturação mais forte, pois os professores
passaram a contar com um dia por semana (dois turnos) e é aí que, como integrante do grupo, passei
a também observar o potencial da hora-atividade como elemento enriquecedor não só da sala de aula,
mas também da identidade docente. Nesse mesmo ano, iniciei meus estudos no curso de doutorado
em Estudos da Linguagem na Universidade Estadual de Londrina, como aluna especial na disciplina
de Práticas Colaborativas de Formação de Professores de Línguas, ministrada pela professora Elaine
Mateus e, ao produzir a avaliação final, meu artigo teve com tema a hora-atividade concentrada
de professores de línguas. Imersa nesse ambiente de valorização da hora-atividade por meio da
concentração por área, senti que esse seria o tema de minha futura pesquisa de doutorado, cujo projeto
sobre o tema foi aprovado e colocado em prática a partir do ano de 2015, com a minha aprovação
como aluna regular do curso.

A hora-atividade tornava-se não só uma prática de meu ambiente de trabalho, mas também
meu contexto de pesquisa. Quatro anos depois, estou com minha tese em fase de defesa. Com o
título “A hora-atividade de professores/as de línguas em uma escola pública e a implantação do
laboratório de mudança para (possível) transformação social”, busquei elucidar não só as políticas,
as representações e ações que subjazem essa prática, como também propus mudanças nesse espaço-
tempo, com vistas a uma transformação social. O estudo, do tipo intervencionista (ENGËSTROM,
2007), com coleta de dados de base etnográfica, descreve e analisa criticamente as ações rotineiras
nesse espaço-tempo, a fim de explorar, no campo da ação-pesquisa, possibilidades de transformação
das contradições que potencializam-constrangem o trabalho docente. Os dados foram coletados em três
momentos, por meio de instrumentos diferentes: questionário respondido por professoras de línguas
do universo investigado (2015), fotografias etnográfico-descritivas registradas durante um bimestre
de 2016 e, terceira etapa do estudo (2017) onde foram coletadas, por meio da gravação em áudio, o
discurso desse grupo de professoras, em reuniões durante a hora-atividade concentrada da área de
ensino de línguas (materna e adicional). A base teórica da investigação foi o Laboratório de Mudança
(VIRKKUNEN; NEWNHAM, 2015), com base no referencial teórico e metodológico da Teoria da
Atividade (ENGESTRON, 1999a, 2007) e a Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 2001;
OLIVEIRA, 2014). Os resultados apontam, no campo teórico-metodológico, para as potencialidades
das oficinas de intervenção como práticas de transformação coletiva de problemas sociais situados, ou
seja, pode proporcionar transformações no contexto investigado, não só na produção de novas formas
de comportamento, como também na mudança do próprio conceito de hora-atividade pela professoras
participantes. A hora-atividade no viés teórico da pesquisa deve ser concebida como um espaço de
interação, de trocas de experiências, alicerçada no conceito de colaboração, o qual pressupõe que

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 2 21


todos os atores tenham voz para colocar suas experiências, compreensões e suas discordâncias em
relação aos discursos de outros participantes e ao seu próprio. Esse espaço-tempo implica também
em conflitos e questionamentos que propiciem oportunidades de estranhamento e de compreensão
crítica aos participantes, práticas que estão imbricadas com a identidade profissional do docente de
línguas, cujas práticas colaborativas implica na necessidade de comprometimento do professor com
o local de sua hora-atividade e com seus companheiros, no sentido de transformar este espaço-tempo
em direção à construção de um espaço escolar que possibilite formação de sujeitos autônomos,
criativos e livres, pois “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam
em comunhão” (FREIRE, 1987, p. 29).

4. CONSIDERAÇÕES EM RESSIGNIFICAÇÃO (SEMPRE)!

Penso que essa postura cíclica de constante transformação é de suma importância para o
processo de construção da identidade do educador dentro do espaço-tempo da hora-atividade para
que promova uma análise reflexiva do próprio processo educativo.

A hora-atividade como espaço de interação, de trocas de experiências, de reflexão sobre as


próprias ações deve ser sempre alicerçado no conceito de colaboração, o qual pressupõe que todos
os atores tenham voz para “colocar suas experiências, compreensões e suas discordâncias em relação
aos discursos de outros participantes e ao seu próprio” (MAGALHÃES, 2004, p. 56).

Colaborar, segundo a autora, “significa agir no sentido que os participantes tornem seus
processos mentais claros, expliquem, demonstrem, com o objetivo de criar, para os outros participantes,
possibilidades de questionar, expandir, recolocar o que foi posto em negociação” (idem, ibidem, p.
56). Desta forma, o espaço-tempo da hora atividade implica também em “conflitos e questionamentos
que propiciem oportunidades de estranhamento e de compreensão crítica” (Ob. Cit.) aos participantes.
Estas práticas estão imbricadas com a identidade profissional do docente, cujas práticas colaborativas
implica na necessidade de comprometimento do professor com o local de sua hora-atividade e com
seus companheiros, no sentido de transformar este espaço-tempo em direção à construção de um
espaço escolar que possibilite formação de sujeitos autônomos e criativos, autoconscientes quanto
ao resultado transformador ou opressor de sua prática e a necessidade de transformá-la ou não para
atingirem seus objetivos.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 2 22


5. REFERÊNCIAS
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Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 2 24


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DOI 10.29327/53722-2

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 2 25


CAPÍTULO 3
AS COTAS RACIAIS PARA O INGRESSO NO ENSINO
SUPERIOR: DESAFIOS PARA A PERMANÊNCIA DE
ALUNOS COTISTAS NA UEMG

JOSIMAR MENDES AMARAL raciais auxiliam na entrada desses estudantes ne-


Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) gros nas universidades sendo de grande impor-
tância promovendo essa oportunidade e também
ADELINO FRANCKLIN garantindo que esse aluno permaneça estudando
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e que tenha maiores oportunidades na vida.

RESUMO: O presente estudo, que é resultado PALAVRAS-CHAVE: Cotas raciais; Estudantes


de um trabalho de conclusão de curso para a ob-
cotistas; Políticas de cotas raciais.
tenção do título de licenciado em História, des-
taca sobre a discussão e análise dos aspectos das
ações afirmativas, quais sejam, as cotas raciais.
Assume um posicionamento favorável à manu- ABSTRACT: The present study, which is the
tenção da política de cotas raciais para ingresso result of a work to complete a course to obtain
nas universidades e espera através dessa políti- a bachelor’s degree in History, highlights the
ca a diminuição das disparidades entre brancos e discussion and analysis of aspects of affirmative
negros no ensino superior brasileiro. Tem por ob- actions, ie, racial quotas. It assumes a favorable
jetivo geral, analisar os desafios que alunos cotis- position to maintain the policy of racial quotas
tas da UEMG, Unidade de Passos, vivenciam em for university entrance and hopes through this
sua jornada acadêmica. Discorre sobre o negro policy to reduce the disparities between whites
na sociedade brasileira, sua abolição, sua história and blacks in Brazilian higher education. Its main
ao longo do século XX e XXI e sobre o racis- objective is to analyze the challenges that UEMG
mo. Preleciona sobre a política de cotas raciais, students, Unit of Steps, experience in their aca-
estudando a Lei 12.711/2012 e discute sobre os demic journey. It discusses the black in Brazilian
argumentos contrários e favoráveis à política de society, its abolition, its history throughout the
cotas. Destaca as percepções de estudantes cotis- XX and XXI century and on racism. He lectu-
tas da UEMG, Unidade Passos, sobre as contri- res on racial quotas policy, studying Law 12.711
buições da política de cotas raciais para o ingres- / 2012 and discusses the arguments against and
so de estudantes negros nas universidades e sobre favorable to quota policy. It highlights the per-
os desafios enfrentados por esses estudantes e as ceptions of UEMG students, Unit Passos, on the
perspectivas para a diminuição das disparidades contributions of the policy of racial quotas for the
raciais e do preconceito racial no Brasil. A meto- entry of black students in universities and on the
dologia para realização do trabalho é a pesquisa challenges faced by these students and the pros-
bibliográfica baseada em textos, revistas, sites, li- pects for the reduction of racial disparities and ra-
vros, trabalhos de conclusão de curso, artigos etc. cial prejudice in Brazil. Brazil. The methodology
Foram realizadas 5 (cinco) entrevistas semiestru- to carry out the work is the bibliographic research
turadas gravadas e transcritas com alunos que in- based on texts, magazines, websites, books, cou-
gressaram por meio das políticas de cotas raciais rse completion papers, articles etc. Five (5) semi-
na UEMG, Unidade Passos. Conclui que as cotas -structured interviews were recorded and trans-

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar 26


cribed with students who entered through the policies of racial quotas in the UEMG, Unit Passos.
It concludes that racial quotas assist the entrance of these black students in the universities being of
great importance promoting this opportunity and also ensuring that this student stays studying and
that has greater opportunities in life.

KEYWORDS: Racial quotas; Student quotaters; Racial quota policies.

1. INTRODUÇÃO

O capítulo em questão, que é resultado de um trabalho de conclusão de curso para a obtenção


do título de licenciado em História, estuda como tema as cotas raciais na Universidade do Estado de
Minas Gerais, unidade de Passos – MG. Tem por motivação os vários problemas encontrados pelos
alunos cotistas frente à entrada na universidade por meio desse direito.

Tem por justificativa discutir e analisar aspectos de uma das ações afirmativas mais polêmicas
implantadas no Brasil, que são as referidas cotas raciais. Assume um posicionamento favorável à
manutenção da política de cotas raciais para ingresso nas universidades e espera através dessa política
a diminuição das disparidades entre brancos e negros no ensino superior brasileiro. Analisa as razões
que levam a evasão dos alunos cotistas nas universidades, buscando soluções para este desafio. A
pesquisa sobre as cotas assume relevância social por analisar os desafios para a permanência de
estudantes cotistas em uma universidade pública estadual.

O problema discutido nesta pesquisa se refere aos desafios enfrentados pelos estudantes que
ingressaram por meio de cotas raciais na UEMG – unidade Passos.

Tem por objetivo geral, analisar os desafios que alunos cotistas da UEMG, Unidade de Passos,
vivenciam em sua jornada acadêmica. Em relação aos objetivos específicos investigam, na ótica de
estudantes cotistas da UEMG, unidade Passos as contribuições das políticas de cotas raciais para o
ingresso do estudante negro nessa instituição identificando, através das percepções de alunos cotistas
da UEMG, desafios para a formação acadêmica dos estudantes que ingressaram na universidade
por meio delas e, por fim, os motivos que podem levar a evasão de estudantes que ingressaram na
universidade por meio dessas.

A metodologia para realização do trabalho foi pautada na abordagem qualitativa, que pode
ser definida por Triviños (1987, p.120) como atividades de investigação que podem ser denominadas
específicas, caracterizadas por traços comuns, ajudando a ter uma visão mais clara do que pode chegar
a realizar um pesquisador que tem por objetivo atingir uma interpretação da realidade do ângulo
qualitativo.

Também foi feita uma pesquisa bibliográfica, que pode ser definida por Gil (2008, p.50) como
uma pesquisa “desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e
artigos científicos”. Portanto, a pesquisa está fundamentada em textos, revistas, sites, livros, trabalhos
de conclusão de curso, artigos eletrônicos, etc.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 3 27


Foram realizadas 5 (cinco) entrevistas semiestruturadas, gravadas e transcritas, com alunos
que ingressaram através das políticas de cotas raciais.

Foram utilizados diversos artigos científicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado


no trabalho em questão, sendo utilizados os mais citados que versaram sobre o negro na sociedade
brasileira, a política de cotas raciais e as percepções de estudantes cotistas da UEMG na unidade de
Passos. As buscas foram realizadas por meio do Google Acadêmico e do sítio de periódicos da Scielo,
bem como na biblioteca da UEMG, unidade Passos.

2. O NEGRO NA SOCIEDADE BRASILEIRA

A sobrevivência do povo negro que desembarcou no Brasil nos tempos passados, na vexatória
situação de escravo, com toda certeza é uma das maiores afrontas à dignidade da pessoa humana da
história da humanidade. Até os dias atuais a situação de escravo reflete de maneira marcante, pois
aqueles que vieram dos escravos, que retratam, basicamente, a metade da população brasileira, ainda
não alcançaram garantias que os igualem aos outros povos brasileiros, no caso o branco.

A liberdade do negro com a abolição da escravidão no Brasil no ano de 1888 não teve um
resultado positivo na sua inclusão como um todo na sociedade, o negro livre estava presente na
sociedade, porém, sem oportunidades de trabalho, sendo essa situação piorada pela imigração de
europeus de média e baixa classe social, que chegava para preencher a carência de mão-de-obra que
surgiu após a abolição e que ajudaria a modernizar o país (CIPRIANO; MACHADO, MARANHÃO,
2016).

No dia 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, um dispositivo legal
de apenas dois parágrafos que, formalmente, acabou com a escravidão no Brasil. A abolição da
escravidão foi o desfecho de um processo longo, que por razões políticas, econômicas e sociais, levou
ao desmantelamento da escravidão no Brasil.

A assinatura da lei Áurea ocorrida no dia 13 de maio de 1888, que tinha por objetivo a abolição
de todos os escravos que residiam no país, teve uma efetivação incompleta e para que realmente fosse
cumprida, passaram-se anos para que alguns desses escravos pudessem ser libertos dessa relação de
trabalho de escravidão. Ao longo do tempo de escravidão no Brasil, os escravos negros utilizaram
de várias maneiras de resistência, como fugas das fazendas e formação de quilombos (COSTA;
AZEVEDO, 2016).

Após anos de escravidão, em 1888, homens e mulheres negras, com a abolição da escravidão
pela princesa Isabel por intermédio da Lei Áurea, ganham a liberdade, apenas, não havendo nenhuma
previsão ou acordo para a inserção desses homens na sociedade, o trabalhador nacional descendente
de africanos fica marginalizado e estigmatizado, existiu a libertação, mas, não previu a inclusão do
negro na sociedade (REIS, 2017).

Discute-se se a Lei Áurea, que garantia a liberdade da população negra do país concedeu

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 3 28


a cidadania a esse povo, pois ao longo do processo de escravidão a tal população foi o alicerce da
economia brasileira por quatrocentos anos, suportou por todo esse tempo um severo desmembramento
de sua cultura e política e também, o aniquilamento da instituição das famílias. Neste estudo foi
questionado se a abolição realmente mudou a realidade do povo negro, se a pessoa liberta tinha o
poder de escolher o seu destino, porém acabou se mantendo uma estrutura de garantia dos interesses
da elite excluindo os ex-escravizados (COSTA; AZEVEDO, 2016).

A lei Áurea foi instituída com o propósito de libertar os negros da escravidão e dar a eles uma
vida digna, porém a referida lei apenas libertou esses escravos no papel, pois em relação à situação
em que viviam, eles permaneceram da mesma maneira, sem nenhum incentivo para terem uma vida
melhor.

Embora os escravos tenham sido colocados em liberdade, a maneira como viviam e moravam
não tiveram mudanças, chegando-se a conclusão, por mais uma vez, que a liberdade conseguida pela
abolição no país, não havia acabado. Como tem sido relatado, existe sempre a relação das pessoas
de cor negra com os cortiços instituídos desde aquela época, sendo que as pessoas caracterizadas
por essa cor acabaram sendo colocadas de fora do âmbito da história do Brasil por estarem, por um
longo tempo, na condição de escravos, sendo este considerado um modelo de trabalho inferior, deste
modo tendo a falsa convicção, pela maioria dos brasileiros, sobre a não capacidade desse povo para
trabalhar, além disso, depois da abolição, os negros ainda não tinham acesso à qualificação requerida
pela moderna industrialização, o que prejudicou o seu trabalho (COSTA; AZEVEDO, 2016).

Assim, embora os escravos tenham conseguido a liberdade, o conceito das pessoas da


sociedade em relação a eles permanecia a mesma, ou seja, os negros permaneciam invisíveis diante
da população que não era negra (COSTA; AZEVEDO, 2016).

Então, mesmo depois da abolição da escravatura, a vida dos negros brasileiros permaneceu
bastante difícil, o Estado brasileiro não teve a preocupação de oferecer as mínimas condições para que
os ex–escravos tivessem a oportunidade de serem incorporados no mercado de trabalho convencional
e de serem assalariados. Várias pessoas e grupos de pessoas continuavam tendo preconceito, pois estes
tinham a preferência pela mão-de-obra europeia, que aumentou no Brasil, logo depois da abolição.
Sendo assim, a maior parte dos negros teve muitas dificuldades para conseguir emprego e ter uma
vida com o mínimo de condições necessárias de moradia e, principalmente, de educação.

A história do negro na sociedade brasileira e sua escravidão no Brasil tiveram início logo
após o descobrimento, pois houve a necessidade de colonização da terra que havia sido descoberta.
Essa escravidão teve suas características, sendo considerada uma ação cruel e desumana desde que
foi estabelecida. É o martírio de um povo com suas crenças, língua, cultura que é trazido para o país
como mercadoria, sendo considerado um bem que poderia ser usado pelo seu senhor da maneira
desejada (REIS, 2017).

No século XX e XXI foi apontada nas pesquisas e nas diversas reflexões a presença
diferenciada de dois Brasis que se divergem, sendo que de um lado, havia o Brasil antigo, com
pouco desenvolvimento, com possibilidades mínimas de progresso, e de outro lado, o Brasil novo,
desenvolvido, rico ou mais rico, representado por planejamentos de progresso. O primeiro citado

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 3 29


era aquele onde prevalecia a população negra e no outro, aquele que foi colonizado pelos imigrantes
brancos (PEREIRA, 2011).

O processo de construção cultural brasileira avalia a participação de diversas identidades no


procedimento de formação da história do país. Desse modo, tem por consideração que a identidade
cultural no Brasil foi influenciada por várias populações em razão da presença dos nativos que já
viviam nessas terras, por causa da chegada dos colonizadores europeus, também pelo tráfico dos
negros durante o tempo da escravatura e com a chegada dos imigrantes europeus como mão de obra
nos séculos XX e XXI (CIPRIANO; MACHADO, MARANHÃO, 2016).

Em relação à evolução do negro no país, Pinto e Ferreira discorrem que,

Com a abolição da escravatura e o advento do trabalho livre, ocorreram muitas mudanças


sociais em que as relações de trabalho se transformaram e o escravo, ao se emancipar,
transforma-se em negro livre e assalariado, passando a participar do mundo do trabalho como
trabalhador livre, vendendo sua força de trabalho de acordo com os ditames da nova ordem
competitiva que se instaurava. Isso em tese é o que a história oficial aponta. Esse grande
contingente de pessoas se viu sem perspectivas de trabalho, de educação e de inclusão social,
visto que a mão de obra européia já estava presente (2014, p. 258).

Na segunda metade do século XIX até aproximadamente no século XX, a sociedade brasileira
foi fortemente influenciada por teorias racistas que na sua grande maioria vieram da Europa. As
teorias que existiam se orientavam pelas análises a respeito do início da espécie humana, sendo
elas pautadas nas diferenças de etnia que seriam resultado da superioridade ou da inferioridade de
vários grupos humanos sobre outros. Assim, os estudiosos desenvolveram meios que justificariam a
inferioridade da população que não fosse de origem branca (PINTO; FERREIRA, 2014).

A população negra se viu sistematicamente à margem das esferas mais relevantes da


sociedade, sendo que, cercado de todos os lados, apenas lhe restou como único espaço social para
o desenvolvimento de sua sociabilidade a união entre os seus, na maior parte das vezes dentro de
modelos seguidos pela população branca. Porém, essas alternativas por diversas vezes, somente
sustentada ou até proibida pela punição policial até o fim da década de 1920, acabou transformando
o negro em refém de seu próprio mundo (PEREIRA, 2011).

Em relação à discriminação e como ela se forma, como ocorre esta na sociedade, Bourdieu
enfatiza que,

A classe dominante constitui um espaço relativamente autônomo, cuja estrutura é definida


pela distribuição entre seus membros, das diferentes espécies de capital, de modo que cada
fração é caracterizada propriamente falando por certa configuração dessa distribuição a qual
corresponde, por intermédio dos habitus, certo estilo de vida; se é verdade que a distribuição do
capital econômico e a distribuição do capital cultural, entre as frações, apresentam estruturas
simétricas e inversas, e que as diferentes estruturas patrimoniais estão com a trajetória social,
no princípio do habitus e das escolhas sistemáticas que ele produz em todos os domínios da
prática e cujas escolhas, comumente reconhecidas como estéticas, constituem uma dimensão,
deve-se reencontrar essas estruturas no espaço dos estilos de vida, ou seja, nos diferentes
sistemas de propriedades em que se exprimem os diferentes sistemas de disposições (1930,
p. 241).

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 3 30


Assim, o desenvolvimento da vida da população negra nos séculos XIX e XX acabou não
sendo tão pontual, pois, não houve um progresso significativo, sendo que, ainda havia resquícios da
não aceitação do convívio dessa população com o restante da população que se considerava superior,
por ser branca.

A sociedade como um todo trata o negro com diferença desde os primórdios dos tempos,
buscando a igualdade de todos, surge no ordenamento jurídico brasileiro algumas normas que
defendem que negros dever ser tratados igualmente. Em busca dessa igualdade, foi instituída leis
para a legalização das cotas raciais.

O racismo destaca sobre a inferioridade racial do negro em relação ao branco, enfatiza a


respeito da nação negra, caracterizando que esta é racial e socialmente doente. Na medida em que
acontece o processo histórico do negro, juntamente com a democracia racial, desenvolveu-se aí
um racismo impregnado na sociedade brasileira o qual é sempre negado. Isso ocorre por causa dos
mecanismos explícitos que acham apoio na cordialidade, tendo a impressão de que não existe racismo
no país, chegando à conclusão de que não se pode adotar qualquer espécie de postura em relação a
essa situação (PINTO; FERREIRA, 2014).

Discorrendo sobre o racismo Bourdieu relata que,

As análises sobre o racismo mostraram que a justaposição de grupos diferentes conduz a


representações contrastantes: cada grupo tende a opor uma definição da conduta conveniente,
valorizada, a uma conduta menosprezada, a do outro grupo. Sempre que grupos e classes
são opostos em aguda justaposição, os valores e costumes de cada um deles são justapostos.
Fora da oposição de grupo surge uma intensa oposição de valores, que é projetada através da
ordem social e serve para solidificar a estratificação social (1930, p. 549).

A luta contra o racismo teve seu início juntamente com a luta do negro trabalhador não
favorecido com a exploração capitalista, recentes contornos nascem na relação entre raça e classe
social. A população negra começa a acusar que a exploração socioeconômica alcança de modo diverso
a raça negra da branca e que superar o racismo e a discriminação racial não será alcançado somente
com a modificação das classes, é imprescindível reunir esforços na luta contra a desigualdade social
e, principalmente, racial (MUNANGA; GOMES, 2016).

Predomina no Brasil, uma nova maneira de se expressar o racismo, sendo este descrito como
racismo cordial, que tem por conceito a discriminação em relação às pessoas não brancas, sendo
caracterizada por uma gentileza superficial que acoberta posturas que discriminam, sendo expressas
por meio de piadas, provérbios populares, várias brincadeiras, e diversas outras formas, sempre com
intenção de cunho racial (PINTO; FERREIRA, 2014).

É imprescindível evidenciar que o racismo realmente está presente e precisa ser encarado
e, consequentemente, extinto, sendo também de essencial importância traçar meios desenvolvidos,
ações e conhecimentos a respeito do impacto do racismo na construção da identidade das pessoas
negras no Brasil. Tal luta é primordial para a construção de uma sociedade igualitária e que venha
constituída de princípios norteadores, como o respeito à dignidade humana e o exercício pleno da
cidadania (PINTO; FERREIRA, 2014).

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 3 31


3. A POLÍTICA DE COTAS RACIAIS

As ações afirmativas são definidas como políticas públicas realizadas pelo governo ou pelo
setor privado com o propósito de reparar as desigualdades raciais que se fazem presentes na sociedade
e que vem sendo permitidas ao longo de muitos anos.

Conceituadas como medidas que promovem equidade, as ações afirmativas têm por objetivo
dispor bens para grupos exclusivos, ou seja, separados e prejudicados pela segregação socioeconômica
e cultural em tempos passados ou mesmo no tempo presente. Reunidos nessa denominação estão
presentes métodos diferentes que tendem a diminuir desigualdades e que, não obstante, acatam a
reclamações coletivas, tais como a distribuição de terras, de casas para morar, normas de proteção a
costumes da vida que estejam ameaçados e, por fim, políticas de identidade (DAFLON; FERES JR;
CAMPOS, 2013).

Como políticas instituídas para combater o racismo e a discriminação racial através de um


eficiente incentivo na busca da igualdade de oportunidades para todas as pessoas, as ações afirmativas
vêm desenvolvendo maneiras para que essas pessoas que pertencem a grupos sociais discriminados
possam almejar e ter as mesmas condições na sociedade (MUNANGA; GOMES, 2016).

A palavra ação afirmativa relata sobre um conjunto de políticas públicas para auxiliar grupos
menores que, em certas sociedades, foram discriminados no passado ou até os dias atuais. Tal ação
pretende retirar as barreiras que inviabilizem a entrada de alguns grupos aos diversos setores de
trabalho, as várias universidades e as posições de líder. Praticamente as ações afirmativas estimulam
as empresas e organizações a atuar positivamente com o intuito de proporcionar às pessoas de diversos
segmentos sociais que foram e são discriminados, a conquistar oportunidade e, consequentemente,
ascenderem à cargos de comando e inclusão de lugares que no passado não tinham acesso (OLIVEN,
2007).

“As políticas de ação afirmativa não se restringem apenas ao combate à discriminação racial,
mas também ao combate de outras formas de discriminação, como a discriminação contra mulheres,
contra pessoas portadoras de necessidades especiais, contra índios” (BRANDÃO, 2005, p. 26).

Sobre as ações afirmativas, Daflon, Feres Jr e Campos (2013, p. 307) discorrem que “no
Brasil tais políticas foram adotadas somente a partir do processo de redemocratização do país,
quando diferentes grupos e organizações sociais, antes silenciados pelo regime autoritário, passaram
a demandar direitos”.

Prelecionam Munanga e Gomes sobre as ações afirmativas que,

Elas podem ser entendidas como um conjunto de políticas, ações e orientações públicas ou
privadas, de caráter compulsório (obrigatório), facultativo (não obrigatório) ou voluntário
que têm como objetivo corrigir as desigualdades historicamente impostas a determinados
grupos sociais e/ou étnico/raciais com um histórico comprovado de discriminação e exclusão.
Elas possuem um caráter emergencial e transitório. Sua continuidade dependerá sempre de
avaliação constante e da comprovada mudança do quadro de discriminação que as originou
(2016, p. 186).

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 3 32


As políticas de ações afirmativas, como as demais políticas, para que sejam implementadas,
vem baseada na extrema desigualdade racial brasileira no acesso à essas políticas. Os argumentos
favoráveis estão concentrados nesse sentido, com a afirmação da necessidade de um confronto
direto da sociedade brasileira sobre esse respeito, o que expressa o reconhecimento de que o Brasil
é um país racialmente desigual e que essa situação vem da discriminação e do preconceito, e
não, necessariamente, de uma situação de classe social. A principal oposição enfatiza sobre a não
capacidade dessas ações de contribuir para que haja oportunidades, porque mesmo em instantes em
que o ensino se expandiu, as distâncias entre raças se mantiveram, ou seja, certas práticas necessitam
ser protegidas com políticas compensatórias (LIMA, 2010).

As ações afirmativas podem ser colocadas em prática na educação, na saúde, no mercado


de trabalho, nos cargos políticos, e em tantos outros lugares e situações, portanto, nos lugares em
que a discriminação que necessita ser vencida tem mais ênfase e é mais evidenciada e também onde
é verificado um panorama de desigualdade e, consequentemente, de exclusão. Sua execução vem
carregada de um propósito declarado de transformação na convivência social, nos lugares onde
os indivíduos vivem os processos de discriminação dentro da sociedade, também na educação e
na constituição de quadros intelectuais e políticos. As ações afirmativas requerem, também, uma
transformação na postura, na concepção e na estratégia de sua aplicação (MUNANGA; GOMES,
2016).

Portanto, as ações afirmativas relacionadas às cotas raciais, buscam proporcionar igualdade


de oportunidades a todas as pessoas. Elas têm como objetivo transformar a representação negativa
dos negros em positiva, e vem motivar a igualdade de oportunidades para que essa seja realidade na
vida das pessoas que são discriminadas e também surgem para combater o preconceito e o racismo.

A legalização da política de cotas raciais no Brasil precisa ser enfatizada e também necessita
de empenho para que seja cumprida, sendo importante que sua efetivação seja eficiente para sua real
atuação.

No Brasil atual existem algumas leis de combate à discriminação racial, sendo importante que
a população brasileira saiba que existe uma série de leis para punir a discriminação por motivos de
raça, sexo, religião, origem nacional, deficiência e outros em nosso país. Essa legislação vem sendo
aperfeiçoada ao longo das duas últimas décadas (REIS, 2017).

Ensina Tomaz (2017, p. 34) que a Lei 12.711/2012 sobre a legalização da política de cotas raciais
no Brasil “determina que metade das vagas de ingresso nos cursos de graduação das universidades
federais deveria ser destinada aos estudantes das escolas públicas, obedecendo subcritérios de renda
e racial”.

Para Cipriano, Machado e Maranhão (2016, p. 15) “o sistema de cotas passa a se tornar
constitucional, com a aprovação da Lei n. 12.711, em 29 de agosto de 2012. Para o setor da educação,
a medida com maior ênfase ocorre com a aprovação da lei 12.711 popularmente conhecida como Lei
de Cotas”.

Em relação à reserva de vagas relacionada à raça:

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 3 33


Art. 3° Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1° desta
Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em
proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da
Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (BRASIL, 2012).

A referida lei é uma norma institucional que busca relacionar e adequar de certa maneira
forças sociais contrárias que permaneciam em discussão. Existiram diversas pessoas que atuaram
nesse processo de criação, enfatizando quais áreas ou quais grupos tiveram participação (SILVA,
2017).

A instituição da Lei 12.711/2012 representa um avanço muito significante para a democratização


das políticas de acesso para as pessoas que ao longo dos tempos têm sido discriminadas.

Por conseguinte, a referida lei, ao estabelecer cotas para essas pessoas, recupera uma
dívida histórica do Estado brasileiro para com elas e sua efetiva ação com certeza contribui para o
estabelecimento da educação para todos.

4. AS PERCEPÇÕES DE ESTUDANTES COTISTAS DA UEMG – UNIDADE PASSOS

No ano de 2018, realizamos 5 (cinco) entrevistas semiestruturadas, gravadas e transcritas,


com alunos da UEMG/Passos que ingressaram pelo sistema de cotas. As perguntas se relacionam
em torno da política de cotas. Ao serem questionados se o racismo é um grave problema de injustiça
social no Brasil, todos concordaram que sim, enfatizando que a discriminação ainda existe no meio
da sociedade brasileira.

Claro, e é muito triste também as pessoas acreditarem que isso é uma coisa só da nossa
cabeça, aí eles falam assim “ah isso é mimimi, que o racismo não existe, mas existe sim”, se
você abrir os olhos e olhar ao seu redor, está aí, as pessoas que não querem ver. (A1).

Eu acredito, o Brasil tem um problema que envolve racismo que é histórico, é uma injustiça
promovida tanto como Estado, que em vez de garantir uma inserção a esses ex escravizados,
por exemplo, na pós abolição, utilizou estratégias, como por exemplo, o direito penal e outras
formas para reprimir as populações, como também a sociedade civil que viraram as costas
para essa população, que saiu compulsoriamente da África, que não tinha casa, não tinha
meios de se desenvolver e eles ficaram totalmente a parte das relações sociais e econômicas
dentro do país, isso de uma maneira histórica, então gerou conseqüências, então, eu digo sim,
que raça é determinante de injustiça no Brasil. (A2).

Sim. (A3).

Sim, acredito sim, acredito que é uma injustiça muito grande porque o negro sofre muita
discriminação no Brasil. (A4).

Sim, devido à história de vida das pessoas e a carga que elas carregam até hoje. (A5).

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 3 34


Perguntamos aos alunos como eles ficaram sabendo da existência das cotas raciais, e a
maioria das respostas foi que buscaram pela informação ou esta foi conseguida através da escola ou
do próprio vestibular.

Acho que um ano antes de entrar pra faculdade, eu comecei a pesquisar sobre isso, porque
tinha uma colega minha que entrou na faculdade, mas foi pelo Prouni, que é um negócio que
você tem que pagar, aí eu falei assim “não, eu não tenho condição”, aí eu fui pesquisar formas
que eu pudesse ingressar na faculdade, mas não ter nenhum ônus. (A1).

Graças a Deus eu posso dizer que eu venho de uma família muito politizada, então, o debate
sobre raça, classe, gênero, sempre foi um debate presente na minha família, então, desde cedo
eu acompanhei o noticiário, então, eu acompanhei toda essa questão das cotas, toda a questão
da polêmica que gira em torno dela, questão do racismo inverso, tudo mais. (A2).

Pela escola mesmo. (A3).

Então, eu entrei na faculdade com 25 anos, então há muito tempo assim que começou a
existir a lei das cotas, já tinha informação a respeito disso. (A4).

Por edital e vestibular. (A5).

Como política de compensação, as contribuições da política de cotas raciais para o ingresso


de estudantes negros nas universidades buscam equiparar os direitos entre negros e brancos. Visam
reparar os danos de tempos passados, focando assim no grupo de negros do país, também possuem
sua justificação em uma noção de direitos que necessitam na busca de diminuir os impactos que foram
causados pela criação de uma cultura injusta, como pode ser observado no caso racial (ASSUNÇÃO,
2016).

Sobre a pergunta de como foi o incentivo familiar desse estudante para o seu ingresso no ensino
superior, 3 (três) estudantes responderam que foram bastante incentivados e 2 (dois) responderam que
não tiveram nenhum incentivo, pois a família não sabe nem opinar sobre esse assunto.

Bastante, tanto meu pai, tanto minha mãe, todo mundo me incentivou, desde muito antes,
meu pai falou assim “oh, não importa, o que eu tiver que fazer para você poder entrar no
ensino superior, vou fazer”, e é assim até hoje, ele sempre me incentivou, sempre apoiou o
que a gente quis fazer. (A1).

Ele foi forte, no caso eu sou da primeira geração da minha família que consegue ingressar
numa escola pública, mas os meus pais, por exemplo, grande parte de meus tios por parte de
pai, por parte da minha mãe não, eles são do nordeste, aí também já entra um recorte regional,
mas a parte do meu pai, que é do sudeste, eles já tiveram acesso ao ensino superior particular,
mas ao ensino superior público a minha geração é a primeira, dessa geração mais recente de
primos, eu sou o terceiro. (A2).

Grande, foi bem grande, eles queriam bastante. (A3).

Nenhum, o incentivo veio por parte de amigos mesmo, minha família não concordou muito
com essa questão do estudo. (A4).

Na verdade nenhum, porque na minha família não tem essa experiência com o ensino superior
e ninguém da família e eles não sabem me ajudar nesta questão. (A5).

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 3 35


Pode ser percebido na questão 3 (três) que nas respostas A4 e A5 ainda há, por parte da
família, bastante desinformação em relação ao ensino superior, destacando que alguns nem entendem
o que significa ter ensino superior e outros acham que estudo superior não acrescenta em nada.

As contribuições da política de cotas raciais para o ingresso de estudantes negros nas


universidades gera ações políticas de ação afirmativa, que tem o objetivo de integrar essa população
negra à uma sociedade que sempre foi dominada pela população branca por meio da criação dessas
políticas que proporcionem a igualdade de oportunidades entre brancos e negros, para que aumente
as chances dessas pessoas em relação ao estudo superior.

No que concerne à quantidade de pessoas da família com formação superior, 3 (três) estudantes
responderam que nenhuma pessoa possui formação superior e 2 (dois) estudantes responderam que
apenas o pai e/ou a mãe possuíam essa formação.

Foi possível perceber que na maior parte das famílias dos entrevistados não há familiares que
tenham formação superior, dispondo assim a realidade do não acesso de algumas minorias a esse
cenário estudantil.

Segundo Bourdieu,

Quanto maior for o reconhecimento das competências avaliadas pelo sistema escolar, e
quanto mais “escolares” forem as técnicas utilizadas para avaliá-las, tanto mais forte será a
relação entre o desempenho e o diploma que, ao servir de indicador mais ou menos adequado
ao número de anos de inculcação escolar, garante o capital cultural, quase completamente,
conforme ele é herdado da família ou adquirido na escola; por conseguinte, trata-se de um
indicador desigualmente adequado deste capital. A correlação mais forte entre o desempenho
e o capital escolar como capital cultural reconhecido e garantido pela instituição escolar
(responsável, de um modo desigual, por sua aquisição) observa-se quando, ao formular a
pergunta sobre o nome dos compositores de uma série de obras musicais, a questão assume
a forma de um exercício bastante escolar sobre os saberes muito semelhantes aos que são
ensinados pela instituição escolar e reconhecidos, fortemente, no mercado escolar (1930, p.
19).

No que tange ao fato de terem, no ensino fundamental e médio, frequentado escolas da rede
pública ou particular, somente 1 (um) aluno estudou em escola particular, os outros 4 (quatro) foi em
escola pública.

Ao serem questionados se já presenciaram ou foram vítimas de alguma situação discriminatória


em sua jornada escolar e também na UEMG – Passos, foi respondido pelos 5 (cinco) que eles
presenciaram ou foram vítimas de discriminação na jornada escolar, porém, na UEMG, todos
responderam que não houve nenhum tipo de discriminação.

Não que eu me lembre. Na UEMG também não. (A1).

Sim, já, particularmente na infância. A UEMG tem o maior número de cotistas, não há
racismo aberto. (A2).

Já presenciei na escola por professores. Na UEMG não. (A3).

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 3 36


Na época de escola sim, na época de escola bastante, no ensino médio, no ensino fundamental,
foi mais no ensino médio do que no fundamental, no ensino médio tinha muita brincadeira
racista. Na faculdade não, nunca presenciei. (A4).

Sim, quando eu estava no ensino básico, na formação básica, mas na UEMG não, nunca. E
foi só uma vez também. (A5).

Há a necessidade de destaque para a resposta do aluno A2, que relatou que o racismo era
praticado na infância abertamente, mas na UEMG esse mesmo racismo não é aberto, sendo possível
afirmar que o racismo ainda pode existir no meio acadêmico.

No que se refere ao fato de acreditarem ou não que as cotas raciais podem colaborar para
promover a equiparação de brancos e negros no ingresso ao ensino superior, todas as respostas foram
afirmativas, enfatizando que as cotas são importantes para que essa equiparação aconteça.

Sim, eu acho que a gente vem lutando e buscando isso já faz alguns anos que a gente luta para
conseguir essa igualdade. (A1).

Sim, as cotas elas são fundamentais, primeiro porque acho que a gente tem que deixar
claro que as cotas elas existem dentro do ambiente público, então partindo do pressuposto
histórico, a gente tem um Estado que promoveu uma opressão, a gente tem um Estado que
tem que consertar essa questão, então nesse sentido, por si só, as cotas já se justificam. (A2).

Sim. (A3).

Sim, eu creio que sim porque o negro passou um período muito grande de escravidão no
Brasil, e faz menos de 200 anos que acabou a escravidão, então não teve tempo da sociedade
negra se reerguer, quando eles foram libertos não teve apoio nenhum do governo, não teve
emprego, não teve condição, então a população negra sempre ficou na marginalidade, nunca
recebeu nenhum tipo de apoio, sempre viveu na marginalidade, então eu acho que a cota
veio para dar oportunidade para a população negra ter um destaque, ter uma chance, ter uma
oportunidade, porque ele acaba sendo discriminado. (A4).

Sim, embora mesmo com as cotas até hoje a população negra na faculdade seja muito baixa.
(A5).

As contribuições devem realizar ações e propostas que viabilizem o acesso, porém,


especialmente, a continuidade bem-sucedida de estudantes negros na universidade, o que não deve
ser iniciado a partir de um ponto restrito relacionado ao estudante, mas precisa ser focado também
na universidade. Ademais, não se devem impor limites, pelo contrário, necessita ser possível o
debate público e a discussão de politização dessa experiência, com o intuito de permanência dessa
política, para que ela não se converta na diminuição das desigualdades, porém em alguma coisa que
realmente abranja toda a comunidade acadêmica, tendo a possibilidade para que ela se envolva nessa
transformação. (MAYORGA; SOUZA, 2012).

Sobre o capital cultural, Bourdieu discorre que,

Este capital é o produto garantido dos efeitos acumulados da transmissão cultural assegurada
pela família e da transmissão cultural assegurada pela escola (cuja eficácia depende da
importância do capital cultural diretamente herdado da família). Pelas ações de inculcação

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 3 37


e imposição de valor exercidas pela instituição escolar, esta contribui também (por uma
parte mais ou menos importante, segundo a disposição inicial, ou seja,segundo a classe de
origem) para constituir a disposição geral e transponível em relação acultura legitima que,
adquirida a propósito dos saberes e das práticas escolarmente reconhecidos, tende a aplicar-
se para além dos limites do “escolar”, assumindo a forma de uma propensão “desinteressada”
para acumular experiências e conhecimentos que nem sempre são rentáveis diretamente no
mercado escolar (1930, p. 27).

Portanto, para que exista de verdade uma igualdade entre as pessoas de todas as raças, é
importante o combate ao preconceito e adoção de ações que resultem no acesso de todos às mesmas
oportunidades, sem que esses sofram com a discriminação racial ou de qualquer outra.

Em relação às principais dificuldades enfrentadas por alunos cotistas na UEMG – Passos, os


estudantes responderam que é a condição financeira do aluno, a questão da política de permanência, o
seu sustento dentro da universidade no que concerne a moradia, alimentação transporte entre outros.

Acho que é a condição financeira. Os alunos não têm nenhum tipo de apoio. (A1).

Como o aluno irá se sustentar dentro da faculdade deveria haver auxílios, tipo moradia,
alimentação, transporte gratuito, etc. (A2).

Eu acho que é a questão da política de permanência que não existe, então a gente não tem
incentivo nenhum para permanecer e se manter na universidade. (A3).

Olha, o meu curso, sou do curso de serviço social, não há muitas dificuldades. No caso da
UEMG ela está em fase que não tem como cobrar. (A4).

Eu creio que é o fato de moradia e o transporte, são os mais complicados. (A5).

A maior parte desses jovens cotistas é proveniente de famílias com baixo nível sócio
econômico e educacional. Eles fazem parte da primeira geração familiar que chegou ao ensino
superior, então a entrada na universidade cria espaços para o desenvolvimento social desses alunos. A
atmosfera acadêmica propicia a esses estudantes um crescimento das suas expectativas de vida tanto
profissionais quanto culturais e de desenvolvimento pessoal. Dessa maneira, as cotas raciais ajudam
como uma ferramenta de acesso a bens simbólicos e materiais importantes no percurso social de
sucesso (LEMOS, 2017).

Na pergunta sobre quais são as razões que podem levar o estudante cotista da UEMG – Passos
a abandonar o ensino superior, um estudante respondeu que não ter apoio do Estado para ele poder
continuar os estudos, outro respondeu sobre o fato do estudante não conseguir suportar os problemas
psíquicos e culturais, outro por não se adequar ao meio, pela falta de incentivo e pela falta de política
de permanência, outro por causa da discriminação sofrida, e o último por ter que conciliar trabalho e
estudo.

Ele não ter um apoio do Estado para ele poder continuar os estudos, porque muita gente tem
que trabalhar para poder vir para a faculdade, porque não tem condição de ter um alimento,

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 3 38


não tem uma condução para poder vir para a faculdade, então se tivesse talvez um auxílio,
ajudaria muito, porque tem muita gente que falta da faculdade por não ter condição de chegar
até aqui. (A1).

O fato do estudante não conseguir suportar os problemas psíquicos e culturais. São importantes
a questão da permanência e a questão da saúde mental. (A2).

Eu acho que muitas vezes ser cotista, ele pode vir de universidade pública aí se adequar ao
meio, esse baque da universidade, também pela falta de incentivo, pela falta de política de
permanência, tem muitos fatores que acabam juntando e faz ele desistir. (A3).

Discriminação, quando a pessoa sofre discriminação é muito difícil, se ela não tem recursos,
ela tem o apoio moral das pessoas e consegue ficar por mais tempo, agora se for por
discriminação mexe com o psicológico, aí ele não consegue. (A4).

Acho que é o fato de conciliação entre trabalho e estudo, porque as outras coisas a gente sabe
que vai ter que vencer mesmo. Adequar trabalho e estudo ao mesmo tempo não é fácil. (A5).

Os desafios enfrentados pelos estudantes cotistas na UEMG, Unidade Passos são os


mesmos enfrentados pelos cotistas de todo país, pois as características tanto dos estudantes quanto
da universidade são similares. Esses desafios são inerentes aos cotistas, mas esses estudantes vêm
conseguindo superar cada um com excelência, prezando pelo desenvolvimento das políticas públicas
da universidade.

Sobre a pergunta que tratou de qual mudança o estudante acredita ser necessária na UEMG –
Passos, para haver uma adequação a realidade vivenciada por seus discentes, foi respondido por 1 (um)
estudante que é importante a especialização dos professores e mais aulas práticas, por outro estudante
a questão da permanência e uma estrutura que atenda os alunos, por outro o auxílio, principalmente
de moradia e alimentação, pelo quarto e quinto estudante, mais apoio do Estado para a UEMG.

Primeira coisa, acho que deveria ser a especialização dos professores, porque muitos
professores, assim, eles tem um currículo bom, mas eles não sabem expor aquilo que eles
sabem, eles tem o conhecimento, mas eles sabem só pra eles, não sabem transmitir esse
conhecimento para a alunos. E também acho que na administração seria muito importante
também a gente vivenciar aulas práticas, porque muitas vezes a gente aprende só teoria, e
aí quando você vai pra prática, você não tem nenhuma experiência, você não sabe como vai
reagir. (A1).

Primeiramente, a questão da permanência do estudante na faculdade, mas também uma


estrutura que atenda os alunos, principalmente na área de ajuda, como ajuda psicológica.
(A2).

A primeira é o auxílio, principalmente de moradia e alimentação, RU ajudaria muito, questão


de transporte entre os blocos, a questão é o auxílio básico, para receber gente que vem de fora
pra cá e acaba caindo nisso. (A3).

Primeiramente, mais apoio do governo, porque o governo não está fazendo o repasse correto
para a faculdade, eu acho que a faculdade recebendo o repasse correto, dá para gente pensar
em planos, em questões, mas por enquanto, na situação que a faculdade está tão complicada,

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 3 39


a gente não consegue nem cobrar alguma coisa. Mas se a gente fosse cobrar, a gente ia querer
que a faculdade desse mais ouvido, mais voz, auxílio, apoio aos alunos negros, aos alunos de
baixa renda. (A4).

Aqui o Estado que tem que ajudar, não é só aqui, a UEMG, o Estado está deixando muito a
desejar. (A5).

As perspectivas se pautam também na ampliação de vagas e na diversidade de estruturas


de acesso à universidade para alunos cotistas sendo essas caracterizadas pelo reconhecimento de
que esses alunos necessitam de um suporte diferenciado, principalmente na área financeira, para
que possam ser bem sucedidos na universidade e posteriormente em suas carreiras pretendidas.
Examinando as experiências em andamento observa-se que certas medidas, como a ajuda com bolsas
de estudo, ajuda de custo, auxílio moradia, e tantas outras, que estão já em vigor tem auxiliado esses
estudantes, no entanto em escala bem abaixo do esperado para atender a toda a demanda desses novos
estudantes que entram por cotas no ensino superior (HERINGER; FERREIRA, 2012).

Assim, para que se tenha um resultado significativo sobre as perspectivas para que se
diminuam as disparidades raciais e também o preconceito racial é importante que as desigualdades
sociais e raciais sejam realmente combatidas e que os alunos tenham a consciência desse direito
que é inerente a ele por seu sofrimento histórico não ter ajudado sua classe no que se refere
principalmente à educação, há a possibilidade de uma efetiva integração social dos negros na
sociedade brasileira, que pode ser conseguida com a luta dessa classe por um espaço que também
é deles e que deve ser respeitado por todos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O racismo se estabeleceu como uma condição ideológica nas sociedades e as consequências


advindas dessa discriminação reforçam de modo incontestável a grande desigualdade social.

Superar essas desigualdades precisa ser diretamente proporcional à necessidade de fomentar a


cidadania dos povos que tradicionalmente foram discriminados. Para que isso seja alcançado é preciso
vontade política para promover ações efetivas erradicando a discriminação por meio de políticas
públicas que venham a ter em seu bojo a promoção de diversos direitos.

Para isso, há as políticas afirmativas que se estabelecem, nesse sentido, como mecanismos
eficientes para ajudar no combate à desigualdade desfavorecendo a marginalização cultural, social,
econômica e política destes grupos que são discriminados.

No sentido de buscar o melhor acesso do negro nas universidades, foi instituída a lei
12.711/2012, também chamada de Lei de Cotas, que garante uma parcela relativamente substancial
de vagas para essas pessoas, que ao longo dos tempos sempre foram discriminadas.

Para a pesquisa em questão, foram realizadas 5 (cinco) entrevistas com estudantes negros

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 3 40


que ingressaram na UEMG/Passos através das cotas. Nessa entrevista foram feitas perguntas
relacionadas ao ingresso e permanência desses no ensino superior, e o resultado dessa entrevista foi
que a maior parte desses estudantes não possuem condições financeiras de cursar um ensino superior,
e que a permanência deles no curso que escolheram precisaria de melhores incentivos por parte da
Universidade e do Estado, melhorando e incentivando sua permanência, para que eles terminem o
curso e que tenha melhores perspectivas profissionais através de seus estudos.

Portanto, as cotas raciais, à medida que auxiliam na entrada desses estudantes negros nas
universidades é de suma importância, pois, além de promover essa oportunidade de estudo, também
garante que esse indivíduo permaneça estudando e que tenha maiores oportunidades de vida.

6. REFERÊNCIAS

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DOI 10.29327/53722-3

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 3 42


CAPÍTULO 4
CONSCIÊNCIA AMBIENTAL: BREVES
CONSIDERAÇÕES SOBRE GESTÃO AMBIENTAL
EMPRESARIAL

JÚLIO CÉSAR DOS SANTOS LIMA ABSTRACT


Universidade de São Paulo

PAULO AUGUSTO ZAITUNE PAMPLIN


Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade
Federal de Alfenas The meaning of the word management goes
beyond management, having as its main objec-
tive the growth and establishment of a company
RESUMO through human effort organized with a specific
objective. Management emerged after the indus-
trial revolution, when professionals decided to
O significado da palavra gestão vai além de ge-
renciamento, tendo como objetivo maior o cres- seek solutions to problems that did not occur be-
cimento e o estabelecimento de uma empresa fore, using various science methods, to manage
mediante ao esforço humano organizado com
um objetivo especifico. A gestão surgiu após a the business of the time, by starting the science
revolução industrial, quando os profissionais of management. Administrative management,
decidiram buscar soluções para problemas que besides the technique of administration, still uses
não ocorriam antes, usando vários métodos de
ciências, para administrar os negócios da épo- several other sciences, such as law, accounting,
ca, iniciando assim a ciência da administração. economics, psychology, mathematics, statistics,
A gestão administrativa, afora da técnica de ad-
sociology, informatics, among others. In the con-
ministrar, ainda utiliza diversas outras ciências
como, por exemplo, o direito, a contabilidade, a text of the environment, environmental manage-
economia, a psicologia, a matemática, a estatís- ment is connected with sustainability and envi-
tica, a sociologia, a informática entre outras di-
versas. No contexto do meio ambiente, a gestão ronmental planning and addresses the economic,
ambiental está conectada com a sustentabilidade social and environmental line of business activi-
e planejamento ambiental e aborda a linha eco-
ties. It is an area with wide emphasis, mainly due
nômica, social e ambiental das atividades empre-
sariais. É uma área com amplo destaque, devido, to the growing awareness on the part of compa-
principalmente, a crescente conscientização por nies.
parte das empresas.

Palavras-chave: gestão, gestão ambiental, ges- Keywords: management, environmental man-


tão administrativa. agement, administrative management.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar 43


1. INTRODUÇÃO

A preocupação ambiental não é um tema recente, contudo foram somente nas últimas três
décadas do século passado que esta questão passou a ser discutida mais profundamente (BARBIERI,
2004; SEIFFERT, 2005). Esse tema tornou-se uma discussão desafiadora, envolvendo o governo,
as empresas, a sociedade civil como um todo e o setor acadêmico (FISCHER; SCHOT, 1993) que
incorporou a dimensão de ecologia em suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, incrementando
uma educação ambiental multidisciplinar (ADBUL-WAHAB et al., 2003) tendo como consequência
a adesão de algumas empresas que passaram a ponderar a dimensão ambiental em suas atividades
(SEIFFERT, 2005; ROSEN, 2001). Contudo, a introdução da variável ambiental-ecológica no
âmbito dos negócios não ocorre de forma uniforme, mas sim variando entre as unidades produtivas
(DONAIRE, 1994), seja devido a consideração dessa variável estar agregada à natureza do negócio da
empresa ou a dependência do grau de conscientização da alta administração sobre matéria ambiental
(CORAZZA, 2003).

Desta forma, a conscientização ambiental por parte das empresas pode ser avaliada à
perspectiva de diversos estágios evolutivos, que se constituem a partir da proposição de importantes
autores e que formam uma grande maioria de níveis de maturidade para a análise da gestão ambiental
em uma organização. Portanto, compreender a gestão ambiental em uma empresa é uma maneira
estruturada para que empresários e pesquisadores repercutam a situação organizacional atual e
planejem atividades futuras em relação ao planejamento e gestão ambiental empresarial.

2. EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO ADMINISTRATIVA

Apesar de não existir dados de quando surgiu à atividade de administração, é deduzido


que está tenha se originado através da necessidade de se alcançar objetivos com os recursos que
se disponibilizavam com o maior grau de satisfação possível. Entretanto, à medida que a evolução
humana desenvolveu habilidades, permitiu-se reconhecer a importância de administrar todos os
recursos disponíveis (MARTÍNEZ, 2009).

A administração, ou seja, o processo de planejar, organizar, dirigir e controlar o emprego dos


recursos organizacionais para atingir determinados objetivos com eficiência (CHIAVENATO, 2001),
também pode ser definida como o processo de projetar e manter um ambiente em que indivíduos,
trabalhando em grupos, cumpram objetivos específicos (KOONTZ, 2004). Fayol (1983) relata que os
princípios da administração são subdivididos em divisão de trabalho, autoridade e responsabilidade,
disciplina, único mando, única direção, subordinação de interesse individual ao interesse geral,
remuneração, centralização, hierarquia de autoridades, ordem e espirito de equipe e Taylor (1983)
complementa que engloba a organização cientifica do trabalho, a seleção e treinamento do trabalhador,
a cooperação e remuneração por rendimento individual e responsabilidade e especialização dos
direitos do trabalho.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 4 44


De acordo com Martínez (2009) a gestão administrativa teve seu início nos primórdios, onde
membros de tribos trabalhavam em atividades de caça, pesca e colheita, sendo que os chefes de
família desempenhavam a autoridade de tomada de decisões de maior importância, surgindo assim
a divisão primitiva de trabalho, originada por diferentes capacidades entre os sexos e idades dos
indivíduos integrantes da sociedade. Assim, ao trabalharem em grupo, surgiu de maneira incipiente
à administração, como esforço da sociedade para alcançar um fim determinado que requeria a
participação de diversas pessoas.

No período agrícola surgiu a agricultura e assim a vida sedentária, pois os seres humanos
notaram que os grãos poderiam ser semeados, prevalecendo à divisão de trabalho, por idade e sexo,
acentuando-se a organização social do tipo patriarcal, no qual a caça, a pesca e a colheita passaram
a ter uma importância secundaria na economia agrícola de subsistência (MAZOYER; ROUDART,
1998).

Com o crescimento demográfico os homens foram obrigados a coordenar melhor seus esforços
no grupo social e, em consequência, a melhorar a aplicação da administração, sendo o controle do
trabalho coletivo e o pagamento de tributos, as bases em que se apoiavam estas civilizações e o que
exigia uma maior complexibilidade na gestão administrativa (MARTÍNEZ, 2009).

Na revolução industrial surgiram diversos inventos e descobrimentos que proporcionaram


o desenvolvimento da industrias e consequentemente grandes mudanças na organização social.
Nesse período surgiram a especialização e a produção em série fazendo com que o processo de
administração continuasse crescendo, principalmente, com bases cientificas, entretanto, ainda era
caracterizada pela exploração humana do trabalho com horários excessivos e ambiente de trabalho
insalubre, influenciada pelo espirito liberal da época, que concernia ao empresário grande liberdade
de ação (MARTÍNEZ, 2009).

No século XX, com o crescente desenvolvimento técnico e industrial, a atividade de


administração se consolida, surgindo à administração científica, sendo Frederick Winslow Taylor
seu precursor. Daí em diante, muitos autores concentraram esforços ao estudo da administração
(FISCHMANN; ALMEIDA, 1991; BERGAMINI, 2006; SLACK et al., 2006; JACOBS; CHASE,
2009; DUTRA et al., 2017), indispensável em qualquer atividade organizada, sendo imprescindível
para o bom funcionamento de qualquer organismo social (MARTÍNEZ, 2009).

3. A PREOCUPAÇÃO AMBIENTAL CONTEMPORÂNEA E O POSICIONAMENTO


EMPRESARIAL

A preocupação com o meio ambiente foi abordada primeiramente pelo “Clube de Roma”,
um órgão colegiado liderado por empresários que, por meio da publicação intitulada “Limites do
Crescimento” de 1972, abrangeu em termos catastróficos o futuro do planeta, caso a sociedade
mantivesse os padrões de produção e consumo vigentes à época.

Em 1972, em Estocolmo, Suécia, realizou-se a primeira Conferência das Nações Unidas

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 4 45


para o Meio Ambiente (MEADOWS et al., 1972) e em 1987 publicou-se o relatório “Nosso Futuro
Comum” (CMMAD, 1988), responsável por divulgar o conceito de Desenvolvimento Sustentável,
ou seja, que atende às necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das futuras
gerações (WILKINSON et al., 2001). Em 1992 realizou-se a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), ou a ECO-92, a qual fortaleceu a necessidade da
sociedade como um todo de projetar o desenvolvimento sustentável, cuja base está embasada em
mudanças paradigmáticas no modo de idealizar e implantar ações econômicas, políticas e sociais, que
considerem os impactos dessas atividades sobre o meio ambiente. Já em Kioto (1998), conduziu-se
a discussão sobre a emissão de gases poluentes e os esforços necessários para evitar o aquecimento
global que foi concretizado na Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável, também conhecida como Rio Mais 10 em 2002.

A concepção da preocupação com o meio ambiente faz com que o ser humano sinta-se
ameaçado, sujeitando-o a perceber que ele é parte da natureza, estando fortemente ligado a ela, e
que, portanto, destruir o meio ambiente é destruir a si próprio e a seus descendentes. Esse paradigma
exige que a proteção ao meio ambiente seja garantida pela ação conjunta entre agentes políticos,
econômicos e sociais, cabendo também às empresas grande parcela de responsabilidade para que se
atinja o desenvolvimento sustentável (MOTTA; ROSSI, 2003).

Slack et al. (2006) relataram que a relevância do impacto ambiental está diretamente
relacionada à quantidade da população consumidora e ao seu processo produtivo, sendo o controle
demográfico um assunto relevante e muitas vezes intratável, cabendo às empresas garantirem que
seus produtos e processos de fabricação sejam menos poluentes (JIMENEZ; LORENTE, 2001).
Contudo, a inserção da variável ambiental, no âmbito dos negócios depende da natureza do negócio
da empresa e/ou do grau de conscientização dos administradores (DONAIRE, 1994; CORAZZA,
2003). Por isso, a maior parte dos pesquisadores em gestão ambiental averiguam a conscientização
ambiental empresarial através de diversos estágios evolutivos, que transparecem o discernimento de
determinada organização para com o tratamento das questões ambientais.

A expansão das pesquisas na área de gestão ambiental fez com que as abordagens que
investigam a gestão ambiental nas empresas tendessem a se ampliar, gerando uma profusão de estágios
evolutivos que são muitas vezes equivalentes e que podem receber uma denominação comum, capaz
de estruturar as principais contribuições de cada uma dessas afirmações. Para que seja tratada a
execução da presente proposta de denominação comum dos diversos estágios existentes, o próximo
tópico abrange rapidamente proposições da gestão ambiental nas empresas, discutidas em alguns
trabalhos existentes.

4. A ADMINISTRAÇÃO E O MEIO AMBIENTE – MÉTODOS DE GESTÃO AMBIEN-


TAL E SEUS ASPECTOS DELIBERATIVOS

O termo gestão ambiental concerne ao conjunto de políticas e práticas administrativas e


operacionais, levando em conta a saúde e a segurança das pessoas, além da proteção do meio ambiente

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 4 46


através da mitigação de impactos ambientais, decorrentes do planejamento, implantação, operação
ou desativação de empreendimentos ou atividades, incluindo-se todas as fases do ciclo de vida do
produto (ROHRICH; CUNHA, 2004). Através disso, pode-se dizer que a gestão ambiental engloba
as atividades de planejamento e organização do tratamento da variável ambiental pela empresa, com
o objetivo de alcançar alvos ecológicos específicos (SEIFFERT, 2005).

As pesquisas nessa área demonstram usualmente taxonomias próprias, que esboçam estruturar
as diversas formas da relação empresa/meio ambiente. Estas propostas assumem uma evolução das
formas de integração ambiental na organização, onde são admitidos modelos de classificação com
três, quatro ou cinco classes, para caracterizar a preocupação da empresa com aspectos ambientais
(ROHRICH; CUNHA, 2004).

A expansão das taxonomias da gestão ambiental foi embasada nos trabalhos de Caroll (1979) e
de Wartick e Cochrane (1985), os quais apresentaram análises da responsabilidade social da empresa na
concepção de escalas evolutivas. Como decurso, essa visão embasada em estágios foi demasiada para
análise da gestão ambiental empresarial, apurando-se que há uma tendência de expansão do número
de nomenclaturas para a gestão ambiental, que são complementadas pela expansão quantitativa dos
trabalhos científicos nessa área (FISCHER; SCHOT, 1993; ROSEN, 2001).

A degradação ambiental sempre acompanhou o modelo de modernização que, de tal maneira,


empolga governantes e lideranças e, da mesma forma, os cientistas sociais que propagam a consciência
ecológica nos dias atuais, ou seja, um tipo de desenvolvimento refratário a tais práticas de tal forma
que torne possível a preservação ambiental assim como o aumento da riqueza (BRULLE, 2010). Um
papel de destaque é onerado à administração na tentativa de ser entendida como idílica e não apenas
utópica, irreversível e trágica quando não adequadamente elaborada (PIZZA, 1991).

As organizações formais exigem dos seus integrantes um tipo de comportamento debatedor


com os seus objetivos produtivos, pois não é possível sustentar processos de fabricação de bens
e materiais, muitas vezes desnecessários, se a sociedade não explorar um julgamento moral sobre
questões como as ações poluidoras sobre o meio ambiente, regras de conduta, capacidade de julgar
atividades nocivas, muitas vezes com o uso de técnicas questionáveis, que são exemplos de como
as organizações formais podem desestruturar o senso crítico dos seus participantes, induzindo-os a
atitudes inexatas (PIZZA, 1991).

Ultimamente tem crescido o número de estudiosos que relatam que, para alcançar vantagens
competitivas, torna-se necessário que as empresas maximizem seu retorno do mesmo modo que
desenvolvem progressos relacionados à implementação de práticas ambientais nos negócios (LEE,
2009). Essa conexão se baseia em pesquisas que evidenciaram que uma estratégia ambiental
proativa lidera o desenvolvimento de importantes capacidades organizacionais que podem elevar a
competitividade das indústrias (ARAGON-CORREA; SHARMA, 2003).

A gestão ambiental, segundo D’Avignon (1996), é o componente da função gerencial que trata,
determina e implementa a política de meio ambiente estabelecida para uma determinada empresa. Pela
norma NBR Série IS0 14001, a política ambiental é a declaração da organização, com a exposição de
suas intenções e princípios relacionados ao seu desempenho ambiental global, dispondo uma estrutura

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 4 47


para a ação e para a definição dos objetivos e metas ambientais. Com isso, ela estabelece a orientação
e fixa os princípios de ação para a organização. Já Reis e Queiroz (2002) definem política ambiental
como a declaração de comprometimento empresarial com o meio ambiente, sendo à base do sistema
de gestão da empresa.

Já no que repercuti as diferenças de comportamento das organizações em relação ao meio


ambiente, Abreu et al., (2008), averiguaram que o tamanho, medido pelo número de empregados
ativos em uma empresa, é uma das principais variáveis estruturais que mais parece influenciar nas
ações ambientais da mesma. A conjectura desses autores é sobre diferentes aspectos de como grandes
empresas que possuem mais recursos para investir na gestão ambiental sofrem maior pressão dos
ambientes social e econômico e constantemente são o foco principal de governos locais e ONGs
ambientais.

A escala da empresa permite que sua gestão exteriorize a gestão ambiental, requerendo
investimentos em tecnologia, recursos humanos ou certificações, que são similares para todas
as empresas, independentemente do seu tamanho, sendo que os esforços ambientais das grandes
empresas têm impacto positivo sobre grande número de clientes (Abreu et al., 2008). De contra
partida, Lee (2009) certificou que pequenas e médias empresas detêm algumas vantagens em relação
às grandes, pois essas empresas possuem linhas de comunicação mais informais, estruturas mais
flexíveis, pessoas versáteis e acesso aos gestores de topo mais facilitado.

A opção por medidas ambientalmente corretas e responsáveis é incentivada por razões


internas como a diminuição de custos, a atualização de tecnologias, a otimização de processos
produtivos, o desenvolvimento cultural interno ecologicamente correto, assim como razões externas
como a tendência à prevenção de acidentes ambientais a partir da sociedade e procuras das partes
interessadas como as agências financiadoras, a comunidade local, as organizações da sociedade civil
e o governo (SCHENINI, 2005). Souza (2002) ressalta que além dessas regulamentações ambientais,
dos mercados e das fontes de recursos, a sociedade civil organizada tem um importante papel,
principalmente através dos movimentos ambientalistas.

Na teoria dos stakeholders (FREEMAN, 1984), a influência das partes interessadas é


mencionada por Bansal e Roth (2000) como responsável pela adoção da gestão ambiental proativa
por parte das empresas que têm descoberto que uma estratégia proativa requer mais que uma simples
adequação às políticas governamentais. González-Benito e González-Benito (2006) se referem a
Clarson (1995) para diferenciar o que ele denomina stakeholders primários, definindo como indivíduos
ou grupos de indivíduos cuja participação e suporte são essenciais para a sobrevivência das empresas
e de terceiros que afetam e/ou são afetados pela organização, mas que não estão envolvidos nas
transações organizacionais, como a mídia e as organizações ambientalistas.

Diferentes classificações são descritas por autores que diferenciam em termos de número
de níveis para caracterização da preocupação das empresas com a questão ambiental (ROHRICH;
CUNHA, 2004; JABBOUR; SANTOS, 2006), sendo destacados três níveis: (1) controle da poluição,
(2) prevenção da poluição, (3) ações corretivas, preventivas e antecipatórias diante da possibilidade
de problemas ambientais (BARBIERI, 2004). Hunt e Auster (1990) demonstram uma classificação

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 4 48


com cinco estágios variando desde a ausência ou presença limitada de ações de gestão ambiental até
a presença de programas difundidos por toda a empresa. Quando as questões ambientais estão no
último nível, elas são fundidas as metas, políticas e estratégias da empresa. Segundo Sanches (2000)
esse comportamento condiz como proativo e Rohrich e Cunha (2004) constataram que organizações
brasileiras, por exemplo, demonstram diferentes comportamentos em relação às questões da gestão
ambiental, inclusive nos casos em que observaram a existência de um sistema certificado conforme a
NBR ISO 14.001, onde reconheceram diferenças de comportamento gerencial considerável entre as
organizações.

Esta revisão mostra que há muitos pesquisadores para os quais as estratégias voltadas à
gestão ambiental podem trazer vantagens competitivas para as empresas. Callenbach et al., (1993),
por exemplo, aderiram o conceito de sustentabilidade e a questão do retorno financeiro à discussão
dizendo que através da sustentabilidade ambiental, as organizações podem garantir sua rentabilidade
de longo prazo e utilizá-la como critério para posicionamento estratégico.

A decorrência desses estudos e suas conclusões provocam mudanças nos sistema de produção
e operação das empresas e segundo Gupta (1994), essas práticas são classificadas em dois grupos:
práticas relacionadas aos produtos (esforços de design que buscam a eliminação de poluentes e
materiais perigosos) e práticas relacionadas aos processos (desenvolvimento e na implementação de
uma maior consciência na produção, nos métodos e nos processos operacionais).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O importante crescimento das atividades responsáveis pela variável meio ambiente dentro
de uma organização se dá a partir do momento em que a empresa tem a responsabilidade de que
uma certa atividade pode se tornar um ideal local de oportunidades de abrandamento de custos.
Este fato pode ser concedido através do aproveitamento e da venda dos resíduos, assim como do
aumento das possibilidades de reciclagem e/ou através da exploração de novos componentes e novas
matérias-primas que resultem em produtos finais mais confiáveis e tecnologicamente mais limpos.
Essa consequência torna-se fácil de ser adotada se percebermos que qualquer melhoria adquirida, na
questão de efluentes de uma empresa, sempre representará um indiscutível ganho de energia ou de
matéria compreendida no processo de produção.

Nessa perspectiva para que haja a real consolidação da área de meio ambiente dentro de uma
organização, a empresa deve potencializar ao máximo suas atividades, esforçando-se para a integração
profissional consciente, com interesse em que os objetivos organizacionais sejam alcançados.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 4 49


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DOI 10.29327/53722-4

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 4 51


CAPÍTULO 5

POLÍTICAS PÚBLICAS DE LEITURA NO BRASIL E O


DESAFIO NA FORMAÇÃO DE LEITORES1

NELZIR MARTINS COSTA the practice of reading and training readers. This
1

UFT, Campus de Araguaína e FAPAC ITPAC article presents a social-historical approach to the
Porto Nacional programs and reading plans already developed in
Brazil, with the purpose of providing an unders-
MÁRCIO ARAUJO DE MELO tanding of the paths traveled by the country to
UFT, Campus de Araguaína the present day and their results in the process of
democratization of access to books and reading.
The course outlined shows that, despite the high
investments, the many actions and programs,
RESUMO: A leitura proficiente é uma habili- much still needs to be done, including deciding
dade imprescindível para o exercício da cidada- which type of reader is truly intended to be for-
nia, exigidas nas formas de letramentos sociais. med in the country.
Assim, um país que objetive crescer e tornar sua
população desenvolvida, necessita investir em KEYWORDS: Public Policies. Reading. Profi-
políticas públicas de incentivo à prática leitora ciency. Democratization of the book.
e formação de leitores. O presente artigo apre-
senta uma abordagem histórico-social sobre os
programas e planos de leitura já desenvolvidos
no Brasil, com o propósito de propiciar a com- 1 INTRODUÇÃO
preensão dos percursos trilhados pelo país até os
dias atuais e os resultados destes no processo de Compreendida como uma prática
democratização de acesso ao livro e incentivo à
intrínseca à formação humana e necessária ao
leitura. O percurso traçado evidencia que, apesar
dos altos investimentos, das inúmeras ações e desenvolvimento social, o ato de ler se constitui
programas, muito ainda precisa ser feito, inclusi- como uma necessidade básica. A leitura,
ve decidir qual tipo de leitor, verdadeiramente, se imprescindível no mundo globalizado, atua não
pretende formar no país.
apenas como um instrumento de inclusão social,
mas também de formação e realização pessoal,
PALAVRAS – CHAVE: Políticas Públicas. Lei-
visto que entre as várias funcionalidades, também
tura. Proficiência. Democratização do livro.
diverte, descontrai e provoca fruição.

ABSTRACT: The proficient reading is an essen- Essa sua função de entretenimento


tial skill for the exercise of citizenship, required deve ser enfatizada quando se pretende formar
in the forms of social literacy. Thus, a country
that aims to grow and develop its population leitores, geralmente a visão que se tem do ato
needs to invest in public policies to encourage de ler é apenas de formação cultural, ampliação
1 Este artigo trata-se de um recorte do primeiro capítulo da Tese de Doutorado “Programa Nacional Biblioteca da
Escola (PNBE) 2013: Literatura e as relações étnico-raciais na escola”, ainda em construção.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar 52


de conhecimento. Martins (2007) afirma que o lado prazeroso e otimista do aprendizado da leitura
possibilita a impressão do mundo estar ao alcance do leitor, favorecendo não apenas a sua compreensão,
mas a convivência, a sua modificação à medida que se incorpora experiências de leitura.

O Brasil possui um estigma de país não leitor, sendo comum ouvir a afirmação de que os
brasileiros não gostam de ler, entretanto pesquisas recentes como “Retratos da Leitura no Brasil”2,
em sua quarta edição, realizada nos meses finais de 2015 demonstram o contrário, apresentando
um crescimento em relação ao interesse e gosto dos pesquisados pela leitura, superando os dados
apresentados em sua edição anterior (2011). A pesquisa contou com uma amostra de 5.012 entrevistas
com pessoas acima de 5 anos, não possuindo parâmetro para a idade máxima, de ambos os sexos,
alfabetizados ou não (PRÓ-LIVRO, 2016, p. 21).

É importante ressaltar que em Retratos da Leitura no Brasil para ser considerado leitor, o
entrevistado deverá ter lido pelo menos 1 (um) livro, inteiro ou em partes, nos últimos três meses.
Desse modo, outros suportes de leitura não são considerados, bem como situações que possam ter
ocorrido na vida de leitores e que, por alguma circunstância, possam tê-los impedido de ler nos
últimos meses. A visão de leitor com estes critérios fica bem mais limitada, todavia, mesmo assim, os
resultados demonstram o interesse das pessoas pela leitura.

Fica evidenciado um crescimento em relação às pesquisas anteriores, visto que, em 2007,


55% dos entrevistados foram considerados leitores; em 2011 houve um decréscimo para 50% e em
2015 esse índice foi elevado a 56%. Um dado interessante que a pesquisa revela é que a maioria dos
leitores pesquisados, 25% declararam o gosto como motivação para ler um livro; 19% para atualização
cultural ou conhecimento geral e 15% para distração (FAILA, 2016, p. 192). Ou seja, se somarmos
o quantitativo de quem ler por gosto, com aqueles que leem para distração (o que se assemelha),
obteremos um quantitativo de 40%.

Esses dados classificam a leitura por fruição à frente da leitura com fins de atualização cultural
ou ampliação de conhecimentos em geral. Entre os lugares em que costumam realizar a leitura dos
livros, em três edições da pesquisa, a casa foi citada em primeiro lugar, a sala de aula em segundo e
as bibliotecas em geral em terceira posição (PRÓ-LIVRO, 2008, p. 32).

Nesse sentido, verifica-se a importância da família e da escola como espaços mediadores e


incentivadores de leitura. Azevedo (2007), afirma que é na escola que a maioria das crianças travam o
primeiro contato com livros. Corrêa (2007) em seu texto “Adolescentes leitores: eles ainda existem”,
frisa que concorda com os pesquisadores que dizem que a família vem em primeiro lugar no incentivo
e na formação do leitor, também considera que a escola ocupa a segunda posição.

O presente artigo objetiva analisar a importância dos planos e programas de leitura


desenvolvidos no Brasil com o propósito de incentivar a formação de leitores, quer no âmbito escolar
ou por meio do incentivo da família. Para isso, traça um percurso das principais ações de políticas

2 A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil encontra-se na 4ª edição, realizada no período de 23 de novembro a 14


de dezembro de 2015. Teve sua primeira edição no ano 2000. É realizada e coordenada pelo Instituto Pró-Livro com o
apoio de outras instituições. O Pró-Livro foi criado e mantido pelas entidades do livro (Abrelivros, CBL e SNEL), iniciou
suas atividades em 2007 e declara que a sua missão é transformar o Brasil em um país de leitores. A amostra brasileira
para o PISA 2015 foi composta por 23.141 estudantes e 8.287 professores de 841 escolas. (PRÓ-LIVRO, 2016).

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 5 53


públicas de leitura já adotados no país.

2 AS HABILIDADES DE LEITURA DO BRASILEIRO

A avaliação de PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes3 é outro indicador


do desenvolvimento de competências e habilidades em três áreas do conhecimento: questões de
leitura, interpretação e conteúdo das áreas de Matemática e Ciências. Estudantes de 70 países, com
idade entre 15 anos e 2 meses e 16 anos e 3 meses participam dessa avaliação, que é realizada por
amostragem.

Na disciplina de Língua Portuguesa, para avaliar as habilidades leitoras, é utilizado o termo


de letramento em leitura que “refere-se a compreender, usar, refletir sobre e envolver-se com textos
escritos, a fim de alcançar um objetivo, desenvolver conhecimento e potencial e participar da
sociedade” (BRASIL, 2016. P. 92).

Segundo o relatório realizado sobre a sistemática da avaliação e seus resultados, “o termo


‘letramento em leitura’ é preferível à ‘leitura’ porque pode informar com maior precisão, ao público
não especializado, o que o PISA está medindo” (BRASIL, 2016, p. 92). Parte-se do pressuposto de
que ler não se restringe à mera decodificação, por isso a definição de letramento, que consiste na
utilização da língua nas modalidades de leitura e escrita com uma funcionalidade social, conforme
Soares (2004).

Street (2014) valida a importância de a escola trabalhar o desenvolvimento dessas habilidades


para a utilização da leitura e da escrita como práticas sociais, processo que denomina de “modelo de
letramento ideológico”. Todavia, os resultados obtidos nas avaliações de PISA, em Língua Portuguesa,
indicam que os estudantes brasileiros se encontram, majoritariamente, no “modelo autônomo de
letramento”, designado por Street (2014) como aquele em que as habilidades de leitura e escrita estão
descontextualizadas de sua função social, distantes das múltiplas e diversas interações sociais.

Os resultados indicam que o percentual de estudantes que acertaram cada um dos itens de
leitura no Brasil foi de 41,4%. A média obtida pelo país foi de 41,3%, inferior à média dos demais
países da OCDE (Finlândia, Canadá, Coreia do Sul, Portugal, Espanha e Chile). Apenas 0,14% dos
estudantes brasileiros alcançaram o nível 6 (seis), considerado o mais alto na proficiência de leitura;
1,31% alcançaram o nível 5 (cinco) e 6,36%, o nível 4 (quatro). A maioria, 26,52% ficou no nível
subdividido entre 1a e 1b.4

3 O PISA tornou-se uma importante referência de avaliação educacional em larga escala no contexto mundial.
Desde a sua primeira edição, em 2000, o número de países e economias participantes têm aumentado a cada ciclo. Em
2015, 70 (setenta) países participaram do PISA, sendo 35 deles membros da OCDE e 35 países/ economias parceiras
(PISA, 2016, p. 19).
4 A avaliação PISA possui uma escala de letramento em leitura que objetiva captar a progressão de complexidade
e dificuldade dos participantes. Em 2015, houve uma modificação baseando-se na escala utilizada em 2009, dividindo-a
em sete níveis de proficiência. O nível mais alto é o 6 (antes de 2009, era o 5); o mais baixo, 1b (neste classifica-se aqueles
que nas edições anteriores se enquadravam como “estudantes abaixo do nível”).

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 5 54


Uma reportagem veiculada na mídia (Folha UOL)5, no dia 19 de julho de 2018, informa que
uma pesquisa inédita capitaneada pelo professor Naercio Menezes Filho, do Insper e da USP, revelou
que 61% dos alunos brasileiros não conseguem chegar ao fim da prova na avaliação de PISA. Índice
que entre os finlandeses é de 6% e nos colombianos corresponde a 18%.

O professor enfatiza em sua pesquisa que entre os fatores que contribuem para esse resultado
estão as dificuldades em leitura: “os alunos não sabem o que é pedido, ou têm dificuldade de entender
os enunciados” (Folha Uol, 2018).

Os dados evidenciados pelo INAF – Indicador de Alfabetismo Funcional 2015 – Estudo


especial sobre alfabetismo e mundo do trabalho6 -, realizado pelo Instituto Paulo Montenegro
também referendam as informações apresentadas pela pesquisa e avaliação citadas anteriormente.
Segundo o INAF (2016), a progressiva ampliação da escolaridade da população brasileira tem
refletido na melhoria das condições de alfabetismo dos jovens e adultos brasileiros no sentido de
reduzir, significativamente, a proporção de pessoas nos níveis mais baixos da escala de proficiência
e aumentando os níveis intermediários. Entretanto, não resultou em nenhum aumento no grupo mais
alto da escala de proficiência, permanecendo estagnado em relação às pesquisas anteriores.

3 A NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE LEI-


TORES

Conforme os dados constatados pelo INAF, a proporção de pessoas com alfabetismo pleno no
Brasil, oscila em torno de 25% desde a sua primeira edição em 2001. O nível básico de alfabetismo
do brasileiro corresponde a 47%, enquanto 27% foram classificados como analfabetos funcionais
(INAF, 2016, p. 07), considerando os 4% de analfabetos mais os 23% na escala rudimentar. Logo,
enquadrando aqui pessoas que não possuem habilidades de leitura e escrita e aquelas que as possuem
minimamente, o suficiente para realizar atividades elementares e operações simples do cotidiano.

Apenas 8% dos participantes alcançaram a escala de proficiência, demonstrando competência


para compreender e interpretar textos e resolverem problemas com múltiplas variedades nos diferentes
contextos de atuação; 42%, maioria dos pesquisados, foram classificados no grupo elementar, ou seja,
são pessoas capazes de identificar duas ou mais unidades de informações em textos diversos, com
extensão média, realizam pequenas inferências e resolvem problemas utilizando as operações básicas
com exigência de algum grau de planejamento e controle (INAF, 2016).

Embora se constituam em instrumentos diferenciados de pesquisas com objetivos distintos,


seus resultados acusam a necessidade de investimentos em políticas de formação de leitores no país.
Ações que devem ultrapassar as estratégias técnicas e instrumentos disponíveis nas escolas, nas
bibliotecas, nos centros de educação e cultura, locais de trabalho e lares, cujo foco deve centrar-se
no desenvolvimento social e econômico, voltado para a maioria da população, conforme defende

5 Alunos brasileiros não chegam ao fim de prova em avaliação mundial. Disponível em: http://www1.folha.uol.
com.br. 19/07/2018. Acesso em 20/07/2018.
6 No INAF 2015 foram entrevistadas 2002 pessoas entre 15 e 64 anos de idade residentes em zonas urbanas e
rurais de todas as regiões do país (INAF, 2016).

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 5 55


Marques Neto (2016).

Desse modo, políticas públicas devem ser estrategicamente elaboradas para sanar as
necessidades básicas e promover desenvolvimento nos aspectos que mais merecem atenção. Mendes
et. al. (2010), conceituam que tais políticas são produtos de pressões políticas de grupos da sociedade
civil, cuja organização e influência política conseguem sensibilizar o governo em prol de suas causas.

Partilhando da mesma compreensão, Machado (2015) conceitua políticas públicas como uma
estratégia pensada, com planejamento, formulação, implementação e avaliação tanto por parte do
Estado como pela sociedade. Seu foco principal é a concretização dos direitos sociais e dos direitos
de cidadania já conquistados pela sociedade, portanto, as políticas públicas emergem na busca pela
concretização dos direitos sociais a fim de assegurá-los.

Em toda a sua história, o Brasil possui um percurso de desigualdades e injustiças sociais


que precisam ser reparadas. A desigualdade em relação ao acesso e democratização à leitura é um
aspecto urgente e necessário e, infelizmente, a preocupação com essa situação ainda é recente. É fato
que quanto menos escolarizado e/ou menos letrado, maior a exclusão, a objetificação e exploração
no mercado de trabalho. Pessoas usadas como mão de obra barata e muitas vezes, como massa de
manobra por políticos inescrupulosos, aumentando a pobreza e a desigualdade social.

Pereira (2007) aborda sobre essa questão ao defender que, em um país como o Brasil, marcado
por fortes desigualdades, o desenvolvimento de competências de leitura e produção dos mais variados
gêneros textuais funciona como um dos mais seguros mecanismos para ascensão social. E que seu
inverso, poucas habilidades de leitura e escrita, se caracteriza como um dos mais eficientes sistemas de
exclusão do mundo, principalmente agora, na atualidade, onde as demandas de leitura se ampliaram,
ultrapassando o âmbito do texto impresso, se expandindo em muitos outros suportes.

Estudos indicam que somente após a década de 1930, o país demonstrou interesse em investir
em ações de incentivo à leitura. Lembrando que, segundo o IBGE, em 1920, 65% da população
brasileira com 15 anos ou mais era considerada analfabeta, cerca de 11.409.000 pessoas; em 1940,
o índice era de 56,1%. O país chegou à década de 1990 com 18.682.000 analfabetos (19,7% da sua
população), conforme o Censo de 1991 (BRASIL, s.d.). A última publicação Informativo PNAD –
Contínua: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua, em Educação 2016, divulgou
que ainda há 11,8 milhões de analfabetos no país, o equivalente a 7,2%. Para o IBGE é considerada
alfabetizada aquela pessoa capaz de ler e escrever um bilhete simples, o que passa pela compreensão
mínima da funcionalidade da língua nas interações sociais.

Diante dos quadros apresentados, o país, a partir de 1930, planejou e executou algumas
políticas de relevância tanto para a democratização do ensino, quanto da leitura, ainda que algumas
não tenham obtido resultados exitosos.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 5 56


3.1 ALGUNS DOS PROGRAMAS DAS POLÍTICAS DE INCENTIVO À FORMAÇÃO DE
LEITORES

Uma das primeiras ações para formação de bibliotecas no Brasil, surgiu na década de 1930,
quando o país experienciava um momento de transformação política, social, cultural e econômica.
Havia um contexto de defesa da “Escola Nova”, movimento baseado nas ideias de John Dewey,
estudioso norte-americano, que propunha uma ruptura com o sistema educacional no qual o aluno,
visto como passivo, passasse a ser considerado como o sujeito ativo da sua aprendizagem.

Nesse período de mudanças e reivindicações, foi criado o INL - Instituto Nacional do Livro,
em 21 de dezembro de 1937, por iniciativa do Ministro da Educação e Saúde7, Gustavo Capanema,
governo de Getúlio Vargas. O Decreto Lei N. 93/1937, transformava, em seu Artigo 1º, o Instituto Cairú8
no Instituto Nacional do Livro, cujas atribuições competia em organizar e publicar a Enciclopédia
Brasileira e o Dicionário da Língua Nacional, providenciando as edições sucessivas necessárias;
incentivar e promover a edição de obras raras ou preciosas para a cultura nacional; promover medidas
necessárias para aumentar, melhorar e baratear a edição de livros no país e incentivar a organização e
auxiliar na manutenção de bibliotecas públicas em todo o território nacional (BRASIL, 1937).

A expansão do Instituto Cairu em INL foi uma medida para atender as demandas do Plano
Nacional de Educação que estava sendo implantado, traçando políticas públicas do período Vargas
– Capanema. Entre as prioridades do Instituto Cairu constavam publicações originais de livros,
revistas ou jornais, a criação de bibliotecas permanentes e itinerantes, cursos de biblioteconomia e de
remessas de publicações culturais de forma regular e gratuita às bibliotecas instaladas (TAVARES,
2016). Dessa forma, o INL encampou as ações do instituto e planejou expandi-las através de metas e
objetivos mais abrangentes.

Por se tratar de um período de regime ditatorial, governo Vargas, onde a censura estava
presente, o INL se encarregou, inclusive, de assegurar a homogeneização da cultura nacional, através
da afirmação de uma identidade própria, por meio da imposição de ideias e da não aceitação de
posicionamentos contrários aos do governo. Assim, surgiu o “Depósito Legal”, normativa que
obrigava as editoras a encaminhar uma cópia de toda e qualquer obra publicada ao instituto, que a
avaliaria aprovando ou não a sua circulação (CALDAS; TÁLAMO, 2016).

Caldas (2005), afirma que nesse período vários escritores tiveram suas obras confiscadas pelo
DEOPS (Delegacia de Ordem Política e Social) e pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda).
Dentre eles, autores consagrados contemporaneamente: José Lins do Rêgo e Jorge Amado, cujas
obras foram não apenas confiscadas, mas incineradas publicamente por serem consideradas impuras.

Entre as obras confiscadas estavam Capitães de Areia; Mar Morto; Cacau; Jubiabá (Jorge
Amado) e Menino de Engenho (José Lins do Rêgo). Várias editoras e papelarias também sofreram

7 O Ministério da Educação e Saúde foi renomeado em 1953 como Ministério da Educação e Cultura (MEC).
8 Instituto criado em 1935 com o objetivo de proteger o patrimônio bibliográfico e organizar e publicar a Enciclo-
pédia Brasileira. Cabia ao Instituto Cairu z publicação do primeiro volume e dar continuidade às sucessivas publicações.
A Biblioteca Nacional foi instalada em 1937 sob a gerência do Instituto Cairu.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 5 57


sanções por parte desses departamentos de fiscalização. Baseando-se na ação repressora do INL fica
evidente que a sua maior preocupação não estava relacionada à formação de leitores.

Assim, o INL não obteve resultados relevantes na formação de práticas leitoras, visto que as
bibliotecas eram consideradas mais como depósitos de livros do que como espaços de leitura. Também
não conseguiu produzir a enciclopédia Brasileira e o Dicionário da Língua Nacional (OLIVEIRA,
1994; OTICICA, 1997), entretanto não se pode desconsiderar a sua importância para o país. Há um
consenso entre os estudiosos da área de que essa instituição conseguiu desempenhar uma função
importante nas políticas para o livro, principalmente para as bibliotecas, todavia deixou a desejar em
relação a uma política de conscientização da importância do livro e da leitura na formação humana,
educacional e cultural da população (ROSA; ODDONE, 2006; PAIVA, 2008; OLIVEIRA; PRADOS,
2015.

Em 1987, o INL deixou de ser uma instituição independente, sendo unificada à Biblioteca
Nacional, passando a constituir a Fundação Nacional Pró-Leitura, por meio da Lei N. 7.624 (PAIVA,
2008).

A Lei N. 7.624/ 1987 criou juntamente com a Fundação Pró-Leitura, mais duas instituições:
a Fundação Nacional de Artes Cênicas (FUNDACEN) e a Fundação do Cinema Brasileiro (FCB), o
que demonstra uma abertura para a expansão da leitura e da arte na sociedade brasileira.

A Fundação Nacional Pró-Leitura durou apenas três anos, sendo extinta em 1990, durante o
governo Collor. As suas atribuições, acervo, receitas e dotações orçamentárias foram transferidas para
a Biblioteca Nacional (CALDAS; TÁLAMO, 2016; MEDEIROS; ALMEIDA; VAS, 2014).

A partir da década de 1990, é evidenciada na educação brasileira uma preocupação maior


com a formação de leitores, sendo visibilizada na preocupação em desenvolver ações voltadas para a
leitura literária. Como produto desse foco, surge o PROLER.

Criado pelo Decreto N. 519 de 13 de maio de 1992, vinculado à Fundação Biblioteca Nacional,
no Ministério da Cultura, o programa possuía como objetivo contribuir com a ampliação do direito à
leitura promovendo o interesse nacional pelo hábito da leitura; estruturar uma rede de projetos capaz
de consolidar, em caráter permanente, práticas leitoras, e ainda, criar condições de acesso ao livro
(BRASIL, 1992). Não consta, entretanto, em suas estratégias de atuação, a distribuição de livros, ou
complementação de acervos para bibliotecas.

O idealizador do programa foi o poeta Affonso Romano de Sant’Anna, que presidiu a


Biblioteca Nacional durante seis anos, no período de 1990 a 1996. A proposta surgiu a partir de um
trabalho realizado pela professora Eliana Yunes, no Rio de Janeiro, nos anos de 1984 a 1989, quando
desenvolvia com seus alunos da PUC no Rio, na Fundação Biblioteca Nacional, uma pesquisa que
objetivava encontrar na legislação brasileira, subsídios legais de amparo à construção de uma política
pública de leitura. Os resultados não foram animadores.

Diante do quadro diagnosticado em sua pesquisa, ao assumir a direção da Fundação Nacional


do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), no ano de 1985, a professora Yunes considerou a possibilidade de
avaliar como era realizado o trabalho com a literatura infantil e a leitura nas salas de aula da educação

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 5 58


básica (BRETAS, 2009; WEIERS, 2011). Assim, propôs estratégias e ações que consideravam
pertinentes e acertadas para fortalecer o trabalho com a literatura em sala de aula. Entre estas, a
mobilização de diversas instâncias da sociedade, a capacitação de professores e mediadores de leitura,
as quais foram utilizadas posteriormente no PROLER.

Um programa macro, espalhado pelo país, a atuação do PROLER se efetiva por meio de uma
rede de comitês sediados em prefeituras, secretarias de estados e municípios, fundações culturais ou
educacionais, universidades e outras entidades públicas e privadas. Há uma estruturação de comitês
regionais nas cinco regiões do país. Todos são vinculados ao programa mediante um termo de parceria.
As universidades têm atuado de forma decisiva na execução desse programa, contribuindo para o seu
fortalecimento e credibilidade junto aos professores e escolas participantes. Considerando como um
programa de longa duração, o PROLER completou 26 (vinte e seis) anos em 2016.

Em 1997, partindo da premissa sobre a importância de se investir na formação de leitores e na


democratização do acesso aos materiais de leitura, o Ministério da Educação criou o PNBE – Programa
Nacional Biblioteca da Escola, instituído pela Portaria N. 584, de 28 de abril de 1997, vinculado
à Secretaria de Educação Básica, custeado pelo FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação.

O PNBE possuía o objetivo de, por meio da aquisição e distribuição de livros, incentivar
o hábito da leitura e a formação de alunos e professores leitores, além de apoiar a atualização e o
desenvolvimento profissional docente.

Desta forma, o programa visava não apenas dotar de acervo as bibliotecas das escolas públicas,
mas atender em outras vertentes, inclusive, em um período, atuou doando livros para o acervo familiar
dos alunos (Literatura em Minha Casa). Inicialmente, as escolas eram contempladas conforme a faixa
de matrícula. A partir de 2000, todas as escolas públicas cadastradas no Censo Escolar passaram a ser
atendidas.

A forma de atendimento funcionava de modo alternado, ou seja, em um ano eram contempladas


as escolas de educação infantil, anos iniciais do ensino fundamental e de Educação de Jovens e
Adultos (EJA); no ano seguinte, escolas de anos finais do ensino fundamental e do ensino médio, e
assim, sucessivamente.

Em relação às categorias de aquisições, o programa seguia a seguinte divisão: 1. PNBE


Literário, que avaliava e distribuia as obras literárias com textos em prosa (novelas, contos, crônicas,
memórias, biografias e teatro); 2. O PNBE Periódicos, que avaliava e distribuía periódicos de
cunho didático e metodológico para as escolas de educação infantil, ensino fundamental e médio;
3. O PNBE do Professor, cujo objetivo consistia em apoiar a prática pedagógica dos professores da
educação básica e também da EJA, por meio da avaliação e distribuição de obras de cunho teórico e
metodológico (PNBE, 1997).

Segundo Oliveira (2009), o FNDE se tornou o maior comprador de livros no mundo, nenhum
outro país se iguala aos números gastos pelo FNDE na aquisição de livros para a educação básica.
Rosa e Oddone (2006), ressaltam que essas aquisições, devido ao vultoso montante de recursos

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 5 59


disponibilizado, resultaram em uma grande disputa entre editoras de livros didáticos e paradidáticos
nacionais e, nos últimos anos, até a cobiça de editoras estrangeiras que se instalaram no Brasil.

Inclusive, tornou comum a agremiação entre elas, formando grandes consórcios corporativos
a fim de concorrem e vencerem os editais lançados pelos programas nacionais de aquisição de livros.

Em 2005, após 7 (sete) anos da implantação do PNBE, a Secretaria de Educação Básica do


Ministério da Educação e Cultura (MEC), realizou uma pesquisa sobre a sua efetividade. Dentre as
dificuldades encontradas na execução do programa foram relatadas pelos pesquisados: a dificuldade
e o despreparo dos professores para trabalharem com os acervos recebidos - em virtude da ausência
de formação com abordagens sobre o trabalho com a leitura e a escrita e concepções de linguagem na
prática pedagógica; desconhecimento de estratégias de como aproveitar o material disponível.

A pesquisa diagnosticou ainda que os professores demonstravam angústia pela falta de


tempo para o exercício da própria leitura, confirmando o que Hidalgo e Mello (2016) defendem, ao
argumentar que o governo federal tem se empenhado em adquirir bons títulos para as bibliotecas
escolares, mas que esse esforço não é suficiente. Segundo estes pesquisadores, deve-se internalizar que
o desenvolvimento do hábito de leitura exige a concretização de ações mais amplas, principalmente,
diante do despreparo dos profissionais das escolas para trabalharem com o material recebido.
Exemplificam relatando a situação dos bibliotecários e dos professores, que com uma jornada de
trabalho de 36 a 40 horas semanais, possuem dificuldades muito grande de atuar como mediadores
de leitura.

Observando a trajetória do PNBE, verifica-se que, apesar das dificuldades encontradas em seu
percurso, a sua contribuição foi relevante para a democratização da leitura e acesso a obras literárias
no país. Entretanto, em 2015, o programa foi suspenso temporariamente.

A última remessa de obras pelo PNBE aconteceu em 2014, a sua interrupção está ligada ao
contexto sócio-político que o país atravessa, no qual ocorreu redução e cortes de várias políticas
públicas. O programa foi extinto pelo governo federal em julho de 2017. Segundo notícias veiculadas
nos meios de comunicação na época, o governo sinalizou que somente terá possibilidade de retornar
o envio de novos livros às escolas públicas somente a partir de 2019 (G1. Educação, 2017).

Pesquisadores, escritores e professores se posicionaram contra essa decisão do MEC, a


especialista em literatura e conselheira para o Movimento por um Brasil Literário, Regina Zilberman,
conhecida internacionalmente pelos estudos na defesa da importância da leitura, desabafou em um
veículo de comunicação: “O PNBE acabou tendo o mesmo destino de tantos outros programas
governamentais de promoção do livro e da leitura, interrompidos sem qualquer explicação ou
justificativa”. Desabafo relatado por Moreira (2017) na matéria jornalística “Governo Federal está
desde 2014 sem comprar livros de literatura para escolas públicas (G1. Educação, 2017).

Durante a 18ª edição da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em 01 de setembro de 2017, a


escritora homenageada em cerimônia de comemoração dos 80 anos da Política Pública do Livro, Ana
Maria Machado, que também é membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), solicitou a retomada
de políticas públicas que incentivem a leitura no país. Em seu discurso, a escritora defendeu: “Eu,

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 5 60


muitas vezes, me preocupo que, em um momento de contenção de despesas, a literatura vá perdendo
esse espaço conquistado pelo seu próprio mérito”, conforme relatado por Moreira (2017).

Na época, em uma nota à emissora que veiculou a reportagem, o Ministério da Educação


informou que um substituto para o PNBE já estava em andamento, sendo que o primeiro passo foi
a edição do Decreto N. 9099, de 18 de julho de 2017. Segundo a nota, a medida incorporava ao
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) a obrigação de avaliar e disponibilizar obras literárias,
acervos para bibliotecas e qualificação de materiais para aquisição descentralizada pelos estados da
federação (MOREIRA, 2017).

Como versão do governo, sob o título “Outro Lado”, a jornalista comenta sobre a nota emitida
pelo MEC, na qual informa que o PNBE deixou de ser executado em 2014, ainda no governo Dilma e
que em 2016 foram adquiridos pela gestão (governo Temer) obras literárias para as salas de aulas por
meio do Programa Nacional na Idade Certa (PNAIC). Conforme a nota, ocorreu uma distribuição com
um total aproximado de 19,9 milhões de obras. A nota explicava ainda que o PNBE foi incorporado
ao PNLD e que o lançamento do edital para aquisição de acervo e distribuição às escolas estava
previsto para o ano de 2018.

Professores da FaE/UFMG publicaram, em 2018, uma nota de repúdio ao PNLD literário, a


qual encontra-se publicada como petição pública, solicitando a alteração do Edital PNLD – Literário
2018. A petição solicita a realização de uma audiência pública com autores e ilustradores de livros
infantis, professores, mediadores de leitura, pesquisadores das áreas da educação e literatura, letras,
artes visuais e design a fim de discutirem o edital e proporem as alterações necessárias.

Os autores da nota justificam a solicitação com argumentos de que o edital em questão “além
de estabelecer conteúdos, cerceia a forma e as práticas de leitura, pois especifica temas por faixa
etária, determina tamanhos e formatos dos livros e inclui manuais didáticos de uso das obras na
escola” (Petição Pública, 2018, p.1).

A argumentação é endossada pela afirmação de que tais critérios restringem e limitam


a criatividade dos autores e ilustradores, impõem censura ao enquadrar as produções em temas e
formatos previamente definidos. Como possíveis resultados citam a possibilidade de aquisição e
distribuição às escolas brasileiras de obras de qualidade duvidosa; o retrocesso na democratização do
acesso das crianças à arte literária e uma redução da literatura “atribuindo a ela um caráter meramente
pedagógico e limitando seu poder na escola” (Petição Pública, 2018, p. 1).

De fato, ao entrelaçar a produção da obra literária a critérios de uma industrialização cultural


corre-se o risco de se comprometer o ato criativo do autor. Pellegrini (s.d, p. 3), ao discorrer sobre a
literatura e o leitor em tempos de mídia e mercado, já advertia sobre esse aspecto. Segundo ela, “o que
existe agora é uma intrincada rede de produção e consumo de preferências e tendências vinculadas à
dinâmica do mercado”.

Em 2005, vinte e um países, entre eles Espanha, Portugal e países da América Latina,
comemoraram o “Ano Ìbero-Americano da Leitura”. Participaram da organização e comemoração,
governos, instituições do setor privado e sociedade civil com o propósito de articularem ações de

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 5 61


curto e longo prazo para incentivar a prática da leitura e da escrita como ferramentas de inclusão
social, cidadania e de desenvolvimento.


No Brasil, a programação e as ações do Ano Ìbero-Americano da Leitura recebeu a
denominação de “Vivaleitura”, vigente até os dias atuais. O Vivaleitura possui em sua coordenação
membros da Unesco – Organização das nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, do Centro
Regional de Fomento ao Livro na América Latina e Caribe (Cerlalc), das Organizações dos, Estados
Íbero-americanos (OEI), além de representantes dos Ministérios da Cultura e da Educação.

Das ações que marcaram o evento destacam-se a Lei da Desoneração do Livro, a qual
retirou a tributação do PIS/Cofins/Pasep para editores, livreiros e distribuidores sobre a produção,
comercialização e importação de livros. A taxa desses impostos varia de 3,65% a 9,25%, a sua
retirada faz parte da intenção de democratizar o acesso ao livro e à leitura no país (UNDIME, 2005).
Como contrapartida, os editores, distribuidores deveriam oferecer 1% sobre a venda dos livros para
a constituição de um fundo denominado “Pró-Leitura”, cuja finalidade seria desenvolver ações de
incentivo e fortalecimento da Leitura.

Outra ação de relevância foi a elaboração do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL),
instituído pela Portaria Interministerial N. 1442, de 10 de agosto de 2006, fruto de uma ação conjunta
do Ministério da Educação, com o Ministro Fernando Haddad e do Ministério da Cultura, com o
Ministro Gilberto Gil. A portaria convertia o Vivaleitura em uma política pública permanente,
atribuindo ao plano uma duração trienal.

Construído a partir de sugestões colhidas em mais de 150 reuniões públicas realizadas em


todo o país, nos anos de 2005 e 2006, o PNLL apresenta as diretrizes de atuação pautando-se em
quatro eixos principais:

1. Democratização do acesso ao livro;

2. Formação de mediadores para o incentivo à leitura;

3. Valorização institucional da leitura e o incremento de seu valor simbólico;

4. Desenvolvimento da economia do livro como estímulo à produção intelectual e ao


desenvolvimento da economia nacional.

As metas de atuação do plano estavam voltadas ao envolvimento de instituições públicas e


privadas das mais diversas e na disseminação de ações em parcerias com estados, distrito federal e
municípios de todo o país. Marques Neto (2010), que já ocupou a função de Secretário do PNLL,
ao realizar uma análise dos primeiros quatro anos da execução do plano, afirmou que com o PNLL,
o Brasil alcançou um patamar político e conceitual importantíssimo para a consolidação de uma
Política de Estado para o setor. Para ele, o país alcançou assim, o desejado consenso entre o governo
e a sociedade tanto no diagnóstico quanto nos objetivos do que é preciso fazer para se tornar um país
de leitores. Para ele, um dos fatores positivos para essa consonância deve-se ao fato da sua construção
coletiva, reunindo anseios e interesses de todos os envolvidos no processo.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 5 62


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora algumas pesquisas revelem que o número de leitores ampliou no Brasil, a qualidade
das habilidades leitoras do cidadão brasileiro ainda é muito questionada, ficando muito aquém do
esperado. Desse modo, o fomento a políticas públicas para formação de leitores é de cunho essencial
no país, necessidade mais latente diante do quadro em que se apresenta atualmente e em que a
deficiência de leitura poderá submergir a nação em um caos sem precedentes.

É evidente que a formação de leitores plenos exige uma série de circunstâncias, estratégias
e a construção de oportunidades para que os leitores possam construir e atribuir sentidos ao que lê.
Exige uma visão da leitura como construção social, não restrita apenas ao ambiente escolar, assim
como professores leitores, que vejam na escolarização da literatura uma oportunidade para despertar
o gosto e o prazer pela leitura.

Nesse sentido se faz urgente que as políticas públicas planejadas não centrem apenas na
distribuição de exemplares, que muitas vezes, são pensadas para beneficiar uma elite que representa
as editoras no país; mas que repensem todo o processo de formação de leitores, a escolarização da
literatura e, principalmente, qual o tipo de cidadão leitor se pretende formar.

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DOI 10.29327/53722-5

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 5 65


CAPÍTULO 6
POLÍTICAS PÚBLICAS EM SANEAMENTO BÁSICO
NO ESTADO DO PARANÁ E OS REBATIMENTOS NOS
INDICADORES DE MORTALIDADE INFANTIL E DA INFÂNCIA

GRACIELI APARECIDA WOLFART de saneamento é mais complexo.


UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO
PARANÁ Palavras - Chave: Saneamento; Mortalidade In-
fantil; Mortalidade na Infância;
RICARDO RIPPEL
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO
PARANÁ
ABSTRACT: This work was developed with
LUIZ ALBERTO CYPRIANO the aim of analyzing the influence of sanitation
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO
on infant and childhood mortality in 399 muni-
PARANÁ
cipalities of the state of Paraná, in the census be-
tween 2000 and 2010 through the panel data mo-
RESUMO: Este trabalho foi desenvolvido com del. Specific variables sanitation, socioeconomic
o objetivo de analisar a influência do saneamento and demographic data were selected. The results
básico na mortalidade infantil e na infância, nos showed that public policies managed to reduce
399 municípios que integram o Estado do Para-
the mortality rate of children under one and five
ná, no período censitário de 2000 e 2010, através
do modelo de dados em painel. Foram selecio- years. The main factors contributing to this de-
nadas variáveis específicas de saneamento, dados crease were the expansion of water supply ser-
socioeconômicos e demográficos. Os resultados vices, reducing the female illiteracy rate, the role
obtidos demonstraram que as políticas públicas of the family health program, the greater the in-
conseguiram diminuir os índices de mortalidade come distribution and the degree of urbanization.
de crianças menores de um e de cinco anos. Os Contradictory to the panorama in the literature,
principais fatores que contribuíram para esta re-
it was found that the variable of sewage was not
dução foram a ampliação dos serviços de abaste-
cimento de água, a redução da taxa de analfabe- significant to explain the reduction of infant mor-
tismo feminina, a atuação do programa saúde da tality and childhood, since the coverage of these
família, a maior distribuição da renda e o grau services is still precarious in most municipalities.
de urbanização. Contraditoriamente ao panora- Currently about half of the cities have no sewage
ma encontrado na literatura, constatou-se que a collection systems appropriately. Despite reduc-
variável de esgotamento sanitário não foi signifi- tions in mortality in children in the state in recent
cativa para explicar a redução da mortalidade in-
years, this decrease occurred unevenly among
fantil e da infância, uma vez que a cobertura des-
tes serviços ainda é precária na maior parte dos municipalities, remaining higher rates in the less
municípios. Apesar das reduções da mortalidade urban areas, where access to sanitation systems is
de crianças nos últimos anos, esta diminuição more complex.
aconteceu de forma desigual entre os municípios,
permanecendo índices mais elevados nas áreas Keywords: Sanitation; Infant Mortality; Mortali-
menos urbanizadas, onde o acesso aos sistemas ty in Childhood;

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar 66


1 INTRODUÇÃO

Como problema social que atinge um grande número de pessoas no planeta, a universalização
do acesso à água de qualidade e à coleta de esgoto está na pauta das mobilizações mundiais devido a
suas implicações relativas ao meio ambiente, ao desenvolvimento e a promoção do bem-estar humano.
Visto que, através do saneamento básico se torna possível à população obter água de qualidade,
essencial à vida humana e aos processos produtivos, bem como para a prevenção e controle das
doenças.

Segundo Duarte (2007) o déficit de saneamento pode ser percebido principalmente nos
índices de morbidade e de mortalidade infantil, em especial no período pós-neonatal, mais suscetível
a ações preventivas de saneamento básico. Muito embora a redução da mortalidade possua causas
combinadas, é muito certa a relação entre as melhorias sanitárias e a redução da incidência de doenças
(GRISOTTO, 2011).

Segundo Sen (2000) a mortalidade infantil e na infância além de possibilitar a análise do status
da saúde da população, reflete a eficácia de políticas públicas voltadas para a área de saneamento,
geração e distribuição de renda e, portanto, são importantes indicadores de desenvolvimento
socioeconômico da população.

Apesar de o Brasil ser signatário dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio elencado pela
Organização das Nações Unidas (ONU, 2000), os quais preconizam metas para 2015 de universalização
do saneamento básico e de redução da mortalidade infantil em valores abaixo de 17,9 óbitos por mil
nascidos vivos, em muitos locais do país estes patamares ainda estão longe de ser efetivados.

De modo geral, a oferta dos serviços de saneamento básico no país ainda é precária,
principalmente quando relacionada aos serviços de esgotamento sanitário, que, quando ineficaz ou
inexistente além de contaminar o meio ambiente, expõe a população a diversos riscos. O saneamento
básico como o nome sugere é - ou neste caso deveria ser - básico. Mas até as maiores cidades
brasileiras, e o país de modo geral não usufruem de forma efetiva estes serviços. Alguns municípios
tem sua população vivendo no século XXI como se estivesse vivendo numa cidade europeia do século
XIX.

Estas disparidades de atendimento quanto ao saneamento básico também podem ser


encontradas nos locais menos urbanizados do Paraná, nos bolsões de pobreza e nas áreas periféricas,
onde permanece um círculo vicioso de captação-contaminação-disposição, influenciando na baixa
qualidade de vida destes locais e nos índices de mortalidade infantil.

Tendo em vista que a taxa de mortalidade infantil é um indicador clássico, pelo qual se atribui
melhores condições de saúde às populações que apresentam as menores taxas e, se sabendo que a
oferta de saneamento básico é de crucial importância para a saúde e a qualidade de vida da população,
objetivou-se neste trabalho analisar mais especificadamente o impacto do abastecimento de água
e do esgotamento sanitário na mortalidade infantil e na infância no Estado do Paraná, no período
2000/2010.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 6 67


Nesta abordagem, e no que tange a Lei 11.445 (BRASIL, 2007) se consideram os serviços
públicos de abastecimento de água os que compõem uma ou mais de uma das seguintes atividades:
captação, adução de água bruta, tratamento de água, adução de água tratada, reservação e distribuição
de água, inclusive ligação predial e medição.

Enquanto que os serviços públicos de esgotamento sanitário são aqueles que realizam um
ou mais de um dos seguintes serviços: coleta, inclusive ligação predial, transporte, tratamento e
disposição final de esgotos sanitários com a inclusão dos lodos oriundos da operação de unidades de
tratamento e de fossas sépticas.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Neste trabalho será utilizada a técnica de regressão de dados em painel, para dados de 399
municípios, através do qual será analisada a influência do saneamento e das variáveis de controle
nas taxas de mortalidade infantil e de crianças menores de cinco anos do Estado do Paraná. Tendo
em vista que os conjuntos de dados em painel permitem uma análise da política governamental de
forma muito mais aprimorada, sendo, portanto, muito úteis para a avaliação de políticas públicas de
municípios, estados e países (WOOLDRIDGE, 2008).

O modelo de dados em painel permite analisar a heterogeneidade individual, em que diferentes


cidades podem ser analisadas em suas características diferenciadoras, as quais podem ser alteradas
ao longo do tempo. Os estudos seccionais e temporais que não levam em conta a heterogeneidade
individual geralmente podem levar a estimativas inconsistentes (HSIAO, 2003; GREENE, 2002;
BALTAGI, 2005).

De acordo com Gujarati e Porter (2011) existem diferentes possibilidades de estimação para
dados em painel, neste artigo são analisadas às técnicas mais utilizadas, como o modelo MQO para
dados empilhados (pooled data), o modelo de efeitos fixos (fixed effects) e o modelo de efeitos
aleatórios (random effects). A escolha entre estes três modelos dependerá principalmente das
premissas referentes ao intercepto, os coeficientes angulares e o termo erro, que face aos dados e o
tipo de problema em causa adota-se o modelo que melhor se adeque.

O modelo de dados agrupados, dados empilhados, ou mesmo pooled é a regressão mais


simples de ser realizada (e também a mais irrealista), pois considera que o comportamento de
todos os municípios ao longo do tempo é uniforme e considera as observações como homogêneas
(MARQUES, 2010). O modelo de efeitos fixos trata de forma sistemática as diferenças individuais de
cada observação e possibilita que as mesmas sejam testadas, de tal maneira que permite trabalhar com
a heterogeneidade e a interdependência dos dados (MARQUES, 2010). No modelo de componente
de erros não se considera a correlação do intercepto com as variáveis exógenas como acontece com
o modelo de efeitos fixos. Se houver razões para acreditar que as diferenças entre as observações têm
alguma interferência sobre a variável dependente, então é recomendável usar o modelo de efeitos
aleatórios (WOOLDRIDGE, 2008; GREENE, 2002).

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 6 68


Em suma, pelo exame dos modelos acima referidos pode ser-se levados a induzir que os
modelos mais complexos, uma vez que, tendem a ser teoricamente e empiricamente mais apropriados
que o de dados agrupados. No entanto, é conveniente efetuar os testes estatísticos para verificar
a adequação destes modelos quanto à análise pretendida, de acordo com os dados em questão.
Assim para auxiliar na escolha do melhor método de estimação entre os modelos MQO para dados
agrupados, efeitos fixos e efeitos aleatórios, é possível utilizar diferentes testes formais. Inicialmente,
o teste F de Chow é realizado a partir do modelo de efeitos fixos, teste esse de significância global,
fornece-nos evidências de qual o modelo mais adequado, entre a regressão com efeitos fixos e a
regressão com dados agrupados. Já o teste concebido por Hausman em 1978, é empregado para testar
a ortogonalidade dos efeitos comuns e as variáveis ​​explicativas, demonstra em aspectos empíricos o
melhor método de estimação para dados em painel de efeitos fixos ou de efeitos aleatórios. Enquanto
que o teste de Breusch e Pagan, através do multiplicador de lagrange (LM – Lagrange multiplier),
verifica qual é o modelo mais adequado em relação ao modelo de dados agrupados e o modelo de
efeitos aleatórios (GUJARATI; PORTER, 2011).

Os dados em painel podem apresentar problemas de má especificação, correlação serial entre


os termos de erro e de heterocedasticidade. Mas, quando o painel é curto, ou seja, quando o número
de períodos de tempo é pequeno em relação à quantidade de observações em análise, tal como se
pode evidenciar no presente trabalho, é possível utilizar um estimador robusto o qual corrige os
erros-padrão dos coeficientes (que passam a ser chamados de erros-padrão robustos) tornando-os
consistentes tanto a heterocedasticidade e quanto a autocorrelação (WOOLDRIDGE, 2002). Essa
discussão é corroborada por Cameron e Trivedi (2009, p. 328), os quais descrevem que nos casos
de painéis que possuem poucos períodos de tempo não há necessidade de estimação de matriz de
variância e covariância consistente para a autocorrelação.

Os dados utilizados para a análise econométrica deste trabalho foram selecionados com base
nas pesquisas da literatura especializada, de modo a empregar as variáveis mais representativas para
a análise da influência do saneamento básico na saúde da população, e que possuem informações em
todos os municípios paranaenses para os anos de 2000 e 2010.

É necessário destacar que o saneamento básico, objeto deste trabalho, apesar de ser composto
por diferentes indicadores, não será utilizado na integra nesta pesquisa, serão analisadas apenas as
variáveis vinculadas às formas de abastecimento de água e esgotamento sanitário devido às restrições
na quantidade de informações disponível e, de forma a obter maior delimitação da pesquisa.

A partir da seleção dos dados, foram delimitadas nove variáveis para compor a análise
econométrica, como se pode visualizar na Tabela 1. Os dados foram extraídos de sites oficiais que, em
sua maioria, reproduzem de forma desagregada os resultados do censo demográfico de 2000 e 2010
realizado pelo IBGE, como é o caso do Atlas de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações
Unidas (PNUD, 2013) e do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES,
2014). As demais informações foram extraídas do site do Ministério da Saúde no Departamento de
Atenção Básica MS/DAB (BRASIL, 2014), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEADATA,
2014), e do próprio IBGE (BRASIL, 2013b).

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 6 69


Tabela 1 - Definição das variáveis dependentes e independentes utilizadas no modelo
econométrico

Variável Dependente Descrição Fontes Estatísticas

Óbitos de menores de um ano por mil nascidos PNUD


M1 = Mortalidade in-
fantil Vivos (2000/2010)
M5 = Mortalidade até 5 PNUD
Probabilidade de morrer entre o nascimento e a idade exata de 5
anos de idade ou morta-
anos, por 1000 crianças nascidas vivas
lidade na infância (2000/2010)
Variável Independente Descrição Fontes Estatísticas
AR= Percentual de
IBGE*
domicílios com abaste- Razão entre moradores de domicílios particulares permanentes cujo
cimento de água através abastecimento de água provém de rede geral multiplicado por 100. (2000/2010)
de rede geral
ES= Percentual de
domicílios com esgota- Razão entre moradores de domicílios particulares permanentes cujo IBGE*
mento sanitário através esgotamento sanitário é realizado por rede coletora de esgoto ou
de rede geral ou fossa fluvial ou mesmo fossa séptica**. (2000/2010)
séptica
Mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indiví-
duos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0 a
1. Quando não há desigualdade de renda entre a população o índice PNUD
de gini é 0 e, quando a desigualdade é máxima, o índice é 1.
IG = Índice de gini (2000/2010)
O universo de indivíduos deste indicador é limitado àqueles que
vivem em domicílios particulares permanentes.
TAM = Taxa de anal- Percentual de mulheres com 15 anos ou mais que não sabem ler e IBGE*
fabetismo de mulheres escrever pelo menos um bilhete simples, no idioma que conhecem e
com 15 anos ou mais na população total residente da mesma faixa etária. (2000/2010)
IPARDES
GU = Grau de urbani- Percentagem da população na área urbana em relação à população
zação total. (2000/2010)
PSF - Proporção da
Percentual da cobertura populacional estimada pelas equipes de
cobertura populacional MS/DAB
saúde da família, segundo os parâmetros do Ministério da Saúde:
estimada pelas equipes
onde o número de equipes é multiplicado por 3.450, então dividido
do programa saúde da (12/2000; 12/2010)
pela população residente, com limitador de cobertura de 100%.
família
PIB per Capita - corresponde ao valor do PIB global dividido pelo IBGE/
número absoluto de habitantes do município, deflacionado pelo
PIBP - PIB Per capita deflator implícito do PIB, dados anuais com base (2010 = 100) para IPEADATA
o período de 2000 e 2010. A população utilizada no cálculo é a
proveniente da base demográfica do MS/Datasus. (2000/2010)

Fonte: Resultados da pesquisa, 2014.

* O método de coleta dos dados foi através de entrevista presencial realizada pelo recenseador, sendo a resposta registrada
em um computador de mão, ou pelo preenchimento do questionário via Internet (IBGE, 2013b).

**Em 2010 a variável de esgotamento sanitário é especificada com a informação sobre a existência de banheiro ou sani-
tário em cada domicílio, mas em 2000 esta informação não está disponível com estes detalhes (IBGE, 2013b).

É possível notar na Tabela 2, que as variáveis dependentes consistem nos indicadores de


mortalidade infantil e da infância. A partir destas pode-se analisar determinados indicadores de
desenvolvimento do Estado, bem como o impacto do saneamento básico no status da saúde da
população.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 6 70


As demais variáveis (independentes) permitem captar as influências exógenas sobre os índices
de mortalidade infantil e na infância, as quais se resumem nas formas de abastecimento de água e
esgotamento sanitário de forma adequada1 e nas variáveis socioeconômicas, como:

• Índice de Gini (IG): proporciona uma medida da desigualdade de renda entre os indivíduos,
quanto maior a desigualdade em cada local, um número maior de pessoas possuem menos
recursos para suprir suas necessidades.

• Taxa de Analfabetismo (TAM): tendo em vista o fenômeno mais recente do aumento


de casos de gravidez em adolescentes, usaremos como variável de educação a taxa de
analfabetismo para mulheres com mais de quinze anos de idade, pelo fato de a criança, nos
seus anos inicias, estar necessariamente mais atrelada aos cuidados maternos.

• Grau de urbanização (GU): através deste é possível verificar onde as taxas de mortalidade
em crianças são mais recorrentes, seja nos locais menos urbanizados do estado ou nos
municípios com acentuado grau de urbanização.

• Programa Saúde da Família (PSF): como proxy de saúde se tem a cobertura populacional
estimada pelas equipes de saúde da família (ESF), cujo propósito é de melhorar as
condições de saúde das famílias através de ações de prevenção e auxílio, fornecendo
inclusive orientações ao pré-natal, aleitamento materno e a vacinação e ações voltadas
para a prevenção de doenças diarreicas (BRASIL, 2014).

• PIB per capita (PIBP): foi utilizado por representar um indicador socioeconômico
referente à riqueza gerada pelo município e seus habitantes, uma vez que localidades mais
pobres possuem menos recursos para investir em saúde, educação e saneamento.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A existência de base de dados unindo informações anuais de saneamento e de saúde nos


municípios paranaenses nos possibilita agora uma avaliação econométrica não meramente
quantitativa, como pela medição do acesso à água potável, mas também uma análise qualitativa,
buscando identificar os efeitos na mortalidade infantil.

Através dos dados em painel será possível explorar de forma simultânea, as alterações das
variáveis selecionadas ao longo do tempo e entre os diferentes municípios. Sendo que, conforme
apresentado, é uma técnica de conexão de dados temporais e seccionais que permitirá uma estimação
mais completa e mais eficiente do modelo econométrico. O uso de dados em painel neste estudo
baseou-se nas referências encontradas sobre o tema e na disponibilidade de dados de corte para os 399
municípios paranaenses e para os dois anos do censo (2000; 2010) o que indica ser um painel curto e
balanceado, que num total compõe 798 informações.

A forma funcional pode ser analisada pelas equações lineares 8, 9, 10 e 11.

1 O IBGE considera como adequados os domicílios que possuem “rede geral de abastecimento de água, rede geral
de esgoto ou pluvial ou fossa séptica e coleta de lixo direta ou indireta” (Brasil, 2013c, p.1).

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 6 71


𝑀1𝑖𝑡 ˭ 𝛼 + 𝛽1 . 𝐴𝑅𝑖𝑡 + 𝛽2 . 𝐸𝑆𝑖𝑡 + 𝛽3 . 𝑇𝐴𝑀𝑖𝑡 + 𝛽4 . 𝑃𝐼𝐵𝑃𝑖𝑡 + 𝛽5 . 𝐼𝐺𝑖𝑡 + 𝛽6 . 𝑃𝑆𝐹𝑖𝑡 + 𝑒𝑖𝑡 (8)

𝑀5𝑖𝑡 ˭ 𝛼 + 𝛽1 . 𝐴𝑅𝑖𝑡 + 𝛽2 . 𝐸𝑆𝑖𝑡 + 𝛽3 . 𝑇𝐴𝑀𝑖𝑡 + 𝛽4 . 𝑃𝐼𝐵𝑃𝑖𝑡 + 𝛽5 . 𝐼𝐺𝑖𝑡 + 𝛽6 . 𝑃𝑆𝐹𝑖𝑡 + 𝑒𝑖𝑡 (9)

𝑀1𝑖𝑡 ˭ 𝛼 + 𝛽1 . 𝐺𝑈𝑖𝑡 + 𝛽2 . 𝐸𝑆𝑖𝑡 + 𝛽3 . 𝑇𝐴𝑀𝑖𝑡 + 𝛽4 . 𝑃𝐼𝐵𝑃𝑖𝑡 + 𝛽5 . 𝐼𝐺𝑖𝑡 + 𝛽6 . 𝑃𝑆𝐹𝑖𝑡 + 𝑒𝑖𝑡 (10)

𝑀5𝑖𝑡 ˭ 𝛼 + 𝛽1 . 𝐺𝑈𝑖𝑡 + 𝛽2 . 𝐸𝑆𝑖𝑡 + 𝛽3 . 𝑇𝐴𝑀𝑖𝑡 + 𝛽4 . 𝑃𝐼𝐵𝑃𝑖𝑡 + 𝛽5 . 𝐼𝐺𝑖𝑡 + 𝛽6 . 𝑃𝑆𝐹𝑖𝑡 + 𝑒𝑖𝑡 (11)

Em que:

𝑀1𝑖𝑡 é a mortalidade infantil do município i, no tempo t;

𝑀5𝑖𝑡 é a mortalidade de crianças menores de um ano do município i, no tempo t;

𝛼 é o intercepto comum em todos os municípios;

𝐴𝑅𝑖𝑡 percentual de abastecimento de água através da rede geral do município i, no tempo t;

𝐸𝑆𝑖𝑡 esgotamento sanitário realizado através da rede geral ou fossa séptica do município i, no
tempo t;

𝑇𝐴𝑀𝑖𝑡 taxa de analfabetismo de mulheres com mais de 15 anos do município i, no tempo t;

𝑃𝐼𝐵𝑃𝑖𝑡 PIB per capita do município i, no tempo t;

𝐼𝐺𝑖𝑡 índice de gini do município i, no tempo t;

𝑃𝑆𝐹𝑖𝑡 programa saúde da família do município i, no tempo t;

𝐺𝑈𝑖𝑡 grau de urbanização do município i, no tempo t;

𝑒𝑖𝑡 é o termo de erro.

Na equação 8, são testadas as influências das variáveis independentes 𝐴𝑅𝑖𝑡 , 𝐸𝑆𝑖𝑡 , 𝑇𝐴𝑀𝑖𝑡 , 𝑃𝐼𝐵𝑃𝑖𝑡,
𝐼𝐺𝑖𝑡 e 𝑃𝑆𝐹𝑖𝑡 em relação a mortalidade infantil ( 𝑀1𝑖𝑡 ) de cada município nos anos 2000 e 2010. Na equação 9,
são testadas as relações das variáveis explicativas 𝐴𝑅𝑖𝑡 , 𝐸𝑆𝑖𝑡 , 𝑇𝐴𝑀𝑖𝑡 , 𝑃𝐼𝐵𝑃𝑖𝑡, 𝐼𝐺𝑖𝑡 e 𝑃𝑆𝐹𝑖𝑡 com a mortalidade
em crianças menores de cinco anos ( 𝑀5𝑖𝑡 ) em cada município nos anos 2000 e 2010.

Já a equação 10 apresenta os testes da influência das variáveis independentes 𝐺𝑈𝑖𝑡 , 𝐸𝑆𝑖𝑡 , 𝑇𝐴𝑀𝑖𝑡 , 𝑃𝐼𝐵𝑃𝑖𝑡,
𝐼𝐺𝑖𝑡 e 𝑃𝑆𝐹𝑖𝑡 em relação a mortalidade infantil (𝑀1𝑖𝑡 ) em cada município nos anos 2000 e 2010. E, por último,
na equação 11 são testadas as relações das variáveis explicativas 𝐺𝑈𝑖𝑡 , 𝐸𝑆𝑖𝑡 , 𝑇𝐴𝑀𝑖𝑡 , 𝑃𝐼𝐵𝑃𝑖𝑡, 𝐼𝐺𝑖𝑡 e 𝑃𝑆𝐹𝑖𝑡 com a
mortalidade em crianças menores de cinco anos ( 𝑀5𝑖𝑡 ) de cada município nos anos 2000 e 2010.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 6 72


Percebe-se que existem duas equações para cada variável dependente, isto devido à alta correlação2
existente entre as variáveis explicativas 𝐴𝑅𝑖𝑡 e 𝐺𝑈𝑖𝑡 , conforme a Tabela 2, portanto, estas variáveis não
aparecem juntas na mesma equação. As demais variáveis explicativas apresentaram correlações fracas ou
moderadas.

Tabela 2 - Matriz de correlação Pearson entre as variáveis explicativas – 2000/2010

AR ES GU PIBP IG TAM PSF


AR 1.0000
ES 0.3812 1.0000
GU 0.8406 0.4010 1.0000
PIBP 0.2809 0.2899 0.2428 1.0000
IG -0.3553 0.0008 -0.2852 -0.2696 1.0000
TAM -0.2535 -0.4725 -0.2411 -0.4640 0.1799 1.0000
PSF 0.1292 -0.1031 0.0634 0.2402 -0.4516 -0.0480 1.0000

Fonte: Resultados da pesquisa, 2014.

As hipóteses esperadas são de que as variações na mortalidade em crianças ( 𝑀1𝑖𝑡; 𝑀5𝑖𝑡 ) e


a relação com a taxa de analfabetismo de pessoas com mais de 15 anos ( 𝑇𝐴𝑀𝑖𝑡 ) e o índice de gini
( 𝐼𝐺𝑖𝑡 ) sejam positivas. No entanto, valores mais altos do abastecimento de água ( 𝐴𝑅𝑖𝑡 ), esgotamento
sanitário ( 𝐸𝑆𝑖𝑡 ), grau de urbanização ( 𝐺𝑈𝑖𝑡 ), programa saúde da família ( 𝑃𝑆𝐹𝑖𝑡 ) e do PIB per capita
( 𝑃𝐼𝐵𝑃𝑖𝑡 ) devem apresentar correlação negativa com a variável dependente.

Desta maneira, definidas as variáveis e de posse dos dados foram realizadas as regressões,
utilizou-se para isso o software STATA, versão 12. Para dar seguimento foram realizados os testes F
de Chow (hipótese H0, modelo restrito (de dados agrupados) e hipótese H1: modelo de efeitos fixos),
Hausman (hipótese H0, escolha do modelo de efeitos aleatórios e hipótese H1: modelo de efeitos
fixos) e o teste de Breusch-Pagan (hipótese H0, modelo restrito (dados agrupados) e hipótese H1:
modelo de Efeitos Aleatórios), conforme segue na Tabela 3.

Tabela 3 - Resultado dos testes nos modelos de dados em painel 2000/2010

Testes Equação 8 Equação 9 Equação 10 Equação 11


VIF Médio 1.44 1.44 1.43 1.43

Teste Breusch e Pagan-


58.47* 61.78* 66.88* 59.06*
-heterocedasticidade

Teste de Wald – hetero-


2.0e+35* 3.2e+34* 3.9e+33* 8.7e+33*
cedasticidade

2 De acordo com Gujarati e Porter, quando o coeficiente de correlação é alto, ou seja, maior que 0.8, a multicoli-
nearidade será um problema sério (GUJARATI; PORTER, 2011, p. 345).

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 6 73


2.65* 2.66* 2.62* 2.71*
Teste F – Chow

Teste de Hausman 16.38* 14.24* 17.40* 17.83*


Teste de Breusch e Pa-
66.99* 69.14* 64.31* 69.88*
gan – LM
Modelo mais adequado EF EF EF EF

Fonte: Resultados da pesquisa, 2014.


Nota: * Significativo ao nível de 5%.

O teste LM de Breusch-Pagan que compara o modelo Pooled e o de Efeitos Aleatórios rejeitou


a hipótese nula indicando que o modelo de Efeitos Aleatórios é preferível ao Pooled. A partir de então
foram analisados ambos os testes de Chow e de Hausman que rejeitaram a hipótese nula, rejeitando
respectivamente, o modelo Pooled e o de Efeitos Aleatórios em favor do modelo de Efeitos Fixos.

Desta forma, os testes indicaram que o modelo de Efeitos Fixos é melhor em relação aos
modelos Pooled e de Efeitos Aleatórios, os testes econométricos corroboraram com o exposto na
literatura empírica, a qual salienta que o método de efeitos fixos leva em consideração a heterogeneidade
e a consistência existente em cada município, de acordo com Wooldridge “quando não podemos
considerar as observações como extrações aleatórias de uma grande população – por exemplo, se
temos dados de Estados ou Municípios –, frequentemente é racional pensar em como parâmetros a
estimar, caso em que usamos os métodos dos efeitos fixos” (2008, p. 445).

Após definir o modelo específico de análise foram realizados os testes para detectar se existe
heterocedasticidade e autocorrelação. Foram realizados os testes de Breusch-Pagan (hipótese H0, a
variância dos erros não são homoscedásticas e hipótese H1: a variância dos erros são homoscedásticas)
e de Wald modificado para efeitos fixos (hipótese H0, a variância dos erros não são homoscedásticas
e hipótese H1: a variância dos erros são homoscedásticas) os quais indicam a presença ou não de
heterocedasticidade. Ambos os testes rejeitaram a hipótese nula de variância constante. Desta forma,
as regressões foram realizadas com erros padrão robustos a heterocedasticidade.

Para avaliar a presença de multicolinearidade nas equações foi utilizado o Fator Inflação de
Variância (VIF - Variance Inflation Fator). O valor médio do VIF foi de 1.44 na equação 8 e 9 e, de
1.43 na equação 10 e 11, a variável com o maior valor VIF foi a TAM de 1.54 em todos os modelos o
que demonstrou não ser um problema sério3.

Os resultados das estimações e os demais testes realizados são apresentados na Tabela 4.


Embora os coeficientes das estimações sejam bem parecidos em cada modelo o teste de Chow,
Hausman, Breusch e Pagan demostraram que esse não é o caso, portanto foi dado seguimento com
a análise das variáveis a partir do modelo de efeitos fixos em todas as equações, conforme se pode
visualizar a Tabela 4.

3 De acordo com Gujarati e Porter (2011) variáveis com valor VIF maior que 10 podem apresentar maiores
problemas e podem ser consideradas como altamente colineares.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 6 74


Tabela 4 - Resultado  da estimação pelo modelo de efeitos fixos dos determinantes da
mortalidade em crianças no Paraná 2000/2010

Variáveis (M1) - Equação 8 (M5) – Equação 9 (M1) - Equação 10 (M5) – Equação 11


13.8189* 15.0537* 15.3120* 17.8550*
Constante
(1.9782) (2.2543) (2.4525) (2.6735)
-0.06512* -0.0608* - -
AR
(0.01978) (0.0232) - -
-0.01268 -0.0150 -0.0100 -0.0121
ES
(0.0087) (0.0103) (0.3918) (0.0102)
- - -0.0885* -0.1013*
GU
- - (0.0279) (0.0311)
0.4125* 0.4715* 0.3918* 0.4449*
TAM
(0.0531) (0.0607) (0.0524) (0.0597)
-0.00005 -0.00006 -0.00005 -0.00006
PIBP
(0.00003) (0.00004) (0.00003) (0.00003)
7.1606* 8.4623* 6.9535* 7.9418*
IG
(2.5941) (2.9097) (2.6056) (2.9119)
-0.0181* -0.0209* -0.0184* -0.0206*
PSF
(0.0036) (0.0041) (0.0036) (0.0042)
Observações 798 798 798 798
Grupos 399 399 399 399
Períodos 2 2 2 2
R-sq within 0.7106 0.7008 0.7107 0.7039
R-sq between 0.2665 0.2562 0.2768 0.2553
R-sq overall 0.4411 0.4337 0.4272 0.4077
Teste F 153.12* 153.89* 157.98* 162.40*

Fonte: Resultado da pesquisa, 2014.


Nota: * Significativo ao nível de 5%.
Os valores entre parênteses correspondem aos erros-padrão robustos tanto quanto à correlação serial como quanto à he-
terocedasticidade. Os resultados dos valores VIF, dos testes e do modelo de efeitos fixos gerados pelo Stata podem ser
observados nos Apêndices A - BB. Os resultados de forma conjunta, dos modelos de efeitos aleatórios, dados agrupados
e de efeitos fixos são apresentados no Apêndice CC.

Os resultados mostram que, de acordo com o modelo de Efeitos Fixos, representado na Tabela
4, as variáveis independentes explicam, de forma geral (R-sq overall) 44% das taxas de M1 na equação
8 e 43% na equação 10, bem como, 43% e 41% das taxas de M5 na equação 09 e 11. Entre as unidades
(R-sq between), o ajuste dos modelos ficaram em torno de 25% e 27%. E dentro das unidades (R-sq
within) os ajustes das equações estão entre 70% e 71%.

Adicionalmente pode-se inferir que o modelo de Efeitos Fixos com as devidas correções (tal
como aconteceu na regressão dos modelos pooled e de efeitos aleatórios) é significativo do ponto de
vista estatístico em todas as regressões, pois, tanto as estatísticas do Teste de Wald de σ² e do teste F
apresentaram o nível de significância de 1% (Tabela 4).

O coeficiente IG apresentou o sinal positivo esperado e foi estatisticamente significativo, o que


demonstra que a mortalidade infantil não depende somente da renda per capita, mas principalmente
de como essa renda está sendo distribuída na totalidade da população, ou seja, demonstra a prioridade
dada ao desenvolvimento de cada local. A maior distribuição de renda possibilita para as pessoas mais

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 6 75


pobres obter um maior poder aquisitivo e assim destinar mais recursos para a educação, saneamento
e saúde. Considerando os demais fatores constantes, cada redução em uma unidade do IG impacta em
média numa redução de 7 unidades da M1, e em média 8 unidades da M5.

No entanto, segundo a matriz de correlação os municípios do Paraná que apresentaram os


maiores IG são também os que apresentam os menores PIBP, ou seja, os municípios com a menor
parcela de riqueza são aqueles que possuem maior concentração de renda entre os habitantes, e de
acordo com os resultados da regressão são também os que tiveram as menores condições de saúde
nas últimas duas décadas, uma vez que há uma relação inversamente proporcional entre os menores
valores do PIBP e as maiores taxas de mortalidade de crianças.

A variável PIBP, apesar de apresentar sinal negativo de acordo com o esperado, não obteve
relevância estatística para a redução da mortalidade em crianças. A baixa importância estatística deste
coeficiente para a redução da mortalidade de crianças se deve possivelmente a alta concentração
de renda em muitos locais do Estado, onde a população mais carente e, portanto mais sensível às
condições adversas do seu meio não tem acesso a esta riqueza. Tal fato corrobora com o exposto na
literatura sobre o aumento da riqueza que, embora seja necessária para o processo de desenvolvimento,
ela não é por si só suficiente para que isto aconteça, principalmente quando essa riqueza não está bem
distribuída (SACHS, 1986).

Já o aumento do conhecimento por parte da mãe (TAM) foi de grande importância, do ponto
de vista estatístico (teste t) para explicar as alterações na mortalidade das crianças nas últimas duas
décadas e apresentou sinal positivo de acordo com o esperado. Segundo a Tabela 4, mantendo-se os
demais fatores constantes, a redução em uma unidade na TAM provoca uma redução de 0,4 unidades
da M1 e M5.

Outros fatores específicos para a melhora das condições de saúde infantil incluem a ampliação
da cobertura da atenção básica, o aumento da cobertura vacinal em taxas acima de 95%, a inclusão
de novas vacinas ao esquema básico de vacinação, a extensão do período de aleitamento materno, a
utilização da Terapia de Reidratação Oral (TRO) e o monitoramento do crescimento e desenvolvimento
das crianças que estão diretamente associadas à estratégia do PSF (PIOLA; VIANNA, 2009, p.6).
Essa política de atenção básica com foco na família obteve resultados significados na redução da
mortalidade de crianças no Paraná. Considerando os demais fatores constantes, a cada aumento da
taxa de cobertura do PSF leva uma redução em 0,02 unidades da M1 e M5. Isto se deve principalmente
à redução dos problemas de saúde que geravam grande parte dos óbitos nos primeiros anos de vida
e, que muitas vezes requereriam apenas medidas simples de prevenção relacionadas à educação
sanitária, controle de vacinação, balanceamento nutricional e orientação, entre outras.

O coeficiente GU apresentou sinal negativo e foi outro fator de relevância para a melhora
das condições de saúde das crianças. Nas áreas mais urbanizadas existe maior acesso aos centros de
saúde, às escolas e à infraestrutura de saneamento. Cada aumento no GU provoca em média a redução
de 0.09 unidades da M1 e 0.1 unidades da M5, considerando os demais fatores como constantes.

Juntamente com o GU houve o crescimento do número de moradores que possuem AR, uma
vez que, segundo a Tabela 2, existe alta correlação entre essas duas variáveis. Isto acontece porque

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 6 76


nas áreas urbanas as instalações das ligações de água são facilitadas pela concentração das moradias,
enquanto que nas áreas rurais os custos de expansão das instalações sanitárias são em sua maioria
superiores. Neste sentido, são nas áreas rurais que geralmente aparecem os piores indicadores de
abastecimento de água, assim como, de outros fatores como esgotamento sanitário, saúde e educação.
Este coeficiente apresentou sinal negativo conforme o esperado, pois cada aumento nos percentuais
de AR leva a uma redução média de 0.06 unidades da M1 e M5, considerando as demais variáveis
como constantes.

Quanto ao acesso aos sistemas de ES, não houve o mesmo progresso nas últimas décadas, tal
como aconteceu com as instalações de abastecimento de água, as principais obras na rede geral de
esgoto foram realizadas somente nos últimos anos, e, como as ações em saneamento não apresentam
resultado imediato sobre as incidências de doenças (devido à necessidade de uma mudança de hábitos
e de aprendizado por parte da população quanto ao seu adequado aproveitamento), esta variável não
foi significativa do ponto de vista estatístico para a redução da M1 e M5 no Paraná.

4 CONCLUSÕES

A análise realizada no trabalho procurou apontar os principais elementos para a elaboração de


uma política efetiva e direcionada a redução da mortalidade de crianças, dentre as quais participam
de modo efetivo as políticas públicas de saneamento básico.

Verificou-se que, no Paraná, de forma geral, as políticas públicas do setor conseguiram reduzir
os índices de mortalidade infantil e de crianças menores de cinco anos nas duas últimas décadas. Há
de se destacar que as disparidades regionais com relação aos estes indicadores de mortalidade de
crianças também foram reduzidas permanecendo, porém diferenças importantes entre os resultados
alcançados pelos distintos municípios do Estado.

Quanto ao saneamento básico, foi possível verificar que as formas canalizadas de abastecimento
de água no Paraná receberam maior atenção dos investimentos públicos nas últimas duas décadas do
que as redes de esgotamento sanitário.

Percebeu-se ainda que existe uma correlação positiva entre a maior desigualdade de renda e
os menores PIB per capita estadual, bem como as maiores taxas de analfabetismo de mulheres com
mais de 15 anos. Esta problemática segundo a literatura coletada configura-se entre os principais
agravantes para o aumento da mortalidade infantil em qualquer região ou território de análise, fato
este que se repete no Paraná.

Através das características fornecidas do modelo de dados em painel destacam-se no Estado


do Paraná que a redução da mortalidade das crianças foi significativa, os principais fatores que
cooperaram para esta redução foram: o aumento do abastecimento de água através da rede geral de
distribuição, o grau de urbanização, a queda da taxa de analfabetismo de mulheres com quinze anos
ou mais, a atuação do programa saúde da família, e a maior distribuição de renda.

Contraditoriamente ao panorama encontrado na literatura, viu-se que no Paraná a variável de

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 6 77


esgotamento sanitário não foi significativa para explicar a redução da mortalidade de crianças nas
duas últimas décadas, isto porque, estes serviços ainda são precários em grande parte dos municípios
do Estado. O coeficiente PIB per capita foi outra variável que não apresentou relevância estatística
para a redução da mortalidade de crianças, uma vez que, o aumento da renda de um município nem
sempre é convertido de forma equitativa a toda população residente.

Então se conclui posto todo cenário descrito na pesquisa que o acesso aos sistemas de
saneamento, principalmente ao tratamento da água é plenamente justificável e diga-se claramente
fundamental e essencial para a redução das doenças que, juntamente com outras variáveis apresenta-
se como solução preventiva mais eficaz para a redução das enfermidades do que à inocorrência dos
gastos defensivos em saúde.

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DOI 10.29327/53722-6

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 6 79


CAPÍTULO 7

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO IDOSA


NO BRASIL: UM “ESTADO” DEGENERATIVO

BIANCA NUNES PIMENTEL fatores sociais e, considerá-lo de maneira descon-


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA textualizada, na reforma da previdência, é uma
– UFSM medida anacrônica que desconsidera o histórico
descaso com a população idosa, sobretudo, quan-
ELENIR FEDOSSE do se tem prevista a diminuição das informações
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA censitárias a serem colhidas em 2020. Os atuais
– UFSM
cortes impactam na incipiente democracia bra-
sileira, nos direitos ainda não adquiridos e, pior,
RESUMO: O Brasil está passando por uma
visam ocultar, no futuro, as suas consequências.
transição demográfica e epidemiológica. Nesse
sentido, a elaboração e a operacionalização de PALAVRA-CHAVE: Saúde do idoso; Dinâmica
políticas públicas para a população idosa requer populacional; Epidemiologia social; Previdência
conhecimento dos processos naturais e sociais social.
envolvidos no envelhecimento, tais como as re-
lações de trabalho, o nível educacional, a renda,
entre outros, que se constituem como variáveis/
bases para um envelhecimento saudável ou com ABSTRACT: Brazil is undergoing a demogra-
adoecimento. Posto isso, este capítulo tem como phic and epidemiological transition. In this sense,
objetivo discutir alguns aspectos importantes the elaboration and operationalization of public
de serem considerados na proposição e no de- policies for the elderly population requires know-
senvolvimento de políticas de atenção à pessoa ledge of the natural and social processes involved
idosa no Brasil, bem como explorar o contexto in aging, such as labor relations, educational le-
sócio-histórico-político atualmente vivenciado vel, income, among others, which constitute va-
pela população brasileira. Devido à complexi- riables for healthy aging or sickening. Thus, this
dade desses aspectos pensar em envelhecimento chapter aims to discuss some important aspects to
da população requer considerar que a idade cro- be considered in proposing and developing poli-
nológica não prediz a funcionalidade da pessoa cies of care for the elderly in Brazil, as well as ex-
idosa, que pode demonstrar sinais de fragilidade ploring the socio-historical-political context cur-
logo a partir dos 60 anos. Apesar de a expectativa rently experienced by the Brazilian population.
de vida ter aumentado no Brasil, a forma como Due to the complexity of these aspects thinking
a população brasileira está envelhecendo não about population aging requires considering that
pode ser comparada a países desenvolvidos que chronological age does not predict the functiona-
superaram variáveis como baixa escolaridade e lity of the elderly, who may show signs of frailty
a precarização do trabalho e da renda, fatores so- as early as 60 years old. Although life expectancy
cioeconômicos que influenciam negativamente has increased in Brazil, the way the Brazilian po-
no processo de envelhecimento da população. A pulation is aging cannot be compared to develo-
recente proposta de reforma da previdência não ped countries that have overcome variables such
prevê os riscos de fragilização causados pela as low education and precarious work and inco-
constante desigualdade do país. Conclui-se que me, socioeconomic factors that negatively in-
o aumento da expectativa de vida é regido por fluence the aging process. of the population. The

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar 80


recent social security reform proposal does not foresee the risks of weakening caused by the country’s
constant inequality. It is concluded that the increase in life expectancy is governed by social factors
and, considering it in a decontextualized way, in reform, is an anachronistic measure that disregards
the historical neglect with the elderly population, especially when it has been predicted. reduction of
census information to be obtained in 2020. The current cuts impact the incipient Brazilian democracy,
rights not yet acquired and aim to conceal its consequences in the future.

KEYWORDS: Heath of the elderly; Population dynamics; Social epidemiology; Social Secutiry.

1. INTRODUÇÃO

O aumento da expectativa de vida adulta é um fenômeno global, considerado pela Organização


Mundial da Saúde (OMS), como “a Revolução Demográfica”, por provocar mudanças na distribuição
dos diferentes grupos etários, observável não apenas em países desenvolvidos, mas também naqueles
em desenvolvimento (WHO, 2005). Esse fenômeno é resultado da redução nas taxas de fertilidade e do
aumento da longevidade, este último possibilitado pelas melhorias no saneamento básico, vacinação
em massa, desenvolvimento e emprego de antibióticos, entre outros (DRAUZIO, 2006).

A mudança demográfica gera modificações epidemiológicas, uma vez que cada faixa etária
possui características específicas no processo saúde-doença. Em países como o Brasil, esse fenômeno
coexiste com a presença de doenças infecciosas (Sífilis e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
– AIDS), relações precárias de trabalho (geradoras de acidentes e adoecimento do trabalhador), a
violência, bem como o aumento do número de doenças cardiovasculares. Tais condições de saúde se
apresentam como crônicas e os seus agravos podem ser sequelas incapacitantes e, consequentemente,
produtoras de situações de dependência e de maior necessidade de cuidados em saúde (DUARTE,
2006).

Sabe-se, também, que o processo natural de envelhecimento, mesmo sem estar acompanhado
de doenças, traz consigo limitações funcionais, apesar de se reconhecer que as populações idosas
apresentam grande variabilidade. A propósito, atualmente, dispõe-se da Classificação Internacional
de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF –, revisada e publicada em 2004, que explica a
incapacidade como um termo que inclui deficiências, limitações da atividade ou restrições na
participação. Funcionalidade, por sua vez, engloba todas as funções do corpo, atividades e participação.
Assim, pode-se sustentar que a união dos dois termos - Incapacidade e Funcionalidade -, significa dizer
que uma pessoa pode possuir limitação para executar alguma função, por exemplo, por deficiência
física ou por restrição na participação causada por fatores ambientais.

Nesse sentido, a elaboração e a operacionalização de políticas públicas para a população idosas


requer conhecimento dos processos naturais (fisiológicos) e sociais envolvidos no envelhecimento;
não se pode ignorar, portanto, as relações de trabalho, o nível educacional, as características culturais,
as desigualdades de gênero, entre outras, que se constituem como variáveis/bases – fortes ou frágeis
– para um envelhecimento saudável ou com adoecimento.

Posto isso, associadamente ao já previsto na Política Nacional da Pessoa Idosa e às mudanças

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 7 81


na legislação trabalhista (2017) e da previdência social, em curso, este capítulo tem como objetivo
discutir alguns aspectos importantes de serem considerados na proposição e no desenvolvimento de
políticas de atenção à pessoa idosa no Brasil, bem como explorar o contexto sócio-histórico-político
atualmente vivenciado pela população brasileira.

2. A IDADE CRONOLÓGICA E A FUNCIONALIDADE DA PESSOA IDOSA

A idade cronológica não prediz exatamente o grau de funcionalidade de uma pessoa. Os


processos envolvidos no envelhecimento afetam os sujeitos de formas diferentes, dependendo não
só de fatores não modificáveis como os genéticos, mas também daqueles modificáveis pelo poder
de consumo, como boa alimentação, oportunidade de praticar atividades físicas e de manutenção de
habilidades cognitivas por meio de tarefas intelectuais, entre outras.

Há décadas, indicadores sociais demonstram que o declínio funcional de idosos brasileiros


vem ocorrendo num contexto de pobreza e de extrema desigualdade social, e que para reduzir a
carga de dificuldades funcionais dessa população seria necessário reduzir as desigualdades de renda
e melhoria nas condições de suporte institucional. Parahyba e colaboradores (2004), identificaram
que algumas dificuldades como, por exemplo, a de caminhar, diminuem conforme aumentam a renda
per capta da família, bem como aumentam com o avançar da idade, sendo que essa dificuldade já é
observada em sujeitos com 60 anos.

Em uma amostra de 165 pessoas idosas, Andriolo e colaboradores (2016) identificaram que
cerca de 30% foram classificadas como tendo alguma dependência, pela escala de Katz (1963). Essa
dependência foi observável em 32% dos sujeitos entre 60 a 69 anos (primeira década da faixa etária
considerada idosa), com frequência maior naqueles que apresentavam condições crônicas de saúde,
tais como hipertensão arterial (35,5%) e diabetes mellitus (48,6%).

O declínio cognitivo é outro fator que pode diminuir consideravelmente a independência de


uma pessoa idosa. Nunes e colaboradores (2016) identificaram uma frequência relativa de 51,9% de
declínio cognitivo em sua amostra de idosos em convívio domiciliar, atendidos em um ambulatório de
Gerontologia e Geriatria. Desses, 37% apresentaram reduzida capacidade funcional ou dependência
nas atividades básicas de vida diária, tais como assistência para o banho (17%), para se vestir (21%)
e para se alimentar (6%). A incontinência de esfíncteres foi de 12%. Em relação às atividades
instrumentais de vida diária, foram encontrados idosos com dificuldades ou incapacidade para
usarem o telefone, viajarem sozinhos, realizarem compras, prepararem refeições e realizarem outros
trabalhos domésticos. Ainda foi identificado que 21% dos idosos necessitavam de assistência para
tomar medicação, sendo que 29% foram incapazes de controlar sozinhos o uso dos medicamentos.
Destaca-se que 40% deles não tinham o hábito ou mostraram-se incapazes de manusear dinheiro.

A condição de dependência impacta sobremaneira na autonomia do idoso. A propósito


desta condição, Abreu e colaboradores (2018) analisaram um grupo de 34 idosos comunitários e
encontraram autonomia fraca em 85% destes; 12% apresentaram autonomia regular e apenas 3%
referiram autonomia. Os piores índices afetam os homens. Com relação à faixa etária, observaram

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 7 82


que 89,5% dos idosos tinham idade entre 60 e 70.

O que se pode observar, a partir desses estudos, é que, independentemente do instrumento


utilizado para a avaliação, uma porcentagem considerável começa a apresentar variados graus de
dependência, fragilidade ou necessidade de suporte social logo a partir dos 60 anos, uma idade
precoce se considerarmos a média de expectativa de vida brasileira que, em 2017, foi de 76 anos
(72,5 para homens e 79,6 para mulheres), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– IBGE (BRASIL, 2017). Assim, pode-se destacar que o rastreamento precoce da fragilidade e sua
associação com as dimensões da funcionalidade são essenciais para propor intervenções de cuidado
capazes de garantir autonomia e independência dos idosos (FREITAS; SOARES, 2019). Mesmo
quando a prevalência de fragilidade estabelecida é baixa, frequentemente, há risco de fragilização,
sendo observável em maiores proporções na presença do défice cognitivo, risco para depressão, risco
de quedas, disfunção visual e auditiva.

Oferecer apoio social aos idosos pode ser uma forma de diminuir as chances de desenvolver
dependência, independentemente de suas condições sociodemográficas e de saúde (BRITO et al.,
2018). No entanto, essa é uma alternativa cada vez menos possível de ser realizadas pelas famílias,
devido à diminuição das taxas de fecundidade e natalidade (famílias cada vez menores) e às mudanças
nos papéis sociais, caracterizadas pela entrada da mulher no mercado de trabalho (ZANG, 2004).
Portanto, convém refletir sobre como enfrentar essa realidade e, indubitavelmente, tal reflexão implica
discutir o papel do Estado e dos governos do Brasil.

3. A ATENÇÃO À SAÚDE DA POPULAÇÃO IDOSA E A REFORMA DA PREVIDÊNCIA:


ASPECTOS CONTRADITÓRIOS

A diminuição da taxa de natalidade e o aumento da expectativa de vida instigaram a proposição


de políticas públicas que contemplassem ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde,
respeitando-se as modificações na composição populacional. Sabe-se que as políticas nacionais de
saúde do idoso até a década de 70, do século XX, eram puramente de cunho curativo; as ações de
prevenção e de manutenção da saúde começaram a ser implementadas a partir de 1974 (FERNANDES;
SOARES, 2012).

A Política Nacional do Idoso (PNI), Lei nº 8.842, posteriormente regulamentada pelo Decreto
nº 1.948/96, assegurou direitos sociais à pessoa idosa, criando condições para promover sua autonomia,
integração e participação efetiva na sociedade. E, seguindo a tendência mundial de atenção à saúde
do idoso, em 1999, tem-se a Política Nacional de Saúde do Idoso (PNSI), por meio da Portaria
nº 1.395, a qual determinou que o Ministério da Saúde promovesse a elaboração/ readequação de
planos, projetos e atividades, pressupondo que “o principal problema que pode afetar o idoso é a
perda de sua capacidade funcional”. Essa portaria foi extinta/substituída pela portaria nº 2.528, de
19 de outubro/2006, que aprovou a Política Nacional de saúde da Pessoa Idosa (PNSPI). Assim, o
Ministério da Saúde inclui a saúde do idoso como item prioritário de sua agenda, adotando conceitos

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 7 83


contemporâneos sobre envelhecimento - o paradigma da capacidade funcional, abordada de maneira
multidimensional.

Há que se ressaltar que na primeira década do Século XXI, o Brasil segue avançando no que
se refere à população idosa. Em 2002, por meio das Redes Estaduais de Assistência à Saúde do Idoso,
portaria nº 702/SAS/MS, são criadas as normas para cadastramento de Centros de Referência em
Atenção à Saúde do Idoso, que se propõe a ser um dispositivo para assegurar aos mesmos, todos os
direitos de cidadania, defesa de sua dignidade, seu bem-estar e direito à vida. Em 2003, é criado o
Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741, que amplia a resposta do Estado e da sociedade às necessidades da
população idosa.

Atualmente, experimenta-se, no Brasil, um movimento de forte retrocesso no que se refere


à possibilidade de efetivar direitos conquistados por meio das legislações da seguridade social que
envolve a população adulta e idosa. O decreto nº 5.109, de 17 de junho de 2004, que dispunha sobre
a composição, estruturação, competências e funcionamento do Conselho Nacional dos Direitos do
Idoso (CNDI), recebeu emenda por meio do decreto 5.145 de 19 de julho de 2004, de modo que
estava prevista, na composição e no funcionamento do CNDI, a participação de representantes do
Ministério dos Direitos Humanos, das Relações Exteriores, do Trabalho, da Educação, da Saúde,
da Cultura, do Esporte, da Justiça, da Previdência Social, da Fazenda, da Ciência e Tecnologia, do
Turismo, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, entre outros.

Os referidos decretos foram temporariamente modificados pelos decretos nº 9.494, de 6 de


setembro de 2018, e nº 9.569, de 20 de novembro de 2018, e, se não bastassem, estes também foram
recentemente revogados por meio do decreto 9.893, de 27 de junho de 2019, que descreve o Conselho
Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa como integrante da estrutura organizacional do Ministério da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, com a finalidade de colaborar nas questões relativas à
política nacional do idoso. O retrocesso desencadeado pela revogação dos decretos, anteriormente
citados, impacta negativamente no, então, contundente compromisso do Brasil em abordar a
complexidade do envelhecimento. Retirar das atribuições do Presidente do CNDI, por exemplo, a
competência em “solicitar a elaboração de estudos, informações e posicionamento sobre temas de
relevante interesse público”, poderá afetar diretamente a vida dos idosos brasileiros e, certamente,
impedir o desenvolvimento e/ou aprimoramento das políticas públicas para população idosa.

Outro ponto importante a ser considerado é a reforma da previdência baseada no déficit


previdenciário, levantado a partir de 2015, calculado em 85 bilhões de reais. ‘Constatação’ contestável,
conforme já demonstrado na tese de doutorado, desenvolvida na Universidade Federal do Rio de
Janeiro por Gentil (2006), que os governos executam uma “manobra” contábil nos cálculos das
receitas e despesas com a Seguridade Social; segundo a autora, os cálculos estariam sendo feitos de
forma diferente do que prevê a Constituição Federal do Brasil (BRASIL, 1988).

O Sistema de Seguridade Social, referidos nos artigos 194 e 195 da Constituição Federal,
assegura benefícios previdenciários, sociais e o amparo à saúde (o chamado “tripé da proteção
social”). Esses artigos também definem as receitas arrecadadas e vinculadas a esses gastos, tais como
Contribuições Previdenciárias ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e Contribuição para

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 7 84


o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Em 2012, já se previa que existiria, subtraindo
as despesas com Saúde, a Previdência e Assistência Social, um superávit, equivalente a 78 bilhões.
Portanto, o dinheiro para a Seguridade, não poderia, teoricamente, ser utilizado para outros fins, mas
estaria sendo utilizado para o pagamento de juros do lançamento de títulos públicos para controlar
a taxa SELIC (média de juros que o governo brasileiro paga por empréstimos tomados dos bancos).
Dados mais recentes indicam que após 20 anos de superávit primário no período de 2003 a 2015,
acumulou-se cerca de R$ 824 bilhões, ou seja, as receitas “primárias” (constituídas principalmente
pela arrecadação de tributos) foram muito superiores aos gastos sociais, tendo esse valor sido
reservado para o pagamento da dívida pública. Apesar do contínuo corte de investimentos sociais, a
dívida pública se multiplicou, no mesmo período, de R$ 839 bilhões ao final de 2002 para quase R$
4 trilhões ao final de 2015 (FATTORELLI, 2016).

Adotar medidas de austeridade como as contidas no projeto de reforma da previdência,


aumentando o tempo de contribuição, em associação aos cortes previstos na saúde são ações
contraditórias, para não dizer excludentes, ao modelo, até então, previsto para atenção à população
idosa. Não bastassem tais desconstruções, tem-se ainda as que afetam o reconhecimento dos fatores
socioeconômicos (dados epidemiológicos), importantíssimos para definição da assistência em saúde
que, por sua vez, define a manutenção da vida em idade avançada, conforme apresentação que se
segue.

4. A EPIDEMIOLOGIA EM SAÚDE E A EMINÊNCIA DE UM “APAGÃO ESTATÍSTICO”

A epidemiologia, do grego “estudo sobre a população”, é atualmente entendida como a


ciência que estuda o processo saúde-doença analisando a distribuição e os fatores determinantes desse
processo nas sociedades/comunidades. Portanto, tem como objetivos: i) descrever a distribuição
e a magnitude dos problemas de saúde das populações humanas, ii) proporcionar dados para o
planejamento, execução e avaliação das ações de prevenção, controle e tratamento das doenças; iii)
estabelecer prioridades e iv) identificar fatores etiológicos no início das doenças (BRASIL, 2005).
A principal fonte de dados, utilizada como referência para o conhecimento das condições de vida/
processo saúde-doença das populações, é o censo, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), de periodicidade decenal, realizado em todos os municípios brasileiros, tendo
como unidade de coleta, o sujeito residente, em determinada data, em um dado domicílio do Território
Nacional.

Tal como descrito anteriormente, retrocessos também poderão ocorrer com relação à
compreensão da organização social brasileira. O IBGE anunciou, recentemente, cortes no questionário
- retirada de questões que se referem a diversos aspectos, tais como emigração internacional,
migração interna, rendimento familiar, presença de bens, moradia (aluguel), entre outros - do Censo
Demográfico 2020, em comparação ao censo realizado em 2010. Porém, evidencia-se movimento
contrário, encabeçado por especialistas como ex-diretores do IBGE, membros da Escola Nacional de
Saúde Pública Sérgio Arouca (INESP) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO),
somando forças para manutenção das perguntas retiradas, visando evitar o impacto negativo na

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 7 85


construção dos principais indicadores de saúde no Brasil. Ressalta-se que tais questões servem de
base para o cálculo dos repasses federais para fundos como o de Participação dos Municípios (FPM)
e dos Estados (FPE) e estão entre os principais focos de judicialização em torno do censo.

Antunes, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio - EPSJV/Fiocruz (2019), reuniu


as opiniões dos atores sociais acima identificados, os quais defendem que os cortes podem trazer
perdas para pesquisas e para a formulação de políticas públicas na Seguridade Social e na Educação.
Ressalta-se que, embora não haja muitas questões específicas sobre saúde, no censo, ele é fundamental
no cálculo de indicadores, como a cobertura de determinadas ações e taxas de incidência e prevalência
de vários agravos. Segundo Sharapin:

“Os dados do censo são, também, utilizados para o pagamento de vários procedimentos
realizados pelo Sistema Único de Saúde, além de permitir conhecer as condições de vida
da população e a identificação de grupos mais vulneráveis que necessitam de políticas mais
específicas de equidade para garantia de seus direitos” (ANTUNES, 2019).

O orçamento previsto para a realização do Censo 2020 sofrerá redução de 25%,


aproximadamente, previsto em 3,2 bilhões. A redução do questionário, possibilitará reduzir o tempo
gasto pelo recenseador durante a visita domiciliar. A posição da Associação dos Trabalhadores do
IBGE (Assibge-SN) foi a de que uma diminuição no questionário poderia causar a quebra de séries
históricas de dados sobre a população brasileira.

De acordo com Romero, pesquisadora do Instituto de Comunicação e Informação Científica


e Tecnológica (Icict/Fiocruz), os cortes nos quesitos sobre migração e emigração podem gerar
distorções nas projeções populacionais e causar um efeito em cascata sobre vários levantamentos na
área da saúde que têm como base a pesquisa. Para Romero:

“O censo do IBGE é a matriz para calcular as amostras de qualquer inquérito de saúde, seja
no âmbito da segurança alimentar, da Política Nacional de Saúde, etc. Para isso é preciso
ter muita clareza de qual é a população dos municípios. Se você elimina uma informação
fundamental para a estimativa populacional nossa hipótese é que vai ter muito mais erros no
cálculo” (ANTUNES, 2019).

Outras perdas são em relação ao cálculo do déficit habitacional, identificação do recebimento


de vários benefícios ligados a programas sociais, aluguel e rendimentos com aplicações financeiras.
Tais dados auxiliam na regulação dos índices de pobreza. Além disso, é importante do ponto de vista
das pesquisas que trabalham com dados do censo reunir em uma mesma base de dados o máximo
possível de informações sobre a população. Nas palavras de Romero:

“Se você fraciona as informações por inquéritos diferentes, não vai poder traçar o perfil da
população em um território, porque são diferentes fontes de informação que muitas vezes
não conversam. Estamos caminhando para ter um país desinformado, e a desinformação não
colabora com a saúde pública brasileira” (ANTUNES, 2019)

Ainda há incertezas nas vésperas da operação censitária e as mudanças na metodologia são


vistas por muitos especialistas como irresponsabilidade, além de representar uma descaracterização
do modelo de proteção social construída, até então, no país.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 7 86


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de a expectativa de vida ter aumentado no Brasil, a forma como a população brasileira
está envelhecendo, com inegável desigualdade, não pode ser comparável às populações de países
desenvolvidos. O histórico de variáveis como, por exemplo, a baixa escolaridade e a precarização do
trabalho e da renda, ainda não superados e com tendência a piorar pela condução do atual governo,
configuram-se como fatores socioeconômicos, cientificamente comprovados, que influenciam
negativamente no processo de envelhecimento da população.

Sabe-se, pois, que o aumento da expectativa de vida é regido por fatores sociais e, considerá-lo
de maneira descontextualizada, na reforma da previdência, é uma medida anacrônica que desconsidera
o histórico descaso com a população idosa, sobretudo, quando se tem prevista a diminuição das
informações censitárias a serem colhidas em 2020. Os atuais cortes impactam na incipiente democracia
brasileira, nos direitos ainda não adquiridos e, pior, visam ocultar, no futuro, as suas consequências.
Tais atitudes dos que governam não podem deixar de ser denunciadas por aqueles que se dedicam à
produção de vida com dignidade.

Políticas Públicas no Brasil: Um Olhar Interdisciplinar Capítulo 7 87


6. REFERÊNCIAS

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