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I DA D E
MÉDIA
C AT E D R A I S , C AVA L E I R O S
E CIDADES

DIREÇÃO
U M B E RTO E CO

Tradução
Is a be l Br a n co
Ca r los Abo im de Brit o
Ca r los Ma n ue l Oliveira

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XXXXXXX

ÍNDICE

13 HISTÓRIA

15 Introdução, de Laura Barletta


23 Os acontecimentos
23 O cisma da Igreja do Oriente, de Marcella Raiola
26 A luta pela investidura, de Catia Di Girolamo
30 A política dos papas, de Ivana Ait
34 A criação e a expansão das comunas, de Adrea Zorzi
38 A concorrência entre as repúblicas marítimas, de Catia Di Girolamo
41 Guelfos e gibelinos, de Catia Di Girolamo
44 As cruzadas e o reino de Jerusalém, de Franco Cardini
49 Frederico, Barva-Ruiva e a terceira cruzada, de Franco Cardini
53 O aparecimento das ordens de cavalaria, de Barbara Frale
57 A Reconquista, de Claudio Lo Jacono

61 Os países
61 O Estado da Igreja, de Ivana Ait
64 O Sacro Império Romano-Germânico, de Giulio Sodano
68 Cidades e principados da Germânia, de Giulio Sodano
71 A França capetiana, de Fausto Cozzetto
76 O reino de Inglaterra, de Renata Pilati
85 Os países escandinavos, de Renata Pilati
91 Os normandos na Itália meridional e na Sicília, de Francesco Paolo Tocco
94 Reinos e principados russos, de Giulio Sodano
98 A Polónia, de Giulio Sodano
101 A Hungria, de Giulio Sodano
104 A Península Balcânica, de Fabrizio Mastromartino
107 As comunas, de Andrea Zorzi
111 Os reinos cristãos da Hispânia, de Massimo Pontesilli
115 Reinos de taifas: os Estados muçulmanos na Península Ibérica, de Claudio Lo Jacono
118 As repúblicas marítimas, de Catia Di Girolamo
122 O império bizantino: a dinastia dos Comneno, de Tommaso Braccini
128 O reino de Jerusalém e os feudos menores, de Franco Cardini

134 A economia
134 2FUHVFLPHQWRGHPRJUiÀFRHDXUEDQL]DomRde Giovanni Vitolo
138 A extensão de terras cultivadas e a economia rural, de Catia Di Girolamo
141 Mercados, feiras, comércio e vias de comunicação, de Diego Davide

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I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES

145 O tráfego marítimo e os portos, de Maria Elisa Soldani


150 O crédito e a moeda, de Valdo d’Arienzo
153 A expansão das manufacturas e as corporações de ofícios, de Diego Davide

158 A sociedade
158 O feudalismo, de Giuseppe Albertoni
162 A cavalaria, de Francesco Storti
165 A burguesia (comerciantes, médicos, juristas, notários), de Ivana Ait
169 Os judeus, de Giancarlo Lacerenza
174 Os pobres, os peregrinos e a assistência, de Giuliana Boccadamo
178 Bandidos, piratas e corsários, de Carolina Belli
181 Os missionários e as conversões, de Genoveffa Palumbo
190 Ordens religiosas, de Anna Benvenuti
195 Aspirações de reforma da Igreja e heresias nos primeiros dois séculos depois do
ano 1000, de Giacomo Di Fiore
202 A instrução e os novos centros de cultura,
de Anna Benvenuti
205 O renascimento da ciência jurídica e
a génese do direito comum, de Dario Ippolito
209 A vida religiosa, de Errico Cuozzo
213 O cavalo e a pedra: a guerra na era feudal,
de Francesco Storti
217 O poder das mulheres, de Adriana Valerio
221 Festas, jogos e cerimónias na Idade Média,
de Alessandra Rizzi
224 A vida quotidiana, de Silvana Musella

231 FILOSOFIA

233 Introdução, de Umberto Eco

237 A retoma da Europa e o desenvolvimento do saber


237 Anselmo de Cantuária: pensamento, lógica e realidade, de Massimo Parodi
243 Pedro Abelardo, de Claudio Fiocchi
251 João de Salisbúria e a conceção do poder, de Stefano Simonetta
256 As disputas eucarísticas, de Luigi Cataloni
259 A Escola de Chartres e a redescoberta de Platão, de Luigi Cataloni
263 Os mestres de São Vítor e a teologia mística, de Luigi Cataloni
268 Intérpretes e formas da literatura teológica no século XII, de Luigi Cataloni
271 «Anões aos ombros de gigantes», história de um aforismo, de Umberto Eco
274 Mulheres intelectuais, de Claudio Fiocchi
279 3HFDGRHÀORVRÀDde Carla Casagrande

287 CIÊNCIA E TECNOLOGIA

289 Introdução, de Pietro Corsi

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293 Ciências matemáticas


293 Astronomia e religião: o controlo do tempo,
de Giorgio Strano
297 Cultura islâmica e traduções latinas,
de Giorgio Strano
299 As ciências matemáticas no islão,
de Giorgio Strano

304 A medicina: saberes do corpo,


da saúde e da cura
304 Medicina e doença no Ocidente
nos séculos XI e o XII, de Maria Conforti
306 Constantino, o Africano, e a medicina árabe
no Ocidente, de Maria Conforti
309 A Escola de Salerno e Articella, de Maria Conforti
312 Rhazes e Cânone, de Avicena, no Ocidente, de Maria Conforti

314 Alquimia e química


314 Avicena e a alquimia arábe, de Andrea Bernardoni
319 O acolhimento da alquimia árabe no Ocidente, de Andrea Bernardoni
323 Alquimia e mineralogia bizantina, de Andrea Bernardoni
326 A tradição dos receituários e dos livros para artesãos, de Andrea Bernardoni

330 Inovações, descobertas, invenções


330 A revolução agrícola, de Giovanni Di Pasquale
334 Novas fontes de energia para o trabalho, de Giovanni Di Pasquale
337 A cidade e a técnica, de Giovanni Di Pasquale
339 $UHÁH[mRVREUHDVDUWHVPHFkQLFDVde Giovanni Di Pasquale
343 Entre o Oriente e o Ocidente, de Giovanni Di Pasquale

350 Fora da Europa


350 Ciência e tecnologias na China, de Isaia Iannaccone

357 Lapidários e magia


357 Magia e curas mágicas, de Antonio Clericuzio

367 LITERATURA E TEATRO

369 Introdução, de Ezio Raimondi e Giuseppe Ledda

373 Renascimento e renovação


373 A retórica nas universidades, de Francesco Stella
377 As poetrie em latim da Idade Média, de Elisabetta Bartoli
380 A leitura e o comentário dos clássicos, de Elisabetta Bartoli
384 Primeiros documentos e textos literários nas línguas europeias, de Giuseppina Brunetti
389 A nova literatura do fantástico, de Francesco Stella

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I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES

393 A cultura das escolas e dos mosteiros


393 A poesia religiosa, de Francesco Stella
398 Teologia, mística e tratados religiosos, de Irene Zavattero
403 A predicação e as artes praedicandi, de Silvia Serventi
407 $KDJLRJUDÀDde Pierluigi Licciardello
411 Visões do além, de Giuseppe Ledda
415 A poesia didatica, enciclopédica e alegórica, de Francesco Stella
419 Cartas de amor, de Francesco Stella

424 As cortes, as cidades, as nações: a caminho das literaturas europeias


424 Géneros da literatura latina da Idade Média: fábula e sátira, de Roberto Gamberini
428 Poesia latina e poesia goliarda, de Francesco Stella
433 A historiografía, de Pierluigi Licciardello
436 A poesia épica latina, de Roberto Gamberini
440 A poesia épica em vulgar, em França e na Europa, de Paolo Rinoldi
448 A literatura de viagens, de Francesco Stella
452 As formas do conto breve, de Daniele Ruini
457 Maria de França, de Giuseppina Brunetti
461 O romance, de Giuseppina Brunetti
469 Chrétien de Troyes, de Giuseppina Brunetti
475 A lírica, de Giuseppina Brunetti

486 Teatro
486 Ofício litúrgico e teatro religioso, de Luciano Bottoni
490 O teatro clássico: receção e comentário,
de Luciano Bottoni

497 ARTES VISUAIS

499 Introdução, de Valentino Pace

506 Os espaços arquitetónicos


506 Génese e desenvolvimento dos novos espaços sagrados da Europa cristã, de Luigi
Carlo Schiavi
527 O espaço sagrado da ortodoxia, de Andrea Paribeni
534 Portas e portais de entrada nos espaços eclesiásticos, de Giorgia Pollio
540 Os espaços do poder (eclesiástico e laico), de Luigi Carlo Schiavi

544 Os programas de imagem


544 2VSURJUDPDVÀJXUDWLYRVGD,JUHMDFULVWmQD(XURSD PRVDLFRVSLQWXUDVHVFXOWXUDV
vitrais, pavimentos, livros), de Alessandra Acconci
572 2VSURJUDPDVÀJXUDWLYRVGD,JUHMDRUWRGR[Dde Francesca Zago

581 Os instrumentos da liturgia e os símbolos do poder


581 O mobiliário eclesiástico (frontais, cátedras, cibórios, púlpitos, círios), de Manuela
Gianandrea
588 Os símbolos do poder no Ocidente, de Alessandra Acconci

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594 Os símbolos do poder no Oriente, de Andrea Paribeni

601 Os territórios e as cidades


601 6DQWD6RÀDHP&RQVWDQWLQRSODde Francesca Zago
603 A Rus’: Kiev, Novgorod, Vladimir, de Francesca Zago
606 A Germânia: Hildesheim, Colónia, Espira, de Luigi Carlo Schiavi
609 A Inglaterra, de Luigi Carlo Schiavi
611 A Sicília normanda: Cefalù, Palermo, Monreale, de Manuela De Giorgi
617 São Marcos em Veneza, de Francesca Zago
620 A Hispânia: Ripoll, Tahull, Jaca, Bagüés, Leão, de Alessandra Acconci
624 A França das catedrais : Sens, Laon, Paris, de Luigi Carlo Schiavi
629 A Terra Santa, de Giorgia Pollio

634 As questões
634 Bizâncio e o Ocidente (Teofânia, Desidério de Monte Cassino, Cluny, Veneza,
Sicília), de Manuela De Giorgi
641 As vias de peregrinação, de Luigi Carlo Schiavi
651 A arte e a reforma eclesiástica nos séculos XI e XII, de Alessia Trivellone
659 A autoconsciência do artista, de Manuela Gianandrea

665 MÚSICA

667 Introdução, de Luca Marconi e Cecilia Panti

669 O pensamento teórico musical


669 Guido d’Arezzo e a nova pedagogia musical, de Angelo Rusconi
676 A música na cultura enciclopédica medieval, de Cecilia Panti
680 Música e espiritualidade feminina: Hildegarda de Bingen, de Cecilia Panti

684 A prática musical


684 Monódia litúrgica e religiosa e primeira polifonia,
de Giorgio Monari
689 Trovadores, de Giorgio Monari
693 Troveiros e Minnesänger, de Germana Schiassi
701 A dança nos séculos XI e XII: dança e religião,
de Stefano Tomassini
705 A música instrumental, de Fabio Tricomi
709 Festas e cantos da Sicília normanda, de Roberto Bolelli
713 ,FRQRJUDÀDPXVLFDOArs Musica, a jovem Harmonia,
de Donatella Melini

719 Índice remissivo

733 CRONOLOGIA

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I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES

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HISTÓRIA

HISTÓRIA

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HISTÓRIA

INTRODUÇÃO

de Laura Barletta

No século XII, numa crónica de Sigeberto de Gembloux, conta-se que no ano


1000 se deu um terramoto e surgiu um assustador cometa em forma de serpente:
a representação do diabo do Apocalipse de João, encarcerado durante mil anos
HYLQGRSDUDDQXQFLDURÀPGRPXQGR0DOVDELDPRVKRPHQVGRDQRTXH
estavam prestes a viver uma longa e duradoura fase de expansão da sua história.
Na verdade, no início do século XI, a população europeia já está em crescimen-
WRHFRPHODDXPHQWDPRVQRYRVFHQWURVKDELWDGRVDGHQVLGDGHGHPRJUiÀFD
nas cidades, a superfície de terra cultivada, as atividades artesanais e comerciais,
os mercados, as feiras, as vias de comunicação, os portos, o tráfego marítimo
e a circulação monetária. Estas mudanças não surgem uniformemente por
WRGDD(XURSD²EDVWDSHQVDUQDGLYHUVDFRQÀJXUDomRJHRJUiÀFDHXUEDQD A Europa
das regiões europeias e na incidência das guerras, invasões ou epidemias –, depois do ano 1000
no entanto, trata-se de uma tendência de fundo da sociedade. Grupos de
camponeses abandonam os territórios dos senhores feudais e deslocam-se
para zonas desabitadas para desbravar e lavrar os terrenos fundando novas al-
GHLDVDVSRSXODo}HVJHUPkQLFDVH[SDQGHPVHSDUDRULHQWHSDUDDVÁRUHVWDVGH
RQGHWLQKDPPLJUDGRVpFXORVDQWHVRVSRYRVPDULQKHLURVFRPRRVDPDOÀWDQRV
dirigem-se para oriente e para os países árabes, ou, como os venezianos, para
o mundo bizantino, enquanto os frísios e os viquingues rasgam o Báltico e os
grandes rios russos; as zonas pantanosas sofrem grandes obras de melhoramen-
tos e saneamento, surgem novas técnicas e instrumentos náuticos (a bússola, os
portulanos, as cartas náuticas) e agrários (o arado pesado, a ferradura do cavalo,
a rotação trienal das culturas); paralelamente aos bens de primeira necessidade
começam a circular com maior frequência os bens de luxo, como os perfumes,
as especiarias e as pedras preciosas; a produção decompõe-se em fases de ma-
nufatura e organiza-se em lojas artesanais; as cidades antigas assumem um novo
papel de centro de produção e de troca, diferente daquele que tiveram no pas-
sado enquanto centros de consumo, dando origem a guildas regulamentadas
por estatutos e que acabarão por ter um importante peso económico e políti-
co. Aquela que enfrenta o novo milénio é, em suma, uma Europa que se liberta
WDQWRGDH[SHFWDWLYDGHXPÀPSUy[LPRGRWHPSRWHUUHQRFRPRGDVIURQWHLUDV
JHRJUiÀFDVGD$QWLJXLGDGHHGRVOLPLWHVHVWUHLWRVGDVREUHYLYrQFLD

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I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES

A Europa política
As chamadas segundas invasões, que nos dois séculos precedentes se prolon-
garam na Europa, vão-se dissipando e se, ainda no início do século XI, a costa
a norte do Mediterrâneo é alvo do domínio ou da investida dos muçulmanos, a
sua tónica ofensiva enfraquece: a Itália meridional e o Adriático já regressaram
ao controlo do Império Bizantino, que vive uma renovada época de esplendor
cultural, militar e administrativo; na Península Ibérica, os pequenos reinos das
Astúrias e de Navarra e os condados de Castela e de Barcelona consolidam as
suas posições contra o califado omíada de Córdova, cujo desmantelamento
Consolidações no início do século XI permite a ofensiva cristã. Os húngaros, já submeti-
territoriais
dos a Estêvão I (c. 969-1038, rei desde 1000/1001), vão-se radicando nas
terras ao longo do Danúbio, após as derrotas contra os imperadores da
dinastia saxónica e em particular após a batalha de Lechfeld, perto de Augs-
burgo (955). Os eslavos, já cristianizados no século IX, organizam-se territorial-
mente e formam reinos e principados que terão uma longa existência nos Balcãs
e na Sérvia, na Polónia, em Kiev. Os normandos, provenientes da península da
Dinamarca e da Escandinávia, já se estabeleceram ao longo da costa atlântica, na
região que virá a chamar-se Normandia, constituindo um ducado vassalo do rei
dos francos Carlos, o Simples (879-929), e, durante o século XI, alcançam prova-
velmente a costa canadiana, com investidas que continuam as dos séculos IX e X
às ilhas atlânticas e ao longo dos rios russos. Mas, sobretudo, naquela épo-
ca, instalam-se decididamente na Itália meridional e em Inglaterra: apro-
Novas conquistas veitando a luta entre os bizantinos e os lombardos, que solicitam apoios
PLOLWDUHVSDUDRVVHXVFRQÁLWRVORFDLV5REHUWRo Guiscardo (c.1010-1085),
consegue ocupar grande parte da Itália meridional e da Sicília, enquanto
o duque da Normandia, Guilherme, o Conquistador (c. 1027-1087, rei desde
1066), derrota em Hastings (1066) o exército anglo-saxão de Haroldo e se torna
rei de Inglaterra, criando deste modo, além de outros, os pressupostos para os
FRQÁLWRVVHJXLQWHVHQWUHD)UDQoDHD,QJODWHUUDHPYLUWXGHGDVOLJDo}HVIHXGDLV
TXHXQHPRVGRLVVREHUDQRV1RFHQWURGD(XURSDYmRVHUHGHÀQLQGRUHLQRV
e domínios locais, a partir do condado de Paris, onde, após a crise dinástica que
se seguiu à destituição de Carlos, o Gordo UHLGHD VHDÀUPD
solidamente a dinastia capetiana, enquanto em Aix-la-Chapelle acaba de nascer
o Sacro Império Romano-Germânico, em redor do qual se desenrolará grande
parte da história do continente.

O feudalismo maduro
Assim se vão delineando as áreas europeias destinadas a serem protagonistas
QRVDFRQWHFLPHQWRVGRVVpFXORVVHJXLQWHVHHVWDEHOHFHQGRDVEDVHVGRVFRQÁLWRV
HDVUHODo}HVSROtWLFDVGXUDGRXUDV6HSRUXPODGRDJHRJUDÀDSROtWLFDGD(XURSD
com a cristianização e a estabilização de novas populações, tende a estender-se para

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HISTÓRIA

RULHQWHSRURXWURHVWDFRQÀJXUDomRWRUQDDVHPSUHPDLVGLVWDQWHHGLVWLQWD
GR,PSpULR5RPDQRGR2FLGHQWHFXMDVIURQWHLUDVFRQWLQHQWDLVHVWDYDPÀ-
xadas no Reno e no Danúbio. O sonho da renovatio imperii acalentado pelo Os sonhos imperiais
casamento entre Otão II (955-983, rei desde 973) da Saxónia e a princesa de Otão III

bizantina Teofânia (c. 955-991, imperatriz de 973 a 983) desvanece-se no


FDUiFWHUDEVWUDWRGDVXDFRQVWUXomRLQWHOHFWXDOHGHÀQLWLYDPHQWHFRPDPRU-
WHGH2WmR,,, LPSHUDGRUGHVGH ÀOKRGRLPSHUDGRUHGH7HRIk-
nia. Inspirado pela teorização da sacralidade do título imperial elaborada pelo seu
precetor Gerberto de Aurillac, que elege papa em 999 com o nome de Silvestre II
(950-1003), Otão III, muito jovem, tem o sonho de reunir sob o império toda a
cristandade, provocando uma viva oposição feudal e nobiliárquica sobretudo na
Alemanha e em Itália, onde a aristocracia romana o obriga a abandonar a cida-
de para morrer no ano seguinte, sem herdeiros, no convento de Monte Soratte.
No confronto entre o ideal de um império universal, ainda presente nos pri-
meiros séculos do novo milénio, e a concretização do poder territorial prevalece
este último, e a capacidade de o feudalismo responder às exigências contempo-
râneas como modalidade de reorganização do poder público, a sua propagação,
o seu profundo enraizamento em todos os aspetos da vida quotidiana são de-
monstrados pela ampla persistência do direito feudal em contextos muito diver-
VRVTXDQGRRVHXSDSHOSROtWLFRMiVHHVJRWDUDDWpDRÀPGD,GDGH0RGHUQDH
em alguns países, até mais tarde. O feudalismo atinge nos séculos XI e XII a
sua idade mais madura, de tal modo que, enquanto alguns historiadores
IDODPGHXPVHJXQGRIHXGDOLVPRRXWURVDÀUPDPTXHDSHQDVQRVSUL- Um feudalismo mais
sistemático
meiros séculos do segundo milénio se assiste a uma idade propriamen-
te feudal. De facto, se a hereditariedade nos feudos maiores foi validada
por Carlos, o Calvo (823-877, imperador desde 875), na capitular de Quierzy
(877), é apenas em 1037 que se reconhece a dos feudos menores com a Consti-
tutio de feudisGH&RQUDGR,, FLPSHUDGRUGHVGH $VHVWUDWLÀFD-
ções feudais tornam-se mais densas, a fragmentação territorial diminui, cresce
a feudalização de funções e jurisdições públicas, nasce a feudalidade ministerial
e eclesiástica que estará frequentemente em competição com a da aristocracia,
consolida-se a tendência para a formalização das relações. Isto faz do feudalismo
um verdadeiro sistema social, económico e político que, juntamente com a rela-
tiva continuidade da organização do poder público nas cidades-sedes episcopais
e na enorme quantidade de pequenos centros de poder em torno dos castelos,
conduz às extremas consequências o particularismo que o costume germânico
GDGLYLVmRKHUHGLWiULDGRVEHQVHQWUHÀOKRVMiLQLFLDUD

Novas regras para a sociedade


É precisamente o contínuo confronto e a recomposição das diversas instân-
cias particularistas, juntamente com a persistência da ideia de um ordenamen-

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I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES

to político universal, que constitui o complexo cenário, onde coexistem tanto a


violência generalizada e a preeminência do elemento militar em relação à esfera
política, como uma renascida tendência para a formação de regras capazes de
WUDYDUHPDFRQÁLWXDOLGDGHGHVDUWLFXODGDGDVRFLHGDGHUHJUDVFRPRDVWUpJXDV
de Deus (suspensão das operações militares ordenadas pelas autoridades ecle-
siásticas de quarta-feira à tarde até segunda-feira de manhã e nos dias feriados)
instituídas nos concílios de Arles (1037-1041) ou relativas à cavalaria, decretadas
QRÀQDOGRVpFXORXI no Liber de Vita Christiana, de Bonizone di Sutri, que, a par-
tir, não por acaso, de França e com o apoio da Igreja, favorecem a estabilização
da sociedade, fornecem um quadro de referência às orlas mais agitadas, difun-
dem uma ética que exalta a justiça, a defesa dos mais fracos e os ideais cristãos.
Neste contexto de desenvolvimento civil não é surpreendente o papel mais
interventivo da mulher, quer nos mosteiros quer na vida política e social, uma
maior atenção aos jogos e ao ócio, uma vida social mais intensa e uma nova
difusão da alfabetização e da cultura. A partir do século XI aumenta a dis-
ponibilidade dos textos clássicos – já em circulação desde o século VIII –
Novo impulso para o sobretudo em traduções do greco, do árabe e do hebraico, aumentam os
estudo dos clássicos leitores, multiplicam-se os comentários nas margens dos livros, sinal de
um novo interesse pelo seu conteúdo, os mosteiros tornam-se locais de
HVWXGRDEHUWRVDRVMRYHQVHDÀUPDPVHFRPRDVSULPHLUDVXQLYHUVLGDGHV
laicas, a de Bolonha para o direito, Paris para a teologia. E o direito começa a as-
sumir particular relevo para regulamentar as componentes económicas, políticas
e religiosas cada vez mais complexas da sociedade. Paralelamente à continuidade
de uma variedade de ordenamentos jurídicos que se justapõem e sobrepõem e
de um direito pessoal que varia conforme a etnia, a proveniência, o status, a con-
dição e as tradições, desenha-se a formação de um direito comum sustentado
pela ciência dos juristas e fundado na compilação justiniana. Uma necessidade
não diferente de clareza e de uniformidade leva à formação de um direito canó-
nico distinto da teologia, com base numa recolha de textos do Velho e do Novo
Testamento e dos padres da Igreja, de fragmentos de direito romano, de cânones
conciliares e decretos pontifícios, efetuada pelo monge Graciano (século XII) por
volta de 1140. O regresso a uma romanidade recuperada através do direito está
também na base de uma primeira laicização da política, cujos sinais podem ser
LGHQWLÀFDGRVQDVFRPXQDVHP,WiOLDRQGHDÀJXUDFHQWUDOGRELVSRYDLSHUGHQ-
do centralidade e as instituições políticas se referem à idade da res publica romana.

Renovação religiosa e reforma da Igreja


Neste contexto dominado pelo particularismo, mas percorrido pela busca de
perspetivas mais seguras e amplas, insere-se igualmente a tendência para a reno-
vação religiosa e a reforma da Igreja. Um clero dedicado à simonia e ao concu-
binato não parece responder à sua função de ligação com o além e, por outro

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HISTÓRIA

ODGRXPDVRFLHGDGHTXHFUHVFHHVHGLYHUVLÀFDH[LJHXPFRUSRHFOHVLiVWLFR
PDLVHVSHFLDOL]DGRHPDLVEHPGHÀQLGR2VQRYRVPRYLPHQWRVUHOLJLR-
sos, apesar das suas diferenças, mostram em substância um elemento co- O regresso às origens
mum na aspiração à simplicidade evangélica, muitas vezes à pobreza dos
primeiros tempos, e uma adesão ao plano natural que pode chegar até ao
respeito pela vida de todos os seres e também à abolição das hierarquias e
dos sacramentos e a reivindicações sociais e políticas. Patarinos, cátaros, valden-
ses, umiliatas, «maniqueístas» da Aquitânia, cânones de Orleães, hereges de Arras,
hereges de Monforte e muitos outros permanecem por um tempo mais ou me-
nos longo entre a ortodoxia e a heresia. De resto, muitas das suas preocupações
são comuns aos movimentos reformadores que agem no interior da Igreja: bas-
WDSHQVDUQDIXQGDomRGHPRVWHLURVFRPRREMHWLYRGHÀ[DUPXLWRVPRQJHV
itinerantes para os controlar, para uniformizar a sua doutrina e para lhes
UHWLUDUDLQÁXrQFLDPXQGDQDDFRPHoDUSHORGH&OXQ\  TXHQDVFH Mosteiros e monges
inclusivamente com o objetivo de libertar a Igreja das ingerências aris-
tocráticas, passando pelo primeiro mosteiro valombrosano (1115), pelo
dos cistercienses em Citeaux (1098) ou ainda pelo de Prémontré, para citar
apenas alguns dos mais destacados. O resultado nem sempre será duradouro,
os próprios mosteiros cluniacenses, inspiradores da reforma, verdadeiras forjas
de personalidades políticas e religiosas, são por sua vez alvo de severas críticas e
novas ordens religiosas virão impor uma disciplina mais rigorosa.
Estas tentativas inserem-se na tendência para devolver dignidade ao clero
pela moralização dos seus costumes e prestígio ao papado com a eliminação das
LQWULJDVURPDQDVHGDLQÁXrQFLDGRLPSHUDGRUQRkPELWRGHXPYDVWRGHVtJQLR
destinado a separar a rede de interesses entre laicos e eclesiásticos, a distinguir a
esfera religiosa da esfera secular, a reorganizar o clero e sobretudo a garantir
a primazia da Igreja sobre qualquer poder terreno em virtude da sua mis-
são de salvação. O movimento de reforma é favorecido pelo imperador
Império e reforma
Henrique III (1017-1056, imperador desde 1046), que solicita a Clemen-
te II (papa de 1046 a 1047) que condene a simonia no Concílio de Sutri
(1046) e desempenha um papel determinante na nomeação para papa de
Bruno, bispo de Toul (1049), que, com o nome de Leão IX (1002-1054, papa
desde 1049), chama a Roma os principais reformistas, entre eles Pedro Damião
(1007-1072) e Hildebrando de Sovana (c. 1030-1085, papa desde 1073 com o
nome de Gregório VII). Esta Igreja forte, que deseja o primatus Pietri e a libertas
ecclesiae romanae, rompe, em 1054, todas as relações com a Igreja grega do pa-
triarca Miguel Cerulário (c. 1000-1058) e, após a morte de Henrique III, durante
a regência de sua mulher Inês de Aquitânia (1025-1077), promulga, em 1059, o
decreto que retira a eleição do papa do controlo imperial, particularmente ur-
gente após a introdução, no século anterior, do privilegium othonis. A assunção do
poder imperial em 1066 por Henrique IV (1050-1106, imperador de 1084 a

19
I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES

1105) assume uma substancial reviravolta nas relações de força entre o papa e
o imperador, obrigado a combater a usurpação de prerrogativas imperais por
duques e príncipes alemães apoiados por senhores feudais menores. É durante
esta luta que Gregório VII promove um concílio que, em 1075, além de reforçar
a condenação da simonia e do concubinato, introduz a interdição da investidura
de eclesiásticos pelos laicos, enquanto num texto contemporâneo de 27 máxi-
mas, conhecido como Dictatus Papae, se decreta o primado do bispo de Roma,
com legitimidade para destituir o imperador. Esta escolha abre o caminho à luta
SHODLQYHVWLGXUDHDRFRQVHTXHQWHFRQÁLWRVHFXODUHQWUHD,JUHMDHR(VWDGR1R
ano seguinte, concluída vitoriosamente na Alemanha a prova de força contra o
feudalismo alemão, Henrique IV, no sínodo de Worms de 1076, destitui o papa
TXHSRUVXDYH]RGHVWLWXLHH[FRPXQJDGLVVROYHQGRRYtQFXORGHÀGHOLGDGHDR
imperador da aristocracia alemã, cujas franjas rebeldes convocam uma assembleia
em Augsburgo (1077) para o avaliar. A Penitência de Canossa (1077), a vitória
na Alemanha em 1080 contra Rodolfo, duque da Suábia, e os senhores feudais
rebeldes, a expedição em 1081 a Itália contra as tropas da condessa Matilde
(c. 1046-1115) e o cerco e tomada de Roma em 1084 representam as etapas de
um confronto que termina com a morte de Gregório VII em 1085, em Salerno,
onde se refugiara junto dos normandos de Roberto, o Guiscardo. A luta pelo po-
der terminará com a concordata de Worms (1122) entre Calisto II (c. 1050-1124,
papa desde 1119) e Henrique V (1081-1125, imperador desde 1111).

O cristianismo em expansão
Apesar destes contrastes, a renovação ideológica e política da Igreja mostra
toda a sua força com Urbano II (c. 1035-1099, papa desde 1088) na organiza-
ção – obra do delegado pontifício Ademar, bispo de Puy – da primeira cruzada,
iniciada em 1096 e concluída vitoriosamente no verão de 1099 com a con-
A primeira cruzada e quista de Jerusalém, entendida como uma peregrinação aos lugares santos
a conquista e que mobiliza uma vasta massa de penitentes e de militares, na maioria
de Jerusalém FDYDOHLURVMRYHQVFRPDQGDGRVSRUFKHIHVORUHQRVIUDQFHVHVÁDPHQJRV
e normandos, como Godofredo de Bulhão – futuro rei de Jerusalém –,
o seu irmão Balduíno de Bolonha, Raimundo de Tolosa, Hugo de Verman-
dois, Roberto II da Normandia, Roberto II da Flandres, Tancredo e Boemun-
do de Altavila, na busca de novos horizontes espirituais, políticos e comerciais.
Além da explosão da religiosidade, também existe uma relação das cruza-
das com a aceleração nos processos de expansão das atividades das cidades cos-
teiras italianas, como Génova e Pisa, que praticam uma política agressiva
contra os muçulmanos, expulsos pelas armas da Córsega e da Sardenha.
Expansão
do cristianismo Veneza, por sua vez, com as diretrizes favoráveis do imperador Aleixo
I Comneno (1048/1057-1118), assume um papel determinante no co-
mércio do Adriático, do Jónico e do Egeu, sob controlo bizantino. Mas

20
HISTÓRIA

naqueles anos toda a cristandade se expande. Em Espanha, Rodrigo Díaz,


chamado El Cid (1043-1099), participa na conquista de Toledo (1085) e, alguns
anos depois, em 1118, Afonso I de Aragão (c. 1073-1134, rei desde 1104) entra
em Saragoça, enquanto no Oriente se formam, após a conquista de Jerusalém,
pequenos estados cruzados de tipo feudal, como o reino da Arménia Menor, o
condado de Edessa, o principado de Antioquia, o condado de Trípoli, além do
próprio reino de Jerusalém. São instituídas também ordens religiosas militares,
criadas para defender os locais santos, mas presentes onde quer que exista uma
OXWDFRQWUDRVLQÀpLVRIHUHFHQGRRFDVLmRGHJOyULDHHQULTXHFLPHQWR1RVpFXOR
XII continuará uma segunda e uma terceira cruzada, em que participarão os so-
beranos europeus, sem sucesso.

As autonomias municipais e o império


A vitalidade europeia manifesta-se igualmente na nova conceção das comu-
nas que, na Itália setentrional, procuram fazer valer as suas autonomias. É so-
bretudo na última parte do século XI que as comunas começam a assumir uma
organização institucional com base nas assembleias citadinas, chamadas arengo
RXSDUODPHQWRTXHHOHJHPRVPDJLVWUDGRVDTXHPFRQÀDPWHPSRUDULDPHQWH
por seis meses ou um ano, as funções de governo, e nos conselhos (o conselho
maior e o conselho de credenza FRPIXQo}HVFRQVXOWLYDV1DHVWUDWLÀFDomRVRFLDO
GDVUHDOLGDGHVFRPXQDLVFRQÀJXUDVHXPDGLVWLQomRHQWUHJUDQGHVVHQKRUHV
(nobres, senhores feudais urbanos e burgueses ricos), povo (banqueiros e
grandes comerciantes), povo miúdo (artesãos e comerciantes) e a plebe O sistema comunal
sem direitos políticos (servos e assalariados). A complexa articulação do e os conflitos sociais
sistema comunal, caracterizado pelo recurso a uma forma associativa para
FDGDJUXSRVRFLDOFRPSRUWDXPDLPSRUWDQWHFRQÁLWXDOLGDGHSROtWLFDUHODWL-
vamente aos grupos hegemónicos e em particular aos grandes senhores de que
RVPDJLVWUDGRVDFDEDPSRUVHUDH[SUHVVmR2TXHMXVWLÀFDQRÀQDOGRVpFXORXII,
a tendência das comunas para recorrerem a órgãos de governo abstratamente
neutrais, como as podestades, verdadeiras especialistas da política, escolhidas en-
tre estrangeiros sem vínculo aparente aos grupos hegemónicos.
As comunas italianas assumem um papel particularmente relevante na relação
com o império, sobretudo com Frederico, Barba-Ruiva (c. 1125-1190), que assu-
me o poder em 1152 e tem de combater repetidamente em Itália para reativar a
autoridade imperial contra ligas capazes de criar uma resistência razoável, como
a da Marca de Verona por ocasião da terceira invasão da Itália (1163-1164), ou
da Liga Lombarda por ocasião da quarta (1166-1168) e da quinta (1174-1178).
Frederico não menospreza nem a via militar, nem os canais diplomáticos, nem
os acordos dinásticos, como é tradição [em 1178, em Arles, é coroado rei da
Borgonha depois de casar com Beatriz em 1156, mas, por ocasião da sexta inva-
VmRGD,WiOLDHQWUHHDOLDVHjFRPXQDGH0LOmRRQGHRÀOKR+HQUL-

21
I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES

que VI (1165-1197, imperador desde1191) é coroado rei de Itália e se casa com


Constança de Altavila (1154-1198), ganhando assim os direitos hereditários sobre
a Itália meridional], mas introduz uma novidade a favor do seu desígnio
SROtWLFRXPDFLrQFLDFLYLOHQHXWUDGHÀQLGDFRPRMXUtGLFDeQRGLUHLWR
As comunas
e o império romano, na sabedoria jurídica de Bulgarus, Martinus, Jacobus e Hugo,
todos discípulos de Irnerius, que, na segunda assembleia de Roncaglia
 RLPSHUDGRUSURFXUDXPDMXVWLÀFDomRTXHOKHSHUPLWDGHYROYHUj
coroa regalias imperiais por parte das comunas. O recurso a esta neutralida-
de laica é reiterado por Frederico no seu desejo de impor um poder imperial
às comunas rebeldes, e volta a surgir quando, entre 1178 e 1180, o imperador
promove, primeiro perante o tribunal palatino e depois perante os príncipes da
Saxónia, o processo de Henrique, o Leão (c. 1130-1195), acusado de ter negado
ajuda militar em Itália durante a quinta invasão.
O século XII termina com as mortes súbitas de Henrique VI e de Constan-
oDGH$OWDYLODHDVXELGDDRSRQWLÀFDGRHPGH,QRFrQFLR,,, 
papa desde 1198), que teoriza a superioridade do poder espiritual sobre o político
e encontra espaço para a conceção teocrática do poder na fraqueza do império,
onde o provável herdeiro Frederico II (1194-1250, imperador desde 1120) é con-
ÀDGRjVXDWXWHODHQRFRQÁLWRHQWUHDPRQDUTXLDLQJOHVDGH-RmR,GH,QJODWHUUD
(1167-1216, rei desde 1199) e a França de Filipe II (1165-1223, rei desde 1180).

22
HISTÓRIA

OS ACONTECIMENTOS

O CISMA DA IGREJA DO ORIENTE

de Marcella Raiola

As duas sedes relevantes da cristandade ocidental e oriental, Roma e Bizâncio,


SHUDQWHXPFRPSOH[RGHVDÀRKLVWyULFRSROtWLFRHGHWUDQVIRUPDomRLQVWLWXFLRQDO
atingem, no século XIXPDLUUHYHUVtYHOVHSDUDomRGHFXOWRGRXWULQDOHSROtWLFD

A questão do Filioque e o proselitismo cristão no tempo de Fócio


$SURJUHVVLYDVHSDUDomRWRUQDGDDUWLÀFLDOPHQWHLUUHYHUVtYHOHQWUHD,JUHMD
do Oriente e a Igreja do Ocidente está em correspondência biunívoca com as
respetivas aspirações à instauração de uma teocracia que, claramente, não po-
dia deixar de assumir conotações de universalidade e, portanto, de unicidade e
XQLYRFLGDGHGHFXOWR$VFLUFXQVWkQFLDVTXHOHYDPHPjUXWXUDGHÀQLWLYD
entre as duas Igrejas e as mais ou menos infundadas divergências doutrinais que
FRQVWLWXHPDPRWLYDomRRÀFLDOHQFRQWUDPDVXDJpQHVHQRFRQIURQWRMiHVERoD-
do dois séculos antes entre as duas sedes. O patriarca Fócio (c. 820-c. 891), não
reconhecido pelo dinâmico Nicolau I (810/820-867, papa desde 858), que rei-
vindicava a anterioridade e a primazia do poder espiritual naquelas perturbações
perante a pretensa subordinação dos descendentes de Carlos Magno (742-814,
rei desde 786, imperador desde 800) (em 824 fora emitida a Constitutio Romana,
TXHREULJDYDRSDSDDMXUDUÀGHOLGDGHDRLPSHUDGRUDQWHVGHVHUFRQVDJUDGR 
providencia uma excomunhão do papa com o pretexto da fórmula do Credo
adotada em Roma, que fazia descer o Espírito não só do Pai, segundo o princí-
pio conciliar niceno (saído do concílio de 325), mas do Pai e do Filho (daqui a
referência ao motivo da disputa como a «questão do Filioque»). Fócio tencionava
reverter as relações de força entre o império cesaropapista e o patriarcado. Por
isso, em 870, é destituído.
(PMRJRQRHQWDQWRHVWDYDWDPEpPRDODUJDPHQWRGDLQÁXrQFLDRULHQWDODRV
povos eslavos, então objeto de conquista e conversão forçada tanto por parte
dos francos, que agiam em nome da Igreja de Roma, como por Bizâncio. O rei
búlgaro Bóris (?-907, rei desde 852 até 889), de facto, já estreitara relações diplo-
máticas com Roma para evitar submeter-se ao patriarcado de Constantinopla, ao
qual a Igreja búlgara, contudo, permanece submissa mesmo após o afastamento

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I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES

de Fócio, por vontade de Basílio I (c. 812-886), com o objetivo de restabelecer


as relações com o papado.

Protagonistas e implicações da separação


Além da questão dogmática do Filioque, o Oriente e o Ocidente divergem
também em relação à adoção de práticas de culto, modelos litúrgicos e estatu-
tos disciplinares. Em particular o Ocidente não consente o matrimónio dos clé-
rigos, enquanto o Oriente, na celebração da Eucaristia, só aceita o uso de ázimos,
ou seja, de pão não levedado. O cisma de 1054 tem como protagonista Miguel
Cerulário (c. 1000-1058), colocado no trono patriarcal de Bizâncio pelo fraco
Constantino IX Monómaco (c. 1000-1055), em março de 1043.
O imperador não consegue travar nem orientar as forças dispersas do reino;
HPERUDSRXFRGDGRjUHÁH[mRHVSHFXODWLYDHVHPWDOHQWRRUDWyULRDSUR[LPDVH
dos mecenas e rodeia-se de numerosos intelectuais «laicistas», entre os quais
VHGHVWDFD0LJXHO3VHOR  FKDPDGRR©F{QVXOGRVÀOyVRIRVª
Pselo contra
Cerulário cronista deste tumultuoso período e funcionário imperial sem escrúpulos,
além de «adversário» natural e pessoal de Cerulário. A clara vitória deste
último provocaria uma reviravolta nas relações entre o império e o patriar-
cado, libertando a Igreja do pesado jugo da tutela imperial e determinando, no
entanto, o reforço das forças centrífugas em ação nas várias regiões do império.
2GRPtQLREL]DQWLQRQD,WiOLDPHULGLRQDOLQHYLWDYHOPHQWHÀHODRSDSDGH-
saparece a partir do cisma.
6LJQLÀFDWLYDPHQWH3VHORHVFUHYHTXH&HUXOiULRGHPRQVWUDUDTXHD©GLJQLGDGH
bispal prevalecia sobre a púrpura imperial» (Michelle Psello, Epistola a M. Cerula-
rio, editado por Ugo Criscuolo, 1990).
Oriente É óbvio que a responsabilidade da rutura não recai exclusivamente
contra VREUHHVWDSHUVRQDJHPLQFyPRGDVmRDQWHVRVODWLQRVDDPSOLÀFDUHD
Ocidente enfatizar os efeitos políticos da fratura, ainda que reconhecendo quase
RÀFLDOPHQWHPHVPRGpFDGDVGHSRLVGRFLVPDDLQH[LVWrQFLDGHFRQFUHWDV
e incuráveis divergências teológicas e litúrgicas.
No trono pontifício estava, na época, Leão IX (1002-1054, papa desde 1049),
que, através do «diplomático» Argiro, impopular para Cerulário e apreciado por
Monómaco, patrocina um acordo entre o papado e Bizâncio em função anti-
normanda (foi prisioneiro dos normandos em 1053) e antigermânica – devia a
sua eleição a Henrique III (1017-1056, imperador desde 1046), mas desejava a
emancipação, antecipando o espírito que daria lugar ao Dictatus Papae, criado por
*UHJyULR9,, F QRSRQWLÀFDGRGHD
Cerulário envia uma carta dogmática bastante provocatória ao bispo de Trani,
SDUDTXHDWUDQVPLWDDRSDSDHjTXHOHVTXHGHVGHQKRVDPHQWHGHÀQHFRPR©RV
sacerdotes dos francos», chamados a emendarem-se e a abraçarem a ortodoxia.
No cabeçalho, Cerulário proclama-se «patriarca ecuménico», epíteto inaceitável

24
HISTÓRIA

para o papa, que, na sua resposta, reitera as posições já defendidas em 1049


no concílio de Reims – onde postulou a exigência de que o atributo da
«Os sacerdotes
universalidade fosse exclusivamente aplicado à Igreja de Roma – e decla- dos francos»
ra ilegítima e insolente a pretensão de uma igualdade entre Bizâncio e a
sede romana, verdadeira caput et mater ecclesiarum.
Uma outra carta vem dirigida a Constantino IX, brando mediador entre
os dois, provavelmente pouco consciente da gravidade da rutura em curso. Hum-
berto de Moyenmoutier (1000-1061), conde de Silva Candida, intransigente e
impetuoso delegado papal, que já traduzira para Leão IX a epístola de Cerulário
para latim, não sem acentuar, obviamente, o seu tom polémico e provocatório,
é encarregado de levar a missiva aos destinatários.
Teria sido inteligente manter uma abordagem cautelosa, especialmente depois
da morte repentina de Leão, mas talvez por já não ter de prestar contas ao papa,
Humberto, sua auctoritateHQWUDHP6DQWD6RÀDDGHMXOKRGHSRVLWDQGRQRDO-
tar, durante um rito solene, uma bula de condenação e excomunhão de Cerulá-
rio, onde argumenta que o anátema não procede do papa e prefere evitar atos de
represália, interessado em tirar proveito da indignação do seu povo e da reclama-
omRGRV©ÀOyVRIRVªGDFRUWHTXHVmRREULJDGRVjWRQVXUDHjFRQYHUVmRIRUoDGD
No entanto, o episódio tem graves repercussões no mundo latino. Com efei-
to, o novo papa Nicolau I (c. 980-1061, papa desde 1058) reconhece, em 1059,
ao normando Roberto, o Guiscardo (c. 1010-1085), a soberania nas terras itálicas
controladas até há pouco tempo por Bizâncio (Apúlia, Calábria, Sicília – a reti-
rar aos muçulmanos – e Cápua).
Como no tempo de Teodorico (c. 451-526, rei desde 474), a Igreja de Roma
prefere acordos com bárbaros de ritual latino em vez de ceder às chantagens dos
«heréticos» de Bizâncio. Nos séculos seguintes, os imperadores bizantinos
procurarão compor a disputa, mas a orientação claramente monárquica da
Entre bárbaros
Igreja romana a partir do século XI frustraria qualquer tentativa de rea- e heréticos
proximação, dando argumentos aos teólogos bizantinos para levantarem
acusações de heterodoxia contra os papas, que, com o aumento dos pode-
res temporais e do património eclesiástico, abandonavam claramente antigas
decisões conciliares, que previam uma administração policêntrica e colegial da fé
cristã, provenientes das sedes de Antioquia, Roma, Jerusalém e Constantinopla.

A neutralização do poder teocrático. Cisma irreversível


Miguel Cerulário permanece o protagonista dos anos que se seguiram ao
FLVPDTXHDXPHQWRXLQXVLWDGDPHQWHDVXDLQÁXrQFLD'HSRLVGHIRPHQWDUXPD
insurreição popular contra Miguel VI (?-1059, imperador de 1056 a 1057), com
o claro objetivo de instaurar uma espécie de hierocracia, o ambicioso patriar-
ca é levado a legitimar a ascensão de Isaac (c.1007-c.1060, imperador de 1057 a
1059), que percebe o perigo e o manda prender (1058) com a intenção de o acu-

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I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES

sar formalmente num sínodo que seria organizado na Trácia, longe de Bizâncio.
No entanto, Cerulário morre subitamente. Segundo as obras de Pselo, Isaac não
tinha feito mais do que levar a cabo um plano que a corte manobrava há anos
contra o poderoso prelado.
O cisma deve, portanto, considerar-se como a projeção, no plano religio-
so, do profundo fosso histórico e ideológico que se tinha vindo a criar entre as
duas sedes. As esperanças de curar esta ferida serão ainda mais diminutas em
1024, durante a quarta cruzada, quando os venezianos de Enrico Dandolo (c.
1107-1025) submetem Bizâncio a um tremendo saque e instauram o chamado
«Império Latino».

V. também: 5HLQRVGHWDLIDVRV(VWDGRVPXoXOPDQRVQD3HQtQVXOD,EpULFDS
 2HVSDoRVDFURGDRUWRGR[LDS2VSURJUDPDVÀJXUDWLYRVGD,JUHMDRUWRGR[DS
 6DQWD6RÀDHP&RQVWDQWLQRSODS
 %L]kQFLRHR2FLGHQWH 7HRIkQLD'HVLGpULRGH0RQWH&DVVLQR&OXQ\9HQH]D6LFt-
OLD S

A L U TA P E L A I N V E S T I D U R A

de Catia Di Girolamo

$,JUHMDHRLPSpULRSRVLFLRQDPVHFRPRSRGHUHVYLUWXDOPHQWHDODUJDGRVDWRGRR
mundo cristão medieval. Os seus papéis são aparentemente claros: primeiro, o guia
HVSLULWXDOGHSRLVDSROtWLFD2VHTXLOtEULRVUHDLVHQWUHRVSRGHUHVWRGDYLDUHÁHWHPVH
sobretudo nas exigências do local e do momento e nas personalidades que, com mão
PDLVRXPHQRVÀUPHVHFRORFDPjFDEHoDGD,JUHMDHGRLPSpULRERDSURYDGLVWR
será a questão da investidura episcopal, com a qual se cruza, nos séculos XI e XII, a
do primado romano sobre a cristandade.

Os contornos do problema
No limiar do século IX, o imperador assume uma posição de força em rela-
omRDRSDSDVmROKHFRQÀDGRVRJRYHUQRHDGHIHVDGDChristianitas, em que o
SRQWtÀFHWHPVREUHWXGRDIXQomRGHJDUDQWLUDSURWHomRGLYLQD
No entanto, muito antes da fundação imperial, já o alto clero exercia fun-
ções de governo local e, por isso, os próprios imperadores, a partir de Carlos
Magno (742-814, rei desde 768, imperador desde 800), valem-se dessa cola-
ERUDomRGHELVSRVHDEDGHVDÀUPDQGRRVVHXVFDUJRVGHFRPDQGRHIDYRUH-
cendo-lhes a autonomia perante a instituição da imunidade. Deste modo, os
soberanos pretendem ainda fazer oscilar a força dos poderosos laicos através
de uma aristocracia diferente, munida de melhores instrumentos culturais, do-

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